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ISSN 1809­2616 

ANAIS 
V FÓRUM DE PESQUISA CIENTÍFICA EM ARTE 
Escola de Música e Belas Artes do Paraná. Curitiba, 2006­2007 

ASPECTOS DA CRÍTICA TEATRAL  
Robson Rosseto*
robsonrosseto@hotmail.com 

Resumo:  O  presente  artigo  tem  por  objetivo  investigar  a  realidade  do  crítico  teatral  hoje. 
Constata­se que a crítica teatral no Brasil passou por modificações diversas, especialmente 
de ordem funcional, em  relação ao  leitor.  Análises profundas,  sociólogas  e  estéticas estão 
somente nas revistas especializadas, reflexo do pouco espaço que os jornais destinam para 
o  teatro.  No  entanto,  em  virtude  do  quadro  caótico  de  pequeninos  textos  informativos,  o 
crítico  teatral  se  faz  mais necessário  na  atualidade,  mas  com  um diferencial:  hoje,  precisa 
auxiliar o espectador a distinguir valor neste verdadeiro redemoinho de imagens no qual a 
arte cênica está inserida. Não se trata apenas de fazer a defesa do teatro como arte, que é 
sempre  válida  e  necessária,  mas  analisar  o  fenômeno  da  predominância  de  diferentes 
estilos estéticos parece ser fundamental. 
Palavras­chave: Crítica Teatral; Espetáculo Teatral; Espectador. 

Temível e desnorteante, a crítica ostenta o poder avassalador da glória e  da 
ruína,  por aqueles  que venham  a  se  expor, primordialmente  os  artistas.  De  grande 
valia,  a  crítica  surge  com  requinte  e  o  glamour  que  lhe  cabe.  E,  lúcido  da 
responsabilidade está o crítico, munido de suas subjetividades. 
Ora,  o  momento  atual  se  caracteriza  por  uma  imensidão  de  códigos, 
referenciais,  modos  e  modalidades  de  diferentes  culturas  e  épocas  que  se 
entrecruzam  com  uma  velocidade  espantosa,  nunca  vista  antes.  Ao  adentrar  no 
mundo  teatral,  o  crítico  e  o  público  recebem  um  convite  para  se  despir  de 
preconceitos, empreender viagens e conhecer paixões diversas. Para tanto, o crítico 
possui  uma  árdua tarefa:  a  de assimilar o  espetáculo a  fim  de  transcrevê­lo para  o 
papel com extrema desenvoltura e de forma acessível para o público.

