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A justiça como equidade em Jonh Rawls

Luis Augusto Rabelo Junior


 
1. INTRODUÇÃO
A obra Uma Teoria da Justiça, publicada em 1971, é o eixo do presente artigo. Esta obra,
mesmo tendo sofrido algumas alterações consideráveis, é considerada por diversos autores
como uma das mais importantes realizações da filosofia política do século XX, já que trouxe
contribuições novas para o debate de um tema que – apesar de ser tão velho quanto a filosofia
– nunca conseguiu obter uma unânimidade: a Justiça. No entanto, é bom salientar que o
presente trabalho não versará sobre a teoria da justiça de Rawls como um todo, mas sim sobre
a justiça como equidade em sua teoria.[1]
Centraremos nossas análises na primeira parte de Uma Teoria da Justiça, que é
essencialmente teórica – a justiça como equidade.
A justiça sempre suscitou discussões filosóficas conflitantes. Talvez a unanimidade seja de fato
algo estranho à justiça, por mais paradoxal que tal observação possa parecer. Se imaginarmos
a figura da deusa Têmis – ou Minerva - de olhos vendados e uma balança na mão, medindo
dois pesos contrapostos, podemos pensar que o resultado disso trará sempre
uma derrota ou prejuízo a uma das partes disputantes. Como o justo pode trazer um prejuízo
a alguém? E mais: pode a justiça causar mais mal do que a injustiça? Questões como essas são
as bases da filosofia política desde muito tempo.
A proposta de Rawls começa com a suposição de um contrato social hipotético e a-histórico,
no qual as pessoas seriam reunidas numa situação inicial – por ele chamada de posição
original – a fim de deliberar uma série de princípios que seriam responsáveis por embasar as
regras do justo – os princípios da justiça - nas instituições, uma vez que seriam as instituições
as intermediadoras entre as pessoas no convívio social. Segundo Rawls: A justiça é a primeira
virtude das instituições sociais, como a verdade o é dos sistemas de pensamento (RAWLS,
1981, pág. 27).
Conforme a teoria de Rawls, a única forma das pessoas em uma posição original escolherem os
princípios justos – aqueles princípios que, pressupõe Rawls, seriam apresentados pela razão de
cada um – seria imputar sobre esses legisladores iniciais um véu de ignorância, segundo o
qual cada pessoa ignoraria todas as suas circunstâncias pessoais anteriores a essa situação
hipotética. Essas pessoas desconheceriam suas condições financeiras como também seus
próprios dotes naturais. Assim, por exemplo, se um legislador fosse um grande proprietário de
terras e soubesse disso, seria difícil que ele concordasse que a distribuição equânime de terras
fosse algo justo. Por outro lado, segundo Rawls, se fosse impossível para esses legisladores
iniciais saberem se possuem terras ou não, seria mais fácil de ser concluído que a distribuição
equitativa de terras é algo justo, haja vista que os legisladores teriam receio de – após ser
levantado o véu de ignorância – descobrirem que não possuíam quaisquer bens materiais.
Desse modo, o egoísmo é o ponto que motiva a necessidade do véu de ignorância para a
obtenção dos princípios da justiça.
Por conseguinte, a teoria de Rawls não procura um bem supostamente existente, mas sim
procura construir um conceito de justo a partir do uso da razão e da vontade das pessoas.
Grosso modo, essa é uma primeira aproximação da base da teoria da justiça de Rawls. Resta
saber o que motivou o seu surgimento e também a escolha da teoria do contrato como ponto
de partida.
2. A PROPOSTA DE JUSTIÇA COMO EQUIDADE
 A idéia de equidade se configurou desde os primórdios e delineou-se até a
contemporaneidade incidindo na visão rawlsiana. Ele propôs um modelo de instituição o qual
deveria fomentar e aplicar o valor da justiça e dessa forma poderia minimizar as discrepâncias
sociais. A idéia de justiça para Rawls deveria ser pactuada anteriormente às instituições.
