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Lilian Lemmertz Sem Rede de Proteção

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Lilian Lemmertz Sem Rede de Proteção
CLEODON COELHO

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GOVERNO DO ESTADO
DE SÃO PAULO

Governador Alberto Goldman

Imprensa Oficial do Estado de São Paulo

Diretor-presidente Hubert Alquéres

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No passado está a história do futuro

A Imprensa Oficial muito tem contribuído com a sociedade no papel que lhe
cabe: a democratização de conhecimento por meio da leitura.

A Coleção Aplauso, lançada em 2004, é um exemplo bem-sucedido desse


intento. Os temas nela abordados, como biografias de atores, diretores e
dramaturgos, são garantia de que um fragmento da memória cultural do país
será preservado. Por meio de conversas informais com jornalistas, a história
dos artistas é transcrita em primeira pessoa, o que confere grande fluidez ao
texto, conquistando mais e mais leitores.

Assim, muitas dessas figuras que tiveram importância fundamental para as


artes cênicas brasileiras têm sido resgatadas do esquecimento. Mesmo o
nome daqueles que já partiram são frequentemente evocados pela voz de
seus companheiros de palco ou de seus biógrafos. Ou seja, nessas histórias
que se cruzam, verdadeiros mitos são redescobertos e imortalizados.

E não só o público tem reconhecido a importância e a qualidade da Aplauso.


Em 2008, a Coleção foi laureada com o mais importante prêmio da área editorial
do Brasil: o Jabuti. Concedido pela Câmara Brasileira do Livro (CBL), a edição
especial sobre Raul Cortez ganhou na categoria biografia.

Mas o que começou modestamente tomou vulto e novos temas passaram a


integrar a Coleção ao longo desses anos. Hoje, a Aplauso inclui inúmeros outros
temas correlatos como a história das pioneiras TVs brasileiras, companhias de
dança, roteiros de filmes, peças de teatro e uma parte dedicada à música,
com biografias de compositores, cantores, maestros, etc.

Para o final deste ano de 2010, está previsto o lançamento de 80 títulos, que se
juntarão aos 220 já lançados até aqui. Destes, a maioria foi disponibilizada em
acervo digital que pode ser acessado pela internet gratuitamente. Sem dúvida,
essa ação constitui grande passo para difusão da nossa cultura entre estu-
dantes, pesquisadores e leitores simplesmente interessados nas histórias.

Com tudo isso, a Coleção Aplauso passa a fazer parte ela própria de uma história
na qual personagens ficcionais se misturam à daqueles que os criaram, e que
por sua vez compõe algumas páginas de outra muito maior: a história do Brasil.

Boa leitura.

Alberto GoldmAn
Governador do Estado de São Paulo

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O que lembro, tenho.
Guimarães Rosa

A Coleção Aplauso, concebida pela Imprensa Oficial, visa resgatar a memória


da cultura nacional, biografando atores, atrizes e diretores que compõem
a cena brasileira nas áreas de cinema, teatro e televisão. Foram selecionados
escritores com largo currículo em jornalismo cultural para esse trabalho
em que a história cênica e audiovisual brasileiras vem sendo reconstituída
de maneira singular. Em entrevistas e encontros sucessivos estreita-se
o contato entre biógrafos e biografados. Arquivos de documentos e imagens
são pesquisados, e o universo que se reconstitui a partir do cotidiano e do
fazer dessas personalidades permite reconstruir sua trajetória.

A decisão sobre o depoimento de cada um na primeira pessoa mantém


o aspecto de tradição oral dos relatos, tornando o texto coloquial, como se o
biografado falasse diretamente ao leitor.

Um aspecto importante da Coleção é que os resultados obtidos ultrapassam


simples registros biográficos, revelando ao leitor facetas que também caracte-
rizam o artista e seu ofício. Biógrafo e biografado se colocaram em reflexões
que se estenderam sobre a formação intelectual e ideológica do artista,
contextualizada na história brasileira.

São inúmeros os artistas a apontar o importante papel que tiveram os livros


e a leitura em sua vida, deixando transparecer a firmeza do pensamento
crítico ou denunciando preconceitos seculares que atrasaram e continuam
atrasando nosso país. Muitos mostraram a importância para a sua formação
terem atuado tanto no teatro quanto no cinema e na televisão, adquirindo,
linguagens diferenciadas - analisando-as com suas particularidades.

Muitos títulos exploram o universo íntimo e psicológico do artista, revelando


as circunstâncias que o conduziram à arte, como se abrigasse em si mesmo
desde sempre, a complexidade dos personagens.

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São livros que, além de atrair o grande público, interessarão igualmente
aos estudiosos das artes cênicas, pois na Coleção Aplauso foi discutido o
processo de criação que concerne ao teatro, ao cinema e à televisão. Foram
abordadas a construção dos personagens, a análise, a história, a importância
e a atualidade de alguns deles. Também foram examinados o relacionamento
dos artistas com seus pares e diretores, os processos e as possibilidades de
correção de erros no exercício do teatro e do cinema, a diferença entre esses
veículos e a expressão de suas linguagens.

Se algum fator específico conduziu ao sucesso da Coleção Aplauso -e merece


ser destacado -, é o interesse do leitor brasileiro em conhecer o percurso
cultural de seu país.

À Imprensa Oficial e sua equipe coube reunir um bom time de jornalistas,


organizar com eficácia a pesquisa documental e iconográfica e contar com
a disposição e o empenho dos artistas, diretores, dramaturgos e roteiristas.
Com a Coleção em curso, configurada e com identidade consolidada,
constatamos que os sortilégios que envolvem palco, cenas, coxias, sets
de filmagem, textos, imagens e palavras conjugados, e todos esses seres
especiais – que neste universo transitam, transmutam e vivem – também
nos tomaram e sensibilizaram.

É esse material cultural e de reflexão que pode ser agora compartilhado com
os leitores de todo o Brasil.

Hubert Alquéres
Diretor-presidente da
Imprensa Oficial do Estado de São Paulo

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Este livro é dedicado a:
Nicinha e William, meus pais, que assim como Lilian e Linneu também tiveram
uma história bonita para contar
Nelly Carvalho e Lêda Rivas (espero que esteja à altura do que aprendi com elas)
Marcos, gaúcho como muitos aqui, que acompanha cada capítulo da minha história
E a Cacá, Mamãe Didi e Marcinha, minha pequena grande família
Cleodon CoelHo

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Anda tão unido o meu tormento comigo
Que eu mesmo sou meu perigo
(verso de Luís de Camões que Lilian carregava em sua carteira)

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Sumário

17 O tempo rodou num instante 22 A casa está bonita, a dona está demais 48
Introdução Cleodon Coelho

Não se afobe, não, que nada é pra já 60 Quem sabe meu nome? 68 E era tão linda de se admirar 76

Sei que ela pode ser mil 96 Já te vejo brincando 108 Era ela no centro da tela daquela manhã 113

Deixando a pele em cada palco 130 Procuro moça que me deixe pasmado 144

De que romance antigo me roubaste? 150 Ela pode rodopiar e mudar de figura 178

Vou saber que valeu delirar 188 Ela no fundo, é uma atriz 202 Os letreiros a te colorir 206

Me leva, leva longe, longe, leva mais 218 E ia bailar sem mais aquela 237

Não sei se é nova ilusão 252 Toda alma de artista quer partir 264 A vida da atriz 276

Referências bibliográficas 280 Créditos fotográficos 282

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Introdução
No dia 1º de junho de 1986, a seleção brasileira fazia sua estreia na Copa
do México, em busca do tetracampeonato. O placar foi apertado: 1 x 0
contra a Espanha. No dia 6, diante da Argélia, penamos para festejar outra
vitória, novamente com um único gol. Mas copa é copa e, mesmo quando
a campanha não é das melhores (a daquele ano é lembrada até hoje pelo
pênalti perdido por Zico nas quartas-de-final, quando acabamos eliminados),
o Brasil parece ficar suspenso no ar. Não há outro assunto aqui na pátria
de chuteiras.
Só mesmo esse estado de euforia coletiva pode justificar a pouca atenção
que a morte de Lilian Lemmertz – craque em outro campo: o das artes –
mereceu dos jornais e da TV. Foi em 5 de junho, entre os dois primeiros
jogos do time capitaneado pelo técnico Telê Santana, que ela saiu de cena.
Cedo demais, aos 48 anos. Os espaços dedicados à notícia não estavam,
nem de longe, à altura do valor da atriz para a cultura nacional.
Os bons serviços prestados no teatro, no cinema e na TV fizeram de Lilian
um dos maiores nomes de sua geração. Como lembra Antônio Abujamra,
o homem que a lançou no ofício de representar, ela se jogava sem rede de
proteção. E como foram belos os saltos. De Tennessee Williams a William
Shakespeare, de Edward Albee a Ivani Ribeiro, de Walter Hugo Khouri a Manoel
Carlos. Para a gaúcha, uma boa personagem era o que importava. Laura,
Benzinho, Ofélia, Cordélia, Eugênia, Elza, Nancy, Martha, Helena, todas habi-
taram essa mesma mulher.
Tudo começou em Porto Alegre, meio por acaso, numa parceria inusitada
de Abujamra com dona Lila, mãe da atriz. Os anos 1950 já haviam passado da
metade quando ela subiu ao palco. E não é que, logo no primeiro trabalho,
foi festejada com boas críticas? Continuou no ofício, quase sem querer,
mas o teatro acabou lhe dando alegrias e até um casamento. Linneu Dias,
que a dirigiu em A Bilha Quebrada, apaixonou-se e virou pai de sua única
filha, Julia. O casal ficou junto por pouco tempo, mas ele nunca escondeu
o amor que sentia por Lilian. O poema The Cheater, escrito em inglês e
reproduzido no final desse livro, não deixa dúvida.
Foi a partir de 1963, já instalada com a família em São Paulo, que a atriz
começou a impor seu estilo, em que menos era sempre mais. A sutileza,
a economia de gestos, a beleza enigmática, o olhar profundo, os silêncios
que diziam tudo... É bem verdade que as massas só puderam provar desse
biscoito fino com a chegada dos anos 1980. O currículo de Lilian já era porten-
toso quando veio o convite para estrelar uma trama das oito, principal produto
(até hoje) da TV Globo. Foi a primeira das Helenas de Manoel Carlos. A primeira
das heroínas tortuosas que marcam a obra do novelista.
Repetindo o que acontecia em todo o Brasil, a novela Baila Comigo era um
sucesso de audiência lá em casa. Todas as noites, minha mãe Nicinha,
minha tia Deinha e minha irmã Cacá acompanhavam as agruras da protago-
nista, mãe dos gêmeos Quinzinho e João Vítor, criados separados sem que

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um soubesse da existência do outro. Eu também ficava de olho na história.
Tinha 11 anos e já conhecia muitos atores pelos nomes. No entanto, aquele
rosto era uma novidade para mim. Descobri, tempos depois, que não fui o
único a pensar dessa forma. Aos 25 anos de carreira, a atriz até desistiu de
explicar que, sim, ela tinha um passado de glória.
E na sala de TV daquela casa, lá na Rua Pereira Simões, 655, em Olinda,
Pernambuco, aquele garoto nem de longe poderia sonhar que seu caminho,
um dia, cruzaria com o da intérprete de Helena. Mas o tempo passou,
tornei-me jornalista e, quase três décadas depois do lançamento da novela,
recebi de Rubens Ewald Filho a missão de recriar a história de Lilian Lemmertz
para a Coleção Aplauso. O nome da atriz já estava na lista. Um personagem
à procura de um autor. Reli o e-mail algumas vezes até conseguir processar
tamanha responsabilidade. Eu era o autor.
Ao longo de dois anos e meio de trabalho, não estive sozinho. Julia Lemmertz
foi uma grande parceira. Por alguma coincidência, meu livro anterior, Nossa
Senhora das Oito (sobre Janete Clair e feito em parceria com o jornalista
Mauro Ferreira), apareceu nas mãos de sua personagem Noêmia, na novela
Celebridade, num diálogo com Cristiano, vivido por Alexandre Borges, o genro
que toda Lilian pediu a Deus.
Em um de nossos primeiros encontros, Julia fez uma listinha de pessoas que
conviveram com sua mãe. Belinha Abujamra, Walmor Chagas, Ednei Giovenazzi,
Juca de Oliveira, Eva Wilma, Irene Ravache, Luís Gustavo, Cláudia Alencar,
Ney Latorraca, tanta gente boa que poderia contribuir para reconstruir essa
trajetória. E também Tony Ramos, Christiane Torloni, Elizabeth Savalla e Natália
do Valle, seus filhos na ficção. Sem esquecer de Lídia Brondi, que esteve ao
lado da atriz nas últimas novelas, fosse como nora, sobrinha ou filha. A cada
telefonema, a cada encontro, risos e lágrimas se misturavam às lembranças.
Além de me confiar a memória de sua mãe, Julia me entregou uma mala
antiga, daquelas de tecido, cheia de recortes. Lilian guardava tudo: matérias,
entrevistas, resenhas. Até notícias pouco ligadas ao trabalho, como a do dia
em que resolveu ir ao cinema descalça e virou caso de polícia, eram mantidas
em meio a elogios de críticos como Sábato Magaldi e Yan Michalski.
Nos arquivos do Vídeo Show, programa em que trabalhei como roteirista
durante oito anos, encontrei duas entrevistas concedidas a Marília Gabriela
na época da TV Mulher. Através delas, pude observar Lilian Lemmertz para
além das personagens. Hoje, tenho a impressão que convivi com ela. A voz,
o andar, o olhar, tudo está presente.
À medida que ficavam prontos, os capítulos passavam pelos olhos (e crivo)
de meus amigos Josué Nogueira, Leonardo Ferreira e minha comadre Clara
Angélica – a primeira biografia que li, sobre Leila Diniz, escrita por Claudia
Cavalcanti, era dedicada a ela! –, todos também jornalistas, que formaram
uma espécie de controle de qualidade. Luís Francisco Wasilewski, estudioso
do teatro brasileiro, também contribuiu bastante para que a história pudesse
ser (re) contada da forma mais fiel possível.
Julia, quando o leu, sentiu uma saudade danada de sua mãe. E isso me deu
a sensação de dever cumprido.
Cleodon Coelho

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Eu tenho saudades da minha mãe. Acho que eu e todo mundo que já não
tem a sua.
Mas a minha, fora ser mãe, era uma atriz! Reconhecidamente uma grande e
bela atriz.
Essa parte é de todos. Dos que tiveram a sorte de vê-la em cena, no palco,
no cinema, na TV, e dos que tiveram o prazer de contracenar com ela.
Este livro é sobre isso: a história dos trabalhos feitos ao longo da curta carreira
dela, pois quanto mais me aproximo da idade que ela tinha quando se foi,
mais eu penso em como partiu cedo.
O que ela deixou de bom, de bonito, de talento, de arte, está eternizado.
Que bom que ela foi atriz. E das boas, das inesquecíveis! Estará sempre
impresso e vivo em mim, na Luiza e no Miguel. Herdeiros dela e do Linneu.
Fora tudo, duas figuras maravilhosas e que fazem muita falta. Assim é a vida...

Julia lemmertz dias – abril de 2010

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Se ela dança no sétimo céu
Se ela acredita que é outro país
E se ela só decora o seu papel
E se eu pudesse entrar na sua vida...
beAtrIZ (CHICo buArque – edu lobo)

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O tempo rodou num instante
Faltava pouco para o primeiro sinal tocar. No camarim, as emoções se
misturavam: a tensão da estreia, o friozinho na barriga, o texto na ponta da
língua, pronto para ganhar vida, a preocupação de fazer bonito. Àquela altura,
o ano de 1986 já caminhava para o segundo semestre. Desde 1983 que
Lilian Lemmertz não pisava num palco. Um longo intervalo para quem,
em 30 anos de carreira, acostumou-se a emendar um trabalho no outro. Mas,
respeitável público, uma Ação Entre Amigos estava prestes a quebrar o jejum.
Se a vida da atriz tivesse seguido seu curso normal, essa provavelmente
seria a descrição dos minutos que antecederiam o lançamento da peça de
Márcio de Souza. No entanto, perto do início da temporada, ela simplesmente
não apareceu para ensaiar. Os companheiros de cena estranharam. Lilian não
era o tipo de pessoa que costumava se atrasar para compromissos. Mesmo
numa época em que as facilidades da telefonia celular eram coisa de ficção
científica, sempre encontrava um jeito de dar alguma satisfação. Tinha todo
o respeito pelo ofício que abraçou.
Nas lembranças de sua única filha, Julia Lemmertz, o teatro era o lugar em
que Lilian mais gostava de estar. Foi onde achou sua turma e para onde
sempre queria voltar quando precisava recarregar a bateria. Era seu chão,
sua casa, seu espaço. Portanto, é no mínimo curioso saber que, até os 18
anos, ela jamais cogitara a possibilidade de se tornar atriz.
Nascida em Porto Alegre, em 15 de junho de 1938, Lilian gostava mesmo
era de animais. As férias de julho, passadas no sítio da avó, ponto de encontro
de todos os primos, aproximava-a desse universo. Lá, vivia no meio dos bichos.
Chegou até a ajudar no parto de uma vaca. O pequeno paraíso ficava em
Viamão, na região metropolitana da capital. Por conta da vivência rural,
Lilian arriscava um futuro como veterinária.
Em sua árvore genealógica, não existia – até então – nenhum artista.
Nem sequer um músico de baile, daqueles que tocam por hobby nos finais
de semana. Seus pais, Lila e Hugart (mesmos olhos azuis e um nariz mais
arrebitado que o meu), eram caixeiros-viajantes. Quando Cássio, seu único
irmão, nasceu, ela estava com 6 anos. Por ciúme, disse que ia jogá-lo na
lata do lixo. Paciente, dona Lila fez com que ela o aceitasse e se apaixo-
nasse por ele:
– Minha mãe nunca me chamou pelo nome. Era sempre joia, querida, flor.
Tive muito carinho em casa, afirmava a futura atriz.
Desde cedo, Lilian encarava responsabilidades de adulto. Quando os pais
precisavam sair da cidade, a garota cuidava não só do pequeno como também
da administração das finanças.
seu Hugart e dona lila,
pais de lilian

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os pequenos lilian e Cássio,
em fotos do álbum de família

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A família morava na Rua Silveiro, no bairro Menino Deus. Em casa, falava-se
alemão, a língua dos avós. Boa aluna, Lilian nunca foi motivo de grandes
preocupações em relação aos estudos. E, apesar de nem sonhar em encarar
os palcos como profissão, era ainda uma aplicada bailarina nas aulas de dança
do Theatro São Pedro. Cássio sempre ia buscá-la com o pai. Vez por outra,
eles chegavam antes da aula acabar e se sentavam na plateia para conferir a
desenvoltura da guria em cima das sapatilhas.

Só no final da adolescência é que o destino, enfim, começou a se desenhar.


Nessa época, uma pessoa que marcaria a vida da futura atriz habituou-se a
vê-la passar, de braço dado com um rapaz, na calçada em frente à sua casa.
Essa é a imagem mais remota guardada por Cibélia, ou Belinha, como todos
a conhecem. Mesmo observando de longe, ela a achava linda e elegante.
Qual não foi sua surpresa ao entrar para o tradicional colégio Julio de Castilhos,
informalmente chamado de Julinho, para cursar o clássico, e dar de cara
com a tal garota da rua sentada na mesma sala? Resultado: amizade instan-
tânea e para sempre.

Estamos em 1956. Nas palavras de Belinha, a adolescente Lilian Lemmertz


era moderna, autossuficiente, com certa dose de rebeldia, mas jamais do
tipo namoradeira. Embora fosse bastante paquerada, gostava de relacio-
namentos longos e se mantinha fiel a Marcos, o namorado da época.
Uma característica, entretanto, saltava-lhe aos olhos: a amiga já ditava
moda. Ora surgia com rímel azul, ora com rímel verde, depois pintava o
cabelo de vermelho.

O jornalista Tatata Pimentel, outro companheiro de juventude, conta que ela


foi a primeira mulher que ele viu usando tênis americano. Tudo isso em plenos
anos 1950.

– Era uma espoleta. Em Porto Alegre, não havia ninguém com tanto estilo,
assegura Tatata.

Eis que um dia, aquela moça que passeava pela Rua da Praia, frequentava
o bar Ópera, tomava chope com pastel e adorava cinemas e festas, cruzou
com Linneu Martins, repórter da Revista do Globo, editada pela Livraria do
Globo, uma das mais importantes de Porto Alegre. Com seu olho clínico,
ele a descobriu durante um almoço. Imediatamente, convidou-a para ser a
garota da capa. Desconfiada, Lilian demorou um pouco a aceitar. Mas não
se arrependeu.

Dona de uma beleza clássica, não foi por acaso que a jovem se transformou
rapidamente numa das manequins mais conhecidas da capital gaúcha.
Isso mesmo: antes da atriz, existiu a musa de Rui Spohr, até hoje o costu-
reiro mais famoso do Rio Grande do Sul, que começou a vida profissional
desenhando chapéus.

O gaúcho tinha acabado de fazer um estágio com o chapeleiro Jean Barthet,


o número um de Paris. Voltou da França cheio de ideias e decidiu investir

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nesse segmento, pois existia uma lacuna no mercado local. Como se propunha
a inovar o conceito de moda em todos os sentidos, pensou em algo inesperado
para o lançamento da primeira coleção. Até então, os desfiles eram benefi-
centes, com as meninas da sociedade nas passarelas. Rui queria pessoas
anônimas e bonitas usando suas peças.

Foi aí que amigos e pessoas ligadas ao estilista se puseram a procurar pelas


ruas de Porto Alegre aquelas que poderiam ser as Manequins de Rui. Mas entre
querer, ter qualidades e assumir-se manequim havia muitas complicações,
pois a profissão não era exatamente a ideal para uma menina de família.
Lilian, no entanto, contava com o apoio dos pais. E, com a ajuda do “padrinho”
Linneu Martins, foi apresentada como candidata a uma das vagas.
Rui lembra com clareza. No esplendor de seus 18 anos, ela era muito bonita,
magra, feminina, suave e dona de um nariz perfeito, característica importante
na apresentação de chapéus. Em resumo: sem defeitos, só qualidades.
A aprovação, claro, foi imediata. Além dela, entraram para o time Elisabeth
Hartmann, que também se tornou atriz, e Lúcia Cúria, que se casou com o
banqueiro Walter Moreira Salles.
As coleções se resumiam a outono-inverno e primavera-verão. O vestido era
sempre o mesmo, igual para todas as manequins, sendo preto no inverno e
branco no verão, confeccionados dentro do que existia de mais atual em
termos de linha e volumes, um meio-termo entre os trajes esporte, altoesporte
e noite. Quando não estavam na passarela, elas posavam para jornais e revistas.
Como pagamento, ganhavam o vestido e os sapatos, além do direito de
pegarem emprestado algum chapéu para um evento especial.
Fosse no ateliê de Rui, no Edifício Nice, ou na Associação Leopoldina Juvenil,
palcos principais dos desfiles, Lilian se mostrava à vontade. Como atriz em
potencial, aprendera facilmente a usar o chapéu. Mas o que chamava mesmo
a atenção do estilista era a maneira como ela interpretava a apresentação,
conforme o modelo que desfilava. A cada entrada, virava uma mulher diferente.
E para quem, ainda nos anos 2000, surpreende-se com modelos que se
tornam atrizes, até que Lilian não demorou a experimentar a profissão que
a tornou conhecida. Da primeira foto publicada ao início nos palcos, pouco
tempo se passou:
– Nunca pensei em ser atriz realmente. Estudava balé por estudar, sem preten-
sões. Um dia, Antônio Abujamra, com quem eu fazia inglês, me apareceu
com um convite para integrar o elenco do Teatro Universitário da União
Estadual dos Estudantes (UEE), que iria montar À Margem da Vida. Recusei.
Em casa, comentei com a mãe, sem um pingo de entusiasmo. Para minha
surpresa, ela achou uma ótima ideia. Leu a peça e começou a insistir para
que eu aceitasse o convite. Tinha certeza de que a experiência seria maravi-
lhosa. Acabei concordando. Minha mãe é uma mulher muito bem-informada,
chuta em qualquer assunto e geralmente acerta. Assim, quase sem querer,
entrei para o teatro. em poses glamurosas,
nos tempos de modelo

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o estilista gaúcho rui spohr ao lado de suas musas

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rui com as modelos marlene, sônia e lilian

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Pois é: a opinião de dona Lila foi fundamental para o futuro da filha. É claro
que, para os padrões da época, ela e o marido podiam ser considerados
liberais. Afinal, permitir que uma filha entrasse não só para o mundo da moda,
como também para o teatro, ainda era algo surpreendente. Mas, como lembra
Cássio, a própria irmã sempre foi muito pra frente. Desde cedo, revelava uma
personalidade forte e era muito segura em suas atitudes.
Aos 18 anos, Lilian Lemmertz entrava em cena para interpretar Laura Wingfield
em À Margem da Vida, o clássico de Tennessee Williams. E não fez feio.
Na pele da frágil heroína que vive num mundo à parte com seus animaizinhos
de cristal, ela convenceu a todos: diretor, companheiros de trabalho, público
e crítica. Era o primeiro passo de uma carreira intensa e de muito sucesso,
num ofício que aprendeu a amar e a respeitar. Pois, ao contrário do que
acontece com a maioria dos atores, foi o teatro que a escolheu.
Belinha recorda bem do comportamento de Lilian no dia da primeira apre-
sentação: a amiga se manteve gélida. Antes que alguém dissesse que era
gênero, ela logo avisava que estava realmente calma. Talvez por confiar em si
mesma. Sua atuação foi arrebatadora e definitiva. Um arraso, garante Belinha,
para quem Lilian também serviu de Cupido, aproximando-a de Abujamra,
seu marido até hoje. No programa da peça, que o diretor guarda com dedica-
tórias de toda a equipe, a estreante escreveu: Viro-me, e nossos olhares
se encontram.
O título original da peça, The Glass Menagerie, é considerado intraduzível para
o português. Algumas montagens nacionais batizaram-na como O Zoológico de
Vidro. Já no cinema, a versão de Irving Rapper ganhou o título de Algemas
de Cristal. Tennessee Williams escreveu o texto após economizar dinheiro
suficiente para viver seis meses sem trabalho e poder se dedicar integralmente.
Esforço mais que recompensado: o novato foi agraciado com o prêmio do
Círculo de Críticos Teatrais de Nova York, em 1945. É uma peça escrita sob o
signo da memória e assim se pode representá-la com uma liberdade de todo
o convencionalismo, afirmava ele, que tinha uma irmã esquizofrênica. Não por
acaso, em sua obra as mulheres são sempre inadequadas no mundo.
A primeira temporada da montagem gaúcha aconteceu no auditório do
Instituto de Belas Artes, no centro porto-alegrense, de 7 a 11 de novembro
de 1956. Antônio Abujamra acumulava a direção e o papel de Tom, alter ego
do autor. Além dos dois, estavam em cena Paulo José, como Jim O´Connor,
e Yetta Moreira, vivendo a matriarca Amanda. Durante a temporada, Paulo –
outro gaúcho que deixaria o Sul para se consagrar nacionalmente – foi substi-
tuído por Luiz Carlos Maciel, contrarregra da equipe, que no futuro integraria
o jornal alternativo O Pasquim. A cenografia, assinada pela artista plástica Alice
Soares, foi bastante comentada por ser moderna e sintética. Já os figurinos
eram de Isolde Brans.
Inspirada na própria mãe do autor, a personagem Amanda é uma senhora de
meia-idade, que controla com pulso firme a vida dos filhos Tom e Laura,
cujo pai é ausente. Ela faz de tudo para ver Jim, o colega de Tom, casado com
a filha. A jovem, por sua vez, tem um defeito na perna e não se relaciona
socialmente. Tudo é delicadeza e poesia, a começar pela figura de Laura,
tão bem encarnada pela atriz Lilian Lemmertz, dizia Célia Ribeiro, em matéria
da Revista do Globo.

lilian e as criações de rui:


a cada pose, uma mulher diferente

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Nessa segunda metade da década de 1950, a capital gaúcha era um polo
teatral efervescente. Algumas peças chegavam a ficar até oito meses em
cartaz, com sessões de terça a domingo. A imprensa registrava a ótima fase.
Para o bem da cultura teatral de Porto Alegre, o viciado e mercantil teatro
brasileiro tem fugido de nossa metrópole e o teatro citadino amador e
profissional está numa prodigiosa ascensão há anos, festejava o crítico
Aldo Obino. Nunca se fez tanto teatro em Porto Alegre como no ano que
está prestes a findar. Os amadores se mantiveram em constante atividade e
até uma companhia profissional nasceu, deu no Magazine A Hora.
Além de diversas temporadas na capital e de participar de festivais de teatro
amador, À Margem da Vida foi mostrada no Teatro Sete de Abril, em Pelotas.
O jornalista Aldemar Garcia registrou a visita da trupe: A peça agradou.
E foi pena que o Teatro Universitário a apresentasse uma vez só. O público
pelotense aplaudiu muito e certamente encheria o velho e tradicional teatro
da Praça Coronel Padre Osório no dia seguinte. Todos gostaram da apresen-
tação do jovem e esforçado grupo da capital do Estado, que chegou aqui
como se fora um grupo de amantes do rock´n´roll, um grupo de aventureiros
malucos, e que foi embora respeitado, depois de proporcionar à nossa plateia
ótimos momentos de bom teatro.
Lilian não tinha motivo para se arrepender: a montagem era um sucesso.
De passagem por Porto Alegre, Stênio Garcia testemunhou a estreia da gaúcha.
O ator, que poucos anos depois viria a contracenar com ela em São Paulo,
ficou bem impressionado com o que viu. Encantou-se de cara com aquela
figura magrinha, frágil em cena, mas com grande força em sua interpretação.
Para Ivete Brandalise, na época também atriz e que hoje atua como psicóloga
e jornalista – apresenta há duas décadas o programa Primeira Pessoa,
na TVE local –, desde o começo Lilian já demonstrava que teria êxito em
qualquer outra praça.

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na praia, com a turma do teatro: Claudio Heemann,
Yetta morreira, Fernando Peixoto e milton Person
nas outras fotos, encenando a peça À MargeM da Vida, sua estreia nos palcos
ao lado de luiz Carlos maciel, Antônio Abujamra e Yetta

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lilian com Abujamra, diretor e companheiro de elenco
em À MargeM da Vida
A novata contracena com Paulo José,
substituído depois por luiz Carlos maciel

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Não por acaso, o desempenho na peça À Margem da Vida rendeu à atriz o
troféu Negrinho do Pastoreio de revelação dramática feminina, concedido
pelo jornal Folha da Tarde, que premiou ainda a direção de Abujamra e o
cenário de Alice. Esse troféu foi só o primeiro de muitos que ela ganharia ao
longo da carreira. E pensar que quase recusou o convite...
Com tanta badalação, Lilian acabou sendo escolhida um dos brotos do
Catálogo 57 da Revista do Globo. Ou seja, uma das moças destinadas a
figurar entre os novos hits da sociedade. Estes brotos surgiram no verão ou
na primavera, desde o grande movimento de debutantes do mês de outubro
até o fim da estação de veraneio, em março. Elas são aqui apresentadas
sem outro objetivo que o de prestar testemunho da maravilhosa floração da
juventude, dizia o texto de Nélio Macedo, na edição de 4 de maio de 1957.
Dalinda Cassal, Marly Regina Carvalho Chaves e Henriette Rizzo Campos
também estavam na lista das dez mais.
Lilian era apresentada assim: Está no Colégio Julio de Castilhos, estudou
nove anos de ballet e possui extraordinária fotogenia. Faz teatro amador de
vez em quando e também gosta (às vezes) de bancar o manequim. E muito
bem. Curiosamente, na mesma edição da revista ela aparecia como modelo
na matéria Chapéus que você gostaria de usar, sobre as novas criações de
Rui Spohr para o outono-inverno daquele ano. E ainda era citada como intér-
prete, em reportagem sobre o tão elogiado trabalho de Alice Soares como
cenógrafa de À Margem da Vida.
Aprovada no vestibular para o curso de Línguas Neolatinas, essa atriz de vez
em quando continuou na ribalta. Quando a conheci, ela já tinha alguma fama
na cidade. Era bem agitada, fazia mil coisas ao mesmo tempo, afirma Lygia
Vianna Barbosa, que cuidava da produção do espetáculo XYZ, de Klabund,
que Lilian encenou em 1959. Mostrado no Guarany, cinema localizado na
Praça da Alfândega, no centro da cidade, XYZ tinha apenas três personagens,
dois masculinos e um feminino. Um dos atores era Cláudio Heemann,
que depois virou crítico teatral do jornal Zero Hora, entre as décadas de
1970 e 1990.
Em Porto Alegre, Lilian trabalhou também na peça O Pai, de Strindberg,
sobre a qual comentou mais tarde, à Folha de S. Paulo:
– Meu papel era pequeno. Passava a maior parte do tempo nos bastidores,
fazendo a sonoplastia. Gostava de ficar trocando os discos.
O destaque nos palcos locais chamou a atenção da TV. Naquela virada de
década, a Piratini, primeira emissora do Rio Grande do Sul, já produzia novelas
ao vivo. Os estúdios ficavam no Morro Santa Tereza, próximo à casa da atriz.

maria do Horto, Antonio lara e lilian lemmertz na novela


O grande industrial, exibida ao vivo pela tV Piratini,
pioneira em Porto Alegre

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Como não existia teipe, ela tinha de subir a ladeira diariamente para trabalhar.
Anos depois, em entrevista a uma revista de São Paulo, recordou:

– Era uma correria aquele negócio de novela ao vivo. Numa cena, eu tinha de
aparecer de maiô, entrando na piscina. Logo depois, precisava estar arruma-
dinha com um belo vestido. E a pressa era tanta que eu colocava o vestido
por cima do maiô mesmo. Uns 15 minutos depois, a roupa começava a mudar
de cor e o molhado ia aparecendo. Mesmo com a TV em preto e branco,
dava para perceber o vestido ficando mais escuro.

Uma das tramas produzidas foi O Grande Industrial, em 1960, com Antônio Lara
e Maria Waleska, atriz ainda em atividade no Rio Grande do Sul, que hoje assina
como Maria do Horto. Nessa história de época, adaptada do romance de
George Ohnet, Lilian interpretava Sofia Prefond. O que acontecerá no capítulo
de hoje? Aguardem os leitores as respostas assistindo ao grande cartaz do
Teatro de Novelas, aguçavam os jornais.

Ainda na Piratini, havia o Grande Teatro Phillips. Lilian deixou sua marca
em montagens como a de O Tempo e os Conways, de J.B. Priestley.
Sempre ao vivo.

Se no campo profissional tudo ia bem, faltava um amor para ocupar o coração


da moça. Foi em 1961 que outro Linneu apareceu em sua vida. Enquanto
Linneu Martins a lançou no mundo da moda, Linneu Dias a ajudou a solidificar
O teMpO e Os COnways,
sua carreira. E não demorou a virar namorado.
no Grande teatro Phillips
Linneu vinha de uma tradicional família de Sant’Anna do Livramento, os Flores páginas seguintes – em a Bilha QueBrada,
da Cunha, e era um homem bastante culto. Na época em que o caminho encenada em Porto Alegre em 1961

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dos dois se cruzou, ele trabalhava no Instituto Cultural Brasileiro-Alemão,
o ICBA. A Bilha Quebrada, de Heinrich Von Kleist, foi a primeira parceria.
Além de assinar a direção e de subir ao palco na pele do desembargador
Walter, ele traduziu a obra junto a Gerd Bornheim. Eu e Gerd ficamos dias e
dias traduzindo, ele com o texto em alemão, eu com a versão em francês.
Fizemos um trabalho criterioso, discutimos cada palavra, cada intenção,
assegurou, na época da estreia.

Kleist escreveu o texto entre 1802 e 1806, inspirado numa gravura de


Debucourt, que mostrava dois jovens apaixonados e tristes, uma mãe
barulhenta trazendo uma bilha quebrada e um juiz de nariz grande. Ambientada
na aldeia holandesa de Huisin, a história começa com seus moradores à
espera do desembargador, que irá conduzir o julgamento sobre a quebra da
bilha de estimação pertencente a uma moradora do local, dona Marta Rull,
vivida por Yetta Moreira.

Ao longo do processo, Adão, o juiz da aldeia interpretado por Cláudio Heemann,


usa várias estratégias para conquistar o amor de Eva, papel de Lilian, a filha
da dona do objeto. No desfecho, quando se descobre o responsável pelo
incidente, o juiz é desmascarado. Classificada como uma comédia burguesa,
a peça virou uma curiosa exceção na carreira de Kleist, marcada por
obras densas.

Com elenco formado por alunos do Curso de Arte Dramática da Faculdade


de Filosofia da Universidade do Rio Grande do Sul, em parceria com o ICBA,
o espetáculo estreou no Theatro São Pedro em dezembro de 1961. Nomes
como Mário Textor, Ilo Bandeira, Antônio Carlos Cardoso, Solita Elnecavé,
Jayra Silveira e Ivanoska Meidel dividiam o palco com Cláudio, Lilian, Linneu
e Yetta. O cenário era de Armando Piazza Filho e os figurinos, de Gilberto Vigna.

No ano seguinte, o espetáculo participou do 4º Festival Nacional de Teatro


de Estudantes, organizado por Paschoal Carlos Magno, ganhando destaque
como uma das cinco melhores encenações da edição. Além disso, Lilian e Yetta,
que repetiam a dobradinha de À Margem da Vida, figuraram entre as dez
melhores atrizes da competição, enquanto Cláudio Heemann, também do
elenco de XYZ, recebeu a medalha de ouro como melhor ator.

Premiada, A Bilha Quebrada voltou ao palco do Theatro São Pedro para nova
temporada, em março de 1962. O retorno mereceu crítica de Fernando Peixoto:
Linneu não se limitou a reensaiar e reapresentar o trabalho feito. Alterou o
que lhe pareceu mais fraco na primeira versão. O início ganhou, pela nova
marcação, em rendimento cênico; antes era forçado e às vezes falso. (...)
A direção de Linneu pode ser acusada de muitos defeitos, mesmo o espe-
táculo sendo de amadores: poderia ter mais ritmo, nem sempre as marcas
são bem explicadas, etc. Mas o número de pontos certos é bem maior e é
responsável por um espetáculo limpo, claro, cuidado, revelando trabalho,
consciência, estudo, talento.

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Sobre o elenco, Fernando ressaltou a correção do mesmo Linneu e a
presença viva de Cláudio Heemann. E disse ainda: É indiscutível o destaque
dos que, como Yetta Moreira e Lilian Lemmertz, possuem mais experiência
e mais segurança em cena. Mas há igualmente a revelação de Solita, Mario,
Antônio Carlos e Ivanoska, que certamente com mais tempo e trabalho vão
render bastante.
Apesar de já ser considerada uma atriz experiente, Lilian não havia abando-
nado a carreira de manequim. Continuava posando com os novos modelos
criados por Rui Spohr. Também tentava conciliar essas atividades com os
estudos. Mas...
– Daí em diante, o teatro foi se integrando cada vez mais em minha vida.
Mantive o curso de Neolatinas, embora não tivesse mais dúvidas que,
entre o palco e a sala de aula, ficaria com o primeiro, garantia Lilian.
De fato, ela não terminou o curso. Faltou o último ano para receber o diploma.
E aquele sonho de infância de ser veterinária? Há muito ficara para trás.

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Programa do espetáculo a Bilha QueBrada,
primeira parceria de lilian e linneu dias,
tradutor, diretor e intérprete do desembargador Walter

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lilian: intimidade total com as lentes
páginas seguintes – Com o irmão Cássio
e a pequena Julia, em Porto Alegre
no detalhe, desenho do vestido de noiva
que rui spohr criou para sua musa

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A casa está bonita,
a dona está demais
Quando Lilian e Linneu marcaram o casamento – depois de algumas brigas e
uma viagem dele para estudar teatro nos Estados Unidos –, Rui Spohr fez
questão de presentear sua musa com um traje de noiva especial.
Desenhou algo de muito inovador para a época: um vestido curto,
com grinalda, buquê e um longo véu que arrastava no chão, num
contraste que deu o que falar. Além de ser uma criação ousada,
era ela, Lilian Lemmertz, a famosa manequim do Rui, quem a
estava usando. A cerimônia e a festa aconteceram no Caixeiros
Viajantes, clube ainda em atividade na capital gaúcha.

Declarados marido e mulher, os dois foram morar na movimen-


tada Rua General Lima e Silva, na Cidade Baixa. O local passou a
ser ponto de encontro da classe artística. Os amigos adoravam,
pois Lilian era uma pessoa que não complicava nada. Quando
chegavam, ela mandava olhar o que tinha na geladeira e o jantar
era preparado em clima de total informalidade.

Em pouco tempo, a atriz descobriu que estava grávida. Na época,


atuava no espetáculo O Testamento do Cangaceiro, de Francisco
de Assis. Quando contou aos companheiros de palco que o médico
havia confirmado a gestação, não parou de ganhar presentes: uma
garrafa de conhaque, uma garrafa de gim, uma garrafa de cachaça...

– O pessoal não sabia dar sapatinhos. Era só garrafa,


divertia-se Lilian.

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Julia lemmertz dias,
sempre de olho na câmera
e paparicada pelos pais

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O casal também ganhou um berço pintado de branco pelo futuro tio, Cássio.
Como naquela época não havia como saber se era menino ou menina,
a cor acabava servindo para os dois.
E veio uma menina: Julia Lemmertz Dias nasceu no dia 18 de março de 1963,
em Porto Alegre. A atriz passou então a se dedicar quase exclusivamente ao
papel de mãe. Mas mantinha um emprego no Juizado de Menores.
– Na verdade, passava a maior parte do tempo datilografando os artigos que
um dos meus chefes escrevia para os jornais.
Foi nesse ano que Linneu Dias criou o grupo Comediantes da Cidade, tendo
a esposa como sócio-fundadora. No entanto, eles nunca chegaram a atuar
nele. Algo bem maior estava para acontecer.
Anos depois, em entrevista à Folha de S. Paulo, Lilian revelou como o casal
mais famoso do teatro brasileiro colocou a rotina pacata dos dois de ponta-
cabeça. Cacilda Becker e Walmor Chagas iam a Porto Alegre com frequência,
mostrar os espetáculos de sua companhia. Gaúcho, Walmor estreou em
1947, no Theatro São Pedro, e foi para São Paulo em 1953, onde trabalhou
com o revolucionário Ziembinski, antes de dividir o palco e a vida com Cacilda.
Quando aportou na capital gaúcha para encenar Em Moeda Corrente no
País, naquele ano de 1963, o casal deixou claro que pretendia bancar a
mudança dos dois jovens.
– Walmor e Linneu eram amigos de longa data. Eles faziam dezenas de
projetos. Cacilda, entusiasmada como sempre, falava em alugar apartamento

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lilian no papel que mais gostava:
o de mãe

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para nós, nos futuros trabalhos. Eu, admiradíssima, não acreditava que tudo
aquilo fosse a sério. Quando eles encerraram a temporada, esqueci o caso.
Mas Linneu continuava manifestando o desejo de mudar. Eu dizia também
que sim, mas sempre me lembrava da poesia de Manuel Bandeira, ‘Vou-me
embora pra Pasárgada’, e nunca que se vai.
Até que um dia o casal recebeu um telegrama. Foi num sábado. Lilian saiu
do serviço para encontrar Linneu no barzinho onde faziam ponto. Ele estava
com a mensagem na mão: Estejam em São Paulo dia 24 de setembro.
Passagens à disposição. Contratos firmados: Walmor e Cacilda. A atriz
ficou apavorada.
Sem muita perspectiva de continuar fazendo teatro em Porto Alegre, Linneu
falou durante horas, tentando convencer a mulher de que deveriam aceitar.
Mesmo achando uma loucura, afinal tinham uma filha pequena para cuidar,
resolveram apostar as fichas. Três dias depois, embarcaram com uma mala,
uma máquina de escrever e um guarda-chuva. Era toda a bagagem. E, assim,
foram reforçar um time de gaúchos que brilharia na linha de frente das artes
brasileiras pelos anos seguintes. Nomes como Paulo José, Paulo César Peréio,
Ítala Nandi e Antônio Abujamra.
Sem esquecer de Julia Lemmertz, aquele bebê que mal tinha começado a
engatinhar, mas que acabaria seguindo o mesmo caminho dos pais.

mãe e filha em uma campanha publicitária,


já em são Paulo

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três momentos de Julia retratados por
Fredi Kleeman, companheiro de lilian
e linneu em onde Canta o sabiá
A pequena mostra o talento de modelo e de bailarina

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Acima, mãe e filha no casamento de Cássio e sônia

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Não se afobe, não, que nada é pra já
A chegada em São Paulo ficou gravada na memória de Lilian Lemmertz em
detalhes. E não tinha como ser diferente. O desembarque aconteceu às
três da tarde do dia 24 de setembro de 1963. Uma hora depois, ela e Linneu
Dias já estavam no Teatro Cacilda Becker lendo com o diretor Hermilo Borba
Filho o texto de Onde Canta o Sabiá, comédia escrita por Gastão Tojeiro em
1921. Foi ideia de Walmor convidar o pernambucano Hermilo, que já havia
montado o espetáculo com sucesso no Recife, para comandar os trabalhos.

Na cabeça da atriz, ela entraria no palco e diria algo como o jantar está servido,
madame. Achava que era só uma pontinha. Na real, estava completamente
equivocada, como contou anos depois à Folha de S. Paulo:

– Foi uma loucura. Na medida em que a leitura da peça avançava, eu ia desco-


brindo que, simplesmente, estava com o papel principal, Nair. O pior é que
Hermilo parava a leitura de vez em quando e dizia aqui você canta o Jura,
aqui você canta o Taí. Mais adiante interrompia de novo: aqui você dança o
charleston, aqui é o tango. Mal consegui terminar a leitura. Estava estatelada.
Saí do teatro pensando em voltar para o Sul. Disse ao Linneu: Aqui eu não
fico, vou-me embora! Nessa época, o que eu queria mesmo era viver em
Porto Alegre, ter uma casinha com gerânios na janela e muitos filhos.

Recém-chegada e já em pânico total, Lilian não lembrava nem dos anos de


estudo de balé. Simplesmente não se sentia capaz de dançar. Cantar, então...
Ela ouviu da boca de Walmor Chagas coisas do tipo: Meu Deus! Todo mundo
quer papel principal e você esnoba? Mas decidiu continuar. E ainda recebeu
de Cacilda atenção redobrada.

– Eu fiquei muito gripada e ela cuidou de mim. Tratou-me como se eu fosse


uma filha. Quando tinha dor de garganta, botava álcool no meu pescoço.
No dia da estreia, levou-me para a sua casa, para eu ficar mais tranquila.
Na verdade, para ser mais paparicada.

Com a saúde em dia, Lilian, Linneu e Julia se instalaram na casa de Belinha


e Antônio Abujamra, que haviam trocado a capital gaúcha por Sampa em 1961,
quando se casaram. Esse reencontro foi coberto de alegria e a amizade con-
tinuou tão próxima como antes. Juju, como a família chama Julia até hoje,
ficava com Belinha e os filhos, Alexandre e André, para que Lilian pudesse
ensaiar.

Logo na chegada a São Paulo, a amiga indicou Lilian para um trabalho como
modelo. As fotos seriam para um suplemento de O Estado de S. Paulo.
Ao chegar ao estúdio, o produtor viu a jovem atriz de cara lavada, rabo de cavalo, A melindrosa lilian lemmertz dança
bem simples, e com certeza pensou: Olha quem a Belinha me mandou. e canta no palco do Cacilda becker

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Mas Lilian pegou o vestido e, com sua frasqueira sempre à mão, foi se
maquiar. Gostava de se produzir sozinha e conhecia seus pontos fortes.
Quando apareceu pronta, o cara ficou desnorteado ao ver sua beleza. E ela
acabou sendo a principal modelo do suplemento.

É claro que o foco não foi desviado. A montagem de Onde Canta o Sabiá,
o motivo principal da mudança, não demorou muito para ficar pronta. No dia
24 de outubro de 1963, exatamente um mês após a chegada, Lilian e Linneu
estreavam nos palcos da Pauliceia desvairada. O trabalho era pesado: as peças
ficavam em cartaz de terça a domingo, com sessões seguidas aos sábados
e, ainda, vesperais. Aquela região do Bexiga era uma espécie de Broadway
de São Paulo, tamanha a quantidade de teatros espalhados por suas ruas.
Apesar da pouca grana, os artistas vibravam por participar de um momento
tão efervescente da cena local.

O Brasil de 1920 num delicioso espetáculo cômico. É no Teatro Cacilda Becker.


O sabiá canta para todas as idades, de 8 a 80!, frisava a campanha publici-
tária. Foi intenção do diretor realizar uma “caricatura sentimental” da época.
Por isso, Hermilo acrescentou ao texto várias músicas do período, entre elas
Manon, Gigolette, Flor do Abacate e Borboleta Não é Ave.

Venha divertir-se! Venha rir! Venha cantar! Onde Canta o Sabiá, convidavam
os anúncios de jornal. O elenco contava com 12 atores. Além de Walmor,
Lilian e Linneu, estavam Kleber Macedo, Lafayete Galvão, Floramy Pinheiro,
Stênio Garcia, Fredi Kleeman, Assunta Perez, Cláudio Mamberti, Plínio Marcos
e Walderez de Barros. Desta vez, Cacilda Becker não estava no palco,
apenas na produção.

Walderez conta que Lilian chamou a atenção logo de cara. Desde o dia
da estreia, as pessoas saíam do teatro falando bem dela. Nos bastidores,
lilian e Walmor em Onde Canta O saBiÁ
a protagonista, que adorava baralho, ensinou à colega um estilo diferente de (O Estado de S. Paulo, 01|11|1963)

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jogar paciência. Era assim que as duas matavam o tempo na coxia. Já Stênio,
que viu Lilian em sua estreia em À Margem da Vida, sete anos antes,
lembra que a atriz ficava linda no figurino de melindrosa. Fredi Kleeman,
também fotógrafo, tratou logo de registrar com sua lente o charme da pequena
Julia, o xodó dos bastidores.

E logo veio a repercussão do musical na imprensa. Em crítica publicada


em A Nação, no dia 9 de novembro, Caio Scheiby escreveu: É preciso anotar
o nome de Lilian Lemmertz, que – além de sua beleza – revela qualidades de
intérprete nesta sua primeira aparição nos palcos paulistas. E a boa impressão
se repetia em outros veículos. Numa seção chamada Foto-brilho (de um jornal
não identificado), um close do rosto da atriz acompanhava a seguinte legenda:
Lilian Lemmertz, uma das atrizes mais brilhantes e talentosas que tem aparecido
nestes últimos tempos. Surgiu em São Paulo em Onde Canta o Sabiá.

Num dos recortes guardados, havia uma curiosa observação: Lilian Lemmertz
(que continua boa atriz em Onde Canta o Sabiá) deve mandar uma foto sua
(ou do elenco) autografada ao leitor Amarildo Carvalho (Rua Pires de Campos,
147, Mooca), que no-la solicitou. Uma prova de que a atriz gaúcha está fazendo
sucesso por aqui.

Para Lilian, a adaptação à nova realidade veio sem muito mistério. Em pouco
tempo, ela estava totalmente ambientada em São Paulo. Sentia saudade
de Porto Alegre, claro, mas nada que um chimarrão no final da tarde não
amenizasse.
Confirmando a boa acolhida, a revista Edição Extra de 21 de dezembro dedicou-
lhe duas páginas. Bonita e talentosa, faz parte do sangue novo que está
revigorando o teatro paulista; assim é: a melindrosa Lilian Lemmertz. E isso
era só a chamada. Fotografada com seus cabelos a la garçonne, bem à
moda dos anos 1920, época em que se passava a trama, a atriz era exaltada
no texto de Antônio Sanchez Prieto como uma moça, bonita como ela só,
melindrosa como ela só. (...) Atriz, atriz mesmo.

Prieto colocava o casal Lilian-Linneu no


mesmo patamar de outros pares do teatro
e da vida: Cacilda e Walmor, Cleyde Yáconis
e Stênio Garcia, Dulcina de Moraes e
Odilon Azevedo, Maria Della Costa e San-
dro Polloni, Rosamaria Murtinho e Mauro
Mendonça. E dizia mais: Pela primeira vez
ela está fazendo (e com sucesso) teatro
profissional e se acha, mais do que nunca,
apaixonada pelo palco. Diz que não tem
papel preferido, de que gosta mesmo é
de fazer teatro e que cada segunda-feira,
quando não há espetáculo, sente um vazio
imenso. No último parágrafo, profetizou:
Ainda se vai falar muito em Lilian
Lemmertz. A moça é realmente talentosa.
Ao que parecia, a primeira batalha
estava ganha.
– Descobri, de repente, que me tornara
uma atriz profissional. Minha vida estava
no teatro, comemorou.

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Mas a autocrítica já era grande:

– Eu fazia tudo direitinho, só que nunca me sentia bem. Sentia-me aquém


da história.

Foi durante esse período de convivência em Onde Canta o Sabiá, ao verem


a relação do casal com a filha, ainda bebê, que Walmor e Cacilda retomaram
um velho sonho: adotar uma criança. Logo no comecinho do turbulento ano
de 1964, os atores receberam Maria Clara, cuja mãe faleceu durante o parto.
Com 13 dias de vida, a menina (hoje, a cantora Clara Becker) foi viver com eles.