*
Professor do Curso de Licenciatura em Teatro da Faculdade de Artes do Paraná – FAP e mestrando 
pelo Programa de Pós­Graduação em Teatro da Universidade Estadual de Santa Catarina – UDESC. 
Membro  do  GT  Pedagogia  do  Teatro  e  Teatro  e  Educação  da  Associação  Brasileira  de  Pesquisa  e 
Pós­Graduação em Artes Cênicas – ABRACE.
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A crítica teatral foi, durante muitas gerações, território de autodidatas. Com a 
criação  de  cursos  especializados,  profissionalizou­se  o  crítico.  O  crítico  aprende  a 
ver, a ter uma leitura em profundidade do espetáculo. Inegavelmente alguns pontos 
são  fundamentais  para  a  análise  da  obra  teatral.  Dentre  eles  estão:  diálogos  das 
personagens no interior da peça, diálogo da peça com peças anteriores do mesmo 
autor ou encenador, diálogo de gêneros teatrais, diálogo entre várias “artes” dentro 
do  teatro  e  identificação  dos  signos  de  um  espetáculo  teatral.  Fica  muito  difícil 
enfrentar  o  trabalho  jornalístico  sem  um  sólido  preparo  teórico.  O  crítico  precisa 
mover­se nos mais variados temas, sob pena de não ter a autoridade reconhecida. 
O  crítico  deve  no  mínimo  conhecer  as  principais  vertentes  e  linhas  de 
abordagem,  as  novas  e  as  consagradas,  da  obra  ou  do  autor.  Caso  contrário,  ele 
poderá  nitidamente  errar,  ou  arriscar­se  em  querer  reinventar  o  que  já  é  fato 
consolidado. 
Uma  outra  dimensão  do  trabalho  crítico  é  atualizar  a  tradição,  mesmo  que 
para  se  contrapor  a  algumas  de  suas  certezas  e,  a  partir  daí,  discernir  ou  mesmo 
vislumbrar  novas  possibilidades  de  leitura.  Afinal,  o  significado  de  uma  obra  não 
morre,  nem  se  congela:  cada  momento,  cada  geração,  cada  leitor  a  verá  de  um 
ângulo  único  e  inimitável.  É  próprio  do  crítico  apontar  como  se  constituíu  a  nova 
perspectiva e o  que ela  realmente  pode acrescentar  de novo.  O trabalho crítico de 
fato profundo é cumulativo, com consciência da acumulação histórica que o precede. 
A única capacidade verdadeiramente poderosa que a espécie humana possui 
é  a  imaginação  criadora.  O  teatro  utiliza­se  do  poder  da  criatividade  para  a 
comunicação teatral, com o objetivo de levar o espectador a novas possibilidades e 
sensações. Para tanto, os arquitetos artísticos utilizam­se da ciência, da tecnologia, 
de  signos,  símbolos  e  do  material  humano  (ator),  para  transmitir  o  conteúdo  e 
informações  desejadas  do espetáculo.  Às vezes  a comunicação não  acontece com 
êxito, em virtude da turbulência de idéias ou  mesmo idéias equivocadas, em que o 
público não consegue decodificar os elementos colocados em palco. 
A  diferença  entre  o  crítico  e  qualquer  outra  pessoa,  está  no  fato  de  ele  ser 
preparado,  no  exercício  de  sua  profissão,  com  leituras  específicas,  principalmente 
sobre estética e semiologia. O professor de Teoria e Semiótica Teatral Patrice Pavis, 
no  Dicionário  de  Teatro  –  Dramaturgia,  Estética, Semiologia,  caracteriza  a  estética 
teatral  assim:  “a  estética  (ou  poética)  teatral  formula  as  leis  de  composição  e 
funcionamento  do  texto  e  da cena.  Integra  o  sistema  teatral  em  um  conjunto  mais
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vasto: gênero, teoria da literatura, sistema de belas­artes, categoria estética e teórica 
do belo, filosofia do conhecimento”. 1 
O  crítico  Alberto  Guzik  afirma  que  a  crítica  é  a  mais  perfeita  tradução  da 
subjetividade.  Aponta  que  qualquer  forma  de  crítica,  como  releitura  do  objeto  que 
inspirou  aquela  crítica,  é  semiologia  pura.  Afirma  também  que  não  há  rituais 
sagrados para elaborar o metatexto crítico. Ele procura assistir ao espetáculo como 
espectador comum, deixando­se aberto para o envolvimento com a obra e tentando 
isolar  o  problema,  se  ele  existir.  Estabelece  uma  conexão  entre  as  partes  do 
espetáculo: som, luz e interpretação, dentre outras. 2 
De novo: o que diferencia um espectador comum de um crítico de arte é o seu 
repertório. A capacidade que ele tem de relacionar aquele espetáculo com tais e tais 
movimentos,  com  outras  ligações  históricas  e  com  a  própria  engrenagem  teatral. 
Ademais,  ele  é  tão  sensível  às  manifestações  artísticas  quanto  qualquer  outro 
apaixonado pelas artes. 
Não se pode exigir, então, da crítica, objetividade. A feitura de uma crítica se 
constrói mediante a subjetividade e a paixão. Toda a crítica parte de uma impressão 
pessoal. Gostar ou não gostar de determinado espetáculo é essencial. Mas somente 
crítica  estéril  se  limita  a  esse  tipo  de  depoimento.  A  coragem  do  crítico  está  em 
enfrentar  seus  preconceitos.  Precisa  ser  generoso  com  o  que  se  viu  e  consigo 
próprio,  para  desvendar  as  motivações  que  levam  a  privilegiar  determinado 
espetáculo. 

DA CRÍTICA TEATRAL: FUNÇÕES 

Todo  julgamento  é  concebido  com  vistas  a  um  determinado  público;  e  a 


comunicação  com  o  leitor  é  parte  integrante  do  sistema.  Por  meio  de  sua  relação 
com o público leitor, a reflexão crítica perde seu caráter privado. A crítica abre­se ao 
debate,  tenta  convencer,  convida  à  contradição.  Torna­se  parte  do  intercâmbio 
público de opiniões. 


PAVIS,  Patrice.  Dicionário  de  Teatro.  Trad.:  Jacó  Guinsburg;  Maria  Lúcia  Pereira.  São  Paulo: 
Perspectiva, 1999. p. 145. 