Para que isso ocorresse, porém, os integrantes deveriam estar num estado de igualdade,
cobertos pelo denominado véu da ignorância. Nesse estágio ninguém definiria valores de
justiça os quais propusessem vantagens para certos indivíduos em detrimento dos outros,
visto que por ninguém saber o porvir, a escolha de valores genéricos determinaria um estágio
inicial onde todos adquiririam o bem-estar.
Contrapondo o utilitarismo, Rawls, propõe uma idéia alternativa de justiça, aplicando o
contratualismo, inspirado na tradição liberal de Locke, Rousseau, Kant e Stuart Mills.
“Uma vez que todos estão numa situação semelhante e ninguém pode designar princípios para
favorecer sua condição particular, os princípios da justiça são o resultado de um consenso ou
ajuste equitativo. [...] A essa maneira de considerar os princípios da justiça eu chamarei de
justiça como equidade” (RAWLS, 1981. pág.33).
A justiça rawlsiana procura resolver o conflito pela distribuição de bens sociais entre as
pessoas. Um primeiro ponto de superação deste conflito como pensado por Rawls é considerar
a sociedade como um sistema equitativo de cooperação. Rawls considera também que as
pessoas são seres racionais e razoáveis, isto é, que possuem interesses próprios de acordo com
a concepção de bem que formulam para as suas vidas, mas que, ao mesmo tempo, dispõem-
se, em função do sentido de justiça que possuem, a ponderar umas com as outras sobre quais
os justos termos de cooperação devem nortear o convívio social e a distribuição dos benefícios
sociais. Dessa forma, segundo Rawls, as pessoas chegam a um acordo sobre os princípios de
justiça que serão escolhidos.
A partir daí, o raciocínio de Rawls é desenvolvido de acordo com as seguintes considerações:
Ele observa que as pessoas dispõem de posições sociais diferentes às quais estão sujeitas
desde o seu nascimento. Estas posições, segundo Rawls, afetam seriamente as suas
expectativas de vida a partir da percepção de que algumas pessoas têm mais, ou menos, sorte
que outras na distribuição das posições sociais e dos dotes e habilidades naturais e, que, em
função disso, se beneficiam mais, ou menos, dos resultados da cooperação social.
Para a solução do conflito gerado pela distribuição dos benefícios da cooperação social, Ele
desenvolve princípios de justiça aplicados à estrutura básica da sociedade que sejam aceitos
por todos de maneira equitativa. Rawls imagina uma sociedade caracterizada por uma situação
de igualdade democrática, em que, por meio da justiça contida nas suas instituições sociais,
esteja garantido o direito de todas as pessoas se favorecerem dos benefícios da cooperação
social.
Rawls desenvolve a sua alegoria do contrato social a fim de alcançar este objetivo. Para tanto,
imagina as pessoas todas reunidas no que ele chama de posição original. Nesta posição
original as pessoas estão cobertas pelo véu de ignorância  e em função disso não sabem qual a
posição social de cada uma delas, mais precisamente o seu status  social, da mesma forma
também não sabem como os dotes pessoais (físicos e mentais) estão distribuídos entre elas.
Assim, a escolha dos princípios de justiça é feita de modo que as pessoas não são capazes de
propor supostos princípios de justiça que favoreçam mais a umas que a outras.
É preciso, portanto, de acordo com Rawls, que a sociedade seja regulada por uma concepção
política de justiça a fim de promover os justos termos de cooperação entre seus membros. Tal
concepção política de justiça - a justiça como equidade  - caracteriza a sociedade bem-
ordenada como aquela na qual todos aceitem e saibam que os outros aceitam os mesmos
princípios de justiça, e as instituições sociais básicas geralmente satisfazem, e geralmente se
sabe que elas satisfazem, esses princípios. (RAWLS, 1981, pág. 31). É a certeza da
reciprocidade no trato entre os homens e a confiança nas instituições sociais que preservam a
sociedade como um empreendimento cooperativo.
