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Revista Portuguesa de Endocrinologia, Diabetes e Metabolismo | 2008 | 02 Artigos de Revisão

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Tiroidites auto-imunes:
apresentação clínica e tratamento

Vieira A1, Carrilho F2, Carvalheiro M3


1
Interna do Internato Complementar de Endocrinologia, 2Chefe de Serviço de Endocrinologia, 3Directora do Serviço de Endocrinologia, Diabe-
tes e Metabolismo, Hospitais da Universidade de Coimbra-EPE e Professora da Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra

Correspondência:
Dra. Alexandra Vieira › Serviço de Endocrinologia, Diabetes e Metabolismo › Hospitais da Universidade de Coimbra › Praceta Mota Pinto.
3000-175 Coimbra › E-mail: alexandravieiracastro@hotmail.com › Telefone: 239 400 632

RESUMO
A designação tiroidite auto-imune engloba um grupo de patologias da tiróide com elevada prevalência.
A tiroidite auto-imune crónica, a tiroidite pós-parto e a tiroidite esporádica indolor têm todas uma base
auto-imune. A positividade dos anticorpos antitiroideus (anticorpos antiperoxidase e antitiroglobulina)
constitui o marcador de doença auto-imune da tiróide. O título de anticorpos correlaciona-se com a
infiltração linfocítica e hipoecogenicidade na ecografia.
A tiroidite auto-imune crónica é a principal causa de hipotiroidismo nos países em que a alimentação
fornece conteúdo suficiente de iodo. Normalmente, os doentes são assintomáticos e o exame físico
revela um bócio indolor, firme e irregular. Está recomendado início da terapêutica com levotiroxina
em doentes com hipotiroidismo e em doentes eutiroideus com nível de TSH>10 µUI/mL ou com risco
elevado de progressão para hipotiroidismo (ex: aqueles com elevados títulos de anticorpos).
A tiroidite pós-parto surge nos primeiros 12 meses após o parto. Só um terço dos doentes irá
desenvolver o padrão trifásico clássico (tirotoxicose → hipotiroidismo → eutiroidismo). Um terço irá
desenvolver hipotiroidismo isoladamente e um terço irá desenvolver apenas tirotoxicose. O trata-
mento (levotiroxina ou bloqueadores ß) depende da sintomatologia e dos doseamentos hormonais.
Os antitiroideus de síntese estão contra-indicados. A maioria recupera a normal função tiroideia.
A tiroidite esporádica indolor é indistinguível da tiroidite pós-parto (excepto pela ausência de relação
com a gravidez). O curso clínico e a terapêutica são semelhantes à tiroidite pós-parto.

PALAVRAS-CHAVE
Tiroidite; Auto-imunidade; Levotiroxina; Iodo, Hipotiroidismo; Tirotoxicose.

SUMMARY
The term autoimmune thyroiditis encompasses a group of disorders of the thyroid gland with high
prevalence. Chronic autoimmune thyroiditis, postpartum thyroiditis and painless sporadic thyroiditis
all have an autoimmune basis. Positivity of serum thyroid antibodies (thyroid peroxidase antibody and
thyroglobulin antibody) is the marker of the autoimmune thyroid disease. The level of antibodies corre-
lates with lymphocytic infiltration and also with hypoecogenicity on ultrasound.
Chronic autoimmune thyroiditis is the most frequent cause of hypothyroidism in the areas where the
ordinary diet provides sufficient iodine. The patients generally are asymptomatic, and physical exami-
nation reveals a firm, irregular, non tender goiter. It is recommended that treatment with levothyroxine
should be initiated in patients with hypothyroidism, as well as in patients with euthyroidism with a
serum TSH level greater than 10 µUI per mL or with a high risk of progression to hypothyroidism (e.g.
those with high antibody titre). Because of the risk of developing hypothyroidism, patients with a his-
tory of chronic lymphocytic thyroiditis require annual assessment of thyroid function.
Postpartum thyroiditis arises within 12 months after delivery. In only one third of patients will the
classic triphasic thyroid hormone pattern develop (thyrotoxicosis → hypothyroidism → euthyroidism).
One third will develop hypothyroidism and the last one third will develop thyrotoxicosis. The treatment

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(levothyroxine or beta-blockers) depends on symptoms and hormonal levels. Antithyroid drug thera-
py is contraindicated. The majority recovers normal thyroid function. Painless sporadic thyroiditis is
indistinguishable of postpartum thyroiditis (except by the lack of relation with pregnancy). The clinical
course and the therapy are similar to that of postpartum thyroiditis.

KEY-WORDS
Thyroiditis; Autoimmunity; Levothyroxine; Iodine; Hypothyroidism; Thyrotoxicosis.

