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ISSN 18092616
ANAIS
V FÓRUM DE PESQUISA CIENTÍFICA EM ARTE
Escola de Música e Belas Artes do Paraná. Curitiba, 20062007
ASPECTOS DA CRÍTICA TEATRAL
Robson Rosseto*
robsonrosseto@hotmail.com
Resumo: O presente artigo tem por objetivo investigar a realidade do crítico teatral hoje.
Constatase que a crítica teatral no Brasil passou por modificações diversas, especialmente
de ordem funcional, em relação ao leitor. Análises profundas, sociólogas e estéticas estão
somente nas revistas especializadas, reflexo do pouco espaço que os jornais destinam para
o teatro. No entanto, em virtude do quadro caótico de pequeninos textos informativos, o
crítico teatral se faz mais necessário na atualidade, mas com um diferencial: hoje, precisa
auxiliar o espectador a distinguir valor neste verdadeiro redemoinho de imagens no qual a
arte cênica está inserida. Não se trata apenas de fazer a defesa do teatro como arte, que é
sempre válida e necessária, mas analisar o fenômeno da predominância de diferentes
estilos estéticos parece ser fundamental.
Palavraschave: Crítica Teatral; Espetáculo Teatral; Espectador.
Temível e desnorteante, a crítica ostenta o poder avassalador da glória e da
ruína, por aqueles que venham a se expor, primordialmente os artistas. De grande
valia, a crítica surge com requinte e o glamour que lhe cabe. E, lúcido da
responsabilidade está o crítico, munido de suas subjetividades.
Ora, o momento atual se caracteriza por uma imensidão de códigos,
referenciais, modos e modalidades de diferentes culturas e épocas que se
entrecruzam com uma velocidade espantosa, nunca vista antes. Ao adentrar no
mundo teatral, o crítico e o público recebem um convite para se despir de
preconceitos, empreender viagens e conhecer paixões diversas. Para tanto, o crítico
possui uma árdua tarefa: a de assimilar o espetáculo a fim de transcrevêlo para o
papel com extrema desenvoltura e de forma acessível para o público.
*
Professor do Curso de Licenciatura em Teatro da Faculdade de Artes do Paraná – FAP e mestrando
pelo Programa de PósGraduação em Teatro da Universidade Estadual de Santa Catarina – UDESC.
Membro do GT Pedagogia do Teatro e Teatro e Educação da Associação Brasileira de Pesquisa e
PósGraduação em Artes Cênicas – ABRACE.
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A crítica teatral foi, durante muitas gerações, território de autodidatas. Com a
criação de cursos especializados, profissionalizouse o crítico. O crítico aprende a
ver, a ter uma leitura em profundidade do espetáculo. Inegavelmente alguns pontos
são fundamentais para a análise da obra teatral. Dentre eles estão: diálogos das
personagens no interior da peça, diálogo da peça com peças anteriores do mesmo
autor ou encenador, diálogo de gêneros teatrais, diálogo entre várias “artes” dentro
do teatro e identificação dos signos de um espetáculo teatral. Fica muito difícil
enfrentar o trabalho jornalístico sem um sólido preparo teórico. O crítico precisa
moverse nos mais variados temas, sob pena de não ter a autoridade reconhecida.
O crítico deve no mínimo conhecer as principais vertentes e linhas de
abordagem, as novas e as consagradas, da obra ou do autor. Caso contrário, ele
poderá nitidamente errar, ou arriscarse em querer reinventar o que já é fato
consolidado.
Uma outra dimensão do trabalho crítico é atualizar a tradição, mesmo que
para se contrapor a algumas de suas certezas e, a partir daí, discernir ou mesmo
vislumbrar novas possibilidades de leitura. Afinal, o significado de uma obra não
morre, nem se congela: cada momento, cada geração, cada leitor a verá de um
ângulo único e inimitável. É próprio do crítico apontar como se constituíu a nova
perspectiva e o que ela realmente pode acrescentar de novo. O trabalho crítico de
fato profundo é cumulativo, com consciência da acumulação histórica que o precede.