GUZIK,  Alberto.  O  Teatro  Brasileiro  Hoje.  Encontros  com  a  crítica:  dança,  teatro,  artes  plásticas. 
Centro Cultural de São Paulo. São Paulo: CCSP, 15­30 set., 1996. p. 87­94. Além de crítico teatral, 
Alberto Guzik é ator, diretor, professor e escritor.
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A crítica é inerente à produção da cultura dramática. Não se pode imaginar o 
desenvolvimento de um teatro nacional sem o respaldo de intelectuais conhecedores 
da arte, capacitados à análise e à discussão do fenômeno estético. Sob esse ponto 
de  vista,  a  crítica  tem  função  analítica  e  organizadora  das  diferentes  correntes  de 
pensamento  que  incidem  na produção dramática.  A  crítica,  de  fato, é  uma  espécie 
de  crônica,  na  qual  se  misturam  conhecimentos,  tiradas  cômicas,  impressões  e 
sentimentos. 

A  crítica  não  é  contraposta  ao  procedimento  dogmático  da 


razão  no seu conhecimento  puro  como  ciência  (pois  esta  tem 
que  ser  sempre  dogmática,  isto  é,  provando  rigorosamente  a 
partir  de princípios seguros a priori),  mas sim  ao  dogmatismo, 
isto é, à pretensão de progredir apenas com um conhecimento 
puro  a  partir  de  conceitos  (o  filosófico)  segundo  princípios  há 
tempos  usados  pela  razão,  sem  se  indagar  contudo  de  que 
modo e com que direito chegou a eles. 3 

A idéia de crítica, o tema fundamental do kantismo, segue princípios de que a 
crítica  deve  atuar  de  acordo  com  os  procedimentos  científicos  aceitos,  sendo 
necessário  justificar  os  argumentos.  Para  Immanuel  Kant  (1724­1804),  a  idéia  de 
crítica está ligada à análise reflexiva. O método reflexivo se caracteriza por refletir os 
conhecimentos  racionais  que  se  possui,  para  obter  uma  idéia  precisa  da  própria 
natureza  da  razão,  usar  os  métodos  reconhecidos  para  permitir  uma  sólida 
comunicação  entre  os  interlocutores.  A obra  kantiana Crítica da faculdade do juízo 
(1790), trouxe o assunto de forma decisiva para a discussão, dedicada à reflexão da 
produção dos juízos de gosto, dissemina a noção de crítica como avaliação fundada, 
obviamente, no gosto. 
Sabe­se  que  a  crítica  teatral  tem  duas  funções.  A  primeira  é  promover  um 
diálogo  com  o  artista  que  o  faça  refletir  sobre  o  seu  trabalho.  A  segunda  função, 
esclarecedora, é fazer para o público uma leitura do espetáculo. 
Normalmente, o que o artista tem em termos de retorno são o aplauso, o riso 
ou a vaia do público e os elogios dos amigos. Comentários que ficam na superfície. 
O artista raramente tem a oportunidade de refletir mais profundamente sobre o seu 
espetáculo. Nessa medida, o crítico será alguém especializado que contribui para o 
crescimento do artista. Bárbara Heliodora afirma: 

KANT.  Apud:  PASCAL,  Georges.  O  pensamento  de  Kant.  Intr.  e  trad.:  Raimundo  Vier.  2.  ed. 
Petrópolis: Vozes, 1985. p. 44.
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A crítica jornalística, para mim, tem um objetivo duplo. Por um 
lado,  informar  o  espectador  sobre  o  que  é  o  espetáculo  que 
está  sendo  levado.  Mas,  principalmente,  ela  tinha  que  servir 
para quem faz o teatro, com um ponto de referência de como é 
que  está  passando  o  espetáculo  para  o  público.  Devia  ser 
assim,  porque,  afinal,  o  que  é  o  crítico?  Um  espectador  bem 
informado que reage ao que é apresentado. O papel da crítica 
é sempre, basicamente, este. 4 