INTRODUÇÃO E MÉTODOS da por tiroidite linfocítica crónica ou tiroidite


de Hashimoto, embora classicamente a última
O termo tiroidite refere-se a uma inflama- designação implique a presença de bócio, o que
ção da glândula tiróide1,2,3, cuja etiologia varia nem sempre acontece.
de infecciosa a auto-imune (Tabela 1)4. Até 95% dos casos ocorre em mulheres2.
Afecta pessoas de todas as idades, especial-
TABELA 1 – Classificação das Tiroidites mente aquelas que se encontram entre os 30
Tiroidite autoimune e 50 anos4,6.
Tiroidite pós-parto, silenciosa ou indolor A incidência desta tiroidite tem aumentado
Tiroidite subaguda exponencialmente nos últimos 50 anos, o que
Tiroidite infecciosa aguda pode estar relacionado com o aumento do con-
Tiroidite de Riedel
teúdo de iodo na alimentação2. A prevalência
e incidência cumulativa de hipotiroidismo
Tiroidite induzida por radiação (radioisótopos e radiação externa)
subclínico e de tiroidite auto-imune aumenta
Sarcoidose
com o aumento do consumo de iodo7.
Adaptado de Brent G, Larsen P, Davies T. Hypothyroidism and thyroidi-
As principais manifestações clínicas são
tis. In: Kronenberg H, Melmed S, Polonsky K et al. Williams Textbook of
Endocrinology. 11ª edição. Saunders Elsevier. 2008 os sinais e sintomas de hipotiroidismo5. Muito
raramente pode ocorrer alternância de hiper e
hipotiroidismo provavelmente pela presença
intermitente de anticorpos estimuladores e
A tiroidite de Hashimoto, tiroidite pós-parto bloqueadores5. Na maioria dos doentes está
e a tiroidite esporádica indolor têm uma base presente um bócio firme, simétrico e indolor4;
auto-imune5. cerca de 10% apresentam glândulas atróficas1,5.
Devido à elevada prevalência destas pato- Muito raramente, os doentes podem apresentar
logias nas sociedades ocidentais2,4-5, em parte dor na região tiroideia4,8 bem como compres-
devido à grande disponibilidade de meios são da traqueia ou esófago9. Alguns doentes
auxiliares de diagnóstico, nomeadamente a podem apresentar bócio multinodular ou mais
ecografia, torna-se cada vez mais imprescin- raramente, um nódulo isolado4,6. Normalmente
dível o diagnóstico, terapêutica e seguimento não está associada a linfadenopatia cervical4.
adequados destes doentes. Muitos doentes (75-80%) que se apresentam
Faz-se uma revisão relativamente ao com bócio são eutiroideus quando avaliados
diagnóstico e tratamento destas formas de inicialmente4.
tiroidite. A designação de tiroidite de Hashimoto deve-
se a Hashimoto, referindo-se a doentes com bócio
e infiltração linfocítica intensa da tiróide (“stru-
TIROIDITE Auto-imune ma lymphomatosa”). Alguns clínicos reservam
CRÓNICA esta designação para doentes com bócio e hipo-
tiroidismo. Contudo, muitos doentes não apre-
É a tiroidite mais frequente e constitui a sentam hipotiroidismo e outros não apresentam
causa mais comum de bócio e hipotiroidismo bócio podendo apresentar mesmo tiróide atrófica.
nos países em que a alimentação fornece um Estas são consideradas manifestações da mesma
aporte suficiente de iodo2-5. Também é designa- doença com fenótipos clínicos diferentes.

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Alguns doentes, raros, com tiroidite de Ecograficamente a tiróide apresenta um


Hashimoto apresentam dor tiroideia que per- padrão heterogéneo de predomínio hipoecogé-
siste apesar da terapêutica com levotiroxina nico2,5,9,17-21, com istmo espessado; a presença de
e anti-inflamatórios, mas que resolve com a baixa ecogenicidade pode predizer o desenvol-
tiroidectomia10. vimento de hipotiroidismo17-22. A hipoecogeni-
O curso natural da doença é a perda cidade da tiróide na ecografia correlaciona-se
gradual da função tiroideia. Entre os doentes bem com a infiltração linfocítica6, com os níveis
com esta patologia que apresentam aumentos de anticorpos circulantes23 e com a severidade
moderados de TSH e na presença de anticorpos do hipotiroidismo24. Por vezes, estão presentes
antitiroideus, o hipotiroidismo ocorre a uma “pseudo-nódulos”, imagens ecograficamente
taxa de 5% ao ano11,12. O risco de progressão semelhantes a nódulos mas que se devem a
para hipotiroidismo é 5 vezes maior entre os alterações inflamatórias locais. Estas imagens
homens e aumenta marcadamente com a podem ser difíceis de distinguir de verdadeiros
idade em mulheres com idade igual ou supe- nódulos. Um aspecto importante é o carác-
rior a 45 anos9. Títulos elevados de anticorpos ter temporário destas imagens, dependentes
antitiroideus na fase inicial prediz maior taxa da evolução do processo inflamatório, o que
de progressão para hipotiroidismo9. permite fazer a distinção dos nódulos através
O hipertiroidismo da doença de Graves oca- da repetição do exame com alguns meses de
sionalmente desenvolve-se em doentes com hi- intervalo: se houver alterações importantes das
potiroidismo causado por tiroidite auto-imune características da imagem é porque estamos na
crónica, confirmando o facto de que esta última presença de um “pseudo-nódulo“ inofensivo.
nem sempre resulta em destruição irreversível Na fase inicial do processo existem muitas
da tiróide9,13. Por outro lado, entre doentes com vezes adenopatias cervicais de características
hipertiroidismo de Graves que permanecem inflamatórias5.
eutiroideus após tratamento com fármacos A captação de iodo radioactivo pode ser
antitiroideus ou tiroidectomia parcial, o hipo- normal, reduzido ou elevado, dependendo do
tiroidismo presumivelmente deve-se a tiroidite grau de destruição folicular1,2,6.
auto-imune crónica desenvolvendo-se em cerca Histologicamente, a tiróide apresenta-se
de 10-20% dos casos após 10-25 anos9,13. com uma infiltração linfocítica difusa constituí-
Analiticamente, salienta-se a presença de da por células B e T, que se podem agregar e for-
anticorpos anti-peroxidase (anti-TPO) forte- mar folículos com centros germinativos4,5,6,9,14.
mente positivos em cerca de 90% dos casos4,6,9,14; Nos processos mais avançados, pode existir
estes são o grande marcador da doença15 e ac- fibrose em extensão variável5-7,9,14,25. Existe uma
tualmente são usados para definir a existência correlação entre o grau de infiltração linfocítica
de uma tiroidite auto-imune9. Os anticorpos e os níveis de anticorpos anti-TPO e anti-Tg
anti-tiroglobulina (anti-Tg) estão presentes em séricos4. Por vezes, algumas células foliculares
20-50% dos doentes1,5. Os títulos de anticorpos mostram alterações oxifílicas do citoplasma que
tendem a ser mais elevados nos doentes com a se apresenta repleto de mitocôndrias; estas cé-
forma atrófica do que nos que apresentam bó- lulas designam-se células de Hürthle ou células
cio9. A TSH encontra-se normal ou aumentada; Askanazy e têm um papel mal definido4,5,9,14.
muito raramente pode encontrar-se diminuída4. O exame histológico é confirmativo mas
Velocidade de sedimentação e leucócitos estão não é necessário para o diagnóstico e abor-
dentro da normalidade2. dagem da tiroidite, uma vez que a infiltração
A detecção dos anticorpos é suficiente para o linfocítica da tiróide é observada em todos os
diagnóstico de doença auto-imune da tiróide14. Os doentes com anticorpos anti-tiroideus14.
anticorpos também são encontrados em 10% da A presença de tiroidite auto-imune crónica
população geral sem qualquer manifestação clí- aumenta o risco de linfoma da tiróide em cerca
nica e estes doentes podem ser considerados por- de 67 vezes1,4,5,9,14. Embora se trate de um tumor
tadores de tiroidite auto-imune subclínica14,16. raro, esta hipótese deve ser considerada quando
A tiroidite de Hashimoto pode ser serone- é detectado um nódulo da tiróide, sobretudo se
gativa4,14. Nestes doentes é necessário exame ele tiver um crescimento relativamente rápido
histológico para confirmação14. e aspecto acentuadamente hipoecogénico na