A única capacidade verdadeiramente poderosa que a espécie humana possui
é a imaginação criadora. O teatro utilizase do poder da criatividade para a
comunicação teatral, com o objetivo de levar o espectador a novas possibilidades e
sensações. Para tanto, os arquitetos artísticos utilizamse da ciência, da tecnologia,
de signos, símbolos e do material humano (ator), para transmitir o conteúdo e
informações desejadas do espetáculo. Às vezes a comunicação não acontece com
êxito, em virtude da turbulência de idéias ou mesmo idéias equivocadas, em que o
público não consegue decodificar os elementos colocados em palco.
A diferença entre o crítico e qualquer outra pessoa, está no fato de ele ser
preparado, no exercício de sua profissão, com leituras específicas, principalmente
sobre estética e semiologia. O professor de Teoria e Semiótica Teatral Patrice Pavis,
no Dicionário de Teatro – Dramaturgia, Estética, Semiologia, caracteriza a estética
teatral assim: “a estética (ou poética) teatral formula as leis de composição e
funcionamento do texto e da cena. Integra o sistema teatral em um conjunto mais
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vasto: gênero, teoria da literatura, sistema de belasartes, categoria estética e teórica
do belo, filosofia do conhecimento”. 1
O crítico Alberto Guzik afirma que a crítica é a mais perfeita tradução da
subjetividade. Aponta que qualquer forma de crítica, como releitura do objeto que
inspirou aquela crítica, é semiologia pura. Afirma também que não há rituais
sagrados para elaborar o metatexto crítico. Ele procura assistir ao espetáculo como
espectador comum, deixandose aberto para o envolvimento com a obra e tentando
isolar o problema, se ele existir. Estabelece uma conexão entre as partes do
espetáculo: som, luz e interpretação, dentre outras. 2
De novo: o que diferencia um espectador comum de um crítico de arte é o seu
repertório. A capacidade que ele tem de relacionar aquele espetáculo com tais e tais
movimentos, com outras ligações históricas e com a própria engrenagem teatral.
Ademais, ele é tão sensível às manifestações artísticas quanto qualquer outro
apaixonado pelas artes.
Não se pode exigir, então, da crítica, objetividade. A feitura de uma crítica se
constrói mediante a subjetividade e a paixão. Toda a crítica parte de uma impressão
pessoal. Gostar ou não gostar de determinado espetáculo é essencial. Mas somente
crítica estéril se limita a esse tipo de depoimento. A coragem do crítico está em
enfrentar seus preconceitos. Precisa ser generoso com o que se viu e consigo
próprio, para desvendar as motivações que levam a privilegiar determinado
espetáculo.
DA CRÍTICA TEATRAL: FUNÇÕES
1
PAVIS, Patrice. Dicionário de Teatro. Trad.: Jacó Guinsburg; Maria Lúcia Pereira. São Paulo:
Perspectiva, 1999. p. 145.
2
GUZIK, Alberto. O Teatro Brasileiro Hoje. Encontros com a crítica: dança, teatro, artes plásticas.
Centro Cultural de São Paulo. São Paulo: CCSP, 1530 set., 1996. p. 8794. Além de crítico teatral,
Alberto Guzik é ator, diretor, professor e escritor.
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A crítica é inerente à produção da cultura dramática. Não se pode imaginar o
desenvolvimento de um teatro nacional sem o respaldo de intelectuais conhecedores
da arte, capacitados à análise e à discussão do fenômeno estético. Sob esse ponto
de vista, a crítica tem função analítica e organizadora das diferentes correntes de
pensamento que incidem na produção dramática. A crítica, de fato, é uma espécie
de crônica, na qual se misturam conhecimentos, tiradas cômicas, impressões e
sentimentos.
A idéia de crítica, o tema fundamental do kantismo, segue princípios de que a
crítica deve atuar de acordo com os procedimentos científicos aceitos, sendo
necessário justificar os argumentos. Para Immanuel Kant (17241804), a idéia de
crítica está ligada à análise reflexiva. O método reflexivo se caracteriza por refletir os
conhecimentos racionais que se possui, para obter uma idéia precisa da própria
natureza da razão, usar os métodos reconhecidos para permitir uma sólida
comunicação entre os interlocutores. A obra kantiana Crítica da faculdade do juízo
(1790), trouxe o assunto de forma decisiva para a discussão, dedicada à reflexão da
produção dos juízos de gosto, dissemina a noção de crítica como avaliação fundada,
obviamente, no gosto.
