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45 … 56
Tiroidites auto-imunes:
apresentação clínica e tratamento
Correspondência:
Dra. Alexandra Vieira › Serviço de Endocrinologia, Diabetes e Metabolismo › Hospitais da Universidade de Coimbra › Praceta Mota Pinto.
3000-175 Coimbra › E-mail: alexandravieiracastro@hotmail.com › Telefone: 239 400 632
RESUMO
A designação tiroidite auto-imune engloba um grupo de patologias da tiróide com elevada prevalência.
A tiroidite auto-imune crónica, a tiroidite pós-parto e a tiroidite esporádica indolor têm todas uma base
auto-imune. A positividade dos anticorpos antitiroideus (anticorpos antiperoxidase e antitiroglobulina)
constitui o marcador de doença auto-imune da tiróide. O título de anticorpos correlaciona-se com a
infiltração linfocítica e hipoecogenicidade na ecografia.
A tiroidite auto-imune crónica é a principal causa de hipotiroidismo nos países em que a alimentação
fornece conteúdo suficiente de iodo. Normalmente, os doentes são assintomáticos e o exame físico
revela um bócio indolor, firme e irregular. Está recomendado início da terapêutica com levotiroxina
em doentes com hipotiroidismo e em doentes eutiroideus com nível de TSH>10 µUI/mL ou com risco
elevado de progressão para hipotiroidismo (ex: aqueles com elevados títulos de anticorpos).
A tiroidite pós-parto surge nos primeiros 12 meses após o parto. Só um terço dos doentes irá
desenvolver o padrão trifásico clássico (tirotoxicose → hipotiroidismo → eutiroidismo). Um terço irá
desenvolver hipotiroidismo isoladamente e um terço irá desenvolver apenas tirotoxicose. O trata-
mento (levotiroxina ou bloqueadores ß) depende da sintomatologia e dos doseamentos hormonais.
Os antitiroideus de síntese estão contra-indicados. A maioria recupera a normal função tiroideia.
A tiroidite esporádica indolor é indistinguível da tiroidite pós-parto (excepto pela ausência de relação
com a gravidez). O curso clínico e a terapêutica são semelhantes à tiroidite pós-parto.
PALAVRAS-CHAVE
Tiroidite; Auto-imunidade; Levotiroxina; Iodo, Hipotiroidismo; Tirotoxicose.
SUMMARY
The term autoimmune thyroiditis encompasses a group of disorders of the thyroid gland with high
prevalence. Chronic autoimmune thyroiditis, postpartum thyroiditis and painless sporadic thyroiditis
all have an autoimmune basis. Positivity of serum thyroid antibodies (thyroid peroxidase antibody and
thyroglobulin antibody) is the marker of the autoimmune thyroid disease. The level of antibodies corre-
lates with lymphocytic infiltration and also with hypoecogenicity on ultrasound.
Chronic autoimmune thyroiditis is the most frequent cause of hypothyroidism in the areas where the
ordinary diet provides sufficient iodine. The patients generally are asymptomatic, and physical exami-
nation reveals a firm, irregular, non tender goiter. It is recommended that treatment with levothyroxine
should be initiated in patients with hypothyroidism, as well as in patients with euthyroidism with a
serum TSH level greater than 10 µUI per mL or with a high risk of progression to hypothyroidism (e.g.
those with high antibody titre). Because of the risk of developing hypothyroidism, patients with a his-
tory of chronic lymphocytic thyroiditis require annual assessment of thyroid function.
Postpartum thyroiditis arises within 12 months after delivery. In only one third of patients will the
classic triphasic thyroid hormone pattern develop (thyrotoxicosis → hypothyroidism → euthyroidism).
One third will develop hypothyroidism and the last one third will develop thyrotoxicosis. The treatment
(levothyroxine or beta-blockers) depends on symptoms and hormonal levels. Antithyroid drug thera-
py is contraindicated. The majority recovers normal thyroid function. Painless sporadic thyroiditis is
indistinguishable of postpartum thyroiditis (except by the lack of relation with pregnancy). The clinical
course and the therapy are similar to that of postpartum thyroiditis.
KEY-WORDS
Thyroiditis; Autoimmunity; Levothyroxine; Iodine; Hypothyroidism; Thyrotoxicosis.
las gigantes, síndrome de Sjögren, síndrome de também tem sido encontrada em doentes com
Goodpasture, défice de ACTH, cancro da mama, doença de Graves32 e hipotiroidismo auto-imune
hepatite C e infecção por Helicobacter pylori2. primário28.
A tiroidite auto-imune crónica é mais O factor de risco mais importante para TPP
frequente em doentes com MEN II (neoplasia é a existência desta patologia previamente28,29.
endócrina múltipla tipo II) (70%), síndrome Estas mulheres apresentam uma taxa de recor-
de POEMS (polineuropatia, organomegália, rência de cerca de 69%5,28,29,32. Mulheres com
endocrinopatia, gamapatia monoclonal e anticorpos anti-TPO positivos que não desenvol-
alterações dermatológicas) (50%), doença de veram TPP durante uma gravidez, apresentam
Addison (20%) e síndrome de Down (20%), probabilidade de 25% de apresentar TPP na
entre outras9. próxima gravidez31,32.
O consumo de iodo também tem sido
Hashitoxicose apontado como um possível factor de risco
ambiental para o desenvolvimento de TPP28,32,41.
A tiroidite de Hashimoto também se pode Em áreas com baixa ingestão de iodo, como a
manifestar por aumento agudo da tiróide, Tailândia, a prevalência é de cerca de 1,1%.
firme e indolor com hipertiroidismo ligeiro a Em áreas com deficiência moderada de iodo,
moderado6. O hipertiroidismo é tipicamente tal como a Itália, a prevalência é de cerca de
auto-limitado e resolve espontaneamente ao 8,7%28. Os mecanismos patogénicos propostos
fim de semanas a poucos meses. A tirotoxicose para a autoimunidade induzida pelo iodo são:
é causada por reacção antigénio-anticorpo 1) necrose do tirócito induzida pelo iodo com
levando a uma destruição folicular relativa- libertação aumentada também de autoantigé-
mente rápida havendo libertação de hormonas nios resultando num aumento de atracção das
tiroideias em excesso na circulação6. células apresentadoras de antigénios; 2) maior
antigenicidade da tiroglobulina devido a maior
grau de iodização; 3) estimulação directa de
TIROIDITE PÓS-PARTO linfócitos B, linfócitos T, células dendríticas e
macrófagos por iodo e substâncias iodadas32.
A tiroidite pós-parto (TPP) é uma doença Alguns estudos documentam que a TPP é mais
auto-imune que ocorre em mulheres nos primei- frequente em fumadoras31,32. Em cerca de 50%
ros 12 meses após o parto5,6,28. Caracteriza-se por dos casos existe história familiar de doença
infiltração linfocítica da glândula tiróide28,29 e auto-imune da tiróide2.
pode apresentar-se de uma de três formas: A TPP ocorre principalmente em mulheres
– tirotoxicose transitória com anticorpos anti-TPO positivos no início da
– hipotiroidismo transitório gravidez5,28,3.34 como resultado de uma exacer-
– tirotoxicose transitória seguida de hipo- bação de um processo auto-imune silencioso28.
tiroidismo e, posteriormente, eutiroidis- Durante a gravidez, os títulos de anticorpos
mo1,2,4,5,9,28-35. anti-TPO diminuem29,33,42 (devido à tolerân-
A tiroidite pós-parto também pode ocorrer cia imunológica que ocorre durante a gravi-
após um abortamento desde que o tempo de ges- dez)4,30,32,37, enquanto que no período pós-parto
tação seja igual ou superior a 5 semanas32,36. o título eleva-se rápida e marcadamente34,35,37,
A prevalência de tiroidite pós-parto varia à semelhança de todas as Igs G28. O fenómeno
grandemente, de 1,1-21,1%5,14,30,29,32,37,38. Esta de tolerância imunológica justifica a evolução
variação é, em grande parte, devida a diferenças favorável das doenças auto-imunes da tiróide
na definição de tiroidite pós-parto29,32,37. Para (nomeadamente a tiroidite auto-imune e a
além disso, acredita-se que factores genéticos doença de Graves) durante a gravidez43 e ajuda
da população e factores ambientais desempe- a explicar também a excerbação das mesmas
nham papel importante na variabilidade dos após o parto32,44. O facto dos anticorpos anti-
dados28,29,32,33,37. TPO manterem a sua especificidade em reco-
A incidência de TPP é maior nos doentes nhecer epítopos no período pós-parto sugere
com Diabetes Mellitus tipo 138, ocorrendo no que a TPP não está relacionada com alterações
mínimo em 15% das mulheres5,29,30,32,39,40. A TPP específicas nos antigénios tiroideus mas com
seguida por recuperação da função tiroideia32. mas e valores de TSH31. Um ano após o final da
Actualmente desconhece-se como o sistema gravidez, a levotiroxina deve ser reduzida para
imune se reequilibra após activação. Vários metade, devendo ser feito o doseamento de TSH
mecanismos têm sido propostos. Primeiro, a 6 semanas depois31. Se eutiroideia, o tratamento
apoptose das células T pode ser induzida por de substituição hormonal é interrompido, de-
exposição a grande quantidade de antigénios32. vendo repetir-se após 6 semanas o doseamento
O padrão transitório da tiroidite pós-parto de TSH31. Se a função tiroideia for normal, deve
pode dever-se a indução da apoptose clonal ser feito um doseamento anual de TSH para mo-
das células T específicas da tiróide podendo nitorizar o hipotiroidismo a longo prazo31. Os
seguir-se a libertação de antigénios da tiróide benefícios potenciais de tratar o hipotiroidismo
na circulação quando muitos tirócitos perdem subclínico incluem melhoria dos sintomas de
a sua integridade. Segundo, sabe-se hoje que hipotiroidismo incluindo pele seca, intolerância
existe trânsito de células entre o feto e a mãe, ao frio, fatigabilidade fácil e défice da função
durante a gravidez5,43, sendo o parto a altura de cognitiva31,48 bem como melhoria na fertilidade
maior entrada de células fetais na circulação em mulheres com disfunção ovulatória31,49. Al-
materna32. Parece não existir relação entre a gumas mulheres com eutiroidismo bioquímico
amamentação e a TPP32. sem qualquer tratamento apresentaram 18
Normalmente os sinais e sintomas de dis- meses após o parto uma concentração sérica
função tiroideia não são úteis na decisão de tra- de TSH média superior ao normal28.