Assim, a justiça, na concepção de Rawls, deve, através das instituições sociais, garantir que não
ocorram distinções arbitrárias entre as pessoas na atribuição de direitos e deveres básicos na
sociedade e garantir também regras que proporcionem um equilíbrio estável entre
reivindicações de interesses concorrentes das vantagens da vida social e na distribuição de
renda e riqueza. É a partir então da concepção política de justiça gestada numa condição de
equidade entre as pessoas que se desenha o cenário de justiça social rawlsiana.
Rawls, em todo o seu aspecto político e moral, procura desenvolver uma alternativa ao
utilitarismo – a doutrina de que se deve agir de um modo que provenha o maior benefício para
a maioria das pessoas – pois considera o utilitarismo como uma ameaça aos direitos
individuais e se alinha aos pensadores que vêem a sociedade em termos de um contrato social.
(RAWLS, 1981, pág. 40).
2 .1 Os dois princípios da justiça como equidade: Liberdade igual e Diferença
Os dois princípios de justiça escolhidos e determinados por Rawls, na posição original, são
formulados e organizados de forma serial, para que ele possa aplicar na estrutura básica da
sociedade e assim chegar à conclusão de sua teoria. Os princípios de justiça seriam aqueles
que poderiam ser acordados entre os indivíduos de uma sociedade em uma situação
hipotética a qual ele chamou de posição original. Para Rawls, esta posição corresponderia à
situação em que fossemos agentes morais desinteressados que não conhecêssemos nossa
situação real de vida, incluindo raça, sexo ou condição econômica (RAWLS, 1981, pág.36).
Rawls enuncia primeiramente o principio da liberdade igual, que garante igual sistema de
liberdades e direitos o mais amplo possível, sendo a liberdade igual a todos os indivíduos, e
depois anuncia o principio da diferença que assegura que as eventuais desigualdades
econômicas na distribuição de renda e riqueza somente são aceitas caso beneficiem
especialmente os menos favorecidos, em ambos, nenhuma vantagem pode existir moralmente
se isto não beneficia aquele em maior desvantagem. (RAWLS, 1981, pág. 67). Este princípio é
criticado por muitos filósofos com base na argumentação de que se uma vantagem é obtida
sem prejuízo dos demais, isto não pode criar uma obrigação para com terceiros. Para ele,
somente a comunhão dos dois princípios de justiça e que ajudarão a nortear esta
problemática.
Assim sendo, entende que estes os indivíduos devem necessariamente concordar com os dois
princípios, onde direitos e liberdades devem ser tão extensos quanto possível, para cada
indivíduo, até o ponto que não infringisse direitos e liberdades dos outros indivíduos e as
desigualdades sociais e econômicas devem estar igualmente disponíveis para qualquer posição
prover o melhor benefício pela menor desvantagem.
O primeiro princípio, da liberdade igual, se refere à ampla gama de liberdades básicas de um
indivíduo, entendido como um cidadão participante de um estado de direito. São, portanto, a
liberdade política – de votar e ser votado - de expressão, de reunião, de propriedade privada,
etc. De acordo com o primeiro princípio, essas liberdades devem ser iguais a todos os
indivíduos.
Como explica Freeman, Rawls considera essas liberdades básicas porquanto moralmente mais
significantes e imprescindíveis para os indivíduos. Em primeiro lugar, elas são necessárias para
a consideração e escolha de seus vários interesses. Em segundo lugar, são também necessárias
para que os indivíduos possam ter um senso de justiça, uma vez que este se manifesta quando
da busca ativa de seu próprio bem em relação à sociedade (FREEMAN, 2002, pág. 15).