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ecografia1,2. Este linfoma, geralmente de células controvérsia9. As principais razões evocadas


B, não Hodgkin, tende a ocorrer em mulheres para justificar o tratamento destes doentes
entre os 50-80 anos e, normalmente, é limitado são:
à tiróide2,9. Assim, a citologia aspirativa está – prevenção da progressão para hipotiroi-
indicada em todos os nódulos suspeitos em dismo clínico4, uma vez que os indivíduos
doentes com tiroidites auto-imunes5,14. O prog- eutiroideus com anticorpos positivos têm
nóstico do carcinoma da tiróide que ocorre em uma taxa de progressão para hipotiroi-
glândulas com tiroidites auto-imunes parece dismo clínico que varia entre 2-5% ao
mais favorável do que na ausência de infiltra- ano;
ção linfocítica5,26. A tiroidite auto-imune crónica – melhoria do perfil lipídico, uma vez que
também está associada, embora com menor para alguns autores o hipotiroidismo
frequência, a carcinoma papilar1. A biopsia subclínico pode estar associado a dislipi-
da tiróide normalmente não é necessária, mas démia e lesões ateroscleróticas;
em doentes que se apresentem com um nódulo – o tratamento de sintomas compatíveis
solitário, a biopsia da tiróide pode excluir ma- com hipotiroidismo, nomeadamente do
lignidade4,14. foro neuro-psíquico5.
O tratamento da tiroidite auto-imune Por outro lado, são apontados como factores
crónica tem por base a administração de le- contrários ao tratamento os custos do mesmo
votiroxina, pelo que as suas indicações estão e os riscos de sobredosagem, nomeadamente o
dependentes fundamentalmente da função ti- risco de arritmias e de osteoporose5.
roideia, reflectida nos doseamentos de TSH e T4 A AACE (American Association of Clinical En-
livre5. Assim, perante um valor de TSH dentro do docrinologists) propõe nas suas recomendações
intervalo da normalidade não existe indicação de 2002 para o tratamento do hiper e hipotiroi-
para tratar, devendo o doente ser reavaliado dismo, a terapêutica dos doentes com TSH>10
periodicamente5. Caso o doente apresente um µUI/mL ou com TSH>5 µUI/mL que apresentem
bócio volumoso, pode ser feito tratamento com bócio e/ou anticorpos anti-TPO positivos; deixa
doses supressoras de levotiroxina (mantendo o à decisão individual de cada clínico o trata-
valor de TSH entre 0,1 e 0,4 µUI/mL) por um mento de indivíduos com eventuais sintomas
período curto (cerca de 6 meses)4,5,9,14. Nessa de hipotiroidismo ou infertilidade.
altura, o doente deve ser reavaliado, sendo de No doente atípico com dor e rápido cresci-
esperar uma redução de cerca de 30% no volu- mento da tiróide, pode-se usar corticosteróides,
me da glândula5,9. Se não houver uma redução para aliviar os sintomas locais4. Recomenda-se
nesta ordem, a terapêutica deve ser suspensa ou uma dose inicial de 60-80 mg de prednisolona
retomada em dose de substituição caso o doente oral, com redução gradual da dose durante um
apresente hipotiroidismo5. período de 3-4 semanas4. A cirurgia raramente
Um doente que apresente hipotiroidismo está indicada; está indicada para melhoria dos
clínico, definido por valores aumentados de TSH efeitos locais severos (ex: sintomas obstrutivos
concomitantemente com valores baixos de T4 que não respondem aos corticóides), para ex-
livre, tem indicação para fazer terapêutica de cluir a presença de potencial malignidade num
substituição, devendo a dose de levotiroxina ser doente com nódulo solitário da tiróide ou para
titulada para manter o valor de TSH dentro do os doentes cujo bócio continue a crescer apesar
normal9. Em pessoas idosas, particularmente da administração de levotiroxina4.
os que apresentam sintomas de hipotiroidismo Estão comprovadamente associadas à ti-
de longa duração14 ou doença cardíaca isqué- roidite auto-imune crónica, as seguintes pato-
mica coexistente, o tratamento deve começar logias: doença de Addison1,4, Diabetes Mellitus
com doses mais baixas (12,5-25 µg/dia) com tipo 11,2,4, anemia perniciosa1,2,4, doença celía-
incrementos em intervalos de 4-6 semanas e ca27, dermatite herpetiforme, esclerose múltipla,
avaliação dos níveis séricos de TSH após cada lúpus eritematoso sistémico2,14, artrite reumatói-
alteração na dose9. de2,14, esclerose sistémica e vitiligo14. Doenças
O tratamento do hipotiroidismo subclínico, provavelmente associadas mas que carecem de
definido por valores aumentados de TSH com confirmação: hepatite auto-imune, síndrome de
valores normais de T4 livre, tem sido alvo de Cushing, cirrose biliar primária, arterite de célu-