tamento da TPP28. A tirotoxicose é transitória e Grávidas com anticorpos anti-TPO positivos
raramente levanta suspeita clínica28. Se o diag- apresentam maior risco de abortamento29,42, de
nóstico bioquímico de tirotoxicose for feito, os desenvolver depressão pós-parto28,29,31,32,39,50 e dos
bloqueadores β podem ser administrados duran- seus filhos apresentarem durante a infância um
te a fase tirotóxica1,2,5,28-33,41. O propranolol é o QI inferior às crianças nascidas de mães sem
tratamento de escolha, porque permite titulação positividade para anticorpos anti-TPO durante
fácil para uma dose que alivia as palpitações a gravidez31,51. Considerando os mecanismos
e irritabilidade; normalmente são necessários subjacentes à associação entre depressão e
menos de 3 meses de tratamento e este deve TPP, parece que o hipotiroidismo influencia
ser interrompido de acordo com a sintomato- neurotransmissores importantes nos distúrbios
logia e os níveis hormonais31. O propranolol afectivos; por exemplo, o hipotiroidismo dimi-
é considerado seguro durante a lactação pela nui os neurotransmissores 5-hidroxitriptamina
Food and Drug Administration31. Pelo contrário, centrais32. Esta redução reverte com tratamento
os fármacos antitiroideus não estão indicados, de substituição hormonal com levotiroxina32.
uma vez que o excesso de hormonas tiroideias Para além disso, tem-se colocado a hipótese de
circulantes deve-se a um aumento na libertação citocinas libertadas durante a reacção auto-
das hormonas tiroideias da glândula e não a imune da tiróide (nomeadamente IL-1 e IL-6)
um aumento na sua produção2,5,28,30,31,33,41. Tam- interactuarem com neurotransmissores centrais,
bém não está recomendado o tratamento com iniciando a depressão32. Contudo, o tratamento
esteróides pois o seu efeito terapêutico não está com levotiroxina não previne a depressão e,
comprovado28. Para além disso, sem qualquer provavelmente, apenas será benéfico em grávi-
tratamento farmacológico, mulheres com TPP das com baixos níveis de T4 livre28. Não existe
retornam ao estado eutiroideu28. associação entre tiroidite pós-parto e psicose
Durante a fase hipotiroideia está indicada pós-parto29,31.
a administração de levotiroxina em doses de O rastreio da TPP visa melhorar os sintomas
substituição1,2,5,28-30,32,33. As indicações para tratar de hipotiroidismo e tirotoxicose transitórios,
a fase hipotiroideia da TPP incluem o hipoti- identificar mulheres que estão em risco de hipo-
roidismo sintomático, mulheres com intenção tiroidismo permanente subsequente bem como
de engravidar ou concentrações séricas de TSH identificar as mulheres que apresentarão TPP
superiores 10 µUI/mL31. A dose diária inicial de em futuras gravidezes29. Durante a gravidez, o
levotiroxina depende do valor de TSH, mas nor- rastreio para os anticorpos anti-TPO identifica
malmente é de 50 µg31. Os ajustes terapêuticos as mulheres com um risco de 11 a 20 vezes su-
são feitos subsequentemente baseados nos sinto- perior de desenvolver TPP29,31. O rastreio deve ser
em áreas suficientes em iodo1. O sexo feminino Durante a fase tirotóxica, os doentes com
é ligeiramente mais atingido com uma relação tiroidite indolor apresentam níveis moderada-
feminino/masculino de cerca de 3:2 a 2:130. mente elevados de T4 e T3 livres e baixos de
O curso clínico é semelhante à TPP6,30, dis- TSH, mas alguns apresentam apenas baixas
tinguindo-se da última por ausência de relação concentrações de TSH (doença subclínica).
com a gravidez. Os sintomas são leves na maior As concentrações de T3 séricas não são des-
parte dos casos5. É responsável por cerca de proporcionalmente elevadas como ocorre no
1% dos casos de tirotoxicose5. Alguns autores hipertiroidismo da doença de Graves, porque a
defendem tratar-se de uma forma subaguda de desiodinase da tiróide não está activada61.
tiroidite auto-imune crónica5,9,14,15,54,55. Durante a fase tirotóxica, os valores de cap-
Está associada a antigénios HLA específicos, tação de iodo são baixos4,6, normalmente menos
mais frequentemente HLA-DR3, o que sugere que 1% e a ecografia mostra uma glândula hi-
susceptibilidade hereditária4,55. poecogénica, ligeiramente aumentada ou com
Tem-se verificado aumento da sua incidên- tamanho normal. A citologia da tiróide revela
cia após suspensão de glicocorticóides, após linfócitos e macrófagos, células epiteliais da
adrenalectomia em doentes com síndrome de tiróide normais, uma ligeira lesão dos folículos
Cushing e após radiação externa do pescoço por e massas de colóide.
doença de Hodgkin56-58. Também pode ocorrer Nos doentes que se irão tornar hipotiroi-
em associação com hipofisite linfocítica59. deus, as concentrações de T4 livre podem ser
Os anticorpos anti-TPO estão presentes em baixas por vários dias a semanas antes das
cerca de 50% dos doentes, geralmente em títu- concentrações de TSH começarem a ser elevadas
los mais baixos do que na tiroidite auto-imune devido a supressão prévia da secreção de TSH.
crónica2,4,5. Pode também utilizar-se a curva de Alguns doentes têm apenas elevação dos valores
fixação com iodo nos casos em que o diagnóstico de TSH, indicando hipotiroidismo subclínico.
diferencial com doença de Graves é difícil2,5. A As concentrações de anticorpos antitiroi-
captação de iodo está diminuída na fase tirotó- deus são elevadas em cerca de 50% dos doentes
xica e quase sempre é menor que 3%2. Cerca de na altura do diagnóstico, mas não na extensão
20% dos doentes afectados vão desenvolver hipo- encontrada nas mulheres com TPP1. Os valores
tiroidismo crónico5. Velocidade de sedimentação podem elevar-se transitoriamente nas semanas
e leucócitos estão dentro da normalidade2. seguintes e depois declinar, mas podem perma-
A biopsia da tiróide mostra infiltração linfo- necer elevados após a função da tiróide voltar
cítica4,6, com centros germinativos ocasionais, e ao normal.
disrupção e colapso dos folículos tiroideus (tiroi- A tiroidite esporádica indolor deve ser consi-
dite linfocítica)4. Durante a fase de recuperação, derada como causa de tirotoxicose em qualquer
a infiltração linfocítica persiste podendo existir mulher (que não esteja no período pós-parto)
fibrose moderada, mas os folículos da tiróide são ou homem que apresente sintomas nos últimos
normais. Estas alterações diferem das encontra- meses e que se apresente com tiróide normal
das na tiroidite auto-imune crónica, ocorrendo ou pequeno bócio difuso. Este diagnóstico deve
mais disrupção folicular, mas menos linfócitos, ser fortemente considerado em doentes com
menos centros germinativos e menos fibrose na manifestações de hipertiroidismo que foram
tiroidite esporádica indolor55. medicados com INF-α, IL-2 ou amiodarona62.
A manifestação clínica mais importante A tiroidite esporádica indolor deve ser dis-
é a tirotoxicose4. Os sintomas normalmente tinguida de outras causas de hipertiroidismo e
desenvolvem-se ao fim de uma a duas sema- bócio difuso tal como doença de Graves, mais
nas, e prolongam-se por 2-8 semanas, seguido comum, e o hipertiroidismo induzido por TSH,
por recuperação4. A tiróide está ligeiramente menos comum. Esta tiroidite pode ser distingui-
aumentada em 50-60% dos doentes1,6. Cerca de da destas duas doenças pela sua duração curta,
10% dos doentes podem ter episódios adicionais pelo alargamento mínimo da glândula e por
de tiroidite indolor. Eventualmente, contudo, baixa captação de iodo radioactivo (versus os
até 50% dos doentes desenvolvem tiroidite elevados valores no hipertiroidismo da doença
auto-imune crónica, com hipotiroidismo per- de Graves e excesso de secreção de TSH). Para
manente, bócio ou ambos60. além disso, as concentrações séricas de TSH são
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1815-1816. 1993; 153: 886.
Síndrome de Wolfram.
Revisão da literatura
Correspondência:
Dra. Selma Souto › Serviço de Endocrinologia. Hospital de S. João, EPE › Alameda Prof. Hernâni Monteiro › 4200-319 Porto
E-mail: selmasouto@yahoo.com
RESUMO
O síndrome de Wolfram é um distúrbio neurodegenerativo de transmissão autossómica recessiva,
caracterizado pela presença de diabetes mellitus, atrofia óptica, diabetes insípida e surdez, explican-
do o acrónimo DIDMOAD pelo qual o síndrome é igualmente conhecido. Contudo, nem todas as
manifestações estão presentes na altura do diagnóstico, sendo necessário um acompanhamento a
longo prazo destes doentes. Este seguimento deve ser estendido aos familiares directos, tendo em
vista o risco aumentado da ocorrência de distúrbios psiquiátricos e de diabetes mellitus entre os
portadores heterozigóticos do SW.
PALAVRAS-CHAVE
Síndrome de Wolfram; DIDMOAD; WFS 1; Wolframina; Diabetes insípida; Diabetes mellitus; Atrofia
óptica; Surdez.
SUMMARY
Wolfram syndrome (WS) is an autossomal recessive neurodegenerative disease, characterized by the
presence of diabetes insipidus, diabetes mellitus, optic atrophy and deafness, also known as DIDMO-
AD. However, not all manifestations are present at diagnosis, indicating the requirement of long-term
follow-up of these patients. Such follow-up should be extended to the patients` closest relatives, kee-
ping in mind the increased risk of occurrence of psychiatric disorders and diabetes mellitus among the
heterozygous carriers of WS.
key-words
Wolfram syndrome; DIDMOAD; WFS 1; Wolframina; Diabetes insipidus; Diabetes mellitus; Optic atro-
phy; Deafness.