Sabese que a crítica teatral tem duas funções. A primeira é promover um
diálogo com o artista que o faça refletir sobre o seu trabalho. A segunda função,
esclarecedora, é fazer para o público uma leitura do espetáculo.
Normalmente, o que o artista tem em termos de retorno são o aplauso, o riso
ou a vaia do público e os elogios dos amigos. Comentários que ficam na superfície.
O artista raramente tem a oportunidade de refletir mais profundamente sobre o seu
espetáculo. Nessa medida, o crítico será alguém especializado que contribui para o
crescimento do artista. Bárbara Heliodora afirma:
3
KANT. Apud: PASCAL, Georges. O pensamento de Kant. Intr. e trad.: Raimundo Vier. 2. ed.
Petrópolis: Vozes, 1985. p. 44.
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A crítica jornalística, para mim, tem um objetivo duplo. Por um
lado, informar o espectador sobre o que é o espetáculo que
está sendo levado. Mas, principalmente, ela tinha que servir
para quem faz o teatro, com um ponto de referência de como é
que está passando o espetáculo para o público. Devia ser
assim, porque, afinal, o que é o crítico? Um espectador bem
informado que reage ao que é apresentado. O papel da crítica
é sempre, basicamente, este. 4
4
HELIODORA, Bárbara. Crítica. Jornal O Globo, 5 fev. 1997, 2. cad. Crítica, ensaísta, professora e
tradutora. Crítica carioca que acompanha a atividade teatral desde os anos 60, especializada na obra
de William Shakespeare.
5
Paulo Francis tornouse notório, em primeiro lugar, como crítico de teatro do “Diário Carioca” entre
1957 e 1963. Adiante deixou o teatro em troca do jornalismo, tornandose um respeitado articulista de
sua geração.
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outras leituras. Sobretudo, esse, por que não?, timoneiro deverá alertar para
aspectos fascinantes e intricados do espetáculo.
Numa peça de teatro, a ação vem para o primeiro plano, ou a sua ausência,
como em Esperando Godot, de Samuel Beckett. Este texto, por exemplo, não é de
fácil entendimento para o público leigo; os personagens, o que fazem, o que dizem
que fazem, o que os outros dizem de cada um deles, a força expressiva das
palavras, os conflitos e o choque de idéias, todos estes elementos possuem nomes
específicos e algumas vezes complicados, em diferentes teorias de crítica literária e
de encenação teatral. A incumbência da crítica se personifica na desmistificação
desses elementos, em saber traduzilos, na sua prática, para um público mais amplo
e em saber despertar o interesse desse público em aprofundar seus conhecimentos.
Infelizmente, as pessoas buscam os jornais atrás de informações que a
indústria cultural despeja nos meios de comunicação. Os críticos têm cada vez
menos influência diante do mercado publicitário. A crítica, no passado, ocupava
páginas inteiras dos jornais, levando questões, esmiuçando os espetáculos,
propondo análises. Em oposição ao passado, atualmente, as publicações são mais
textos informativos do que análises críticas. Entrevistas e reportagens ocupam o
lugar da crítica. A tendência dos jornais é cada vez mais a de afastar os críticos
regulares e chamar repórteres para escreverem sobre teatro, ao invés de recorrerem
a profissionais especializados. Somente em eventos especiais, como por exemplo,
em festivais de teatro, são convocados os principais críticos nacionais para cobrir
tais eventos.
Na opinião do jornalista Marcelo Leite, a crítica foi a grande invenção de
nossa civilização, “é a essência do estilo de conhecimento que se desenvolveu no
Ocidente e mudou a face do mundo, fazendo do homem moderno um condenado à
crítica”. 6 A sociedade mantém uma relação vital com a crítica. O mecanismo social
obrigase a fazer crítica de tudo: dos espetáculos, das artes, da televisão, da vida
pública, das relações sociais e do próprio conhecimento. Além disso, as críticas
também surgem em confronto às próprias críticas. A crítica possui alto índice de
valor perante a sociedade, mas o fundamento crítico não pode jamais ser confundido
com verdade absoluta e imutável; só pode ser pensado como ponto de vista
relativizado e contextualizado pelo diálogo.
6
LEITE, Marcelo. A maior invenção, segundo um brasileiro. Folha de São Paulo, 3 dez. 1999, p. 4.