O segundo princípio, da diferença, se aplica à distribuição de renda e riqueza e ao escopo das
organizações que fazem uso de diferenças de autoridade e de responsabilidade. Quanto ao
primeiro item – a distribuição de renda e riqueza – é preciso salientar que esta não precisa ser
igual, mas deve ser vantajosa para todos. Quanto ao segundo item, basta dizer que ao mesmo
tempo que a distribuição de renda deve se dar de tal modo que beneficie a todos, as posições
de autoridade e responsabilidade devem também ser acessíveis a todos (RAWLS, 1981, pág.
68).
Na primeira parte do segundo princípio, Rawls se encontra margeando dois pontos
fundamentais da questão sobre a igualdade econômica: de um lado há a perspectiva liberal
tradicional, capitalista, que permite a desigualdade generalizada de riqueza, uma vez que essa
é decorrente da capacidade de cada um e/ou das contingências de seu nascimento; de outro
lado, a perspectiva comunista, que postula a divisão igualitária dos bens.
O filósofo americano reconhece que a divisão igualitária dos bens primários e da autoridade
traz problemas às eficácias econômicas e organizacionais, bem como o liberalismo do traz
conseqüências sociais graves. Entre os dois extremos, Rawls acredita encontrar um meio-
termo no qual as desigualdades sócio-econômicas são permitidas desde que haja um
compromisso dos mais favorecidos em relação aos menos favorecidos, ou seja, que o
progresso dos primeiros se reflita na melhoria também da situação dos segundos, ao contrário
do que ordinariamente acontecia (e ainda acontece) na lógica do capitalismo. Isso é o que
Rawls chama de princípio da diferença, segundo ele: (...) os princípios da justiça, em particular
o princípio de diferença, aplicam-se aos princípios e aos programas políticos públicos que
regem as desigualdades econômicas e sociais. Eles servem para ajustar o sistema dos títulos
(no sentido jurídico) e dos ganhos e para equilibrar as normas e preceitos familiares que esse
sistema utiliza na vida cotidiana. O princípio de diferença vale, por exemplo, para a taxação da
propriedade e da renda, para a política econômica e fiscal. (RAWLS, 2000, pág. 34).
Assim, com os dois princípios da justiça de sua teoria, Rawls procura resguardar o valor do
indivíduo, seja protegendo as suas liberdades básicas fundamentais, seja propiciando
melhorias sociais em sua vida. Para tanto, os princípios devem obedecer a uma ordenação
serial, sendo que o primeiro antecede o segundo. Essa ordenação significa que as violações das
liberdades iguais protegidas pelo primeiro princípio não podem ser justificadas nem
compensadas por maiores vantagens sociais (RAWLS, 1981, pág. 65). Logo se vê que essa é
uma garantia que o utilitarismo não poderia dar.
São esses, portanto, os princípios que configuram a idéia da justiça como equidade. Essa
concepção de justiça não pretende a divisão igualitária e totalizadora dos bens primários ou da
autoridade, uma vez que esse tipo de desigualdade é, por um lado, necessária (como no caso
da motivação profissional e da livre iniciativa) e também é, por outro lado, inevitável, haja vista
a dinamicidade da sociedade e as características de cada pessoa, fatores que a ingerência
estatal não consegue jamais controlar.
Nesse sentido, a equidade (fairness, no original) deve ser entendida como a tentativa de
equalizar os interesses discrepantes inevitavelmente presentes em qualquer sociedade de
forma equânime (fair), ou seja, de uma forma que possa ser vantajosa para todos, segundo os
dois princípios básicos escolhidos em uma situação de acordo inicial equitativa. Como esses
princípios são escolhidos para reger a estrutura básica da sociedade, formando um conceito de
justiça procedimental pura e equânime, a injustiça, nesse caso, como afirma Rawls, constitui-
se simplesmente de desigualdades que não beneficiam a todos (RAWLS, 1981, pág. 66).
O Principio da Diferença, onde as desigualdades sociais e econômicas devem ser ordenadas de
tal modo que ambas são (a) consideradas como vantajosas para todos dentro dos limites do
razoável e (b) vinculadas a posições e cargos acessíveis a todos, ou seja, vantagens para todos,
abertos a todos. (RAWLS, 1981, pág. 68).