Quanto à criação da própria Julia, a amiga Walderez de Barros lembra que


Lilian era um pouco rígida. Nesse quesito, era meio alemã. Tinha hora de
dormir, de tomar banho, tudo na maior disciplina, frisa. Mais tarde, Julia,
Clara e Leo – filho de Walderez e Plínio Marcos, que, assim como o pai,
virou dramaturgo – estudaram juntos na escola O Carrossel.

De uma comédia musical brasileiríssima, Lilian foi parar num drama ambientado
em plena costa oeste americana. Em 22 de fevereiro de 1964, Jô Soares
anunciava em sua coluna na Última Hora: Lilian Lemmertz terá um dos papéis
principais de A Noite do Iguana, que começa dia 5. Parece que a moça não
volta tão cedo para Porto Alegre, o que é muito bom para o teatro de São Paulo.
Na peça escrita por Tennessee Williams, o mesmo de À Margem da Vida,
ela finalmente dividiria o palco com Cacilda Becker. A direção tinha assinatura
A atriz ganha perfil do próprio Walmor Chagas, que também estava no elenco como Shannon.
na revista edição extra Lilian interpretava Carlota, estopim da trama.

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Na história, Shannon é um ex-pastor protestante e alcoólatra, que trabalha
como guia turístico. Em uma de suas excursões, parte para uma viagem
pela costa com um grupo de professoras idosas em férias. Desde a saída,
Carlota, acompanhante da sra. Judith Fellowes, passa a dar em cima do reve-
rendo, embora ele não corresponda aos seus avanços. Numa pousada,
a jovem entra sem permissão em seu quarto e ele a põe para fora. Para Judith,
entretanto, é o religioso que está tentando seduzir a garota. Por mais que
ele se explique, ela não muda seu modo de pensar e passa a ameaçá-lo,
alegando que seu irmão, um influente juiz, pode fazer com que seja
demitido do emprego.

Na crítica de Mario Julio Silva, publicada em 23 de março no Shopping News,


a atuação de Lilian é descrita como muito desembaraçada. No final, ele atesta:
A Noite do Iguana é um espetáculo que merece ser visto, pois está bem
montado, contando com um elenco homogêneo e afinado. O texto... ora,
o texto é de Tennessee Williams, e está dito tudo.

Naquele mesmo ano, após dois trabalhos com a Companhia Cacilda Becker,
Lilian começou a ser cortejada por outros produtores teatrais. A situação
no Brasil estava ficando difícil: os militares haviam tomado conta do poder.
Mas, enquanto o teatro não virava um importante veículo de contestação do
período, comédias de apelo puramente comercial tomavam conta da cena.

Lilian participou de duas delas. Primeiro, esteve em uma montagem de


Toda Donzela Tem um Pai que é uma Fera, de Gláucio Gil, cuja única coisa boa,
em suas lembranças, era a presença de Ítala Nandi e Tarcísio Meira. Depois,
foi convidada a atuar em Mary Mary, de Jean Kerr, com Tereza Raquel fazen-
do a personagem-título. Contracenando com as duas, estavam Leonardo Villar,
Oswaldo Loureiro e Carlos Kroeber, também diretor.

Considerada uma crítica aos hábitos da classe média dos Estados Unidos,
a comédia conta a história de Mary, uma mulher tímida que disfarça suas
inseguranças se mostrando agressiva e sarcástica. Lilian era Fiffan, assim
descrita na sinopse: Ela teve uma excelente educação que, no entanto, lhe foi
prejudicial. Higienista por ignorância ou por tradição, tem, em determinado
momento, a consciência de seus limites. E como boa norte-americana, sabe
ser prática e eficiente.

A peça chegou ao Teatro Bela Vista no dia 1º de outubro daquele mesmo 1964.
Em matéria publicada no Diário da Noite, na data da estreia, o jornalista
Hilton Viana festejava a escalação de Lilian. (...) Outra presença no elenco é
a de Lilian Lemmertz, atriz gaúcha que, por sua beleza e talento, hoje em dia
desfruta de enorme prestígio entre as companhias e público de São Paulo.
Desde que chegou de Porto Alegre, onde foi convidada por Cacilda Becker
a fim de fazer parte de sua companhia, Lilian não parou de trabalhar, não conse-
guindo atender a todos os convites que aparecem.

Uma crítica publicada em O Estado de S. Paulo (sem assinatura) pegava


emprestado um trecho do texto de Jean Kerr como ilustração: Quero algo
que não melhore minha cultura. Era um comentário da protagonista ao escolher
um livro para ler na cama, antes de dormir. Se se tratasse de uma peça,
e não de um livro, recomendaríamos a Mary a própria comédia de que é
personagem principal. Faz rir, mas ninguém, nem mesmo o seu pior inimigo,
alegará que tenha qualquer pretensão a elevar o nível de nossa cultura,
acentuava. O que eleva a peça acima da média é a qualidade do diálogo,
são as réplicas ácidas, espirituosas, epigramáticas.

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Sobre o elenco, estava escrito: Além de Tereza Raquel
e Oswaldo Loureiro, atores de grande comunicação
com a plateia, estão presentes ainda Leonardo Villar,
saindo-se relativamente bem num terreno – a comédia
sofisticada – que não é o de sua predileção, Lilian
Lemmertz, confirmando a boa impressão que causou
nas suas anteriores apresentações em São Paulo, e
Carlos Kroeber, que, se não é o melhor do elenco, é o que mais se aproxima
da interpretação do tipo norte-americano: a sua graça é mais seca, mais inte-
lectual, mais de inteligência do que dos sentidos.

Apesar de toda a badalação em torno de seu nome, a essa altura Lilian estava
insatisfeita. A sensação de felicidade com os trabalhos na Companhia Cacilda
Becker não se repetia. Continuava no teatro, mas sem deslumbramento ou
vontade de dizer para si mesma: essa é a profissão da minha vida. Fazia porque
achava agradável, gostava do grupo, e só.

É bem verdade que, de peça para peça, aparecia mais bonita, mais bem vestida,
melhor penteada. Mas a impressão que tinha era a de que só atuava para
ganhar dinheiro. Muito dinheiro, diga-se: em um ano, seu salário pulou de 50
para 300 cruzeiros por mês.

– Toda vez que eu mudava de produção, o salário dobrava. Mas artisticamente


o nível baixava. A cada novo trabalho, tinha menos a fazer. Só desfilava no
palco. Teatro é isso?, questionava-se.

Estava disposta, inclusive, a fazer outra coisa longe dos palcos:

– Não gostei nada desses trabalhos (Toda Donzela e Mary Mary), principalmente
o último. Decidi que não seria mais atriz de peças medíocres. Falei para o
Linneu: Olha, eu vou procurar um emprego, trabalhar noutra área, esse tipo
de teatro não faço mais. Não faço mesmo. Resolvi viajar para o Sul com minha
filha. Voltaria ao teatro somente em papéis que me dissessem algo.

E lá se foram Lilian e a pequena Julia para uma temporada em Capão da Canoa,


no litoral gaúcho.

tarcísio meira, Ítala nandi e lilian em


tOda dOnzela teM uM pai Que é uMa fera

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Quem sabe meu nome?

Lilian Lemmertz não precisou partir para outra profissão. Aliás, nem esperou
muito tempo para reatar com o teatro.
– O clima ruim durou pouco. Logo veio o convite para viver Benzinho
em Quem Tem Medo de Virginia Woolf?. Foi então que assumi a condição
de querer ser atriz e me apaixonei definitivamente pelo ofício. Na primeira
leitura, senti que ali estava um trabalho espetacular. Uma peça de arrebentar
com a gente.
E os jornais continuavam a enaltecer a atriz. Em 23 de maio de 1965, a Folha
Feminina estampava o título: Lilian, atriz gaúcha que vence no teatro paulista.
O texto citava trabalhos anteriores e vaticinava: Parece que somente agora
Lilian terá mesmo a grande oportunidade de revelar até onde vai o seu talento.
Ela estará lado a lado, e nas mesmas condições de importância de papel,
de Cacilda Becker, Walmor Chagas e Fúlvio Stefanini em Quem Tem Medo
de Virginia Woolf?.
A estreia só aconteceria no mês seguinte, mas ela já estava ciente do
burburinho que o espetáculo iria causar. Ao repórter Ivo Zanini, adiantou:
– O público vai rir muito, mas vai ficar horrorizado também com tantos diálogos
e revelações que chegam a revoltar pela violência e crueza como são expostos.
Mas se trata de uma peça de categoria, isso eu posso garantir.
A expectativa era mesmo grande. Breve no Teatro Cacilda Becker: o maior
sucesso do teatro contemporâneo, prometiam os anúncios. Autor revelado
no final da década de 1950 com Zoo Story, Edward Albee escreveu Quem Como benzinho em QueM teM MedO
de Virgínia wOOlf?, um de seus
Tem Medo de Virginia Woolf? em 1962. Sucesso instantâneo na Broadway,
papéis mais marcantes

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em pouco tempo o texto foi ganhando montagens ao redor do mundo.
Quando chegou ao Brasil, com tradução de Nice Rissone, já havia sido
mostrado em cerca de 30 países.
No campo dos conflitos existenciais, Albee forma com Eugene O´Neill
e Tennessee Williams o trio de ouro da dramaturgia americana. Certa vez,
ele disse: Quando você pode resumir o assunto de uma peça em algumas
frases é porque geralmente a peça não deverá ser mais longa que algumas
frases. No caso da nova história, o que havia a ser dito rendeu três atos,
mostrados ao longo de três horas, praticamente no tempo real da ação.
Segundo o próprio criador, a peça era cômica e horripilante. Não por acaso,
foi rapidamente alçada ao posto de mais importante da cena contemporânea.
Apesar da presença de Cacilda e Walmor e do palco escolhido ser o do Teatro
Cacilda Becker, dessa vez a produção não era assinada pela companhia deles.
Tratava-se da primeira empreitada da AMVPA, uma empresa fundada por
outro casal, Marie Claire e Maurice Vaneau. Até então, esses dois belgas
participavam do movimento teatral brasileiro em diversas funções, como
direção, cenografia e figurino, mas sempre como contratados. O trabalho
em Virgínia Woolf não mudou muito: Marie Claire assinava os cenários e
figurinos e Maurice, a direção. Mas, agora, os dois também eram os donos
do espetáculo.
E não era apenas Lilian Lemmertz que tinha, na peça, sua primeira grande
oportunidade. No papel de Nick, marido de Benzinho, estava Fúlvio Stefanini,
na época um dos galãs da TV Excelsior, ao lado de Tarcísio Meira, Francisco
Cuoco e Hélio Souto. Lilian e eu éramos cúmplices. Estávamos tensos e
felizes por trabalhar com dois monstros. Era uma chance única, relata Fúlvio.
Para sorte dos jovens, o ensaio geral foi acompanhado por dois amigos:
o diretor Flávio Rangel e a atriz Yolanda Cardoso. No final, Fúlvio caminhou
com eles até o centro de São Paulo. Ao comentar o que tinha visto, Flávio
deu um conselho: O espetáculo é muito bom, mas se prepare: na estreia,
eles (Cacilda e Walmor) viram dois leões. Estou avisando para que você não
leve nenhum susto. O jovem ator, claro, foi dormir apavorado. No dia seguinte,
ao entrar no teatro, procurou imediatamente por Lilian para contar o que
tinha ouvido. Temos que tomar cuidado, alertou.
Enfim, chegou a hora do terceiro sinal. Quando a cortina se abriu, lá estavam
os veteranos se entregando ao texto com uma garra muito maior da que se
via nos ensaios, conforme o toque de Flávio Rangel. Como suas entradas
só aconteceriam cerca de 10 minutos após o início, Fúlvio e Lilian ficaram na
coxia observando o trabalho do casal. Para eles, aquele momento foi mágico
e fez com que pisassem o palco com mais vontade. E o melhor: assim que
surgiram, a plateia deu uma gargalhada e isso bastou para deixá-los relaxados.
Com essa estreia, em 8 de junho de 1965, o público pôde testemunhar o
encontro de Lilian com a personagem que representaria um divisor de águas
em sua carreira. Típica americana sofisticada e vazia, Benzinho vai com o
marido Nick, jovem professor de biologia, à casa de George e Martha, um casal
maduro numa relação já desgastada. Ela é a impetuosa filha do reitor da
universidade local e ele, professor de história na mesma instituição. Os quatro
se encontram numa festa e resolvem dar uma esticada.
No cenário descrito por Martha como uma espelunca, decorado (e, por isso
mesmo, elogiadíssimo) sem a preocupação do amor ao lar, a inocente reunião
acaba se transformando numa longa jornada noite adentro. Ajudados pela

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bebida, os personagens entram em conflito, perdendo o controle dos gestos
e palavras, danando-se a falar contra tudo e contra todos. Os ódios e frus-
trações vêm à tona, como numa sessão de psicanálise na qual, ao mesmo
tempo, eles são vítimas e agentes provocadores. As acusações mútuas não
param de jorrar durante todo o espetáculo.
O crítico Carlos Von Schmidt resumiu bem esse cáustico encontro: Albee
abriu fogo. Pegou dois casais. Um de idade média. Gasto. Outro jovem. Verde.
Fechou-os em um living room. Deu-lhes um banho de uísque. E mandou
brasa. Com violência. Ousadia. Garra. Dificilmente encontrada na drama-
turgia contemporânea. Pichou com prazer, gosto, o arraigado matriarcado
norte-americano. Apontou em Quem Tem Medo... o que ele tem de pior:
o desamor. Como do jovem casal: à primeira vista uma graça, um amor,
tão bonitinho. Feitos um para o outro. Bem casados. Com uma vida pela
frente. Na realidade, profundamente infelizes. Frustrados. A viverem uma
vida que é uma autêntica piada. Uma grande mentira. Nada mais.
Sobre o casal mais velho, Carlos dizia: O outro. O de idade média. Os vilões.
Digladiam-se entre palavrinhas e palavrões. Numa luta feroz. Sem possibi-
lidade de vitória. Pois ambos chegaram a tal ponto de entendimento, que a
ausência de luta, a ausência desse jogo, seria a morte do pouco, acreditem
ou não, mas verdadeiro amor que existe entre ambos.
Verdade mesmo é que o sucesso foi imediato. E as críticas, quase sempre,
arrebatadoras. Em um recorte de jornal, sem anotação de data ou veículo,
lê-se: A grande realização dos palcos de São Paulo, nesta temporada,
é Quem Tem Medo de Virginia Woolf?, talvez a montagem mais perfeita
do teatro brasileiro. Casaram-se nela diversos fatores: o admirável texto
do norte-americano Edward Albee, a lúcida e exata direção de Maurice Vaneau,
o soberbo desempenho de Cacilda Becker e Walmor Chagas (no ponto culmi-
nante de suas carreiras), coadjuvados sem deslizes por Fúlvio Stefanini e,
sobretudo, por Lilian Lemmertz. A crueldade do espetáculo não afugentou
o público, tal a convicção artística dele emanada.
Em O Estado de S. Paulo de 10 de junho, mais linhas dedicadas aos intérpretes
do jovem casal: Atores com experiências bem menores, Lilian e Fúlvio poderiam
ter reduzido a menor importância seus respectivos papéis, em confronto com
Cacilda e Walmor. Isso não aconteceu e constitui o maior mérito dos intér-
pretes de Benzinho e Nick. Lilian foi mais convincente como mocinha tola e
álacre do que como criança amedrontada de fins do segundo ato, lutando inclu-
sive com a única marcação infeliz do espetáculo, a queda do sofá.
No artigo publicado em 12 de junho no Diário de S. Paulo, o crítico teatral
Alberto D´Aversa pontuava: Lilian Lemmertz e Fúlvio Stefanini têm o ingrato
e difícil compromisso de contracenar com dois intérpretes em particular estado
de graça. E mais: Lilian, depois de um começo um pouco acadêmico, onde a
caracterização da personagem ressente de um fácil esquematismo, toma corpo
com o progredir da ação dramática para acabar fornecendo, já no fim do
primeiro ato, uma segura interpretação que mantém firme até o final, com uma
intensidade e uma participação que nos fazem prever para o futuro resultados
de exceção.

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João Apolinário, na Última Hora, seguia o mesmo raciocínio: Seria normalmente
pouco possível que dois jovens como Lilian Lemmertz e Fúlvio Stefanini
contracenassem na mesma linha de representação de Walmor e Cacilda,
tal como estes elevaram as respectivas atuações. Mas não: o invulgar
acontece. Sobretudo Lilian resolve o problema, superando-se em termos
de estar, em certos momentos, absorvendo todas as atenções. Ela aproveita
para dar o seu showzinho.
Já Paulo Mendonça, na Folha de S. Paulo do dia 13 de junho, começava seu
texto assim: Não seria justo iniciar esse comentário sobre o atual cartaz do
Teatro Cacilda Becker sem, antes de mais nada, proclamar com a maior
ênfase, com o maior entusiasmo, que estamos diante, primordialmente,
de um brilhantíssimo êxito de interpretação. Êxito de Cacilda Becker e de
Walmor Chagas, nos papéis principais, e também triunfo dos jovens Lilian
Lemmertz e Fúlvio Stefanini, como coadjuvantes. Raramente, no Brasil,
tenho tido oportunidade de sair de um espetáculo dominado por emoções
tão fortes como as que me transmitiram esses magníficos atores. Sobre
Lilian, Paulo ressaltava ainda a composição perfeitamente dosada em todos
os seus elementos.
O público percebia a importância da montagem e lotava o teatro. Lilian estava
feliz. O sucesso de sua atuação refletia-se por todo canto. No dia 23 de
junho, ela aparecia numa foto no Diário da Noite, ao lado de Tarcísio Meira.
Naquela data, o galã substituiria Raul Cortez em A Grande Chantagem,
enquanto ela já era, definitivamente, chamariz da peça de Albee. Um mês
depois, o mesmo jornal estampava uma foto da atriz em cena: Lilian Lemmertz
é sucesso em Quem Tem Medo de Virginia Woolf?. Ela estará amanhã, às 13
horas, no Julio Rosemberg. Julio, no caso, era o apresentador de um programa
exibido pelo canal 2 de São Paulo. Ali, ela começava, através do teatro, a ganhar
espaço também na TV paulista.
– Ficávamos moídos de cansaço. Não sei usar técnica para não me envolver
lilian, Fúlvio e Cacilda becker:
pela emoção. Entrego-me completamente, dizia a atriz.
a primeira encenação do texto O esforço foi muito bem recompensado: Lilian ganhou o Prêmio Saci de melhor
de edward albee foi sucesso de atriz coadjuvante. Nada mal para quem, antes do convite, já estava pensando
público e crítica em são Paulo e em fazer o caminho de volta para o Rio Grande do Sul em definitivo.
no rio de Janeiro

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Tem mais: os oito meses de sucesso de Quem Tem Medo de Virginia Woolf?
em São Paulo valeram como passaporte para os palcos do Rio. A peça de
Albee estreou no Teatro Maison de France, na Avenida Presidente Antônio
Carlos, centro da cidade, no comecinho de 1966, com o elenco original.
Um conselho: reserve já, ou melhor, compre hoje mesmo seus ingressos para
aplaudir Cacilda e Walmor (assim mesmo, sem sobrenomes), Lilian Lemmertz
e Fúlvio Stefanini em Quem Tem Medo de Virginia Woolf?, alardeavam os
anúncios nos jornais.
Na temporada carioca, a primeira de sua carreira, a gaúcha continuou a receber
elogios dos críticos. Lilian Lemmertz, na jovem esposa, demonstra sua capa-
cidade dramática num bem proporcionado desempenho, comentou Van Jafa
no Correio da Manhã. Com Lilian, Vaneau talvez tenha tido algum trabalho,
pois ela é (na vida real) a antítese da personagem, assinalou Fausto Wolff,
para em seguida concluir: Raras vezes tive oportunidade de ver quatro atores
(Cacilda e Walmor mais) poderem criar como artistas. (...) Cacilda, Walmor,
Lilian e Fúlvio geram o que eu chamo o artista coletivo, capaz de fazer do
teatro uma engrenagem viva.
A casa lotava todas as sessões naquele estranho verão de 1966, castigado
pela chuva. De passagem por São Paulo, para encontrar o marido Linneu Dias,
Lilian contou que nem a tragédia na Guanabara desanimava o público. Para não
dizer que o temporal não afetou o espetáculo, houve um cancelamento sim,
mas porque o carro de Fúlvio Stefanini ficou preso no aguaceiro de Copacabana.
A presença do público, no entanto, estava garantida.
Mas outro tipo de trovoada marcou a temporada carioca. Quando Cacilda
adoeceu e Vanda Lacerda entrou em seu lugar, com apenas três dias de
ensaios, os anúncios do espetáculo mudaram para: Mauríce Vaneau apre-
senta VANDA LACERDA E WALMOR CHAGAS em Quem Tem Medo de Virginia
Woolf?. Por pouco tempo. Logo, sofreram nova alteração: Maurício Vaneau
apresenta WALMOR CHAGAS em Quem Tem Medo de Virginia Woolf?.
O nome de Vanda se juntaria aos de Fúlvio e de Lilian, em letras menores.
Diante das mudanças, o crítico Yan Michalski resolveu se manifestar publica-
mente: Vanda havia sido relegada ao segundo plano, ao lado dos dois jovens
coadjuvantes, e Walmor ficara isolado como atração do espetáculo, deixando
a impressão de ser ele o único protagonista da peça, embora seu papel seja
exatamente equivalente, em extensão e dificuldade, ao papel agora entregue
a Vanda Lacerda. A discriminação se justificaria, a rigor, se Walmor Chagas
fosse o dono da companhia, mas a situação, na produção de Virgínia Woolf,
é a mesma de Vanda: ambos são atores convidados e contratados pelo
produtor Maurice Vaneau.
O crítico complementou: Embora pessoalmente consideremos todas essas
questões de nome nos cartazes uma grande tolice, e embora Vanda – uma atriz
exemplarmente séria, sóbria e modesta – talvez nem tivesse percebido a dese-
legância de que foi vítima, essa atitude mesquinha e injusta nos surpreende
particularmente, vindo de onde e de quem vem: de uma companhia que está
apresentando uma das encenações mais amadurecidas produzidas pelo teatro
brasileiro nos últimos tempos, e de pessoas que nos acostumamos a admirar,
há muito tempo, pelo talento, pela seriedade e pela dignidade com a qual
têm desempenhado a sua profissão.
Reza a lenda que Walmor chegou a discutir com Vanda, que o acusava de
atropelar suas falas, deixando-a perdida em cena. Muito antes do previsto,
o espetáculo saiu de cartaz, para tristeza de todos. Polêmica à parte,
nos meses em que a peça foi mostrada entre São Paulo e Rio de Janeiro,
os jovens Fúlvio e Lilian colecionaram boas críticas, ganharam prêmios e,

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Ao lado de raul Cortez,
vivendo martha em outra montagem de
QueM teM MedO de Virgínia wOOlf?,
dirigida por Antunes Filho, em 1978

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sobretudo, aproveitaram aquela verdadeira “aula” diária,
como espectadores privilegiados das atuações de Cacilda e
Walmor. Uma convivência, segundo Fúlvio, extremamente
enriquecedora.
A personagem de Edward Albee fez Lilian finalmente se
entusiasmar com a carreira que o destino havia lhe reservado.
Agora, era possível fazer coisas em que realmente acredi-
tasse. Mas a experiência teve um custo:
– Benzinho me deixou marcas. Claro que eu não vivia
histérica, angustiada, com suas características. Mas ela
sofria tanto que eu já tinha o rictus facial da personagem.
Não estava sofrendo, mas a aparência era de sofrimento.
Envelheci dois anos fazendo a peça, contou, mais tarde,
ao jornal Última Hora.
Em 1969, Cacilda Becker sofreu um derrame cerebral
enquanto encenava Esperando Godot. A atriz foi levada
para o hospital ainda com as roupas do personagem
Estragon e, após 38 dias em coma, acabou morrendo.
Lilian jamais esqueceu da importância da grande dama
dos palcos em sua vida. Numa entrevista à Gazeta de
Vitória, na década de 1970, avaliou:
– Não dá para explicar o que ela fez por mim. Tudo o que
ela me dizia, tudo o que me ensinava, os conselhos que
dava, são coisas que uso até hoje. Cacilda foi, digamos,
a mentora da minha carreira. Ela era um complexo muito
grande. É difícil rotular, dizer isso ou aquilo sobre sua perso-
nalidade. Era uma mulher frágil e magra que, quando queria, aparecia opulenta
e atraente. Era um conjunto de tudo. E tudo positivo. Acho difícil encontrar outra
atriz como Cacilda Becker tão cedo. Acho difícil mesmo.
Em 1978, Lilian Lemmertz voltou ao texto de Albee, dessa vez no papel de
Martha. Sob a direção de Antunes Filho, contracenou com Raul Cortez
(também produtor do espetáculo), Roberto Lopes e Eugênia di Domenico,
esta como Benzinho. A gaúcha entrou no projeto em substituição a Tônia
Carrero. Para ela, o exercício de reviver a longa jornada de Quem Tem
Medo de Virgínia Woolf? sob a ótica da outra personagem feminina foi
bastante estimulante.

Julia e lilian nas areias de Copacabana,


em 1966, durante uma temporada
da peça Albee no rio

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mos aut optaspiet ipsae ea dem remolum volendel il
iuntiossimi, sequi doluptatum quatur magnis es doluptate

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E era tão linda de se admirar
No final da produtiva década de 1960, Lilian Lemmertz não era apenas uma
respeitada atriz de teatro. Ela também já carregava o título de musa do cinema.
Para contar essa história, é preciso voltar até 1963, ano que marcou a chegada
da gaúcha à São Paulo.
Olhos grandes, nariz delicado, testa alta. O rosto de Lilian era quase uma
pintura do século 16. E bastou uma pequena foto sua no jornal O Estado de
S. Paulo para que Walter Hugo Khouri percebesse tamanha beleza. E também
tivesse a certeza de que ela seria a protagonista ideal para seu próximo filme.
O diretor se preparava para rodar Noite Vazia, que se tornaria um clássico
graças à linguagem moderna e ousada.
Já no comecinho dos anos 1960, Khouri chamava a atenção com seu cinema
personalíssimo, em que os personagens estavam sempre à procura de um
sentido para a existência angustiante. Por isso, era considerado o Ingmar
Bergman brasileiro.
A própria Cacilda Becker aconselhou Lilian a aceitar o convite. Disse que era
um dos grandes talentos do nosso cinema. E dos mais originais, pois era
criador das tramas que contava. Não adiantou:
– Li o script. Sei que muita gente não acredita, mas achei o papel grande
demais para mim. Para quem nunca fez cinema, era muita responsabilidade.
Disse a ele: Me desculpe. Preciso me acostumar com a ideia. Outra vez,
quem sabe? Ele achou que eu era uma louca, contou, anos mais tarde,
à Folha de S. Paulo.
O papel acabou nas mãos de Odete Lara. Lilian, no entanto, pediu autorização
a Khouri para frequentar o set, nos estúdios da Vera Cruz. O diretor e crítico de
cinema Alfredo Sternheim, então assistente de direção do longa, lembra que
em O deseJO, num clima oriental ela era muito curiosa e queria aprender toda a mecânica do cinema.

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Apesar da recusa, a atriz continuou nos planos do cineasta para suas histórias
tão pessoais. No dia 12 de agosto de 1964, a coluna Blim-Blim, da Última Hora,
entregava: Lilian Lemmertz convidada por Walter Hugo Khouri para fazer
cinema. A moça tem um dos rostos mais expressivos do nosso teatro.
Desta vez, o filme era O Corpo Ardente, que ele começaria a rodar em breve,
com a francesa Barbara Laage encabeçando o elenco.
Mas a história de que a gaúcha havia sido a opção inicial para Noite Vazia,
já transformado em sucesso de público e crítica, não ficou apenas nos
bastidores. Em 19 de janeiro de 1965, na coluna Cine-Ronda, que Ignácio de
Loyola assinava na mesma Última Hora, o segredo era revelado: Saibam
vocês que Khouri tentou, insistentemente, conseguir Lilian Lemmertz,
a gaúcha magra (e charmosa), para o papel que Odete Lara teve em Noite Vazia.
Só no final de 1966 é que Lilian pôde finalmente se ver na tela grande.
Rodado em preto e branco, O Corpo Ardente trazia no elenco nomes como
Mario Benvenutti, Dina Sfat, Linneu Dias e David Cardoso, em um de seus
primeiros trabalhos. Uma curiosidade: quem vê a protagonista Barbara Laage
em outro filme dos anos 1960 – Domicílio Conjugal, do francês François Truffaut
– pode se espantar com a semelhança com Lilian, principalmente nos anos
1980, quando a gaúcha já estava com os cabelos grisalhos.
A estreia de O Corpo Ardente conquistou um bom espaço nos jornais, graças à
expectativa da crítica em torno daquele que seria o sucessor de Noite Vazia.
A participação da atriz era pequena, mas não passou despercebida. O Estado de O COrpO ardente, primeira parceria de
S. Paulo profetizou: Lilian, que faz sua estreia cinematográfica na fita, reúne lilian com Walter Hugo Khouri, ganha as
todas as condições para transformar-se numa atriz ao nível das melhores páginas dos jornais. no filme, a atriz
da Sétima Arte internacional, lembrando, inclusive, um misto de Eleanor Parker contracena com Pedro Paulo Hatheyer
e Joan Fontaine, nos áureos tempos de ambas. no detalhe, Khouri e sua musa

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Na história, ela é a amante do personagem de Pedro Paulo
Hatheyer. Em sua primeira cena, a atriz está andando
pelas ruas do centro de São Paulo, já bastante à vontade
com a lente. E, apesar da presença discreta, seu nome
aparecia com destaque no material publicitário.
Foi também em 1966 que a gaúcha filmou no Rio de Janeiro
As Cariocas, longa dividido em três episódios, baseados
em contos de Sérgio Porto, o Stanislaw Ponte Preta.
Embora um deles levasse a assinatura de Khouri, a atriz traba-
lhou sob a direção de outro cineasta, Fernando de Barros
(Roberto Santos é o terceiro nome do projeto). No filme,
ela dirige um conversível pela praia de Ipanema e dança rock
numa festa. Prafrentex, como todas as musas de Stanislaw.
No elenco, nomes como Norma Bengell, John Herbert, Sônia Clara e Walter
Foster. Vale lembrar que, pelos trabalhos em O Corpo Ardente e As Cariocas,
Lilian recebeu um prêmio do INC (Instituto Nacional do Cinema), que depois foi
batizado de Coruja de Ouro, além de um cheque de 500 cruzeiros.
Dois anos depois, mais precisamente em setembro de 1968, chegava às
telas a segunda parceria de Lilian e Walter Hugo Khouri. Em As Amorosas,
ainda em preto e branco, o papel já era maior. A atriz interpretava a com-
preensiva irmã do protagonista, um estudante universitário sem rumo, vivido
pelo conterrâneo Paulo José.
O crítico Rubem Biáfora, de O Estado de S. Paulo, relatou suas impressões:
Através das dúvidas e das falsas convicções do anti-herói Marcelo (Paulo) e
das suas ligações com três mulheres – a irmã (Lilian), a vedetinha inconse-
quente (Jacqueline Myrna) e a estudante marxista (Anecy Rocha) –, Khouri
traça um dos mais cruéis e chocantes retratos do momento e do mundo
presente. (...) Um filme de choque e de ideias, importante sob todos os
aspectos e que, de maneira alguma, pode ser perdido.
No segundo caderno do Correio da Manhã, Salvyano Cavalcanti de Paiva
dedicou especial atenção à personagem da atriz gaúcha: Há (por parte de
Khouri) extrema parcimônia ao procurar sugerir mais do que discursar sobre
o espírito forte de certas mulheres, simbolizadas na figura de Lilian Lemmertz
– uma atriz definitiva. Num de seus melhores momentos no cinema, Lilian
está-se maquiando enquanto conversa sobre a situação do irmão. Tão natural
que nem parece que há uma câmera em sua frente.
Quem também estava no elenco de As Amorosas era Stênio Garcia. Apesar
de não contracenarem, ele e Lilian dividiam os mesmos créditos pela segunda
vez. Ela era a atriz do momento, situa o ator. A trilha tinha a assinatura do
tropicalista Rogério Duprat, primo do diretor. Até Os Mutantes, a lendária
banda formada por Rita Lee e os irmãos Arnaldo e Sérgio Dias Baptista,
apareciam em cena.
O filme marcou ainda a estreia de Julia Lemmertz. Ela estava com apenas
4 anos quando participou do longa, numa sequência que se passava durante
um almoço. Eu lembro mais da dublagem do que da filmagem em si. A mãe
me avisou: Na hora em que eu apertar sua barriga, você fala. Dessa forma,
eu saberia o momento de dizer o texto, recorda Julia. Com certeza, alguma
coisa ali ficou dentro de mim, afirma. Mas ainda demoraria um pouco para
ela optar pela profissão dos pais.
Ah, Lilian ganhou mais um prêmio de interpretação com As Amorosas:
o Governador do Estado de São Paulo de melhor atriz do ano.
– Esse filme me deixou muito contente, pois realizei um trabalho que considero
bom, dizia a exigente atriz.

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E a parceria com Walter Hugo Khouri entrou pela década de 1970. No ano
em que o Brasil foi tricampeão do mundo, o diretor realizou O Palácio dos
Anjos, com Rossana Ghessa, John Herbert e Adriana Pietro. A história era
protagonizada pela francesa Geneviève Grad. A atriz não sabia falar português.
E quem foi escalada para dublá-la? Lilian Lemmertz.
Diretor profícuo, ele seguia produzindo filmes praticamente a cada dois anos,
uma marca e tanto. Décimo título de sua carreira, As Deusas entrou em cartaz
no final de 1972. Os conflitos agora estavam resumidos a três persona-
gens: duas mulheres e um homem. De novo, Khouri assinava argumento e
roteiro. E o maestro Rogério Duprat, outra vez, conduzia a música.
Na trama, Lilian interpreta Ângela, de 30 anos, que, por conta de uma neurose,
isola-se em uma casa de campo com seu amante, Paulo (Mario Benvenutti),
e sua psiquiatra, Ana (Kate Hansen), uma jovem de 26 anos recém-formada.
O imóvel havia sido construído em 1927, pela avó de Ana, citada como uma
das primeiras psiquiatras do Brasil, com uma biografia pouco recomendável
para os padrões morais dos anos 1930. E é sua presença entranhada nos
móveis e objetos que acaba perturbando o trio.
A personagem de Lilian atravessa uma longa fase de depressão. Quer ficar
longe do mundo exterior e se sentir protegida. Na origem desse estado estão
diversos fatores, entre eles a sua ligação com Paulo, extremamente contur-
bada e instável. Quando chegam à casa, os dois sentem uma espécie de
repulsa. Instalam-se lá a contragosto, com a intenção de partir o mais breve
possível. Mas o estado de Ângela se agrava e a ideia da morte fica cada vez
mais constante. Ana sabe que conduziu de forma indevida o tratamento de
sua paciente. Por isso, vai até a casa para aplicar-lhe um calmante. A depressão
é tamanha que a psiquiatra resolve ficar, atendendo aos seus apelos.

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Fernando de barros com o elenco do episódio que dirigiu em
as CariOCas, em 1966: norma bengell, lilian, John Herbert,
sônia Clara e Walter Forster
Fotogramas do filme as aMOrOsas, lançado por
Walter Hugo Khouri em 1968: lilian, Anecy rocha,
a pequena Julia lemmertz estreando no cinema,
Paulo José e a banda os mutantes

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A nudez de lilian nas páginas
da extinta revista manchete

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O contato com a natureza densa que envolve a casa – as enormes árvores,
a água, o vento, o silêncio da noite – começam a operar uma estranha reação
em Ângela, que aos poucos renasce de suas angústias, seus medos e suas
inseguranças. Para Lilian, interpretar uma personagem neurótica já não era
fácil. Imagine viver uma mulher que se “desneurotiza”?
Em sessões promovidas antes da estreia, Khouri observou que só havia
duas reações possíveis para o longa: ou era aceito totalmente ou repudiado.
Isso é normal, tratando-se do filme que é. Sei que ele exige uma espécie de
empatia, adesão, envolvimento. Tem que ser recebido sensorialmente, provocar
uma polarização em quem o está assistindo. Não acontecendo isso, é difícil
entendê-lo ou justificá-lo. (...) Em virtude disso, antevejo as críticas demolidoras
que irei receber de certos setores, a maioria talvez. Mas não importa. Assumo o
filme e tudo o que ele representa, garantiu o cineasta.
Poucos dias antes da estreia, na coluna Ronda da Última Hora, Oswaldo
Mendes fazia um paralelo entre Khouri e os diretores surgidos nos mesmos
anos 1960, preocupados com as questões sociais que marcaram o Cinema
Novo: Khouri esteve sempre muito ligado a uma preocupação de análise psico-
lógica. Enquanto os outros cineastas colocavam seus personagens dentro
de um mundo que procuravam desvendar, Khouri fazia com que seus persona-
gens se voltassem para dentro de si mesmos.
As Deusas estreou em São Paulo no dia 4 de dezembro de 1972, ocupando
as salas dos cines Ipiranga, Astor, Metrópole, Paissandu, Vila-Rica e Esmeralda.
No dia do lançamento, Khouri deu uma longa entrevista ao crítico Alfredo
Sternheim, seu ex-assistente, no jornal Folha da Tarde. O filme não tem propria-
mente um tema. Tem ou procura ter um sentido, uma visão. Quer captar um
momento da vida de três pessoas, um clima, um tempo que flui, a relação
das pessoas com o lugar em que estão, com a natureza que as envolve.
E, principalmente, quer transmitir a inquietação desses personagens, a sua
necessidade de superação, de realização sensorial e espiritual, analisou, para
em seguida complementar: Isso não é uma explicação. Acho que filmes não
devem ser explicados, mas sentidos, absorvidos, entendidos.
Khouri enxergava no novo trabalho um laço estreitíssimo com
O Corpo Ardente, sua primeira parceria com Lilian Lemmertz.
(...) São um único e mesmo filme, apesar das diferenças
aparentes. São uma entidade e o prolongamento um do outro.
Não foi premeditado, mas aconteceu assim, espontanea-
mente. E isso só me alegra, pois O Corpo Ardente sempre
foi meu filme favorito. Quanto a isto, se me perguntarem
agora, terei de dizer O Corpo Ardente – As Deusas, pois já
não posso separar um do outro. E acho, com toda a franqueza,
sem medo de parecer imodesto, que é um filme maravilhoso.
Sobre As Deusas, a revista Veja escreveu: Nesse relacio-
namento entre os personagens e o cenário onde circulam,
Khouri consegue alguns dos mais brilhantes momentos de
sua obra. Descontados todos os tiques metafísicos do autor,
é um filme perfeitamente realizado. Ou mesmo atraente quando Lilian
Lemmertz e Kate Hansen, talentosas e bonitas, estão sozinhas em cena,
fazendo coisas já feitas pela antiga dona da casa e por diversas mulheres de
Ingmar Bergman.
Durante o período de lançamento, a extinta revista Manchete publicou uma
foto da cena em que Lilian entra num lago, sem nenhuma roupa, para ir ao
encontro de Kate. Sob o título As deusas malditas, a nudez das atrizes –
em plena época de censura pesada – ocupava nada menos que uma página
e meia. A legenda tentava difarçar qualquer sintoma de erotismo: As Deusas se Cartaz do filme as deusas

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passa em grande parte no campo, onde nem mesmo a tranquilidade de um
banho no lago ameniza as neuroses das personagens.
Na matéria, o jornalista Miguel Pereira já anunciava os novos planos de Khouri:
Sem se afastar do que ele chama de sua temática permanente, o arquétipo
feminino que domina o mundo, Walter Hugo Khouri inicia com As Deusas
uma trilogia de filmes que procuram examinar, em profundidade, o complexo
neurótico das relações entre os seres humanos. Seu objetivo é estender
a discussão sobre o amor para além da individualidade, dizia. Junto a Toda
Nudez Será Castigada, As Deusas acabou sendo selecionado pelo Instituto
Nacional do Cinema (INC) para representar o Brasil no Festival Internacional
de Cannes, no ano seguinte.
Àquela altura, com três filmes realizados, a atriz gaúcha já era a musa maior
de Khouri. Lilian é, para mim, uma das grandes atrizes não só do Brasil,
como de todo o mundo. Digo isso sem medo de exagero. Sua criação em
As Deusas é algo que me emociona e me surpreende, cada vez que vejo o
filme. Sem ela, não seria o mesmo. Não conheço ninguém que consiga estabe-
lecer um clima de dubiedade, de sutileza, enigmático e profundo, com um
mínimo de meios, descontraída, leve e quase irreal, confessou o diretor,
que já preparava seu próximo longa, O Último Êxtase, a ser estrelado por...
Lilian Lemmertz.
– Trabalhar com Khouri é algo que já estou acostumada. Aprendi a entender
o que ele quer. Assim, tudo fica mais fácil. Ele não precisa falar muito,
me explicar ponto por ponto. Não é sempre que concordo com a maneira
com que ele dirige, principalmente em relação ao ritmo, às vezes lento demais.
Mas gosto de trabalhar com ele, do contrário não teria aceitado nenhum dos
filmes que fizemos juntos, dizia a atriz.
Mesmo no posto de musa, Lilian não deixava de dar sua opinião sobre os
roteiros do parceiro.
– Ele está sempre em torno do mesmo tema. Eu digo: Esse filme é muito
hermético, ninguém vai entender nada. Mas se ele tem condições de produzir
e o resultado dá dinheiro, por que não vai fazer o que quer? Mas, no geral,
o resultado me parece positivo.
Tendo a represa de Guarapiranga como locação, a trama de O Último Êxtase,
filme de 1973, girava em torno de seis personagens isolados num acampa-
mento durante cinco dias. O fio condutor é um rapaz de 18 anos, Marcelo
(interpretado por Wilfred Khouri, filho do diretor), em crise de revolta, angústia e
perplexidade. Para disfarçar, ele combina com a namorada e um casal amigo
um fim de semana longe da cidade e de seus familiares. O local escolhido
pelo jovem o faz recordar bons momentos da infância, mas os amigos não
se interessam em ouvir as histórias. Seu temperamento difícil o joga contra
os outros. Até que um casal mais velho, vivido por Lilian e Luigi Picchi, divide
de uma vez o grupo.
O ator Ewerton de Castro, que vivia o amigo de Marcelo, lembra uma
passagem curiosa: a cena de sexo entre seu personagem e o de Lilian, em cima
de uma árvore. O diretor, com seu preciosismo, demorou tanto a ficar satis-
feito com a tomada que, de repetição em repetição, deixou os dois atores,
branquíssimos, virarem camarões.
Detalhe: na ficha técnica, consta que a bela e forte maquiagem da atriz
gaúcha foi realizada por Jorge Pisani – nada menos que um dos muitos
pseudônimos de Khouri.
Já em 1974, o diretor convidou Lilian para integrar o elenco de O Anjo da Noite,
ao lado de Selma Egrei, Fernando Amaral e Eliezer Gomes. Selma havia feito

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belas e enigmáticas:
lilian e selma em O deseJO

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uma participação em Cordélia, Cordélia, filme de 1971 sobre o qual falaremos
mais adiante, mas só veio a ficar amiga de Lilian neste trabalho. Em Cordélia,
foi apenas uma cena. Vivia uma secretária e a personagem dela trocava
algumas palavras comigo. Só filmei um dia, não deu tempo de estabelecer
um contato maior, diz ela.
Em O Anjo da Noite, a parceria virou amizade. Tive muita sorte de encontrá-la
num momento em que ela já era um ícone do cinema. Para mim, que estava
no começo da vida profissional, foi muito importante, atesta Selma. Tivemos
externas em Petrópolis e isso nos deu chance de uma maior aproximação.
A personagem de Lilian se chamava Flávia e aparecia em poucas cenas.
Praticamente, entrava numa banheira e depois saía correndo. Pelo filme,
Selma conquistou o prêmio Governador do Estado de São Paulo de melhor
atriz. Já Eliezer Gomes recebeu o Kikito de melhor ator do Festival de Gramado.
Até Lilian foi premiada: como revelação, sabe-se lá a razão, numa mostra do Rio.
No ano seguinte, as duas atrizes contracenaram em mais uma película do
diretor: O Desejo. Desta vez, as personagens tinham o mesmo peso na trama.
Era o 14º filme de Walter Hugo Khouri e o sexto a contar com Lilian no elenco.
A dificuldade de viver e amar com plenitude, as crises existenciais, o cerco
insuportável do mundo material e a atmosfera sufocante e opressiva mais
uma vez se dizem presente. É nesse ambiente que transitam os protagonistas.
– Eu não me encuco muito para fazer cinema. Ou a gente confia ou não confia
no diretor. E com Khouri eu trabalho de olhos fechados, dizia a gaúcha.
Com os cabelos curtos e escuros, Lilian é Eleonora, uma mulher de 32 anos
que pertence à alta burguesia e mora num apartamento de cobertura no Julia lemmertz pronta para ser
dublê da mãe em O deseJO,
centro de São Paulo, servida por duas empregadas. Ela é viúva de Marcelo
filme estrelado por lilian
(Fernando Amaral), com quem foi casada durante nove anos. lemmertz e selma egrei

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Intelectual, neto de imigrantes enriquecidos, ele era do tipo que tentava praticar
uma disciplina zen, mas que não resistia à vontade de possuir a empregada
sensual. Morreu afogado enquanto nadava no lago de seu sítio. A união dos
dois sempre oscilou entre o arrebatamento amoroso e a destruição mútua,
a fidelidade e a traição, ou seja, um jogo de atração e repulsa permanente
que acabou resultando, porém, numa quase integração.
A chegada de Ana Maria (Selma Egrei), uma estudante de 25 anos que foi
colega de Eleonora em Paris, parece trazer uma esperança de renascimento
espiritual e emocional para a viúva, que identifica nela uma espécie de prolonga-
mento do marido morto. Ana tem as mesmas preocupações e obsessões
existenciais de Marcelo. Essa identificação evolui de tal forma que, a partir
de certo momento, Eleonora passa a vivenciar de forma intensa e forte o
seu passado com Marcelo, numa atmosfera onde a noção de tempo e espaço
se dilui e se transforma. Em resumo: substitui a imagem do marido morto
pela da amiga.
Há muito tempo desisti do esforço de descobrir a origem consciente ou incons-
ciente dos meus trabalhos, principalmente os últimos, contava Khouri em
entrevista à Folha de S. Paulo. Grande parte do sentido interior do filme provém
de anotações que acumulei através dos anos e que pretendi escrever. Essas
anotações e a junção de ideias de outras histórias, pensadas e não escritas,
resultaram em O Desejo.
Segundo o diretor, não se tratava do desejo no sentido puramente sensual
da palavra. Era, antes de tudo, o desejo permanente de algo que consumia a
personagem Eleonora. Desejo de ser amada verdadeiramente e com paixão,
desejo de existir, de transcender, de transformar a vida em algo que vibre
e pulse, desejo de superar o tempo e a efemeridade. E o conflito de não
conseguir nada disso, que conduz ao desejo de destruir, detalhava o realizador,
que contava ainda no elenco com Kate Hansen, Sérgio Hingst e Valéria Costa.
Onde encontrar três belas mulheres como Lilian, Selma e Kate senão num
filme de Khouri?, apontava Pola Vartuck no jornal Aqui.
Rodamos em São Paulo, usando o próprio apartamento do Khouri como
locação, e numa casa em Itu. Sempre que as filmagens terminavam,
Lilian adorava ficar batendo papo com os técnicos. Ela gostava de contar
piada e tinha uma risada alta, gostosa, recorda Selma.
Uma das sequências previa que Eleonora mergulhasse no lago onde seu
marido morrera. Como Lilian tinha receio de águas profundas, sua dublê
acabou sendo Julia Lemmertz, que acompanhava as filmagens. Se passasse de
um metro e meio de profundidade, minha mãe não entrava mesmo. Como eu
estava ali por perto, foi a solução mais prática, pois já tinha quase a altura
dela. A cena foi feita a certa distância, não dá para perceber a diferença,
recorda Julia.
Pelos desempenhos em O Desejo e Lição de Amor (sobre o qual também
falaremos mais adiante), Lilian Lemmertz recebeu por unanimidade a Coruja
de Ouro de melhor atriz de 1976, além de um prêmio em dinheiro no valor

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de 25 mil cruzeiros. Era a primeira vez que a Embrafilme promovia uma entrega
de prêmios, após a extinção do Instituto Nacional do Cinema. Selma Egrei
(também por O Desejo), Marília Pêra (em O Rei da Noite), Célia Olga (Lilian
M. – Confissões Amorosas) e Bibi Vogel (Um Homem Célebre) eram as
suas concorrentes.
Por pouco, a parceria de Lilian e Khouri não foi rompida. Com o tempo tomado
pela novela Xeque-Mate e a peça Roda Cor de Roda, dois grandes sucessos
do mesmo ano de 1976, a atriz quase ficou de fora do filme seguinte a
O Desejo: Paixão e Sombras. A ideia era rodar em Gramado, no Rio Grande
do Sul, sonho acalentado há anos pela gaúcha. Como ela não podia se ausentar
de São Paulo, Khouri sugeriu: Ah, você morre na novela e pede substituição
Com monique lafond
na peça. Ela não aceitou, os dois brigaram e só depois de um tempo é que em paixãO e sOMBras,
voltaram a se falar. Tá legal, não vamos fazer um filme em Gramado, mas na rodado na Vera Cruz

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Vera Cruz você pode?, indagou o cineasta. Ele reabriu os históricos estúdios
da companhia, em São Bernardo do Campo, e ela não teve como recusar.
O curioso é que, ao ler o roteiro, Lilian percebeu que a história falava da relação
que os dois viviam naquele momento.
– É sobre um diretor de cinema que trabalha sempre com a mesma atriz.
Ela está a fim de atuar na televisão e se recusa a participar do novo filme
dele. Os dois passam o filme inteiro fazendo, digamos, um levantamento de
sua vida cinematográfica e brigando. Todas essas discussões que esse diretor
e essa atriz têm são as nossas discussões. É muito engraçado porque é um
filme autobiográfico, contou ela à Gazeta de Vitória.
Espécie de manifesto do diretor contra a extinção da Vera Cruz, cujos estúdios
estavam prestes a virar supermercado, o roteiro de Paixão e Sombras era
criado praticamente na hora. Ele entrava no trailer e escrevia tudo em sua
máquina de escrever portátil. Os atores perguntavam: E a cena de amanhã?
E ouviam: Ah, já já a gente vê. Na realidade, ninguém sabia o que ia fazer no
dia seguinte.
O elenco contava ainda com Monique Lafond, Aldine Müller, Lisa Vieira e,
mais uma vez, Fernando Amaral, também câmera. Lilian era uma pessoa
doce, por mais que parecesse durona. Mas ela não pegava leve com o Khouri.
Se tivesse de brigar com ele, brigava mesmo, conta Monique. Era uma mulher
forte, de muita personalidade, uma senhora atriz. Era tudo de bom estar ao
lado dela, dava uma baita segurança. Inteiramente rodado nos estúdios, o filme
obrigava os atores a ficarem o dia inteiro trancados, no frio, sem verem a
luz do dia.
Após essa longa parceria, com oito trabalhos consecutivos (incluindo a
dublagem de O Palácio dos Anjos), diretor e musa ficaram alguns anos
afastados. Nesse ínterim, Khouri realizou três longas: As Filhas do Fogo,
O Prisioneiro do Sexo e Convite ao Prazer. Eles só se reaproximaram em
Eros, o Deus do Amor, de 1981.
Não fossem companheiros de longa data e não tivesse o filme sido feito antes
da novela Baila Comigo, os desavisados poderiam até acusar o cineasta de
oportunismo. De certa forma, a visibilidade conquistada com a personagem
Helena era uma boa credencial para o cinema personalíssimo do diretor
conquistar novas e amplas plateias. Tanto que Lilian participou da turnê de
lançamento, viajando por algumas capitais.
Em meio a um time feminino de peso – Dina Sfat, Renée de Vielmond,
Nicole Puzzi, Selma Egrei, Kate Hansen, Christiane Torloni, Sandra Bréa,
Norma Bengell, Maria Claudia, Denise Dumont, Monique Lafond e Patrícia
Scalvi, entre muitas outras –, a atriz gaúcha era a primeira a entrar em cena,
interpretando a mulher do protagonista, que discutia com ele os termos do
divórcio. Detalhe: único personagem masculino, que rememora sua vida
através das mulheres que teve, Marcelo está presente de forma subjetiva,
obrigando as atrizes a contracenarem direto com a câmera. A voz de Roberto
Maya guia a história.