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Com efeito, o papel da crítica mudou ao longo dos anos. Há vinte anos, por
exemplo, seu papel era de formadora de sensibilidade crítica. Atualmente ela está
mais presa à informação jornalística, diferentemente de antes, quando era mais
acadêmica. Do ponto de vista da imprensa, o que se espera é que a crítica seja mais
informativa. É difícil encontrar nos jornais análises mais profundas, sociológicas ou
estéticas. Isto é inevitável, já que o espaço disponível para a análise de um
espetáculo não permite uma avaliação mais detalhada de todos os elementos
envolvidos numa produção teatral. Do ponto de vista do leitor, esperase que a
crítica seja indicativa. Ou seja, se vale a pena ou não assistir ao espetáculo, numa
visão estritamente consumista do fato teatral. Garantia para o espectador médio
nunca se surpreender.
O rumo da crítica é, pois, incerto e aponta para outras vertentes. Constatase
que o papel que ela vem assumindo está ligado à crítica acadêmica, nos periódicos
especializados. Infelizmente, na imprensa, ela se vê condenada a fazer menos
história e a registrar mais os fatos.
DA CRÍTICA TEATRAL: NOVAS TENDÊNCIAS CÊNICAS
Ao longo do século XX, a encenação foi adquirindo autonomia, separandose
da literatura, da qual tradicionalmente era entendida como subproduto. As
revoluções dos conceitos cênicos passando por Stanislavsky (18631938), Gordon
Craig (18721966), Meyerhold (18741940), Artaud (18961948), Brecht (18981956)
e tantos outros, abriram horizontes exaustivamente explorados por criadores no
mundo todo. Depois da Segunda Guerra Mundial (19391945), a encenação,
incidindo em novos paradigmas, novas linguagens, conferiu a ela peculiaridades que
a tornam um tipo de expressão singular, único, provido de dinamismo próprio. Sem
dúvida, o texto dramático continua sendo um dos fundamentos do teatro, mas deixou
de ser a base.
Encenadores geniais, que dominam códigos estabelecidos e os transgridem,
revelam valores no texto dramático que o crítico e o ensaísta tradicionais não
conseguem vislumbrar. A liberdade de desconstruir e reconstruir, marca da
encenação contemporânea, possibilita a exploração desses valores numa viagem
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para dentro da obra. São procedimentos e códigos novos que desvendam novos
horizontes.
A técnica de Antunes Filho (1929), por exemplo, no trabalho com o texto,
representa tendência já consolidada no teatro brasileiro – faz uma ”cirurgia” na peça,
busca, mediante a pesquisa e o estudo seus elementos essenciais, trabalhar os
aspectos nucleares do drama, dispensando os dados acessórios, ilustrativos, os
comentários paralelos. Técnica que exige do encenador grande conhecimento da
arte, pois não se trata de simplesmente "cortar" o texto, mas de revelar a poesia: o
dramaturgo propõe eliminar partes supérfluas para desvendar a estrutura poética.
Em mais de uma ocasião, Antunes afirmou, em entrevistas, que faz espetáculos
para serem compreendidos muito tempos depois da sua apresentação. Yan
Michalski avalia o trabalho Antunes Filho:
Gerald Thomas (1954) é encenador de primeiro time. Grande artista plástico,
realiza, na verdade, instalações às avessas, em que o público é que fica imobilizado
– por tédio, deslumbramento ou compromisso com a "modernidade". Anosluz na
frente da maior parte de nossos profissionais, ele determinou um grau de exigência
técnica que alterou radicalmente o panorama teatral brasileiro em poucos anos. Ele
conhece suas limitações e usa os clássicos como rede de segurança. Também se
arrisca como dramaturgo com resultados não muito satisfatórios perante a crítica –
especialmente se comparados com sua performance como encenador. Excluindose
7
MICHALSKI. Apud: GUZIK, 1996. Op. cit., p. 89.
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seu marketing pessoal, tratase de um artista maior à procura de um meio de
expressão, o seu Godot.