Atrofia óptica
O SW tem uma prevalência de 1 em cada
770 000 recém-nascidos, com uma frequência Nos doentes com SW existe atrofia do ner-
de portadores de 1 em cada 35413. Na maioria vo óptico bilateral e progressiva. O início da
dos casos descritos na literatura verifica-se a diminuição da acuidade visual ocorre habitu-
existência de consanguinidade. almente na segunda década de vida, com idade
A patogenia do SW é desconhecida, mas foi média de 14 anos25. O exame oftalmológico
postulado uma degeneração gradual dos tecidos mostra palidez do nervo óptico com aumento
derivados da neuroectoderme1. Os estudos reali- do reflexo das artérias retinianas e angiofluo-
zados até à data sugerem que o SW seja causado resceinografia e eletrorretinografia de campo
por alterações no gene wolframina localizado geralmente normais. Os registos de potenciais
no cromossoma 4, em 4p16.1 (gene WSF1). evocados visuais revelam comprometimento
Uma outra forma de SW resulta de mutações na via máculo-occipital5. O estudo anátomo-
no gene CISD2, localizado em 4q22-q24 (gene patológico demonstra destruição axonal e
WSF2)14,15. Está ainda descrita a possibilidade desmielinização em todo o sistema óptico25,26.
de SW por alterações no DNA mitocondrial3,14,16. Outras alterações oculares menos frequentes
O gene wolframina codifica uma proteína de são cataratas27-29, distúrbios da visão da cor3,27,
890 aminoácidos localizada no retículo endo- anomalias pupilares27, miopia29, alterações do
plasmático7,17. A função da wolframina ainda epitélio pigmentar da retina27, nistagmus27,
não está completamente esclarecida, porém perda de campo visual3,29 e glaucoma29.
a sua localização no retículo endoplasmático Na maioria dos casos descritos, a atrofia óp-
sugere um papel na regulação da homeostasia tica ocorre posteriormente ao diagnóstico de DM
do cálcio7,18. (Fig. 1)12. Porém, Collier e colaboradores descre-
veram uma família com a mutação em 4p, em tação do tracto urinário superior e disfunção
que 2 doentes com SW desenvolveram atrofia vesical. Alguns autores atribuem a dilatação
óptica aos 6 meses e 2 anos respectivamente, das vias urinárias ao aumento do fluxo urinário
cerca de uma década antes do diagnóstico de devido à DI e referem melhoria com a utiliza-
DM30. Em contraste, estudos em doentes de 11 ção de hormona antidiurética35. No entanto,
famílias igualmente afectadas pela mutação encontram-se descritos casos de SW sem DI com
em 4p apresentaram DM ao mesmo tempo ou dilatação das vias urinárias, sugerindo como
previamente à atrofia óptica, com excepção causa da dilatação a degeneração neural25,32.
de uma família em que um doente teve atrofia Chu e colaboradores através de um estudo
óptica dois anos após a DM. imunohistológico da parede vesical e do ureter,
identificaram uma importante diminuição das
Diabetes insípida fibras nervosas36.
A disfunção vesical observada com maior
A diabetes insípida (DI) no SW é de origem frequência no SW é a bexiga atônica com
central. Barret e colaboradores verificaram uma grande capacidade3,22,24,37,38. Tekgul e colabora-
prevalência de DI de 73%, com uma idade mé- dores verificaram que são igualmente comuns
dia ao diagnóstico de 14 anos3. Muitas vezes a bexiga com baixa capacidade e a dissinergia
o diagnóstico é protelado pela semelhança da do esfíncter38. Porém, não existem até à data
sintomatologia com a DM, sendo a poliúria e grandes séries de doentes com SW com avalia-
a polidipsia geralmente atribuídas a um con- ção urológica detalhada, sendo provável que
trolo inadequado da DM. A DI central deve-se a prevalência de anomalias urológicas no SW
a uma atrofia dos núcleos supra-ópticos e esteja subestimada. Tekgul e colaboradores sub-
paraventriculares na hipófise posterior e no meteram os doentes a uma avaliação urológica
hipotálamo1. completa e verificaram que 78,5% apresenta-
Gabreels e colaboradores verificaram que vam vários graus de hidronefrose e em 93%
nos doentes com SW com DI, não só existia alguma forma de disfunção vesical38.
perda do neurónio da vasopressina no núcleo
supra-óptico, bem como um distúrbio no pro- Perturbações psiquiátricas
cessamento do percursor da vasopressina nos
núcleos supra-óptico e paraventricular31. Os doentes com SW e os portadores heterozi-
góticos apresentam habitualmente uma maior
Surdez neurossensorial prevalência de distúrbios psiquiátricos, nome-
adamente patologia depressiva e suicídio do
Os doentes com SW podem ter surdez de que a população geral39. Swift e colaboradores
origem neurossensorial, bilateral, envolvendo observaram uma prevalência de 60% de distúr-
inicialmente os sons de alta frequência com bios psiquiátricos numa série de 68 doentes com
perda progressiva de audição até às baixas SW (portadores homozigóticos)39,40. Estimaram
frequências5. A perda auditiva tem início nas ainda que o risco de um portador heterozigó-
três primeiras décadas de vida e ocorre de forma tico ser hospitalizado por doença psiquiátrica
progressiva. Porém, poucos doentes se tornam ou cometer suicídio é 8 vezes superior ao não
completamente surdos32, beneficiando de próte- portador da mutação39.
ses auditivas. A perda auditiva ou audiograma
anormal tem sido referida com uma prevalên- Complicações do SNC
cia entre 39 a 100%3,33. Medlej e colaboradores
reportaram surdez neurossensorial confirmada Existem vários sintomas neurológicos que
por audiograma em 64,5% dos 31 doentes es- podem ser associados ao SW, incluindo marcha
tudados com SW34. instável e quedas por ataxia do tronco, crises
de apneia de origem central, perda do olfacto
Anomalias do tracto urinário e paladar, hemiparesia devido a enfartes cere-
brais, mioclonias e nistagmo.
As anomalias urológicas presentes no SW Os achados na ressonância magnética
são diversas e incluem graus variáveis de dila- (RMN) cerebral são a ausência de sinal de
alta intensidade da neuro-hipófise, atrofia da com vários doentes com SW que apresentavam
região hipotalâmica, cerebelo, tronco e córtex úlceras do trato gastrointestinal15.
cerebral, além de atrofia do nervo e do quiasma
óptico41-44. Dados de autópsias revelam perda
de neurónios com distrofia e edema axonal, Conclusão
frequentemente associados a gliose e áreas de
desmielinização sem sinais de inflamação45. O SW é uma doença genética rara, cujo
Hardy e colaboradores30 e Sam e colabora- diagnóstico se baseia exclusivamente na clínica,
dores46 descreveram um fenótipo distinto de sendo considerados critérios de diagnóstico a
SW, denominado falência respiratória central. presença em simultâneo de diabetes mellitus e
Todos os doentes eram homozigóticos para atrofia óptica bilateral. Apenas 13% dos doentes
uma delecção 4-bp na posição 2648-2651 no apresentam os quatro componentes do acróni-
exão 8 do gene WFS1. No doente com delec- mo DIDMOAD. Em relação ao estudo genético,
ção 4-bp verificou-se atrofia cerebral severa e embora não seja necessário para o diagnóstico
falência respiratória central, com necessidade de SW, constitui uma ferramenta importante no
de traqueostomia30. A irmã deste doente tinha âmbito do aconselhamento genético.
falecido aos 28 anos por atrofia cerebral e fa-
lência respiratória central. Cinco doentes (de 3
famílias) heterozigóticos para a delecção 4-bp Bibliografia
não tiveram falência respiratória. Por sua vez,
Sam e colaboradores descreveram o caso de uma 1. Lou Frances G et al. Wolfram syndrome. Clinical
doente de 33 anos com diagnóstico de DM, bexi- and genetic study in two families. An Pediatr (Barc)
ga neurogénica e atrofia óptica bilateral, aos 10, 2008; 68(1): 54-7.
13 e 15 anos, respectivamente46. Apresentava 2. Wolfram DJ, Wagener H. Diabetes mellitus and
audiograma normal e não tinha clínica de DI. simple optic atrophy among siblings: Report of
Após um episódio de falência respiratória aos four cases. Mayo Clin Proc 1938; 13: 715-8.
32 anos, necessitou de intubação, ventilação e 3. Barrett TG, Bundey SE, Macleod AF. Neurode-
traqueostomia subsequente. A RMN cerebral generation and diabetes: UK nationwide study of
revelou atrofia cerebral severa. Wolfram (DIDMOAD) syndrome. Lancet 1995;
346(8988): 1458-63.
Outras manifestações do SW 4. Zenteno JC et al. Familial Wolfram syndrome due
to compound heterozygosity for two novel WFS1
Medlej e colaboradores verificaram se- mutations. Mol Vis 2008; 14: 1353-7.
creção anormal de uma ou mais hormonas 5. Ribeiro MR et al. Wolfram syndrome: from defini-
hipofisárias em 75% dos doentes com SW, tion to molecular bases. Arq Bras Endocrinol Me-
sendo a deficiência de GH a alteração mais tabol 2006; 50(5): 839-44.
frequentemente encontrada34. No entanto, o 6. Ari S et al. Wolfram syndrome: case report and
hipopituitarismo nestes doentes não provocou review of the literature. Ann Ophthalmol (Skokie)
sintomas, explicando a ausência de investiga- 2007; 39(1): 53-5.
ção de alterações da hipófise anterior em muitos 7. Domenech, E., M. Gomez-Zaera, and V. Nunes,
estudos prévios. Wolfram/DIDMOAD syndrome, a heterogenic and
No sexo masculino tem sido encontrado molecularly complex neurodegenerative disease.
hipogonadismo, tanto devido a disfunção Pediatr Endocrinol Rev 2006; 3(3): 249-57.
hipotálamo-hipofisária5,33, quanto a causa 8. Pilley SF, Thompson HS. Familial syndrome of
primária gonadal3,5,34. Muitos doentes do sexo diabetes insipidus, diabetes mellitus, optic atro-
feminino têm menarca tardia e irregularidades phy, and deafness (didmoad) in childhood. Br J
menstruais3,10,20. Contudo, estão descritos casos Ophthalmol 1976; 60(4): 294-8.
de gestações bem sucedidas. 9. Strom TM et al. Diabetes insipidus, diabetes mel-
Medlej e colaboradores verificaram ainda litus, optic atrophy and deafness (DIDMOAD)
limitação da mobilidade articular em alguns caused by mutations in a novel gene (wolframin)
doentes com SW. El-Shanti e colaboradores coding for a predicted transmembrane protein.
encontraram três famílias com o gene WSF2 Hum Mol Genet 1998; 7(13): 2021-8.
10. Minton JA et al. Wolfram syndrome. Rev Endocr are small non-inactivating mutations. Hum Genet
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Hiperaldosteronismo primário
– novas perspectivas
Carvalho A, Carvalho R
Serviço de Endocrinologia, Diabetes e Metabolismo do Hospital de Santo António – Centro Hospitalar do Porto
Correspondência:
Dr. André Carvalho › Serviço de Endocrinologia, Diabetes e Metabolismo. Hospital de Santo António › Largo Abel Salazar 4099-001 Porto
Email: carvalho.andrec@gmail.com › Telemóvel: +351-918873428
RESUMO
O hiperaldosteronismo primário (HAP) é a forma secundária de hipertensão arterial mais frequen-
te. A prevalência real é desconhecida, mas em estudos recentes cerca de 10% dos hipertensos
apresentam esta forma potencialmente curável de hipertensão arterial.