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Criadora do blog Estranho Encontro, em que registra a paixão pelo cinema
nacional, e em especial pela obra de Khouri (o título foi tirado de sua filmografia),
a crítica Andrea Ormond não esconde sua admiração por Lilian Lemmertz.
Belíssima, de uma fotogenia assombrosa. Em um close, Lilian conseguia
demonstrar a essência da personagem e a do filme em si, tal a forma com
que o rosto, a expressão e a inteligência da interpretação ficam grudadas na
memória do espectador, resumiu, em depoimento ao site Mulheres do Cinema
Brasileiro. Tenho profundo respeito por sua interpretação, cheia de signi-
ficados, apesar de calmíssima na superfície. É algo bastante difícil de ser
alcançado no cinema, sem soar artificial aos olhos do público.
Os filmes de Walter Hugo Khouri, todos sabem, sempre tiveram forte carga
erótica. Embora o resultado nas telas não demonstrasse isso, as cenas mais
ousadas sempre deixavam uma sensação de desconforto em Lilian. No entanto,
se era para fazer, ela as tirava de letra. Sem puritanismo. Mas quando o assunto
eram as pornochanchadas que dominavam as telas nos anos 1970, a atriz
não queria nem conversa:
– Sou contra a pornochanchada, que entendo como um cinema primário,
que se basta na exploração de aspectos escabrosos do sexo. E digo isso
com absoluta tranquilidade e isenção: sempre recusei participar desse tipo
de filme. Na minha carreira existem filmes que não gosto, que são ruins,
mas isto é diferente. São fitas em que se frustraram as intenções iniciais,
mas o projeto sempre partiu de um determinado nível. Uma coisa é entrar
num filme que tenha certa pretensão, mas não alcança os objetivos. Outra,
bem diversa, é participar de um projeto que tem na exploração banal do
sexo e da violência sua intenção cínica e final. Nessas frias eu me recuso
a entrar. Prefiro estar algum tempo longe das câmeras do que compactuar
com coisas desse tipo.
Mesmo assim, os convites continuavam a chegar. Teve um deles que bastou
o título para ser dispensado. Era Emanuelle Tropical, uma espécie de versão
brasileira da série Emanuelle, que transformou Sylvia Kristel em musa do cinema
erótico em todo o mundo. Em entrevista à Gazeta de Vitória, Lilian revelou:
– Quando perceberam que eu não fazia mesmo, me deixaram em paz. Só que,
de vez em quando, um escorrega e convida. Eu disse para o cara: Você está
me gozando. Como espera que eu faça um trabalho chamado Emanuelle
Tropical? É pornochanchada. Ele tentou se defender: Não, é um filme de
arte. Eu disse: Sei, filme de arte-pornochanchada. Conheço isto. Mas aí é
que está a questão: se você faz teatro, TV, pode se dar ao luxo de escolher
os filmes, de recusar o que supõe ruim.
Depois de Eros, O Deus do Amor, Walter Hugo Khouri fez mais sete filmes,
entre eles os polêmicos sucessos de bilheteria Amor Estranho Amor,
com Vera Fischer, Mauro Mendonça e Xuxa Meneghel, e Eu, com Tarcísio
Meira, Christiane Torloni e Monique Evans. O diretor morreu em 2003.

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no camarim, um ritual repetido noite após noite

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Sei que ela pode ser mil

A temporada de Quem Tem Medo de Virgínia Woolf? abriu novos horizontes


para Lilian Lemmertz. Mas a volta aos palcos, de fato, demorou um pouco
para acontecer. Pelo menos numa montagem convencional. No segundo
semestre de 1966, a gaúcha foi convidada para um trabalho que misturava
teatro e moda, dois assuntos que ela dominava como poucos. Era o lendário
desfile-show da Rhodia, empresa de tecidos.
Com texto de Millôr Fernandes, direção de Gianni Ratto e figurinos de
Alceu Penna, Mulher: Esse Super-Homem mostrava de forma original as
tendências para a primavera e o verão 1966/67. No palco, o Brazilian Fashion
Team misturava os atores Carlos Zara e Walmor Chagas (no quarto trabalho
em parceria com Lilian) e o cantor Geraldo Vandré acompanhado pelo Trio Novo,
formado pelos músicos Theo de Barros, Airto Moreira e Heraldo do Monte.
E tinha as tops, claro: Mailu, Christya, Ully, Lilia, Luana e Mila, que no final
dos anos 1970 viraria atriz, passando a assinar Mila Moreira. Lilian era uma
mulher elegantíssima e muito divertida. Como já havia trabalhado nesse meio,
ela não se comportava com superioridade quando estava com a gente.
Foi um período agradável, de convivência intensa, recorda Mila. Na época,
a palavra modelo ainda não fazia parte do glossário do mundo da moda.
Assim como as musas de Rui Spohr na década de 1950, elas continuavam
sendo conhecidas como manequins.
A turnê começou pela Fenit, a Feira Nacional da Indústria Têxtil, realizada no
Ibirapuera, em São Paulo, entre 13 e 28 de agosto. Depois de Sampa, a trupe
passou pelo Teatro Leopoldina, na capital gaúcha, que depois virou o Teatro da
Ospa, a Orquestra Sinfônica de Porto Alegre. Era a primeira vez que a boa
filha retornava à terra natal. E em grande estilo. Toda a alta sociedade local,
que a conheceu dez anos antes como modelo de chapéus, marcou presença.
Lilian, que já foi manequim, sabe se locomover num palco, tem graça e boa voz,
lembrando bastante a de Fernanda Montenegro, registrou a Folha da Tarde.
O estilista Rui, autor de um dos vestidos de grande gala mostrados no
desfile-show, também estava na plateia para aplaudir sua cria.
A caravana aportou ainda no Teatro Copacabana, no Rio de Janeiro, cumprindo
uma agenda de nove apresentações em apenas cinco dias, entre 21 e 25 de
setembro. E seguiu por outras praças, inclusive o Norte e o Nordeste, levando
a mistura infalível de moda, música e o saboroso texto de Millôr, retratando,
claro, as mulheres.
Após a turnê nacional de Mulher: Esse Super-Homem, Lilian Lemmertz só
retornou ao teatro no início de 1968. A peça: Dois na Gangorra, mais um
importante marco em sua trajetória. Em tempos bicudos como aquele,
em que os militares ditavam as regras e o (suposto) gosto do público, a estreia
de um espetáculo dependia da aprovação da censura. Às vezes, mesmo
com tudo pronto, as companhias ficavam dias e dias esperando a liberação.
Quando o certificado de Dois na Gangorra chegou de Brasília, trazia alguns
cortes e a proibição da entrada para menores de 18 anos.
O texto de Willian Gibson foi lançado em sua Nova York natal – não por acaso,
o cenário da peça – em 1957, com Anne Bancroft e Henry Fonda no elenco.
Sucesso total: nada menos que 750 apresentações consecutivas na Broadway.
Na adaptação para o cinema, contou com Shirley MacLaine e Robert Mitchum,
sob a direção de Robert Wise. Chegou ao Brasil pelas mãos de Tônia Carrero

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e Paulo Autran, no Rio de Janeiro. Pela primeira vez, era montado em São
Paulo, com tradução de Linneu Dias.
As cortinas do Teatro Aliança Francesa, foram abertas no dia 2 de fevereiro.
Em cena, apenas Lilian e Juca de Oliveira vivendo dois solitários numa gran-
de metrópole. Jerry e Gittel, os personagens, têm formação e ambições
diversas. Ele é um advogado do Nebraska que foi para Nova York após se se-
parar da mulher, embora ainda a ame. Já Gittel é uma bailarina que adora a
vida boêmia de Greenwich Village. Ela sofre de úlcera no duodeno e anda em
busca de emprego e de ternura. O que Jerry precisa é adquirir confiança
em si mesmo, pois só conseguiu uma relativa posição profissional graças à
intervenção do ex-sogro.
Num encontro acidental, os solitários se interessam um pelo outro. A partir
daí, ambos tentam se reerguer, amparando-se mutuamente. Ao longo dos três
atos do espetáculo, as emoções sobem e descem na gangorra: do interesse
recíproco ao amor e à paixão, dos desencontros e mal-entendidos até o desres-
peito. No final, a aproximação acaba fazendo bem a ambos. Gittel está madura
para receber o homem ideal. E Jerry, curado do sogro, pode voltar para a
mulher, recomeçando a vida com a indispensável independência econômica.
No programa, Juca descreveu assim a companheira de cena: Lemmerites –
é um apelido que eu botei nela para desbastar um pouco as consoantes
de Lemmertz – é minha boa parceira de buraco. Jogamos cientificamente
e formamos uma dupla absolutamente invencível. Só perdemos mesmo
quando os azares da sorte se tornam azares de fato. Tem uma filhinha por
demais boneca e linda, a Julia, Juju para todos, de quem ela se despede às
noites fazendo binóculo com as mãos, olhando-se ambas nos olhos e dando-se
os beijinhos tradicionais. Uma ternura! Lemmerites fila cigarros Cônsul e chupa
compulsivamente umas bolinhas de mentol, na razão de um milhão por dia,
um verdadeiro inferno. Toma café sem açúcar, penteia os cabelos de dois em
dois minutos, come uma tonelada de rocambole por dia e fala pelos cotovelos
na sua língua. Mantém com ferocidade usos e costumes da província de
onde veio e resiste com igual ferocidade às benéficas influências da civili-
zação paulista.
Criado pelo gaúcho Gilberto Vigna (que já havia desenhado os figurinos de
A Bilha Quebrada), o cenário de Dois na Gangorra era formado por dois
ambientes de apartamentos. O mais curioso é que, durante o espetá-
culo, os protagonistas jantavam de verdade. No cardápio, frango, arroz,
batatas e verduras.
Em conversa com Ivo Zanini, da Folha de S. Paulo, Osmar Rodrigues Cruz –
que durante anos atuou como diretor permanente do Teatro Popular do Sesi,
em São Paulo – disse que uma das coisas mais difíceis em teatro é a peça
de dois personagens, pela responsabilidade de manter o público atento aos
diálogos. Mas, segundo ele, Gibson conseguiu realizar um texto que narra
uma suave e bela história num estilo realista, inteligentemente bem desen-
volvida. Os dois personagens nos dão uma peça divertida e romântica, mas
ao mesmo tempo cruel.

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Para o diretor, os valores emocionais da peça são autênticos e, no final,
os problemas que surgem para os dois amantes tornam-se os problemas
dos próprios espectadores. Ele tratou de enxugar o que podia haver de
adocicado ou escorregadio, conduzindo a trama dentro de uma linha realista
simples e reta. Cruz já tinha intimidade com a escrita de William Gibson,
pois havia dirigido outro texto assinado por ele: O Milagre de Anne Sullivan,
com Berta Zemel no papel-título.
Na opinião da crítica, os diálogos estavam longe de ser o maior atrativo do
espetáculo. Após um primeiro ato meio titubeante, os atores vencem a
parada e atingem, depois, momentos de extraordinária sinceridade que
compensam o trabalho de ficar mais de duas horas ouvindo o texto medíocre
do sr. Gibson. Eles salvam a peça, dizia Delmiro Gonçalves na edição de 16
de fevereiro de O Estado de S. Paulo.
No mesmo dia, o respeitado Sábato Magaldi escreveu no Jornal da Tarde:
O prazer que se pode sentir com Dois na Gangorra é o da interpretação.
Lilian Lemmertz e Juca de Oliveira, os dois únicos atores, oferecem ao público
um excelente desempenho. Verificar que aproveitaram plenamente a oportu-
nidade que lhes foi dada, passando com absoluta firmeza ao estrelato, justifica
as esperanças que infundiram aos jornalistas.
E mais: O que satisfaz no desempenho de Lilian e Juca é a precisão, o exato
corte psicológico, a completa vivência dos papéis. Nenhum dos dois quis fazer
exibicionismo histriônico, dar show de versatilidade na passagem do drama
à comédia, da violência à ternura. Tudo na atuação é feito com naturalidade,
dentro de um sadio realismo, que certas montagens às vezes esquecem.
As observações do português João Apolinário, crítico do jornal Última Hora,
seguiam o mesmo caminho: Lilian e Juca, os únicos intérpretes da peça,
atingem aqui uma plenitude de expressão e de estilo de nível pouco comum.
Ela é uma figurinha de atriz que chama a atenção pela sensibilidade e contenção
que põe em tudo quanto faz e diz. Lembro-me de Quem Tem Medo de Virgínia
Woolf?, onde já me deixou a forte impressão de um talento raro. E ele, uma
força da natureza que nasceu para o teatro.
Em 21 de fevereiro, foi a vez de Regina Helena avaliar a montagem nas páginas
de A Gazeta, de São Paulo. A crítica apontava: Dois na Gangorra é quase um
exercício de interpretação, em que os atores devem passar do riso ao choro,
da alegria à tristeza, da tranquilidade ao desespero, da confiança à dúvida.
Para Regina, a dupla de intérpretes cumpria a maratona com louvor. Os dois
atores foram trabalhados no sentido de se conter em não se derramarem
em pieguice, de viver seus dramas interiormente o mais possível. E, nisso,
Osmar foi ajudado pelo talento deles. (...) Lilian sofreu diante do público sem
grandes gestos e sem exteriorizações desnecessárias. Esteve excelente,
escreveu. Pela seriedade com que é apresentado, e pelas duas excelentes
interpretações, Dois na Gangorra deve ser visto.
Como era praxe no jornal paulistano, o leitor também podia exercer o papel
de crítico. Em nota da redação, João da Motta era apresentado como um

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dOis na gangOrra, um dos maiores sucessos nas carreiras
de lilian e de Juca de oliveira, ganha destaque em jornais
como A Gazeta, o estado de s. Paulo e Jornal da tarde

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burguês com bom emprego, bem situado na vida, representante de uma
classe que tem dinheiro para ir ao teatro. Portanto, era a voz do público. Em sua
resenha, escrita da maneira mais livre possível, ele comentava: O rapaz tem
necessidade de se realizar, de mostrar que é gente. E encontra uma jovem
que o ajuda a fazer isso. Depois... bom, depois, pontapé nela! Minha mulher
e a mulher do Nogueira, que foram comigo, tiveram um pouco de pena da
moça. Eu também, é lógico, mas a gente tem que concordar que isso é a vida.
Para João, o desempenho dos atores também era um dos trunfos do espe-
táculo. O rapaz e a moça dão um show de interpretação. Comovem a gente.
Acho que essa é uma das melhores peças que já vi até hoje e digo por quê:
por se aproximar tanto da vida da gente, por mostrar gente igualzinha à gente.
O comentário mais curioso, no entanto, vinha mesmo de Delmiro Gonçalves,
em O Estado de S. Paulo. O que faz inveja para nós paulistas nessa peça de
William Gibson é a regularidade com que os telefones funcionam. Basta um
dos dois protagonistas precisarem – e precisam muito – fazer uma ligação e
pronto: já do outro lado a campanhia toca e caminha tudo sur de roulettes.
Ou seja, maravilhosamente bem. Estamos ainda nos anos 1960, quando as
linhas telefônicas, mesmo sendo artigo de luxo, não operavam com tanta
facilidade assim.
Fácil mesmo era comprovar o sucesso do espetáculo, um dos mais vistos
na carreira de Lilian. Dois na Gangorra chegou à primeira posição na Bolsa de
Teatro, pesquisa feita junto ao público na saída das salas. Nada menos que
97% das opiniões classificavam-no como bom ou ótimo. E a repercussão
nos jornais continuava. Em 5 de março, uma foto da atriz aparecia na coluna
Divirta-se, de O Estado de S. Paulo, acompanhada da legenda: Lilian Lemmertz
tem sido muito elogiada por sua interpretação em Dois na Gangorra, com Juca
de Oliveira, no Aliança Francesa.
A peça chegou a ser levada para outras praças, como Belo Horizonte, onde
contou com o entusiasmo do colunista José Maurício: Peça excelente,
bom texto e, principalmente, uma Lilian Lemmertz que salva qualquer
espetáculo de seus possíveis erros de montagem e direção.
Juca reconhece a importância do trabalho para a carreira de ambos. Era uma
peça feita por dois jovens, que ainda não tinham conquistado a posição de
atores. O curioso é que a montagem anterior, com Paulo Autran e Tônia Carrero,
dirigidos por Adolfo Celi, em 1960, não havia sido um grande sucesso. Fui consi-
derado, ali, um primeiro ator. Ganhamos prêmios, inclusive.
E que prêmios! O Molière, mais importante da cena brasileira, oferecido pela
empresa aérea Air France, consagrou a dupla da Gangorra como melhor ator
e melhor atriz de 1968, com direito a estatuetas e passagens para Paris –
que ela nunca chegou a usar. De um júri formado por 14 críticos, Lilian ganhou
oito votos, contra seis para Ítala Nandi (concorrendo pelos papéis em
O Poder Negro e Galileu Galilei). O resultado, anunciado em 22 de abril de
1969, só fez coroar a boa receptividade ao trabalho.
Os conterrâneos da atriz, cheios de orgulho, festejaram. No dia 25 de abril, a
Folha da Tarde registrava a vitória: Uma gaúcha ganha o Molière. O texto dizia:
Lilian Lemmertz começou a fazer teatro em Porto Alegre, onde também foi
modelo profissional de modas. Hoje radicada em São Paulo, foi escolhida a
melhor atriz do ano, vencendo o Prêmio Molière, em disputa com outra gaú-
cha, Ítala Nandi.
Antes de receber o troféu, Lilian esteve envolvida em outra montagem: Que é
Que Nós Vamos Fazer Esta Noite?, que ocupou o palco do Teatro de Arena
de São Paulo a partir de 7 de fevereiro. Escrita pelo argentino Carlos Gorosti-
za, tinha na direção Luiz Carlos Maciel, companheiro da atriz em sua estreia

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em À Margem da Vida. O cenário era assinado
pelo mesmo Gilberto Vigna de Dois na Gangorra.
No elenco, Rolando Boldrin, Telma Reston,
Abraão Farc, Teresa Becker e Antônio Petrin.
A versão em português foi feita pelo casal
Augusto Boal e Cecília Thumin. O diretor,
no entanto, evitou traduzir o título original,
Os Próximos, ao pé da letra. Naqueles tempos
sombrios, todo mundo queria encenar textos
do russo Maximo Gorki, como Os Últimos
e Os Inimigos, nomes parecidos com o de
Gorostiza. Para evitar confusões, adotou o
quilométrico Que é Que Nós Vamos Fazer
Esta Noite?. Em algumas resenhas, os críticos
aproveitavam o título nacional para responder:
Qualquer coisa, menos ver a peça do Arena.
Dividida em dois atos, era a adaptação de um
acontecimento real, ocorrido em Nova York: o
lento assassinato de uma jovem, que podia ter
sido evitado pelos vizinhos. Na história criada
por Gorostiza, três casais de classe média estão
reunidos em um apartamento, onde ouvem,
de tempos em tempos, os gritos de uma jovem
que, a poucos passos deles, está sendo
friamente torturada. Eles não se assustam
nem abandonam suas rotinas. Pelo contrário,
afundados numa conversa mole e em frases
feitas seguem indiferentes à tragédia. Músicas
suaves e agradáveis serão ouvidas durante o
espetáculo, contrastando com os gritos lanci-
nantes da jovem que está sendo aniquilada,
anunciavam as matérias de jornal.
O texto procurava discutir a falta de solidarie-
dade, a inércia do coração, a apatia, o contato
pobre entre os vizinhos. Luiz Carlos Maciel
detalhou: O vazio é o tema profundo dessa
peça. No fundo, ele nasce de nossa covardia. Apegamo-nos demasiado aos
valores menores de uma felicidade precária, como o apartamento bem
mobiliado, a mesa posta, a maciez do sofá, o aparelho de televisão. Por temor
de perdê-los, consentimos em nossa própria omissão e passividade, deixando-
nos resvalar para o vazio. Neste, encontramos seu irmão gêmeo, o tédio.
Enchemos nossas horas com trabalhos, hobbys, conversas, visitas. Fechamos
as janelas de nossas casas e submergimos em nosso pequeno mundo com
seu conforto, sua segurança e seu marasmo.
Para encarnar a nova personagem, a gaúcha passaria por uma experiência
inusitada: Por causa de uma queda em Santos, Lilian entrará no palco para
viver Lita com o pé esquerdo engessado. Ela diz que a situação é inédita,
mas já está habituando-se ao peso inesperado. Nas fotos de divulgação,
aparecia não só com o adereço, como também uma bengala. Mas sempre
elegante. Ficou tanto tempo assim que, depois de algumas apresentações,
carregava uma pilha de pratos numa mão, enquanto se apoiava na bengala
Juca e lilian com a outra.
no palco do Aliança Francesa

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em O Que é Que nós VaMOs fazer esta nOite,
lilian – atuando com a perna engessada –
teve como companheiros rolando boldrin,
telma reston, Abraão Farc, teresa becker
e Antônio Petrin

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– Quando tirei o gesso, deu tudo errado. Não conseguia andar, cambaleava
em cena. Mas aí o Arena já estava em fim de carreira e a peça, também.
Fora a experiência de atuar com o pé engessado, Que é Que Nós Vamos Fazer
Esta Noite? está longe de ser um trabalho marcante na carreira da atriz.
Afinal, em pouco mais de dez anos de carreira, já com um cobiçado Molière
na estante, o currículo de Lilian contava com pilares do teatro como Edward
Albee, Tennessee Williams e Strindberg. Mas ainda faltava um encontro
com o bardo inglês, almejado por dez entre dez atores no mundo inteiro.
E foi através de um convite de Flávio Rangel, um dos encenadores mais
importantes do Brasil, que a atriz teve a chance de viver uma personagem
de William Shakespeare: a Ofélia de Hamlet.
No papel principal, estava o velho amigo e parceiro Walmor Chagas, que nas
palavras de Rangel era o mais equipado do momento para enfrentar o perso-
nagem. Cláudio Corrêa e Castro era Claudius, o tio que matava o próprio irmão,
pai de Hamlet, para assumir o trono e, ainda, casar com a mãe do príncipe,
a Rainha Gertrude, personagem de Beatriz Segall. O elenco trazia Zanoni
Ferrite, Lutero Luiz, Otávio Augusto Jonas Bloch e Fredi Kleeman e, num de
seus primeiros trabalhos, Zezé Motta. A montagem de Hamlet, cuja produção
era dividida por Walmor, Maurice Vaneau e o próprio Flávio – também tradutor,
junto a Geir Campos, e cenógrafo –, marcava o reencontro, no palco, de Lilian e
Linneu Dias, de quem a gaúcha já estava separada, mas continuava amiga.
A temporada aconteceu no final de 1969, no palco do Teatro Anchieta,
em São Paulo. Para Walmor Chagas, era um momento delicado. O atormentado
Príncipe da Dinamarca que queria vingar a morte do pai foi seu primeiro
desafio depois de Esperando Godot, cuja temporada foi encerrada de forma
trágica com o derrame sofrido por Cacilda Becker em pleno palco. Viúvo de
sua companheira de vida e de teatro, o ator voltava à cena com um dos
papéis mais difíceis da dramaturgia em todos os tempos.
Ofélia também não era uma personagem fácil. Apaixonada por Hamlet, ela vai
enlouquecendo ao longo da trama. Shakespeare faz os personagens desta peça
contraditórios, paradoxais, incoerentes. Como a vida, enfim, disse Flávio Rangel
ao jornal paulista A Gazeta. Lilian, que exibira seus dotes vocais em Onde Canta
o Sabiá, precisava novamente cantar em cena. Nos ensaios, soltou a voz com
toda a graciosidade que lhe era característica. Mas o diretor precisou chamar
sua atenção: aquela mocinha louca de uma tragédia não podia, definitivamente,
cantar tão bem. Precisava desafinar.
Na crítica publicada em 2 de dezembro no Jornal da Tarde, Sábato Magaldi
registrou: O encenador e Walmor, intérprete do herói, deram o melhor de si
para que a peça tivesse toda a dimensão da atualidade, investigando a possível
essência do homem contemporâneo. Sobre o elenco, dizia: Os principais
papéis estão, sem dúvida, bem defendidos, mas, com exceção de Lilian
Lemmertz, seria possível obter mais dos intérpretes. A qualidade do trabalho
da atriz era mais uma vez exaltada: Lilian vive Ofélia com uma nitidez e uma
emoção exemplares, emprestando-lhe a fragilidade e o encanto que, acuados,
vão explodir em loucura.
Os companheiros também festejavam sua presença no elenco. Lilian foi uma
das grandes figuras do teatro brasileiro que o Rio Grande do Sul nos mandou
de presente. Além de muito bonita, era muito original na maneira de representar.

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Ela sempre conseguia descobrir uma caracterís-
tica qualquer que tornava aquele trabalho muito
especial, avalia a companheira de cena Beatriz
Segall.
Na época em que Flávio me convidou, eu estava
envolvida com meus projetos no Theatro São
Pedro, um centro de resistência na São Paulo
dos tempos da ditadura, mas quando ele me
disse que Walmor, Cláudio e Lilian, um trio de
excelência, iam fazer, não pude recusar, conta.
Zezé Motta, por sua vez, integrava a trupe de
atores que aparece no meio da trama. Lilian era
uma atriz que me emocionava quando atuava.
Era bonito vê-la interpretando. Foi um privilégio
fazer parte de um mesmo elenco. O fato de ela não fazer distinção entre
os protagonistas e os núcleos secundários me chamava a atenção. Tratava
a todos com muita atenção e delicadeza, recorda Zezé. Não rolou intimidade
entre a gente, mas só ficaram boas lembranças.
E a beleza da atriz gaúcha não parava de conquistar novos admiradores.
Durante uma festa na casa da família Segall, em homenagem ao ator norte-
americano Danny Kaye, de filmes como Natal Branco, Lilian virou o centro
das atenções. Consta que Kaye ficou tão deslumbrado quando a viu que
logo a convidou para embarcar com ele para Hollywood. A insistência foi
tamanha que a atriz teve de chamar a amiga Belinha, com quem tinha ido ao
encontro, para salvá-la:
– Vamos dar o pira, implorou Lilian.

lilian teve que aprender a cantar


desafinada para atuar em haMlet

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Já te vejo brincando

Lilian Lemmertz não frequentava os estúdios de uma emissora de TV desde


os tempos da Piratini, em Porto Alegre, no final dos anos 1950. No início de
1968, quando já tinha cinco anos de carreira profissional (totalizando 12 de
carreira), foi finalmente convidada pela extinta Excelsior para atuar em uma
novela, O Terceiro Pecado. Como a trama se passava em 1925, o anúncio
nos jornais era feito em linguagem de época: Telenovella escripta por Ivani
Ribeiro, com a senhorinha Regina Duarte, Nathália Timberg, Gianfrancesco
Guarnieri, Paulo Goulart e outros actores taes quaes: Stênio Garcia, Carminha
Brandão, Maria Isabel de Lizandra e Lilian Lemmertz.
A Excelsior ficava na Vila Guilherme, distante do centro de São Paulo.
Os tempos eram outros. Nada do conforto que os astros desfrutam hoje
em dia. Próximo dali, havia um lixão, que espalhava um cheiro desagradável
pela redondeza. Os estúdios não tinham boa refrigeração e o elenco fazia
suas refeições em pensões. Mas o sucesso das tramas era equivalente ao
das produções da Globo, ainda em sua era Glória Magadan, com histórias
de capa e espada, ambientadas em outros países. Nessa época, inclusive,
a Globo tinha pouca penetração no mercado paulista, conta Stênio Garcia.
Na história de Ivani, com quem Lilian teria outros encontros, o Anjo da Morte
(Nathália) envia um mensageiro à Terra – o professor Alexandre (Guarnieri) –
para buscar a personagem Carolina (Regina). Eles acabam se apaixonando
e, para poder cumprir a missão, Alexandre tenta levar Ruth (Maria Isabel),
a irmã malvada da mocinha, no lugar dela. A troca não é aceita. No entanto,
a Morte concorda em dar uma chance para Carolina: ela pode cometer até
dois pecados, mas se fizer um terceiro, morrerá.
Além dos nomes citados, Lilian tinha como colegas de elenco Iara Lins,
Lélia Abramo e Rogério Márcico. A direção era dividida por Walter Avancini e
Carlos Zara. A novela ficou no ar de janeiro até julho. Vinte e um anos depois,
a trama de O Terceiro Pecado foi recriada pela própria Ivani, desta vez na Globo,
com o nome de O Sexo dos Anjos.
Em 1969, veio mais um convite para uma novela da Excelsior: A Menina
do Veleiro Azul, da mesma autora da trama anterior. Adaptação de uma
radionovela, a história era bastante simples: acompanhava o desenvolvimento
da personagem Glorinha, da infância à juventude. Além de Patrícia Aires e
Maria Isabel de Lizandra vivendo a personagem principal – cada uma numa
fase –, o elenco trazia Leila Diniz, Edson França, Henrique Martins e Cacilda
Lanuza. A novela estreou em maio, às 18h30. Depois, migrou para o horário
das 19 horas e, nele, permaneceu no ar até janeiro de 1970.
Vivendo Débora, o trabalho de Lilian não passou em brancas nuvens.
De repente, o sucesso foi o título de um perfil assinado por Jefferson Del Rios
para a Folha de S. Paulo, em 26 de junho. As fotos que ilustravam a página
não escondiam seu passado de manequim. Com os cabelos presos num
coque e usando um conjunto de calça e blusa estampado, a atriz caprichou nas
poses. E o jornalista, encantado, caprichou no texto:
Lilian Lemmertz, a mãe da Menina do Veleiro Azul, é uma pessoa diferente
da mulher sofisticada da novela. Neta de alemães, veio do Rio Grande do
Sul e, em pouco tempo, se afirmou como uma ótima atriz de teatro, cinema
e televisão. Recebeu esse ano os principais prêmios da crítica pelos seus
últimos desempenhos. O sucesso não lhe tirou a simplicidade. Quase não

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A ousadia de lilian
ganha as páginas policiais

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frequenta os restaurantes da moda, prefere ficar em casa conversando com
os amigos, costurando, assistindo à TV ou na companhia dos romances de
Otávio de Faria e Scott Fitzgerald.
Na matéria, Jefferson revelava outros detalhes da intimidade de Lilian.
Vamos tomar um copo de vinho?, perguntou ela ao repórter, que aproveitou
a deixa para ilustrar: Lilian, quando não tem um cafezinho coado na hora para
oferecer, põe o garrafão sobre a mesa e a hospitalidade gaúcha domina.
Para ela, melhor que vinho só mesmo um joguinho de baralho. E jurava que,
se não fosse atriz, seria a maior jogadora do mundo. Todo esse bate-papo
informal com a Folha aconteceu na própria residência da atriz, na Bela Vista.
– Não sei viver em apartamento. Minha mãe diz que tenho mania de grandeza
porque moro numa casa desse tamanho. Mas aqui tem sol e minha filha
pode brincar à vontade.
Durante a entrevista, Julia – então com 6 anos – chegou da escola. Era final
de tarde e ela entrou correndo para contar as novidades.
– Essa menina é um anjo, derretia-se Lilian, no papel de mãe-coruja.
Naquele momento, a Excelsior já enfrentava muitos problemas, entre eles o
de ter alguns artistas escalados para trabalhos simultâneos em outros canais.
Lilian estava nesse time. Ao mesmo tempo em que gravava A Menina do Veleiro
Azul, fazia Nenhum Homem é Deus, de Sergio Jockyman, na Tupi. Esta, por sua
vez, vivia a euforia de ter dois grandes sucessos no ar: Nino, o Italianinho,
às 19 horas, e a revolucionária Beto Rockfeller, às 20 horas. Nenhum Homem
é Deus marcava o lançamento do terceiro horário de exibição: 21 horas.
Mas, infelizmente, a trama não teve o êxito esperado.
Com direção de Antônio Abujamra e Benjamim Cattan, a novela da Tupi
contava a história do mágico Marcos, vivido por Walmor Chagas, que encontra a
chance de ascensão através de uma jogada de mestre, mas totalmente sem
escrúpulos. No principal papel feminino, Lilian interpretava Helena, nome que
batizaria, no futuro, sua personagem mais famosa na TV.
– A personalidade dela era vaga e indefinida, por isso não tinha muito o que
fazer em cena, dizia a intérprete da mocinha.
A novela contava ainda no elenco com Joana Fomm, Patrícia Mayo, Othon
Bastos e Antônio Fagundes, no comecinho da carreira. Ficou no ar de 21 de
julho a 7 de dezembro de 1969.
O trabalho da atriz motivou uma crônica de J. Contreras em sua coluna Rádio
e TV, publicada no Diário da Noite, em 9 de setembro. Intitulada Um Instante
de Suavidade, dizia: (...) Lilian, embora tenha iniciado sua carreira por mero
acaso, rapidamente atingiu o estrelato e encara seriamente sua profissão.
Em Nenhum Homem é Deus, ninguém pode dizer que sua beleza ofusca sua
representação. Antes, pode-se afirmar que um fator completa o outro. Se de
um lado temos o personagem triste e temeroso, do outro temos o artista
empenhado numa adaptação profunda, fazendo uma interpretação sem

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retoques ou arremedos, onde os traços suaves de um rosto melancólico só
se iluminam num sorriso quando pressentem o bem-amado.
Tem mais: Não se vá pensar por isso que Lilian é uma descontente e antis-
social. Muito pelo contrário. Realizada como atriz, a gauchinha tem amigos
incontáveis com os quais se entende muito bem. Aquele ar de quem não
está satisfeito talvez seja mais resultado de timidez, receio de aparecer demais
e não vaidade ou estrelismo, como pode parecer a alguns. Existem aqueles
que se segregam porque são os maiores. Lilian não. Ela não se esconde de
ninguém, não é desse feitio.
Em 1971, num período de entressafra da TV, a gaúcha recebeu o primeiro
convite para integrar o elenco da Globo. Com apenas seis anos de vida,
a emissora carioca já dominava a linguagem das novelas e fazia sucesso em
todo o Brasil. A trama era O Cafona, de Bráulio Pedroso, que teve em seus
créditos os nomes de Francisco Cuoco, Tônia Carrero, Marília Pêra e a cantora
Maysa. O diretor Daniel Filho mandou a passagem, Lilian pegou a ponte aérea
São Paulo-Rio e os dois chegaram até a discutir salário. Mas, na volta, a atriz
pesou prós e contras.
– Eram oito milhões por mês, mas tinha que ficar quarta, quinta e sexta no
Rio. Casei de novo (com o arquiteto Jorge Caron), já tenho a minha filha de
8 anos, que está no segundo ano primário, e ele tem um filho. Não deu pé
aceitar o contrato. Julia cria dois pássaros, o garoto tem dois camundongos,
um cachorro. Temos duas empregadas. É muita coisa, né? Além disso, não
dava para fazer teatro. A televisão dá estabilidade econômica, mas a gente
gosta tanto do teatro...
A Globo só entraria em sua vida dez anos depois, com Baila Comigo. De forma
avassaladora, diga-se.

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Era ela no centro da tela daquela manhã

Mesmo com a vigilância pesada da censura, a peça O Começo é Sempre


Difícil, Cordélia Brasil, Vamos Tentar Outra Vez?, do jovem Antônio Bivar,
fez sucesso nos palcos brasileiros no final do anos 1960, com Norma Bengell
vivendo o papel de Cordélia. Sem fazer filmes de ficção desde 1953 –
quando lançou O Saci, baseado na obra de Monteiro Lobato e pioneiro no
segmento infantojuvenil –, Rodolfo Nanni andava à procura de argumentos
para um novo trabalh quando se deparou com o texto.
O diretor, que nos últimos anos dedicava-se aos documentários e à vida
acadêmica, tratou logo de garantir os direitos para a adaptação. Com a história
definida, partiu para a escolha da protagonista. Norma, evidentemente,
quis reviver o papel no cinema, mas – por situações diversas – não houve
acordo. A produção chegou a pensar em nomes internacionais. A francesa
Jean Seberg, musa da nouvelle vague, foi cogitada. Depois de alguma procura,
Nanni chegou à sua Cordélia: Lilian Lemmertz.
Era o início da década de 1970 e a atriz vinha de duas experiências com
o cinema udigrudi, como era chamado o movimento liderado por cineastas
dito marginais. Com Rogério Sganzerla, fez Copacabana, Mon Amour, estrelado
por Helena Ignez (musa e mulher do diretor) e Paulo Villaça e trilha de Gilberto
Gil. Júlio Bressane, por sua vez, a dirigiu em Barão Olavo, o Horrível, também
com Helena Ignez no elenco.
Acontece que Lilian não tinha nada a ver fisicamente com a personagem da
peça de Bivar, mais brasileira, e o diretor precisou alterar seu perfil, o que
resultou em mudanças no roteiro. Na verdade, como contou em entrevistas
na época do lançamento, Nanni recriou quase que totalmente a história.
Ficou apenas o que ele chama de espinha dorsal: a trajetória de uma mulher
que vive com um sujeito que não trabalha.
Quando partiu para as filmagens, ele tinha dois roteiros completos. E, mesmo
assim, muita coisa foi modificada durante o processo. Que o Bivar me perdoe
e procure compreender as modificações que fiz. Um filme é uma obra de
criação, mesmo se, como no meu caso, inspirada em outra. É impossível a
um autor deixar de pôr o seu contingente dramático, a sua visão do mundo
que o rodeia. Portanto, Cordélia Brasil é de Bivar, Cordélia, Cordélia é de Nanni.
O que importa é que tenha sido feito com honestidade, pontuou, na época.
Como se percebe, o nome da personagem não só foi conservado, como
duplicado no título. A repetição intriga mais. Mas a razão real é subjetiva:
é como se todos estivessem querendo dar conselhos à personagem. Como se
dissessem: cuidado, Cordélia, explica o diretor. Para Rodolfo Nanni, seu filme
é um drama urbano, de constatação. Retrata a São Paulo daquele princípio dos
anos 1970, em todos os seus aspectos, principalmente os mais cruéis. Nessa
grande cidade, uma jovem mulher da classe média – personagem pouco
retratada pelo cinema brasileiro até então – vive infeliz no casamento, tanto
sentimental quanto economicamente. Nanni considerava que o cotidiano da
classe média era, de certa forma, mais penoso.
Na adaptação, Cordélia não é mais prostituta. Trabalha como secretária execu-
tiva de uma firma de engenharia e tem um caso com o patrão, que a usa

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como uma espécie de relações públicas no sentido canalha da palavra. Até que
ela encontra um rapaz mais novo e, ingenuamente, passa a acreditar que ele
é a solução para todos os seus problemas.
Já o marido virou um tipo sonhador que quer realizar alguma coisa na vida.
Resolve virar um revolucionário, mas acaba fracassando. As conotações
homossexuais do personagem existentes na peça desapareceram na versão
cinematográfica. A própria Lilian falou sobre as modificações ao jornal O Globo:
– Ficou completamente diferente da peça. Ninguém pode atacar Rodolfo na
base do plágio. A Cordélia do teatro é uma funcionariazinha pública, que de
noite roda a bolsinha e saí por aí a ganhar uns trocados. No filme, ela é uma
secretária executiva e fatura uns milhões com uma baita de uma bolsa.
Na peça, o marido de Cordélia é homossexual, mas no cinema Rodolfo preferiu
caracterizá-lo como um subversivo. Quer dizer, o filme é ultra-atual.
Os caminhos para levar Cordélia às telas não foram fáceis. A distribuidora
Screen Gems, que havia topado bancar o filme, retirou uma boa parte do
orçamento quando a equipe já estava praticamente iniciando os trabalhos.
Pois é: o começo é sempre difícil, Rodolfo Nanni, vamos tentar outra vez?
Com a verba reduzida à metade, ele saiu à cata de participações. A Vera
Cruz, cujos estúdios foram bastante utilizados no filme, passou então a
ser coprodutora.
Rodado no segundo semestre de 1970, o filme teve quase todos os seus
interiores feitos na histórica companhia cinematográfica. A equipe de O Estado
de S. Paulo visitou o set e relatou, na edição de 13 de setembro, o que viu:
Quem for ao estúdio 4 da Vera Cruz verificará que o ambiente é descontraído
e cordial. Nanni é muito calmo e Lilian, Chicão (Francisco di Franco) e toda a
equipe têm excelente humor. O cenário é o apartamento de Cordélia: quarto,
sala com um sofá, bar e mesa, o hall, a cozinha e o banheiro. Do lado oposto,
outro cenário representa uma garçonière. Uma das tomadas feitas no quarto
mostra a protagonista deitada, fumando, sem conseguir dormir. Ao lado da
cabeceira, um radiotransmissor e um relógio, que marca meia-noite e dez.
Lilian brinca: Ninguém sente insônia à meia-noite, só lá pelas três. O relógio
é então acertado para marcar duas da madrugada.
Cordélia vive no pesadelo do tempo que passa e das recordações, lamentando
sua vida estragada pela monotonia do trabalho e as decepções de um casa-
mento fracassado. Após noites e noites sem dormir, sai toda manhã pela
Praça Roosevelt, onde mora, para atravessar a cidade e encontrar a rotina
do escritório, com as cartas já ditadas pelo seu patrão a um gravador. A perso-
nagem lembra sempre de sua infância e tenta simbolicamente parar o tempo,
prendendo um velho relógio de bolso numa gaiola. É o tic-tac obsessivo que
marca o ritmo de sua angústia.
O ator Francisco di Franco é o intérprete de Leônidas, o marido desempre-
gado que pretende fazer alguma coisa de útil na vida e acaba participando do
movimento revolucionário. Numa das cenas, ele aparece numa reunião de

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o olhar forte a serviço de Cordélia

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subversivos comandada pelo próprio Nanni, em curta aparição. O desprezo
pelo marido caracteriza a personalidade de Cordélia e é a razão de suas nume-
rosas quedas.
As aspirações da personagem eram as mais simples e terrenas: um marido
como os outros, um trabalho normal, ter filhos, enfim. Cordélia vinga-se,
no sexo casual, da mediocridade. Ela se prostitui não apenas no sentido escrito
da palavra, mas também no moral, vendendo-se à máquina que suposta-
mente lhe proporcionará uma saída da frustração emocional que a domina.
No entanto, essa saída não existe. Cordélia é a imagem da pessoa que se
atira de paraquedas e constata que ele não vai abrir, resume o diretor.
Em sua primeira grande oportunidade no cinema – até 1970, só havia feito
pequenas, embora premiadas, participações nos filmes de Walter Hugo
Khouri –, Lilian não disfarçava o entusiasmo com o trabalho:
– Quando Nanni me convidou, dei pulos de alegria. Afinal, Cordélia é um papel
que deveria ter sido feito por Jean Seberg. E o melhor é que o meu enten-
dimento com o diretor foi perfeito. Ele nunca força a mão: sabe o que o ator
pode render e dá muita liberdade de criação. Nas cenas de estúdio, contra-
cenando com Francisco di Franco, nós dois propúnhamos às vezes juntar
várias tomadas em uma só, já que trabalhávamos com câmera Mitchum sobre
grua ou sobre dolly. Nanni aceitou várias vezes. Eu já conhecia o texto do Bivar
e percebi Cordélia como um papel muito difícil, mas ao mesmo tempo propi-
ciador de um grande desempenho dramático.
Ao jornal O Globo, Lilian revelou um fato que a surpreendeu durante
as filmagens:
– Normalmente, Nanni é um sujeito muito calmo e seguro. Um dia, pensei
que alguma coisa de anormal estava ocorrendo: vejo aquele homem tranquilo
dar berros de fazer a parede tremer com Cida, menina que vinha pedir emprego
numa determinada cena. Não entendi nada, mas compreendi tudo minutos
depois. Quando a menina começou a chorar, Nanni mandou rodar. A cena é
de um realismo total.
O elenco contava com Pedro Paulo Hatheyer, Miguel di Pietro, Nadir Fernandes,
Célia Helena (como uma fanática religiosa), Selma Egrei e a pequena Julia
Lemmertz, então com 7 anos, vivendo a personagem-título nas cenas de
flash back. Em tempo: nos anos 1980, Julia seria dirigida por Pedro, filho de
Rodolfo Nanni, no curta Mal-Estar. O rapaz morreu aos 38 anos de idade,
num acidente de carro.
A ficha técnica de Cordélia, Cordélia incluía também o iluminador Carlos Egberto
Silveira, que trabalhava no cinema inglês e veio ao Brasil especialmente para
cuidar da fotografia em cores. A trilha sonora era de Rogério Duprat. Para com-
por a música-tema, foi convocado Bruno Padovano. E o pintor Wesley Duke
Lee fez uma ponta, vivendo um fotógrafo. É para ele que a personagem diz
sob o comando de rodolfo nanni, a emblemática frase: Os homens pensam que são realistas. Na verdade
lilian vive uma angustiada secretária são sonhadores.

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No final do processo, Lilian Lemmertz confessou ter respirado Cordélia por
muito tempo, dada a absorção que o papel exigia.
– Foi um trabalho duro. São muitas mulheres numa única personagem, que
sofre transformações físicas e psíquicas e, portanto, requer bastante esforço
e capacidade de quem a interpreta. É um grande passo no nosso cinema e
que, para tanto, exige muito de toda a equipe que colabora para que o filme
possa ser levado a efeito.
As filmagens de Cordélia, Cordélia foram encerradas de forma incendiária
na madrugada de 24 de setembro de 1970, em frente à Igreja da Consolação,
no centrão de São Paulo. Quem passava por lá, esbarrava com técnicos às
voltas com um velho Dauphine em chamas. Não fosse o vaivém de câmeras e
refletores, dava para acreditar que um carro realmente pegava fogo. Era a cena
da morte de Leônidas, que se une a terroristas e acaba vítima da explosão
de uma bomba que ele mesmo montou. Na história, o dispositivo deixa de
funcionar e tudo vai pelos ares. O personagem fica preso ao monte de
ferros queimados e retorcidos. Ao saber da notícia, a protagonista também
encontra seu fim.
Rodolfo Nanni quis recriar na telona a explosão real de um carro com terroristas,
acontecida próximo dali, no ano anterior. O próprio Francisco di Franco, que já
havia sido motorista de táxi, colaborou com os técnicos, ajudando a montar e
COrdélia, COrdélia,
a deslocar os equipamentos. A movimentação acabou rendendo manchetes um dos grandes momentos
de jornais como a Última Hora. de lilian no cinema

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Nesse mesmo período, Lilian Lemmertz emprestou sua voz e seu sotaque
gaúcho para outra produção: Um Certo Capitão Rodrigo, de Anselmo Duarte,
Palma de Ouro em Cannes por O Pagador de Promessas. Ela já havia passado
pela experiência da dublagem em O Palácio dos Anjos. Desta vez, no longa
baseado na obra O Tempo e o Vento, saga de Érico Veríssimo, a atriz
“interpretou” a personagem Bibiana, vivida pela paulista Elza de Castro.
– Quando eu cheguei lá na Vera Cruz para a dublagem, descobri que só tinha
gaúcho, inclusive a Linda Gay, que eu não via há anos. Foi uma beleza.
Bibiana apareceria outra vez na vida da atriz: em 1985, na adaptação da TV
Globo para O Tempo e o Vento, com direção do velho amigo e conterrâneo
Paulo José.
Mas o assunto, agora, ainda é Cordélia, Cordélia. Em maio de 1971, Rodolfo
Nanni começou a mostrar o copião aos amigos. O colunista Gilberto Di Pierro,
o Giba Um, anunciou: Quem viu diz que Lilian Lemmertz está sensacional.
O crítico Luiz Carlos Merten já afirmava: Lilian vem sendo considerada,
unanimemente, uma das maiores figuras de atriz do nosso cinema. O próprio
Nanni atestava: No papel de Cordélia, ela tem um dos melhores desem-
penhos de sua carreira e, posso arriscar, do cinema brasileiro.
A pré-estreia paulista de Cordélia, Cordélia aconteceu no dia 22 de novembro,
no cine Gazeta, com a participação do Coral da USP. O filme realça o talento
e a espontaneidade de uma Lilian Lemmertz excelente e representa, para
Rodolfo Nanni, a comemoração de duas décadas de trabalho no cinema
nacional, registrou a Folha de S. Paulo em 29 de novembro. O filme todo
se desenrola com um forte teor romântico, desencadeando situações em
torno de uma mulher simplória, ingênua, vítima dos aspectos desumanos
de uma grande cidade, disse o jornal Última Hora.
No começo de dezembro, o longa foi mostrado no Festival de Brasília. Lá,
fui procurado por mulheres que tinham ficado profundamente tocadas com
o personagem e o trabalho de Lilian. Não há mulher que tenha visto o filme
sem se identificar, entusiasma-se o diretor.
Para marcar o lançamento no Rio de Janeiro, o jornal O Globo – na edição
de 24 de janeiro de 1972 – publicou uma longa matéria sobre a protagonista
com o sugestivo título: Lilian Lemmertz ou a onipresença do ator. Na época,
ela estava em cartaz nos palcos de São Paulo com É Hoje!... e ainda rodava
com Walter Hugo Khouri o longa As Deusas, em Guarapiranga.
– São experiências diferentes e necessárias, dizia.
Quase um ano e meio depois de concluir as filmagens, eis a avaliação da
atriz sobre o que viu nas telas:
– É um filme muito bem-cuidado. Filme de diretor que conhece bem seu
metiê. E esse cuidado se refletiu em muitos benefícios. Um deles: o rendi-
mento dos atores. Porque trabalhar com Francisco di Franco é uma coisa
muita boa. Ele é um dos melhores profissionais com quem já atuei. Não se
poupa nunca, se entrega e se integra totalmente. Pedro Paulo é outro ator
excelente: seguro e de muita personalidade. Numa sequência com Miguel
di Pietro, Nanni nos deu liberdade para improvisação de diálogo. Indicou a linha
central do que deveria acontecer, mandou a câmera rodar e nós mandamos
brasa. Saiu uma conversa meio nonsense, mas o resultado é bom. A experi-
ência foi muito interessante.
Entre suas cenas preferidas, ela destacava a do almoço, em que Cordélia
tem uma forte discussão com Leônidas sobre os problemas existentes entre
os dois personagens, e toda a parte final, com grande dose de realismo.

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– É uma sequência muito boa e exigiu não apenas dramaticidade, como eu
gosto, mas também esforço físico. Minha queda foi tão real e a pancada
com a cabeça no chão, tão violenta, que desmaiei de verdade. Mas valeu a
pena. Cordélia é mais um importante marco na minha carreira.
A atriz estava feliz com o resultado do trabalho. Rodolfo Nanni também.
Na opinião de especialistas como Eugenio Kusnet, era um dos melhores
filmes brasileiros realizados até então.
Não bastassem as boas críticas, Cordélia, Cordélia também renderia um
importante prêmio. No dia 19 de junho de 1972, com o Brasil ainda em choque
pela morte de Leila Diniz num acidente aéreo, ocorrida na madrugada do
dia 15, a classe se reuniu no extinto cine Palácio, no Passeio Público, centro do
Rio, para acompanhar a entrega da Coruja de Ouro, então conhecida como a
maior festa do cinema brasileiro.
Vestindo um longo preto, Lilian Lemmertz subiu ao palco para receber das
mãos de José Lewgoy o troféu – uma estatueta de 30 centímetros, banhada
em ouro – de melhor atriz, conferido pelo Instituto Nacional do Cinema (INC),
que premiou ainda Domingos de Oliveira, como melhor diretor por A Cúpula,
Rodolfo Arena, na categoria ator por Em Família, e Tom Jobim, pela partitura
de A Casa Assassinada. A presença da já internacional Florinda Bolkan e
os shows de Lennie Dale, um dos Dzi Croquettes, e Elizeth Cardoso foram
destaques da noite. Guardadas as proporções, ganhar uma Coruja era como
se fosse um Oscar. Com direito a chamada de primeira página em jornais e tudo.
A premiação aconteceu num momento em que Lilian se destacava também
na telinha, em mais uma novela. Sobre o prêmio, Ferreira Netto escreveu na
revista Amiga: Lilian, que é Eugênia na telelágrimas O Tempo Não Apaga,
não queria ir ao Rio. Mas os bem-informados agentes da APDL (Associação
dos Por Dentro do Lance) forçaram a barra e lá foi a moça. Resultado: ganhou
fácil o prêmio. Mas há em tudo isso uma coincidência: Lilian é chamada por
seus companheiros de novela de coruja, pois desde o início das gravações
ela aproveita os intervalos para puxar o maior ronco nos estúdios da Record.
O colunista registrou ainda: Mas Lilian, dentro da sua personalidade marcante
demonstrando grande simplicidade, contou-me que Cordélia, Cordélia não teve
sucesso em todo o País, mas foi muito bem aceito em Porto Alegre. De fato,
quando o filme chegou à cidade, todos queriam conferir o desempenho da
conterrânea famosa. Denso, pesado, antidivertimento por excelência.
Um trabalho a se ver, de maneira séria, e de se pensar, dizia a crítica gaúcha.