O  crítico,  com  seu  comentário  consistente,  sua  reflexão  respaldada  pelo 


conhecimento e pela pesquisa pode oferecer ao artista uma contribuição significativa 
para  o  desenvolvimento  do  trabalho.  Essa  referência  se  evidencia  pela  entrevista 
concedida  pela  atriz  Itala  Nandi  (1942)  falando  sobre  a  crítica  num  dos  Encontros 
Renner  de  Teatro,  no  Theatro  São  Pedro  em  Porto  Alegre.  A  atriz  recordava  do 
saudoso tempo em que Paulo Francis (1930­1997) 5  escrevia sobre o teatro nos anos 
sessenta.  Itala  Nandi  referia­se  às contribuições que  a visão  lúcida  e correta  trazia 
não  apenas  para ela, enquanto  atriz  e  produtora cultural,  mas  também  ao trabalho 
de outros companheiros. 
Dulcina  de  Morais  (1908­1996)  foi  a  estrela  maior  das  grandes  intérpretes  e 
desde  1933,  quando  capitaneou  uma  companhia  pela  primeira  vez,  até  1954,  o 
público  e  a  crítica  se  habituaram  a  reconhecer  nela  a  figura  de  proa  do  teatro 
brasileiro. Aqui se faz uma exemplificação do artista em saber usufruir o pensamento 
crítico para a elaboração do seu trabalho.  O que um crítico de 1935 recriminava em 
Dulcina  –  suas  "horríveis  caretas"  –  tornou­se,  em  seus  anos  de  maturidade,  um 
estilo  harmonizado  por  personagens  que  permitiam  ou  exigiam  grande  mobilidade 
facial  para expressar  energia  e vivacidade. Ou  seja, o  repertório  e  a  técnica dessa 
artista maior aperfeiçoaram­se para valorizar uma característica de personalidade. 
Urge  ressaltar  ainda  que  o  grande  desafio  do  crítico  está  em  criar  um  texto 
consistente  e  agradável  de  ler.  O  leitor  precisa  ser  guiado  pelos  meandros  da 
narrativa, para despertar curiosidade, afinar a capacidade de observação e favorecer 


HELIODORA, Bárbara. Crítica. Jornal  O Globo, 5 fev. 1997, 2. cad. Crítica,  ensaísta,  professora e 
tradutora. Crítica carioca que acompanha a atividade teatral desde os anos 60, especializada na obra 
de William Shakespeare. 

Paulo Francis tornou­se notório, em primeiro lugar, como crítico de teatro do “Diário Carioca” entre 
1957 e 1963. Adiante deixou o teatro em troca do jornalismo, tornando­se um respeitado articulista de 
sua geração.
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outras  leituras.  Sobretudo,  esse,  por  que  não?,  timoneiro  deverá  alertar  para 
aspectos fascinantes e intricados do espetáculo. 
Numa peça de teatro, a ação vem para o primeiro plano, ou a sua ausência, 
como em Esperando Godot, de Samuel Beckett. Este texto, por exemplo, não é de 
fácil entendimento para o público leigo; os personagens, o que fazem, o que dizem 
que  fazem,  o  que  os  outros  dizem  de  cada  um  deles,  a  força  expressiva  das 
palavras, os conflitos e o choque de idéias, todos estes elementos possuem nomes 
específicos e algumas vezes complicados, em diferentes teorias de crítica literária e 
de  encenação  teatral.  A  incumbência  da  crítica  se  personifica  na  desmistificação 
desses elementos, em saber traduzi­los, na sua prática, para um público mais amplo 
e em saber despertar o interesse desse público em aprofundar seus conhecimentos. 
Infelizmente,  as  pessoas  buscam  os  jornais  atrás  de  informações  que  a 
indústria  cultural  despeja  nos  meios  de  comunicação.  Os  críticos  têm  cada  vez 
menos  influência  diante  do  mercado  publicitário.  A  crítica,  no  passado,  ocupava 
páginas  inteiras  dos  jornais,  levando  questões,  esmiuçando  os  espetáculos, 
propondo análises. Em oposição ao passado, atualmente, as publicações são mais 
textos  informativos  do  que  análises  críticas.  Entrevistas  e  reportagens  ocupam  o 
lugar  da  crítica.  A  tendência  dos  jornais  é  cada  vez  mais  a  de  afastar  os  críticos 
regulares e chamar repórteres para escreverem sobre teatro, ao invés de recorrerem 
a  profissionais  especializados.  Somente  em  eventos  especiais,  como  por  exemplo, 
em  festivais  de  teatro,  são  convocados  os  principais  críticos  nacionais  para  cobrir 
tais eventos. 
Na  opinião  do  jornalista  Marcelo  Leite,  a  crítica  foi  a  grande  invenção  de 
nossa  civilização,  “é  a  essência  do  estilo  de  conhecimento  que se  desenvolveu  no 
Ocidente e mudou a face do mundo, fazendo do homem moderno um condenado à 
crítica”. 6  A sociedade  mantém  uma  relação vital com  a  crítica.  O mecanismo  social 
obriga­se  a  fazer  crítica  de  tudo:  dos  espetáculos,  das  artes,  da  televisão,  da  vida 
pública,  das  relações  sociais  e  do  próprio  conhecimento.  Além  disso,  as  críticas 
também  surgem  em  confronto  às  próprias  críticas.  A  crítica  possui  alto  índice  de 
valor perante a sociedade, mas o fundamento crítico não pode jamais ser confundido 
com  verdade  absoluta  e  imutável;  só  pode  ser  pensado  como  ponto  de  vista 
relativizado e contextualizado pelo diálogo. 