Com efeito, outra tendência marcante do teatro brasileiro atual dispensa as
formas arquitetônicas tradicionais e concretiza o drama em espaços inusitados. O
trabalho contemporâneo consiste em mudar eventualmente o lugar cênico, em fazer
teatro em toda parte e nos lugares menos feitos para isso: fábricas, terrenos baldios,
praças públicas, cinemas, galpões, banheiros, teatros em ruínas; em descentrar o
espaço, em explorar as suas várias dimensões; em salientar os signos da
teatralidade, em nunca deixar o espectador esquecer que está no teatro. Mais do
que nunca, o cenógrafo tende a tomar a dianteira, inclusive com relação ao
encenador, e o seu trabalho é fazer do espaço uma criação autônoma. O espaço
teatral não é mais um dado, ele é uma proposta, em que podem ser lidas uma
poética e uma estética, mas também uma crítica da representação. Com isso, a
leitura pelo espectador desses espaçoscriação o remete a uma nova leitura do seu
espaço sóciocultural e da sua relação com o mundo. Em todo o caso, o espaço
teatral desempenha um papel de mediação entre o texto e a representação, entre os
diversos códigos da representação, entre os momentos da cena (como espaço
tempo unificador), enfim, entre espectadores e atores.
Os artistas ligados a centros avançados de pesquisa ou isoladamente,
assumem a ruptura com a arte do passado num cenário dominado pela arte da
participação, colocandose em novos circuitos não mais limitados em apresentar o
espetáculo como objeto ou valor de culto, mas enfatizando, sobretudo seu poder de
comunicação. A apropriação das tecnologias pela arte, todavia, não tem outro fim ou
propósito se não a de realizar a função estética por novas criações. Dentro dessas
criações, podemse citar novas interações de ordem perceptiva, não somente visual,
mas também auditiva, tátil e sinestésica. A interatividade é uma forma de resposta a
este novo ambiente e as experiências artísticas contribuem para impulsionar seus limites.
A comunicação teatral é um veículo inesgotável de criação. Ela possibilita
infinitas formas de expressão. Ora, as leis da comunicação articuladas ou não
articuladas com freqüência se misturam; a mímica do ator e o cenário se completam;
entre o corporal, o visual, o pronunciado, nenhuma subordinação pode ser
determinante. Mesmo a encenação pode ser enunciada, integrada ou não ao texto,
verbal ou não; o som pode ser o cenário, e assim por diante. Atualmente, o teatro
executa uma densa relação entre ciência e material humano, às vezes com extrema
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complexidade, ao ampliaremse as relações do homem com as máquinas e as
relações do homem com os sentidos.
Mas não é apenas de tecnologia e variações inusitadas que vivem os
espetáculos, pois seriam criminosos se tal acontecesse. Seu valor é o uso da
criatividade a favor do texto dramático, que é o objeto de trabalho do diretor e do
ator. Esperase que esse trabalho ocorra, porém não é sempre que isso acontece. O
atual teatro é complexo, não traz símbolos definidos como na tragédia clássica.
Possui uma comunicação conturbada, em que a criatividade muitas vezes é caótica,
inserindose idéias não funcionais no palco, sem preocuparse com o que aquele
suposto símbolo representa, ou se acarreta um excesso de informações não
codificadas pelo público.
Vivese hoje o ritmo acelerado da vida urbana, a velocidade em que as coisas
acontecem, produto de pessoas submetidas aos ponteiros do relógio, horários e
compromissos e com a sensação a cada segundo de que não vai dar tempo de fazer
tudo aquilo que precisa ser feito. O teatro contemporâneo segue o mesmo ritmo para
satisfazer o público. A duração do espetáculo é um fator importante e que contribui
para o sucesso do mesmo ou da crítica. A paciência está para poucos e a ansiedade
está presente na maioria da população. Somente o espetáculo de alto nível técnico e
artístico consegue prender a atenção do espectador por mais de duas horas; caso
contrário, serão audíveis para os atores em cena os ruídos provocados pelas
cadeiras do teatro ou mesmo sons de insatisfação.
Os recursos cênicos utilizados são inúmeros, desde as sumárias ferramentas,
como sonoplastia, cenário e iluminação, até a mecanismos mais sofisticados, como
telões de projeção, efeitos em 3D e o recurso de aguçar os sentidos do espectador,
não somente a visão e a audição, mas também o tato, o olfato e o paladar, a fim de
fascinar e envolver o espectador para a experiência estética.
Para tanto, o trabalho é árduo para o ator e especialmente para o diretor do
espetáculo, responsável pela visão geral do mesmo, em função do texto e da
estética desenvolvida. A coerência é vital, todos os segmentos da estrutura cênica
devem convergir para a proposta estética do diretor e, principalmente, colocarse no
lugar do espectador, para que se possa finalizar a concepção de um espetáculo
homogêneo de idéias e formas.