Este artigo visa rever de uma forma breve os aspectos históricos, bioquímicos, patológicos e clíni-
cos do HAP, assim como os dilemas que se colocam no seu rastreio e diagnóstico diferencial. Para
tal foram avaliados os artigos indexados na MEDLINE e PubMed publicados entre Janeiro de 1970
a Julho de 2008 com os seguintes termos Primary Aldosteronism, Aldosteronism, Conn’s Syndrome,
Screening, Diagnosis, Treatment, Plasma Aldosterone-to-Renin Ratio, Direct Renin Concentration ou
Renin Activity. Apesar das inúmeras publicações sobre este assunto só muito recentemente foi
tentado um consenso internacional sobre o seu rastreio, diagnóstico e diferenciação. No entanto,
algumas das questões clínicas mais polémicas não foram completamente esclarecidas, nomeada-
mente aquelas que se levantam quando pretendemos definir qual o valor de corte para os testes
de rastreio, a prova de confirmação mais indicada para cada doente e a forma mais simples e
menos invasiva de distinguir os vários subtipos de HAP. De uma maneira geral um rastreio positivo
obtido através da relação aldosterona-renina deve ser confirmado com uma prova de sobrecarga
salina. Na continuação deve ser obtida uma imagem das supra-renais através duma tomografia
axial computorizada (TAC) seguida, ou não, do cateterismo das veias supra-renais, conforme
exista demonstração de unilateralidade e vontade expressa do doente em ser submetido a uma
cirurgia. O tratamento de eleição para qualquer forma unilateral de HAP é a adrenalectomia lapa-
roscópica, a qual permite cura clínica em mais de metade dos doentes. Todos os restantes devem
ser tratados com doses eficazes e toleráveis de antagonistas da aldosterona (espironolactona ou
eplenerona) de modo a obterem um melhor controlo tensional e redução do número de eventos
cardiovasculares.
PALAVRAS-CHAVE
Hiperaldosteronismo primário; Prevalência; Rastreio; Diagnóstico; Relação de concentração da aldos-
terona plasmática e actividade plasmática da renina; Concentração de renina directa; Tratamento.
SUMMARY
Primary hyperaldosteronism (PA) is the most common cause of secondary arterial hypertension. The
real prevalence is unknown, but in recent studies about 10% of the patients present this potentially
curable form of hypertension. This article aims to review the historical aspects, biochemical, pathologi-
cal and clinical features of PA.
All abstracts and papers indexed in Medline and Pubmed between January 1970 and July 2008 with
the terms Primary Aldosteronism, Aldosteronism, Conn’s Syndrome, Screening, Diagnosis, Treatment,
Plasma Aldosterone-to-Renin Ratio, Direct Renin Concentration or Renin Activity have been evaluated.
Recently an international consensus was published on its tracing, diagnosis and unbundling but crucial
points were not resolved, like the cut-point value for the screening test, the best confirmation test for
each case and the less invasive way to differentiate PA sub-types.
On a straightforward approach, the PA diagnosis should be always confirmed with a saline test, after
a positive screening test using the plasma aldosterone-to-renin ratio. The following step should be an
adrenal CT scan searching for the potential unilateral adrenal lesion followed by adrenal vein catheteri-
zation only if there is the possibility to perform a curative surgery.
All the unilateral subtypes of PA should be subjected to laparoscopic adrenalectomy in order to accom-
plish a clinical cure. Half of these patients will not achieve complete remission, which together with
those with bilateral subtypes, should be treated with aldosterone antagonists for hypertension and
cardiovascular risk control.
KEY-WORDS
Primary aldosteronism; Prevalence; Screening; Diagnosis; Plasma aldosterone-to-renin ratio; Direct
renin concentration and treatment.
da actividade da
TABELA 2 – Prevalência de hiperaldosteronismo primário em doentes hipertensos segundo diversos autores
Autores País Doentes rastreados Prevalência (%) Ano
renina plasmática
Danielson et al.70 Noruega 1000 0,1 1981
não têm qualquer
Sinclair et al.71 Reino Unido 3783 0,2 1987 papel diagnóstico
Gordon et al.72 Austrália 199 8,5 1994 uma vez que estes
Abdelhamid et al.73 Alemanha 3900 6,6 1996 não são distintos
Lim et al.74 Reino Unido 465 9,2 2000 daqueles encon-
Loh et al.
75
Singapura 350 4,6 2000 t r a d o s n a H TA
Rayner et al.76 África do Sul 216 32 2000
simples de renina
baixa.
Schwartz et al. 77
EUA 117 12,0 2002
Um método de
Rossi et al.78 Itália 1046 6,3 2002
rastreio diferente
Williams et al.79 EUA 346 3,2 2006
e mais sensível foi
Douma et al. 80
Grécia 1616 11,3 2008
introduzido há cer-
ca de 30 anos por
realizado em Itália (o estudo PAPY) com 1125 Dunn e Hiramat-
hipertensos sujeitos a critérios de inclusão e de su . De forma a aproveitar a relação inversa
23,24
como a postura do doente na altura da colheita Alguma desta medicação pode mesmo auxiliar
e a suspensão atempada da espironolactona e na sensibilidade ou especificidade do rastreio.
de outros fármacos com potencial de induzir Por exemplo se obtivermos um rastreio positivo
resultados falsamente negativos (ver tabela 3). num doente medicado com iECA ou ARA2 este
resultado é altamente sugestivo de HAP, uma
vez que estes dois grupos farmacológicos são
TABELA 3 – Factores modificadores da relação da concentração
plasmática de aldosterona – actividade plasmática da renina (RAR)
potencialmente indutores de falsos negativos
capazes de induzir resultados falsos positivos ou negativos na interpretação da RAR e como tal raramente
Falsos positivos produzem relações “positivas” em doentes sem
aldosterona renina
HAP.
Na tentativa de reduzir o número elevado
Beta-bloqueadores ↓ ↓↓
de falsos positivos vários autores publicaram
AINEs ↓ ↓↓
várias propostas. Uma das mais consensuais
Alfa 2-agonistas ↓ ↓↓
pressupõe o uso simultâneo de um valor míni-
Hipercaliémia ↑ →↓ mo de corte para a concentração de aldosterona
Sobrecarga de sódio ↓ ↓↓ plasmática (usualmente igual ou superior a 15
Idade avançada ↓ ↓↓ ng/dL)29. Outros autores propuseram métodos
Insuficiência renal crónica → ↓ distintos que vão desde o uso da relação [Aldos-
Anti-conceptivos orais → ↓↓ * terona]2/Renina, com ponto de corte nos 72.000
Origem africana →↓ ↓↓ (pg/mL)2 por ng/mL por h, até à utilização de
Alcaçuz (liquorice) ↑ ↓
modelos multivariáveis de análise de risco29,30.
O protocolo mais comum para a determi-
Falsos negativos
nação da RAR começa pela colheita de sangue
aldosterona renina
periférico para determinação de aldosterona e
Diuréticos →↑ ↑↑
renina plasmática realizada de manhã (2 a 3 h
Espironolactona →↑ ↑↑
após o acordar) num doente em dieta sem res-
Bloqueadores dos canais de trição salina, com hipocaliémia corrigida, sem
cálcio – DHP →↓ ↑
estímulo postural e no qual foram suspensos,
iECAs ↓ ↑↑
com pelo menos 6 semanas de antecedência,
ARAs ↓ ↑↑ todos os fármacos antagonistas da aldosterona
Hipocaliémia ↓ →↑ (espironolactona, eplenerona ou amiloride em
Restrição salina ↑ ↑↑ doses altas). Se a determinação da actividade
Gravidez ↑ ↑↑ da renina plasmática for inferior ao limite do
HTA renovascular ↑ ↑↑ ensaio, deve ser assumido um valor mínimo
* se usado um ensaio de renina activa directa; DHP – dihidropiridíni- de 0,2 ng/mL/h para que assim seja evitado o
cos. Adaptado de Stowasser e Funder et al25,39 sobre-inflacionamento da RAR. Finalmente, o
TABELA 4 – Comparação entre os valores de corte para a relação concentração plasmática da aldosterona – actividade plasmática da renina
(RAR) e a concentração plasmática da renina directa (RARd) conforme ensaio e unidades utilizadas
*Quando a CRD for obtida pelo imunoensaio de quimioluminescência do Nichols Institute Diagnostics ou pelo rádio-imunoensaio da Bio-Rad Renin II.
#
Quando a CRD for obtida pelo imunoensaio de quimioluminescência automatizado da DiaSorin.
Para converter concentração plasmática da renina activa de pg/mL para pmol/L (unidades SI) multiplicar por 0,0237.
Para converter concentração plasmática da aldosterona de ng/dL para pmol/L multiplicar por 27,74.
Para converter actividade plasmática da renina de ng/mL/h para ng/L/s multiplicar por 0,2778.
Para converter concentração plasmática da renina directa de ng/dL para mU/L multiplicar por 6,4.
Adaptado de Funder et al25
resultado do quociente deve ser comparado com ram posteriormente introduzidos na prática clí-
os valores considerados normais para a popu- nica de tal forma que actualmente são vários os
lação estudada e considerado como positivo se autores que propõem valores de corte corrigidos
este for superior ao valor de corte escolhido. Os para a RAR obtida através deste tipo de ensaio
valores de corte publicados para a RAR variam (ver tabela 4)34,35. Neste método não é necessá-
entre os 20 e 100 (quando a aldosterona plas- ria a refrigeração imediata da amostra após
mática está expressa em ng/dL e a actividade a colheita (pois não existe qualquer reacção
da renina plasmática em ng/mL/h) e reflectem enzimática a suspender), mas existe o perigo
sempre um compromisso assumido entre a sen- de crio-activarmos a pró-renina em renina ao
sibilidade desejada e a especificidade resultante armazenarmos o plasma com uma congela-
(o que permite a variação dos níveis de sensibi- ção não suficientemente rápida, aumentando
lidade e especificidade do teste que variam entre assim de forma artificial a concentração final
os 64-100% e os 87-100%, respectivamente)31. de renina activa36.
Os pontos de corte para a RAR mais usados na
literatura são apresentados na tabela 5, onde Quem devemos rastrear?
estão igualmente descritas as conversões para
as unidades de medida mais comuns para a Dada a elevada taxa de prevalência do
concentração de aldosterona e actividade de HAP e o excesso de eventos cardiovasculares
renina plasmática, assim como as correcções verificado, alguns autores propõem que o seu
propostas para os ensaios laboratoriais de CRD rastreio seja realizado a todo e qualquer doen-
mais utilizados. te hipertenso. Esta atitude não é obviamente
consensual uma vez que implicaria rastrear
TABELA 5 – Valores de corte para a relação entre concentração mais de 30% da população geral com graves
plasmática da aldosterona – actividade plasmática da renina (RAR)
propostos na literatura
implicações sobre o uso dos recursos já limitados
de qualquer sistema de saúde. Uma aborda-
Autores RAR [(ng/dL)/(ng/mL/h)] Ano de publicação
gem mais prática tem em conta uma melhor
Hiramatsu et al. 40 24
1981
relação custo-benefício deste rastreio quando
Hamlet et al.81 25 1985
realizado a doentes hipertensos que apresentam
Young et al. 82
20 1994
maior probabilidade pré-teste, nomeadamente
Brown et al.83 72 1996 aqueles que se acompanham com hipocaliémia
Rossi et al.30 36 1998 espontânea ou induzida por diuréticos; HTA
Lim et al.84 27 1999 resistente em tratamento triplo; diagnóstico
Fardella et al. 50
85
2000 de HTA durante a infância ou juventude e/ou
Gallay et al.86 100 2001 evidência de atingimento de órgão alvo com
Rayner et al. 87
32,5 2002
menos de 50 anos de idade; incidentaloma
da supra-renal; evidência de danos em órgão
Stowasser et al. 39
30 2003
alvo desproporcionais à gravidade da HTA e
Nishizaka et al.88 16,3 2005
possivelmente naqueles com diabetes mellitus
Bernini et al. 89
69 2008
ou síndroma metabólica37,38.
provas de exclusão de HAP, todas elas com o g/dia) prescrita de forma a obter natriúrias su-
propósito de demonstrar a produção inapro- periores a 200 mEq/dia. A supressão incompleta
priadamente elevada, e não fisiologicamente dos valores de aldosterona urinária para níveis
suprimível, da aldosterona. Estas provas devem que sejam superiores a 12 µg/dia ao 3º dia é in-
ser idealmente solicitadas após corroboração de dicadora de HAP (sensibilidade e especificidade
2 ou 3 rastreios positivos e sempre após norma- de 96% e 93%, respectivamente)40. Apesar de se
lização da eventual hipocaliémia37,39. A escolha tratar de uma prova relativamente simples esta
entre as diferentes provas funcionais deve ser tem o inconveniente de ser mais dependente da
feita tendo em conta as características da mes- aderência e colaboração do doente do que as
ma e a experiência do centro onde se pratica. restantes provas aqui descritas.