No mesmo dia da entrega da Coruja de Ouro, Lilian Lemmertz foi convidada a


participar do Festival Internacional de Cinema de Locarno, na Suíça. Os compro-
missos com a novela da Record, no entanto, a impediram de viajar. Nos
estúdios da emissora, o jornalista Nelson Rubens, então no jornal Última Hora,
conversou com a atriz sobre a premiação. Cena oito, capítulo cento e um.
Silêncio: está sendo gravado mais um capítulo da novela O Tempo Não Apaga,

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nos estúdios da TV Record. Em cena, Eugênia, a mulher má que usa e abusa
de todos os recursos para ficar ao lado do homem que ama, sem se preocupar
com os prejuízos da situação, descreveu.
Após duas repetições, o diretor Waldemar de Moraes se dá por satisfeito e
libera a equipe para o almoço. Longe do calor das luzes, Lilian respira aliviada
e entra no restaurante da emissora. Pede um filé com fritas e ovos. É lá mesmo,
enquanto pega um pedaço de pão e passa no molho do filé, que Lilian conversa
com o repórter.
– Eu já tinha sido premiada pelos trabalhos que fiz no teatro, cinema e televisão.
Mas fora o troféu em si, o prêmio em dinheiro nunca foi tão alto como agora
para uma atriz no Brasil, o que valoriza bastante esse estímulo. De repente,
recebo 12 mil cruzeiros. Para quem não estava pensando em nada, foi realmente
uma surpresa agradável. Nesses nove anos de carreira, todos os prêmios
que recebi me deixaram muito satisfeita e acrescentaram novas aberturas
ao meu trabalho.
Em entrevista à Folha da Tarde, Lilian confirmava o apelido de coruja,
ou corujinha, e contava que – por conta dessa coincidência – os colegas
de novela já acreditavam na vitória desde que seu nome apareceu na lista
de candidatas.
– Trabalho muito, tenho pouco tempo até para minha filha. Às segundas,
terças e quintas gravo o dia inteiro, às vezes mal consigo decorar o texto.
Nos intervalos, estou sempre cochilando, por isso o apelido de ‘Angélica,
a corujinha da madrugada’. Volto da TV aproximadamente às 8 da noite e,
quando posso, revejo um ou outro capítulo da novela para me corrigir.
A conversa com o jornal também aconteceu num intervalo das gravações da
novela, enquanto a atriz almoçava vorazmente, despertando inveja nas suas
colegas. É que, mesmo com tanto apetite, sua elegante e magra silhueta
jamais se alterava. Regime era uma preocupação que não existia para ela.
Àquela altura, com uma centena de capítulos no ar, Lilian já tinha certeza de
que a personagem se saía bem naquilo que lhe foi proposto. Quando era
reconhecida por pessoas que viam O Tempo Não Apaga, elas procuravam
sempre demonstrar a raiva contra a vilã Eugênia.
– É aí que se descobre a força do papel. Por exemplo: o condicionamento é
tão grande que minha filha, vendo um dos capítulos outro dia, teve uma reação
natural contra as maldades que faço. Foi uma coisa de repente, que não ligou
a nada quanto à minha presença na sala.
Uma revista de fofoca da época reforçou: Faz apenas duas semanas que essas
irritadas telespectadoras descobriram a Lilian atriz. Foi quando ela recebeu
a Coruja de Ouro. Desde então Lilian tem sido muito entrevistada, mais do
que em todos esses nove anos de trabalho em São Paulo. Agora, quando sai
para passear com a filha nos fins de semana, a abordagem é mais respeitosa:
afinal ela é uma atriz premiada.

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recebendo a Coruja de ouro
das mãos de José lewgoy,
pelo filme COrdélia, COrdélia

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A novela O Tempo Não Apaga foi escrita por Amaral Gurgel e tinha no elenco
Nathália Timberg, Hélio Souto, Lolita Rodrigues e Márcia Real. No livro Memória
da Telenovela Brasileira, Ismael Fernandes resume a trama: Paula (Nathália)
tem duas paixões: o doutor Carlos Araújo (vivido por Hélio) e a música. Eugênia
(personagem de Lilian), uma secretária diabólica, transforma a vida do casal.
Paula perde a memória... e o marido.
Com essas pitadas de dramalhão, a novela ficou no ar de 7 de março a 11 de
novembro de 1972, sempre apresentada de segunda a sábado, às 19h40.
A Record publicava anúncios nos jornais para movimentar a trama. A certa
altura, deu em O Estado de S. Paulo: Paula recuperou a memória. É a desgraça.
O texto do anúncio não era menos bombástico: Quando Paula se recuperou,
lembrou que era uma mulher casada. Mas descobriu seu marido casado
com outra mulher. E como fica Glorinha, a filha de Paula? Essa desgraça o
tempo não pode apagar. Veja por que no seu Canal 7.
Na revista Cartaz, uma foto da família do doutor Carlos unida e feliz contrastava
com o texto: Eugênia, este é o nome que ainda mantém separada a família
do doutor Carlos Araújo. Ele acreditou na falsa notícia de que sua esposa,
Paula, estava morta e se casou com a cruel Eugênia. Hoje, Carlos sabe que
Paula está viva e os dois se amam. Todo o público de O Tempo Não Apaga
espera ver estas pessoas sorrindo outra vez; Carlos, Paula, a filha Glorinha
(Maria Eugênia) e a velha e amiga governanta Elisa (Márcia Real).
Os jornais tentavam explicar esse caso de bigamia. Numa foto-legenda
publicada pela Folha de S. Paulo, lia-se: Hélio Souto entre suas duas esposas
vivas. Não houve desquite, apenas um dos muitos casos de desmemoriados
em novela. Paula, que perdeu a memória, é vivida pelo talento maior de
Nathália Timberg. Lilian é a segunda mulher.
Algum tempo depois, a mesma revista Cartaz estampava o título: Qual será o
fim de Eugênia? Para o público, quanto mais trágico, melhor. O texto apostava:
A solidão de uma cela ou a própria morte são castigos bem prováveis no
futuro de Eugênia. O público não perdoa sua crueldade. Mas Amaral Gurgel
talvez perdoe. Não será surpresa se Eugênia se casar com o doutor Bernardo
(Rolando Boldrin). O autor da novela, pelo menos, acha possível: Se ela se
regenerar, o que impede que seja amada como é Paula? É possível também
que Eugênia e Carlos continuem juntos. Basta que Paula descubra o amor
que Bernardo tem por ela e se canse de esperar por Carlos.
Anos mais tarde, na revista Contigo, a atriz gaúcha voltava a falar do trabalho:
– Eu nem podia mais ir ao supermercado, pois as pessoas queriam me comer
viva. Mas fiquei muito feliz com aquela reação porque, se a gente interpreta
um mau-caráter e consegue ser odiada pelas pessoas, então se sente realizada
como atriz. Na verdade, gosto muito de viver tipos assim. Acho muito mais
difícil fazer o papel de boazinha.

na pele da vilã eugênia em O teMpO nãO apaga,


lilian foi destaque nos jornais. Hélio souto, nathália
timberg e rolando boldrin estavam no elenco

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Acima, lilian num ensaio para Intervalo 2000, em 1972

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Deixando a pele em cada palco
Quando o assunto era teatro, Lilian Lemmertz parecia incansável. Praticamente
emendava um trabalho no outro. E olha que não estamos falando de montagens
simples. Algumas peças passavam fácil das três horas de duração, com apre-
sentações de terça a domingo. Sem contar as matinês e sessões duplas.
Essa era a rotina da atriz que, não custa lembrar, estreou no ramo sem
grandes pretensões.
Sempre que dizia que sua dicção perfeita nunca foi fruto de estudo, mas, sim,
de prática, ninguém acreditava. No exercício, dia após dia, ela adquiriu todas
as técnicas do fazer teatral.
– No tempo em que comecei no teatro amador, não pretendia seguir carreira,
então não fiz curso simplesmente. Quando vi, já estava no teatro profissional
e não houve chance de estudar. Mas se eu, em determinado momento da
vida, tivesse dito Vou ser atriz, com certeza teria estudado. Hoje não teria
mais sentido, visto que já sou profissional. Evidentemente que, como auto-
didata, você faz seu próprio curso, está sempre lendo, sempre se renovando,
sempre se informando, garantia.
Nos primeiros 15 anos de carreira, Lilian já tinha experimentado várias
linguagens, mas faltava um monólogo. Se hoje é comum ver artistas se
lançarem em aventuras solitárias nos palcos, até por questões de facilidade
de produção, naquele início dos anos 1970 a atitude era ousada. Coisa de diva.
Além disso, Lilian queria atuar como produtora. E, assim, escolheu Um Uísque
para o Rei Saul para brindar a dupla estreia.

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Giba Um, do jornal Última Hora, revelou em sua coluna: Lilian Lemmertz
pintando os cabelinhos: loiro-cheguei ou loiro-atroz? Ainda está na dúvida,
mas vai deixar para a personagem Márcia decidir.
No texto de Cesar Vieira, mesmo autor de Evangelho Segundo Zebedeu,
Márcia é uma moça que chega do interior e começa a enfrentar o povo da
cidade grande. Em debate, a degradação do mundo de uma mulher, motivada
pelas sucessivas experiências que vive. Mas não foi na cidade grande que
Lilian quis levantar seu uísque pela primeira vez. Uma turnê pelas cidades do
interior paulista marcou o início da empreitada.
Para divulgar o trabalho, a atriz marcou uma sessão de fotos com a equipe
do Diário de Notícias em sua própria casa. Esperou, esperou, mas nada de o
fotógrafo aparecer. Muito depois da hora marcada, quando já estava comple-
tamente à vontade, ouviu a campainha da residência da Alameda Franca tocar.
Foi pega de surpresa. Já tinha até esquecido o compromisso. E acabou
posando para as lentes de José Moura praticamente nua, o que rendeu um
ensaio fotográfico cheio de sensualidade.
– Não vejo por que uma atriz não possa aparecer em fotos de uma maneira
sexy?, argumentou.
Bela e provocante também era a pose que estampou a capa do suplemento
assinado pelo sempre entusiasmado Giba Um, também na Última Hora,
com a manchete: Ninguém poderia imaginar que Lilian Lemmertz fosse uma
atriz que só sentisse um pouquinho de frio.
Um Uísque para o Rei Saul foi servido pela primeira vez à plateia do Teatro
Municipal de Santo André, em 23 de junho de 1971. O Diário do Grande
ABC registrou a passagem da trupe. A temporada começou numa quarta
e a procura foi tanta que no sábado e no domingo houve duas sessões.
No entanto, o crítico J.A. Pereira da Silva deu uma alfinetada na produção,
por escolher cidades pequenas para afinar o espetáculo, antes de passar
por São Paulo. Gostaríamos que Santo André presenciasse estreias de
peças acabadas e não fosse área de teste. Mas isso são contingências do
processo teatral.
Em sua resenha, publicada em 27 de junho, último dia da temporada, ele
observou: A matéria de um monólogo é pessoal. (...) Só aceitamos alguém
confessando tudo, aqui e agora, num estado paranormal. Um Uísque tenta
escapar da falta de ação e do simples delírio pela reconstituição do diálogo,
da situação, ou tomando o público como interlocutor. Pois é: em alguns
momentos da peça, Lilian falava diretamente com a plateia, outra experiência
inédita em sua carreira.
Com ressalvas a trechos do texto e ao cenário, o crítico atestava: O monólogo
está mesmo nas mãos da intérprete, Lilian Lemmertz. O resto fica parecendo
um pouco muletas para garantir algum apoio além da palavra ou descansar
o público. E isto não é necessário em Um Uísque, que está servido por uma
atriz vibrátil, maleável. Não o monstro sagrado que se espera projetado nessas
ocasiões. Lilian domina sozinha o grande teatro sem apelos histriônicos.
Vence assim um desafio e acerta mais uma vez numa carreira já cheia de
sucessos. O Grupo Teatro de Equipe, que produziu esse espetáculo, nasce
sob um bom signo: Cesar Vieira, um autor já consagrado, uma grande atriz
e uma direção honesta de Elói de Araújo. Merece ser visto.
Como produtora, Lilian era bastante controladora. Fiscalizava a publicação dos
tijolinhos (como são chamados os anúncios) da peça nos jornais. No alto da
página Vamos ao Teatro, do Jornal da Tarde de 12 de junho, está anotado:
Não saiu. Outros recortes contam com a seguinte observação: Certo.

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Em agosto, pouco tempo depois da estreia do monólogo, uma louríssima
Lilian Lemmertz desembarcava em Porto Alegre para mostrar outro espetáculo:
Quanto Mais Louco Melhor, em estreia nacional. Ela não se apresentava na
terra natal desde 1966, quando a turnê da Rodhia baixou por lá. No entanto,
a nova temporada, além de maior, era a sua primeira oportunidade de mostrar
aos conterrâneos o quanto tinha amadurecido desde que trocou de cidade.
A moça que entrou para a cena como uma aposta de Antônio Abujamra,
e uma forcinha da própria mãe, voltava à capital gaúcha consagrada. A atriz
amadora era agora uma profissional respeitada no rigoroso teatro paulistano.
Na verdade, nem fazia tanto tempo que Lilian havia pisado em solo gaúcho.
Em fevereiro daquele ano, ela foi dirigindo de São Paulo até Capão da Canoa,
no litoral, apesar do péssimo estado da estrada, como fazia questão de
ressaltar. Mas voltar para mostrar um trabalho tinha outro sabor. A atriz estava
radiante por poder se apresentar em casa.
Durante os ensaios de Quanto Mais Louco Melhor, a atriz continuou percor-
rendo o interior paulista com Um Uísque para o Rei Saul. A maratona era
pesada, mas ela adorava essa vida mambembe.
– Antes de vir para Porto Alegre, me apresentei em Franca, cidade que fica a
400 quilômetros de distância de São Paulo. Terminamos a peça à meia-noite,
mas o prefeito nos convidou para jantar. Só saímos às duas da manhã. Eu e o
César (Vieira, autor) nos revezamos na direção do carro a noite toda. Cheguei,
tomei o café da manhã com a família, deixei as coisas em ordem, fiz as malas
e, ao meio-dia do sábado, embarquei. Cheguei aqui num cansaço...
lilian divulgando o monólogo
uM uísQue para O rei saul Um rápido resumo da história escrita pelo inglês Joe Orton: ao contratar
no diário de notícias uma nova secretária, o diretor de uma clinica psiquiátrica pede que ela se

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dispa para fazer um exame. Nisso, surge a esposa, vinda de uma noitada.
A partir desses dados, o autor faz uma comédia cheia de situações engraçadas
e de crítica a valores estabelecidos.
Também conhecida no Brasil como O Que o Mordomo Viu (fiel ao original
What the Butler Saw), Quanto Mais Louco Melhor se desenvolve em dois
planos: o da história de quiproquós, com os numerosos equívocos criados a
partir do momento em que o chefe deseja seduzir a secretária e é surpreen-
dido pela mulher; e o da crítica a valores estabelecidos, inclusive na caçoada
com uma estátua de Winston Churchill, símbolo da resistência inglesa.
Mais uma vez, o convite para Lilian participar da montagem veio pelas mãos
de seu padrinho Walmor Chagas, dividido entre a direção e o principal papel
masculino. O texto foi descoberto por Fredi Kleeman, companheiro dos
dois em trabalhos como Onde Canta o Sabiá e Hamlet, que andava em busca
de uma boa comédia para encenar. O elenco era completado por Ruth Escobar,
Rubens Teixeira e o jovem Ney Latorraca.
Em Porto Alegre, os seis atores se reuniram nas escadarias da Igreja das Dores,
no centro da cidade, para posar para a capa da Revista ZH, da Zero Hora,
na edição de 28 de agosto. A nova loura falou um pouco sobre sua perso-
nagem, Geraldine Barclay, ao repórter Luís Carlos Lisboa:
– Acho-a divertidíssima. Uma mulherzinha burra que quer o emprego de secre-
tária e, quando o médico pede que tire a roupa, ela obedece, pensando que
isso faz parte do teste. Depois, passa a peça inteira procurando seu vestido.
Após a estreia, no Teatro Leopoldina, o grupo seguiu para uma festinha
oferecida por Fritz Johannpeter, cunhado de Walmor, na Alameda Raimundo
Correa. Mas a irmã do ator, Iara, não estava presente. Tinha tido bebê no
dia anterior. Além do elenco, a comemoração contou com a presença de
muitos nomes da sociedade gaúcha, na casa novinha em folha, um bem
receber impecável, como noticiou Lygia Nunes no Correio do Povo.
Olho para Lilian e não chego a vê-la como está agora – atriz consciente,
madura, vivida. É que ficou comigo, por todos estes anos, aquela figurinha
frágil e patética que ela fez no palco do São Pedro, na peça À Margem
da Vida. Quando falei sobre isso, ela concordou: Olha, eu também acho,
aquela é uma das melhores coisas que fiz em toda a minha vida, relatou
a colunista.
Por conta do pouco figurino de Geraldine, familiares, amigos e fãs puderam
testemunhar a boa forma da conterrânea, que ficava de combinação durante
quase todo o primeiro ato. Durante a temporada, correu até um boato na cidade
de que ela aparecia nua em cena. Não é nada disso. Acho que, mais dia
menos dia, todos vamos andar pelados, e isso vai ser ótimo. Mas usar o nu
só para ter chamariz para a peça, aí eu acho pornográfico, defendeu Walmor.
Mas o pior é que entrava uma corrente gelada no palco do Leopoldina,
que fazia Lilian tiritar de frio. A exposição acabou rendendo um resfriado.
Nada que abalasse sua felicidade com o trabalho.
– Eu gosto mais de papéis dramáticos. Mas, no teatro, a gente às vezes
precisa de uma pausa. E as comédias para isso são boas, principalmente
quando fazem rir bastante e contam com muito público. Acho a comédia
desopilante para o ator e o público. Ainda estou gripada, e isso me atrapalha
porque eu só posso sorrir. Não posso rir porque entra ar na garganta e eu
tusso muito. Mas logo que eu melhorar mesmo, vou rir à beça.
Numa conversa com o Correio do Povo, publicada em 2 de setembro, ela era
exaltada pelo repórter (não identificado): Um papo com Lilian é um diálogo

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o elenco de QuantO Mais lOuCO MelhOr posando para
a revista ZH, da Zero Hora de Porto Alegre

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desinibido, franco, que flui tranquilamente
porque o assunto nunca morre. Ágil, alegre,
risonha – diz que está sempre assim –, ela fala
de tudo, conta sobre tudo, não tem problema
algum em deixar de responder o perguntado.
Assim é Lilian Lemmertz: o diálogo escorrido,
o gesto fácil, natural. O assunto do encontro
não poderia ser outro: o sucesso da temporada
de duas semanas na capital gaúcha, que provocou
até sessões duplas para dar conta da procura
por ingressos.
– O nosso maior público, e isso é muito interes-
sante, tem sido adulto. E a gente sabe muito
bem que hoje, no Brasil, o grande público de teatro é universitário, não é?
A gente fica então muito contente em ver que está realmente captando a
atenção. Isso é gostoso, ajuda a gente a representar. Quanto mais o público ri,
mais a gente trabalha com gosto. E a peça é muito divertida, a gente não sai
com a cuca fundida, a gente sai bem alegre, avaliava a atriz.
Walmor Chagas também fez um balanço da nova experiência ao Correio.
A gente está fazendo aqui o mesmo tipo de temporada que se teria em
São Paulo. Contamos com bom público na semana passada, casa cheia
no sábado e, nesta, possivelmente será o fim de semana inteiro lotado.
Estou muito contente, contente mesmo por ter estreado a peça aqui.
O gaúcho está, na verdade, muito mais ligado a São Paulo que ao Rio.
É um público muito parecido. Tem o mesmo tipo de vida, o mesmo humor
que o paulista tem. Por isso, acho que se tivemos sucesso aqui, vamos
tê-lo também lá, festejava o ator e diretor.
Até a censura local foi acolhedora. O espetáculo não teve nenhum galho.
Aliás, andamos sem incomodar ninguém. Todo o teatro brasileiro está muito
bem comportadinho. Eu só me pergunto é se será realmente salutar, para um
regime democrático, ter artistas bem-comportados. Considero minha obrigação
sempre tocar no problema da censura. Não há como se esquivar a ele.
Por isso, não deixo passar uma só entrevista sem tocar no assunto, que é a
única maneira que tenho de protestar.
Na cidade natal, em vez de ficar com os colegas no hotel, Lilian Lemmertz
aproveitou o colo da mãe, dona Lila. Certo dia, Jorge Caron ligou logo cedo
e a atriz, ainda sonolenta, atendeu dizendo o número da casa de São Paulo.
Era de onde o próprio marido estava discando.
Logo, a trupe estava de volta à capital paulista. Uma semana antes da estreia,
O Estado de S. Paulo já abria espaço para o espetáculo na coluna Divirta-se.
A peça é boa. E este novo espetáculo, como será?, indagava a nota, mostrando
duas fotos: uma de Ruth Escobar com Walmor e outra de Lilian com Ney
Latorraca. Ambas na mesma situação: as atrizes de perfil no canto esquerdo
e os atores com o rosto em quadro.
No dia 15 de setembro, o pano finalmente se abriu na grande capital. O espe-
táculo não só repetiu o sucesso, como ratificou o nome da gaúcha como
grande intérprete. Lilian Lemmertz, uma de nossas melhores atrizes, está
no palco do Teatro Cacilda Becker. A peça é Quanto Mais Louco Melhor,
comédia que fará você rir muito, dizia a chamada de primeira página da
Folha da Tarde, com direito a foto da atriz.
Giba Um contava em sua coluna: Lilian usa mil perucas, parece uma jovenzinha
de 18 anos e fica badalando no palco, de um lado para o outro, de calcinha
e sutiã o tempo todo. O que prova que não é só boa atriz. na peça. Ela faz uma Anúncio da temporada paulista de
QuantO Mais lOuCO MelhOr

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loira burra, Geraldine, candidata a secretária num consultório de psicanálise,
e depois troca de personagem com Ney Latorraca e vira um menininho.
Com a palavra, o sempre respeitado Sábato Magaldi, do Jornal da Tarde:
Joe Orton foi um mestre do mecanismo teatral, em que ele insuflou uma
carga de irreverência e de explosividade que não se vê em nenhum outro
autor moderno. O que o caracteriza é, exatamente, a desagregação atômica,
dentro de uma forma tradicional. Em What the Butler Saw está muito mais
presente o inventor de confusões do que o temperamento anticonvencional.
Por isso, a encenação de Walmor é muito divertida, levando o público a uma
gargalhada contínua. Mas se perde em grande parte o elemento mais sério
do texto, que poderia provocar um riso exigente, se o ritmo e a linha do
desempenho não apelassem, o tempo todo, para a facilidade.
Sobre o elenco, destacava: Pelo domínio do palco, Walmor se sai melhor
como intérprete do que como diretor e, mesmo aceitando a tese de que no
campo da montagem ele se considera artesão, o artesanato do espetáculo
poderia ser mais apurado. Lilian Lemmertz e Ney Latorraca, pela competência
profissional, defendem bem seus papéis. No elenco, parece deslocado apenas
o desempenho de Ruth Escobar que, adotando um falsete na voz, contrário
ao estilo realista da comédia, cai em inaceitável artificialismo.

Num cenário em cores vivas, com panos prateados ao fundo, Lilian estava
feliz por provocar o riso na exigente plateia. Entre os colegas de cena, Ney foi
um que conquistou a atriz para sempre. Lembro muito bem da primeira vez
que a vi. Foi no quintal da casa de Ruth, em São Paulo. Eu não a conhecia
pessoalmente. Fiquei muito nervoso porque era a primeira vez que o elenco
se reunia para ler a peça. Era uma tarde ensolarada e o encontro aconteceu
numa mesa ao ar livre, debaixo de uma grande árvore, recorda o ator. O que
mais me chamou a atenção em Lilian foram suas mãos, longas, expressivas,
sensuais e elegantes. Nessa peça, fazíamos irmãos gêmeos e usávamos as

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mesmas roupas. Ela era alta, magra e nossas medidas combinavam, tanto no
figurino masculino como no feminino.

A convivência foi das mais amorosas. Dividir a cena com ela era como estar
na minha casa, na minha intimidade. Nós ríamos muito no palco e fora também,
conta. Ela curtia muito o meu senso de humor. Eu fazia gracinhas para ela
rir. Era ótimo. No teatro, esse foi o único encontro dos dois. Mas na TV eles
contracenaram em O Tempo Não Apaga, na TV Record. Eu só fiz esta novela
porque Lilian me indicou. Na verdade, foi quase uma imposição contratual,
comenta Ney. Eu a admirava muito. Nossa relação era forte, ela tinha um
grande carinho por mim e vice-versa. Até me ensinou a comer picanha,
como boa gaúcha. Com certeza, uma das mulheres mais lindas que eu conheci.
Bonita em todos os níveis, enaltece.

Com a elegância de ex-manequim, Lilian também causava admirações mil no


seu dia a dia. Quando 007 – A Serviço Secreto de Sua Majestade estreou,
muita gente saiu dos cinemas espantada com a semelhança da atriz Dianna
Rigg com a brasileira. Giba Um registrou: Todo mundo indo ao cine Copan e
perguntando: Então ela filmou lá fora e não contou nada pra gente. Walmor
Chagas não acreditou, foi ver de perto e constatou: Dianna é a cara de Lilian.

Já numa festa em homenagem a Tatata Pimentel, jornalista gaúcho e amigo


da atriz desde a juventude, ela chegou vestida com uma túnica hindu. Bastou
para o ti-ti-ti sobre uma suposta gravidez começar. Em sua coluna do jornal
Última Hora de 21 de agosto de 1971, Giba comentou: Todo mundo correu para
os abracinhos. Pois é, então já está? E para quando é? Foi um custo Lilian
provar que não era nada disso. Só provou mesmo quando reuniu patotinha
num canto, levantou a túnica e as meninas desaprovaram. Ah, tudo não
passa de moda.

Em outra ocasião, a atriz resolveu sair de casa no meio da semana para ir ao


cinema. Estava de longo e... descalça. Barrada na porta, não se fez de rogada:
contou tudo aos jornais. Foi parar na primeira página dos jornais: Ela é uma
beleza de longo e descalça. O programa furado era contado em detalhes: Lilian
vestiu o seu mais belo longo e de pezinhos nus, delicadamente pisando as
pedrinhas da calçada, quis entrar no Cine Bristol, na última sessão da meia-
noite. Foi barrada à entrada. Briguinha com fumacinha e tudo está na coluna
de Alik Kostakis, com as notícias da alta.

Foi também em 1971 que Lilian encenou A Relação, de Jean-Claude Carrière.


Sem desconfiar que, para receber seu salário, fosse obrigada a recorrer ao
Sindicato dos Atores. Pelo menos foi a única vez que isso aconteceu...

– Sou sindicalizada e trabalho sempre com contrato. Aconselho a todo ator a


sindicalização, alertava.

Apesar do dissabor, já naquele tempo, com mais de uma dezena de peças


encenadas, a atriz tinha feito de tudo: atuou com o pé engessado, jantou no
palco de verdade, cantou e dançou em musical, desafinou em tragédia...
O que mais era possível? Contracenar com um cachorro. Real.
O inusitado companheiro de cena era a novidade da peça É Hoje!... (Before
You Go, de Laurence Holofcener), cujos ensaios começaram no final daquele
intenso ano de 1971. Em sua coluna de teatro publicada no Diário da Noite,
Hilton Viana avisava: O Teatro Cacilda Becker estará vazio somente até o dia
lilian no suplemento 8 de janeiro. Ainda era 3 de dezembro, mas o crítico já antecipava o que seria
de Giba um, na Última Hora, visto no comecinho do ano seguinte: uma comédia tipicamente americana.
em setembro de 1971

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Com luís Gustavo e o cachorro-ator,
parceiros da peça é hOJe...!

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Com tradução de Elisabeth Ribeiro, também cenógrafa da peça, e Luís
Gustavo, o outro protagonista, o espetáculo abordava o relacionamento de
dois judeus de classe média baixa que viviam no Soho, bairro de Nova York.
É Hoje...! tinha como ponto de partida uma tempestade que provocava o
encontro dos personagens. Sílvia, a jovem vivida por Lilian, abriga-se no
apartamento do rapaz interpretado pelo ator, tradutor e ainda produtor (junto
ao empresário paulista Lair Wallace Cochrane), onde passam a noite. São duas
pessoas comuns, solitárias, unidas pelo acaso, numa grande metrópole.
Luís Gustavo, o Tatá – como é chamado pelos amigos –, já era um dos atores
mais populares do Brasil. Dois anos antes, havia estrelado Beto Rockfeller,
trama que revolucionou a linguagem das novelas, trazendo para a telinha
conflitos contemporâneos. Até 1969, com raras exceções, as histórias eram
verdadeiros dramalhões ambientados em países distantes. O autor Bráulio
Pedroso tratou de colocar leveza e um tempero bem brasileiro na receita.
Resultado: sucesso estrondoso. Gozando do prestígio de ser protagonista
desse marco da TV, o ator apostava todas as fichas na montagem.
A vontade de trabalhar com Lilian vinha de longe. Ele chegou a vê-la no palco
algumas vezes, como, por exemplo, em Dois na Gangorra, com Juca de
Oliveira. Sempre a considerou uma das maiores atrizes que o Brasil já teve. As grandes divas do teatro,
Fui um grande admirador de seus trabalhos e Lilian sempre me tratou com numa galeria de fotos organizada
muito carinho em todos nossos encontros, seja no (restaurante) Gigetto ou pelo crítico sábato magaldi,
no Jornal da tarde

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nos eventos teatrais, recorda o ator. No palco, tivemos uma ótima sintonia.
Tanto que, em 1994, quando realizou o monólogo retrospectivo Eu Sou Beto
Rockfeller, ele apontava para uma cadeira vazia que surgia no palco em determi-
nado momento e dizia que aquele era o lugar reservado para a atriz.
A direção de É Hoje!... ficou a cargo de Osmar Rodrigues Cruz, que já havia
dirigido Lilian em Um Uísque para o Rei Saul e o próprio Luís em Quando as
Máquinas Param, de Plínio Marcos. O cenário tinha assinatura de Cyro Del
Nero. A equipe se divertia muito durante a preparação. Era como uma reunião
de grandes amigos. Mila Moreira, então casada com o ator, lembra bem
desse período. Lilian já adorava fazer tricô. Nos ensaios, estava sempre
com agulha e novelo por perto. Enquanto ouvia as orientações do diretor,
dava seus pontos.
Apresentado de terça a domingo, com duas sessões aos sábados e domingos,
o espetáculo, porém, não correspondeu às expectativas. A crítica de O Estado
de S. Paulo, publicada em 11 de janeiro de 1972, observou: A peça retira
das personagens e da situação apenas um efeito cômico imediato, baseado
em quiproquós – uma geladeira que não descongela, um ovo esmagado,
um cachorro que late nas horas mais impróprias. E, naturalmente, as clássicas
tiradas da abordagem de um rapaz inexperiente.
As interpretações, no entanto, eram poupadas. O trabalho pesado ficou mesmo
com os dois excelentes atores que fazem o espetáculo. Apoiados sobre um
roteiro de ação em que praticamente nada acontece e sobre personagens
lineares, Lilian e Luís conseguem ainda assim manter o espetáculo através
de uma seriedade que vai muito além do texto. Lilian, acentuando a impos-
tação de pretensa atriz dramática da sua personagem, acrescenta uma visão
crítica pessoal, evidente nos momentos em que Sílvia abandona a sua repre-
sentação particular.
Não podemos esquecer o outro integrante do elenco: um cachorrinho branco,
que latia o tempo todo. Lilian não se dava bem com ele e muito menos Tatá.
Levavam mordidas todas as noites.
– Peça com bicho é para a Broadway. Aqui já é duro ter ator amestrado, imagine
cachorro..., debochava a atriz.
Para dizer a verdade, o totó acabou afundando de vez o espetáculo, que não
ia muito bem das patas. Em um dos blecautes, o bicho caiu do palco,
um dos mais altos dos teatros brasileiros. Ainda no escuro, Lilian sussurrou
para Luís Gustavo:
– Acho que esse infeliz tropeçou na Cacilda!
Eles estavam no Teatro Cacilda Becker, o mesmo palco que a lançou no teatro
profissional. E naquele exato momento deram por encerrada a temporada.

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Procuro Moça que me Deixe Pasmado

Importante plataforma de lançamentos nos anos 1970 e 1980, e ainda hoje


bastante badalado, o Festival de Cinema de Gramado teve sua primeira edição
realizada no comecinho de 1973. Antes, a cidade serrana já havia sido palco
de duas mostras, que serviram como uma espécie de ensaio. Na hora de
escolher os nomes que fariam parte do júri, a organização pensou logo em
Lilian Lemmertz, afinal era uma estrela de cinema legitimamente gaúcha.
A missão de escolher os melhores da competição foi dividida com a também
atriz Irene Stefânia, o crítico Paulo Emilio Salles Gomes (então diretor da
Cinemateca de São Paulo) e o diretor e roteirista Alex Viany.
No próprio aeroporto, Lilian foi recepcionada por Julia Lemmertz, que estava
passando férias entre a casa dos avós e a dos tios Cássio e Sônia Beatriz,
ao lado dos primos. A imprensa local, de plantão para noticiar as celebridades
que chegavam para o festival, registrou o breve encontro. No rosto da atriz,
algumas estrelinhas douradas chamavam a atenção. Era uma espécie de
maquiagem que fazia sucesso no Rio e em São Paulo. Enquanto matava a
saudade da filha, era interrompida por crianças e até soldados da base aérea
à caça de autógrafos. Dali mesmo, ela seguiu para a terra das hortênsias,
onde uma maratona para cinéfilo nenhum botar defeito a esperava.
Sobre a abertura, em 10 de janeiro, o jornal Zero Hora descreveu: Às 21 horas,
horário marcado para o início da sessão, já era grande o número de pessoas lilian retratada por Hofmeister no
na plateia do cinema, mas eram poucos os convidados e jurados presentes, jornal Zero Hora, de Porto Alegre,
que foram chegando depois e ficaram conversando no saguão. Lilian Lemmertz em 9 de janeiro de 1973
foi a mais fotografada. Estava com um vestido longo, godê, branco com pois No detalhe, cartaz do filme
negros e um imenso decote em V que acabava na cintura. Naquela noite, uM intrusO nO paraísO

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seria exibido o longa Toda Nudez Será Castigada, de Arnaldo Jabor, protago-
nizado por Darlene Glória.
O time de filmes escalados para o festival era especial. Além da adaptação
da peça de Nelson Rodrigues, tinha A Casa Assassinada, São Bernardo e
Cassy Jones, o Magnífico Sedutor. Havia também Janaína, a Virgem Prometida,
único dos competidores a não ficar para a história. Após cinco dias de progra-
mação intensa, o júri premiou, entre outros, a visceral interpretação de Darlene,
com sua arrebatadora Geni. Em nome dela, Betina Viany (filha de Alex e também
atriz) subiu ao palco para receber o Kikito das mãos de Lilian.
Mas a gaúcha não estava em férias. Para ir ao festival, pediu licença à Record,
onde atuava em Quero Viver. No ar desde novembro, a novela de Amaral
Gurgel tinha no elenco Nathália Timberg e Lolita Rodrigues, companheiras
da atriz na antecessora O Tempo Não Apaga. A história atual girava em torno de
Julia (Nathália), uma mulher cheia de complexos e de comportamento estranho.
Mesmo se sentindo atraída pelos homens, não só se distancia deles como
os encaminha para sua irmã mais nova, Helena (Lilian, pela segunda vez
vivendo uma personagem com o nome que marcaria sua carreira na década
seguinte). Moradoras da pensão Paraíso, elas têm suas vidas transformadas
com a chegada de Alfredo (Rolando Boldrin). A novela, lançada em 13 de
novembro do ano anterior, seguiu até 10 de março.
Férias, finalmente? Nada disso. Dois dias depois, em 12 de março, lá estava
Lilian nos créditos da nova atração da Record: Vendaval, de Ody Fraga,
adaptada do famoso romance O Morro dos Ventos Uivantes, de Emily Bronte.
Esta não era a primeira vez que a clássica história de amor entre irmãos de
criação ganhava uma versão na televisão. Antes, em 1967, ela já havia sido
mostrada, com o mesmo título do romance, na Excelsior. A Record, porém,
modernizava o drama.
Protagonizada por Hélio Souto e Joana Fomm, a novela contava ainda com
Jonas Mello, Rodolfo Mayer e Lia de Aguiar, entre outros. Eis a trama: após cinco
anos longe, Alfredo (Helio) é encontrado vagando pela rua e volta à fazenda
Vendaval, onde foi criado ao lado de Catarina (Joana), sua grande paixão, e de
Rodolfo (Jonas). A partir daí, ele passa a recordar tudo o que lhe aconteceu
desde que, ainda criança, chegou pela primeira vez à propriedade. Lilian aparecia
em cena com os cabelos num corte chanel. A novela ficou no ar
até 28 de julho.
E não era só na TV que ela emendava um trabalho no outro.
No cinema acontecia a mesma coisa. Gerente de produção de
Cordélia, Cordélia e assistente de direção de As Deusas, Heron
D’Ávila (ou Heron Rhodes-Grives) fez questão da presença da
atriz – estrela dos dois filmes – em sua estreia na direção:
Um Intruso no Paraíso, de 1973. No elenco, também estavam
Altair Lima, Ângela Valério, Cinira Camargo, Shaulin, Janda
Okin e Helena Ignez.
A resenha publicada nos jornais da época dizia: Betty, mulher de
34 anos, dona de próspero estúdio fotográfico, sempre carregou
consigo um grande trauma, por conta de um desengano amoroso
aos 16 anos. Consegue sobreviver e vencer na vida graças ao
esforço próprio e à colaboração de suas companheiras e amigas,
Solange e Lays, com as quais sempre partilhou, por gratidão, o conforto da
vida que agora leva. Mônica, filha de Betty, fruto daquele romance frustrado
do passado, é alvo do mesmo carinho e da proteção dispensados às outras
modelos do ateliê, para que não lhe aconteça o mesmo que sucedeu
com a mãe.
Entre 1973 e 1974, foi a vez de Alfredo Sternheim (ele mesmo, o crítico e
ex-assistente de Walter Hugo Khouri) dirigir a atriz no episódio Reencontro,

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do filme Aquelas Mulheres. Sua personagem traía o marido, vivido por Sérgio
Hingst, com um ex-amor, papel de Roberto Bolant. Em debate, a insatisfação
amorosa e a luta para mudar esse quadro. Formado por três histórias, o longa
não chegou a ser concluído, pois o dinheiro acabou em plena filmagem.
Apesar da frustração, Alfredo adorou trabalhar com Lilian. Ela estava maravi-
lhosa, como sempre. Era uma mulher metódica e bem-humorada. Já o famoso
apetite da atriz o deixava espantado. Era fora do comum. O mais incrível é
que, mesmo assim, não engordava nada. Conseguia manter a boa silhueta,
recorda ele, que a conhecia desde 1963.
Se na TV e no cinema os trabalhos se multiplicavam, no teatro a situação era
outra. Já havia mais de dois anos desde que Lilian Lemmertz e Luís Gustavo
abortaram a temporada da peça É Hoje!..., um dos grandes fracassos na
carreira de ambos. Mas o longo intervalo longe da cena não aconteceu por
vontade própria. Mesmo gostando de alternar os três veículos, estava sentindo
falta dos palcos.
– Não badalo. Não vou ao Piolin (restaurante frequentado pela classe artística).
Ficam pensando que não quero fazer teatro. Simplesmente não convidam.
Estou sempre disposta a aceitar um bom papel. Só quero um bom papel
num bom texto.
E eles, papel e texto, vieram quando o ano de 1974 já estava pela metade.
Com a assinatura do filósofo francês Jean-Paul Sartre, Huis Clos ou Entre
Quatro Paredes foi encenado no Auditório Augusta, em São Paulo. A direção
era de Luís Sergio Person, publicitário que também fez história no cinema,
com os filmes São Paulo S.A. e Cassy Jones, o Magnífico Sedutor, e que
morreu pouco depois, em janeiro de 1976, num acidente de carro. No elenco,
Luiz Linhares e, mais uma vez, Nathália Timberg.
O público acompanhava a história de três personagens trancados para sempre
numa sala que representa o inferno. Lilian interpretava Estelle, a mulher que
matou o próprio filho; Nathália era Inês, a lésbica sádica e suicida; e Luiz vivia
Garcin, um jornalista covarde, que fugia à causa política na qual acreditava.
Traumatizados pela constatação de que estão mortos, eles já não são mais
capazes de atos, só de palavras inúteis. Para tranquilizar suas consciências,
eles falam, gritam, discutem, agridem-se mutuamente. Nessa estranha prisão,
onde o calor é terrível, os três descobrem a verdadeira natureza de um inferno:
a presença do outro. A expressão o inferno são os outros, inclusive, é uma
fala da peça.
Escrito em 1944, Entre Quatro Paredes é o segundo texto de Sartre para o
teatro (o primeiro havia sido As Moscas). Nesse período, ele se sentia pessi-
mista e queria usar o palco para tentar popularizar suas ideias. A estreia do
espetáculo causou impacto em Paris, mas ao longo dos anos houve poucas
montagens ao redor do mundo. No Brasil, a primeira foi em 1950, pelo Teatro
Brasileiro de Comédia (TBC), com Cacilda Becker, Sérgio Cardoso e Nydia Lícia.
A nova versão não passou em brancas nuvens. O crítico Ronaldo Brandão,
na revista Veja de 19 de junho, relatou: Luís Sérgio Person, o diretor, segue o
autor em seus menores detalhes. Afinal, em peças como Entre Quatro Paredes,
há sempre o perigo de que uma eventual encenação estridente disperse
seu exato sentido. Sóbrio, sem exageros e vivendo de poucos recursos,
o espetáculo se apoia sobretudo nas excelentes interpretações do elenco e
no cenário esplêndido (uma grande porta dominando o palco)
de Flávio Phebo.
Tantos nomes de prestígio envolvidos, como Sartre, Person e as duas atrizes,
arrastaram bom público para o teatro. A trupe venceu obstáculos como a

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Copa do Mundo, as férias e até o surto de meningite que houve no período,
sempre com boas casas. O texto chegava a despertar comentários em voz
alta da plateia. Na opinião da atriz gaúcha, o sucesso era resultado da saudade
que o público tinha de peças de qualidade. Ela própria revelou ao Jornal da
Tarde que também sentia essa falta:
– E não tem nada a ver com onda de nostalgia. Acredito que todos os atores,
embora nem sempre digam, sentem igual. Montar Entre Quatro Paredes nem
foi coragem. Foi lucidez. O público reage muito bem. Ri em sua compreensão
da má-fé. Ri da covardia do personagem Garcin porque é a melhor maneira de
encarar sua própria covardia. E fica satisfeito porque entende tudo e descobre
que Sartre não é, afinal, um bicho de sete cabeças.
Para dar vida a Estelle, no entanto, Lilian Lemmertz sofreu um bocado,
como contou à revista Desfile.
– Nesta peça, todo mundo queria fazer a lésbica, que é fútil e vaidosa. A lésbica
representando darlene Glória,
betina Viany recebe das mãos é geralmente considerada um papel forte que toda atriz quer interpretar.
de lilian lemmertz o Kikito Mas eu fazia a outra, e ela me deu um trabalho incrível. Durante o mês
de melhor atriz em que ensaiamos, eu não descobria meu personagem, não conseguia

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encontrá-lo. No final do ensaio, o diretor olhava
para mim e dizia: É, ainda não foi dessa vez.
Nathália segurava minha mão e dizia: Você vai
descobrir. Mas não descobria. Era um horror.
Dois dias antes da estreia, houve a apresentação
para a censura. E aconteceu aquela coisa que
acho maravilhosa quando o ator pega: ele chora
e, ao mesmo tempo, está consciente de que
faz aquilo. Esta simultaneidade é coisa que
raramente acontece. Eu via o olho da Nathália
arregaladíssimo para mim, em cena. Quando
terminou, foi uma gritaria: a gente não respeitou
nem o pessoal da censura. Todos diziam: Você
pariu, você pariu! Foi um trabalho lindo, sofrido
para burro. De repente, de uma hora para
outra, surgiu tudo: aquilo que me punham na
cabeça, o que eu dizia que queria fazer e não
conseguia, surgiu.
Lilian não seguia um método específico na
hora de criar. Chegou a experimentar o teatro
de laboratório, tão comum naqueles anos.
Depois de passar dois dias subindo e descendo
uma escada, dizendo apenas bom dia, papai,
desistiu. Preferia os caminhos já conhecidos,
ainda que, na maioria das vezes, o trabalho
fosse demorado. Em algumas situações, estreava
ainda insatisfeita com o resultado, esperando
que as reações da plateia a ajudassem. Às vezes,
sentia que não descobria nunca, fazia para
constar. A crítica, entretanto, não parecia notar.
O cuidado de suas composições era sempre exaltado, mesmo em montagens
menos inspiradas.
– Sou atriz mais instintiva do que qualquer outra coisa. Sou mais emocional.
É fechar os olhos e ir em frente, ou seja, dedicar-se integralmente ao que
você está fazendo e tentar não ter policiamento nenhum e se entregar de
uma maneira total. Você tem que esquecer a técnica, esse é que é o negócio.
Pode usar a técnica num dia em que esteja muito resfriada, para falar, mas você
tem que pôr sua sensibilidade a serviço do seu trabalho o tempo inteiro. Isto é
o mais importante. É o mais desgastante, mas o que mais te gratifica e que
mais resulta para o seu trabalho.
E tudo ia bem na temporada de Entre Quatro Paredes até que Luiz Linhares
resolveu deixar o espetáculo. Não dava tempo de conseguir um substituto.
Com apenas três meses em cartaz, a peça de Sartre saiu de cena.
– Isso não é comum em teatro. Nós temos bons profissionais. Vez ou outra,
um resolve abandonar uma temporada de sucesso. Mas é difícil. Nossa
profissão nem é profissão. O ator no Brasil é autodidata. Se uma pessoa
resolve ser ator, tem de levar a sério sua opção.

nathália linhares, luiz linhares, lilian e


Antonio maschio no cenário de
entre QuatrO paredes
lilian viveu estelle na peça de sartre

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De que romance antigo me roubaste?

Embora seu trabalho no cinema esteja sempre ligado à assinatura de


Walter Hugo Khouri, Lilian Lemmertz teve em Lição de Amor um dos
grandes momentos de sua carreira. O convite aconteceu ainda em 1974.
Importante montador de clássicos do cinema novo, como Terra em Transe,
Eduardo Escorel tomou como base o romance Amar, Verbo Intransitivo,
escrito por Mário de Andrade em 1923 e lançado quatro anos depois, para
realizar seu primeiro longa-metragem, cujo roteiro assinou em parceria
com Eduardo Coutinho.
Lilian já era, no início da década de 1970, uma atriz consagrada. Além disso,
descendia de alemães e até falava um pouco da língua. Tinha, portanto,
alguns requisitos favoráveis para fazer a personagem Elza, a Fraulein. Ainda
durante a adaptação, ela foi se firmando como a opção natural para o papel
e, aos poucos, como a única intérprete possível. Felizmente, aceitou de
imediato. O romance já havia estado nos planos do diretor Trigueirinho Neto,
que queria a atriz Lola Brah no papel. Odete Lara também pensou em
adaptá-lo para o cinema.
Lilian contou à revista Desfile como reagiu ao convite de Escorel:
– Nunca fui do tipo de sonhar com determinado papel. Mas, quando o
produtor Luiz Carlos Barreto me ligou perguntando se eu queria fazer Lição
de Amor, endoidei. Era um grande papel. Conhecia o romance, mas nunca
tinha pensado nele em termos de cinema.
O filme se passa na São Paulo dos anos 20 do século passado. Enquanto o
livro do mesmo autor de Macunaíma apresenta uma estrutura fragmentada
– é extremamente complexo, confuso, desordenado, todo instinto e todo
razão, a um só tempo, disse o crítico Tristão de Ataíde em 1927 –, o filme
opta por uma narrativa mais linear. Concentrei-me na evolução das relações
entre os personagens, observa Escorel.
No lugar da floresta em que vivia o herói sem caráter da obra mais conhe-
cida de Mário de Andrade, o ambiente agora era o da alta burguesia paulistana.
É num belo palacete, cercado por um enorme e bem cuidado jardim, que o
criador de gado e pequeno industrial Felisberto Souza Costa (interpretado por
Rogério Fróes) mora com a mulher e seus filhos.

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na escadaria da casa que serviu
de cenário para o filme liçãO de aMOr

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Encontrar uma casa isolada no meio de um grande jardim sem elementos
modernos à vista foi um grande desafio para a equipe. Teria que ser bem
conservada por dentro e por fora, atendendo às exigências do romance.
Um lugar onde aquela família burguesa pudesse realmente ter vivido.
A casa perfeita só apareceu após dois meses de procura: uma vila italiana de
três andares que ficava em... Petrópolis, região serrana do estado do Rio.
Um tanto longe da Higienópolis original, é verdade, mas que podia perfeita-
mente estar naquela avenida, nos anos 1920. Tinha escritório com enormes
estantes envidraçadas, papel de parede art nouveau, sala de jantar com
lambris e mesa para 12 pessoas e seis quartos com cores e papéis de
parede diferentes.
Na tela, a propriedade representou muito bem a atmosfera do nobre bairro.
Anísio Medeiros, de filmes como o próprio Macunaíma e A Estrela Sobe,
foi o responsável pela cenografia e o figurino. Durante 40 dias, ele comandou a
gigantesca empreitada de vestir cada ambiente, colorir cada detalhe, dar vida
enfim. Totalmente pintada por dentro e por fora, com vidros trocados e móveis
lustrados, a casa estava pronta para receber os personagens de Mário de
Andrade. O trabalho de Anísio foi magnífico, especialmente na parte de
pesquisa, pois reuniu objetos e móveis recorrendo a antiquários e casas particu-
lares, formando um ambiente que condiz com os hábitos da sociedade que o
livro retrata, elogia o cineasta, que colocava todo mundo para trabalhar a partir
das 6 da manhã, no intuito de aproveitar melhor a luz natural.
Com exceção de Escorel e de Murilo Salles, que assinou a fotografia, a equipe
se hospedou na própria locação do filme. De férias, Julia Lemmertz também
acompanhou o retiro. Lá, dividiu o quarto com o maquiador Jacques Monteiro,
com quem aprendeu vários truques, usados por ela até hoje. Lilian gostou da
ideia de ficar isolada do resto do mundo no próprio set:
– Passei dois meses naquele ambiente. Já tinha vivência com os móveis,
com as paredes. O que é bem diferente de trabalhar em estúdio ou fazer
televisão, onde tudo é muito impessoal.
Para Irene Ravache, ainda com pouca experiência em cinema, a chance de estar
próxima de uma atriz tão ligada ao veículo foi especial. Eu ficava colada nela.
O cinema era sua casa. Ela ficava à vontade e feliz, tirava tudo de letra.
O fato de termos morado num mesmo local durante o período nos aproximou
muito e me deixou mais segura, conta Irene, que logo depois reencontraria
Lilian no teatro.
Na história adaptada do romance de Mário de Andrade, o medo das experiên-
cias que Carlos, o primogênito já adolescente, pudesse ter com aventureiras,
exploradoras e viciadas, em época de sífilis e morfina, faz com que Souza
Costa contrate por 8 contos mensais os serviços de Fraulein. Com ela,
o menino poderá aprender a ser um homem, digno do nome e do prestígio
social da família. É na companhia da governanta que somos conduzidos ao
interior da mansão, a partir do momento em que o porteiro japonês Tanaka
(William Wu) abre as grades de ferro. Entre uma aula de piano aqui e outra
de alemão acolá, Carlos recebe dela a lição de amor.

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Na visão do fazendeiro, ele deu ao filho
uma prostituta de luxo. Mas não é dessa
forma que Fraulein se vê. Eu vim ensinar
o amor como deve ser. Amor sincero,
elevado, diz a personagem a certa altura
do filme. Hoje isto está-se tornando uma
necessidade, desde que a filosofia invadiu
o terreno do amor. É isso o que eu vim
ensinar ao seu filho. Dona Laura, a mãe do
menino vivida por Irene Ravache, mantém-se
praticamente omissa em relação aos aconte-
cimentos dentro de casa.
Mas Fraulein ensina a Carlos as regras de
um jogo que é extremamente desfavorável a
ela mesma. Pois no preço pago à lição está
incluído o aprendizado da hipocrisia. É um
jogo com cartas marcadas, pois Carlos deve
ser surpreendido em flagrante delito pelo
pai e Fraulein, a pecadora de encomenda,
expulsa da casa. Cumprida a missão,
a governanta parte em busca de outro
trabalho, sempre sonhando em juntar
dinheiro para poder um dia voltar para a
sua Alemanha natal, então em crise absoluta.
É nos limites da mansão paulistana que o
filme transcorre. Sala de jantar, corredores,
quartos, jardins, e só. As mesmas situações
se repetem várias vezes: as refeições à grande mesa, os passeios na área
externa, a chegada do pai em casa e seus gestos vaidosos diante do espelho,
os exercícios de piano da filha mais velha, tentando aprender a Marcha Turca
(Lilian teve aulas durante a preparação). Tudo isso contribui para que o espec-
tador se concentre apenas nos tipos e no retrato crítico que é traçado da
alta burguesia daquele período. Como disse o Jornal da Semana, a ação
que morde a própria cauda sugere à perfeição a modorra estúpida de uma
vida que não se questiona.
O mundo de fora aparece apenas em dois momentos: na chegada e na partida
da alemã. Esse último trecho foi motivo de reflexão para o jornalista Tom
Figueiredo em O Estado de S. Paulo: O investimento afetivo de Fraulein em
todos os rapazes que deve iniciar é verdadeiro. Vemos isso no melancólico
final, na face magnífica de Lilian Lemmertz. Mas ela não pode salvar-se
junto a pessoas que não lhe pertencem.
Em resposta aos críticos que não entenderam o romance, Mário de Andrade
– falecido em 1945 – escreveu: (...) E dando como protótipo de beleza humana
o meu inventado Carlos, indivíduo normal, indivíduo puro, indivíduo que
se sujeita às grandes normas, eu creio que pude coroar a sátira com uma
evocação que vai além dos simples valores hedonísticos. Carlos não passa
de um burguês chatíssimo. Ele é tradicional dentro da única coisa a que se
resume até agora a cultura brasileira: educação e modos. Em parte enorme:
má educação e maus modos...
Um dos grandes desafios de Lição de Amor foi tornar a relação entre as
personagens de Lilian e do estreante Marcos Taquechel, então com 15 anos,
a mais verdadeira possível. Lilian tinha muita paciência comigo, sempre me
ajudava dando dicas de como fazer melhor as cenas e isso me deixava tranquilo,
conta Taquechel, que não seguiu carreira de ator e hoje vive na Califórnia (EUA),
onde trabalha com comunicação e radiodifusão.