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las gigantes, síndrome de Sjögren, síndrome de também tem sido encontrada em doentes com
Goodpasture, défice de ACTH, cancro da mama, doença de Graves32 e hipotiroidismo auto-imune
hepatite C e infecção por Helicobacter pylori2. primário28.
A tiroidite auto-imune crónica é mais O factor de risco mais importante para TPP
frequente em doentes com MEN II (neoplasia é a existência desta patologia previamente28,29.
endócrina múltipla tipo II) (70%), síndrome Estas mulheres apresentam uma taxa de recor-
de POEMS (polineuropatia, organomegália, rência de cerca de 69%5,28,29,32. Mulheres com
endocrinopatia, gamapatia monoclonal e anticorpos anti-TPO positivos que não desenvol-
alterações dermatológicas) (50%), doença de veram TPP durante uma gravidez, apresentam
Addison (20%) e síndrome de Down (20%), probabilidade de 25% de apresentar TPP na
entre outras9. próxima gravidez31,32.
O consumo de iodo também tem sido
Hashitoxicose apontado como um possível factor de risco
ambiental para o desenvolvimento de TPP28,32,41.
A tiroidite de Hashimoto também se pode Em áreas com baixa ingestão de iodo, como a
manifestar por aumento agudo da tiróide, Tailândia, a prevalência é de cerca de 1,1%.
firme e indolor com hipertiroidismo ligeiro a Em áreas com deficiência moderada de iodo,
moderado6. O hipertiroidismo é tipicamente tal como a Itália, a prevalência é de cerca de
auto-limitado e resolve espontaneamente ao 8,7%28. Os mecanismos patogénicos propostos
fim de semanas a poucos meses. A tirotoxicose para a autoimunidade induzida pelo iodo são:
é causada por reacção antigénio-anticorpo 1) necrose do tirócito induzida pelo iodo com
levando a uma destruição folicular relativa- libertação aumentada também de autoantigé-
mente rápida havendo libertação de hormonas nios resultando num aumento de atracção das
tiroideias em excesso na circulação6. células apresentadoras de antigénios; 2) maior
antigenicidade da tiroglobulina devido a maior
grau de iodização; 3) estimulação directa de
TIROIDITE PÓS-PARTO linfócitos B, linfócitos T, células dendríticas e
macrófagos por iodo e substâncias iodadas32.
A tiroidite pós-parto (TPP) é uma doença Alguns estudos documentam que a TPP é mais
auto-imune que ocorre em mulheres nos primei- frequente em fumadoras31,32. Em cerca de 50%
ros 12 meses após o parto5,6,28. Caracteriza-se por dos casos existe história familiar de doença
infiltração linfocítica da glândula tiróide28,29 e auto-imune da tiróide2.
pode apresentar-se de uma de três formas: A TPP ocorre principalmente em mulheres
– tirotoxicose transitória com anticorpos anti-TPO positivos no início da
– hipotiroidismo transitório gravidez5,28,3.34 como resultado de uma exacer-
– tirotoxicose transitória seguida de hipo- bação de um processo auto-imune silencioso28.
tiroidismo e, posteriormente, eutiroidis- Durante a gravidez, os títulos de anticorpos
mo1,2,4,5,9,28-35. anti-TPO diminuem29,33,42 (devido à tolerân-
A tiroidite pós-parto também pode ocorrer cia imunológica que ocorre durante a gravi-
após um abortamento desde que o tempo de ges- dez)4,30,32,37, enquanto que no período pós-parto
tação seja igual ou superior a 5 semanas32,36. o título eleva-se rápida e marcadamente34,35,37,
A prevalência de tiroidite pós-parto varia à semelhança de todas as Igs G28. O fenómeno
grandemente, de 1,1-21,1%5,14,30,29,32,37,38. Esta de tolerância imunológica justifica a evolução
variação é, em grande parte, devida a diferenças favorável das doenças auto-imunes da tiróide
na definição de tiroidite pós-parto29,32,37. Para (nomeadamente a tiroidite auto-imune e a
além disso, acredita-se que factores genéticos doença de Graves) durante a gravidez43 e ajuda
da população e factores ambientais desempe- a explicar também a excerbação das mesmas
nham papel importante na variabilidade dos após o parto32,44. O facto dos anticorpos anti-
dados28,29,32,33,37. TPO manterem a sua especificidade em reco-
A incidência de TPP é maior nos doentes nhecer epítopos no período pós-parto sugere
com Diabetes Mellitus tipo 138, ocorrendo no que a TPP não está relacionada com alterações
mínimo em 15% das mulheres5,29,30,32,39,40. A TPP específicas nos antigénios tiroideus mas com