Da mesma forma também os valores de corte A prova de sobrecarga salina endovenosa
escolhidos deverão ser adaptados à população, é a preferida pela maioria dos clínicos dada a
experiência e metodologia laboratorial de cada sua simplicidade e baixo custo. Baseia-se na de-
instituição. terminação de aldosterona plasmática antes e
depois da infusão de soro fisiológico a 500 mL/h
Provas de supressão salina durante 4 h num doente que está reclinado ou
em decúbito. A obtenção de aldosterona não
Os estudos que comparam o poder diag- completamente suprimida no final da prova,
nóstico das diferentes provas propostas para a com valores superiores a 5 ng/dL, sugere a pre-
demonstração da autonomia do hiperaldoste- sença de HAP (sensibilidade e especificidade de
ronismo com sobrecarga salina são escassos. As 100% e 97%, respectivamente)41.
provas de supressão mais utilizadas são actual-
mente a prova da sobrecarga salina oral com Prova do Captopril
cloreto de sódio, a prova da sobrecarga salina
endovenosa com soro fisiológico e a prova de Trata-se de uma prova ainda válida pela
sobrecarga salina associada à fludrocortisona sua simplicidade e quase ausência de contra-in-
(considerado por muitos como o gold-standard). dicações. Consiste na determinação da resposta
Todas elas implicam a suspensão, quando da aldosterona à administração de 50 mg de
possível, de toda a medicação interferente e a captopril oral ao doente que se encontra em
suplementação oral de potássio dado o risco posição erecta ou sentada há pelo menos uma
acrescido de agravamento da hipocaliémia10. hora. A supressão incompleta da aldosterona
Estas provas estão formalmente contra-indica- para valores que se apresentem superiores a 15
das nos doentes com evidência de HTA severa ng/dL, ou então com reduções inferiores a 30%
mal controlada e/ou insuficiência cardíaca. do valor inicial, 90 ou 120 minutos após a toma
A prova de sobrecarga salina associado do captopril é indicadora de HAP. Devemos ter
à fludrocortisona consiste na determinação sempre o cuidado de aconselhar uma ingestão
da concentração de aldosterona plasmática de sal superior a 6 g por dia durante os dias
antes e depois da administração oral de 0,1 que antecedem a prova de forma a não baixar
mg de acetato de fludrocortisona cada 6 horas a especificidade já por si algo limitada (cerca
durante 4 dias e de 1,75 g de NaCl (30 mmol de 80%)42.
– de libertação lenta) cada 8 horas. A supressão
incompleta dos níveis de aldosterona, isto é Outras provas
um valor superior a 6 ng/dL ao 4º dia, sugere
a presença de HAP39. Apesar de ser uma prova Prova Terapêutica com Espironolactona
altamente específica é geralmente evitada dada Esta prova baseia-se nos trabalhos de Spark
a necessidade de internamento hospitalar du- e colegas onde se demonstrava que a diminui-
rante os 4 dias de estudo. ção de pelo menos 20 mmHg na tensão arterial
A prova de sobrecarga salina oral é a diastólica após 5 semanas de terapêutica com
prova proposta pela Clínica Mayo nos E.U.A. e espironolactona (em doses máximas até 100 mg
utiliza um protocolo mais simples de sobrecarga 4 vezes ao dia) era uma característica típica de
salina através do consumo de uma dieta de ele- qualquer tipo de HAP43. Apesar de não ser muito
vado teor de sal durante 3 dias (pelo menos 12,8 utilizada como uma prova confirmatória, este
tipo de resposta tensional possui um elevado de diferenciação dos subtipos uni ou bilaterais
valor prognóstico. de HAP47. Dadas as contingências inerentes a
esta técnica imagiológica devemos ter sempre
Prova do Losartan presente que outros exames complementares
Esta outra prova utiliza os mesmos prin- ou provas funcionais mais simples podem ser
cípios da prova do captopril e consiste na importantes no diagnóstico diferencial destes
determinação da concentração plasmática de doentes. É importante reter que a utilização
aldosterona antes e 4 horas após a administra- deste tipo de estudos diferenciais poderá ape-
ção oral de 50 mg de losartan. Uma redução nas beneficiar aqueles indivíduos que estejam
inferior a 40% do valor inicial de aldosterona dispostos a ser submetidos a cirurgia e que,
confirma a ausência de supressão completa da ao mesmo tempo, não apresentem qualquer
aldosterona e sugere a presença de HAP44. contra-indicação para uma adrenalectomia.
Apenas estes terão de facto algum benefício na
Metabolitos urinários da aldosterona obtenção de um diagnóstico diferencial entre
Uma forma de ultrapassar o problema das formas uni e bilaterais de HAP devendo todos
colheitas séricas seriadas de aldosterona e da os outros ser poupados a este tipo de estudo
sua excreção urinária é tentar obter a concen- especializado.
tração do seu principal metabolito na urina
(a tetra-hidro-aldosterona). A presença de um TAC e RMN da supra-renal
valor elevado deste metabolito na urina de 24
horas apresenta uma sensibilidade e especifi- O primeiro passo após a confirmação de
cidade de 96% e 95%, respectivamente, para o HAP deverá ser um exame imagiológico dirigido
diagnóstico de HAP45. às glândulas supra-renais. A eficácia no diag-
nóstico da tomografia computorizada (TAC)
é actualmente equiparável à da ressonância
Localização e identificação magnética nuclear (RMN) com uma sensibilida-
dos subtipos de para a detecção de adenomas da supra-renal
que varia entre os 40 e 80%48,49. Esta eficácia está
Após a confirmação do diagnóstico de HAP, geralmente limitada pela elevada prevalência
o desafio que se segue é distinguir o subtipo em de incidentalomas da supra-renal na população
causa. Na maioria das vezes esta tarefa limita-se em geral (2-10%) e pela dimensão infra-centi-
a diferenciar as formas unilaterais ou bilaterais métrica da maioria dos adenomas (muitas vezes
desta síndroma, o que por si só já é muitas vezes inferiores a 5 mm de diâmetro)50,51.
suficiente para permitir uma abordagem tera- Quando um clínico se depara com um
pêutica com sucesso. De uma forma simplista os doente de menos de 40 anos de idade com
doentes com APA são geralmente mais jovens, HAP confirmada e cujo exame imagiológico
apresentam uma HTA mais grave e níveis mais demonstra um nódulo da supra-renal único,
extremos de hipocaliémia e de aldosterona unilateral e hipodenso com um diâmetro entre
plasmática do que aqueles que apresentam o 1 e 2 cm, o mais provável é que, sem margens
subtipo IHA. Os doentes que evidenciam estas de dúvida, se trate de um APA. No entanto na
características devem ser considerados como de maioria dos casos de HAP a apresentação não
“alta probabilidade” para APA, independente- é assim tão simples. Com frequência ambas as
mente do estudo imagiológico realizado, dado supra-renais aparecem como anatomicamen-
que mesmo naqueles em que a TAC das supra- te “normais” na TAC (ou então com algumas
renais é descrita como “normal” existe uma porções hiperplásicas) e outras vezes sugerem a
causa unilateral de HAP em 41% dos casos46. presença bilateral de micro ou macronódulos.
Um estudo recente do grupo de Mulatero em Nesta fase quaisquer dos estudos mais simples
Turim veio confirmar uma ideia já recorrente de imagem são claramente insuficientes para
nas revisões mais actuais sobre esta entidade. distinguir os diferentes subtipos de HAP.
Isto é que, no momento actual, não existe um Vários estudos têm sido publicados confir-
substituto clínico ou imagiológico para o cate- mando a falibilidade da orientação terapêutica
terismo das veias supra-renais na tarefa ingrata baseada unicamente em modalidades não
limitação frequente na utilização clínica desta terona provenientes das duas veias supra-renais
técnica prende-se com a dificuldade na obten- permite inferir a unilateralidade do HAP39. Estes
ção deste traçador para a realização de estudos valores de corte apresentam uma sensibilidade
de cintigrafia das supra-renais. para detecção de lesões unilaterais entre 98% e
100%58. Alguns autores defendem ainda que a
Cateterismo das veias supra-re- obtenção de valores unilaterais de aldosterona
nais não “corrigida” e estimulada pela ACTH, que
sejam superiores a 1340 ng/dL são altamente
O cateterismo das veias supra-renais (CVS) preditivos de APA (com uma sensibilidade de
é actualmente considerado o gold-standard para 92% e especificidade de 100%)58.
o diagnóstico das formas unilaterais de HAP. O As complicações associadas a esta técnica
baixo valor preditivo apresentado pelas outras de diagnóstico são raras (menos de 2,5%). Entre
modalidades diagnósticas levou à recomen- as mais frequentes encontram-se a hemorragia
dação, já este ano, pela Task Force criada sob do local da punção inguinal, a hemorragia
o patrocínio da Endocrine Society, de que todos da supra-renal e a dissecção das veias supra-
os doentes com HAP confirmado e possíveis renais46.
candidatos a cirurgia devam ser submetidos a
CVS25. Trata-se de um procedimento invasivo, 18-Hidroxicorticosterona
caro e com taxas de insucesso na cateterização
da veia supra-renal direita (particularmente A 18-hidroxicorticosterona (18-OHB) é um
difícil) de 10 a 30%, que deve ser idealmente dos precursores da aldosterona e resulta da
realizado num centro com experiência neste 18-hidroxilação do cortisol. Assume-se que os
tipo de técnica (com um mínimo de 10 CVS doentes com APA apresentam habitualmente
por ano)55. valores plasmáticos mais elevados de 18-OHB
Neste momento são usados dois protocolos quando comparados com as outras formas de
distintos. No primeiro realiza-se o CVS durante HPA, nomeadamente a IHA. Um valor de corte
a manhã num doente que permaneceu deitado de 100 ng/dL obtido durante a manhã permite
toda noite, e no qual se procede às colheitas distinguir IHA de APA em pelo menos 80% dos
sequenciais, sem estimulação, de aldosterona casos59.