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Ele soube que uma equipe andava à procura de garotos de sua idade para
testes através de uma prima chamada Cláudia, que trabalhava com cinema.
A inexistência de atores profissionais na faixa necessária dificultara o processo.
Mais de 50 já tinham passado pela seleção. Eu tinha acabado de fazer um
curso de teatro no Tablado, com Maria Clara Machado, e isso foi fundamental
para ganhar o papel. Apesar disso, eu queria muito, mas muito mesmo,
participar desse filme. Lembro do Eduardo Escorel dizendo que eu nem era
o mais bonitinho, mas estava tão interessado que ele me escolheu.
Ao saber que rodaria cenas mais íntimas com a atriz, a insegurança foi
inevitável. Acho que qualquer um, nessa idade, que dissesse que não se
lilian e marcos taquechel, importaria, estaria mentindo. Isso me deixou muito preocupado a princípio,
protagonistas de liçãO de aMOr mas logo vi que não era nada demais. O cinema é uma fábrica de ilusões
páginas seguintes – A atriz com e fantasias. O que parece ser uma coisa para quem vê, na verdade é outra
Irene ravache e sob o olhar para quem está no set, argumenta o carioca, que não conhecia o trabalho
atento do diretor eduardo escorel de Lilian até então. Na época, ela era mais atuante em São Paulo. Antes das

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filmagens das sequências de sexo, o diretor sempre se reunia com Lilian
e Taquechel para deixá-los mais tranquilos. Ela era uma muito profissional
e isso me proporcionava firmeza e segurança, diz o intérprete de Carlos.
Nossa parceria era legal, mas limitada, claro, por conta da diferença de idade.
Escorel fala um pouco da convivência dos dois protagonistas: Ele era um
adolescente sem experiência anterior como ator e teve as dificuldades naturais
de um iniciante. Ela, uma grande atriz. Daí, muitas vezes, principalmente
nas últimas semanas de filmagem, ter havido certa tensão entre ambos.
Era preciso calma para não permitir que isso fosse percebido na tela, recorda.
Dirigir Lilian era muito simples, dada a experiência dela, muito maior que a
minha. Marcos me exigia mais como diretor. Mas o resultado foi satisfatório.
Acho que ele fez muito bem o trabalho.
Editado por Gilberto Santeiro, o longa ficou pronto no final de 1975. Logo no
início do ano seguinte, foi escolhido para abrir a mostra competitiva do Festival
de Gramado, na Serra Gaúcha, já uma referência em sua quarta edição.
Pola Vartuck, do Aqui São Paulo, situava: Uma realização que tem sido apontada
como modelo – até agora inigualada – para todos os festivais do País, não só
pela simpatia e hospitalidade de seus organizadores, mas também pela serie-
dade e pelo nível cultural do empreendimento.
A própria Lilian, que havia sido jurada na primeira edição, afirmava:
– Gramado é o melhor festival do Brasil, o mais sério. Não por eu ser gaúcha.
Mas a badalação que existe em outros festivais, nele fica em segundo plano.
Ter o filme incluído na programação de Gramado significava, além de uma
honra, a possibilidade de um estreante como Escorel entrar com maior força
no mercado de cinema. Para o diretor, as expectativas de sucesso comercial
eram grandes. Creio que o filme tem possibilidades junto ao público. Nossa
ideia era construir uma narrativa em torno do erotismo que nunca se realiza
e jogar com tudo isso em volta dos espectadores, disse, na época.
E lá seguiram Lilian e Escorel para a esperada noite de abertura. Mesmo em
cartaz nos palcos paulistanos com a peça Roda Cor de Roda, a boa filha, mais
uma vez, à casa tornava. E o Rio Grande do Sul, orgulhoso como ele só, recebia
sua famosa guria com todas as honras. Os jornais locais davam detalhes de
cada passo. O avião que a levou, por exemplo, pousou no Salgado Filho às
12h15 do dia 20 de janeiro de 1976, poucas horas antes da exibição do filme.
A atriz conversou com o Correio do Povo no próprio saguão do aeroporto:
– Ontem, quando meu marido colocou um desses discos regionalistas da
gravadora Marcus Pereira, com músicas do Rio Grande do Sul, fiquei enter-
necida. Hoje, quando vi Porto Alegre lá do alto, a mesma ternura por estes
pagos me voltou. Está na hora do estado fazer seus filmes, lembrar os ricos
temas da história de sua formação social e geográfica. Estou à espera de
um convite com tema gaúcho, feito aqui.
Mas o assunto principal naquele momento era mesmo Lição de Amor. E a atriz
não poupava elogios ao trabalho do diretor.
– Que segurança incrível a do Escorel. No primeiro dia de filmagem, eu senti
que o cara sabia o que estava fazendo. Dificilmente a gente trabalha com
diretores que não explodam num certo momento. Alguns têm mais explosões
e outros menos. Com ele, é a primeira vez que isso não acontece em absoluto.
Com sensibilidade e inteligência, Escorel levou o filme, que só tinha três atores
experientes – Fróes, Irene e eu –, arrancando da gente tudo o que quis.
O cinema brasileiro ganha um grande diretor. Depois que vi o resultado final,
me senti muito gratificada. Não sou muito de ver meus filmes, mas já o assisti
duas vezes e digo, sinceramente, que gostei muito do meu personagem.

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Participei de um filme maravi-
lhoso, de muita dignidade.
Lição de Amor é desses trabalhos
que gratificam a gente, que nos
dão orgulho.
No bate-papo, Lilian lembrava que
moças alemãs, como a Fraulein,
vieram aos bandos para o Brasil
nos anos de crise que se segui-
ram à derrota da Alemanha na
Primeira Guerra Mundial.

– Escorel e eu discutimos muito


sobre a maneira de viver minha personagem, se ela teria ou não acento
germânico, e acabamos decidindo que este acento poderia dar ao filme uma
conotação satírica que em absoluto ele queria. Então sacrificamos a veros-
similhança, mas tivemos um filme sério. Na criação de minha personagem,
busquei contato com algumas dessas preceptoras e muitas reconheceram
que iniciar os jovens herdeiros das ricas e aristocráticas famílias cafeeiras
na arte do amor fazia parte do contrato de trabalho. Essa é a história e a
intenção do filme. A análise e a implicação dos fatos pertencem aos críticos
e aos historiadores.
Para Lilian, a ida à terra natal foi mais que compensatória. No dia 21 de janeiro,
após a projeção do filme, a Folha da Tarde apostou na primeira página:
Gramado: Lilian Lemmertz pode ser a melhor atriz do festival. O título da
matéria não escondia o orgulho: Gaúcha Lilian Lemmertz já é forte candidata
ao prêmio de melhor atriz. Sobre o filme, dizia: Sensibilidade é a caracterís-
tica principal imprimida por Eduardo Escorel em estreia em longa. (...) Suas
chances de premiação residem no excepcional desempenho de Lilian
Lemmertz, um dos melhores da carreira da gaúcha, e a trilha sonora composta
por Francis Hime.
Na mesma edição, a jornalista Ivete Brandalise – companheira dos tempos
de teatro amador – lamentava em sua coluna o fato de não poder compa-
recer ao festival. Era a oportunidade de reencontrar Lilian Lemmertz, com quem
conversei pela última vez quando o Teatro de Equipe ainda existia e ela era
Virgem Maria em cena, erguida num pedestal, banhada pela luz azul de um
refletor, impregnada de toda a santidade. Lilian saiu do palco do Teatro de
Equipe para o sucesso e o nosso contato ficou limitado ao meu aplauso.
Lilian fica me devendo um encontro e uma bênção, como aquela que deu ao
(Paulo Cesar) Peréio, quando ele partiu para o mundo na conquista da vida.
O encontro não aconteceu, mas a Folha da Tarde estava certa quanto às
previsões. Lição de Amor rendeu a Lilian, por unanimidade, o Kikito de melhor
atriz do festival naquele ano de 1976. No júri, estavam o crítico Miguel Pereira
(de O Globo) e o cineasta Alberto Cavalcanti, um dos mestres do nosso
cinema, que não se furtou a declarar: Lição de Amor é muito bom, com uma
atriz fabulosa, a Lilian. Trata-se de um filme de abertura para o cinema nacional.
Na categoria, concorriam Sônia Braga (O Casal), Maria do Rosário (As Aventuras
Amorosas de um Padeiro), Ana Maria Miranda (Padre Cícero), Susana Gonçalves
(O Predileto) e Adriana Pietro (indicação póstuma, por O Casamento).
O filme levou ainda os troféus de direção e, como o jornal havia apostado,
trilha sonora. E perdeu por apenas dois votos o de melhor longa, concedido a
O Predileto, de Roberto Palmari, também ganhador nas categorias ator (Jofre
Soares), roteiro e fotografia. O Kikito veio se juntar a outros importantes prêmios
que já enfeitavam as estantes da casa de Lilian, como o Saci e o Molière.

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A respeito dela, a revista Desfile observou: Das novas atrizes do cinema
brasileiro, possivelmente apenas Isabel Ribeiro, de São Bernardo, se lhe
compare em sensibilidade e economia de gestos, atributos cada vez mais
escassos entre as estrelas nacionais. Os críticos notaram esses atributos há
algum tempo e por isso a carreira de Lilian tem sido com justiça interrompida
por cerimônias de entrega de prêmios.
Em entrevistas concedidas após a premiação, ela garantia:
– Eu não esperava ganhar em Gramado. Claro que sabia que era uma forte
candidata, principalmente porque estava presente ao festival e senti de perto
a reação do público e dos jornalistas, que foi muito boa. Mas como sou gaúcha,
aquilo tudo poderia ser apenas uma espécie de torcida.
Parceira na tela e no palco, Irene Ravache não pôde acompanhar a exibição de
Lição de Amor no festival. Mas fez questão de enviar uma carta. Fiquei muito
feliz ao receber o convite para participar. Infelizmente, não será possível
comparecer devido aos meus compromissos em São Paulo, atualmente. (...)
Minha participação no filme Lição de Amor trouxe-me muita alegria ao ser
dirigida por Eduardo Escorel, um rapaz muito sensível e inteligente. Por outro
lado, foi ótimo contracenar com Lilian Lemmertz, uma atriz excepcional e
também minha companheira de cena em Roda Cor de Roda.
Pouco antes de Gramado, Lição e também O Desejo, de Walter Hugo Khouri,
haviam sido selecionados para um festival em Teerã. Era fato raro a comissão
organizadora aceitar dois filmes de um mesmo país. Naquela época, o festival
se esforçava para superar o de Cannes, que na opinião de Lilian já deu tudo
o que tinha de dar. Mesmo tentada, a atriz não achava justo abandonar seus
companheiros de equipe no apogeu de um espetáculo.
Também por conta de Roda Cor de Roda, Lilian voltou para São Paulo logo
no dia seguinte à exibição do filme em Gramado. Na noite da premiação na
Serra Gaúcha, realizada no sábado, ela estava no palco encenando a peça.
No domingo, Irene combinou com Eduardo Escorel que ele fosse ao teatro
e entregasse o Kikito a Lilian.
– Imaginei que, após o espetáculo, iríamos sair para jantar, quando então ele
me daria. Mas aconteceu uma surpresa. Na peça, tenho uma entrada em
que venho girando desde os bastidores, aí dou de cara com Irene e pergunto:
Você é Amélia? A resposta dela me deixou surpresa. Disse não ao invés do
sim que estava no texto. Fiquei desconcertada durante alguns segundos.
Ela então virou-se para o público e disse: Agora eu deixo de ser Amélia por
alguns instantes e volto a ser a atriz Irene Ravache, que deseja cumprimentar
a atriz Lilian Lemmertz por sua premiação ontem, no Festival de Gramado.
O teatro, claro, veio abaixo. E graças à premiação, o assédio da imprensa
voltou a ser intenso. Ganhar o Kikito naquela época era sinônimo de consa-
gração absoluta, algo como chegar ao ápice da carreira. Tanto que a edição
de 9 de fevereiro da revista Fatos e Fotos Gente decretou: Lilian Lemmertz,
premiada em Gramado como a melhor atriz do cinema nacional, está com a
vida que pediu a Deus. Só lhe falta o Oscar.
No mesmo dia, a primeira página do Diário da Noite trazia uma foto de Lilian
bem no alto, com a legenda: Considerada a nossa Glenda Jackson, só que
mais bela, Lilian Lemmertz, desde que chegou a São Paulo, tem confirmado
seu talento e versatilidade. E O Diário de S. Paulo – na edição de 15 de
fevereiro – também festejou seu êxito, publicando um artigo de Hilton Viana
com o título: Os 13 anos de carreira de Lilian Lemmertz. Na verdade, àquela

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altura já eram 20, somado o tempo de teatro amador em Porto Alegre. É uma
das nossas mais disputadas atrizes e aquela que atua simultaneamente em
vários setores com o mesmo sucesso, dizia o texto.
Já no final de março, uma matéria de Regina Echeverria no Jornal da Tarde,
de São Paulo, festejava a boa safra do cinema made in Brasil que estava para
tomar conta das telas. Uma superprodução com mais de 60 horas, quase
sempre em cores. No roteiro, nomes como os de Machado de Assis,
Mário de Andrade, Adonias Filho. Na direção, Walter Hugo Khouri, Paulo Thiago,
Gustavo Dahl, Eduardo Escorel. No elenco, Hugo Carvana, Lilian Lemmertz,
Walmor Chagas, Darlene Glória. Na verdade, mais de 40 filmes nacionais
prontos, quase ou em filmagem.
Nessa lista de mais de 40, o nome de Lilian aparecia em três produções:
Lição de Amor, já prestes a estrear em circuito comercial, O Desejo, de Khouri,
e Aleluia, Gretchen, de Sylvio Back, sobre o qual entraremos em detalhes
mais adiante. A safra 1976 era realmente poderosa. Foi o ano de lançamento
de Dona Flor e Seus Dois Maridos (até hoje recordista oficial de público do
cinema brasileiro), Xica da Silva, O Rei da Noite e A Noiva da Cidade, entre
muitos outros.
Na coluna Artes e Espetáculos, do Jornal da Tarde de 30 de abril, Telmo Martino
anunciava: As plateias que Lilian Lemmertz seduziu e depois abandonou
vão consegui-la de volta. Já na semana que vem, São Paulo verá o filme
Lição de Amor, onde tudo é outra vez propício para o talento e a beleza que
ela tem. Lilian é uma raridade mesmo em termos internacionais. É uma
das poucas atrizes que sabem fazer de sua beleza uma parte integrante

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de seu talento. Nela, quase só nela, pode haver a coincidência da atriz e
da estrela. Qualquer close, até mesmo em filme de Walter Hugo Khouri,
prova que ela, não importa o diretor, é o seu próprio Mamoulian ou Sternberg.
Com tanta expectativa e prêmios na bagagem, Lição de Amor foi escolhido
para inaugurar o Club Du Cinema Meridien, no Rio de Janeiro. Com cem
lugares disponíveis, a nova sala prometia uma programação com o melhor
dos cinemas brasileiro e francês. O intercâmbio já se notava na lista de
convidados importados para a inauguração: do ministro da Cultura da França,
Michel Guy, aos atores Marlène Jobert, Isabelle Huppert, Brigitte Fossey,
Jean Yanne e Philipe Noiret. Se aceitaram, isso é outra história.
Quando Lição de Amor foi lançado comercialmente, em 7 de maio de 1976,
sua campanha publicitária trazia a foto do beijo de Lilian no jovem Taquechel
acompanhada da seguinte frase: Será possível ensinar os segredos do amor?.
A censura havia liberado o filme para maiores de 16 anos. Além dos três
Kikitos em Gramado, o longa também conquistaria um prêmio abençoado:
o Margarida de Prata, da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, criado
para distinguir as produções do cinema nacional que melhor desenvolvessem
temas contidos em suas pastorais. Segundo o júri, formado por críticos e
presidido pelo arcebispo de Natal (RN), Dom Nivaldo Monte, Lição dava um
tratamento profundo e reflexivo a uma proposta na qual a instituição da família
– uma das quatro prioridades dos planos da CNBB – era apreciada de forma
bastante eloquente.
O jovem Marcos Taquechel não pôde acompanhar as badalações comuns
em época de estreia, ainda mais sendo a de um filme já tão falado. Como tinha
família nos Estados Unidos, havia surgido um convite para estudar numa
escola americana. Perdi as estreias, os festivais. Quando voltei, um ano
depois, todo o clima já tinha passado, lamenta. Mas ele garante que não ficou
nervoso quando se viu na tela grande. Achei superinteressante, diz. O filme
me trouxe algum reconhecimento, mas por conta da mudança de país a
minha vida se transformou completamente. Acho que isso é muito comum
quando se tem 16 anos. Não me envolvi com cinema ou teatro por um longo
período. Só mais tarde, quando entrei para a faculdade de comunicação e
radiodifusão, voltei a mexer com trabalhos visuais e mídia, mas não mais
como ator. Também nunca reencontrou Lilian.
Os críticos, em sua grande maioria, receberam muito bem o trabalho da atriz
em Lição de Amor. Existe no momento melhor atriz nas telas brasileiras?
De minha parte, a resposta é não, decretou Sérgio Augusto, na revista Homem.
Em O Estado de S. Paulo, Luciano Ramos sentenciou: Não há como descrever
o trabalho de Lilian Lemmertz – exato, belíssimo – feito de gestos sutis,
cheios de misteriosa significação. Fraulein é, na verdade, o único grande
papel do filme. Mesmo assim, salienta-se a dignidade de Rogério Fróes e o
inevitável brilho de Irene Ravache. Vivendo uma mulher reprimida, que só
não fala porque não tem licença para tanto, ela mostra uma interpretação
violentamente contida.
Para que Lição de Amor atinja seu alto nível, muito se deve ao trabalho de
Lilian, avaliou na época Wilson Cunha. Já a crítica do Jornal do Brasil deu

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quatro estrelas (correspondente a muito bom) ao filme. A direção, equilibrada e
sensível, tem seu módulo mais evidente na interpretação de Lilian Lemmertz,
ao mesmo tempo realista, vigorosa em sua vida interior e extremamente
delicada na exteriorização dos problemas de Fraulein. Uma aula de amor
com etiqueta e talento, avaliava.
No mesmo JB, a chamada de capa do caderno Serviço, que trazia as opções
culturais da semana, dizia: Mario de Andrade, Eduardo Escorel e Lilian
Lemmertz reúnem-se para dar uma Lição de Amor a um adolescente.
Nas palavras do crítico Ely Azeredo, o cinema brasileiro visita o polo oposto
das pornochanchadas. (...) Escorel revela equilíbrio e falta de preconceitos
estéticos, virtudes raras nos jovens que se lançam a empreendimentos de
ambição cultural. De bela e serena dramaticidade, tem seu módulo na criação
de Lilian Lemmertz, ao mesmo tempo realista, vigorosa em sua vida interior
e extremamente delicada na exteriorização (tranquila, perfeita) de seu dilema.

Três semanas após a estreia no Rio de Janeiro, o filme permanecia em cartaz


nos mesmos cinemas que o lançaram. Motivo de muita festa, já que o
cinema-catástrofe e as pornochanchadas dominavam a programação naquele
período. Na Bolsa de Cinema, pesquisa feita nas próprias salas, o filme chegou
à segunda posição, só perdendo para Simbad, o Marujo Trapalhão. Luiz Alípio
de Barros, na revista do jornal Última Hora, festejou o êxito e ainda saldou a
atuação de Lilian como uma interpretação de categoria internacional. Segundo
ele, a atriz faz uma Fraulein de extrema sensibilidade e de perfeita integração
no papel. Na foto que ilustrava a crítica, a legenda confirmava: Lilian Lemmertz,
uma senhora atriz.

Bem mais recentemente, no blog Estranho Encontro, a crítica Andrea Ormond


escreveu: Lilian Lemmertz entende de maneira tão rica a densidade do caráter
de Elza que o torna praticamente impossível de ser assumido por outra atriz.
Linda, seca, servil, intransigente, a personagem a fez ganhar o Kikito do
Festival de Gramado.

Mas o desempenho da atriz não foi uma completa unanimidade. Ainda na


época de seu lançamento, Alfredo Sternheim – na Folha da Tarde – frisou:
Lilian Lemmertz, em inúmeras ocasiões no palco e na tela, já foi responsável
por grandes momentos de interpretação no Brasil. E, na certa, devido a esse
passado, a direção parece que não exigiu muito de sua presença, confiando
apenas na sua impressionante força interior. Esta dá conta do recado, imprime
forte melancolia a inúmeros momentos. Entretanto, nada impede Lilian às
vezes de se deixar levar por um tom monocórdio.
Olney Krüse, por sua vez, comentou no Jornal do Arena (órgão de divulgação
da Sociedade Cultural Teatro de Arena de São Paulo): Sem passar por nenhuma
saudação mais humana, Lilian Lemmertz sai direto do automóvel para seu
quarto. Sem licor e sem cafezinho. Irene Ravache é dura demais, mecânica
demais, não brasileira demais para receber, naquela época, uma mulher que
também não é nada alemã. Conter a euforia de um novo elemento em casa
não é e nunca foi atitude sincera de brasileiro. Ainda mais naquela época.

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A maquiagem das mulheres parece desconhecer o famoso pó de arroz
Lady, o rouge, o sweet heart no meio dos lábios. Não são mulheres vivas,
são dois biscuits marcando encontro com Vincent Price numa casa sem vida.
Tem mais: Tudo no filme é apenas insinuado. Nada é concreto e definitivo,
além do porte esguio (mas duro demais e nem por isso alemão) de Lilian
Lemmertz. Falta ao filme, acredito, a atmosfera de Walter Hugo Khouri,
desejada, penso, pelo diretor. A excelente Lilian fica dura (não alemã) e não
flexiona o corpo na hora do êxtase sensual. Na hora da despedida formal,
o menino corre tanto e tão rápido em direção a Elza que nem teve tempo
de abrir o olho. Lição de Amor é digno, bonito, desigual. Seria perfeito se
tivesse sido obra única de Agnés Varda.
Mas que ninguém ousasse contrapor Escorel a Walter Hugo Khouri, como fez
uma revista de fofoca, atribuindo à atriz a seguinte frase: Finalmente fui
dirigida num filme. A bela virou fera:
– Eu, que já fiz seis filmes com o Khouri, dizer isso? Acho o filme do Escorel
muito bem-feito, perfeito mesmo. Mas eu nunca ia dizer uma coisa dessas.
Isso é muito chato. Tem muita gente que não gosta dele, sabe? Então, põe na
nossa boca o que teria vontade que disséssemos a respeito dele. Khouri sabe
disso. Estou louca da vida porque eu não disse isso e detesto que publiquem
coisas que eu não disse. Detesto!
Como já falamos anteriormente, pelos desempenhos em Lição de Amor e
O Desejo a gaúcha venceu, mais uma vez por unanimidade, a disputa da Coruja
de Ouro de melhor atriz, entregue pelo ator Milton Gonçalves. Pela primeira
vez, a Embrafilme realizava uma premiação após a extinção do Instituto Nacional
de Cinema, o INC. A solenidade aconteceu no Palácio da Cultura, no Rio de
Janeiro, em 12 de julho daquele intenso ano de 1976, quando Lição de Amor
comemorava sua décima semana de exibição.
Gostem ou não do filme, ele tem pelo menos um grande momento, daqueles
que não podem ficar de fora de qualquer antologia do cinema nacional.
É quando Fraulein, sentada em frente ao espelho, com os seios de fora,
em completo silêncio, examina as rugas no rosto e a flacidez da pele.
Lembro até hoje como fiquei impressionada com a facilidade com que ela
fez a cena. De como incorporou aquele momento com tranquilidade, diz Irene
Ravache. Como ilustrou o crítico Luciano Ramos, incapaz de não se envolver
com o paciente, a especialista acaba se dilacerando, ao invés de se resguardar
na comodidade de um relacionamento estritamente profissional. É Lilian
Lemmertz em momento sublime de sua arte.

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“premiada em gramado como a melhor atriz do cinema nacional,
está com a vida que pediu a deus. só lhe falta o Oscar”
Revista Fatos e Fotos Gente, 9 de fevereiro de 1976

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Ela pode rodopiar e mudar de figura

Desde a experiência um tanto frustrante com Entre Quatro Paredes –


que, prevista para fazer longa temporada, ficou apenas três meses em cartaz –,
Lilian Lemmertz andava sem planos para o teatro. Mas não deixava de conferir
o que estava rolando nos palcos de São Paulo.
– Raramente eu perco uma peça, dizia em entrevistas.
Vibrava, por exemplo, com o fato de Regina Duarte deixar o confortável posto
de Namoradinha do Brasil e voltar à cena, como uma prostituta, em Réveillon.
Já em entrevista ao suplemento Gente, do jornal Última Hora, Lilian contava
que tinha saído de casa numa quarta-feira para ver Equus, mas encontrara a
sessão lotada. Apesar do programa furado, festejava:
– Não conseguimos entrar, mas fiquei parada olhando o pessoal. É bom ver
os teatros lotados.
Mesmo separada, Lilian também acompanhava de perto a carreira de Linneu
Dias. Além de marcar presença na plateia, costumava guardar as críticas das
peças em que o ex-marido atuava e os contos que ele publicava em jornais.
Uma das montagens encenadas por Linneu, A Sétima Morada (Romance de
Tereza de Ávila), trazia outro nome familiar na ficha técnica: Jorge Caron,
o atual marido da atriz, assinava cenários e figurinos. A peça era produzida e
estrelada por Célia Helena.
Sobre o ofício que escolhera abraçar, costumava dizer:
– Em teatro, cada dia se faz uma descoberta. Nós pensamos antes de falar
alguma coisa. O público é diferente a cada espetáculo. A gente nunca para
de descobrir e de pensar.
E novas descobertas estavam por vir. A convite de Antônio Abujamra,
que a lançou como atriz 20 anos antes, Lilian entrou na (tão citada no
capítulo anterior) Roda Cor de Roda, de Leilah Assumpção, um dos maiores
sucessos de público de sua carreira.
– Fazia tempo que eu não trabalhava com Abujamra e ser dirigida por ele é
bom. Não adianta um bom texto sem direção. Ele tem um jeito especial para
orientar os atores, sabe lidar com a gente, afirmou, na época da estreia.
Se dependesse do diretor, o jejum teatral não teria sido tão longo. Em 1969,
Lilian foi convidada por ele para atuar em O Cerco de Numância, de Miguel
no camarim de rOda COr de rOda,
de Cervantes. Mas ela preferiu encarar Shakespeare. sucesso de público e crítica

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O texto de Leilah utilizava como tema principal um triângulo amoroso, mas
fugia a todas as formas convencionais a partir do momento em que seus
personagens começavam a girar como numa roda-gigante. As posições iam
se alternando entre a mulher, o marido e a outra, revirando de trás para frente
e da frente para trás. A resenha da coluna Divirta-se, do Jornal da Tarde,
resumia bem: Leilah Assumpção com um humor esfuziante parte do tema
mais gasto (o triângulo amoroso) e da forma mais leve de teatro (a comédia),
para mostrar pelo avesso todas as formas de relacionamento entre homem
e mulher. O tom de comédia, no entanto, era fortemente pintado de grotesco,
às vezes beirando o trágico.
Na primeira composição, marido e mulher, a peça mostrava um opressor e um
oprimido. Irene Ravache fazia o papel de Amélia, a mulher ideal voltada para as
coisas do lar. Não é à toa que a personagem tinha o mesmo nome daquela que
era mulher de verdade no samba de Mário Lago e Ataulfo Alves. Essa esposa
reprimida pelo marido, que tem uma amante, decide dar o grito de revolta e se
torna a Batalha de Waterloo, a anti-Amélia que faz da própria casa um prostíbulo.
Sua transformação, no decorrer da peça, provocava uma série de reformulações
na condição feminina. A partir daí, alguém sempre atuava como sujeito,
utilizando o outro como objeto de uso pessoal.
É a análise de um casamento visto como uma empresa, onde se faz a
colocação do marido como chefe e explorador, da esposa como explorada
e da amante como válvula de escape, explicava Leilah. Rolando Boldrin
(substituído depois por João José Pompeu) era Orlando, o único personagem
masculino. No papel de Marieta, a outra, estava Lilian. Apesar do argumento,
a peça não pretendia filiar-se ao movimento de libertação feminina. A própria
Lilian opinava:
– Feminista é a última coisa que me ocorre ao pensar na peça. Não é o que
vem ao caso.
A proposta ia além. Quando a roda começava a girar, cada personagem assumia
a liderança durante certo período. Primeiro, era o marido que se transformava
em objeto, colocando os chinelos nos pés de Batalha, como Amélia havia feito
antes com ele. Depois, as coordenadas se complicam porque a amante Marieta
se inflava também por Batalha. E assim a roda girava. Pelas contas de Lilian,
ela fazia oito variações da mesma personagem.
Em sua opinião, a importância maior do trabalho era o fato de ser uma peça
nacional. Desde Um Uísque para o Rei Saul, ela não encenava um texto de
autor brasileiro.
– Marieta, minha personagem, constitui-se na válvula de escape de Orlando.
É uma coitadinha. Não sabe o que quer e, quando faz a sua revolução, ela é
precária. Vive sentada num sofá, reclamando o carinho de quem possa dá-lo.
Embora muito divertida, é difícil interpretá-la, por causa da mudança de
posições. Ao mesmo tempo, Roda Cor de Roda é uma peça muito séria.
Capa do Gente – suplemento
especial da Última Hora,
Lilian dizia que não tinha muito o que fazer em cena, mas sem ela a peça
3 janeiro de 1976 não existiria, comenta Abujamra. O método de trabalho do diretor podia não

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lilian flagrada em casa
pelo jornal Última Hora
e em cena,
sempre com o mesmo sorriso

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ser novidade para a gaúcha. Mas para Irene Ravache... Eu não entendia muito
o Abujamra, por deficiência minha e dele. Dois dias antes da estreia, eu queria
sumir. Depois deu o estalo e tudo correu bem, recorda ela.
Como se sabe, as duas atrizes se conheceram no set de Lição de Amor.
Mas a convivência no teatro foi ainda mais intensa. Irene sempre achou Lilian
uma atriz diferente das outras. Seu silêncio e seu olhar indecifrável eram
características que me impressionavam, garante. Quando viraram amigas,
outro lado se mostrou mais evidente: o maternal. Lilian gostava de brincar
de dedo mindinho com o filho da parceira. Eu via aquela deusa na minha
casa, fazendo algo tão corriqueiro, e ficava encantada.
Ainda nos ensaios, ao tomar conhecimento de cenas como a do beijo entre
as duas personagens femininas ou aquela em que punha a mão no traseiro
de Lilian, Irene achou que ficaria inibida. Mas, como tudo era colocado com
humor, enfrentou bem as situações. Uma das coisas mais difíceis foi realmente
acertar a técnica para o beijo. Normalmente as atrizes se sujavam, afinal era
batom com batom. Às vezes, aconteciam coisas engraçadas. A pinta usada
por Irene ia parar no queixo ou no rosto de Lilian. Havia, portanto, a necessi-
dade de mirar bem a boca uma da outra.
A estreia de Roda Cor de Roda aconteceu em 13 de outubro de 1975, no Teatro
Itália, em São Paulo. As marcas repetidas e refeitas, o sublinhado dos gestos,
a caricatura das situações, características da encenação de Abujamra,
contribuíam para o incômodo que o texto pedia. Assim como o cenário de
José de Anchieta, que – para acentuar o sufoco – delimitou o espaço com
pilhas de gavetas, sobre as quais se amontoavam todos os símbolos da
decadência. Cada explosão que anunciava a troca de papel foi teatralizada
com uma carga exagerada de tensão. A direção teve o cuidado de endereçar
ao público as reflexões dos personagens. Em cada colocação, Abujamra
isolava o intérprete num feixe de luz, fazendo com que ele se dirigisse
diretamente à plateia.
Para o crítico Alberto Guzik, do jornal Última Hora, o espetáculo atingira com
louvor o objetivo de provocar: O texto de Leilah é altamente discutível. Não no
sentido em que o termo é empregado atualmente. No literal, no de ser
passível de discussão. Isso é bom. Os problemas dramatúrgicos são muitos,
mas a peça é forte e vigorosa. Na pasmacenta tarde de cidade do interior
que é atualmente a dramaturgia brasileira, lança uma cor de brilho vistoso.
Quanto ao trio de intérpretes, Guzik avaliava: Em cena, a irresistível grossura
de Irene Ravache e a perfeição milimétrica de Lilian Lemmertz levam a melhor
sobre a simples eficiência de Rolando Boldrin. E arrematava: É importante ver
a Roda, não gostar nada, achar razoável ou gostar muito. Mas não deixe de
ver. E pensar depois quanto tem de verdade e importância.
Em 17 de outubro, o Jornal da Tarde publicava a crítica do respeitado Sábato
Magaldi. Após elogiar a atuação de Irene, ele relatava: Lilian Lemmertz,
num papel mais comedido, não lhe fica atrás, pela segurança, pela malícia,
pela finura interpretativa. Rolando Boldrin, na personagem mais ingrata
(é sempre assim quando uma autora deseja pregar uma peça nos homens),
se sai muito bem, porque encarna a postura machista e não se perde quando
os valores se confundem. Um desempenho, no conjunto, equilibradíssimo,
que assegura o alto nível do espetáculo. Magaldi apostava: Pela acolhida
calorosa do público, a peça deve cumprir uma brilhante carreira.
No mesmo 17 de outubro, Jefferson Del Rios disse na Folha de S. Paulo
que Roda Cor de Roda é o retorno de um teatro que não cede a modismos.
Em O Estado de S. Paulo, dia 18, Mariângela A. de Lima comentou: Com muita
desenvoltura, o elenco maneja a passagem entre as situações encontrando
soluções diferentes para explorar as possibilidades de humor de cada cena.

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É perceptível no trabalho o compromisso dos atores da peça. Não estão
trabalhando apenas por dever de ofício. Nesse espetáculo, o teatro brasileiro
abandona temporariamente as angústias da classe média sufocada, o prato
principal dos últimos anos.
Critica de TV da Folha de S. Paulo, Helena Silveira descreveu na edição de
23 de outubro a surpresa de ver Irene Ravache, sem qualquer primadonismo
de estrela da Tupi, sair-se tão bem no palco, principalmente em comédia.
Não gosto de comparações, mas está pintando uma nova Dercy Gonçalves,
apostou. Enquanto ela dava seu show, Lilian Lemmertz e Rolando Boldrin
se torciam de rir, ao fundo. E mais: Dizem que o estouro Ravache fez,
nas primeiras apresentações, com que Lemmertz e Boldrin perdessem
um pouco o pé. Não estavam preparados para receber a furiosa torrente.
Depois, veio o equilíbrio.
A verdade é que o sucesso foi imediato e avassalador. A encenação provocava o
riso ininterrupto do público. No primeiro mês, nada menos que 30 mil pessoas
já haviam visto a peça. A bilheteria bombou. Em março do ano seguinte, a trupe
trocou de palco. Saiu do Teatro Itália, na Avenida São Luiz, e seguiu para o
Teatro Aliança Francesa, na Rua General Jardim. Eram nada menos que sete
sessões semanais: quartas, quintas e sextas, às 21h15, sábados às 20 e
22h30, domingos às 18 e 21h15.
– Com a Roda acontece o mesmo que nas outras peças que nosso teatro tem
mostrado: um bom texto, bom diretor, preocupação com as nossas coisas,
nossa realidade, e finalmente bons atores. O resultado de tudo isto é, inevita-
velmente, bons espetáculos. Dentro das nossas limitações, é claro. O nosso
teatro sempre seguiu uma linha: a do talento dos atores. Não importava se
a peça era estrangeira ou nacional. O ator sempre deu o que podia, ele é o
maior acrobata do mundo. Trabalhando com toda a garra habitual, o nosso
ator consegue transformar coisas e convencer o público. Por outro lado, o bom
nível das peças, o trabalho dos atores e dos diretores faz com que o público
goste e lote as casas. E que, depois de tantas peças estrangeiras, de tantos
desníveis, conseguimos um novo equilíbrio onde o teatro se apresenta da
forma que nós e o público queremos, avaliava a atriz.
A temporada de Roda Cor de Roda aconteceu num dos momentos mais
intensos da carreira de Lilian. Ela estava lançando os filmes Lição de Amor e
O Desejo, rodava Aleluia, Gretchen, fazia novela na Tupi e teleteatro na Cultura,
onde também apresentava uma revista eletrônica. Tudo ao mesmo tempo.
Nada mais natural que se sentisse cansada. Um aviso na porta de seu camarim
dava a pista: Não me incomodem até a hora do espetáculo. Preciso dormir
um pouco.
Quando a temporada já estava completando quase sete meses, a repórter
Regina Penteado, da Folha de S. Paulo, ficou encarregada de escrever um
perfil sobre Lilian. Houve um primeiro encontro, mas a conversa não foi
suficiente. Regina marcou, então, uma segunda entrevista. Local: o camarim
do Teatro Aliança Francesa. Por ter se atrasado 45 minutos da primeira vez,
ela resolveu compensar, chegando com dez minutos de antecedência.
Mas a reação de Lilian, que tirava a sua sagrada soneca de corujinha,
não foi das melhores.
O entrevero virou o foco da matéria, publicada na capa da Folha Ilustrada de
19 de maio de 1976. Para se ter uma ideia, o texto começava assim: O que é
que as atrizes têm a ver com os sonhos do público? Com as fantasias que
os espectadores tecem em torno de suas figuras? Nada, não é? Ainda bem.
Porque se tivessem eles, os telespectadores, ficariam furiosos, por exemplo,
com Lilian Lemmertz, nossa atriz bergmaniana, via Walter Hugo Khouri.
Porque, que ares gelados circundem a sua pessoa, os imaginosos já esperam.
Irene e lilian na cena do beijo

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Aliás, é isso mesmo que eles esperam – ligam com a atmosfera nórdica,
com a Suécia e desculpam: afinal, fantasias à parte, ela não descende mesmo
de uma família germânica radicada em Porto Alegre?.
Regina continuava: O que é de deixar a gente completamente desnorteada
não é isso, mas justamente o oposto. É chegar ao seu camarim dez minutos –
apenas dez minutinhos – adiantada e, depois de uma pequena espera, vê-la
abrir a porta com a cara totalmente desfigurada pelo sono, vestindo um
penhoarzinho caseiro de flanela azul-claro curto, justo e semiaberto, perguntar
com um bocejo que horas são?, olhar no relógio e depois dizer irritadíssima,
quase chorando, como uma criança que foi enganada: Puxa, mas você disse
que vinha às 8 horas!
A descrição do mal-estar ocupava mais alguns parágrafos. A repórter quis
argumentar que dez minutos não faziam tanta diferença assim. Lilian ficou
mais chateada, pois tinha acordado às 6 da manhã para gravar a novela Xeque-
Mate e ainda encararia uma peça longa pela frente. Regina continuava na
mesma tecla: Para ela, dez minutos de sono significavam muitíssimo. Já tinha
tudo bem planejadinho na sua cabeça desde que chegou da gravação, às 7 e
meia da noite. Eu como um sanduíche, escovo os dentes, durmo uns minutos
e às 8 horas acordo, me arrumo e fico pronta para receber aquela repórter.
Mas a repórter estragou tudo. E agora ela se estica no sofá, olhando para a
frente, com o maior mau humor do mundo, tentando se controlar.

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Até que Linneu Dias apareceu no camarim e tudo pareceu se acalmar.
O casamento não deu certo, mas eles continuam sendo bons amigos,
se querendo muito bem. Gente civilizada é mesmo outra coisa, observou
a jornalista, que não deixou de ouvir o ex-casal conversar sobre roupas
novas para a adolescente Julia.
Na longa matéria, estão registrados os grandes momentos da carreira da atriz,
como os encontros com Cacilda Becker e Walter Hugo Khouri, mas os tais
dez minutos... Aquele ar de heroína de Bergman às vezes se ameniza um
pouco, deixando ver a mulher cheia de humor que os colegas adoram.
Acha que se isso acontece é porque aprendeu a se divertir (ou saborear,
como ela prefere) com todos os papéis que lhe dão. Tenho vontade de dizer
a essa Lilian que perdeu a esportiva por causa de dez minutos que saboreie
esta também situação. Mas fico calada, com medo que me unhe com aquelas
garras compridas, pintadas num tom vermelho que detesta.
Mas o que importava é que a Roda continuava a girar, sempre com casa lotada.
Ao Diário de Garulhos, Lilian creditava o sucesso da peça ao texto, à direção,
à produção, aos personagens, aos colegas que se davam muito bem e ao bom
e merecido salário. Afinal, eram dois longos atos, que deixavam os intérpretes
exaustos, mas felizes. Entre o Teatro Itália e a Aliança Francesa, a temporada
de Roda Cor de Roda seguiu até 15 de agosto de 1976 – quase um ano em
cena, perto de 300 apresentações, sessões duplas aos sábados e domingos.
Sucesso incontestável.
Ao final da maratona, Irene Ravache e a autora Leilah Assumpção fizeram
um balanço do trabalho em entrevista à repórter Isabel Torres, no suplemento
Gente, do jornal Última Hora. Uma foto do tão comentado beijo na boca entre
as duas protagonistas ilustrava o texto. Eis a manchete: Vou sentir falta dos
beijos que dava na Lilian.
Em seu depoimento a Isabel, Irene dizia: Lilian Lemmertz e eu ficamos muito
emocionadas em participar deste trabalho, inclusive pelo fato de termos,
durante todos os dias, nos beijado na boca. Estávamos até formando duplinha!
Sabe como é: uma acabou sabendo e participando dos problemas da outra,
e ficamos amigas. A gente nunca é a mesma depois de outro dia, e muito
menos quando se faz um trabalho como o da Roda, que considerei uma
terapia todas as noites. Foi uma vomitada nossa e do público. Nós, atores,
sentíamos que, de repente, havia necessidade de explosão por parte dos
espectadores, principalmente das mulheres e pessoas mais sensíveis.
Acredito que muitas mulheres que viram nosso trabalho não são mais as
mesmas. Por esse trabalho, Irene ganhou os prêmios Molière e APCA
(Associação Paulista de Críticos de Arte) de melhor atriz.
Logo após o espetáculo de Leilah Assumpção, Lilian foi convidada para atuar
em O Mercador de Veneza, de William Shakespeare. Telmo Martino fez o
registro no Jornal da Tarde: Não se sabe o nome que Shakespeare usava
para identificar seus atores ideais. Hoje, eles podem ser chamados de atores
hidramáticos. Isto é, atores capazes de passar do drama para a comédia no
correr de uma frase com o imperceptível do automático. Lilian Lemmertz
é capaz de tal transição até mesmo num único silêncio de Walter Hugo Khouri.
Mas até ela precisaria de um longo intervalo de muitas semanas para sair do
tanque de Leilah Assumpção para os lagos dourados de Shakespeare. Esse
tempo totalmente precioso ela terá. O Mercador de Veneza, onde Lilian poderá
ser outra vez espirituosa, loquaz e comovente como Portia, só estreará em
novembro. A expectativa era grande, mas a participação da atriz não aconteceu.

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Vou saber que valeu delirar

Em sua coluna de TV no jornal Última Hora, Nelson Rubens – aquele que


aumenta, mas não inventa – revelava no dia 4 de março de 1976 que Lilian
Lemmertz havia recusado, contra sua vontade, estrelar um novo filme com
Walter Hugo Khouri. Ela recebeu, e aceitou, o convite de Carlos Zara (então
diretor artístico) para integrar o elenco de O Vagabundo, a próxima novela
das 8 na Rede Tupi, que está sendo escrita a quatro mãos por Chico de Assis e
Walter Negrão. A história, por sinal, é toda inspirada nos filmes de Frank Capra.
No Jornal da Tarde, Telmo Martino dava a mesma notícia, bem ao seu estilo:
Não é só Deus que aproxima os que se parecem. A televisão, em alguns
inesperados, também faz o mesmo. A tevê 4 já tem em planos concretos
uma novela que colocará Lilian Lemmertz e Raul Cortez no mesmo elenco.
Chama-se O Vagabundo. Seus autores estão, aparentemente, empenhados
na busca da originalidade, nem que seja a mais imediata. Contrariando a
obrigação de todos os contos de fadas, onde a imagem da bondade recom-
pensada é sempre loura e linda, Lilian interpretará uma mulher que é perversa
e perigosa. Raul, numa outra contrariedade, fará o papel de um mordomo.
De onde se conclui que seus patrões, para que haja algum laço com a realidade,
deverão ser interpretados por atores importados.
O nome da trama mudou, mas Lilian e Raul tiveram grandes momentos na
telinha. Xeque-Mate estreou em 29 de março, às 19h50, reunindo um elenco
forte, com nomes como Ednei Giovenazzi, Cláudio Corrêa e Castro e,
como protagonistas, Maria Isabel de Lizandra e Ênio Gonçalves. As chamadas
eram pomposas: Emoções maiores a cada capítulo.
Para reconstituir a época em que a história se passava, o final dos anos 1930
do século passado, Deise Bragantini viajou por vários estados brasileiros
levantando o material necessário. Duas fachadas de residências típicas daquele
tempo foram erguidas no terreno em frente aos estúdios do Sumaré, comple-
tando os cenários necessários para a realização da novela. Naquela época, teve
início uma grande transição nos negócios, com alguns empresários insistindo
em investir na lavoura e outros partindo para a indústria, explicavam os autores
sobre a decisão de ambientar a trama no período.
Na história, a mocinha Lúcia (Maria Isabel) era disputada por dois homens:
o milionário Rodolfo (Ednei) e o mendigo Aldo (Ênio). Sua preferência recaía
sobre o segundo, sem saber que, na verdade, ele também era rico e que teve
um caso com sua irmã, Nancy (Lilian). Esta, uma típica mulher da alta aristo-
cracia paulista, que na definição da revista Contigo era a irmã cuca-fresca de
Lúcia. Vaidosa e extremamente egoísta, preocupava-se apenas com futilidades.
A decepção de Aldo foi tamanha que ele abandonou a vida de mordomia
para virar um vagabundo.
Antes de Xeque-Mate, Chico e Walter haviam passado por uma experiência
frustrante com Ovelha Negra, exibida pela mesma Tupi, que – enquanto estava
no ar – teve seu contexto alterado várias vezes, fugindo completamente
à proposta inicial. Ressabiado, quando começou a escrever a nova história,
“a mulher má está de volta, Negrão levou em consideração o que o público realmente queria: dramas,
mais egoísta e vaidosa conflitos, paixões misteriosas, triângulos amorosos e galãs capazes de chegar
do que nunca!” às últimas consequências por uma mulher. A fórmula deu certo.
anunciavam as revistas

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A personagem de Lilian demorou a aparecer na trama. Vivia na Europa e só
volta ao Brasil por causa da Segunda Guerra Mundial. Para anunciar sua entrada,
a Tupi publicou anúncios em jornais. A chegada de Nancy vai dar uma virada
em Xeque-Mate. E tumultuar a vida de muita gente, dizia a chamada, com uma
imagem da atriz já caracterizada (turbantes e colares de pérolas faziam parte
do figurino). De repente, um casamento que não tinha nenhum significado
para Aldo transforma-se num martírio. A chegada de Nancy traz tristes
recordações para Aldo. E vai provocar graves mudanças em Xeque-Mate.
O que pode acontecer? Não perca nenhum capítulo. Essa mulher promete
tumultuar a vida de todo mundo. E inverter todas as regras do jogo.
– Nancy é uma personagem que me agrada muito, pois mesmo sem aparecer
nos 30 primeiros capítulos da novela, só se falava nela, prova que sua perso-
nalidade é muito bem construída. É uma mulher egoísta, que não se importa
nem mesmo quando Aldo se torna um vagabundo ao ver seu amor rejeitado.
Nas novelas de agora, ninguém é totalmente bom ou totalmente mau, e Nancy
faz parte desse grupo, festejava a atriz.
Na época em que transcorre a ação de Xeque-Mate, o ano de 1939, a mulher
tinha como maior sonho o casamento. A personagem estava fora desse
esquema, não queria ter compromissos com ninguém, só desejava viver a
vida a seu modo. Ela não ligava para o lar e a família, só se lembrava deles
quando precisava de dinheiro. E, como toda boa vilã, não media os meios
para obter o que desejava.
Lembrando a personagem Eugênia, a outra malvada vivida por Lilian em
O Tempo Não Apaga, a Contigo publicou uma matéria com o sugestivo título:
A mulher má está de volta, mais egoísta e vaidosa do que nunca!. A atriz
fazia sua avaliação:
– Desde o início, Nancy se delineava como uma pessoa mau-caráter. Para que
sua representação não ficasse tão pesada, procurei dar certa dose de humor,
colocando-a também como uma pessoa gozadora. É a primeira vez que inter-
preto uma personagem dando-lhe essa conotação porque a experiência em
trabalhos anteriores me ensinou que deveria fazê-lo assim.
A atriz estava no caminho certo. Na edição da Amiga de 16 de junho de 1976
– com Susana Vieira e Renée de Vielmond, estrelas da trama global Anjo Mau,
na capa –, havia uma chamada bombástica: Lilian Lemmertz é um tremendo
mau-caráter. Era comum a extinta revista estampar manchetes que misturavam
ficção e vida real. Mau-caráter, no caso, era mesmo a sua personagem da
Tupi. A reportagem de Rogaciano de Freitas dizia: A frívola, inconsequente e
sedutora Nancy de Xeque-Mate causa revolta e ódio à maioria dos telespec-
tadores e demais personagens da novela, mas é motivo de alegria para
sua intérprete, Lilian Lemmertz, que, ao contrário de muitas atrizes, não se
preocupa com problemas de imagem, pois está gostando de interpretar o
que chama de ovelha negra da família. A própria gaúcha comentava:
– Nancy é um prato cheio para qualquer atriz. É um barato fazer sua compo-
sição, que me agrada demais.

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Em agosto, em reportagem da revista Romântica, a atriz já se entregava no
título: Prefiro ser mau-caráter. Mas, antes de falar de Nancy, era ela quem
lembrava a outra personagem dúbia de sua carreira.
– Quando fiz O Tempo Não Apaga, muitas vezes tive que me esconder na
rua para fugir à violência das pessoas. Como atriz, entretanto, eu me sentia
realizada, tanto que entre escolher um tipo bonzinho e outro mau, prefiro
sempre o segundo, porque dá melhores chances de interpretação.
Em conversa com a revista Melodia, Lilian tentava entender as razões para o
egoísmo exagerado de Nancy.
– Ela tem necessidade de ter seu reinozinho, de ver as pessoas a seus pés
e não mede recursos para conseguir satisfazer sua ambição. Ela voltou a
namorar Aldo apenas para ganhar a Mercedes de Rodolfo, não porque ele
realmente lhe interesse. Mas, a essa altura, o ex-vagabundo já está se apaixo-
nando por Lúcia.
Pois é: havia um carro de luxo em jogo, o que fez com que a personagem
corresse atrás de Aldo novamente. Ô, coitado! Embora ciente da imensa
ternura que sentia por Lúcia, com quem estava de casamento marcado,
ele não conseguia se livrar da paixão por Nancy. O carro seria a recompensa
dada por Rodolfo, caso a vilã conseguisse destruir o sonho de sua irmã
e levasse Aldo novamente à decadência. O plano deu certo. Nancy fez
por onde Lúcia presenciasse seus encontros. Mesmo apaixonada, ela anulou
o casamento.
Malvadezas à parte, em poucos capítulos o jeitão extravagante da vilã já havia
caído no gosto do público. Em sua coluna da revista Amiga, Sílvio Di Nardo
afirmou: Lilian Lemmertz, de um momento para outro, passou a ser a mais
requisitada atriz da novela Xeque-Mate para conceder autógrafos e contar
sua vida artística para as fãs que diariamente se aglomeram à porta do Sumaré,
onde acontecem as gravações.
O visual da personagem também agradava. Como registrou a Contigo:
Desde que Nancy começou a desfilar com uns turbantes lindíssimos,
Lilian Lemmertz não tem mais sossego. É um tal de gente querendo copiar o
modelo, para mandar fazer outro igual, que vocês nem imaginam. As mais
atrevidas chegam ao cúmulo de cutucar a cabeça dela só para ver onde ficam
as costuras, bainhas etceteras do bendito turbante. Tanto Lilian como
Maria Isabel de Lizandra usavam trajes especialmente confeccionados por
Madame Boriska.
– Não sou uma mulher vaidosa, nem vamp. Se bem que quase todas as
personagens que vivo em novela são uma ou outra, especialmente as más.
Mas eu gosto de fazer esse tipo de trabalho e, como não emendo uma
novela na outra, não há perigo de marcar o tipo. Se bem que o público ainda
tende a confundir ator com personagem, comentava Lilian, que só não gostava
de pintar as unhas no tom vermelho vivo que criaram para a personagem.