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um fenómeno imune inespecífico28. Só cerca correlaciona-se directamente com a gravidade


de 50% das mulheres com anticorpos anti- da fase hipotiroideia2. Em alguns casos pode
TPO positivos durante a gravidez desenvolvem ser difícil distinguir a TPP da recorrência da
TPP29,34,37,41,42,45,46. doença de Graves no período pós-parto28,32. A
Contudo, também mulheres sem anticorpos doença de Graves pode ser diagnosticada pela
anti-TPO podem desenvolver TPP. A positivida- presença de oftalmopatia, positividade dos
de de anticorpos anti-TPO e anti-Tg durante a anticorpos anti-receptor da TSH (TRABs) e por
gravidez têm sido propostos como marcadores grande captação de iodo radioactivo5,14,28,30,32,33.
possíveis para o desenvolvimento de TPP37. Po- Quando a mulher é submetida a cintigrafia
rém, a hipoecogenicidade da tiróide e elevação com iodo, a amamentação deve ser suspensa
das concentrações séricas de tiroglobulina 3 por 3 dias30. Em mulheres com TPP, a captação
meses após o parto têm sido identificadas como de iodo é invariavelmente baixa durante a fase
marcadores preditivos de TPP28,32. tirotóxica14,30 e TRABs estão ausentes28. Cerca de
Tem sido documentado que a ausência de 80% dos doentes com doença de Graves apresen-
redução fisiológica na molécula de CD4 solúvel tam uma relação T3/T4 livres superior a 20, o
(um produto dos linfócitos T CD4 +) no terceiro que não ocorre na TPP14. A fase hipotiroideia é
trimestre de gravidez é preditivo de TPP em diagnosticada por concentrações séricas de TSH
mulheres com episódio prévio de TPP28. elevadas com concentrações baixas ou normais
O curso clássico da TPP é caracterizado de T4 livre28. As manifestações clínicas mais
por 3 fases sequenciais: a fase tirotóxica, a frequentemente associadas ao hipotiroidismo
fase hipotiroideia e a fase de resolução28,29,33. são depressão, fadiga, dificuldades de concen-
A fase tirotóxica ocorre 1 a 3 meses após o tração e obstipação29,33. Em mulheres com TPP,
parto e prolonga-se por 1 a 2 meses, seguida o estudo ecográfico mostra um aumento da
por hipotiroidismo por volta dos 3 a 6 meses hipoecogenicidade em 45% dos casos entre as
após o parto2,5,28,41. Por fim, a função tiroideia 4 e 8 semanas32 e em 86% dos casos entre as
normaliza-se dentro de 1 ano após o parto. Este 15 e 25 semanas após o parto28. Em mulheres
padrão ocorre em menos de 30% dos casos28. Em sem TPP e anticorpos tiroideus negativos, a
35% dos casos as doentes apresentam apenas hipoecogenicidade da tiróide está presente em
tirotoxicose e, em cerca de 40% dos casos apre- apenas 1,5% a 3% dos casos28. Em alguns doen-
sentam hipotiroidismo28. Um terço das doentes tes com TPP, a hipoecogenicidade da glândula
desenvolve hipotiroidismo permanente1,9,28. ocorre antes das alterações da função tiroideia
As manifestações clínicas das alterações estarem presentes28. A hipoecogenicidade da
na função tiroideia raramente são observa- tiróide correlaciona-se bem com a infiltração
das6,28,29,31,32. Consequentemente, uma percen- linfocítica da glândula e disfunção da tiróide em
tagem indeterminada de mulheres com TPP mulheres com TPP46. As mulheres com TPP que
não são diagnosticadas31. Pode suspeitar-se de apresentam hipoecogenicidade na ecografia
TPP se estiverem presentes factores de risco, em e títulos elevados de anticorpos antitiroideus
caso de aumento indolor da glândula tiroideia têm maior risco de disfunção a longo prazo da
ou se ocorrer depressão após o parto5,28. Deve- tiróide que aquelas que apresentam apenas
se pensar em TPP em qualquer mulher que se uma dessas características 46. As anomalias
apresente com fadiga, palpitações, labilidade detectadas na ecografia tendem a desaparecer
emocional e aumento da tiróide durante o com a resolução da doença47.
primeiro ano após o parto41, intolerância ao A infiltração linfocítica da tiróide é o padrão
calor31 ou perda de peso29,33. Assim, os testes de anatomopatológico mais evidente da TPP. Con-
função tiroideia são necessários para estabelecer tudo, no sangue periférico não existe variação
o diagnóstico de TPP28. A redução dos níveis na razão linfócitos T e B. Histologicamente, a
séricos de TSH com elevação das concentrações tiróide apresenta-se com infiltrado linfocítico ou
séricas de T4 ou T3 livres sugere a presença de destruição difusa32,35, alterações semelhantes às
tirotoxicose28. A frequência de hipotiroidismo observadas na tiroidite auto-imune crónica31,32
assintomático é de cerca de 33%31. A positivi- e na tiroidite esporádica indolor31.
dade de anticorpos anti-TPO demonstra a na- Na tiroidite pós-parto a rápida destruição
tureza auto-imune da doença28,32 e o seu título dos folículos da tiróide é mais frequentemente