e cortisol nas veias supra-renais e na veia peri-
férica. No segundo protocolo a metodologia é Despiste de causas familiares
idêntica à excepção do uso de uma estimulação
adrenal obtida com uma perfusão contínua de Todos os doentes com HPA diagnosticado
50 µg/h de ACTH iniciada 30 minutos antes e antes dos 20 anos de idade, história familiar de
mantida durante todo o procedimento. Com HPA ou evidência de doença cerebro-vascular
esta perfusão contínua tenta-se minimizar os ligada à HTA numa idade jovem, devem ser
potenciais efeitos do stress na secreção da al- submetidos a estudo de causas genéticas de
dosterona quando sujeitos a colheitas seriadas HAP25. A primeira causa monogénica de HAP
e não simultâneas. Para evitar os possíveis erros a ser identificada foi o subtipo familiar tipo I.
de diluição nas colheitas das veias supra-renais O seu diagnóstico definitivo é genético e dada
deve ser sempre determinada uma relação en- a sua raridade (está presente em menos de 1%
tre a concentração plasmática de aldosterona das séries de HAP) não está aconselhado o seu
e cortisol de cada amostra. A obtenção desta despiste por rotina60. As suas manifestações
relação “corrigida” de aldosterona colhida no clínicas são altamente variáveis e apresentam
cateter da supra-renal que seja superior a 3 de forma característica uma secreção de aldos-
vezes o valor obtido perifericamente permite terona que é suprimível pelos glucocorticóides
confirmar o sucesso na cateterização das supra- (daí a sua outra designação de HAP suprimível
renais (superior a 10 vezes se for utilizado o pelos glucocorticóides). A realização de uma
protocolo com estimulação)10. A determinação prova de supressão pela dexametasona pode
de um gradiente superior a 4, no protocolo com ser sugestiva desta patologia (em especial se
estímulo, ou superior a 2, no protocolo mais obtivermos um valor de aldosterona da manhã
simples, entre os valores “corrigidos” de aldos- inferior a 4 ng/dL no 4º dia de supressão com
vezes por dia e pode ser aumentada até um forma unilateral de HAP têm possibilidade de
máximo de 100 mg/dia. Dado o elevado custo cura devem ser propostos para adrenalectomia
a sua utilização deve estar reservada para os laparoscópica. Naqueles em que não é possível
doentes que sob espironolactona apresentem realizar a adrenalectomia, ou que apresentem
efeitos laterais intoleráveis. formas bilaterais de HAP, a opção terapêutica
O uso de outros anti-hipertensores é fre- mais correcta passa pelo uso de antagonistas
quente nos doentes com HAP não sujeitos a dos receptores mineralocorticóides (espironolac-
cirurgia. A razão para a existência de uma tona e eplenerona). Ambos os fármacos permi-
HTA resistente é muitas vezes motivada pela tem um melhor controlo tensional e redução do
manutenção de um estado de hipervolémia número de eventos cardiovasculares, pelo que a
facilmente controlado com o uso de uma asso- escolha entre estes dois deve ser feita com base
ciação de diurético tiazídico em doses baixas no custo e perfil de tolerância.
com um poupador de potássio.
Nos casos de HPA familiar tipo I o controlo
da HTA é obtido com a administração ao dei- Referências bibliográficas
tar da mínima dose de dexametasona oral (de
0,125 mg a 0,25 mg) necessária para suprimir 1. Simpson SA, Tait JF, Bush IE. Secretion of a salt-
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a incidência elevada da doença cardio e cere- 4. Davis WW, Newsome HH Jr., Wright LD Jr., Ham-
brovascular no país68,69. Dado este panorama é mond WG, Easton J, Bartter FC. Bilateral adrenal
de esperar que, mesmo por estimativas baixas, hyperplasia as a cause of primary aldosteronism
o HAP esteja presente em cerca de 160.000 with hypertension, hypokalemia and suppressed
portugueses. Este tipo de HTA secundária é uma renin activity. Am J Med 1967; 42: 642-647.
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A forma mais simples de o fazer é realizar increased aldosterone secretion and low plasma
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anti-hipertensora, à excepção dos diuréticos e 7. Lifton RP, Dluhy RG, Powers M, Rich GM, Cook
da espironolactona. Apesar de ser recente, o S, Ulick S, Lalouel JM. A chimaeric 11 beta-hy-
cálculo desta relação utilizando a concentra- droxylase/aldosterone synthase gene causes glu-
ção de renina é cada vez mais recomendado cocorticoid-remediable aldosteronism and human
internacionalmente. A confirmação do diagnós- hypertension. Nature 1992; 355: 262-265.
tico de HAP pode ser obtida através de várias 8. Stowasser M, Gordon RD, Tunny TJ, Klemm SA,
provas. A mais simples de todas é a prova de Finn WL, Krek AL. Familial hyperaldosteronism
sobrecarga salina endovenosa, razão pela qual type II: five families with a new variety of primary
é a preferida por muitos clínicos. Seguidamente, aldosteronism. Clin Exp Pharmacol Physiol 1992;
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Tirotoxicose e amiodarona
Souto SB1, Carvalho-Braga D1,2, Matos MJ1,2, Freitas P1,2, Medina JL1,2
Serviço de Endocrinologia do Hospital de S. João, EPE; 2Faculdade de Medicina da Universidade do Porto
1
Correspondência:
Dra. Selma Souto › Serviço de Endocrinologia. Hospital de S. João, EPE › Alameda Prof. Hernâni Monteiro › 4200-319 Porto
E-mail: selmasouto@yahoo.com
RESUMO
A amiodarona é um antiarrítmico de classe III, importante no tratamento das taquiarritmias e
extremamente rico em iodo. No entanto, os seus efeitos secundários na glândula tiroidea e em
outros órgãos podem contrabalançar os efeitos benéficos a nível cardíaco. Causa frequentemente
alterações na função tiroidea, habitualmente aumento da tiroxina (T4) e da T3 reversa e diminui-
ção da triiodotironina (T3) sérica. Em alguns doentes tratados com amiodarona ocorre disfunção
tiroidea, tanto tirotoxicose como hipotiroidismo. A tirotoxicose induzida pela amiodarona (TIA) é
uma condição clínica rodeada de inúmeras dificuldades e incertezas no diagnóstico e na abordagem
terapêutica. Pode estar relacionada com a síntese e libertação excessiva de hormonas tiróideas (TIA
tipo 1) ou com um fenómeno de tiroidite destrutiva (TIA tipo 2), mas podem existir formas mistas
(TIA tipo 3). Na TIA tipo 1, o tratamento médico consiste na administração de tionamidas e per-
clorato de potássio, enquanto que no tipo 2 os glucocorticóides constituem a opção terapêutica.
Nas formas mistas o tratamento consiste na combinação terapêutica de tionamidas, perclorato de
potássio e glucocorticóides. Terapêuticas alternativas são a tiroidectomia, a terapêutica ablativa com
iodo e mais recentemente a rhTSH.
PALAVRAS-CHAVE
Amiodarona; Tirotoxicose; Hipertiroidismo; Tiroidite destrutiva; Glucocorticóides; Tionamidas; Per-
clorato de potássio.
SUMMARY
Amiodarone, a potent class III anti-arrhythmic drug, is an iodide-rich drug, widely used for the treat-
ment of tachyarrhythmias. However, its effects in thyroid gland and other organs can counterbalance
the beneficial effect at cardiac level. It often causes changes in thyroid function tests, typically an
increase in serum T4 and rT3 and a decrease in serum T3 concentration. In some amiodarone-treated
patients, there is overt thyroid dysfunction, either thyrotoxicosis or hypothyroidism are usually reported.
Amiodarone-induced thyrotoxicosis (AIT) is a clinical condition fraught with difficulties and uncertain-
ties both from the diagnostic and therapeutic standpoints. AIT can be caused by excessive hormone
synthesis and release (AIT type 1) or a destructive thyroid process (AIT type 2), but mixed forms fre-
quently exist (AIT type 3). In type 1 the main medical treatment consists of the simultaneous adminis-
tration of thionamides and potassium perchlorate, while in type 2 glucocorticoids are the most useful
therapeutic option. Mixed forms are the best treated with the combination of thionamides, potassium
perchlorate and glucocorticoids.
key-words
Amiodarone; Thyrotoxicosis; Hyperthyroidism; Destructive thyroiditis; Glucocorticoids; Thionamides;
Potassium perchlorate.
Incidência (%)
A amiodarona é um antiarrítmico de classe
III, extremamente rico em iodo, com múltiplos Microdepósitos na córnea 100
do seu metabolito, a desetilamiodarona (DEA) Eliminação: excreção biliar e eliminação fecal (65-75%)
em alguns tecidos, tendo sido encontrada uma Adaptado de Bogazzi e colaboradores24
em oito doentes após cessação do tratamento Inibição da 5`- desiodase tipo II Aumento da TSH
a longo prazo19. Em outro estudo, a semi-vida Inibição da entrada das hormonas Diminuição da produção
tiróideas nas células periférica de T3
média de eliminação foi de 40±10 dias para
a amiodarona e de 57±27 dias para a DEA20. Citotoxicidade tiróidea Liber tação das hormonas
tiroideas formadas previa-
Estes estudos permitem concluir que após a mente da glândula tiroidea
suspensão do tratamento, a amiodarona e
Interacção competitiva com os Hipotiroidismo-like a
os seus metabolitos ficam disponíveis por um receptores das hormonas tiróideas nível dos tecidos periféricos
longo período. T4 - levotiroxina; T3 - triiodotironina; rT3 - T3 reversa; TSH - tirotropina
A metabolização da amiodarona pode ser Adaptado de Bogazzi e colaboradores24
terapêutica a longo prazo com TSH sérica podem ocorrer. Adaptado de Bogazzi e colaboradores 24
(TSH). Com uma dose diária de 200 a 400 mg amiodarona são mais comuns em doentes com
de amiodarona, a TSH é geralmente normal3, toxicidade tiroidea pela amiodarona.
enquanto que doses mais elevadas podem levar Em modelos roedores, foi demonstrado que
a aumento da TSH durante os meses iniciais do a amiodarona se associava a alterações ultra-es-
tratamento, geralmente seguido de um retorno truturais sugestivas de citotoxicidade da tiróide,
ao normal29,30. Acredita-se que as alterações distintas das alterações induzidas por excesso
na concentração da TSH sejam secundárias de iodo isoladamente38. Estas alterações incluem
a variações das hormonas tiroideas, porém a distorção da arquitectura da tiróide, apoptose,
amiodarona pode afectar directamente a síntese necrose, corpos de inclusão, lipofuscinogenese,
e a secreção da TSH a nível hipofisário32. O au- infiltração macrofágica e dilatação do retículo
mento da concentração sérica da TSH pode ser endoplasmático. Foram encontradas anomalias
o resultado da inibição da 5`- desiodase tipo II semelhantes em outros órgãos, nomeadamente
pela amiodarona ou pela DEA, que converte a fígado, pulmão, coração, pele, córnea, fibras
T4 em T3 a nível hipofisário33 (Tabela 3). Após a nervosas periféricas e leucócitos3. A acumulação
administração de amiodarona por via endove- em diferentes tecidos e a semi-vida longa da
nosa, a TSH é a primeira hormona a sofrer va- amiodarona e da DEA representam um factor
riações, mesmo no primeiro dia de tratamento25. importante para estas alterações19.