LEITE, Marcelo. A maior invenção, segundo um brasileiro. Folha de São Paulo, 3 dez. 1999, p. 4.
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Com  efeito, o  papel  da crítica  mudou  ao longo  dos  anos.  Há vinte  anos,  por 
exemplo,  seu  papel  era  de  formadora  de  sensibilidade  crítica.  Atualmente  ela  está 
mais  presa  à  informação  jornalística,  diferentemente  de  antes,  quando  era  mais 
acadêmica. Do ponto de vista da imprensa, o que se espera é que a crítica seja mais 
informativa.  É  difícil  encontrar  nos  jornais  análises  mais  profundas, sociológicas  ou 
estéticas.  Isto  é  inevitável,  já  que  o  espaço  disponível  para  a  análise  de  um 
espetáculo  não  permite  uma  avaliação  mais  detalhada  de  todos  os  elementos 
envolvidos  numa  produção  teatral.  Do  ponto  de  vista  do  leitor,  espera­se  que  a 
crítica seja indicativa. Ou seja, se vale a pena ou não assistir ao espetáculo, numa 
visão  estritamente  consumista  do  fato  teatral.  Garantia  para  o  espectador  médio 
nunca se surpreender. 
O rumo da crítica é, pois, incerto e aponta para outras vertentes. Constata­se 
que o papel que ela vem assumindo está ligado à crítica acadêmica, nos periódicos 
especializados.  Infelizmente,  na  imprensa,  ela  se  vê  condenada  a  fazer  menos 
história e a registrar mais os fatos. 

DA CRÍTICA TEATRAL: NOVAS TENDÊNCIAS CÊNICAS 

Ao longo do século XX, a encenação foi adquirindo autonomia, separando­se 
da  literatura,  da  qual  tradicionalmente  era  entendida  como  subproduto.  As 
revoluções  dos  conceitos  cênicos  passando  por  Stanislavsky  (1863­1938),  Gordon 
Craig (1872­1966), Meyerhold (1874­1940), Artaud (1896­1948), Brecht (1898­1956) 
e  tantos  outros,  abriram  horizontes  exaustivamente  explorados  por  criadores  no 
mundo  todo.  Depois  da  Segunda  Guerra  Mundial  (1939­1945),  a  encenação, 
incidindo em novos paradigmas, novas linguagens, conferiu a ela peculiaridades que 
a tornam um tipo de expressão singular, único, provido de dinamismo próprio. Sem 
dúvida, o texto dramático continua sendo um dos fundamentos do teatro, mas deixou 
de ser a base. 
Encenadores  geniais,  que dominam  códigos estabelecidos  e  os  transgridem, 
revelam  valores  no  texto  dramático  que  o  crítico  e  o  ensaísta  tradicionais  não 
conseguem  vislumbrar.  A  liberdade  de  desconstruir  e  reconstruir,  marca  da 
encenação  contemporânea,  possibilita  a  exploração  desses  valores  numa  viagem
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para  dentro  da  obra.  São  procedimentos  e  códigos  novos  que  desvendam  novos 
horizontes. 
A  técnica  de  Antunes  Filho  (1929),  por  exemplo,  no  trabalho  com  o  texto, 
representa tendência já consolidada no teatro brasileiro – faz uma ”cirurgia” na peça, 
busca,  mediante  a  pesquisa  e  o  estudo  seus  elementos  essenciais,  trabalhar  os 
aspectos  nucleares  do  drama,  dispensando  os  dados  acessórios,  ilustrativos,  os 
comentários  paralelos.  Técnica  que  exige  do  encenador  grande  conhecimento  da 
arte, pois não se trata de simplesmente "cortar" o texto, mas de revelar a poesia: o 
dramaturgo  propõe  eliminar  partes  supérfluas  para  desvendar  a  estrutura  poética. 
Em  mais  de  uma  ocasião,  Antunes  afirmou,  em  entrevistas,  que  faz  espetáculos 
para  serem  compreendidos  muito  tempos  depois  da  sua  apresentação.  Yan 
Michalski avalia o trabalho Antunes Filho: 

Antunes  Filho  é  uma  das  figuras  exponenciais  do  teatro 


brasileiro  de  hoje,  talvez  a  única  a  integrar  o  restrito  grupo 
internacional de encenadores que vêm renovando, obstinada e 
inesperadamente,  a  cena  mundial.  Incorporando  no  seu 
trabalho  influências  tão  contraditórias  como  Bob  Wilson, 
Tadeusz  Kantor,  Kasuo  Ono,  o  expressionismo  alemão,  a 
psicanálise  junguiana,  a  física  moderna  e,  com  crescente 
intensidade,  a  filosofia  oriental,  ele  as  funde  numa  escritura 
cênica de uma feroz coerência pessoal, com características ao 
mesmo tempo universais e brasileiras. Sua opção por trabalhar 
com  atores  jovens  e  inexperientes,  lhe  tem  valido  não  pouca 
crítica  [...].  Mas  este  é  um  ônus  que  ele  assume  pagar  para 
poder  trabalhar  num  âmbito  de  liberdade  de  criação  de  que 
nenhum outro diretor brasileiro dispõe. 7 