Estes dois pilares compreendem a idéia de justiça formulada por Rawls, embora não resolvam
alguns problemas práticos. De todo modo, a concepção do autor considera a necessidade de
estabelecer certa ordem de prioridades entre os dois princípios. O princípio da liberdade igual,
por exemplo, tem prevalência sobre o segundo. O princípio da oportunidade justa sobrepõe-se
ao da diferença. Uma vez que se esteja em uma situação de bem-estar acima da luta pela
sobrevivência, a liberdade adquire prioridade sobre o bem-estar econômico ou sobre a
igualdade de oportunidades. Sob este prisma, pode-se inferir que o pensamento de Rawls é o
de um liberal.
Não obstante a tudo o que foi dito, acrescenta-se que cada um dos princípios mantém a idéia
de distribuição justa. Quanto à questão da desigualdade apresentada por RAWLS apud
OLIVEIRA salienta:
“Assim, uma desigualdade de liberdade, oportunidade ou rendimento será permitida se
beneficiar os menos favorecidos. Isto faz de Rawls um liberal com preocupações igualitárias.
Considera mais uma vez alguns exemplos. Um sistema de ensino pode permitir aos estudantes
mais dotados o acesso a maiores apoios se, por exemplo, as empresas em dificuldade vierem a
beneficiar mais tarde do seu contributo, aumentando os lucros e evitando despedimentos.
Outro caso permitido é o de os médicos ganharem mais do que a maioria das pessoas desde
que isso permita aos médicos ter acesso a tecnologia e investigação de ponta que tornem mais
eficazes os tratamentos de certas doenças e desde que, claro, esses tratamentos estejam
disponíveis para os menos favorecidos” (VAZ, Faustino apud OLIVEIRA, 1999).
É interessante observar que Rawls se atém acerca dos direitos civis e políticos considerados
nas democracias liberais – a liberdade de expressão, o direito de ir e de vir, o direito à justiça, o
direito de se defender juridicamente, o direito de se candidatar a cargos públicos, assim como
o direito de votar e ser votado. Note-se que tais direitos constituem, sobremodo, a base dos
direitos inalienáveis do indivíduo no Estado Democrático de Direito, constituindo o que hoje se
entende por Cláusulas Pétreas na Constituição Brasileira atual.
Em paralelo, segundo a concepção rawlsiana, uma vez solucionadas as questões atinentes aos
direitos e liberdades básicas nas sociedades democráticas, estas se deparam com a
problemática da distribuição justa dos recursos econômicos. Ora, como resolver isso? Rawls
acredita que este tipo de distribuição só é possível adotando-se o princípio da diferença, a
respeito do qual destaca dois argumentos, conforme se vê a seguir.
O primeiro argumento aborda a questão da igualdade de oportunidades. Segundo este
princípio, as escolhas das pessoas determinam os seus respectivos destinos e não apenas as
circunstâncias em que se encontrem. Assim, não se poderia negar a um indivíduo a
oportunidade de realizar suas expectativas e anseios com base – ou em função – em sua
origem social, étnica ou cultural. Ainda segundo este mesmo princípio, o entendimento acima
é intuitivo. Intuitivamente também não se pode achar (na maioria das vezes, presume-se) que
uma pessoa de cor não possa se tornar o presidente de uma grande empresa, apenas por ser
de cor. Refletindo um pouco, uma vez garantida a igualdade de oportunidades, como diz o
autor:
“(...) prevalece nas sociedades atuais a idéia de que as desigualdades de rendimento são
aceitáveis independentemente de os menos favorecidos se beneficiarem ou não dessas
desigualdades. Como ninguém é desfavorecido pelas suas circunstâncias sociais, o destino das
pessoas está nas suas próprias mãos. Os sucessos e fracassos dependem do mérito de cada
um, ou da falta dele. É assim que a maioria pensa” (VAZ, Faustino, idem).