Os valores de TSH costumam normalizar aos 3
meses de tratamento com amiodarona34. 3. Efeitos da amiodarona na au-
Das alterações hormonais referidas, apenas toimunidade da tiróide
as variações da rT3 se correlacionam com os
níveis de amiodarona ou DEA circulantes e com O excesso de iodo libertado da amiodarona
a sua actividade antiarrítmica. pode estar envolvido na ocorrência de fenóme-
Durante o tratamento a longo prazo com nos de autoimunidade. Num estudo prospectivo
a amiodarona, os doentes clinicamente eutiroi- de Monteiro e colaboradores efectuado em 37
deus podem ter variações modestas, aumento doentes pós enfarte agudo do miocárdio, veri-
ou diminuição da TSH sérica, possivelmente ficou-se aparecimento de novo de anticorpos
reflectindo episódios de hipotiroidismo ou anti-peroxidase em 6 de 13 doentes medicados
hipertiroidismo subclínico, respectivamente com amiodarona e ausência destes anticorpos
(Tabela 4)24. no grupo placebo39. Estes anticorpos foram
detectados precocemente após instituição da
2. Citotoxicidade tiroidea amiodarona e eram indetectáveis 6 meses
após a suspensão. Este fenómeno foi atribuí-
Chiovato e colaboradores demostraram que do a efeitos tóxicos precoces e transitórios da
a amiodarona tem efeito tóxico directo nas amiodarona na tiróide, que levam à produção
células tiroideas, e que o excesso de libertação de autoantigénios e subsequentes reacções de
de iodo pode contribuir para esse efeito35. No autoimunidade. No entanto, estes resultados
entanto, a DEA tem uma concentração intrati- não foram confirmados em estudos posterio-
róidea mais elevada19, sendo mais tóxica para res6,40-43. Safran e colaboradores não encon-
a tiróide do que a amiodarona7,36. traram aumento da incidência de anticorpos
Vitale e colaboradores demonstraram que antitiroideus em 47 doentes submetidos a trata-
nas células tiroideas, o excesso de iodo induz a mento a curto e longo prazo com amiodarona
apoptose através de um mecanismo indepen- em áreas geográficas com diferentes consumos
dente do p53 envolvendo stress oxidativo e que de iodo40. Foresti e colaboradores encontraram
está associado à libertação de radicais livres de autoanticorpos tiroideus positivos em apenas
oxigénio37. Porém, permanece por esclarecer o 2 de 23 doentes medicados com amiodarona,
modo de como estes mecanismos contribuem semelhante ao número de doentes com trata-
para as anomalias histopatológicas da tiróide mento com outros antiarrítmicos43. Porém, em
associadas ao tratamento com amiodarona. indivíduos susceptíveis, a amiodarona pode
Permanece igualmente por esclarecer porque precipitar ou exacerbar a autoimunidade pré-
é que as anomalias não tiróideas associadas à existente44.
taquicardia, podem estar ausentes devido à A TIA tipo 1 é caracterizada pela presença
acção antiadrenérgica da amiodarona, e pos- de patologia tiróidea prévia, como bócio difuso
sivelmente pelo bloqueio da ligação da T3 aos ou nodular, enquanto que o tipo 2 surge habitu-
seus receptores pela DEA17,59. Nos doentes mais almente numa tiróide normal10. O doseamento
idosos a primeira manifestação pode ser a perda de anticorpos antitiroideus permite identificar
de peso17. doença autoimune da tiróide a favor do tipo 110.
Em todos os casos, ocorre agravamento No entanto, na maioria dos casos de TIA, não
das manifestações cardíacas, mais frequente- dispomos de ecografia tiroidea prévia nem de
mente exacerbação da fibrilhação auricular17. doseamentos prévios de autoanticorpos.
O aumento do consumo de oxigénio devido De um modo geral, a ecografia da tiróide
à tirotoxicose pode levar a angina instável e com Doppler e a cintigrafia tiroidea com curva
enfarte do miocárdio em doentes com doença de fixação do iodo são considerados os melhores
cardíaca isquémica. métodos para distinguir os diferentes tipos de
Nos doentes com TIA tipo 1, podem estar TIA8,62.
presentes sinais e sintomas típicos da doença
tiroidea preexistente como bócio multinodular Ecografia da tiróide com Doppler
ou difuso3. Ocasionalmente existe febre e dor Estudos efectuados em doentes com TIA,
na tiróide60. sugerem que a ecografia da tiróide com doppler
é um exame eficaz no diagnóstico diferencial
b) Métodos de diagnóstico dos tipos de TIA3,8,9,24,63, dado que permite avaliar
em tempo real o fluxo sanguíneo intratiroideu,
O diagnóstico de TIA é efectuado com avaliando a função e a morfologia da glându-
base na suspeita clínica, desde o quadro de la. Nos doentes com TIA tipo 1 verifica-se que
sintomatologia habitual de hipertiroidismo ao o fluxo sanguíneo intratiroideu é normal ou
reaparecimento de uma arritmia previamente elevado, traduzindo um aumento da produção
controlada com amiodarona61, sendo posterior- das hormonas tiroideas, enquanto que na TIA
mente necessário a confirmação bioquímica. tipo 2 encontra-se marcadamente diminuído
Laboratorialmente, verifica-se elevação dos ou ausente3,8,9,24,63.
valores da T3 e T4 séricas, com diminuição da Nos casos de TIA tipo 1 é necessário avaliar
TSH para níveis de hipertiroidismo17. Outros o fluxo sanguíneo nodular e extranodular, pela
doseamentos laboratoriais tais como o aumento importância no diagnóstico diferencial da do-
da tiroglobulina e da SHBG são raramente úteis ença tiróidea associada à TIA8. Na doença de
na prática clínica dado a falta de especificidade Graves existe um padrão de hipervasculariza-
destes marcadores3. ção do parênquima e no bócio tóxico multino-
Após estabelecer o diagnóstico de TIA de- dular existe hipervascularização perinodular
vem ser feitos todos os esforços para identificar e/ou nodular.
qual dos tipos de TIA é o responsável pelo estado
tirotóxico (Tabela 5).
Tipo 1 Tipo 2
Cintigrafia da tiróide com curva de fixa- a membrana mitocondrial. Com base nestas
ção de iodo às 24 horas considerações, Piga e colaboradores avaliaram
Nos doentes com anomalias prévias da 20 doentes, cujo diagnóstico inicial de TIA foi
tiróide (TIA tipo 1), verifica-se uma captação efectuado com base na clínica, bioquímica e
de iodo radioactivo às 24 horas na cintigrafia em estudos imagiológicos, tendo em 8 doentes
da tiróide, superior a 8% e em alguns casos sido efectuado o diagnóstico de TIA tipo 1 e em
valores de captação muito elevados (superiores 12 doentes TIA tipo 210,17. O diagnóstico final
a 50-60%)64,65. Em áreas geográficas com iodo foi baseado na resposta terapêutica. Todos os
suficiente, a captação é na maioria dos casos doentes com diagnóstico inicial de TIA tipo 1
muito baixa64. Isto sugere que nos doentes com foram medicados com metimazol (40 mg/dia)
distúrbios prévios da tiróide e residentes numa e perclorato de potássio (1 g/dia, máximo 45
área com deficiência de iodo, a tiróide pode não dias) e posteriormente apenas com metimazol.
se adaptar à carga excessiva de iodo, resultando Os doentes com TIA tipo 2 foram tratados com
numa captação inapropriadamente elevada na prednisolona (30-40 mg/dia). Dois doentes
cintigrafia. inicialmente classificados como tipo 1 neces-
Nos doentes com hipertiroidismo destrutivo sitaram de terapêutica com corticóides e dois
(TIA tipo 2) verifica-se uma captação de iodo às doentes classificados como tipo 2 precisaram de
24 horas na cintigrafia da tiróide muito baixa, metimazol e perclorato de potássio; estes qua-
habitualmente 2 a 3%64,65. tro doentes foram posteriormente classificados
Apesar de em todos os casos de TIA estar como TIA tipo 3.
indicado realizar a cintigrafia da tiróide com Todos os doentes foram submetidos a uma
curva de fixação do iodo, este método pode cintigrafia da tiróide com MIBI antes de inicia-
não ser suficiente na diferenciação de TIA tipo rem qualquer tratamento10. Verificou-se reten-
1 e 2. ção difusa sugestiva de hiperfuncionamento nos
seis doentes com diagnóstico final de TIA tipo 1;
Doseamento da IL-6 enquanto que não se verificou qualquer capta-
A IL-6 sérica constitui um marcador, em- ção nos 10 doentes com diagnóstico final de TIA
bora não específico, de destruição dos folículos tipo 2. Dos quatro doentes com diagnóstico de
tiroideus12,66. Alguns estudos revelam aumento TIA tipo 3, verificou-se que dois tinham capta-
significativo da IL-6 na TIA tipo 2, e dosea- ção persistentemente fraca e dois tinham rápido
mentos normais ou ligeiramente elevados na washout, em cerca de dez minutos. A captação
TIA tipo 19. Porém, outras situações podem ligeira ou transitória do MIBI observada nestes
causar elevação da IL-6, nomeadamente após doentes pode ser explicada pela destruição ti-
o tratamento com iodo, injecção intranodular roidea incompleta associada a diferentes graus
de etanol, biópsia aspirativa de agulha fina67 e de hiperfunção tecidular10.
nos casos de tiroidite subaguda68. Quando os resultados obtidos com os proce-
dimentos imagiológicos foram comparados, os
Cintigrafia da tiróide com SestaMIBI autores constataram que a cintigrafia com MIBI
Recentemente foi publicado um estudo de foi o único procedimento que individualmente
Piga e colaboradores sobre a utilização da cin- foi capaz de diferenciar os tipos 1 e 2. O MIBI
tigrafia com Tc99m-sestaMIBI (MIBI) no diag- foi superior à ecografia tiroidea com Doppler
nóstico diferencial dos tipos de TIA10, 17. O MIBI é no diagnóstico diferencial dos tipos de TIA. Três
um catião lipofílico monovalente que apresenta doentes com TIA tipo 2 apresentavam alterações
captação elevada nas células epiteliais com no Doppler sugestivas de tipo 1 e três doentes
elevado número de mitocôndrias10,69. Por este com TIA tipo 3 tinham alterações no Doppler
motivo, o aumento da captação do MIBI pode sugestivas de tipo 2. Verificou-se ainda neste
ser empregue para identificar tecido tiroideu estudo, que a cintigrafia da tiróide com iodo e
hiperfuncionante e acredita-se que este fenóme- a cintigrafia com Tc99m não foram capazes de
no resulte do elevado número de mitocôndrias distinguir as diferentes formas de TIA.