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deu na Ilustrada de 03|04|1976:
“no coquetel oferecido no terraço Itália,
lilian lemmertz, maria Isabel de lizandra,
raul Cortez, laerte morrone e ednei Giovenazzi,
do elenco de xeQue-Mate”
o visual de nanci caiu no gosto do público

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Olhava para suas mãos, muito brancas, e dizia que não pareciam dela.
Ao estilo inglês – discreto, eficiente, charmoso e inteligente –, quem acabou
conquistando Nancy foi Sebastião, o mordomo vivido por Raul Cortez.
Em determinado momento da trama, os dois apareceram em cena dançando
um tango. Era a explosão do romance que estavam vivendo. Mas os atores
nunca haviam experimentado o sensual ritmo argentino. Para dar mais realismo,
a direção usou um cenário que lembrava um autêntico cabaré e convocou na
própria equipe uma pessoa que entendia do riscado: o assistente de produção
Ico (Antônio Ferrer da Rosa Jr.). Tango é comigo mesmo, deixa pra mim,
dizia, enquanto mostrava a Raul como segurar Lilian com firmeza, na cintura,
e conduzi-la pelo salão. Dançando tango, Ico e sua colega Calpúrnia, que foi
casada com Walter Avancini, eram atração do programa Golden Gate.
Lilian também se divertia com as insinuações de um possível romance entre
ela e o intérprete do mordomo. A revista Ilusão publicou uma nota cheia de
segundas intenções: Raul Cortez e Lilian Lemmertz estão dando tanto realismo
às cenas de amor que interpretam em Xeque-Mate que, volta e meia, o diretor
da novela é obrigado a interromper a gravação porque um beijo entre os dois
pode durar – sem exagero – um capítulo inteiro da novela. No jornal Província
do Pará, um colunista escreveu: Dia deste eu estava assistindo uma cena de
beijo entre Lilian e Raul e quase caí da cadeira. Parece que eles estão levando
a coisa a sério.
Várias revistas de fofoca repercutiam a história. Entre Raul e Lilian tudo é verda-
deiro: dos tapas aos beijos, estampava a Amiga. A nota dizia: Eles avisaram que,
daqui pra frente, todas as cenas de amor que viverem juntos na novela vão

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um tango para raul e lilian:
Ico, o assistente de produção da tupi,
é quem ensina os passos
na revista romântica, declarou: “Prefiro ser mau caráter”

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ser pra valer. Isto é, se tiverem que beijar, vão se beijar mesmo, e se tiverem
que brigar, os tapas vão doer de verdade. Quem ouviu isso acredita que
talvez o casal esteja querendo encabeçar algum tipo de campanha a favor do
realismo total nas cenas das novelas.
Se a parte dos tapas era verdade, Lilian deve ter-se arrependido da decisão,
pois eles doíam mesmo. Em conversa com o jornalista Nelson Rubens,
a atriz afirmou:
– O pior é que o público pensava que existia algum truque na hora em que
eu apanhava. Mas não. Acontecia que, para deixar a cena perfeita, Raul acabava
me batendo mesmo. Aí já viu, né? Eu levava cada surra. Se existe alguma
atriz por aí que gosta de apanhar quando está trabalhando, não sei. Eu não
gosto. E minha vontade é dar o troco na mesma hora.
Apesar das surras, ela adorava o papel:
– Tive muitos momentos de bem bom e foi importante voltar às novelas.
Discordo que a TV nos transforme em parafusos da máquina, porque qualquer
ator que sabe se cuidar pode usá-la tanto quanto é usado. Acho a TV uma
grande vitrine para todos nós, artistas. Uma vitrine cheia de luzes e que pode
ser admirada por todo tipo de gente. Basta ligar um botão e invadimos a casa
das pessoas com tamanha intimidade que acabamos fazendo parte de suas
famílias. Isso não é realmente maravilhoso? Não acredito que a novela esteja
tirando a vez do teatro. Há lugar para os dois. Uma novela bem-feita é melhor
que um teatro malfeito. Mas uma boa historia é o que pesa mais em
ambos os casos.
A maratona, no entanto, foi puxada. Não custa lembrar que, durante a novela,
Lilian estava em cartaz com Roda Cor de Roda, gravava o programa Panorama e
os teleteatros na Cultura e ainda promovia seus filmes mais recentes.
– Antes mesmo de me chamarem para Xeque-Mate, eu já estava assober-
bada. Aí quando me convidaram para viver Nancy, primeiro falei com Caron
(seu marido) e expliquei que ele me veria muito pouco em casa. Ele concordou
e eu aceitei. Não chego em casa depois de um dia estafante e me ponho a
decorar texto. A mulher da nossa profissão tem que lembrar que, antes de
tudo, é esposa. Janto sempre com ele e com a Julia e decoro os textos
pelos táxis da vida. Prefiro andar de táxi do que dirigir, perde-se menos tempo.
Agora estou numa loucura, mas há épocas em que não faço nada. Aí adoro
cuidar das minhas plantas, cozinhar, enfim, ser apenas mãe, dona de casa e
esposa. No ano passado, Caron participou de um congresso de arquitetura
em Madri e, como coincidiu com uma época em que eu estava folgada, fui me
encontrar com ele e passeamos durante dois meses por toda a Europa.
Enquanto aguardava o momento de gravar, Lilian costumava exercitar seu
talento para o tricô:
– Eu detesto ociosidade. Como às vezes a gente é obrigada a ficar horas
esperando dentro do estúdio, em silêncio, para gravar, eu arranjo alguma
coisa para fazer. A leitura, durante essa espera, não me serve, pois ela nos
transporta à história ali transcrita e me desconcentra do texto da novela,
ao passo que o tricô não. Eu faço maquinalmente enquanto repasso minhas
falas mentalmente.
Entre os recortes guardados por Lilian, um chama atenção: a carta de um leitor
indignado, publicada pela Amiga. Fernando Ferreira de Carvalho, de Salvador,
dizia: Quero, através desta, elogiar a grande atriz que é Lilian Lemmertz que,
depois de um excelente trabalho em Lição de Amor, está sendo desperdiçada

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pela Rede Tupi na novela Xeque-Mate. Esta novela é uma das piores coisas
que já se realizou até hoje. A Tupi, em vez de procurar evoluir, fica exibindo
novelas piegas, cafonas, com roteiros inteiramente manjados e repetitivos,
situações chatas e por demais conhecidas do público, estruturas velhas e
desgastadas. Vamos lá que a função da televisão seja divertir, mas, com isso,
não significa que deva bitolar o público levando-o a uma falsa realidade.
Ao contrário, acho que ela deve, além de divertir, nos trazer algo de bom,
nos comunicar algo de proveitoso, acrescentar-nos alguma coisa realmente
importante. E é nisso que deve pensar a Rede Tupi.
O que a Tupi realmente festejou foi o sucesso que tinha nas mãos, ou melhor,
na sua telinha. Os elogios para Xeque-Mate vinham de toda parte do Brasil.
Um artigo em A Província do Pará, de 19 de julho, festejava: É uma história
verdadeiramente sensacional, que vem empolgando a todos por tudo de
bom e interessante que ela vem mostrando. (...) A história de Chico de
Assis e Walter Negrão emplacou mesmo e vem proporcionando uma incrível
abertura para que Ênio Gonçalves, Maria Isabel de Lizandra, Lilian Lemmertz,
Raul Cortez, Ednei Giovenazzi, Rodolfo Mayer e todos afinal possam mostrar
seus verdadeiros talentos.
Xeque-Mate balançou a audiência da Globo em São Paulo, situa Ednei, a quem
Lilian passou a considerar um irmão a partir deste trabalho, ainda que os dois
se conhecessem desde a época em que ela, Linneu e Julia chegaram à capital
paulista. Aquele casal jovem se aventurando em busca de trabalho me
comoveu. É uma imagem que nunca esqueci, conta ele. Lilian sempre me
chamou a atenção por sua personalidade forte. Era inteligente, sensível e
tinha um humor às vezes irônico, típico do gaúcho, descreve o ator. Entre nós,
havia admiração e respeito mútuos.
Numa das gravações, a direção confiou a Ednei a condução de uma cena de
seu personagem, Rodolfo, com Nancy, o que deixou o ator empolgadíssimo.
Lilian estaria segurando um copo e coloquei sua mão em close. A câmera
acompanhava o movimento dela levando o copo à boca, detalha. Ela também
gostava de palpitar sobre minha interpretação. Para se chegar a isso, é neces-
sário ter confiança no colega.
Costumeiramente, no final do dia, os amigos se reuniam numa padaria próxima
aos estúdios do Sumaré. Lilian não abria mão desse momento. Era a hora de
ela tomar seu uisquinho, relaxar e rir de nós mesmos, diz, saudoso, o amigo,
que na mesma época andava encantado com Lição de Amor. O lado cinema-
tográfico dela me fascinava. Era de uma beleza e de uma economia raras.
Nunca a via exagerar, exceder-se na interpretação, analisa.
Lilian também era de pregar surpresas. No dia de seu aniversário, 12 de agosto,
Ednei entrou nos estúdios da Tupi e flagrou uma briga violenta entre ela e a
companheira de elenco Lia de Aguiar. Até Rodolfo Mayer, reconhecido por
seu jeito calmo, entrou no meio da confusão. O ator ficou consternado, pois não
acreditava que aquele barraco estava acontecendo justo num dia tão especial.
Mas tudo não passava de encenação: bastou o bolo aparecer no cenário para
ele perceber a brincadeira. E todos foram abraçá-lo.
Quando a novela chegou ao 100º capítulo, elenco, autores, produtores e equipe
técnica foram convidados pela prefeitura de Florianópolis para uma série de
comemorações. Explica-se: Xeque-Mate era a maior audiência da televisão
brasileira em Santa Catarina. O crítico de TV Ferreira Netto, cuja coluna era
publicada em jornais de todo o País, analisou tamanha repercussão: Os autores
procuraram fazer um trabalho simples, mas que contasse com a participação

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de todo o elenco e não como acontece em diversas novelas por aí, onde a
história gira apenas em torno do galã e da mocinha. (...) É difícil citar quem
está melhor. Todos têm procurado dar tudo em defesa dos seus personagens
e isso tem contribuído sobremaneira para o sucesso da novela.
Lilian estava feliz... e exausta. Na edição de 6 de setembro do boletim de
divulgação da Tupi, distribuído pela assessoria de imprensa a jornais e revistas,
ela já fazia planos para as férias. Mas o texto logo explicava que não se tratava
de luxo de atriz, mas de uma necessidade. Ainda faltava um mês para concluir
o trabalho na novela, mas o acúmulo de atividades nos últimos tempos estava
enfraquecendo sua bateria. Isolar-se numa praia, provavelmente em Ilha
Grande, durante 15 dias, era o desejo imediato.
Lilian guardou o texto com suas últimas cenas em Xeque-Mate. Nancy foge
com Sebastião num grande veleiro. Ele aparece fazendo a barba com uma
faca de pirata, enquanto ela limpa um peixe. O texto detalha que ela está
queimada de sol e os dois vestem roupa de navegar. Enquanto se barbeia,
o mordomo pensa na carta que acabou de escrever. Nancy está comigo.
De repente, percebemos que nos amávamos. Ela está muito diferente (...).
Aqui onde estamos, a guerra não chegou. Vale a pena velejar por esses mares.
E assim eu estou sendo o que sempre fui: um pirata do Caribe. Como de
hábito, a atriz havia circulado todas as indicações referentes à personagem e
sublinhado suas falas.
Ainda no texto, após escreverem a última linha, Negrão e Chico festejam o
êxito da trama: Os autores desta novela, curtos e grossos como sempre,
abraçam sinceramente cada um dos que deram seu trabalho ao Xeque-Mate!
Ass: A Parelha. Graças ao sucesso, Silvio Di Nardo escreveu em sua coluna
na revista Amiga: Os nomes de Lilian Lemmertz e Raul Cortez firmaram-se
definitivamente como excelentes atores de televisão. Os dois foram os mais
elogiados numa pesquisa promovida pelo colunista. Nelson Rubens também
se manifestou: Palmas, que ela merece: da melhor qualidade o trabalho de
Lilian Lemmertz em Xeque-Mate.
Ao final da maratona, a atriz confidenciou:
– Agora preciso parar um pouco para descansar e ter um tempinho para poder
criar coisas boas. Por isso, só mesmo depois de estar bem relaxada é que
devo retornar ao trabalho. Se volto à TV? Não sei. É aquela história: gosto da
TV, acho novela importante para o ator, mas sinceramente gosto mesmo é
de cinema. O cinema sim, é a grande paixão da minha vida.
Ah, o tal filme de Khouri que ela teria recusado para poder participar da novela
acabou demorando a sair. Por conta do atraso na produção, ele pôde contar
com a presença de sua musa. Era Palácio dos Anjos.

lilian em 1976,
ano de muitos (e grandes) trabalhos

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Ela, no fundo, é uma atriz

O ano de 1976 foi, sem dúvida, uma dos mais importantes na carreira de
Lilian Lemmertz. Nos primeiros meses, ela já havia ganhado o Kikito de Melhor
Atriz do Festival de Gramado por Lição de Amor, encenava com grande sucesso
a peça Roda Cor de Roda em São Paulo, divertia-se com as maldades de
Nancy em Xeque-Mate, na Tupi... e ainda conseguia a façanha de comandar
um programa diário em outro canal. Era o Panorama, da TV Cultura de São
Paulo, que deu origem ao Metrópolis.
A função de apresentadora empolgava a atriz. Numa entrevista à repórter
Marlene Benicchio, no suplemento Gente, do jornal Última Hora, ela revelou:
– Por gostar tanto de acrescentar sempre mais experiências à minha vida,
resolvi tentar um trabalho diferente. É maravilhoso poder extrapolar seu
campo de atuação. O lado atriz, de saber lidar com o texto, ajuda a enfrentar
as câmeras. São coisas diferentes, pessoas diferentes com quem converso,
com atividades, muitas vezes, diferentes das minhas. Quando eu entrevisto
alguém, a troca de informações me faz sentir mais aberta e muito bem.
O jornalista Guilherme Cunha Pinto, da revista Veja, era um entusiasta da
revista eletrônica. Na edição de 16 de junho de 1976, avaliou: A televisão
costuma dar o menor destaque possível aos roteiros das atividades artísticas
locais. Normalmente confinados a horários vespertinos, entre uma e outra
receita de panqueca, não raro empregando um tom de mendicância nos
apelos para que se vá mais ao teatro, esses roteiros perdem função e dignidade.
Mas Panorama finalmente rompe a regra. Colocado no horário nobre, tem 30
minutos quase sempre vivos, preenchidos com entrevistas, críticas e indicações
de cinema, teatro, música, fotografia, artes plásticas e literatura. Bem ilustrados,
os assuntos rendem principalmente quando tratados pela apresentadora Lilian
Lemmertz, perfeita em mais esse papel.
Não era fácil enfrentar tantos trabalhos. A atriz já começava a semana sonhando
com a noite da sexta-feira, quando poderia dormir sem precisar acordar cedo
no dia seguinte. Nas terças, por exemplo, ela ficava na Cultura até 5 da
tarde. Depois, ia para a Tupi fazer cenas externas de Xeque-Mate até uma da
madrugada. Na quarta, além das gravações da novela, a Roda recomeçava a
girar no teatro. Uma loucura!
É bem verdade que Panorama não era a primeira
experiência da atriz na emissora. Desde o final de
1974, ela atuava em teleteatros produzidos pelo
canal. Mas não se tratava de teatro filmado, com a
cena acontecendo no palco e a câmera parada,
captando tudo. Exibido nas noites de sábado,
o Teatro 2 oferecia ao já grande público da TV
montagens cuidadosas, com alta qualidade técnica.
Muitas vezes, o programa tirava do esquecimento
Com o inseparável cigarro textos fundamentais da cena brasileira. E contava
num flagrante casual com nomes do porte de Antunes Filho, Antônio
No detalhe, Abujamra, Ademar Guerra e Benjamim Cattan na
na bancada do programa panorama direção. Eles encontravam ali a oportunidade de

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na tV Cultura, num dos inúmeros
teleteatros em que atuou.
antunes filho estava no time de diretores

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realizar um trabalho artístico desvinculado das limitações comerciais que
as outras emissoras enfrentavam. Era uma verdadeira escola para os atores,
pois podiam se renovar e aprimorar a técnica de representação. A atração
também lançou novos talentos, a exemplo de Elizabeth Savalla.
Lilian Lemmertz teve muitos momentos memoráveis no Teatro 2. O maior
deles: Vestido de Noiva, clássico de Nelson Rodrigues. Ela contracenava,
mais uma vez, com Nathália Timberg e, ainda, Luís Carlos Moraes, Célia Olga,
Eleonor Bruno, Evilásio Marçal e o jovem Edwin Luisi. Em O Estado de S. Paulo,
J.N. Pinto festejou: Se em 28 de dezembro de 1943, Ziembinski, dirigindo o
grupo Os Comediantes, com cenários de Santa Rosa, conseguiu fazer no
teatro o equivalente ao que Oswald de Andrade havia feito na poesia, trinta e
um anos depois Antunes Filho conseguiu realizar o momento mais sério e
mais criativo que a ficção já teve na televisão do Brasil. Da mesma forma
que o Vestido de Noiva de Ziembinski nunca foi esquecido, a adaptação de
Antunes Filho para a TV será sempre um marco.
Entre os trabalhos realizados por Lilian estão também O Oráculo, de Arthur
Azevedo, em que contracenou com Jayme Barcellos, e O Banquete, de Lúcia
Benedetti, com Antunes de novo na direção e Cláudio Corrêa e Castro e Lúcia
Capuani no elenco. Em No Vale do Diabo, de John Willington Synge, ela tinha a
companhia de Raul Cortez e Nuno Leal Maia. Já Felizberto do Café trazia a
assinatura de Gastão Tojeiro, o mesmo autor de Onde Canta o Sabiá. Dirigida e
adaptada por Benedito Corsi, contava com a participação de Ênio Gonçalves,
parceiro da atriz também em Xeque-Mate.
Amor Antigo, por sua vez, era a adaptação de dois contos de Machado de Assis,
A Cartomante e Quatorze Anos Depois. No Jornal da Tarde, Telmo Martino
festejava a notícia de que Lilian estava no papel principal: Houve um tempo
em que a sedução precisava usar a linguagem das flores, leques e lenços.
Lilian reduz ao tatibitate essas e outras linguagens sedutoras. Até o seu olhar
mais rápido e frio é capaz de intercalar muito mais palavras do que uma frase
de Proust. Basta ver. Vejam.
O argumento girava em torno de um amor impossível, já que a mulher dos
sonhos de um homem era casada com seu melhor amigo, situação bastante
comum na obra de Machado. Além da gaúcha, o elenco trazia Antônio
Fagundes, Roberto Orozco e Beatriz Berger.
Mas não eram só os clássicos que ganhavam espaço no Teatro 2. Lilian atuou
também em O Olho, de J. Alvim, um trabalho de improvisação, que não seguia
um texto determinado. Antunes aceitou a incumbência de dirigir esse telete-
atro experimental, dando o tratamento frio e despojado exigido pela obra.
Na história, um grupo de crianças se surpreende com a chegada de um ser
estranho vindo do espaço. Imediatamente, a relação é estabelecida. Um dos
garotos resolve levar o visitante até sua casa, causando espanto aos seus pais.
Daí para frente ocorrem diversas situações paralelas, aonde vão sendo apresen-
tadas as maneiras de vida do ser humano. Ao lado de Lilian, estavam Paulo
Hesse, Hilda Hasson, Renée Gumiel e Peter Hayden. Os atores tiveram
total liberdade para criar as situações.
O Teatro 2 também foi levado ao ar com outros nomes. Na TV Guaíba,
do Rio Grande do Sul, era apresentado como Grande Teatro.

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Os letreiros a te colorir
Nada menos que três títulos fizeram de Lilian Lemmertz um dos nomes
femininos mais presentes nos letreiros dos cinemas no intenso ano (ainda
ele!) de 1976. Depois de Lição de Amor e Desejo, chegou a vez de lembrar
Aleluia, Gretchen. Terceiro longa-metragem de Sylvio Back – Lance Maior
e A Guerra dos Pelados foram os anteriores –, ele traça o painel de uma
família de imigrantes da burguesia alemã, incompatibilizada com o nazismo,
que chega ao Brasil em 1937 e se instala na região Sul. Pela primeira vez,
o assunto era tema de um filme de ficção no nosso cinema.
Orçado em um milhão e trezentos mil cruzeiros, o filme foi rodado no segundo
semestre de 1975 em Curitiba, no Paraná, e em Blumenau, Santa Catarina.
Na história, no entanto, não há referência às cidades que serviram como
locação. Lilian enfrentava a maior maratona: aproveitava os únicos dois dias
de folga semanais da peça Roda Cor de Roda para filmar. Saía de São Paulo
na madrugada do domingo para a segunda e voltava na quarta.
Aleluia, Gretchen acompanha a vida dos Kranz durante quatro décadas.
Back pretendia mostrar o processo de adaptação aos costumes locais.
Mesmo com passagem de tempo, os personagens do filme não envelhecem,
porque certas ideias também nunca envelhecem. O que muda é a roupa
e o penteado.
Os personagens da trama não são imigrantes tradicionais, mas pessoas que
escolheram o Brasil como residência, pois, da mesma forma que o avô de
Back, sentiam-se incompatibilizadas com o regime nazista. Elas tiveram um
período para deixar a Alemanha, pouco antes da Segunda Guerra Mundial,
e vieram para cá, onde já tinham parentes.
Faço uma espécie de acerto de contas com a minha origem étnica, anunciou
o diretor, também autor do roteiro, lapidado ao longo de cinco anos, a partir de
relatos de gente que viveu essa situação e de pesquisas feitas em vários livros
editados na década de 1940 pelas Secretarias de Segurança do Paraná,
Santa Catarina e Rio Grande do Sul. Não se trata de uma palavra final sobre
a epopeia vivida por eles, mas apenas um painel, provisório e limitado,
sobre essa imigração, revelou à Folha de S. Paulo, na época do lançamento.
Em conversa com o Jornal do Brasil, ele comentou: É uma história que quer
saber, basicamente, como essa família de imigrantes, que tivera problemas
políticos na Europa, vem para o Brasil para viver num regime como o de
Getúlio Vargas, que era outro tipo de ditadura. E como os membros dessa
família, depois de 20 anos aqui, relacionam-se com os outros alemães que
chegam, como os ex-oficiais das tropas nazistas, com as mesmas ideias
políticas de durante a guerra. Uns admiram Hitler, outros Getúlio. A questão
é saber como as pessoas podiam compreender a sua época. São os persona-
gens que analisam os fatos.
Aleluia, Gretchen já começa com todos devidamente instalados no Brasil.
Narrada em tom de diário, a trama acontece dentro e ao redor do Flórida
Hotel, gerenciado pelo casal vivido por Sérgio Hingst e Míriam Pires, numa
cidade qualquer da região Sul. Detalhe: Flórida Hotel era o anagrama de
Adolf Hitler.
Para o diretor, o nazismo é todo um estado de coisas, uma forma de agir e
de pensar. São problemas para os quais o filme abre discussões, em busca
em aleluia, gretChen, pronta para
de respostas para saber até que ponto houve uma influência do pensamento
comandar uma sessão de tortura

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alemão no desenvolvimento do próprio pensamento brasileiro. Numa das
cenas, Back mostra a presença da juventude hitlerista no País. O nazismo
não foi apenas um partido que se extinguiu com o fim da guerra ou com a
queda de Hitler. Ele já existia antes de existir o Partido Nazista, situava.
O argumento mistura realidade e ficção. Quando avança para a década de
1950, graças a ligações perigosas com o rescaldo da guerra, os Kranz são
visitados pelo tal grupo de ex-oficiais nazistas, em trânsito para a Argentina.
Eles acabam se tornando uma presença ameaçadora, inoportuna e estranha.
No período pós-guerra, oficiais do Terceiro Reich realmente buscaram asilo
em território sul-americano. A insólita intromissão faz reviver acontecimentos
aparentemente sepultados com a derrota do nazismo.
– Meu papel é o de Rose Marie, uma sisuda oficial da SS, que se vê obrigada
a ficar no Brasil, contava Lilian sobre sua personagem, a mais feroz e cruel
de todas as mulheres do grupo, que comanda cenas de tortura, aparentemente
sua única forma de diversão.
A trama se estende pelos anos 1970 – ou seja, os dias atuais daquele período –,
reunindo em torno de um longo e típico piquenique alemão os Kranz, agregados
e sobreviventes. Ao final do encontro, os personagens são tomados por uma
eufórica nostalgia. Na trilha, ouve-se A Cavalgada das Valquírias, do alemão
Richard Wagner, gravada em ritmo de rock pelo grupo O Terço, contrapondo-se a
uma batucada carnavalesca.
lilian como a oficial alemã de
aleluia, gretChen

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Atuando na língua de origem de seus antepassados, Lilian lembrou-se da
avó alemã que a chamava de Lilichen de modo muito terno. A atriz gaúcha
não era a única descendente no elenco. Atores como Sérgio Hingst e Kate
Hansen também tinham laços germânicos na família. O elenco contava
ainda com Carlos Vereza e Selma Egrei. A propósito, Lilian, Kate, Selma e
Sérgio também estiveram juntos em O Desejo.
A preocupação com a reconstituição fiel do período era grande. As fardas
e as medalhas mostradas em cena são autênticas. Back as importou de
colecionadores europeus e norte-americanos. Ao reproduzir um típico café
da manhã, com uma mesa repleta de bolos e salgados, o diretor pediu a
Lilian que tricotasse uma bolotinha de lã igual à que os alemães colocam no
bule, para evitar que os pingos do café caiam na toalha.
Liberado pela censura, o longa foi selecionado para representar o Brasil
no Festival de Berlim de 1976. Era um filme brasileiro sobre os alemães
com première mundial em plena Alemanha. Para o diretor, não poderia
haver recompensa maior. Além de representar o Brasil em Berlim, Aleluia,
Gretchen, o mais premiado dos anos 1970, integrou a mostra competitiva
dos festivais de Gramado e de Brasília, disputando o troféu Candango com
O Rei da Noite, Xica da Silva, Pecado na Sacristia, Marília e Marina e Soledade.
Lilian também marcou presença na capital federal com O Desejo, exibido
em sessão especial.
Mais de 30 anos depois, Sylvio Back relembra um episódio curioso da filmagem:
Sou um cineasta que dirige aos cochichos. Jamais levantei a voz para um ator
ou técnico. Se detecto alguma incoerência de interpretação, solto um ‘corta’
com um aceno para o câmera e o som. Talvez nessa tenha amadurecido toda
a identificação artística que desde o primeiro ensaio rolou entre Lilian e eu,
dentro e fora do set, dado o tom minimalista com que encarava e escanca-
rava seus personagens. Aliás, detesto ensaiar com ator, prefiro-o correndo o
risco de acertar/errar comigo defronte à câmera ligada. Assim, chego a ele e
retransmito ao pé do ouvido minhas observações.
O diretor continua: Foi numa das filmagens mais tensas e complicadas de
Aleluia, Gretchen, com o personagem Eurico (Carlos Vereza) submetido
à tortura no sótão do Flórida Hotel pelos inusitados hóspedes ex-nazistas
(entre eles, a personagem de Lilian), que a bela atriz deixou, porque ficou
indelével como memorial do filme, seu registro imorredouro. Ali, o timbre
da fala de Lilian soou tão coloquial e íntimo que eu pensei que ela estava
se dirigindo a mim enquanto a câmera na mão do genial fotógrafo José
Medeiros (e eu andando atrás dele) rondava a figura em pânico de Eurico,
seguro pelos três outros atores. E num ímpeto intuitivo, como se apenas
eu a tivesse ouvido, soltei um ‘corta’. Ninguém entendeu nada, pois a
filmagem corria às mil maravilhas. E todos se entreolharam. O próprio
Medeiros e meu assistente e co-roteirista, o escritor Manoel Carlos Karam,
que conferia a exatidão dos nossos diálogos, também ficaram assustados,
pensando que algo tivesse ocorrido fora do ensaio técnico que precedeu a
tomada. Houve um estranhíssimo silêncio de alguns intermináveis segundos.

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E conclui: Meio sem jeito, pedi desculpas a todos e reto-
mamos a cena do início, sem outra. Findas as filmagens
ainda me certifiquei com Lilian se ela teria, por algum
motivo, pedido para abortar a tomada. Com seu jeito suave,
emoldurado por um delicioso sorriso, ela negou. Depois,
não falamos mais sobre o acontecido. Naquela impensada
parada, entretanto, houve, sim, um átimo de energia astral
entre a cena, ela e eu, como se o tempo tivesse determi-
nado uma ilógica pausa no fluxo. No fundo, como se fora a
celebração de uma síntese perfeita da nossa mútua empatia
durante todo o processo de feitura do filme. Talvez aí resida
a inexcedível mágica de sua soberba performance nesse
plano-sequência, uma das marcas registradas da linguagem
do filme. Ainda hoje, revendo Aleluia, Gretchen, me emociono
com o magnetismo de Lilian Lemmertz, introjetando o tom
sarcástico, o erotismo e o racismo do insólito personagem,
cena essa cuja amperagem dramática é uma espécie de
assinatura do seu talento como uma das mais carismáticas
atrizes do cinema brasileiro de todos os tempos.
Uma história curiosa: uma cantora novata estava a caminho da gravadora para
assinar contrato para o primeiro disco, mas até aquele momento ainda não
tinha escolhido o nome artístico. Quando seu carro passou na frente de um
cinema e ela viu o nome do filme de Back escrito na marquise, decidiu que
dali em diante seria conhecida nacionalmente como Gretchen – diminutivo
carinhoso de Margarida, para os alemães. E a margaridinha transformou-se
na Rainha do Bumbum. Nada mais brasileiro.
Lilian Lemmertz ainda fez alguns (poucos) filmes, como Paixão e Sombras e
Eros, o Deus do Amor, suas duas últimas colaborações com Walter Hugo
Khouri. Participou, por exemplo, de Os Amantes da Chuva, do grande Roberto
Santos, o mesmo que levou às telas A Hora e a Vez de Augusto Matraga.
No longa, lançado em 1979, uma cidade é castigada por uma série de
temporais. As mudanças meteorológicas são atribuídas aos encontros de um
casal (vivido por Bete Mendes e Helber Rangel), que, por conta disso,
ganha fama e começa a aparecer em programas de TV. Lilian vive a apre-
sentadora de uma dessas atrações. Beatriz Segall também está no elenco.
Dirigido por Gustavo Dahl, Tensão no Rio veio em seguida. Quando rodou
suas primeiras cenas, a gaúcha estava com mais peso. No meio do processo,
começou a trabalhar na novela Baila Comigo e, por conta de um problema
na tireoide que a fazia emagrecer em lugares de clima quente, lá se foram
sete quilos. Mas, apesar da preocupação da atriz, a diferença não é notada.
Velhos amigos estavam no elenco, como Raul Cortez, Paulo César Peréio e
Norma Bengell. E mais: Eliana Araújo, Ivan Cândido, Ana Maria Magalhães,
Anselmo Duarte, Gracindo Júnior e Fábio Sabag.
O filme é uma alegoria: durante a visita de um chefe de estado de um país
imaginário da América Latina ao Rio de Janeiro, um inimigo político morre

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no filme Janete, que lilian considerava
um dos papéis mais difíceis da sua carreira,
contracenou com nice martinelli

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num atentado. Temendo ser incriminado, o chefe consulta um vidente que
identifica como culpado o motorista da embaixada.
O adido militar, encarregado das investigações, comunica ao presidente o
golpe de estado e revela ter sido o atentado mero pretexto para apressar os
acontecimentos. O presidente sofre um ataque cardíaco, enquanto o diplomata
tenta contornar o escândalo, no qual a imprensa relaciona a primeira-dama
e a amante do presidente. Enquanto isso, um correspondente americano
mantém contatos com uma diplomata brasileira que acompanha a comitiva.
Naquela época, em conversa com a revista Gente, Lilian deu uma declaração
surpreendente:
– Cinema me cansou um pouco. Andei fazendo uns filmes e achei muito
chato ficar horas esperando afinar a luz para rodar um take. Não tenho mais
paciência, a gente envelhece.
Mas ela não largou a telona. No final de 1982, estava rodando sua participação
em Janete, filme dirigido por Chico Botelho, também autor do roteiro.
A personagem-título é uma adolescente que se prostitui muito cedo e começa a
trabalhar num bordel. Presa, sofre muitas humilhações. Janete acaba se envol-
vendo com a diretora, foge do presídio, entrega-se a motoristas de caminhão
e, finalmente, passa a integrar um circo mambembe, onde se apaixona por um
trapezista. Lilian interpreta Iolanda, a tal diretora.
Vários nomes conhecidos estavam na ficha técnica. A trilha sonora era de Arrigo
Barnabé e a fotografia, de José Roberto Eliezer. Participavam do elenco Lélia em seu último trabalho no cinema:
Abramo, Ruthinéa de Moraes, Luiz Armando Queiroz, Denoy de Oliveira, patriaMada

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Walter Breda, Flávio Guarnieri, Cláudio Mamberti, Turíbio Ruiz, entre outros.
Além de Nice Marinelli, no papel principal.
– Ela é uma atriz bem conhecida em São Paulo, fez muita TV Cultura,
situava Lilian.
De fato, quando foi convidada por Chico Botelho para viver Janete, Nice já fazia
trabalhos na capital paulista. Eu estava filmando A Hora dos Ruminantes,
com direção de José de Anchieta (que não chegou a ser montado), no qual
Botelho assinava a fotografia, recorda.
A princípio, houve certo constrangimento em relação às cenas mais íntimas.
As atrizes se conheceram no próprio set. Em pouco tempo, estariam nuas,
deitadas numa cama, trocando carícias. A diretora se apaixona por Janete e
chega a lhe proporcionar certas regalias, conta ela.
Mas Nice ficou nervosa mesmo foi com a responsabilidade de contracenar
com uma atriz daquele porte, a quem já admirava há tempos. Tive medo que
ela fosse altiva, fria, que eu não conseguisse chegar até ela. Mas na hora da
palavra ação, tudo foi de uma doçura, uma meiguice... Ela com um ligeiro
sorriso que mostrava toda sua ternura, entregando a emoção. E assim tivemos
cenas de beijos, abraços, apertos de mão, no chuveiro, na cama e até cenas de
ciúmes, relembra. Numa sequência, Janete tenta fugir e é pega em flagrante.
Surpresa com a atitude, Iolanda dá uma surra na moça.
– É um papel tão difícil que, depois que aceitei, pensei: Maldita hora que
eu topei, não vou saber fazer, comentou em entrevista a Marília Gabriela,
no programa TV Mulher. Mas ela soube fazer... e, como sempre, muito bem.
A despedida de Lilian Lemmertz da tela grande aconteceu em Patriamada,
de Tizuka Yamasaki, lançado em 1985. Em meio ao movimento pelas eleições
diretas, a repórter Carolina (Débora Bloch), uma simpatizante do PT, está envol-
vida com Goiás (Buza Ferraz), cineasta independente que realiza um filme cujo
pano de fundo é a campanha Diretas Já. Mas ela acaba se relacionando com
Rocha (Walmor Chagas), um industrial aparentemente liberal e progressista.
Lilian e Julia Lemmertz fazem, respectivamente, a mulher e a filha de Rocha.
Foi uma participação afetiva. Tizuka sabia da nossa proximidade com o Walmor
e criou essa família, lembra Julia.
O longa, que tem como tema o frevo Patriamada, composto por Carlos
Fernando e cantado por Alceu Valença, mistura ficção e realidade. O histórico
comício da Candelária, no centro do Rio, em 1984, aparece na tela. Lucélia
Santos, uma das artistas mais atuantes na luta pelo voto direto para a
Presidência do Brasil, é entrevistada por Carolina durante a manifestação.
Nomes emblemáticos como Milton Nascimento (Coração de Estudante e
Menestrel das Alagoas são músicas que se confundem com aquele período),
Lula, Fernando Henrique Cardoso, Ulisses Guimarães e Tancredo Neves
também estão no filme.
Na pele da esposa traída, Lilian Lemmertz tem uma cena marcante, em que a
personagem tenta fazer um carinho no marido, que fala ao telefone, mas este
– já envolvido com a jovem repórter – se afasta, completamente indiferente
à situação. Ela então arremessa, com toda fúria, um copo de uísque na
parede. Juntos mais uma vez, Lilian, Walmor e toda uma vida de cumplicidade.

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Me leva, leva longe, longe, leva mais
Certa vez em entrevista a Marília Gabriela na TV Mulher, Lilian Lemmertz
falou sobre seu ótimo trânsito entre a tela grande, a telinha e os palcos:
– Eu, para me reciclar, tento não fazer muita televisão. Faço um pouco,
depois vou para o teatro, carrego a bateria, depois vou para o cinema.
Você não fica naquele tédio de só fazer televisão ou só teatro ou só cinema.
Isso é muito desestimulante. Nunca fui o tipo de atriz que diz: ‘Olha, tem um
papel que é o sonho da minha vida’. Nunca sonhei com papel nenhum.
Quando eles vêm, eu digo ‘gosto’ e faço. Fiz papéis tão variados que
realmente não posso dizer qual é o preferido. Eu gosto de bons papéis...
E de difíceis papéis.
A jornalista – e hoje também atriz – não foi a primeira a lançar a clássica
questão: Teatro, cinema ou TV?. Várias vezes, ao longo de sua carreira a
pergunta se repetia.
– Não sou contra o fato de se fazer somente uma coisa em determinada
época. Apenas acho que se fizer somente televisão, ou teatro, ou cinema,
o artista vira funcionário público. Portanto, gosto de fazer os três, mas sem
repetir muito. Não tenho predileção por esse ou aquele trabalho. O teatro é
genial, a televisão, magnífica, e o cinema, encantador.
Na opinião de Lilian, o intérprete não podia nem devia se fixar muito em deter-
minado gênero de atividade para não se cansar ou se aborrecer. Parecia
realmente difícil escolher só um deles.
Em algumas matérias, ela demonstrava uma queda maior pelo cinema.
Como revelou, uma vez, a Nelson Rubens:
– É aquela história: gosto da TV, acho novela importante para o ator, mas since-
ramente gosto mesmo é de cinema. O cinema, sim, é a grande paixão da
minha vida. Se volto à TV? Não sei.
Na coluna de Sílvio Santos, na revista Amiga, ela reforçava:
– Adoro fazer cinema, ir ver-me na tela imensa. É quase irreal, parece que
estou vendo uma irmã gêmea, fico até com vontade de aplaudir-me.
Em outras reportagens, a preferência recaía pelo teatro. Em matéria da revista
Romântica, Lilian justificou:
– É que no teatro a comunicação com o público é ali, na mesma hora. Eu sei
que o operador de cena e olho da câmera representam o público também,
mas não é a mesma coisa.
Ao jornal Última Hora, confidenciou:
– Teatro deixa saudades. Chega uma hora que a gente tem que deixar de
fazer televisão e ir para um palco. Novela é muito repetitiva. No primeiro
capítulo dizemos uma frase. No quinto, repetimos. No décimo e no décimo
segundo, também. Quando vamos dizê-la no vigésimo, nem pensamos mais.
A fala é automática. Em teatro, cada dia se faz uma descoberta. Nós pensamos
antes de falar alguma coisa. O público é diferente a cada espetáculo. A gente
nunca para de descobrir e de pensar.
A verdade é que ela gostava de ser atriz, fosse na TV, no teatro ou no cinema.
Desde que pudesse apresentar um trabalho cada vez melhor. Por isso, optava

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por uma espécie de rodízio: depois de uma novela, fazia uma peça de teatro
e logo começava um filme.
– O resultado disso é que nunca estou parada.
Na prática, Lilian Lemmertz se via muitas vezes envolvida em vários projetos
ao mesmo tempo. Após a longa maratona que enfrentou entre 1975 e 1976,
continuava em intensa atividade, dizendo sim aos diversos convites que
apareciam. O ano de 1977, portanto, não podia ser muito diferente. De novo,
marcava presença nos três veículos.
Graças ao sucesso de Nancy em Xeque-Mate, a atriz foi convocada pela Tupi
para reforçar o elenco de Tchan! A Grande Sacada, de Marcos Rey, com Raul
Cortez, Nádia Lippi, Maria do Rocio, Sílvia Massari e Plínio Marcos no elenco.
Seu papel era o de Fernanda, uma mulher diabólica, que sabe tudo de todo
mundo, fala com todo mundo, fofocando, mas ninguém sabe realmente
quem ela é. A entrada foi triunfal: a personagem apareceu numa grande festa
de réveillon, que reuniu todo o elenco. Mas a novela não teve a mesma
repercussão da anterior.
Próximo ao final de O Julgamento, também da Tupi, Eva Wilma decidiu que
era hora de voltar aos palcos. E o melhor: assinando a própria produção.
A atriz havia lido vários textos, mas poucos deles brasileiros, pois em tempos
de ditadura militar a maioria estava no alvo da censura. Lembrou-se de
Esperando Godot, de Samuel Beckett. Era o que eu queria, conta Eva.
Imediatamente me veio a vontade de montá-lo com os cinco personagens
masculinos interpretados por um elenco feminino. Lilian estava na lista.
Sempre tive vontade de contracenar com ela. Era uma atriz admirável, comenta.
Eva jamais esqueceu a reação da gaúcha quando recebeu o convite. Ela estava
sentada, fazendo tricô, enquanto esperava a hora de gravar suas cenas em
Tchan! A Grande Sacada. Pedi licença, me ajoelhei junto dela e dei-lhe um
beijo. Ela estranhou um pouco, pois não tínhamos muita intimidade. Falei
baixinho no seu ouvido: Vim aqui lhe fazer uma proposta... indecente. Lilian deu
uma risada. Quando comecei a dizer que queria montar Godot só com
mulheres, ela não esperou nem eu terminar. Jogou o tricô no chão, levantou-se
e atirou-se no meu pescoço. Nos abraçamos muito forte e, assim, começou
uma bela parceria, relembra. Marcamos, então, um encontro, quando eu propus
a ela sociedade e o nome de Antunes Filho para a direção. O nosso entendi-
mento foi maravilhoso, concordamos em tudo.
Antunes, que havia trabalhado com Lilian na TV Cultura, aceitou o desafio
e ainda quis entrar como sócio na produção. Mas nós preferimos que ele
se dedicasse exclusivamente ao trabalho de direção, diz a idealizadora do
projeto. Marcos Franco, que já produzira espetáculos para sua ex-mulher,
Regina Duarte, foi escalado para a função. Eva e Lilian entraram, cada uma,
com 40% do valor necessário para levantar o espetáculo. Os 20% restantes
seriam de responsabilidade de Marcos.
Para completar o elenco, Antunes e as atrizes-produtoras contrataram
Lélia Abramo e Maria Yuma. Para o pequeno papel do mensageiro, foi escalada
a própria assistente de direção, Sônia Golding (substituída depois por Vera
Lima). Os ensaios aconteceram numa sala do Clube Sírio-Libanês, em São
Paulo. Mas o sonho de estrear num bom teatro paulistano não pôde ser
concretizado. Os grupos se engalfinhavam para garantir vaga nas salas da
cidade. A solução foi começar uma turnê por Brasília. Antes de seguir
para a capital federal, porém, a trupe fez dois ensaios abertos ao público,
no auditório do clube.

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O cenário de Esperando Godot foi concebido por Jorge Caron, o marido
de Lilian. Já Carlos Zara, que começava a se relacionar com Eva Wilma,
conseguira apoio da Transbrasil, empresa aérea extinta no início dos anos
2000, que cedeu as passagens. Edmar Pereira ficou responsável pelo
material gráfico.
O público e a imprensa brasilienses receberam a montagem de forma calorosa.
Era maio de 1977 e, por conta dos tempos sombrios, Antunes Filho escreveu
para o programa da peça um texto esclarecedor, que podia muito bem ser
lido como Esperando a Democracia. Era a sua concepção para o clássico de
Samuel Beckett, lembra Eva.
Com o suntuoso Teatro Nacional em reforma, a temporada foi realizada no
teatro da Escola Parque. No último dia, o diretor de cena Chimanski e o
operador de luz Zé Liça correram para os bastidores para contar que a casa
estava lotada e que ainda havia uma multidão de estudantes. Marcos Franco
convocou o elenco e o chefe do Corpo de Bombeiros para uma reunião,
em que ficou decidido que eles poderiam entrar organizadamente e ocupar
o chão dos corredores. Nem imaginavam que, no meio da peça, com o espaço
abarrotado, haveria um princípio de incêndio.
O culpado do susto foi um refletor em curto-circuito, que começou a soltar
faíscas enquanto Lélia, Maria Yuma, Lilian e Eva estavam em plena ação.
Lélia e Yuma saíram rapidamente, com os pertences dos personagens, recorda
Eva. Marcos pegou o extintor que estava perto do palco e passou a espirrar
espuma para todos os lados, enquanto Zé providenciou uma escada. Em meio
a tudo isso, as atrizes-produtoras tiveram a mesma iniciativa: com os braços
levantados, e as mãos espalmadas para a plateia, pediram calma. Deu certo. A parceira e a amiga eva Wilma
os vagabundos
Wladimir e estragon no palco

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Com o refletor em ordem, Zé Liça deixou o palco e as atrizes voltaram para
suas marcas. Eva olhou para as colegas e perguntou: Bom, em que pedaço
do texto a gente parou?. O público se manifestou com entusiasmo. Foi um
dos maiores aplausos que recebemos em toda a nossa carreira, garante a atriz.
Depois de Brasília, a trupe seguiu rumo a Manaus, onde o imponente Teatro
Amazonas a esperava. Lá, também tivemos casa cheia, com professores,
estudantes, intelectuais e gente que nunca tinha visto uma peça na vida,
diz ela. E assim, a turnê de Esperando Godot percorreu praticamente todas as
capitais da costa brasileira, com apresentações de quinta a domingo. O público
delirava ao ver Eva Wilma como Wladimir e Lilian Lemmertz na pele de
Estragon. Lélia Abramo era frequentemente aplaudida em cena aberta por
sua interpretação do personagem Pozzo.
Lilian dava um banho de interpretação, recorda o amigo Ednei Giovenazzi.
Tinha uma caracterização que a destruía fisicamente, era uma maquiagem
meio expressionismo alemão, uma coisa forte, e ela se colocava sem nenhum
pudor, entregando-se à personagem. Ela era aquele homem. Julia Lemmertz,
então com 14 anos, também se impressionava com o trabalho. Nessa peça,
eu pirei. Adorava observar o Antunes dirigindo. Ia aos ensaios, sabia o texto
decorado, via a Vivinha (Eva) e a minha mãe se maquiando no camarim. E não
me cansava. Essa é a peça que primeiro me pegou.
A dupla jornada, de atrizes-produtoras, não era fácil. Sempre que chegavam
a uma nova cidade, elas arregaçavam as mangas e faziam uma peregrinação
pelas rádios e redações de jornais para divulgar o espetáculo. Também
procuravam as Secretarias de Cultura para pedir apoio para a hospedagem,
sempre em bons hotéis, que ninguém é de ferro. Em 13 das 19 cidades
visitadas, conseguiram gratuitamente toda a estadia para a equipe de
nove pessoas.
Eva e Lilian dividiam o quarto durante as viagens. Quando a gaúcha acordava
e via a colega já toda arrumada, dizia: Ai, meu Deus, ela já está com a roupinha
de pedir. Rapidamente, também colocava seu tailleur para acompanhá-la nas
visitas às secretarias.
Quando estavam prestes a estrear no Rio de Janeiro, o Teatro Nelson Rodrigues,
então Teatro do BNH, onde tinham datas reservadas, cancelou toda a pauta
teatral, passando a funcionar apenas para eventos do banco. As atrizes
rumaram, então, para o Rio Grande do Sul, apresentando-se em Porto Alegre,
Caxias, Pelotas, Santa Maria e Rio Grande. Até que, finalmente, voltaram a
São Paulo. Primeiro, Esperando Godot cumpriu temporada no Teatro Faap.
Depois, escolheram o nobre palco do Municipal para encerrar a vitoriosa
empreitada, com ingressos a preços populares. Resultado: casa lotada em
todas as apresentações.
Na passagem por Sampa, o espetáculo recebeu elogios do crítico Clóvis Garcia,
de O Estado de S. Paulo, em resenha publicada no dia 27 de outubro. As atrizes
conseguem compor os personagens sem que se pense, em nenhum
momento, em travesti, situando-os na necessária impostação simbólica,

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Vera lima, a grande lélia Abramo,
maria Yuma, lilian e eva: de cara limpa
e com a maquiagem expressionista de
esperandO gOdOt
lilian como estragon
em esperandO gOdOt,
dirigida por Antunes Filho

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mas com recursos absolutamente simples. Essa é, a nosso ver, a principal
qualidade da interpretação. Tanto Eva Wilma como Lilian Lemmertz trans-
mitem exatamente as características, material e intelectual, dos dois
personagens centrais.
Minha parceria com Lilian foi muito intensa e afetiva, atesta Eva. A relação
dos personagens tinha certa semelhança com a nossa. Wladimir estava
sempre instigando Estragon a persistir na espera de Godot, que um dia ele
viria. Lilian era mais cética. Eu a provocava, tentando fazê-la acreditar que a
felicidade era possível. Quando ela morreu, fiquei com a sensação de não
ter conseguido convencê-la.
Antunes Filho, que também dirigiria a gaúcha no ano seguinte, na nova
montagem de Quem Tem Medo de Virgínia Woolf?, em que ela interpretou
Martha, enaltece: Adorava trabalhar com Lilian pela sua sempre disposição,
tenacidade, humor e, principalmente, pelo seu vasto talento. Eu a admirava
e a amava como um diretor ama uma atriz que surge com toda aquela grandeza
e humildade. Agradeço aos deuses imortais a oportunidade de conviver
com uma atriz desse porte.
Depois da experiência com Antunes, Lilian voltou ao teatro pelas mãos de
Emílio Di Biasi, ainda em 1978. O diretor paulista havia comprado os direitos
de Caixa de Sombras (The Shadow Box), peça de Michael Cristofer que tocava
num assunto tabu: as doenças terminais. Nessa época, ninguém falava a palavra
câncer, relembra Emílio. Eu precisava de atores com coragem para vivenciar
essa história. Tive medo que não aceitassem, mas as pessoas que convidei
toparam vivenciar um assunto tão delicado.