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seguida por recuperação da função tiroideia32. mas e valores de TSH31. Um ano após o final da
Actualmente desconhece-se como o sistema gravidez, a levotiroxina deve ser reduzida para
imune se reequilibra após activação. Vários metade, devendo ser feito o doseamento de TSH
mecanismos têm sido propostos. Primeiro, a 6 semanas depois31. Se eutiroideia, o tratamento
apoptose das células T pode ser induzida por de substituição hormonal é interrompido, de-
exposição a grande quantidade de antigénios32. vendo repetir-se após 6 semanas o doseamento
O padrão transitório da tiroidite pós-parto de TSH31. Se a função tiroideia for normal, deve
pode dever-se a indução da apoptose clonal ser feito um doseamento anual de TSH para mo-
das células T específicas da tiróide podendo nitorizar o hipotiroidismo a longo prazo31. Os
seguir-se a libertação de antigénios da tiróide benefícios potenciais de tratar o hipotiroidismo
na circulação quando muitos tirócitos perdem subclínico incluem melhoria dos sintomas de
a sua integridade. Segundo, sabe-se hoje que hipotiroidismo incluindo pele seca, intolerância
existe trânsito de células entre o feto e a mãe, ao frio, fatigabilidade fácil e défice da função
durante a gravidez5,43, sendo o parto a altura de cognitiva31,48 bem como melhoria na fertilidade
maior entrada de células fetais na circulação em mulheres com disfunção ovulatória31,49. Al-
materna32. Parece não existir relação entre a gumas mulheres com eutiroidismo bioquímico
amamentação e a TPP32. sem qualquer tratamento apresentaram 18
Normalmente os sinais e sintomas de dis- meses após o parto uma concentração sérica
função tiroideia não são úteis na decisão de tra- de TSH média superior ao normal28.
tamento da TPP28. A tirotoxicose é transitória e Grávidas com anticorpos anti-TPO positivos
raramente levanta suspeita clínica28. Se o diag- apresentam maior risco de abortamento29,42, de
nóstico bioquímico de tirotoxicose for feito, os desenvolver depressão pós-parto28,29,31,32,39,50 e dos
bloqueadores β podem ser administrados duran- seus filhos apresentarem durante a infância um
te a fase tirotóxica1,2,5,28-33,41. O propranolol é o QI inferior às crianças nascidas de mães sem
tratamento de escolha, porque permite titulação positividade para anticorpos anti-TPO durante
fácil para uma dose que alivia as palpitações a gravidez31,51. Considerando os mecanismos
e irritabilidade; normalmente são necessários subjacentes à associação entre depressão e
menos de 3 meses de tratamento e este deve TPP, parece que o hipotiroidismo influencia
ser interrompido de acordo com a sintomato- neurotransmissores importantes nos distúrbios
logia e os níveis hormonais31. O propranolol afectivos; por exemplo, o hipotiroidismo dimi-
é considerado seguro durante a lactação pela nui os neurotransmissores 5-hidroxitriptamina
Food and Drug Administration31. Pelo contrário, centrais32. Esta redução reverte com tratamento
os fármacos antitiroideus não estão indicados, de substituição hormonal com levotiroxina32.
uma vez que o excesso de hormonas tiroideias Para além disso, tem-se colocado a hipótese de
circulantes deve-se a um aumento na libertação citocinas libertadas durante a reacção auto-
das hormonas tiroideias da glândula e não a imune da tiróide (nomeadamente IL-1 e IL-6)
um aumento na sua produção2,5,28,30,31,33,41. Tam- interactuarem com neurotransmissores centrais,
bém não está recomendado o tratamento com iniciando a depressão32. Contudo, o tratamento
esteróides pois o seu efeito terapêutico não está com levotiroxina não previne a depressão e,
comprovado28. Para além disso, sem qualquer provavelmente, apenas será benéfico em grávi-
tratamento farmacológico, mulheres com TPP das com baixos níveis de T4 livre28. Não existe
retornam ao estado eutiroideu28. associação entre tiroidite pós-parto e psicose
Durante a fase hipotiroideia está indicada pós-parto29,31.
a administração de levotiroxina em doses de O rastreio da TPP visa melhorar os sintomas
substituição1,2,5,28-30,32,33. As indicações para tratar de hipotiroidismo e tirotoxicose transitórios,
a fase hipotiroideia da TPP incluem o hipoti- identificar mulheres que estão em risco de hipo-
roidismo sintomático, mulheres com intenção tiroidismo permanente subsequente bem como
de engravidar ou concentrações séricas de TSH identificar as mulheres que apresentarão TPP
superiores 10 µUI/mL31. A dose diária inicial de em futuras gravidezes29. Durante a gravidez, o
levotiroxina depende do valor de TSH, mas nor- rastreio para os anticorpos anti-TPO identifica
malmente é de 50 µg31. Os ajustes terapêuticos as mulheres com um risco de 11 a 20 vezes su-
são feitos subsequentemente baseados nos sinto- perior de desenvolver TPP29,31. O rastreio deve ser

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realizado precocemente na gravidez no sentido abortamento prévio, 5) depressão pós-parto1,29