nas células hipermetabólicas. Por outro lado, a Este estudo evidencia que a cintigrafia
acumulação do MIBI está reduzida ou ausente com MIBI pode ser usada para o diagnóstico
no processo apoptótico ou necrótico envolvendo diferencial entre TIA tipo 1 e 210. No entanto,
é preciso algum cuidado na interpretação dos terapêutica, geralmente são necessárias doses
resultados do estudo de Piga e colaboradores. mais elevadas de metimazol (40 a 60 mg) ou
Uma importante limitação do estudo é o peque- propiltiouracilo (600 a 800 mg) para restabe-
no número de doentes com diagnóstico de TIA lecer o eutiroidismo. Para inibir a captação de
tipo 1 (apenas seis doentes), dado que é mais iodo pela tiróide pode usar-se o perclorato de
frequente encontrar formas tipo indeterminado potássio (KClO4)71.
no grupo inicialmente diagnosticado como tipo O sucesso terapêutico da TIA com metima-
1. Outro aspecto importante é que o MIBI foi zol e KClO4 em doses diárias de 40 e 1000 mg
positivo em dois doentes com diagnóstico inicial respectivamente, foi reportado pela primeira
de TIA tipo 2, que necessitaram de metimazol e vez por Martino e colaboradores72. Neste estudo,
perclorato de potássio, uma vez que o corticóide a terapêutica combinada permitiu um rápido
não foi eficaz. controlo do hipertiroidismo quando compa-
Aparentemente achados opostos aos estu- rado com o metimazol isoladamente, sendo
dos de Piga e colaboradores foram encontrados este resultado confirmado por outros grupos
por Hiromatsu e colaboradores. Os últimos de estudo50,73. Porém, o tratamento combinado
verificaram captação significativa do MIBI na esteve associado a aumento transitório dos
fase inicial da tiroidite subaguda, a forma mais níveis de hormonas tiroideas e da excreção
comum de tirotoxicose destrutiva70. Porém, esta urinária de iodo72. A utilização de KClO4 pode
captação estava relacionada com um processo ainda, associar-se a fenómenos de toxicida-
inflamatório severo que conduz à formação de de, particularmente agranulocitose, anemia
granuloma na tiroidite subaguda e era inde- aplástica e alterações da função renal. Trotter
pendente da destruição das células foliculares e colaboradores compararam a toxicidade das
da tiróide. tionamidas e do perclorato de potássio, verifi-
cando que a agranulocitose ocorria em 0,3% de
1200 doentes tratados com KClO4 comparando
c) Tratamento com 0,94% de 10131 doentes tratados com
tionamidas74. No entanto, com a utilização de
A eficácia do tratamento na TIA é estrita- uma dose diária de KClO4 superior a 1 gr, a in-
mente dependente do mecanismo patofisiológi- cidência de toxicidade aumenta para 16 a 18%.
co responsável pela tirotoxicose, sendo crucial a Parece prudente suspender o KClO4 ao atingir
identificação do tipo de TIA para uma resposta o eutiroidismo, que ocorre habitualmente às
clínica adequada. Vários regimes terapêuticos 6 semanas. A realização de períodos curtos de
têm sido propostos para a TIA (Tabela 6). tratamento, pode resultar em elevado risco de
Na TIA tipo 1 o objectivo terapêutico con- tirotoxicose recorrente75.
siste por um lado, em bloquear a organificação O carbonato de lítio é um fármaco que
do iodo e a síntese das hormonas tiroideas e por tem revelado utilidade no tratamento da TIA,
outro, diminuir a entrada de iodo na tiróide pela sua capacidade em bloquear a síntese e
e as reservas de iodo intratiroideu24. Uma vez a libertação das hormonas tiroideas76. A sua
que a tiróide rica em iodo é mais resistente à adição em doses de 900 a 1300 mg/dia ao pro-
piltiouracilo (300 mg/dia), por 4 a 6 semanas,
resultou numa diminuição do tempo necessário
TABELA 6. Opções terapêuticas na TIA
para o eutiroidismo, em pequenas séries de do-
Tionamidas em doses elevadas (metimazol, propiltiouracilo)
entes77. A normalização das hormonas tiroideas
Metimazol associado ao perclorato de potássio (KClO4)
circulantes ocorreu três semanas mais cedo com
Propiltiouracilo associado ao carbonato de lítio a terapêutica combinada do que com o pro-
Ácido iopanóico piltiouracilo isoladamente77. No entanto, estes
Iodo radioactivo (em doentes com captação suficiente de iodo) resultados requerem confirmação em estudos
Tiroidectomia total envolvendo maior número de doentes.
Plasmaferese Relativamente ao ácido iopanóico, é um
Corticosteróides agente com elevado conteúdo em iodo e com
TSH recombinante humana (rhTSH)
potente efeito inibidor da 5`-desiodase, resul-
Adaptado de Piga e colaboradores17 tando numa marcada diminuição da conversão
periférica da T4 em T378. Quando administrado para doentes com TIA tipo 2, com envolvimento
em doses de 500 mg duas vezes por dia, leva à cardíaco ligeiro a moderado17. Os doentes com
rápida normalização da concentração da T3 condições cardíacas graves e com baixa proba-
com melhoria dos sintomas de tirotoxicose, bilidade de responderem aos glucocorticóides
particularmente a nível cardíaco. Infelizmente, devem ser alvo de terapêuticas alternativas86.
não tem qualquer actividade na produção da À semelhança da tiroidite subaguda, a TIA
T4 e o tratamento a longo prazo pode resultar pode recorrer, sendo necessário novo ciclo de
numa elevada frequência de recorrência do corticoterapia3,83.
hipertiroidismo79. Com base neste propósito, Como sabemos, alguns doentes desenvol-
Bogazzi e colaboradores propuseram um trata- vem formas de TIA tipo misto, que devem ser
mento de curta duração com ácido iopanóico tratadas com terapêutica combinada, sendo o
numa dose de 1 gr por dia durante cerca de 13 metimazol associado ao KClO4 e à prednisolona
dias, tendo-se verificado um rápido controlo do o melhor tratamento3,14.
hipertiroidismo numa pequena série de doentes Uma questão importante na abordagem da
com TIA tipo 2, posteriormente submetidos a TIA é a suspensão da amiodarona. A amiodaro-
tiroidectomia total80. na é um antiarritmico eficaz e em alguns casos
A plasmaferase tem sido empregue para é indispensável para o controlo das arritmias,
controlar formas graves de TIA81. No entanto, tornando a sua suspensão impossível. Por ou-
a eficácia deste procedimento, frequentemente tro lado, a carga de iodo e a concentração de
perigoso em doentes com patologia cardíaca, amiodarona e dos seus metabolitos persiste
é transitória e a diminuição das hormonas meses após a descontinuação do fármaco.
tiroideas circulantes é rapidamente seguida da Finalmente, a amiodarona pode proteger o
exacerbação da tirotoxicose82. coração das hormonas tiroideas circulantes em
Tem sido verificado que o tratamento com excesso, devido ao seu efeito directo antitiroideu
glucorticóides (isoladamente ou em associação nos tecidos periféricos. Logo a descontinuação
com fármacos antitiroideus ou plasmaferase) da amiodarona pode exacerbar uma condição
é o mais eficaz nos casos de TIA tipo 2, pro- de “heart thyrotoxicosis”50,86 com agravamento
vavelmente devido ao processo inflamatório dos sintomas cardíacos3,73. No entanto, devido
associado a esta condição3,12,83,84. Na maioria à elevada dificuldade em restabelecer o eutiroi-
dos casos, doses iniciais de prednisolona 40 a dismo com a administração da amiodarona, a
60 mg/dia ou dexametasona 3 a 6 mg/dia du- suspensão do fármaco deve ser sempre pensada
rante 2 meses tem sido eficaz na normalização como parte integral da terapêutica dos doentes
da função tiróidea3,32,85. O tempo de resposta à com TIA.
corticoterapia depende dos níveis basais das Em doentes com TIA resistentes ao trata-
hormonas tiroideas e do volume da tiróide14,86. mento médico e/ou em doentes com doença
Foi sugerido que doentes com normal volume cardíaca severa que não podem interromper a
da tiróide e concentração sérica de T4 livre < amiodarona ou que necessitam da sua re-intro-
25 pg/mL têm elevada probabilidade de atin- dução, a tiroidectomia total pode ser proposta
gir o eutiroidismo em 30 dias, enquanto que após correcção da tirotoxicose17,84,87. Contudo, as
aqueles com bócio e T4 livre > 25 pg/mL per- condições cardíacas e o estadio tirotóxico podem
manecem tirotóxicos por um longo período86. aumentar o risco cirúrgico ou mesmo excluir a
Uma pequena minoria de doentes (cerca de possibilidade da cirurgia em alguns doentes.
20%) permanece hipertiroideu após 2 meses de Foram descritos cerca de 30 doentes com TIA que
tratamento, sendo nestes casos recomendado foram submetidos a tiroidectomia, com controlo
manter a corticoterapia por 4 a 5 meses17. A da tirotoxicose e sem mortalidade51,88,89.
identificação precoce dos casos de resistência à A administração de iodo radioactivo é o
corticoterapia tem implicações importantes na tratamento de escolha definitivo para a TIA
abordagem da TIA, especialmente nos doentes tipo 1, uma vez que após a suspensão da
com distúrbios cardíacos graves que requerem amiodarona e do tratamento combinado de
rápida correcção do estado tirotóxico. tionamidas e KClO4, a captação de iodo está
O tratamento com glucocorticóides isola- aumentada para valores adequados17. Existem
damente representa o tratamento de escolha casos descritos por Hermida e colaboradores90
e Iskandar e colaboradores91 em que foi efec- Figura 2A. Algoritmo de tratamento da tirotoxicose induzida pela
amiodarona nos doentes em que a amiodarona pode ser suspensa.
tuada com sucesso terapêutica ablativa com
AM: amiodarona; KCLO4: perclorato de potássio; IU: iodo urinário;
iodo radiactivo em doentes com TIA tipo 1, os PDN: prednisolona; LT4: levotiroxina
quais apresentavam captação de iodo > a 10%
às 24 horas na cintigrafia. Esta abordagem é
segura, uma vez que os doentes desenvolvem
um hipotiroidismo iatrogénico, bem controlado
pela administração de levotiroxina, permitindo
assim a reintrodução da amiodarona17,90. Uma
vez que a TSH exógena aumenta a captação
de iodo nos doentes com TIA, a utilização de
TSH recombinante humana para aumentar a
eficácia do 131I foi avaliada90,92.
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