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Fotos do elenco no programa de Caixa de sOMBras:
lilian, sônia Guedes, Henriqueta brieba, ednei, Antônio Petrin,
Yolanda Cardoso, João signorelli, Flávio Guarnieri e roberto lopes

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A peça foi montada nos Estados Unidos pela primeira vez em 1976 e, no ano
seguinte, levou os prêmios Tony e Pulitzer, os mais importantes do teatro ameri-
cano, na categoria drama. Mas, apesar de falar da morte, há humor de sobra
nos diálogos. Lilian e Ednei Giovenazzi faziam Beverly e Brian, um casal já
separado. Ele sofre de câncer e está internado numa colônia junto a outros
doentes. Na primeira vez que ela vai visitá-lo, só encontra o namorado dele.
Mas encara isso com naturalidade. Era uma personagem com muita compre-
ensão da vida, explica o ator.
Os primeiros ensaios foram difíceis, pois o chororô era grande. Beverly tem
um humor sarcástico, mas depois mergulha em fortes emoções. Eram duas
facetas distintas: a maluquinha, que vai à colônia como se estivesse indo a
uma festa, e a mulher de grande humanidade. Lilian teve um pouco de difi-
culdade para fazer essa transição, explica Emílio. A gente conversava muito,
tentava alguns caminhos, mas não rolava. Até que num ensaio, sem avisar,
ela esperou sua hora de entrar em cena e apareceu com uma caracterização
incrível: colocou todas as bijuterias que tinha, amarrou lenços na cabeça
e foi uma maravilha. Ela se libertou do diretor e tornou a personagem real.
Fiquei louquinho. Entregou-se sem pudor e a emoção veio maior.
Traduzido por Leo Gilson Ribeiro, Caixa de Sombras contava com as participa-
ções de Henriqueta Brieba – então com 77 anos, interpretando uma mulher
cega que não quer morrer –, Yolanda Cardoso, Antônio Petrin, Sônia Guedes,
Roberto Lopes, João Signorelli e Flávio Guarnieri. O cenário era de Gianni
Ratto, um dos nomes mais importantes do ramo, que idealizou um bangalô
no centro do palco e outras cabanas nas laterais. Lilian vestia peças da grife
Incógnita. A produção executiva era de Odilon Wagner, que, junto a Emílio
Di Biasi e Valéria Silveira, lançava a Circus Produções Artísticas. Vimos a
peça em Nova York e nos encantamos imediatamente. Foi essa paixão
que nos uniu e nos incentivou a dar início às atividades da companhia,
lembra Emílio.
Próximo ao início da temporada, ele se reuniu com o elenco para traçar as
estratégias de divulgação. O que estaria em cartaz? Uma comédia? A peça
tinha muito humor, sim, mas o diretor achou que não poderia vendê-la dessa
forma. Precisava ser honesto com o assunto que tratava, mesmo que isso
pudesse afastar algumas pessoas.
A estreia aconteceu no Teatro Faap, em São Paulo. Os convidados garantiram
casa cheia. No segundo dia, Emílio ficou angustiado, pensando se o público
iria comparecer ou não, e foi roer as unhas junto à bilheteria. A aflição virou
euforia. Para se chegar até lá, as pessoas desciam por uma longa escadaria.
Quando começou a ouvir os passos, cada vez mais intensos, respirou aliviado.
O crítico Clóvis Garcia, em O Estado de S. Paulo do dia 26 de maio, dizia:
O tema da morte preocupou sempre os artistas, nas várias formas de
expressão, inclusive o teatro, talvez porque seja a preocupação fundamental
da humanidade. (...) Foi a importância do assunto para cada pessoa e, portanto,
para todos nós, que o jovem autor norte-americano compreendeu ao escrever

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Caixa de Sombras, selecionando três casos diversos, como uma amostragem,
para examinar a atitude do homem diante da certeza da morte imediata.
E prosseguia: Construída com grande intensidade dramática, num contraponto
das três situações, dos condenados à morte e seus familiares, a peça permite
um espetáculo de alto nível desde que o diretor compreenda a força do texto.
Foi o que fez Emílio Di Biasi, resultando numa montagem que prende o espec-
tador, levando-o do riso às lagrimas, num sentido humano que há muito não
víamos no nosso teatro. Somente esse aspecto já credencia Caixa de Sombras
como um dos melhores espetáculos da atual temporada.
Para o elenco, um afago coletivo: Mas o que valoriza excepcionalmente a
encenação é o trabalho dos atores, realmente das melhores interpretações
que temos visto ultimamente e com homogeneidade rara. O naipe feminino
ainda leva uma ligeira vantagem, contando com Lilian Lemmertz, Yolanda
Cardoso, Henriqueta Brieba e Sônia Guedes. Mas Ednei Giovenazzi, talvez no
papel masculino mais difícil, Antônio Petrin, Flávio Guarnieri, Roberto Lopes e
João Signorelli mantêm o alto nível de interpretação.
No programa da peça, guardado por Ednei, há dedicatórias de todos os envol-
vidos no projeto. Cada uma nas respectivas fotos. A de Lilian, escrita sobre
uma imagem em que aparece segurando, com a mesma mão, um copo de
uísque e um cigarro, diz: Com todo meu amor, carinho, amizade e obrigado.
Beverly e Brian deram os prêmios Governador do Estado de melhor atriz e
melhor ator a Lilian e Ednei. Empolgados, os dois compraram a produção
para realizar o espetáculo no Rio de Janeiro. A peça ficou em cartaz no Teatro
Villa-Lobos, em Copacabana. Também viajou por cidades como Brasília, Goiânia
e Belo Horizonte. “
Lilian não fazia o tipo santinha. Era objetiva e clara. Mas com as pessoas de
mais idade, tinha outra atitude: cuidava delas como se fossem bebês. E era
assim com Henriqueta Brieba, a Briebinha, que já estava chegando à casa
dos 80, conta Ednei. Na condição de produtora, fazia questão de colocá-la
sempre no melhor quarto dos hotéis. E cuidava de sua alimentação com
todo carinho.
O amigo recorda ainda que, apesar de ser protagonista e produtora, Lilian
Lemmertz nunca encarnou o papel de primeira-dama da companhia. O elenco
jovem a adorava. As conversas com ela eram instigantes, traziam um sabor
novo, uma visão diferente, fresca. Ela gostava de questionar tudo. Nunca se
comportava passivamente, sempre colocava seu ponto de vista, afirma Ednei.
Ela tinha um frisson por estar viva. Detalhe: houve uma remontagem de
Caixa de Sombras em 1983, com Lilian, Ednei e boa parte do elenco original.
Depois de encenar Michael Cristofer, a atriz voltou aos palcos com um texto
nacional: Tiro ao Alvo, de Flávio Márcio, a primeira produção assinada por
Marco Nanini. Era uma atriz excepcional, admirável. Fiz questão de tê-la
comigo nesse projeto, assegura o ator. Clara, personagem dela, era uma
perua que se escandalizava ao descobrir que a filha, Luísa (Claudia Alencar),
ainda estava virgem. O título do espetáculo faz referência à atividade do

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outro filho (George Otto), especialista em tiro. Sérgio Mamberti interpretava
Erasmo e Nanini vivia Michelzinho, que vinha para desvirginizar Luísa.
Em matéria publicada pelo Jornal da Tarde, em 30 de julho de 1979, anunciando
o início dos ensaios, Lilian comentou:
– Tinham me oferecido Rasga Coração (peça de Oduvaldo Vianna Filho),
mas não gostei do papel. Tiro ao Alvo é uma peça fascinante, não precisa
mudar uma vírgula. É uma comédia desenfreada e trágica. É uma crueldade
um talento desses desaparecer tão jovem, dizia, referindo-se ao autor,
morto aos 34 anos por conta do rompimento dos pontos de uma operação
de amídalas, ainda durante o processo de criação. Apesar do baque, a trupe
foi em frente.
Era uma peça muito moderna para a época, as pessoas não entendiam aquele
tipo de humor. Se fosse encenada hoje, certamente faria muito sucesso, aposta
Julia Lemmertz. Tinha umas cenas malucas, em que a família toda aparecia
se picando, recorda Claudia Alencar, que já havia contracenado com Lilian na
novela Salário Mínimo, da Tupi, exibida de setembro de 1978 a março de 1979.
Mas a primeira vez que a vi foi bem antes. Eu tinha uns 12, 13 anos, e era
vizinha do William, irmão de Walter Hugo Khouri, que estava filmando na
casa dele. Lembro da Lilian na soleira da porta. Ficava impressionada com
sua beleza nórdica, a altura, aquele ar diáfano, conta.
Durante a temporada, o grupo passou por uma situação aflitiva. Acostumados
a verem Lilian chegar ao teatro com bastante antecedência, os atores
estranharam seu atraso numa das apresentações. Já eram 20h30 e Claudia Alencar, lilian
e o extravagante figurino de tirO aO alVO

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ninguém conseguia falar com a atriz. Foi preciso alguém da produção ir
até o apartamento dela para ver se estava lá. E estava: havia caído no sono.
Enquanto o público era avisado de que o espetáculo não começaria no horário
previsto, Lilian – que gostava de se preparar com calma – teve que fazer
tudo correndo, para não atrasar mais ainda. Ela tremia de nervosa. Ficava
repetindo: Deixei todo mundo esperando. Só quem leva muito a sério seu
ofício tem esse tipo de preocupação. Eu não sabia como ajudar, ficamos
na maior adrenalina, mas bastou entrar no palco para o mal-estar passar,
afirma a companheira de cena, cheia de boas lembranças do período,
quando dividiam o camarim.
Tiro ao Alvo não teve o retorno de público esperado, mas está entre os
trabalhos que a atriz gaúcha mais gostava. Ela se divertia com aquela loucura
toda. Os figurinos, maravilhosos, eram assinados pela Barbara Hulanicki,
criadora da butique Biba, de Londres, que fez história como lançadora de
tendências, acrescenta Claudia. É uma pena que o público não tenha
comprado a ideia.
A galeria de grandes personagens, no entanto, ficava mais rica a cada trabalho.
Como no espetáculo seguinte: Patética, de João Ribeiro Chaves Netto,
também falecido precocemente. Mas a gaúcha não estava nos planos iniciais
da montagem, que teve direção e produção assinadas por Celso Nunes.
Quando o autor me entregou a peça, afirmou que, ao escrevê-la, só via
uma atriz no papel da mãe: Lélia Abramo. Logo que o texto conseguiu ser
liberado pela censura, depois de alguns anos de proibição, a primeira coisa
que fiz foi convidá-la para integrar nosso elenco. Convite aceito, iniciamos
os ensaios bem animados, recorda Celso.
Tudo ia bem até que o cenógrafo Flávio Império apresentou seu projeto para
o espetáculo. Lélia, então, detectou um problema: cardíaca, ela teria dificul-
dade em subir e descer escadas. As que estavam previstas no desenho
de Flávio eram íngremes e necessárias, totalmente de acordo com a natureza
da peça e os limites que o Auditório Augusta, o pequeno teatro onde
estreariam, impunha.
O cenário foi mantido, mas Lélia ficou de fora. Foi uma pena e uma grande
dificuldade, pois atrizes de porte não gostam de saber que são a segunda
escolha do diretor, relembra Celso. Enquanto tentava resolver esse impasse,
o ator Ewerton de Castro, também no elenco, chegou com a novidade que
viria a ser a tábua salvadora: ele comentara com Lilian, companheira de
trabalhos como O Último Êxtase e Salário Mínimo, sobre a saída da veterana
atriz. E ela se mostrou interessada. Foi uma luz para todos: para o texto,
para a personagem, para a produção, para mim, para o público, garante
Celso. Fico feliz por ter sido o responsável, completa Ewerton. Adorava
trabalhar com ela. Era uma mulher fantástica, uma grande amiga e uma
profissional no sentido privilegiado da palavra.
Os planos da temporada de Patética incluíam algumas viagens por outros
estados, o que era visto como vantagem pela atriz. Naquele momento, ela vivia
as agruras de um relacionamento conjugal (com Jorge Caron) terminado
e malresolvido. Sair de São Paulo por uns tempos seria oportuno, conta.
Mas o que mais importava mesmo era o fato de ela ter gostado do texto
e do personagem. Como diretor, eu me frustrara tanto quanto o João com
a saída da Lélia, que abriu mão de um papel tão bonito. Mas me enchia
de esperança com a chegada de Lilian, situa Celso, que a conhecia muito
pouco pessoalmente.
Era uma mulher frágil e delicada, que se escondia por trás de um tempera-
mento forte e de uma língua afiada, define ele. Dirigi-la foi uma maravilha:

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Vivendo mãe e filha no teatro,
lilian e Claudia se tornaram grandes amigas

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outro grande momento de lilian nos palcos:
patétiCa, sob a direção de Celso nunes.
A atriz entrou no elenco por sugestão de ewerton de Castro

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ela se revelava atenta, esperta, inteligente, sensível, disciplinada, entregue,
presente, bem-humorada, carinhosa, generosa, amiga, experiente, além de
muito talentosa e linda, linda, linda, enumera. Uma paixão de fazer qualquer
diretor estender tapete vermelho e qualquer produtor querer tê-la para
sempre contratada.
O enredo de Patética gira em torno de uma trupe circense, que resolve contar
uma história trágica passada num núcleo familiar. O autor se valeu da meta-
linguagem para iniciar e desenvolver uma parte da ação como se a plateia
estivesse diante de um picadeiro, apesar de ter ido ao teatro. Tratava-se de
um circo falido e decadente, perseguido pelas autoridades. No meio de
números fracassados, o palhaço Bolota (papel de Ewerton, que dançava
sobre patins a Patética, de Tchaikóvsky) interrompia o espetáculo para,
com o auxílio dos seus companheiros, contar a história de Wlado, que não
era outro senão Wladimir Herzog.
Nessa segunda parte, os integrantes da trupe atuam como atores, embora
enquanto gente de circo eles também fossem palhaço, malabarista, mágico,
levantador de peso, domador, equilibrista. Para compor a parte circense,
Lilian optou por uma odalisca, misto de cigana e cartomante. No transcorrer
da ação, ela vivia uma mãe judia que, tendo conseguido fugir da perseguição
nazista na Europa, acaba perdendo o filho para as forças de repressão política
da ditadura militar brasileira, relata o diretor. Ela, assim como todo o elenco,
oscilava entre os dois papéis, ambos pautados na mais pura realidade histórica,
social e cultural.
O assassinato de Wladimir Herzog, cunhado do autor João Ribeiro Chaves
Netto, ainda era um episódio recente. Então diretor de jornalismo da TV Cultura,
Wlado – como era de fato conhecido – foi convocado pelo Comando do 2º
Exército de São Paulo a prestar esclarecimentos sobre sua atividade política.
Membro do clandestino Partido Comunista Brasileiro (PCB), era um homem
de esquerda, mas não tinha função dirigente ou militância intensa. Ele se
apresentou espontaneamente na sede do DOI-Codi em 24 de outubro de
1975. No dia seguinte, sua morte era anunciada. A versão oficial dava conta
que Herzog havia se enforcado com o cinto do macacão de presidiário que
usava. As fotos de seu corpo pendurado pelo pescoço, distribuídas pelas
autoridades à imprensa, são uma das imagens mais emblemáticas do
período de repressão.
São Paulo inteira tem essa história da morte do Wladimir Herzog entalada na
garganta. Um cancro social não resolvido. O fato de sua viúva, Clarice Herzog,
ter bravamente movido e ganhado uma ação contra a União, desmascarando
a farsa da época, parece ter aliviado um pouco a tensão que envolvia o assunto.
Pelo menos contou para o povo uma história mais real do que a bobagem
que tinham inventado para encobrir o crime que praticaram, diz Celso Nunes.
Pela interpretação da mãe do jornalista, Lilian Lemmertz foi unanimemente
aclamada pela crítica. Efetivamente, o público se emocionava bastante com
ela na cena em que dava seu depoimento sobre a perda do filho e a impu-
nidade dos seus algozes, gente que existia, ainda existe, é criminosa e não
sofreu sanção alguma pelo o que fez, indigna-se o diretor.
Além de Lilian Lemmertz e Ewerton de Castro, a montagem de Patética
contava com as presenças de Antônio Petrin, Vicente Tuttoilmondo e Regina
Braga – então mulher de Celso, com quem teve dois filhos, Nina e Gabriel
Braga Nunes, que também seguiu a carreira de ator. Para mim, um dos
capítulos mais importantes de Patética foi o encontro com Lilian. Só a conhecia
de vê-la no palco. Era muito bonita, ótima atriz, eu sentia fascínio por ela,
conta Regina. Lilian falava de um jeito bem gaúcho, era muito grande e branca.
Chegou com um vestido decotado, frente única, e disse: Já soube, guria,

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que tu disseste que querias que fosse eu. Por que tu querias tanto? Era dessas
mulheres que entram pisando firme.
Durante os ensaios, Regina prestava bastante atenção ao processo de trabalho
da companheira. Era lindo, quase invisível, tamanha a facilidade e a alegria
com que ela criava. Uma vez, numa cena em que a personagem está pedindo
para o filho não ir prestar depoimento, ela gritou: Descobri! É aqui que vai
sair a emoção! Falou isso como se estivesse sentindo algo claro, preciso,
recorda Regina. Era bonita a medida da emoção dela, ao mesmo tempo
intensa e contida. Eu ficava observando todos os dias, querendo captar
aquela sensibilidade, seguir aquele caminho.
A convivência no palco foi levada para o dia a dia. Lilian ficou amiga não só
de Regina, mas também da mãe da atriz. Naquela época, a gente tinha um
sítio em Sarapuí e as duas tomavam cachaça ao lado do fogão de lenha.
Passávamos finais de semana juntas, rindo muito. Às vezes ela era mal-
humorada. Ficava brava e dava palpites no jeito como eu educava meus
filhos. Eu ficava chocada porque ela falava coisas fortes: Você está errada de
fazer isso, não vai dar certo. Apesar disso, a gente nunca se estranhou.
Fomos amigas mesmo.
São muitas as lembranças de bastidores. Lilian chegava invariavelmente cedo
ao teatro e ia para o camarim. De vez em quando, acendia um cigarro e um
incenso ao mesmo tempo. Usava um robe sobre sua roupa íntima e iniciava
uma série de retoques de maquiagem. Se alguém lhe contava uma história
ou piada, ria alto, debochada. Ainda de robe, dava uma volta pelo palco,
sem pressa. Não tinha grande preocupação com a quantidade de especta-
dores a cada sessão. Cuidava com seriedade do seu ofício, conta Celso.
Sobre a convivência com os colegas, ele garante: Era generosa em todos os
níveis: desde dividir as tragadas de um mesmo cigarro até levar chocolate
para os que gostavam. Tratava a todos com igualdade, se simpatizasse com
as pessoas. Caso contrário, fechava-se no seu eloquente silêncio, encostava
a porta do camarim e ninguém nem desconfiava que ela já estivesse ali.
A temporada em São Paulo quase levou o diretor e produtor à falência.
Ele chegou a pensar em parar tudo, vender sua casa e pagar as dívidas.
Mas Ewerton e Lilian insistiram para que a equipe saísse em turnê. Era arris-
cado, mas os atores tinham certeza de que, com a viagem, ele recuperaria o
dinheiro perdido em São Paulo. O giro começou pelas capitais da região Sul:
Curitiba, Florianópolis e Porto Alegre. Na viagem, Regina Braga foi substitu-
ída por Bete Mendes e Vicente Tuttoilmondo, por Eurico Martins. Também
tomavam parte no espetáculo dois outros atores que, ao que me consta,
não seguiram carreira. Um era anão e o outro, fazia nossa contrarregragem,
acrescenta o diretor.
Na capital gaúcha, terra de Lilian, o auê foi grande: ela era parada nas ruas, o
povo a admirava e se enternecia com sua presença. Velhos amigos da impren-
sa deram cobertura total à peça, que teve temporada estendida para mais do
que o dobro do programado. Mais de mil pessoas compareciam ao Cine-
teatro Presidente,
a cada noite.
Companheiro de elenco da atriz em XYZ, nos tempos de teatro amador,
e agora crítico do jornal Zero Hora, Cláudio Heemann escreveu na edição do
dia 6 de setembro de 1980: Lilian Lemmertz parece ter atingido a maturidade
artística. Com fantástica garra de atriz naturalista, ela passa pelos papéis e
fases de seus personagens com segurança, expressividade e verdade.
Realmente uma atuação de alto profissionalismo. Bem medida, certa e
cheia de interioridade.

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Foi em Porto Alegre que aconteceu um dos episódios mais divertidos da
temporada. Celso relata: Quando andávamos pelas ruas do centro da cidade,
Lilian invariavelmente o fazia de braços dados comigo. Um dia, entramos
num café e, antes de sairmos, a garçonete pediu um autógrafo a ela, o que era
comum acontecer. Gentilmente ela atendeu. Daí a maluca da garçonete olhou
para mim e disse: Também me dás teu autógrafo, Avancini? Lilian mordeu o
lábio, beliscou meu braço por baixo do balcão e completou: Vais dar o autógrafo
a ela ou não vais, Walter? Vermelho de vergonha, eu rabisquei no guarda-
napo de papel: Um abraço do Walter Avancini. Foi a conta: a partir de então
ela só me apresentava aos fãs como Avancini e, no teatro, passou a me
chamar, divertida da vida, de Walter. Quando eu respondia com um palavrão,
Walter é a..., ela ria, com aquele mesmo delicioso riso debochado de quando
lhe contavam uma piada.
Da capital gaúcha, o grupo partiu para Salvador. No final, a plateia do Teatro
Castro Alves inteira acenava lenços brancos. Uma emoção poucas vezes
alcançada, recorda Ewerton. O espetáculo também rodou pelo interior paulista,
em cidades como Campinas, Ribeirão Preto, Santos e Bauru. A temporada
foi encerrada onde começou: em São Paulo, desta vez no Teatro João Caetano.
Patética foi o único encontro artístico que Celso e Lilian tiveram. Foi a melhor
peça de teatro que fiz. Talvez não tenha sido o papel mais interessante –
já tive melhores –, mas foi a que mais gostei de fazer. Os outros diretores
me matam, mas é verdade, contou a atriz à revista Gente, algum tempo depois.
O espetáculo ganhou o Molière nas categorias de autor, diretor e ator. Na noite
de entrega, Ewerton teve a companhia de Lilian, escolhida por ele para ser
sua madrinha naquele momento tão especial.

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E ia bailar sem mais aquela

A última novela que Lilian Lemmertz havia feito, O Todo Poderoso, não teve
nem de longe a repercussão esperada. A atriz vivia Matilde, a administradora
de um hospital. A Rede Bandeirantes entrara em campo com um bom elenco –
além dela, estavam Eduardo Tornaghi, Jorge Dória, Selma Egrei, Marco Nanini
e Denise Del Vecchio. Mas a trama, que fazia um paralelo entre as curas
milagrosas realizadas pelo paranormal Emanuel (Tornaghi) e as curas pela
medicina tradicional, a cargo do doutor Cristiano Navarro (Dória), não captou
a atenção do público. Nem a entrada de Carlos Lombardi e Ney Marcondes,
chamados para substituir os autores Clóvis Levy e José Saffiotti Filho, salvou
a novela. Mesmo assim, ela permaneceu no ar durante oito meses: de 19 de
novembro de 1979 a 19 de julho de 1980.
Mas a promissora década estava apenas começando. E como dizia Oswald de
Andrade: A massa ainda vai comer do biscoito fino que eu fabrico. É bem
verdade que a gaúcha já havia experimentado vários momentos de grande
projeção. Títulos como Lilian está em todas acompanharam várias reportagens
sobre a atriz ao longo de sua carreira. Por incrível que pareça, mesmo atu-
ando com frequência em cinema, teatro e TV, seu sucesso continuava sendo
privilégio de uma elite. Portanto, nada se comparava ao que estava por vir.
Só mesmo a força das novelas da TV Globo conseguiria tornar o trabalho da
atriz realmente popular. De ponta a ponta do Brasil.
Àquela altura, o Rio de Janeiro já era o centro cultural do País, ainda que
Júlia e lilian, grandes atores tenham construído suas histórias atuando apenas nos palcos
no início dos anos 80

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paulistanos. Tanto que, certa vez, em sua coluna do Jornal da Tarde, o espirituoso
Telmo Martino escreveu sobre os limites da fama que nomes consagrados,
como Raul Cortez, Cleyde Yáconis e a própria Lilian, sofriam aos pés do
Cristo Redentor. Lilian Lemmertz, apesar de toda a beleza e de todo o talento,
só venceria o esquecimento como aquela moça muda que toma banho nos
filmes de Khouri, brincava ele.
Eis que um convite de Manoel Carlos para estrelar a novela Baila Comigo fez
a diferença. A personagem era especial: Helena, a primeira das heroínas de
mesmo nome que marcariam a obra do autor dali em diante. Maneco, como
é conhecido, havia aplaudido Lilian em Quem Tem Medo de Virgínia Woolf?.
Um bom tempo depois, quando escrevia a sinopse da novela – ainda com o
nome provisório de Quadrilha –, o nome da atriz lhe veio à cabeça na hora de
pensar numa intérprete para essa mulher madura cheia de conflitos, uma das
principais da trama.
Os diretores Paulo Ubiratan e Roberto Talma gostaram da ideia e a convidaram
para ir ao Rio conversar sobre o assunto. Na tarde em que ela visitou a Globo,
eu não pude estar presente. Mas os dois me ligaram entusiasmados, ga-
rantindo: Ela vai dar um banho, você vai ver. Eu ainda perguntei: Ela conven-
ce como a mãe de Tony Ramos? Eles disseram que sim. Fiquei sossegado,
Baila COMigO,
relata Maneco.
detaque nas revistas da época

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Lilian assinou o contrato mesmo sem conhecer muitos detalhes da persona-
gem. Sabia apenas que o nome de Manoel Carlos, um dos homens mais
experientes da história da TV, era garantia de qualidade. Quando recebeu
os primeiros seis capítulos em casa, teve certeza que tinha dado um passo
certo. Passou a noite sem dormir, lendo e relendo o texto. Apaixonou-se
perdidamente.
– Esta novela vai ser novela!, repetia para si mesma.
A trama, cujo título foi tirado da música homônima de Rita Lee, tocada na
abertura numa versão instrumental da dupla Robson Jorge e Lincoln Oli-
vetti, era recheada de conflitos. No passado, Helena deu à luz os gêmeos
Quinzinho e João Victor, vividos por Tony. Os meninos são fruto de um
namoro com o milionário Joaquim Gama, o Quim (Raul Cortez), que não
assumiu a relação. Helena entregou João para ele criar e ficou com o ou-
tro. Ela encontrou no médico Plínio (Fernando Torres) a salvação para não
viver como mãe solteira. Mesmo sem estar apaixonada, aceitou casar com
ele, que cuidou do garoto como se fosse filho legítimo. João, por sua vez,
foi criado pelo pai na Europa, acreditando que Marta (Tereza Raquel) é sua
verdadeira mãe. Os dois cresceram sem que um soubesse da existência
do outro.
– Ela tinha só 18 anos quando foi mãe solteira. Aí, casou com Plínio, um
casamento agradável e fácil de levar mediante algum esforço conjunto dos
dois. Mas não foi uma opção dela. Foi falta de opção. Plínio assumiu a pater-
nidade e limpou a barra. E ela tem vergonha de ser mãe solteira, sim. Por-
que é uma pessoa tradicional, antiga, está com 45 anos e viveu um tempo
em que as mulheres eram por demais reprimidas, principalmente no sexo.
Então o Quim ficou como o amor de juventude. E Plínio é o amor estável,
calmo. Não pense que a Helena mentiu por amor ao Quim. Nada disso. Eu
acho que, se pudesse, vingava-se dele por não ter assumido os filhos, nem
ter se casado com ela, analisava a atriz.
O ponto de partida da trama é o aniversário de 27 anos dos gêmeos. É quan-
do Helena fica sabendo, através dos jornais, da volta da família de Quim ao
Brasil e passa a sofrer com o dilema de contar ou não a Quinzinho que ele
tem um irmão. Na sua cabeça, acha que nunca será perdoada. Já no primei-
ro capítulo, numa sequência de quase seis minutos, Helena levanta da cama
durante a madrugada para beber água e encontra o rapaz dormindo no sofá
da sala. Ele acorda e os dois começam a conversar.
Ela fala: Dizem que os filhos sempre têm que pedir perdão aos pais porque
estão sempre em falta. Eu já não penso assim. Acho que toda mãe e todo
pai deviam se ajoelhar diante dos filhos. É verdade. Helena pede perdão e
Quinzinho não entende nada. Me perdoa por tudo o que eu fiz e por tudo o
que eu deixei de fazer. Me aceita como eu sou, tá? Me aceita assim, com
meus defeitos. E se um dia você por acaso ficar muito zangado comigo, eu
só te peço uma coisa: tem pena, tem pena da tua mãe, tá? Por favor. Ela
chora e os dois se abraçam.
A estreia de Baila Comigo aconteceu em 16 de março de 1981. Pouco tempo
depois, a interpretação de Lilian era assunto na imprensa. A edição de Veja
de 6 de maio trazia matéria com o bombástico título: Lilian vira ídolo. No
mesmo mês, a extinta Manchete chegava às bancas no dia 23 com o artigo
Lilian Lemmertz: Nunca é Tarde para a Fama, assinado por Lúcia Leme. E
hoje ela faz a minha Helena como eu jamais poderia imaginar melhor. É per-
feita, dizia Maneco à jornalista.
Lúcia marcou a entrevista com Lilian no apart-hotel onde ela estava hospe-
dada, no mesmo Leblon que serviria de cenário para as futuras Helenas.

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o ar sofrido de Helena em cena
contrastava com a alegria de
lilian lemmertz nos bastidores,
divertindo-se com terezinha
sodré, tony ramos, o diretor
Paulo ubiratan e uma visitante
especial, Julia lemmertz

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Com os grandes parceiros de Baila COMigO,
Fernando torres e tony ramos

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Vendo-a aparecer com os cabelos molhados e escorridos, o rosto lavado,
atravessar a rua em direção ao bar mais próximo, pedir um chope, observar
a tarde, o céu, a criança loura que passa, brincar com o cachorro pequinês
irritado, enfim, sentar calmamente no calçadão da Delfim Moreira e passar
despercebida é ter a certeza de que ela tem pouco a ver com seu papel.
A jornalista estava admirada ao constatar que Lilian era mais moça, mais alta
e mais magra que a personagem. Na TV, o maquiador Eric Rzepecki a deixava
mais velha e mais sóbria. Prendia seu cabelo e colocava um coque de vovó.
Afinal, Helena não era o tipo de mulher que frequentava salão de beleza.
– Nisso, sou um pouco parecida com ela. Sei que não sou feia, mas não me
acho especialmente bonita. Também não sou muito cuidadosa comigo. Nem
tenho vergonha de não ser vaidosa. Minha filha é que me cobra isso. Algumas
vezes, a gente sai junto e ela pede para eu colocar um rimelzinho, um blush,
mas não ponho, não. Meus cabelos são muito finos e estão começando a ficar
grisalhos. E em duas coisas eu não penso: pintar os cabelos e fazer plástica.
Pessoalmente, na opinião de Lúcia, a atriz era ainda mais descontraída,
mais extrovertida, mais objetiva, racional, e, portanto, mais simples. E se faz
bem a Helena – a ponto de levar o autor a declarar que hoje escreve para
o sorriso de Helena, a voz de Helena, as mãos de Helena, o olhar de Helena e
eu não sei o que seria de Helena sem Lilian – é por puro talento, já que a
própria concorda não haver identificações entre ela e Helena Seixas Miranda.
– Eu acredito profundamente na Helena e, aí, dá para brincar, dá para rir ou
chorar, sem fazer o menor esforço. Claro que não é todo papel que dá para
você acreditar. Com alguns, é até preciso fazer de conta mesmo. Em Baila
Comigo não tenho que fazer força. Basta acreditar e ir em frente. Sem vaidade,
não é? Se tivesse vaidade, como é que iria fazer a Helena? Não falo no sentido
de beleza. Falo em entrega, em deixar de ser você mesma e estar à disposição
da personagem.
A construção de uma mulher simples, comum, que é mãe de família, cuida
do marido e se preocupa com questões do cotidiano, deu à atriz uma popu-
laridade nunca antes experimentada. Mesmo num elenco estrelado, como
nomes do porte de Fernanda Montenegro, Reginaldo Faria, Carlos Zara, Betty
Faria, Susana Vieira, Arlete Salles, Natália do Valle, Otávio Augusto, Maria
Alves, Narjara Turetta e até Fernanda Torres, em sua estreia na TV, a gaúcha
brilhava com soberania, encantando cerca de 40 milhões de brasileiros a
cada capítulo.
Telespectador fiel da novela, o jornalista Artur Xexéo relembra: Com poucos
capítulos no ar, a trama crescia quando se deslocava para a casa de Santa
Teresa, onde moravam Plínio e Helena. Era uma casa típica de família brasileira
da classe média, com grandes almoços aos domingos, televisão à noite e,
a surpresa nas novelas até então, um amor na maturidade capaz de prender
a atenção do espectador tanto quanto as aventuras românticas dos jovens
de outros folhetins. E arremata: Atores cinquentões serviam (até então) para o
papel de avô. Ou o do velho cheio de manias da casa ao lado.
Em conversa com Rose Esquenazi, da revista Gente, no dia 15 de junho,
Lilian garantia:
– Acho que é a melhor novela que já fiz. Essa trama tem uma qualidade:
as pessoas têm uma vida e ela é mostrada. Quando surge um problema
de falta de dinheiro, por exemplo, os personagens aparecem trabalhando,
andando de bonde. A empregada não é aquele tipo sempre mostrado na TV,
que serve o cafezinho e vai embora sem falar com ninguém. Ela tem vida
própria, pede dinheirinho toda semana. Os personagens não ficam com um

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copo de uísque conversando sobre a vida.
Eles agem e esse é o mérito da novela.
A atriz vivia, de fato, um dos pontos altos
de sua carreira. Mas sempre com os pés no
chão. Quando ela estourou na TV, sua vida não
mudou. Tudo para ela vinha no seu tempo,
atesta a amiga Belinha Abujamra. A maratona
de trabalho era tão grande que a atriz teve
de deixar de lado a cortina de tricô, ainda seu
grande hobby, iniciada durante a temporada
de Patética. Ela ficava feliz quando acertava.
Nunca a vi deslumbrada, confirma Ednei
Giovenazzi. A mãe guardava todos os textos
da Helena. Eram pilhas e pilhas de papel, recorda Julia Lemmertz.

Lilian era de uma generosidade grande em cena. E tinha essa alma tortuosa
das Helenas, avaliza Christiane Torloni, que em Baila Comigo viveu Lia,
filha de Helena e Plínio, e, vinte e dois anos depois, foi a Helena de
Mulheres Apaixonadas.

– No começo, parecia que Lia não vivia naquela casa, pois ninguém dava
bola para ela. Aos poucos, Christiane e eu fomos estabelecendo um pouco
de tato, uma coisa carinhosa. A partir daí, estava construído o relacionamento.
As pessoas acreditam porque a gente acredita. Quando Quinzinho foi para
a Europa e ficou ausente da casa de Santa Teresa, eu disse para o Tony:
Sabe de uma coisa? Estou com saudades do Quinzinho. Sim, o Tony estava
lá, mas o Quinzinho, não. Nós vivenciamos a família. Nas cenas em que fui
severa com Fernando Torres, por exemplo, me achei tão dura que depois da
gravação eu dei um beijo nele, ilustrou Lilian, numa das inúmeras entrevistas
concedidas na época da novela.
Em conversa com a revista Manchete, Fernando se manifestou sobre o trabalho
da colega: Lilian é uma atriz respeitabilíssima, que me obriga a responder a
seus estímulos cênicos com outros de igual intensidade, o que é profunda-
mente enriquecedor para um ator. Tony Ramos também se impressionava
com a capacidade de concentração de emoção da colega. Era uma integração
cênica tão perfeita que dava força e responsabilidade a quem contracenava
com ela, afirma.
Mas que ninguém viesse com aquele papo de que estava roubando a cena:
– Não acho justo dizerem isso. Uma novela que tem Fernanda Montenegro,
Tereza Raquel, Tony, Fernando, enfim, um monte de gente boa, eu não posso
roubá-la. Nesse trabalho, as pessoas são amigas e houve um raro aconteci-
mento de paixão total de um elenco por um texto, por uma obra, por um
trabalho. As pessoas se elogiam, veem as cenas umas das outras, todo mundo
muito estimulado. Uma coisa muito bonita, do tipo unidos venceremos.
E o segredo de Helena, grande conflito da trama, mobilizava o País:
– Se eu estivesse no lugar dela, não saberia o que fazer. As pessoas geral-
mente tomam partido. Umas acham certo a Helena mentir sobre a origem
dos filhos, outras acham errado. Mas acredito no amor dela por Plínio. Ela ainda
vai descobrir isso e desmistificar o primeiro namorado, uma mania que toda
mulher teima em não esquecer. Até eu mesma, pois o meu primeiro namorado
já morreu, mas eu não me esqueço dele.
em cena,
lilian e Fernanda montenegro

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A verdade é que o sentimento de culpa da personagem só seria aliviado
mesmo quando ela revelasse a Quinzinho a existência de seu irmão gêmeo.
Os intérpretes de mãe e filho sabiam da importância da cena e se empenharam
ao máximo para realizá-la com a carga de emoção que a situação pedia.
Lembro-me nitidamente de como ela, uma das maiores atrizes que esse
País já conheceu, e eu discutíamos certas cenas, conta Tony Ramos. Quando o
capítulo que trazia a revelação finalmente chegou, o ator convidou Lilian para
ir à sua casa. Nós estávamos preocupados com esse momento. Minha mulher,
Lidiane, preparou uma comidinha, Lilian foi jantar com a gente e aproveitamos
para ler e reler o texto, conversar sobre as reações, estudar bem a cena que
gravaríamos no dia seguinte.
Por sugestão da atriz, que nos primórdios da TV fez novela ao vivo, ainda em
Porto Alegre, a gravação foi feita sem interrupções. Apesar do corre-corre
que envolve uma produção como aquela, os detalhes desse dia estão claros
na memória de Tony, tantos anos depois: Paulo Ubiratan e Roberto Talma
prepararam o estúdio A da emissora, onde hoje é feito o Jornal Nacional,
para que a ação fosse contínua. Passava pela sala, cozinha, culminando com
uma grande emoção dos dois. Ela revelando tudo aquilo, certa revolta do
Quinzinho... Ensaiamos para os câmeras terem uma ideia. Havia um deles
que ficava esperando a gente no outro cenário, como era na TV ao vivo.
De primeira gravamos e de primeira ficou. Não houve repetição. Uma linda
cena. Quando saíram do estúdio, Lilian e Tony choraram por quase uma hora
sem parar, tamanha a entrega.
– No dia seguinte, não podia abrir os olhos, de tão inchados. Eu não sei
forjar, não consigo chorar gratuitamente. Foi muito difícil, sofríamos muito,
lembrava ela.
O público também queria saber: com quem a heroína ia ficar? Afinal, ela ainda
se pegava pensando em Quim, o amor da juventude. À revista Amiga, Manoel
Carlos garantiu: Eu não cometeria o suicídio de separar Helena e Plínio. Eles são
um casal muito querido do público e eu jamais faria uma deselegância dessas.
Um flerte com Quim até que é possível, porém sem maiores consequências. A primeira Helena de manoel Carlos,
sucesso absoluto em Baila COMigO

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Com mário lago, numa externa de Baila COMigO,
na Cinelândia e, ao lado, posando com os cabelos soltos
para a revista amiga

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Convenhamos que isso seja recurso de autor que ainda não chegou ao fim
de sua obra e que tem de mantê-la por algum tempo no ar.
Ao longo da trama, muitas vezes a separação do casal pareceu iminente.
A verdade dos gêmeos vindo à tona quase faliu a relação. Mas a vitória desse
amor maduro, que atravessava todas as crises, foi, sem dúvida, um dos
grandes trunfos do texto.
– Plínio é a pessoa que está na cama dela, aquecendo-a dia a dia, um ser
amável, passível de muito afeto e é impossível que ela não se dê conta disso,
defendia a atriz.
Já na reta final da novela, Lilian Lemmertz arrumou um tempinho na agenda
para dar uma entrevista a Marília Gabriela na TV Mulher. A certa altura da
conversa, a atriz revelava:
– Tem uma frase da novela que não esqueço: Eu tenho 45 anos, casada,
dois filhos e ardendo. Isso é verdade. Aos 45 anos você não está morta.
Eu tenho 44 e não estou morta.
Opinião compartilhada pela jornalista Liane Alves, de O Estado de S. Paulo,
para quem Helena foi uma personagem muito forte porque Lilian deu sexo a
uma mulher comum, de classe média. A matéria foi citada por Marília durante
a conversa no programa matinal. E a atriz foi mais fundo na análise:
– O texto toca muito as mulheres. Tem um momento que ela diz pra filha:
Me pergunto a partir de que idade a gente acha que não dá mais para
recomeçar. Essa frase também me tocou muito. Maneco usa um pouco a
Helena como porta-voz das mulheres de meia-idade. Será que eu sou de
meia-idade? Acho que sou, não sei. Quando eu tinha 30 anos, parecia que
os 45 eram uma coisa muito longínqua. Eu tinha horror à ideia. Agora, que
tenho 44, acho ótimo. Eu estou fazendo de conta que eu sou Helena, mas
eu represento uma determinada faixa da mulher brasileira.
Separada mais uma vez, Lilian não descartava um novo amor, mas alertava:
– Um casinho sim, casamento não!
Além da consagração profissional, Baila Comigo trouxe também uma sensação
nova, e um tanto complicada, para a atriz: o assédio do grande público de tele-
visão. A mãe não gostava de dar autógrafo. Se viesse com guardanapinho
então..., diverte-se Julia. As manifestações efusivas ou enérgicas demais a
deixavam assustada.
– Outro dia, uma velhinha me agarrou tanto o braço que fiquei com alguns
pequenos hematomas. Mas não temo o sucesso, pois é uma decorrência
natural de um trabalho levado a sério, feito com fé e com a coragem de
acreditar na personagem, contou à repórter Lúcia Leme, da Manchete.

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Um dia, por exemplo, Lilian resolveu caminhar pelo calçadão da orla carioca
e começou a ouvir o povo falando: Lá vai ela! É ela, sim. Um pouco constran-
gida, resolveu apertar o passo, olhando fixo para o horizonte. Acabou pisando
num cocô de cachorro e voltou para casa com o sapato na mão.
Quando aparecia no prédio onde morava, em São Paulo, as crianças gritavam
o nome da personagem. Não raro, alguma empregada batia em sua porta,
oferecendo serviço. Na verdade, e ela tinha certeza disso, todos queriam ver
de perto aquela que há meses entrava em suas salas todas as noites, sem
pedir licença, para mostrar os dramas de Helena.
Ironicamente, mesmo com 25 anos de carreira, muitos telespectadores
– e até gente de imprensa – perguntavam: É sua primeira novela?. No começo,
ela explicava que não, que antes nem todas as tramas passavam no
Brasil inteiro, mas depois desistiu de ficar contando a história de sua
vida todos os dias.
Ainda na conversa com Marília Gabriela na TV Mulher, Lilian comentou:
– Já passou o tempo em que a gente escolhe a profissão dos filhos, eles é
que escolhem. Então eu não sei se seria essa a profissão (de atriz) que eu
queria para a Julia, não tenho certeza. Também não sei qual a que eu gostaria.
Quero que ela seja feliz. Agora tem uma coisa: se ela escolhe essa profissão,
eu fico torcendo para que dê certo. Não quero que ela passe vexame.
Baila Comigo acabou em 25 de setembro de 1981, uma sexta-feira. Na segunda,
28, Lilian estava em frente à TV para sintonizar a Rede Bandeirantes e ver a
filha estrear como Bia em Os Adolescentes, de Ivani Ribeiro, a mesma autora
que escreveu sua primeira novela, O Terceiro Pecado, treze anos antes.
– Não me envolvo na resolução de Julia trabalhar na televisão. Não tive
problemas com meus pais, que curtiam minha participação, embora nem
pensassem que me tornaria profissional. Não dou ordens a ela, dou palpites.
A única imposição foi que não deixasse os estudos. Não gostaria que ficasse
apenas uma atrizinha de televisão, que só sabe representar de frente. Já lhe
disse isto. Não é o vídeo que vai dar a medida de ser atriz, mas o teatro.
Assim como a mãe, Julia estreava meio sem querer aos 18 anos. Tinha feito
fotos para a agência Galharufas, da esposa de Ewerton de Castro, Mayara,
quando um produtor resolveu chamá-la para um teste.
Durante aquele intenso ano de 1981, Lilian só lastimava não ter podido estar
presente em dois momentos importantes na vida de Julia: o aniversário de
18 anos e a conclusão do Segundo Grau.

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Não sei se é nova ilusão
O furacão Helena tinha acabado de passar. Ao invés de voltar para São Paulo,
como era previsto, Lilian Lemmertz decidiu continuar vivendo no Rio de Janeiro.
Ela, que adorava praia, gostou do modo de vida carioca. Morou no Leblon e
em Copacabana, até se instalar de vez num amplo apartamento do Edifício
Seabra, na Praia do Flamengo, esquina com a Ferreira Vilar.
Quando tomava sol, ela gostava de fazer topless, pois em sua visão uma
atriz não podia ficar com marca de maiô ou biquíni. Estava tudo indo bem,
obrigado, mas havia uma pergunta que não queria calar: Que personagem
estava destinado a ela depois de uma experiência tão forte?
– Quando desempenho um papel, posso me deslumbrar com ele e depois
até sentir saudades. Como tenho de Helena. Me apaixonei por ela. Mas não
quero mais repeti-lo. Quando terminei a novela, estava cansada.
Lilian foi reservada para o elenco de Sétimo Sentido, novela de Janete Clair
que estreou em março de 1982 no horário das oito. Antes do início das
gravações, porém, a Globo mudou de ideia e a escalou para O Homem
Proibido, trama de Teixeira Filho, inspirada no romance de Nelson Rodrigues.
Uma ousadia, levando-se em conta o horário de exibição: seis da tarde.
Flávia, a personagem da atriz, era casada com o doutor Dario (Leonardo Villar)
e mãe de Sônia (Elizabeth Savalla). Quando a sobrinha Joyce (Lídia Brondi)
vem morar com a família, acaba demonstrando interesse pelo noivo da prima,
doutor Paulo Villani (David Cardoso, o astro das pornochanchadas). Apesar
dos nomes de Nelson e David, a novela não teve nada de inesperado para a
faixa das seis. Era um típico folhetim, com a vilã Joyce atrapalhando o amor
do casal de pombinhos. Um amor assim delicado, você pega e despreza,
cantava Caetano Veloso na música Queixa, escolhida como tema de abertura.
Como sempre, Lilian fez boas amizades. Elizabeth Savalla foi uma delas.
A jovem atriz virou par constante da companheira de cena, ainda engatinhando
na vida social do Rio de Janeiro. Eu gostava de chamá-la para almoçar e jantar
fora. Era uma companhia divertida, antenada, cheia de boas histórias para
contar. Tínhamos muita coisa em comum, ríamos bastante quando estávamos
juntas, diz a atriz, que dois anos mais tarde a reencontraria em Partido Alto,
novamente como sua mãe.
O Homem Proibido ficou no ar de 2 de março a 20 de agosto de 1982. Um dia
após a gravação de sua última cena, Lilian foi entrevistada novamente por
Marília Gabriela no quadro Ponto de Encontro, no programa TV Mulher.
A própria jornalista começou o bate-papo afirmando que Flávia era um
personagem morno. A atriz foi sincera na resposta:
na pele de Flávia, na novela
– Eu me sentia um pouco neutra. O hOMeM prOiBidO,
exibida pela Globo em 1982

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Não sabia bem o que eu fazia. Há papéis que foram feitos para você, há outros
que não. Mas tudo bem, a gente faz.
O volume de trabalho também rendeu a Lilian uma crise de apendicite:
– Eu achava que isso era coisa de adolescente. Nunca pensei que,
depois dos 40, poderia passar por
um sufoco desses.
Três meses depois, mais precisamente em 29 de novembro, a atriz voltava à
telinha, estreando no horário das sete com Final Feliz, de Ivani Ribeiro,
a primeira com quem trabalhou em novelas, ainda nos tempos da Excelsior.
Essa foi a única trama inédita que a autora escreveu na nova casa – as outras
eram remakes de textos feitos para outras emissoras. Até hoje uma das
mais lembradas, a abertura de Final Feliz se passava dentro de um cinema
onde a plateia formada por Carmen Miranda, Marilyn Monroe e Charles
Chaplin, entre outros ícones, via cenas de beijos (e de tapas também) dos
clássicos de Hollywood. A música Flagra, que acompanhava as imagens,
virou um dos maiores hits de Rita Lee: No escurinho do cinema, chupando
drops de anis, longe de qualquer problema, perto de um final feliz. O nome
da atriz gaúcha aparecia com destaque nos créditos: Lilian Lemmertz como
Maria Luiza. A trilha contava ainda com Fagner, A Cor do Som e duas
Com leonardo Villar,
novidades que dariam o que falar: a banda Barão Vermelho, com Cazuza
parceiro na trama das seis,
no vocal, e Madonna. e com Célia biar, colega em final feliz

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A personagem da gaúcha tinha duas filhas: Débora (Natália do Valle) e Suzi
(Lídia Brondi). A relação construída com as atrizes foi realmente maternal.
Natália, que estava casada com Paulo Ubiratan, diretor geral da novela, passou
a conviver com ela também longe dos estúdios. Sempre que possível, aprovei-
tavam as horas vagas juntas. A praia era um dos destinos mais frequentes.
Ela me adotou mesmo. A gente brincava de mamãe e filhinha, recorda Lídia
Brondi, afastada do meio artístico desde o início dos anos 1990. As duas já
haviam contracenado nas novelas Baila Comigo – as cenas entre Helena
e a destemperada Mira Maia eram fortíssimas – e O Homem Proibido,
mas só na época de Final Feliz é que ficaram realmente próximas. Tanto que
Lilian foi madrinha de seu primeiro casamento, com Ricardo Waddington,
acontecido durante a novela.
Trabalhei com bastante gente, mas com muito poucas eu tive uma aproxi-
mação tão intensa. Era uma amizade linda, que mantivemos até sua partida,
diz Lídia, que também foi filha de Lilian em Roque Santeiro, de 1985.
Mas, nesse caso, era só uma participação especial. Todos achavam que
Sinhozinho Malta (Lima Duarte) havia assassinado sua esposa, vivida pela
gaúcha, mas a morte dela tinha sido um suicídio, revelado em flashback.
Pouco antes de aparecer em Roque, Lídia deu à luz Isadora. E Lilian adorou
exercitar seu lado vovó.
Boa parte das cenas de Final Feliz era gravada em Fortaleza. As viagens
para a capital cearense se tornaram frequentes. Ao longo da trama, Maria Luiza
também foi para lá. Uma das locações principais era uma aldeia de pesca-
dores na Praia do Futuro. Mesmo quando não havia necessidade de sua
presença, Lilian acompanhava a equipe ao set, para não ficar sozinha no hotel.
Ela, então, arrumava uma barraquinha e ficava lendo, até chegar a hora do
almoço. A gente sempre começava as gravações pela praia, com as cenas dos
pescadores, recorda o diretor Mário Márcio Bandarra.
No elenco, Lilian reencontrou Walmor Chagas, com quem fez par romântico.
Outro velho amigo presente era Stênio Garcia, que já havia trabalhado com
ela em vários momentos: na companhia de Cacilda Becker, em filme de Walter
Hugo Khouri e na própria Excelsior, tudo nos anos 1960. Agora, a gaúcha era
uma atriz do primeiríssimo time da Globo. Mas a simplicidade, segundo ele,
continuava a mesma. A história fez muito sucesso. Nesse período, as novelas
começaram a ser vendidas para Portugal. Graças à Final Feliz, as praias
cearenses foram descobertas pela Europa, situa ele, que vivia o pescador
Mestre Antônio.
A personagem de Lilian ficava hospedada na casa de Rodrigo (José Wilker),
cujas cenas só eram gravadas no final da tarde. O curioso é que, nessa época,
ninguém se preocupava com protetor. Havia muito vento, a temperatura
estava amena, não dava para imaginar que aquele sol pudesse fazer estrago.
Até que Paulo Ubiratan apareceu um dia todo roxo, recorda Mário Márcio.
Mas Lilian, por conta da pele branca, tinha um protetor solar que mandava
fazer em farmácia de manipulação. Quando viram o Paulo daquele jeito,
todos quiseram a receita dela, diverte-se.
Os parceiros lembram que, apesar do trabalho intenso, não faltava diversão.
Lilian era uma companhia muito agradável. A equipe tinha grande prazer em
estar com ela, diz Stênio. Uma mulher alegre, que gostava de contar piada,
mas que também não escondia nada do que estava sentindo. Se tivesse de
falar alguma coisa, não fazia rodeios, acrescenta o ator.
A atriz não dispensava uma cervejinha com a turma da técnica, pois continuava
curtindo jogar conversa fora após o trabalho. O câmera Pedrinho Pelicano era
uma de suas companhias mais constantes.