de identificar as mulheres que irão desenvolver e 6) história familiar importante de doença
TPP antes das suas manifestações29. Dada a auto-imune da tiróide1,29,31.
grande redução no título de anticorpos que A AACE recomenda o rastreio através da
ocorre durante a gravidez, a medição desses determinação da TSH antes de engravidar ou
anticorpos na altura do parto conduz a uma durante o primeiro trimestre e o tratamento
grande taxa de falsos negativos29. Quando os sistemático do hipotiroidismo subclínico.
anticorpos anti-TPO são positivos, existe infil- O rastreio deve incluir doseamento dos
tração linfocítica da tiróide, indicando tiroidite anticorpos anti-TPO e da TSH31. Mulheres euti-
auto-imune subclínica que pode ser exacerbada roideias e com anticorpos anti-TPO negativos
após o parto29. As medições de TSH no período não necessitam de seguimento31. Aquelas com
pós-parto identificam as mulheres que desen- anticorpos anti-TPO positivos devem ser sub-
volveram TPP31. A decisão de realizar rastreio metidas a doseamento de TSH aos 6 e 9 meses
deve ter em conta o impacto clínico da TPP e a após o parto31.
literatura actual no que respeita aos efeitos do As mulheres que apresentaram tiroidite
hipotiroidismo subclínico durante a gravidez pós-parto irão desenvolver hipotiroidismo
tanto no que se refere ao risco de abortamen- permanente em 25%-30% dos casos1,28,29. Não
to42,44 bem como no risco de défice intelectual é mandatório tratar todas as mulheres com
do recém-nascido52 para além da correlação levotiroxina 28. É importante reconhecer as
existente entre anticorpos antitiroideus e abor- mulheres que irão desenvolver hipotiroidismo
tamento espontâneo29,31,35,42,44. permanente28. Tem sido descrito que o hipo-
A TPP é uma doença comum com impor- tiroidismo permanente é mais frequente em
tantes consequências clínicas que podem ser mulheres com títulos elevados de anticorpos
tratadas com levotiroxina31. Estas incluem os anti-TPO durante a gravidez1,28,41, naquelas que
sintomas experienciados pela mãe, o impacto apresentaram hipotiroidismo isoladamente,
negativo do hipotiroidismo na fertilidade49, o especialmente de uma forma mais severa1,28 e
efeito da hipotiroxinémia (1º trimestre) e/ou naquelas que apresentaram padrão hipoecogé-
valores elevados de TSH (início do 2º trimestre) nico na ecografia1. Estas mulheres apresentam
no desenvolvimento intelectual da criança49,53, o risco relativo de desenvolverem hipotiroidismo
aumento da taxa de abortamento em mulheres permanente28. É mais provável ocorrer hipoti-
com hipotiroidismo subclínico53 e a possibilida- roidismo em mulheres com história de TPP se a
de do hipotiroidismo permanecer indetectável ingestão de iodo for superior às necessidades di-
por vários anos31. árias41. Excepto nas regiões deficientes em iodo,
O doseamento dos anticorpos anti-TPO é o a exposição ao iodo deve ser evitada em doentes
melhor teste para fazer o rastreio de TPP29,31,42. com TPP ou com história de TPP41. Tendo isto em
Este doseamento está amplamente disponível, conta, parece necessário o seguimento a longo
é económico e reprodutível31. Apresenta uma prazo das mulheres com TPP28. Actualmente
sensibilidade de 0,46-0,8929,31 com uma especi- não existem indicações acerca da frequência
ficidade de 0,91-0,98; o valor preditivo positivo com que estas mulheres devem ser avaliadas28.
varia de 0,40-0,7831. Esta grande variação nos Na população geral, tem sido sugerido que o
resultados reflecte as diferentes técnicas labora- rastreio para hipotiroidismo deve ser realizado
toriais utilizadas e a diminuição dos anticorpos com uma periodicidade de 5 anos28.
anti-TPO que ocorre durante a gravidez, muitas
vezes para valores indetectáveis, seguido por um
rebound no período pós-parto31. TIROIDITE ESPORÁDICA
O rastreio generalizado é matéria de contro- INDOLOR
vérsia29,44. Vários autores recomendam o rastreio
selectivo para aquelas mulheres com elevado Entidade de diagnóstico difícil e ainda mal
risco de TPP31,33. Especificamente, mulheres com caracterizada, em parte devido à sua natureza
1) Diabetes Mellitus tipo 1 ou outras doenças esporádica5.
auto-imunes1,29,31, 2) episódio prévio de TPP31, Ocorre principalmente entre os 30 e 50
3) história de anticorpos anti-TPO positivos, 4) anos2,30. O risco é maior em pessoas que vivem