Entende-se que embora a maioria das pessoas conceba que os indivíduos têm oportunidades
iguais, esta idéia não respeita o fato de que estes indivíduos deveriam ter os seus destinos
determinados pelas suas escolhas e não pelos determinantes sociais pura e simplesmente. É o
que Rawls articula em seus escritos. Dessa forma, Rawls fundamenta a sua teoria da sociedade
justa. Ele exige que os princípios sejam inseridos em ordem serial ou lexical (opção do autor, já
que o termo correto, lexicográfico, é considerado por ele muito desajeitado). Através deste
método, o primeiro princípio da ordenação deve ser satisfeito antes de podermos passar para
o segundo, o segundo antes de considerarmos o terceiro e assim por diante. Um determinado
princípio não será considerado até que aqueles que o precedem sejam plenamente aplicados
ou se constate que não se aplicam ao caso. Uma ordenação serial evita, portanto, que sequer
precisemos ponderar princípios; os que vêm antes na ordenação têm um peso absoluto, por
assim dizer, em relação aos que vêm depois, e valem sem exceção.
Para que possa aplicar os princípios da justiça, Rawls apresenta regras de prioridade que são:
- A Prioridade da Liberdade: Os princípios da justiça deve ser classificados em ordem lexical e,
portanto as liberdades básicas só podem ser restringidas em nome da liberdade.
Existem dois casos:
- uma redução da liberdade deve fortalecer o sistema total das liberdades partilhadas por
todos; e
- uma liberdade desigual deve ser aceitável para aqueles que têm liberdade menor para
aqueles cidadãos com a liberdade maior).
Para definir as prioridades de liberdade básica (RAWLS, 1981, pág. 52), socorre-se de
Aristóteles, já que este grande filósofo observa que uma das peculiaridades dos homens é que
eles possuem um senso do justo e do injusto, e que o fato de partilharem um entendimento
comum da justiça cria a polis.  Depois, a teoria da justiça repousa sobre pressupostos pouco
exigentes e amplamente acatados. Assim, poderá ela conseguir uma aceitação geral. As nossas
liberdades estão mais firmemente embasadas quando derivam de princípios com os quais as
pessoas, situadas equitativamente umas em relação às outras, podem concordar.
O segundo principio é o da Prioridade da Justiça sobre a Eficiência e sobre o Bem-Estar que é
lexicalmente anterior ao princípio de eficiência e ao princípio de maximização da soma de
vantagens: e a igualdade equitativa de oportunidades é anterior ao princípio da diferença.
Existem dois casos:
- uma desigualdade de oportunidades deve aumentar as oportunidades daqueles que têm uma
oportunidade menor e
- uma taxa excessiva de poupança deve, avaliados todos os fatores, tudo é somado, mitigar as
dificuldades dos que carregam este fardo.” (RALWS, 2002, pág. 55). Estas liberdades (de
cidadania) incluem a liberdade de consciência e de pensamento, a liberdade individual e a
igualdade dos direitos políticos (RAWLS, 1981, pág. 67).
A Liberdade de consciência é o de o cidadão fazer aquilo que considere justo, de acordo com
as exigências do interesse estatal na ordem e na segurança públicas. Rawls trata o exemplo do
culto religioso ou prática sexual que possa causar sentimentos de aversão ou ira à maioria.
Enquanto que o utilitarismo poderia justificar duras medidas repressivas contra tais ações que
não causam dano social algum, isto não poderia acontecer se houvesse subordinação aos
princípios de justiça de Rawls, pois a satisfação dos sentimentos (de aversão e ira) carece de
valor que se possa colocar em oposição ao direito de outra liberdade igual.