Gerald Thomas (1954) é encenador de primeiro time. Grande artista plástico, 
realiza, na verdade, instalações às avessas, em que o público é que fica imobilizado 
–  por  tédio,  deslumbramento  ou  compromisso  com  a  "modernidade".  Anos­luz  na 
frente da maior parte de nossos profissionais, ele determinou um grau de exigência 
técnica que alterou radicalmente o panorama teatral brasileiro em poucos anos. Ele 
conhece suas  limitações  e usa os  clássicos como  rede de  segurança.  Também  se 
arrisca como  dramaturgo com  resultados não  muito satisfatórios  perante  a crítica  – 
especialmente se comparados com sua performance como encenador. Excluindo­se 


MICHALSKI. Apud: GUZIK, 1996. Op. cit., p. 89.
158 

seu  marketing  pessoal,  trata­se  de  um  artista  maior  à  procura  de  um  meio  de 
expressão, o seu Godot. 
Com  efeito,  outra  tendência  marcante  do  teatro  brasileiro  atual  dispensa  as 
formas  arquitetônicas  tradicionais  e  concretiza  o  drama  em  espaços  inusitados.  O 
trabalho contemporâneo consiste em mudar eventualmente o lugar cênico, em fazer 
teatro em toda parte e nos lugares menos feitos para isso: fábricas, terrenos baldios, 
praças  públicas,  cinemas,  galpões,  banheiros,  teatros  em  ruínas;  em  descentrar  o 
espaço,  em  explorar  as  suas  várias  dimensões;  em  salientar  os  signos  da 
teatralidade,  em  nunca  deixar  o  espectador  esquecer  que  está  no  teatro.  Mais  do 
que  nunca,  o  cenógrafo  tende  a  tomar  a  dianteira,  inclusive  com  relação  ao 
encenador,  e  o  seu  trabalho  é  fazer  do  espaço  uma  criação  autônoma.  O  espaço 
teatral  não  é  mais  um  dado,  ele  é  uma  proposta,  em  que  podem  ser  lidas  uma 
poética  e  uma  estética,  mas  também  uma  crítica  da  representação.  Com  isso,  a 
leitura pelo espectador desses espaços­criação o remete a uma nova leitura do seu 
espaço  sócio­cultural  e  da  sua  relação  com  o  mundo.  Em  todo  o  caso,  o  espaço 
teatral desempenha um papel de mediação entre o texto e a representação, entre os 
diversos  códigos  da  representação,  entre  os  momentos  da  cena  (como  espaço­ 
tempo unificador), enfim, entre espectadores e atores. 
Os  artistas  ligados  a  centros  avançados  de  pesquisa  ou  isoladamente, 
assumem  a  ruptura  com  a  arte  do  passado  num  cenário  dominado  pela  arte  da 
participação,  colocando­se  em  novos  circuitos  não  mais  limitados  em  apresentar  o 
espetáculo como objeto ou valor de culto, mas enfatizando, sobretudo seu poder de 
comunicação. A apropriação das tecnologias pela arte, todavia, não tem outro fim ou 
propósito se não a de realizar a função estética por novas criações. Dentro dessas 
criações, podem­se citar novas interações de ordem perceptiva, não somente visual, 
mas também auditiva, tátil e sinestésica. A interatividade é uma forma de resposta a 
este novo ambiente e as experiências artísticas contribuem para impulsionar seus limites. 
A  comunicação  teatral  é  um  veículo  inesgotável  de  criação.  Ela  possibilita 
infinitas  formas  de  expressão.  Ora,  as  leis  da  comunicação  articuladas  ou  não­ 
articuladas com freqüência se misturam; a mímica do ator e o cenário se completam; 
entre  o  corporal,  o  visual,  o  pronunciado,  nenhuma  subordinação  pode  ser 
determinante. Mesmo a encenação pode ser enunciada, integrada ou não ao texto, 
verbal ou  não;  o som  pode ser  o cenário, e assim  por  diante. Atualmente,  o  teatro 
executa uma densa relação entre ciência e material humano, às vezes com extrema
159 