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lilian em dois momentos televisivos:
final feliz e O hOMeM prOiBidO

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Nessa época, havia dois cassinos clandestinos em Fortaleza: o Guarani e
o Éden, que era mais chique. Sempre que podiam, eles corriam para lá.
Quando chegávamos, cada um ganhava US$ 50 dos donos para jogar,
recorda Stênio. Nos divertíamos muito. E eu, como nunca fui de beber,
ficava responsável por reunir o grupo na hora de voltar para o hotel, recorda.
Também ficávamos à beira da piscina até alta madrugada, conta Mário Márcio.
Às vezes, íamos virados para as gravações.
Na trama que substituiu Final Feliz, a revolucionária comédia Guerra dos Sexos,
de Sílvio de Abreu, Lilian também marcou presença. A atriz fez uma pequena
participação como a elegante Valquíria, uma dona de galeria, ex-amante
do malandro Zenon (Edson Celulari).
A volta às novelas, de fato, aconteceu em 1984, com Partido Alto. Em apenas
três anos, era seu quinto trabalho na Globo. Não entendi o enredo desse
samba, amor, dizia a letra de Enredo do Meu Samba, de Jorge Aragão,
gravada por Sandra de Sá especialmente para a abertura. Ironicamente,
os versos do samba não poderiam ser mais apropriados. Desde o começo,
o enredo da novela estava destinado a levar dez em fantasia, mas perder
em harmonia. A emissora havia decidido lançar não apenas um, mas dois
autores no horário nobre. E o mais complicado: eles jamais tinham traba-
lhado em parceria. Para dizer a verdade, sequer se conheciam. Os nomes?
Aguinaldo Silva e Glória Perez.
A costureira nancy e a porta-bandeira
Boni queria Glória, que tinha dividido com Janete Clair Eu Prometo, último
Jussara (betty Faria), na novela
trabalho da grande novelista, enquanto Daniel Filho preferia Aguinaldo, partidO altO de1984
bem-sucedido autor de minisséries e seriados. Não tivemos nem o tempo
de intimidade suficiente para transformar os dois estilos num terceiro. marilu bueno, irmã na trama
e grande amiga na vida real

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A novela foi muito problemática por causa disso, recorda o autor, que deixou
a trama antes do final para escrever a minissérieTenda dos Milagres.
Partido Alto entrou no ar dia 7 de maio, com uma história que se dividia entre
a zona sul carioca e o bairro do Encantado, no subúrbio, mostrando a trajetória
de diversas personagens femininas nesses dois universos. Lilian Lemmertz
interpretava Nancy, uma costureira pobre que vivia afastada da filha Isadora
(Elizabeth Savalla), criada pelo pai, o rico industrial Amoedo (Rubens Correa).
A propósito, era a segunda Nancy na carreira televisiva de Lilian – a outra foi
a marcante vilã de Xeque-Mate, na Tupi.
Muitas cenas fortes pontuavam a trama. A costureira, que no presente morava
com a irmã Sulamita (Marilu Bueno) no subúrbio, teve a filha arrancada dos
braços ao dar à luz, vinte e três anos antes. Mas na cabeça de Isadora, a mãe
é que tinha abandonado tudo para viver com outro homem. Cecília (Eva Todor),
irmã de Amoedo, tentava fazer a ponte entre as duas, mas a filha era radical.
Para mim, a minha mãe morreu no dia que eu soube que ela estava viva, no dia
em que entendi que ela não queria estar perto de mim. Por isso, não está, dizia
a personagem de Elizabeth Savalla no primeiro capítulo. Acontece que não
me deixaram ser mãe, lamentava Nancy.
Longos 174 capítulos depois, Isadora é informada pela tia Cecília que a mãe
está para se mudar de cidade. Depois de muita hesitação, ela decide procurá-la
e chega à casa com seu filho pequeno nos braços. Com os olhos cheios de
lágrimas, Nancy caminha em direção ao bebê. Eu passei minha vida inteira
esperando encontrar você. Eu passei minha vida inteira procurando uma
maneira de me aproximar de você, diz a mãe. Me perdoa, nunca mais vou
te deixar na vida, responde a filha, também emocionada. Isadora leva Nancy
até sua casa para que Amoedo peça perdão. Mais chororô. Depois, tudo
acaba bem: todos aparecem na plateia do show que Irene (Norma Bengell)
apresenta numa boate, cantando Estrada do Sol.
Apesar de nossas personagens passarem a história inteira longe uma da
outra, sempre que eu podia corria para onde ela e Marilu Bueno estivessem,
relembra Elizabeth Savalla, pela segunda vez no posto de filha de Lilian
Lemmertz. Betty Faria, Cininha de Paula e Elizângela também ficavam
sempre junto delas. Era uma turma bem animada, não havia essa coisa
moderna de estrelismo. Pelo contrário. Apesar dos contratempos, éramos
muito unidas.
Intérprete da impagável Sulamita, Marilu virou uma das grandes amigas da
gaúcha. As duas costumavam frequentar a Majórica, tradicional churrascaria
do Flamengo, próxima ao apartamento da atriz. Às vezes, eles fechavam as
portas e nós ficávamos tomando nosso chope junto com os cães de guarda
já soltos no salão. Mas o papo era tão bom que não dava vontade de ir embora,
diz ela, saudosa.
Cininha de Paula, hoje também diretora, adorava trabalhar com Lilian.
A primeira novela que fizemos juntas foi Final Feliz, mas só em Partido Alto é
que formamos um núcleo de amizade. Não tenho palavras para explicar o que

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achava dela. Como amiga, era muito generosa, tinha sempre palavras de
conforto. Ela me deu muita força, na carreira e na vida particular. Disse-me
palavras tão bonitas em momentos que nem sempre temos quem faça
isso. Era fantástica como ser humano e como atriz. Em sua primeira novela
como diretor, Carlos Magalhães, o Magá reforça: Sempre me lembrarei de
Lilian como uma pessoa muito importante em minha vida. Era minha estreia
e ter sido acolhido por ela com tanto carinho foi, para mim, fundamental,
completa Magá.
Ana Lúcia Torre, por sua vez, não lembra exatamente como e quando conheceu
Lilian, apesar de terem dividido os créditos de O Homem Proibido. Mas foi
uma de suas companheiras nesses últimos anos de vida. Eu sempre ia à
casa dela. Às vezes, ela me levava para acompanhar alguma gravação.
Mas não era uma relação pautada pelo trabalho em comum. Nós éramos
amigas mesmo, de apoiar, de ir ao cinema junto, de conversar bastante,
de se divertir, afirma Ana. Ela vivia muito intensamente. Era um turbilhão.
A amizade era mesmo do tipo na saúde e na doença. Foi Ana quem a socorreu
durante a crise de apendicite. Lilian me ligou dizendo que estava com uma
dor de estômago bem forte e que já tinha até vomitado. Comprei remédio e
fui levar para ela. Depois de tomar, foi dormir mais tranquila. No dia seguinte,
a dor voltou. E acabei levando-a a um pronto-socorro, onde foi novamente
medicada, relata. Até que, no outro dia, veio uma crise violenta durante
uma gravação. Lilian não conseguia nem andar com tanta dor. Colocaram-na
numa Kombi, que sacudiu pelas ruas até a clínica Bambina, em Botafogo.
Foram umas cinco horas de cirurgia, havia uma infecção por todo o abdômen,
não sei como ela aguentou tanto sofrimento.
Também foi Ana quem apresentou aquela que se tornou a fiel escudeira da
atriz no apartamento do Flamengo: Conceição Correia de Souza, a Ceição.
Como patroa, ela não precisava ser muito exigente, pois eu sabia direitinho
o que tinha de fazer, a maneira como ela gostava das coisas. Quando havia
alguma briguinha, logo tudo voltava ao normal, comenta ela. Dona Lilian me
dava presentes, me levava para almoçar fora, perguntava minha opinião sobre
as roupas que escolhia para sair. E se eu falasse que não estava legal,
ela aceitava, garante a doméstica.
Em datas especiais, como a noite de entrega do Oscar, a atriz gostava de
receber amigos como Ednei Giovenazzi e Beatriz Lyra em casa. Conceição
fazia umas comidinhas e a farra seguia noite adentro. No dia a dia, Lilian
gostava mesmo era de carne assada com frutas. No prédio antigo – que parecia
uma igreja, segundo Conceição –, os ambientes foram decorados pelas duas
com muitas plantas. No quarto, a gaúcha fez questão de colocar uma crista-
leira, que tanto adorava. Mas a lembrança mais forte da empregada é a da atriz
apresentando-a sempre como uma amiga a qualquer pessoa que encontrasse,
em casa ou na rua.

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Com José de Abreu na minissérie
O teMpO e O VentO, de 1985
em que viveu a personagem bibiana

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Toda alma de artista quer partir

A década de 1980 deu uma sacudida na vida de Lilian Lemmertz. A atriz trocou
São Paulo pelo Rio de Janeiro, viu seu trabalho ser finalmente reconhecido
em todo o Brasil através das novelas da Globo, passou a conviver com o
assédio de fãs, acompanhou os primeiros passos da filha Julia na mesma
profissão... A primeira metade daqueles anos foi bastante intensa. A carreira
que tinha começado lá em Porto Alegre por completo acaso, transformou-se
numa trajetória vitoriosa, sem grandes sacrifícios ou histórias tristes para
contar. Como ela mesma costumava lembrar:

– Nunca em minha família houve indícios de alguém querer ser ator. Eu nunca
tive aquele papo de teatro no fundo do quintal. Por isso é que falo em destino.
Acredito nele, em termos. Acho que você faz o seu. O meu destino artístico
não fui eu. Foi o acaso. Sou uma mulher de sorte. Porque hoje não conseguiria
me imaginar fazendo outra coisa.

Mas, de repente, a melancolia tomou conta de Lilian. Foi nesse período


que Belinha, amiga de toda a vida, a viu pela última vez. Eu estava com o
(Antônio) Abujamra em Nova York. Um dia, resolvi ligar e a achei estranha
ao telefone. Senti um aperto danado. Voltei ao Brasil e fui direto para o Rio
de Janeiro, ficar um pouco com ela, relembra. Conversamos bastante sobre
nosso passado, com muitas lembranças boas. Nada que significasse que o
fim estava próximo.

Àquela altura, nem o teatro fazia a amiga se animar. Ela andava amuada.
Tudo o que lhe era oferecido, recusava. Um dia, Julia estava num banco e
encontrou Paulo Betti. Ele comentou que tinha mandado para Lilian o texto
de Ação Entre Amigos, de Márcio de Souza, casado com Ida Vicenzia, irmã
de Linneu Dias. Ela, no entanto, não havia dado resposta. Eu disse: Mãe,
um projeto como esse, com gente bacana, vai te fazer bem, vai te colocar
em movimento. Mesmo que não seja uma peça incrível, vale pelo exercício.
Insisti à beça para ela fazer, recorda a filha, que naquela época, aos 23 anos,
já morava sozinha.

Paulo conheceu a veterana atriz por intermédio de Celso Nunes, durante


a temporada de Patética. Na noite em que fomos apresentados, ficamos con-
versando até altas horas, na frente do teatro, sentados no meio-fio, situa o ator.
Eu admirava muito a Lilian como atriz. E a achava linda. Gostava das atitudes
dela, das coisas que falava. Havia uma grande afinidade entre nós.

A ideia de convidá-la para o trabalho foi do próprio autor, que escreveu a


personagem pensando em Lilian. Paulo ligou, falou sobre o projeto e pediu

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para deixar o texto no apartamento dela, no Flamengo, para que fosse lido.
Lilian só deu retorno mesmo depois que Julia entrou em ação. Dias depois,
ela marcou uma reunião com Paulo, Eliane Giardini (então esposa do ator) e
Antônio Grassi. Disse que tinha achado o texto legal e que faria a peça, pois
gostava de todos os envolvidos, conta o ator e diretor. Ficamos muito
contentes por ela topar, mas, ao mesmo tempo, apreensivos, pois estava
muito, muito frágil.

Ação Entre Amigos é um texto policial e gira em torno de um casal que vai
para a região serrana passar um final de semana. Ele, um militar envolvido
em torturas no passado, começa a receber uma série de telefonemas
ameaçadores, o que deixa o casal em polvorosa. Lilian e Luís Carlos Arutin
interpretavam o casal. Desde o começo dos ensaios, ela estava maravilhosa
no papel. Mas, de vez em quando, tinha um problema no queixo, que saía do
carro, conforme dizia, então era preciso segurá-lo, relata. Um dia, ela apareceu
com o braço na tipoia, pois um ladrão tentou assaltá-la e a machucou.
Então, os ensaios aconteciam com ela segurando o queixo com o braço na
tipoia, mas com uma classe, uma categoria... Era um talento maravilhoso e
todos nós estávamos apaixonados.

Além de Paulo, Eliane, Grassi, Arutin e Lilian, o elenco de Ação Entre Amigos
contava com Andréa Beltrão, Mário César Camargo, Tatiana Delamare,
Vinícius Salvatore, Telmo Fernandes e Ida Vicenzia. Todos nós sabíamos
que Lilian não estava bem, mas achávamos que o trabalho seria bom para ela,
afirma Paulo.

Ao mesmo tempo em que se preparava para o espetáculo, Lilian aceitou


um convite para voltar à TV. A adaptação do livro Negro Leo, de Chico Anysio,
publicado em 1985 e transformado em especial no ano seguinte, foi seu
último trabalho na telinha. No romance, um jornalista é convocado a fazer
uma reportagem sobre o personagem-título, um famoso bandido da Praça
Mauá, no Rio. A história dele é reconstituída através de depoimentos das
mulheres, dos amigos e dos policiais que o perseguiam. A direção de
Paulo Ubiratan foi ousada: todos os personagens aparecem conversando
com a câmera, dando ao telespectador a chance de se colocar no papel
do repórter investigativo.

Foi ideia de Daniel Filho transformar o livro em programa de TV, mostrando uma
faceta diferente do criador da Escolinha do Professor Raimundo. A adaptação
do texto foi feita por Euclydes Marinho e Luiz Gleiser. Exibido em 30 de maio
de 1986 – uma semana antes da morte da atriz –, Negro Leo trazia em seu
elenco nomes como Lima Duarte, Hugo Carvana, Eva Wilma, Regina Duar-
te, José Dumont, Paulo Gracindo, Milton Moraes e Míriam Pires. Com tanta
gente talentosa reunida, o programa não tinha como dar errado. Acabou
rendendo um prêmio internacional para a TV Globo.

Em três cenas curtas, Lilian Lemmertz desempenha o papel da mulher oficial


do personagem. Meu pai não queria que eu me casasse, achava que eu
merecia coisa melhor, diz a atriz na primeira aparição do especial, já bem
frágil, com pouquíssima maquiagem, na porta de uma casa simples.
Essa mulher sem nome e cheia de amargura não parece ter as melhores
lembranças do homem que amou. Submissa, teve que suportar, além do
desprezo, o perfume azedo das prostitutas com quem ele passava as noites.

O Negro Leo só queria uma coisa dela: um filho macho, que veio apenas na
terceira gravidez, num parto ruim, pior dos três. Mas, nem assim, ele deu

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as caras no hospital. E tudo isso é dito por Lilian em flagrantes cotidianos:
confeitando um bolo ou servindo um café, com a economia e a precisão
que eram suas marcas registradas. A participação dela na minha história foi
deslumbrante, como, aliás, tudo o que fez, recorda Chico Anysio. Mais do que
interpretar, ela viveu a personagem. Juntando as três sequências, são cerca
de cinco minutos em cena, mas o suficiente para se transformar numa bela
e tocante despedida do veículo que lhe deu tanta popularidade.

Quando o programa foi ao ar, os ensaios da peça Ação Entre Amigos estavam
adiantadíssimos. Nessa época, Julia morava no Vidigal e sempre passava
pelo Flamengo para dar carona à mãe. Um dia, depois de tentar falar com
ela várias vezes, sem sucesso, resolveu ir ao apartamento para ver o que
estava acontecendo. Quando abriu a porta, viu o jornal intacto no chão, do
jeito que havia sido jogado. Ao cruzar o corredor, encontrou a mãe caída na
banheira. Estava gelada.

Enquanto isso, no teatro, todos já estavam aflitos com a demora, ainda mais
por se tratar de Lilian Lemmertz, sempre corretíssima em relação aos horários.
Até que veio o telefonema de Julia com a inesperada notícia: a atriz estava
morta. Provavelmente desde a madrugada, quando chegara do ensaio anterior,
por volta das duas, e resolvera tomar um banho. Sofreu um enfarte no
lilian em negrO leO, miocárdio ali mesmo na banheira. Tinha 48 anos. Apenas 48 anos.
seu último trabalho na tV

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Lá fora, com as ruas enfeitadas de verde e amarelo, as pessoas
só pensavam na vitória do Brasil na Copa do México. Dentro do
prédio, o clima era de consternação. Rapidamente os amigos come-
çaram a chegar ao apartamento. Lídia Brondi foi uma das primeiras.
Ajudei a vesti-la. Foi um momento muito difícil para mim. Nunca tinha
perdido ninguém, era a primeira pessoa próxima a mim que morria,
conta, emocionada. Andréa Beltrão fez uma maquiagem em seu
rosto. Foi a coisa mais bonita que eu vi uma atriz fazer para outra,
diz Paulo Betti. Enquanto isso, Julia começou a tratar da parte prática.
Não sabia de onde retirava força. Linneu Dias veio correndo para
ficar junto dela. Assim como a avó, dona Lila, que soube da notícia
pelo rádio.
O grande amigo Ednei Giovenazzi estava em Londrina, visitando
a família, quando viu pela TV o que tinha ocorrido. Voltou imedia-
tamente para dar o último adeus. Pouco tempo antes, Lilian havia
me visitado em São Paulo. Ficamos uma semana inteira grudados.
Eu estava encenando a peça O Rei do Riso e ela ia comigo ao
teatro todos os dias. Nesse período, comentei sobre minha mãe
de santo, Marina, e ela quis conhecê-la. Essa senhora previu uma
morte na vida dela. Quando Lilian me contou, fiquei quieto. De certa
forma, eu já estava preparado. Aquela semana foi nossa despedida.
Um encontro intenso, lindo, diz ele.
Lilian foi sepultada no túmulo 14.092 do Jardim da Saudade, na zona
oeste do Rio, numa tarde de sábado ensolarada, típica do outono
carioca. Cerca de 400 pessoas acompanharam o cortejo. O Brasil
perdeu sua atriz mais refinada, mais requintada, de teatro, de cinema
e de TV, disse abalado Walmor Chagas aos jornalistas presentes. Miguel
Falabella, Flávio Rangel, Beatriz Segall, Osmar Prado, Henriqueta Brieba, Ítalo
Rossi, Guilherme Karan, Rosamaria Murtinho, Nathália Timberg, Joana Fomm,
Milton Gonçalves, Edson Celulari, Tássia Camargo, entre muitos outros nomes,
foram levar o último aplauso.
Ao descer à sepultura, localizada num gramado, sob a sombra de uma árvore
frondosa, o caixão foi coberto com flores brancas e amarelas. Apenas o irmão
Cássio e sua mulher, Sônia Beatriz – que deram a Lilian quatro sobrinhos:
Hugo, Roberto, Eduardo e Luciano –, não conseguiram chegar a tempo de
se despedir. Estavam acompanhando a Copa. Não havia voo direto e eles só
aterrissaram no Rio de Janeiro um dia após o enterro.
Gaúcho como Lilian, o escritor Caio Fernando Abreu escreveu uma tocante
crônica sobre a atriz, publicada pelo O Estado de S. Paulo em 10 de junho,
cinco dias após sua partida. Como quem muda um canal de televisão, continuei
vivo. Pra rebater a morte, fui ver o show de vida de Elza Soares. E bebi e fumei
e conversei e amei mais e mais ainda. Mas dentro de qualquer movimento,
a morte de Lilian. E dei pra lembrar de uma única conversa nossa, quando ela
fazia Esperando Godot, e fui entrevistá-la. Falamos uma tarde inteira.
Ela era mais que linda. Era viva, sarcástica, tensa, confusa.
Meio desmedida. E rainha.
E mais: Lilian era nobre. Eu pensava em atrizes, enumerava: Marília Pêra,
Fernanda Montenegro. E Lilian Lemmertz, com aquela raça, aquele porte,
a boca inesperadamente frágil e amarga, desmentindo o brilho às vezes frio
dos olhos. Um certo ar de Jeanne Moreau, e ninguém como ela. Que nem
chegou a ter seu grande papel, sua Fedra, sua Petra, seu Pixote, sua hora de
estrela. Brilhante, mas, ao fundo, aquele ar de humanidade despedaçada que uma das últimas fotos da atriz

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Marília também suporta. Ouvir Lilian falando era ficar arrepiado, olhos cheios de
lágrimas: o humano excessivo aterroriza e maravilha. Igual à morte e ao amor.
Caio dizia ainda: Guardo Lilian na memória não como a professora de Lição
de Amor, a bêbada de Caixa de Sombras ou a dona de casa de Baila Comigo –
escolho guardá-la metida na pele de um dos vagabundos de Samuel Beckett.
Barriga falsa, suspensórios, calças pelo meio da canela, chapéu-coco.
Meio clown, esperando por Godot. Que chegou, afinal. Lilian estava sozinha.
Ele a levou consigo. Terá sido frio seu súbito abraço? Quem sabe não.
No final da crônica, o escritor revelava: Agora, no fim da noite de domingo,
longe do colo morno do amor, a morte visita o apartamento e fico pensando
em como recuperar minha imortalidade após este próximo ponto final, preciso
dela, amanhã de manhã. Quando o mundo continuará igual. Só que sem
Lilian. E, portanto, um pouco mais feio, um pouco mais sujo. Mais incompre-
ensível, e menos nobre.
Artur da Távola também manifestou sua tristeza na coluna que assinava no
jornal O Globo. Lilian era uma espécie de sacerdotisa da arte de representar:
despojada, exigente consigo mesma e com os demais, severa oficiante da
liturgia cênica, escreveu. A atriz parece haver partido como veio. Em silêncio
e solidão, recatada, discreta. Pertenceu Lilian a um raro naipe de atrizes de
papel e lugar próprios, dessas que não se fabricam em série. Artistas que
fazem de si mesmos a tela onde os personagens sofrem a dor que é de todos,
mas só eles sentem e expressam na própria carne.
Paulo Betti chegou a cogitar o cancelamento da temporada de Ação Entre
Amigos. Mas o autor Márcio de Souza achou que manter a encenação seria
uma forma de homenageá-la. A duas semanas da estreia, Jaqueline Laurence
foi chamada para substituí-la. Na noite em que faleceu, ela teve seu melhor
ensaio. Pelo menos, demos a chance de ela morrer fazendo o que mais
gostava, que era estar no palco, pondera Paulo.
Era uma atriz esplendorosa. Ela tinha um mundo dentro dela. Não tem
como a gente se conformar com essa perda. É uma pena morrer tão cedo.
Ela se junta a Cacilda Becker. Se junta a Glauce Rocha. No dia seguinte à
sua morte, dediquei a récita de Fedra à memória dela, recorda Fernanda
Montenegro, viúva de Fernando Torres, com quem Lilian viveu grandes
momentos em Baila Comigo.
A morte nunca é aceita. A da Lilian foi menos ainda pelo inesperado. Ela não
aparentava ter doença alguma e, de uma hora para a outra, nós a perdemos.
Foi chocante, lamenta Chico Anysio. Lilian passou por aqui feito um cometa.
Intenso e lindo, resume Lídia Brondi
Foi muito duro aceitar sua partida. Foi e é até hoje, garante Belinha Abujamra.
Ela era um exemplo, um modelo, tenho enorme gratidão por ter desfrutado
de sua amizade, festeja Selma Egrei. A falta que Lilian faz à cultura de nosso
País e as lembranças que ficaram, como atriz, amiga e ser humano, me fazem
sentir completamente incapaz de traduzir o tamanho dessa ausência. O que
posso dizer é que muitas vezes eu a sinto ao meu lado, me soprando ao ouvido
quando esqueço o texto em cena, diz Luís Gustavo. Continuo apaixonado
por ela, afirma Tatata Pimentel.
Talvez as pessoas muito sensíveis não consigam ultrapassar o túnel da
mediocridade. O mundo está-se tornando medíocre, sem glamour, com perso-
nagens descartáveis. Mas é claro que Lilian estaria nos palcos e nas telas

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brilhando intensamente como a estrela que sempre foi, linda, acredita
Ney Latorraca. Acompanhei sua carreira desde o começo. Lilian tinha um
amor enorme pelo trabalho. Falava de teatro com grande prazer. Era uma
pessoa cheia de vida, conta Stênio Garcia. E ainda deixou como herança essa
belíssima atriz que é Julia. É o mesmo refinamento que Lilian tinha. Sinto
orgulho de conhecê-la desde pequena. Sou meio paizão dela também.
Quando Lilian morreu, a filha estava encenando O Que o Mordomo Viu,
no mesmo papel vivido pela mãe em 1971, sob o título de Quanto Mais Louco
Melhor. Após a temporada, Julia fez uma novela na extinta TV Manchete,
intitulada Mania de Querer (a única lembrança é o calor insuportável que
sentia), ganhou uma bela grana, desfez-se do apartamento do Flamengo e
deixou o Brasil. Foi aí que a ficha caiu. Passou um ano viajando, tentando
entender tudo o que tinha acontecido.
Eu fui chorar a morte da minha mãe, realmente, um ano depois. Na hora foi
assustador. A quantidade de coisas que tinha de fazer como filha, como única
pessoa responsável por aquela situação, foi muito intensa, recorda. Dentro da
crise que atravessava, nunca me passou pela cabeça que ela pudesse morrer.
Depois eu pensei: Puxa, ela deu tantos toques de que estava desistindo.
Era uma mulher engraçada, divertida, louca, inteligente, mas estava num
momento muito difícil, muito sem graça, não achava nada bom. Não estava
dando pé, ela desistiu e foi embora.

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laços eternos:
Alexandre e belinha Abujamra, amiga de lilian
por toda a vida, no batizado de miguel
A família de lilian: Cássio, o irmão de sangue;
ednei, o irmão escolhido; a filha Julia, o genro
Alexandre e os netos luiza e miguel

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Julia encena deus da CarnifiCina,
ao lado de Paulo betti, diretor de
açãO entre aMigOs, a peça que
lilian ensaiava quando morreu
luiza lemmertz no palco,
seguindo os passos da mãe e da avó

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Mais de 20 anos depois da partida de Lilian, os laços de Julia Lemmertz e
Ednei Giovenazzi continuam fortes. Até hoje ele a trata como Juju, enquanto
ela o chama de tio. No apartamento do ator, em Copacabana, fotos dela
e de seus filhos, Luiza e Miguel, podem ser vistas em porta-retratos e em
quadros de cortiça. Ao falar de Julia, ele chega a se emocionar. A marca que
Lilian deixou não aparece só na atriz. A relação de Julia com o marido,
Alexandre Borges, com as crianças, os empregados, os amigos, é de total
retidão. Isso foi algo que a mãe plantou em sua formação. Lá de cima,
ela deve se regozijar ao ver a maneira como a filha conduz sua vida.

Julia já era mãe de Luiza quando conheceu Alexandre, nos bastidores da


novela Guerra Sem Fim, na extinta TV Manchete, em 1993. O ator, que tinha
lembranças fortes da atuação de Lilian em Baila Comigo, passou a conhecer
mais a fundo o trabalho da atriz a partir da convivência com a mulher. Foi o pai
de Alexandre, Tanah Corrêa, quem administrou durante dez anos, em São Paulo,
o Cine-Arte Lilian Lemmertz, no Shopping Pompeia Nobre.

Mais do que uma grande atriz, hoje Lilian, com certeza, adoraria ser reveren-
ciada por outro papel: o de avó-coruja. O neto Miguel é um garotão cheio de
saúde, divertido, e que sonha, por ora, ser jogador de futebol. Já Luiza,
que adora fotografar, bem que tentou resistir, mas acabou seguindo os passos
das Lemmertz, garantindo mais uma geração nessa bela dinastia. Ainda
pequena, havia atuado, sem grandes pretensões, no curta-metragem Glaura,
de Guilherme de Almeida Prado, ao lado da mãe, de Alexandre e do grande
José Lewgoy. Contudo, a partir de 2009, resolveu encarar o palco como
profissão, pelas mãos de José Celso Martinez Corrêa, interpretando a atriz
Maria Della Costa na peça Cacilda!! Estrela Brazyleira a Vagar. Como integrante
do grupo Oficina, viaja pelo Brasil mostrando o repertório recente da companhia,
que inclui ainda O Banquete, Taniko e Bacantes.

Lilian certamente repetiria o que disse certa vez, quando Julia abraçou a
carreira de atriz:

– Se ela escolhe essa profissão, eu fico torcendo para que dê certo.

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A vida da atriz

Teatro
Como atriz amadora
À Margem da Vida (1956)
XYZ (1959)
O Pai (1960)
A Bilha Quebrada (1961)
Testamento de Cangaceiro (1962)

Como atriz profissional


Onde Canta o Sabiá (1963)
A Noite do Iguana (1964)
Toda Donzela Tem um Pai que é uma Fera (1964)
Mary, Mary (1964)
Quem Tem Medo de Virginia Woolf? – no papel de Benzinho (1965)
Mulher, Esse Super-Homem (1966)
Dois na Gangorra (1968)
O Que é Que Vamos Fazer Essa Noite?(1969)
Hamlet (1969)
A Relação (1970)
Um Uísque Para o Rei Saul (1971)
Quanto Mais Louco Melhor (1971)
É Hoje!... (1972)
Entre Quatro Paredes (1974)
Roda Cor de Roda (1975)
Esperando Godot (1977)
Quem Tem Medo de Virginia Woolf? – no papel de Martha (1978)
Caixa de Sombras (1978)
Tiro ao Alvo (1979)
Patética (1980)
Caixa de Sombras – remontagem (1983)
Ação Entre Amigos (1986) – Lilian morreu no período dos ensaios

Cinema
O Corpo Ardente (1966)
As Cariocas (1966)
As Amorosas (1968)
Copacabana, Mon Amour (1970)
Barão Olavo, o Horrível (1970)

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Palácio dos Anjos – dublagem (1970)
Um Certo Capitão Rodrigo – dublagem (1971)
Cordélia, Cordélia (1971)
As Deusas (1972)
Um Intruso no Paraíso (1973)
Aquelas Mulheres – inacabado (1973)
O Último Êxtase (1973)
O Anjo da Noite (1974)
Lição de Amor (1976)
O Desejo (1976)
Aleluia, Gretchen (1976)
Paixão e Sombras (1977)
Amantes da Chuva (1979)
Eros, o Deus do Amor (1981)
Tensão no Rio (1982)
Janete (1983)
Patriamada (1985)

TV
O Terceiro Pecado – Excelsior (1968)
A Menina do Veleiro Azul – Excelsior (1969)
Nenhum Homem é Deus – Tupi (1969)
O Tempo Não Apaga – Record (1972)
Quero Viver – Record (1972)
Vendaval – Record (1973)
Xeque-Mate – Tupi (1976)
Tchan! A Grande Sacada – Tupi (1976)
Salário Mínimo – Tupi (1978)
O Todo Poderoso – Bandeirantes (1979)
Baila Comigo – Globo (1981)
O Homem Proibido – Globo (1982)
Final Feliz – Globo (1982)
Guerra dos Sexos – participação especial – Globo (1983)
Partido Alto – Globo (1984)
O Tempo e o Vento – Globo (1985)
Roque Santeiro – participação especial – Globo (1985)
Negro Leo – Globo (1986)

Especiais
Novelas e teleteatros da TV Piratini – Porto Alegre (1960)
Teatro 2 – teleteatros da TV Cultura (1974 a 1976)
Panorama – apresentação (1976)

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The cheaTer

Poema de Linneu Dias (1928-2002)


escrito para Lilian e publicado no livro Urbia

I once loved a woman


Who died many years ago.
I left her as if she was lefting me,
I left her as I couldn’t help it,
by force of destiny, as it were.
Now I am alone, growing old,
and I live in a small apartment
with some memories of her.
Other memories come to me as I hear songs
or think of her, by chance or coincidence.
And sometimes I feel her presence around me,
and I hear her voice, lamenting and accusing me,
You said it was to be forever, she says,
and I cry, and I say: be quiet, it’s all over now,
nothing can be done, what is past is past,
there’s no returning, please forgive me,
and let me forget. But she is always here,
inside my mind and my heart,
and she will never go, and she will come
to take me with her, as the moment comes,
that moment I try to delay as much as I can.

São Paulo 17|05|00

Júlia com o pai linneu dias

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Referências bibliográficas
BARBOSA, Neusa. Rodolfo Nanni – Um Realizador Persistente. São Paulo:
Imprensa Oficial, 2004.

BERNARDO, André; LOPES, Cíntia. A Seguir, Cenas do Próximo Capítulo.


Rio de Janeiro: Panda Books, 2009.

DIAS, Linneu Moreira; organização Ida Vicenzia Flores. Urbia. Rio de Janeiro:
Garamond, 2003.

FERNANDES, Ismael. Memória da Telenovela Brasileira. São Paulo: Editora


Brasiliense, 1987

GÓES, Marta. Regina Braga – Talento é um Aprendizado. São Paulo:


Imprensa Oficial, 2008.

KHOURY, Simon. Atrás da Máscara I. Civilização Brasileira, 1983.

LEBERT, Nilu. Beatriz Segall: Além das Aparências. São Paulo:


Imprensa Oficial, 2007

PRADO, Luís André do. Cacilda Becker, Fúria Santa. São Paulo:
Geração Editorial, 2002.

STEEN, Edla van. Eva Wilma: Arte e Vida. São Paulo: Imprensa Oficial, 2006.

STERNHEIM, Alfredo. Cinema da Boca – Dicionário de Diretores. São Paulo:


Imprensa Oficial, 2005.

VÁRIOS. Autores – Histórias da Teledramaturgia. Editora Globo, 2009.

Revistas
Veja, Amiga, Manchete, Contigo, Intervalo, Gente, Romântica, Ilusão,
Desfile, Homem, Revista do Globo e Cartaz

Jornais
Zero Hora, Folha da Tarde, Correio do Povo, Última Hora, Jornal do Brasil,
Folha de S. Paulo, O Estado de S. Paulo, O Globo, A Província do Pará,
A Gazeta, Aqui, Jornal da Tarde, Jornal da Semana, Jornal do Arena e
Gazeta de Vitória

TV
Programa TV Mulher(TV Globo 1981|1982)
Retratos Brasileiros – Lilian Lemmertz
direção: Marco Altberg (Canal Brasil)
Video Show (TV Globo)

Sites
www.imdb.com
www.teledramaturgia.com.br
www.mulheresdocinemabrasileiro.com
estranhoencontro.blogspot.com

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Créditos Das Fotografias
Acervo Lilian Lemmertz 23, 24, 48(a), 48(b), 49, 50, 51, 52, 53, 54, 55, 57,
58, 59, 74, 75, 82, 83, 86, 87, 88, 89, 90, 91, 92, 193, 194, 195

Acervo Alfredo Sternheim 10

Acervo Antonio Gilberto 202

Acervo Belinha Abujamra 34(a)(b), 35, 36, 37

Acervo Eva Wilma 220, 222, 223

Acervo Ewerton de Castro 232, 233

Acervo Julia Lemmertz 270, 271(b)(c)(e)

Acervo Luís Gustavo 140,141

Acervo Nice Martinelli 214, 215

Acervo Rixa 238

Acervo Rui Spohr 27, 28, 29, 30, 31, 33

Augusto F. Carneiro

CEDOC – TV Globo 241, 242, 243, 245, 246, 247, 248, 253, 255, 256, 257,
258, 262, 263, 267

Cleodon Coelho 271(a)(e)

Débora Catalanni 14, 19, 265, 275, 4a capa

Derly Marques 104, 105

Fredi Kleeman 56, 67, 100(a)(c)(d), 101, 102, 107(a)(b)

Guga Melgar 272

Guilherme Mansur 211(a)(c)

José Moura 133

Marcos Santilli 149

Mario Meirelles 131

Maureen Bisiliat 68, 73

Ruth Toledo 151, 152, 154, 155, 156-157, 159, 160, 161, 163, 164, 165, 168,
169, 170, 171, 175

Sérgio Sade 207, 208, 209, 211b, 212, 1a capa

Vânia Toledo 228, 229

A despeito dos esforços de pesquisa empreendidos pela Editora para identificar


a autoria das fotos expostas nesta obra, parte delas não é de autoria conhecida
de seus organizadores. Agradecemos o envio ou comunicação de toda informação
relativa à autoria e/ou a outros dados que porventura estejam incompletos,
para que sejam devidamente creditados.

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Agradecimentos
Adilson Marcelino, Alberto de Paiva Araújo, Alessandra Andrade, Alexandre
Borges, Alfredo Sternheim, Ana Lúcia Torre, André Briesi, Andrea Ormond,
Belinha Abujamra, Cacau Hygino, Carlos Magalhães, Cássio Lemmertz,
Celso Nunes, Cininha de Paula, Chico Anysio, Chico de Assis, Christiane
Torloni, Clara Angélica, Claudio Erlichman,Clayton Policarpo, Conceição
Almeida, Cyro Scarpa, David Cardoso, Ediane Porto, Ednei Giovenazzi,
Eduardo Escorel, Elizabeth Savalla, Emílio Di Biasi, Eva Wilma, Ewerton
de Castro, Fabiana Karla, Fabiane Cavalcanti, Fúlvio Stefanini, Gilberto
Braga, Gustavo Gontijo, Hermila Guedes, Ivete Brandalise, Josué Nogueira,
Kizzy Magalhães, Leo Ferreira, Lídia Brondi, Luís Gustavo, Luís Francisco
Wasilewski, Luiza Lemmertz, Lygia Vianna Barbosa, Manoel Carlos, Marcos
Porto, Marcos Taquechel, Maria do Horto, Mariana Mônaco, Mário Márcio
Bandarra, Mariozinho Vaz, Michelle Valle, Mila Moreira, Natália do Valle,
Ney Latorraca, Nice Marinelli, Nilson Xavier, Otávio Augusto, Paulo Betti,
Raphael Rosa, Renata Chaves, Richard Kiaw, Rixa, Rui Spohr, Sílvio Almeida,
Sílvio Essinger, Stênio Garcia, Sylvio Back, Tatata Pimentel, Tatto Medini,
Tony Ramos, Vagner Fernandes, Valesca Campos, Walderez de Barros,
Wanessa Campos, Zezé Motta e, especialmente, Rubens Ewald Filho
e Julia Lemmertz.

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Coleção Aplauso Críticas de B.J. Duarte – Paixão, Polêmica e Generosidade
Luiz Antonio Souza Lima de Macedo
SéRie Cinema BRaSil Críticas de Edmar Pereira – Razão e Sensibilidade
Alain Fresnot – Um Cineasta sem Alma Org. Luiz Carlos Merten
Alain Fresnot Críticas de Jairo Ferreira – Críticas de invenção:
Agostinho Martins Pereira – Um Idealista Os Anos do São Paulo Shimbun
Máximo Barro Org. Alessandro Gamo

Alfredo Sternheim – Um Insólito Destino Críticas de Luiz Geraldo de Miranda Leão – Analisando
Alfredo Sternheim Cinema: Críticas de LG
Org. Aurora Miranda Leão
O Ano em Que Meus Pais Saíram de Férias
Roteiro de Cláudio Galperin, Bráulio Mantovani, Anna Muylaert e Cao Críticas de Ruben Biáfora – A Coragem de Ser
Hamburger Org. Carlos M. Motta e José Júlio Spiewak

Anselmo Duarte – O Homem da Palma de Ouro De Passagem


Luiz Carlos Merten Roteiro de Cláudio Yosida e Direção de Ricardo Elias
Desmundo
Antonio Carlos da Fontoura – Espelho da Alma
Roteiro de Alain Fresnot, Anna Muylaert e Sabina Anzuategui
Rodrigo Murat
Djalma Limongi Batista – Livre Pensador
Ary Fernandes – Sua Fascinante História
Marcel Nadale
Antônio Leão da Silva Neto
Dogma Feijoada: O Cinema Negro Brasileiro
O Bandido da Luz Vermelha
Jeferson De
Roteiro de Rogério Sganzerla
Dois Córregos
Batismo de Sangue
Roteiro de Carlos Reichenbach
Roteiro de Dani Patarra e Helvécio Ratton
A Dona da História
Bens Confiscados
Roteiro de João Falcão, João Emanuel Carneiro e Daniel Filho
Roteiro comentado pelos seus autores Daniel Chaia e Carlos Reichenbach
Os 12 Trabalhos
Braz Chediak – Fragmentos de uma vida Roteiro de Cláudio Yosida e Ricardo Elias
Sérgio Rodrigo Reis
Estômago
Cabra-Cega Roteiro de Lusa Silvestre, Marcos Jorge e Cláudia da Natividade
Roteiro de Di Moretti, comentado por Toni Venturi e Ricardo Kauffman
Feliz Natal
O Caçador de Diamantes Roteiro de Selton Mello e Marcelo Vindicatto
Roteiro de Vittorio Capellaro, comentado por Máximo Barro
Fernando Meirelles – Biografia Prematura
Carlos Coimbra – Um Homem Raro Maria do Rosário Caetano
Luiz Carlos Merten
Fim da Linha
Carlos Reichenbach – O Cinema Como Razão de Viver Roteiro de Gustavo Steinberg e Guilherme Werneck; Storyboards de Fábio
Marcelo Lyra Moon e Gabriel Bá
A Cartomante Fome de Bola – Cinema e Futebol no Brasil
Roteiro comentado por seu autor Wagner de Assis Luiz Zanin Oricchio
Casa de Meninas Francisco Ramalho Jr. – Éramos Apenas Paulistas
Romance original e roteiro de Inácio Araújo Celso Sabadin
O Caso dos Irmãos Naves Geraldo Moraes – O Cineasta do Interior
Roteiro de Jean-Claude Bernardet e Luis Sérgio Person Klecius Henrique
O Céu de Suely Guilherme de Almeida Prado – Um Cineasta Cinéfilo
Roteiro de Karim Aïnouz, Felipe Bragança e Maurício Zacharias Luiz Zanin Oricchio
Chega de Saudade Helvécio Ratton – O Cinema Além das Montanhas
Roteiro de Luiz Bolognesi Pablo Villaça
Cidade dos Homens O Homem que Virou Suco
Roteiro de Elena Soárez Roteiro de João Batista de Andrade, organização de Ariane Abdallah e
Como Fazer um Filme de Amor Newton Cannito
Roteiro escrito e comentado por Luiz Moura e José Ivan Cardoso – O Mestre do Terrir
Roberto Torero Remier
O Contador de Histórias João Batista de Andrade – Alguma Solidão
Roteiro de Luiz Villaça, Mariana Veríssimo, Maurício Arruda e e Muitas Histórias
José Roberto Torero Maria do Rosário Caetano

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Jorge Bodanzky – O Homem com a Câmera Série Ciência & Tecnologia
Carlos Alberto Mattos Cinema Digital – Um Novo Começo?
Luiz Gonzaga Assis de Luca
José Antonio Garcia – Em Busca da Alma Feminina
Marcel Nadale A Hora do Cinema Digital – Democratização
e Globalização do Audiovisual
José Carlos Burle – Drama na Chanchada Luiz Gonzaga Assis De Luca
Máximo Barro
SéRie CRôniCaS
Liberdade de Imprensa – O Cinema de Intervenção
Renata Fortes e João Batista de Andrade Crônicas de Maria Lúcia Dahl – O Quebra-cabeças
Maria Lúcia Dahl
Luiz Carlos Lacerda – Prazer & Cinema
Alfredo Sternheim SéRie Dança

Maurice Capovilla – A Imagem Crítica Rodrigo Pederneiras e o Grupo Corpo – Dança Universal
Carlos Alberto Mattos Sérgio Rodrigo Reis
SéRie múSiCa
Mauro Alice – Um Operário do Filme
Sheila Schvarzman Rogério Duprat – Ecletismo Musical
Máximo Barro
Máximo Barro – Talento e Altruísmo
Alfredo Sternheim Sérgio Ricardo – Canto Vadio
Eliana Pace
Miguel Borges – Um Lobisomem Sai da Sombra
Antônio Leão da Silva Neto Wagner Tiso – Som, Imagem, Ação
Beatriz Coelho Silva
Não por Acaso
Roteiro de Philippe Barcinski, Fabiana Werneck Barcinski SéRie TeaTRo BRaSil
e Eugênio Puppo Alcides Nogueira – Alma de Cetim
Narradores de Javé Tuna Dwek
Roteiro de Eliane Caffé e Luís Alberto de Abreu Antenor Pimenta – Circo e Poesia
Onde Andará Dulce Veiga Danielle Pimenta
Roteiro de Guilherme de Almeida Prado Cia de Teatro Os Satyros – Um Palco Visceral
Orlando Senna – O Homem da Montanha Alberto Guzik
Hermes Leal Críticas de Clóvis Garcia – A Crítica Como Oficio
Org. Carmelinda Guimarães
Pedro Jorge de Castro – O Calor da Tela
Rogério Menezes Críticas de Maria Lucia Candeias – Duas Tábuas e Uma Paixão
Org. José Simões de Almeida Júnior
Quanto Vale ou É por Quilo
Roteiro de Eduardo Benaim, Newton Cannito e Sergio Bianchi Federico Garcia Lorca – Pequeno Poema Infinito
Antonio Gilberto e José Mauro Brant
Ricardo Pinto e Silva – Rir ou Chorar
Rodrigo Capella Ilo Krugli – Poesia Rasgada
Ieda de Abreu
Rodolfo Nanni – Um Realizador Persistente
Neusa Barbosa João Bethencourt – O Locatário da Comédia
Rodrigo Murat
Salve Geral
Roteiro de Sergio Rezende e Patrícia Andrade José Renato – Energia Eterna
Hersch Basbaum
O Signo da Cidade
Roteiro de Bruna Lombardi Leilah Assumpção – A Consciência da Mulher
Eliana Pace
Ugo Giorgetti – O Sonho Intacto
Rosane Pavam Luís Alberto de Abreu – Até a Última Sílaba
Adélia Nicolete
Viva-Voz
Roteiro de Márcio Alemão Maurice Vaneau – Artista Múltiplo
Leila Corrêa
Vladimir Carvalho – Pedras na Lua e Pelejas no Planalto
Carlos Alberto Mattos Renata Palottini – Cumprimenta e Pede Passagem
Rita Ribeiro Guimarães
Vlado – 30 Anos Depois
Roteiro de João Batista de Andrade Teatro Brasileiro de Comédia – Eu Vivi o TBC
Nydia Licia
Zuzu Angel
Roteiro de Marcos Bernstein e Sergio Rezende O Teatro de Abílio Pereira de Almeida
Abílio Pereira de Almeida
SéRie Cinema
O Teatro de Alberto Guzik
Bastidores – Um Outro Lado do Cinema
Alberto Guzik
Elaine Guerini

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O Teatro de Antonio Rocco Elisabeth Hartmann – A Sarah dos Pampas
Antonio Rocco Reinaldo Braga
O Teatro de Cordel de Chico de Assis Emiliano Queiroz – Na Sobremesa da Vida
Chico de Assis Maria Leticia

O Teatro de Emílio Boechat Etty Fraser – Virada Pra Lua


Emílio Boechat Vilmar Ledesma

O Teatro de Germano Pereira – Reescrevendo Clássicos Ewerton de Castro – Minha Vida na Arte: Memória e Poética
Germano Pereira Reni Cardoso

O Teatro de José Saffioti Filho Fernanda Montenegro – A Defesa do Mistério


José Saffioti Filho Neusa Barbosa

O Teatro de Alcides Nogueira – Trilogia: Ópera Joyce – Gertrude Fernando Peixoto – Em Cena Aberta
Stein, Alice Toklas & Pablo Picasso – Marília Balbi
Pólvora e Poesia Geórgia Gomide – Uma Atriz Brasileira
Alcides Nogueira Eliana Pace
O Teatro de Ivam Cabral – Quatro textos para um teatro veloz: Gianfrancesco Guarnieri – Um Grito Solto no Ar
Faz de Conta que tem Sol lá Fora – Os Cantos de Maldoror Sérgio Roveri
– De Profundis – A Herança do Teatro
Ivam Cabral Glauco Mirko Laurelli – Um Artesão do Cinema
Maria Angela de Jesus
O Teatro de Noemi Marinho: Fulaninha e Dona Coisa,
Homeless, Cor de Chá, Plantonista Vilma Ilka Soares – A Bela da Tela
Noemi Marinho Wagner de Assis

Teatro de Revista em São Paulo – De Pernas para o Ar Irene Ravache – Caçadora de Emoções
Neyde Veneziano Tania Carvalho

O Teatro de Samir Yazbek: A Entrevista – Irene Stefania – Arte e Psicoterapia


Germano Pereira
O Fingidor – A Terra Prometida
Samir Yazbek Isabel Ribeiro – Iluminada
Luis Sergio Lima e Silva
O Teatro de Sérgio Roveri
Sérgio Roveri Isolda Cresta – Zozô Vulcão
Luis Sérgio Lima e Silva
Teresa Aguiar e o Grupo Rotunda – Quatro Décadas em Cena
Ariane Porto Joana Fomm – Momento de Decisão
Vilmar Ledesma
SéRie PeRfil
John Herbert – Um Gentleman no Palco e na Vida
Aracy Balabanian – Nunca Fui Anjo Neusa Barbosa
Tania Carvalho
Jonas Bloch – O Ofício de uma Paixão
Arllete Montenegro – Fé, Amor e Emoção Nilu Lebert
Alfredo Sternheim
Jorge Loredo – O Perigote do Brasil
Ary Fontoura – Entre Rios e Janeiros
Cláudio Fragata
Rogério Menezes
José Dumont – Do Cordel às Telas
Berta Zemel – A Alma das Pedras
Klecius Henrique
Rodrigo Antunes Corrêa
Leonardo Villar – Garra e Paixão
Bete Mendes – O Cão e a Rosa
Nydia Licia
Rogério Menezes
Lília Cabral – Descobrindo Lília Cabral
Betty Faria – Rebelde por Natureza
Analu Ribeiro
Tania Carvalho
Lolita Rodrigues – De Carne e Osso
Carla Camurati – Luz Natural
Eliana Castro
Carlos Alberto Mattos
Louise Cardoso – A Mulher do Barbosa
Cecil Thiré – Mestre do seu Ofício
Vilmar Ledesma
Tania Carvalho
Marcos Caruso – Um Obstinado
Celso Nunes – Sem Amarras
Eliana Rocha
Eliana Rocha
Maria Adelaide Amaral – A Emoção Libertária
Cleyde Yaconis – Dama Discreta
Tuna Dwek
Vilmar Ledesma
Marisa Prado – A Estrela, O Mistério
David Cardoso – Persistência e Paixão
Luiz Carlos Lisboa
Alfredo Sternheim
Mauro Mendonça – Em Busca da Perfeição
Débora Duarte – Filha da Televisão
Renato Sérgio
Laura Malin
Miriam Mehler – Sensibilidade e Paixão
Denise Del Vecchio – Memórias da Lua
Tuna Dwek Vilmar Ledesma

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Naum Alves de Souza: Imagem, Cena, Palavra Umberto Magnani – Um Rio de Memórias
Alberto Guzik Adélia Nicolete
Nicette Bruno e Paulo Goulart – Tudo em Família Vera Holtz – O Gosto da Vera
Elaine Guerrini Analu Ribeiro

Nívea Maria – Uma Atriz Real Vera Nunes – Raro Talento


Mauro Alencar e Eliana Pace Eliana Pace

Niza de Castro Tank – Niza, Apesar das Outras Walderez de Barros – Voz e Silêncios
Sara Lopes Rogério Menezes
Walter George Durst – Doce Guerreiro
Paulo Betti – Na Carreira de um Sonhador
Nilu Lebert
Teté Ribeiro
Zezé Motta – Muito Prazer
Paulo José – Memórias Substantivas
Rodrigo Murat
Tania Carvalho
eSPeCial
Pedro Paulo Rangel – O Samba e o Fado
Tania Carvalho Agildo Ribeiro – O Capitão do Riso
Wagner de Assis
Regina Braga – Talento é um Aprendizado
Marta Góes Av. Paulista, 900 – a História da TV Gazeta
Elmo Francfort
Reginaldo Faria – O Solo de Um Inquieto
Beatriz Segall – Além das Aparências
Wagner de Assis
Nilu Lebert
Renata Fronzi – Chorar de Rir
Carlos Zara – Paixão em Quatro Atos
Wagner de Assis Tania Carvalho
Renato Borghi – Borghi em Revista Charles Möeller e Claudio Botelho – Os Reis dos Musicais
Élcio Nogueira Seixas Tania Carvalho
Renato Consorte – Contestador por Índole Cinema da Boca – Dicionário de Diretores
Eliana Pace Alfredo Sternheim
Rolando Boldrin – Palco Brasil Dina Sfat – Retratos de uma Guerreira
Ieda de Abreu Antonio Gilberto
Rosamaria Murtinho – Simples Magia Eva Todor – O Teatro de Minha Vida
Tania Carvalho Maria Angela de Jesus
Rubens de Falco – Um Internacional Ator Brasileiro Eva Wilma – Arte e Vida
Nydia Licia Edla van Steen

Ruth de Souza – Estrela Negra Gloria in Excelsior – Ascensão, Apogeu e Queda do Maior
Maria Ângela de Jesus Sucesso da Televisão Brasileira
Álvaro Moya
Sérgio Hingst – Um Ator de Cinema
Lembranças de Hollywood
Máximo Barro
Dulce Damasceno de Britto, organizado por Alfredo
Sérgio Viotti – O Cavalheiro das Artes Sternheim
Nilu Lebert
Maria Della Costa – Seu Teatro, Sua Vida
Silnei Siqueira – A Palavra em Cena Warde Marx
Ieda de Abreu Mazzaropi – Uma Antologia de Risos
Silvio de Abreu – Um Homem de Sorte Paulo Duarte
Vilmar Ledesma Ney Latorraca – Uma Celebração
Sônia Guedes – Chá das Cinco Tania Carvalho
Adélia Nicolete Odorico Paraguaçu: O Bem-amado de Dias Gomes – História
de um personagem larapista e maquiavelento
Sonia Maria Dorce – A Queridinha do meu Bairro
José Dias
Sonia Maria Dorce Armonia
Raul Cortez – Sem Medo de se Expor
Sonia Oiticica – Uma Atriz Rodriguiana?
Nydia Licia
Maria Thereza Vargas
Rede Manchete – Aconteceu, Virou História
Stênio Garcia – Força da Natureza Elmo Francfort
Wagner Assis
Sérgio Cardoso – Imagens de Sua Arte
Suely Franco – A Alegria de Representar Nydia Licia
Alfredo Sternheim
Tônia Carrero – Movida pela Paixão
Tatiana Belinky – ... E Quem Quiser Que Conte Outra Tania Carvalho
Sérgio Roveri
TV Tupi – Uma Linda História de Amor
Theresa Amayo – Ficção e Realidade Vida Alves
Theresa Amayo Victor Berbara – O Homem das Mil Faces
Tony Ramos – No Tempo da Delicadeza Tania Carvalho
Tania Carvalho Walmor Chagas – Ensaio Aberto para Um Homem Indignado
Djalma Limongi Batista

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Biblioteca da Imprensa Oficial do Estado de São Paulo

Coelho, Cleodon
Lilian Lemmertz: Sem Rede de Proteção / Cleodon Coelho —
São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2010.
292p. : Il. — (Coleção Aplauso. Série Especial / Coordenador
geral Rubens Ewald Filho).
ISBN 978-85-7060-911-3
1. Atores e atrizes de cinema — Brasil — Biografia 2. Atores e
atrizes de teatro — Brasil — Biografia 3. Atores e atrizes de
televisão — Brasil — Biografia 4. Lemmertz, Lilian, 1937-1986 I.
Ewaldo Filho, Rubens. II. Título. III. Série.

CDD 791.092

Índice para catálogo sistemático:


1. Atores e atrizes brasileiros: Biografia:
Representações públicas: Artes 791.092

impresso no brasil / 2010


Foi feito o depósito legal na Biblioteca Nacional
[Lei no 10.994, de 14/12/2004]
Direitos reservados e protegidos pela Lei 9.610/98
Proibida a reprodução total ou parcial sem a prévia autorização
dos editores.

Imprensa Oficial do Estado de Sao Paulo


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Imprensa Oficial do Estado de São Paulo

diretor-presidente
Hubert Alquéres

diretor industrial
Teiji Tomioka

diretor financeiro
Flávio Capello

diretora de gestão de negócios


Lucia Maria Dal Medico

gerente de produtos editoriais e institucionais


Vera Lúcia Wey

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Coleção aplauso
Série música

Coordenador Geral Rubens Ewald Filho

Editor Assistente Claudio Erlichman


Assistente Charles Igor Bandeira
Projeto Gráfico Via Impressa Design Gráfico
Direção de Arte Clayton Policarpo
Paulo Otavio
Editoração Douglas Germano
Deiverson Rodrigues
Emerson Brito
Tratamento de Imagens José Carlos da Silva
Revisão Wilson Ryoji Imoto

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Formato 31x23cm
Papel Miolo Couché fosco 150g/m2
Papel Capa Triplex 350g/m2
Tipologia ChaletComprime, Univers
Número de páginas 292
CTP, Impressão e Acabamento Imprensa Oficial do Estado de São Paulo

Nesta edição, respeitou-se o novo


Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa

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