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Com efeito, as relações entre crítica e criticados sempre foram tensas ao
longo da história do teatro. Existem trocas de acusações de lado a lado e é difícil
conseguir estabelecer quem de fato está com a razão, se esta realmente existe.
Décio de Almeida Prado (19172000) 8 não só testemunhou como interferiu na
evolução do teatro nacional. "Os artistas não dormiam na véspera da publicação da
crítica do Décio; ficavam até tarde no bar esperando para comprar o jornal de
madrugada, tal a importância de sua avaliação", lembrou o diretor, ator e jornalista
Oswaldo Mendes, que trabalhou no jornal Última Hora. "Uma crítica positiva do
Décio era a consagração e, caso contrário, motivo não só para tristeza como para
uma reavaliação da montagem”.
Em entrevista, o diretor e dramaturgo teatral Edson Bueno, no livro Contra
cena: o teatro em Curitiba contado por seus artistas , relatos de 1981 a 1995,
explicita sua visão sobre a influência da crítica em seu trabalho:
Eu acho que o artista quer que o crítico goste do seu trabalho
unicamente para que ele fale bem no jornal e motive o leitor a
assistir a peça. Então ele espera que o crítico goste, porque
sabe que se não gostar, vai falar mal no jornal, e quem ler pode
decidir por não ver a peça porque está escrito que é ruim. Só
por isso. Quando você monta uma peça de teatro, tem uma
autocrítica absurda sobre ela. Você é empírico, não fica
jogando as coisas no palco, você sabe por que coloca um
gesto, por que coloca uma palavra, por que aquela luz tem
aquele ângulo, por que é daquela cor, você sabe tudo. Você
está 100% envolvido com aquilo. Então, não vai acreditar numa
pessoa que diz que aquilo é ruim. Por que a palavra dele é
mais importante que a sua, se você é o criador? [...] Em última
análise, alguém está falando sobre teatro. Uma vez a Fernanda
Montenegro falou que a importância da crítica está no registro
histórico, porque se ninguém escreve sobre você, mesmo mal,
você não existiu. Ainda mais em se tratando de teatro, que é
uma arte efêmera. Quando a peça sai de cartaz, não fica nada,
acabou, morreu. Então, através da crítica permanece alguma
coisa registrada do que você fez. Esse lado da crítica eu acho
mais interessante do que essa coisa boba de assistir a uma
peça e dizer que o cenário é feio. 9
8
Crítico, ensaísta e professor. O mais influente crítico teatral paulista ao longo de todo o seu
exercício profissional, que se inicia em meados da década de 40 e segue até fins dos anos 60. Autor
de inúmeros ensaios de interpretação da história do teatro brasileiro e emérito professor em diversas
escolas.
9
DOTTO NETO, Ignácio. Contra Cena: o teatro em Curitiba contado por seus artistas. Curitiba: Ed.
do Autor, 2000. p. 153154.
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REFERÊNCIAS
DOTTO NETO, Ignácio. Contra Cena: o teatro em Curitiba contado por seus artistas.
Curitiba: Ed. do Autor, 2000.
GUZIK, Alberto. O Teatro Brasileiro Hoje. Encontros com a crítica: dança, teatro, artes
plásticas. Centro Cultural de São Paulo. São Paulo: CCSP, 1530 set., 1996. p. 8794.
HELIODORA, Bárbara. Crítica. Jornal O Globo, 5 fev. 1997, 2. cad.
LEITE, Marcelo. A maior invenção, segundo um brasileiro. Folha de São Paulo, 3 dez. 1999, p. 4.
PASCAL, Georges. O pensamento de Kant. Intr. e trad.: Raimundo Vier. 2. ed. Petrópolis:
Vozes, 1985.
PAVIS, Patrice. Dicionário de Teatro. Trad.: Jacó Guinsburg; Maria Lúcia Pereira. São
Paulo: Perspectiva, 1999.
ROSSETO, Robson. Crítica Teatral: uma história, várias tendências. Monografia
(Especialização em Fundamentos do Ensino da Arte). Faculdade de Artes do Paraná.
Curitiba, 2003.