Assim, frente aos princípios de justiça, pouco importa intensidade dos sentimentos ou o fato
que estes sejam compartilhados pela maioria. As bases da doutrina da liberdade pessoal não
estão bem assentadas, baseando-se na idéia que a liberdade de consciência deve fundar-se em
princípios que assegurem a integridade das liberdades religiosa e moral. A manutenção de
valores religiosos e morais, porém, sobrepõem-se naturalmente a outro interesse, a tal ponto
que as generalizações do utilitarismo sobre elas recai, como visto, contrariando à própria
justiça igualitária.
3. CONCLUSÃO
Diante de todo o exposto, entende-se que a compreensão do conceito de Justiça requer uma
visão ampla e ao mesmo tempo centrada numa discussão ética histórica e social. Neste
diapasão, o filósofo Jonh Rawls defende que os dois pressupostos básicos para o
estabelecimento de uma sociedade mais justa seriam a igualdade de oportunidades abertas a
todos em condições de plena equidade, e a condição de que os benefícios nela auferidos
devem ser repassados preferencialmente aos menos privilegiados da sociedade, os
socialmente desfavorecidos. Nesta perspectiva, entende Rawls, que justiça e equidade
significa, antes de mais nada, amparar os desvalidos, corrigindo as desigualdades sociais.
A Teoria da Justiça de John Rawls tem o mérito de ser a primeira grande teoria geral sobre a
justiça, embora tenha sido – e ainda venha sendo – alvo de críticas quanto ao seu conteúdo.
Não obstante, veio a provocar uma reorientação no pensamento filosófico americano, até
então interessado em questões epistemológicas e lingüísticas, canalizando-o em direção aos
problemas ético-sociais. Também alcançou o mérito de ter propiciado um novo tipo de
igualitarismo teórico, um igualitarismo não mais de oportunidades, mas de resultados.
Os princípios da justiça idealizados por Rawls são as liberdades públicas ou direitos
fundamentais, que a melhor doutrina jurídica sobrepõe a todo e qualquer direito ou dever, até
mesmo de natureza constitucional, já que são alicerce do próprio Estado de Direito. Nesse
sentido, é possível a afirmação de que toda lei injusta é substancialmente inconstitucional.
Quando Rawls sustenta a possibilidade da desobediência civil, sempre que houver
descumprimento de tais liberdades, na realidade, significa que a governabilidade corre sérios
riscos, caso o sentimento de justiça da sociedade não coincida com o ordenamento jurídico.
Muito embora a lei injusta possa ser vinculativa nos casos de inocorrência de
inconstitucionalidade a mesma cairá no desuso e, portanto, a sua aplicação ocasionará o
descrédito das instituições.
De fato, é inconcebível a existência de uma unidade a respeito de justiça, eis que diferentes
são as pessoas e diferentes são também as culturas e as sociedades. Ao contrário do que se
imagina, Rawls reconhece tal impossibilidade, ao sustentar a necessidade de um consenso
sobre justiça. Assim sendo, a justiça terá sempre um conceito relativo, devendo prevalecer o
entendimento da maioria daqueles que com ela convivem.
É no âmbito desta linha de pensamento, se reconhece o brilhantismo e a capacidade
intelectual de Rawls e de ser, a sua teoria, algo dotado de uma perspectiva abrangente, justa e
igualitária, através da qual se depreende uma verdadeira preocupação social, sobretudo no
que diz respeito aos direitos dos menos favorecidos, num momento histórico em que a idéia
do individualismo se projeta e as oportunidades aparentam alcançar a todos.
Rawls, em Uma Teoria da Justiça, foca a necessidade e a premência de uma Justiça realmente
justa, filosoficamente coadunada e alinhada com a voz dos mais fracos, ou melhor, dos menos
favorecidos, muitas vezes esquecidos quiçá pelo texto frio das Leis que objetivamente
desconsiderem as minorias. Rawls, mostra-se convicto de que a sua teoria pode, por meio da
justiça, tornar uma sociedade justa e igualitária.
A obra em tela se constitua num grande referencial político e teórico filosófico, a partir do qual
se podem retirar grandes ensinamentos, ainda que sujeitos às mudanças sociais e políticas da
modernidade.

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