complexidade,  ao  ampliarem­se  as  relações  do  homem  com  as  máquinas  e  as 
relações do homem com os sentidos. 
Mas  não  é  apenas  de  tecnologia  e  variações  inusitadas  que  vivem  os 
espetáculos,  pois  seriam  criminosos  se  tal  acontecesse.  Seu  valor  é  o  uso  da 
criatividade  a  favor  do  texto  dramático,  que  é  o  objeto  de  trabalho  do  diretor  e  do 
ator. Espera­se que esse trabalho ocorra, porém não é sempre que isso acontece. O 
atual  teatro  é  complexo,  não  traz  símbolos  definidos  como  na  tragédia  clássica. 
Possui uma comunicação conturbada, em que a criatividade muitas vezes é caótica, 
inserindo­se  idéias  não  funcionais  no  palco,  sem  preocupar­se  com  o  que  aquele 
suposto  símbolo  representa,  ou  se  acarreta  um  excesso  de  informações  não 
codificadas pelo público. 
Vive­se hoje o ritmo acelerado da vida urbana, a velocidade em que as coisas 
acontecem,  produto  de  pessoas  submetidas  aos  ponteiros  do  relógio,  horários  e 
compromissos e com a sensação a cada segundo de que não vai dar tempo de fazer 
tudo aquilo que precisa ser feito. O teatro contemporâneo segue o mesmo ritmo para 
satisfazer o público. A duração do espetáculo é um fator importante e que contribui 
para o sucesso do mesmo ou da crítica. A paciência está para poucos e a ansiedade 
está presente na maioria da população. Somente o espetáculo de alto nível técnico e 
artístico consegue  prender a  atenção  do espectador  por  mais de  duas  horas; caso 
contrário,  serão  audíveis  para  os  atores  em  cena  os  ruídos  provocados  pelas 
cadeiras do teatro ou mesmo sons de insatisfação. 
Os recursos cênicos utilizados são inúmeros, desde as sumárias ferramentas, 
como sonoplastia, cenário e iluminação, até a mecanismos mais sofisticados, como 
telões de projeção, efeitos em 3D e o recurso de aguçar os sentidos do espectador, 
não somente a visão e a audição, mas também o tato, o olfato e o paladar, a fim de 
fascinar e envolver o espectador para a experiência estética. 
Para tanto, o trabalho é árduo para o ator e especialmente para o diretor do 
espetáculo,  responsável  pela  visão  geral  do  mesmo,  em  função  do  texto  e  da 
estética  desenvolvida.  A  coerência é vital,  todos  os segmentos  da estrutura cênica 
devem convergir para a proposta estética do diretor e, principalmente, colocar­se no 
lugar  do  espectador,  para  que  se  possa  finalizar  a  concepção  de  um  espetáculo 
homogêneo de idéias e formas.
160 

Com  efeito,  as  relações  entre  crítica  e  criticados  sempre  foram  tensas  ao 
longo  da  história  do  teatro.  Existem  trocas  de  acusações  de  lado  a  lado  e  é  difícil 
conseguir estabelecer quem de fato está com a razão, se esta realmente existe. 
Décio de Almeida Prado (1917­2000) 8  não só testemunhou como interferiu na 
evolução do teatro nacional. "Os artistas não dormiam na véspera da publicação da 
crítica  do  Décio;  ficavam  até  tarde  no  bar  esperando  para  comprar  o  jornal  de 
madrugada,  tal  a importância  de sua avaliação",  lembrou  o  diretor, ator  e  jornalista 
Oswaldo  Mendes,  que  trabalhou  no  jornal  Última  Hora.  "Uma  crítica  positiva  do 
Décio  era a consagração e, caso contrário, motivo não só  para  tristeza  como para 
uma reavaliação da montagem”. 
Em  entrevista,  o  diretor  e  dramaturgo  teatral  Edson  Bueno,  no  livro  Contra 
cena:  o  teatro  em  Curitiba  contado  por  seus  artistas ,  relatos  de  1981  a  1995, 
explicita sua visão sobre a influência da crítica em seu trabalho: 

Eu acho que o artista quer que o crítico goste do seu trabalho 
unicamente para que ele fale bem no jornal e motive o  leitor a 
assistir  a  peça.  Então  ele  espera  que  o  crítico  goste,  porque 
sabe que se não gostar, vai falar mal no jornal, e quem ler pode 
decidir  por  não ver a  peça  porque está  escrito  que é  ruim.  Só 
por  isso.  Quando  você  monta  uma  peça  de  teatro,  tem  uma 
autocrítica  absurda  sobre  ela.  Você  é  empírico,  não  fica 
jogando  as  coisas  no  palco,  você  sabe  por  que  coloca  um 
gesto,  por  que  coloca  uma  palavra,  por  que  aquela  luz  tem 
aquele  ângulo,  por  que  é  daquela  cor,  você  sabe  tudo.  Você 
está 100% envolvido com aquilo. Então, não vai acreditar numa 
pessoa  que  diz  que  aquilo  é  ruim.  Por  que  a  palavra  dele  é 
mais importante que a sua, se você é o criador? [...] Em última 
análise, alguém está falando sobre teatro. Uma vez a Fernanda 
Montenegro falou que a importância da crítica está no registro 
histórico, porque se ninguém escreve sobre você, mesmo mal, 
você  não  existiu.  Ainda  mais  em  se  tratando  de  teatro,  que  é 
uma arte efêmera. Quando a peça sai de cartaz, não fica nada, 
acabou,  morreu.  Então,  através  da  crítica  permanece  alguma 
coisa registrada do que você fez. Esse lado da crítica eu acho 
mais  interessante  do  que  essa  coisa  boba  de  assistir  a  uma 
peça e dizer que o cenário é feio. 9 


Crítico,  ensaísta  e  professor.  O  mais  influente  crítico  teatral  paulista  ao  longo  de  todo  o  seu 
exercício profissional, que se inicia em meados da década de 40 e segue até fins dos anos 60. Autor 
de inúmeros ensaios de interpretação da história do teatro brasileiro e emérito professor em diversas 
escolas. 

DOTTO NETO, Ignácio. Contra Cena: o teatro  em Curitiba  contado por seus artistas. Curitiba: Ed. 
do Autor, 2000. p. 153­154.
161 

Uma  reflexão  pertinente  aplicada  à  crítica  frente  aos  encenadores,  mais 


freqüentemente pelo seu tom do que por tais ou quais acertos e erros, é a que leva 
em conta  a  aparente rivalidade entre  críticos e  encenadores.  De  um  lado estão  os 
encenadores quando vêem o seu espetáculo, cuja realização tenha reunido esforços 
de  dezenas  de  profissionais,  sendo  demolido  em  três  frases  desdenhosas  e  nem 
necessariamente  bem  escritas.  Para  eles,  justificar  a  existência  da  crítica  se 
converte  em  uma  tarefa  ingrata.  De  outro  lado,  encontram­se  os  críticos  que 
assistem  encenadores  por  vezes  talentosos,  mas  que  parecem  paralisados  pela 
quantidade  de  informação  mal  digerida.  Se  o  artista  não  se  faz  compreender,  não 
será o crítico o ser iluminado que vai operar este milagre. 
A crítica frente ao artista, especificamente ao criador cênico, estabelece uma 
relação complicada, pois implica a imagem que cada um faz de si mesmo e do seu 
trabalho.  Às  vezes,  tal  relação  acarreta  agressões  –  vanitas  vanitatis.  Mas  sobra, 
inevitavelmente,  a  reflexão  expressa  na  crítica  que,  de  uma  maneira  ou  de  outra, 
oferece algum subsídio ao criador. E esse fato exprime, no contexto do teatro atual, 
novos campos e novos espaços onde a atuação do crítico está muito mais próxima à 
do criador, estabelecendo novos modos de diálogos. 

REFERÊNCIAS 

DOTTO  NETO,  Ignácio.  Contra  Cena:  o  teatro  em  Curitiba  contado  por  seus  artistas. 
Curitiba: Ed. do Autor, 2000. 
GUZIK,  Alberto.  O  Teatro  Brasileiro  Hoje.  Encontros  com  a  crítica:  dança,  teatro,  artes 
plásticas. Centro Cultural de São Paulo. São Paulo: CCSP, 15­30 set., 1996. p. 87­94. 
HELIODORA, Bárbara. Crítica. Jornal O Globo, 5 fev. 1997, 2. cad. 
LEITE, Marcelo. A maior invenção, segundo um brasileiro. Folha de São Paulo, 3 dez. 1999, p. 4. 
PASCAL,  Georges.  O pensamento  de Kant.  Intr.  e  trad.: Raimundo  Vier.  2.  ed. Petrópolis: 
Vozes, 1985. 
PAVIS,  Patrice.  Dicionário  de  Teatro.  Trad.:  Jacó  Guinsburg;  Maria  Lúcia  Pereira.  São 
Paulo: Perspectiva, 1999. 
ROSSETO,  Robson.  Crítica  Teatral:  uma  história,  várias  tendências.  Monografia 
(Especialização  em  Fundamentos  do  Ensino  da  Arte).  Faculdade  de  Artes  do  Paraná. 
Curitiba, 2003.

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