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em áreas suficientes em iodo1. O sexo feminino Durante a fase tirotóxica, os doentes com
é ligeiramente mais atingido com uma relação tiroidite indolor apresentam níveis moderada-
feminino/masculino de cerca de 3:2 a 2:130. mente elevados de T4 e T3 livres e baixos de
O curso clínico é semelhante à TPP6,30, dis- TSH, mas alguns apresentam apenas baixas
tinguindo-se da última por ausência de relação concentrações de TSH (doença subclínica).
com a gravidez. Os sintomas são leves na maior As concentrações de T3 séricas não são des-
parte dos casos5. É responsável por cerca de proporcionalmente elevadas como ocorre no
1% dos casos de tirotoxicose5. Alguns autores hipertiroidismo da doença de Graves, porque a
defendem tratar-se de uma forma subaguda de desiodinase da tiróide não está activada61.
tiroidite auto-imune crónica5,9,14,15,54,55. Durante a fase tirotóxica, os valores de cap-
Está associada a antigénios HLA específicos, tação de iodo são baixos4,6, normalmente menos
mais frequentemente HLA-DR3, o que sugere que 1% e a ecografia mostra uma glândula hi-
susceptibilidade hereditária4,55. poecogénica, ligeiramente aumentada ou com
Tem-se verificado aumento da sua incidên- tamanho normal. A citologia da tiróide revela
cia após suspensão de glicocorticóides, após linfócitos e macrófagos, células epiteliais da
adrenalectomia em doentes com síndrome de tiróide normais, uma ligeira lesão dos folículos
Cushing e após radiação externa do pescoço por e massas de colóide.
doença de Hodgkin56-58. Também pode ocorrer Nos doentes que se irão tornar hipotiroi-
em associação com hipofisite linfocítica59. deus, as concentrações de T4 livre podem ser
Os anticorpos anti-TPO estão presentes em baixas por vários dias a semanas antes das
cerca de 50% dos doentes, geralmente em títu- concentrações de TSH começarem a ser elevadas
los mais baixos do que na tiroidite auto-imune devido a supressão prévia da secreção de TSH.
crónica2,4,5. Pode também utilizar-se a curva de Alguns doentes têm apenas elevação dos valores
fixação com iodo nos casos em que o diagnóstico de TSH, indicando hipotiroidismo subclínico.
diferencial com doença de Graves é difícil2,5. A As concentrações de anticorpos antitiroi-
captação de iodo está diminuída na fase tirotó- deus são elevadas em cerca de 50% dos doentes
xica e quase sempre é menor que 3%2. Cerca de na altura do diagnóstico, mas não na extensão
20% dos doentes afectados vão desenvolver hipo- encontrada nas mulheres com TPP1. Os valores
tiroidismo crónico5. Velocidade de sedimentação podem elevar-se transitoriamente nas semanas
e leucócitos estão dentro da normalidade2. seguintes e depois declinar, mas podem perma-
A biopsia da tiróide mostra infiltração linfo- necer elevados após a função da tiróide voltar
cítica4,6, com centros germinativos ocasionais, e ao normal.
disrupção e colapso dos folículos tiroideus (tiroi- A tiroidite esporádica indolor deve ser consi-
dite linfocítica)4. Durante a fase de recuperação, derada como causa de tirotoxicose em qualquer
a infiltração linfocítica persiste podendo existir mulher (que não esteja no período pós-parto)
fibrose moderada, mas os folículos da tiróide são ou homem que apresente sintomas nos últimos
normais. Estas alterações diferem das encontra- meses e que se apresente com tiróide normal
das na tiroidite auto-imune crónica, ocorrendo ou pequeno bócio difuso. Este diagnóstico deve
mais disrupção folicular, mas menos linfócitos, ser fortemente considerado em doentes com
menos centros germinativos e menos fibrose na manifestações de hipertiroidismo que foram
tiroidite esporádica indolor55. medicados com INF-α, IL-2 ou amiodarona62.
A manifestação clínica mais importante A tiroidite esporádica indolor deve ser dis-
é a tirotoxicose4. Os sintomas normalmente tinguida de outras causas de hipertiroidismo e
desenvolvem-se ao fim de uma a duas sema- bócio difuso tal como doença de Graves, mais
nas, e prolongam-se por 2-8 semanas, seguido comum, e o hipertiroidismo induzido por TSH,
por recuperação4. A tiróide está ligeiramente menos comum. Esta tiroidite pode ser distingui-
aumentada em 50-60% dos doentes1,6. Cerca de da destas duas doenças pela sua duração curta,
10% dos doentes podem ter episódios adicionais pelo alargamento mínimo da glândula e por
de tiroidite indolor. Eventualmente, contudo, baixa captação de iodo radioactivo (versus os
até 50% dos doentes desenvolvem tiroidite elevados valores no hipertiroidismo da doença
auto-imune crónica, com hipotiroidismo per- de Graves e excesso de secreção de TSH). Para
manente, bócio ou ambos60. além disso, as concentrações séricas de TSH são

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inadequadamente normais ou elevadas em do- O diagnóstico baseia-se essencialmente na


entes com hipertiroidismo induzido por TSH. positividade dos anticorpos anti-tiroideus (anti-
A tiroidite esporádica indolor também deve TPO e anti-Tg).
ser distinguida da tirotoxicose exógena, tanto A doença auto-imune da tiróide caracteriza-
iatrogénica, como factícia5. Nestas situações se por um curso clínico relativamente benigno,
a tiróide apresenta-se de tamanho normal ou podendo ocorrer manifestações de hipotiroidis-
ligeiramente aumentado (excepto se as hormo- mo e tirotoxicose. Quando a disfunção é clara,
nas da tiróide tenham sido administradas para a introdução da terapêutica (levotiroxina se
reduzir o tamanho da tiróide), valores baixos de hipotiroidismo ou bloqueadores b se tirotoxi-
captação de iodo e baixas concentrações séricas cose) é consensual, o mesmo não acontece na
de tiroglobulina4. disfunção subclínica. São necessários novos
De modo prático, o diagnóstico de tiroidi- estudos para esclarecer esta problemática.
te indolor pode ser feito pelas características Também o rastreio da tiroidite pós-parto
clínicas. Os aspectos mais importantes são é matéria de controvérsia. Actualmente, re-
tirotoxicose moderada de curta duração, tiróide comenda-se apenas o rastreio selectivo das
normal ou ligeiramente aumentada e ausência mulheres com risco elevado para desenvolver
de oftalmopatia de Graves1. Em muitos doentes esta patologia. Relativamente ao seguimento
com estas alterações, a reavaliação em poucas destas mulheres não existem dados consensuais.
semanas normalmente revela função da tiróide Espera-se que novos trabalhos venham demons-
normal, confirmando o diagnóstico, não sendo trar a importância do rastreio, diagnóstico,
necessário proceder a novas medições de TSH, terapêutica e seguimento desta patologia que
T3 e T4 livres. apresenta morbilidade importante tanto para
A presença de tiroidite esporádica indolor a mãe como para o feto.
também deve ser considerada em doentes assin-
tomáticos que apresentem em análises de rotina
baixos níveis séricos de TSH ou valores elevados BIBLIOGRAFIA
de T4. O diagnóstico é confirmado se os valores
são normais em exames posteriores1. 1. Bindra A, Braunstein G. Thyroiditis. Am Fam Physi-
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na, devendo proceder-se de forma semelhante 4. Lamberton P, Jackson I. Thyroiditis. In: Bremmer WJ,
à TPP2,4,5. Os fármacos antitiroideus estão con- Hung W, Kann CR et al. Principles and Practice of
tra-indicadas porque o hipertiroidismo não Endocrinology and Metabolism. 1ª edição. JB Lip-
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50. Pop VJM, van der Heide D, van Son M et al. Post- followed by hypoyhyroidism in patients treated
partum thyroid dysfunction and depression in an With amiodarona. A possible consequence of a
unselected population. N Engl J Med 1991; 324: destructive process in thyroid. Arch Intern Med
1815-1816. 1993; 153: 886.

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Revista Portuguesa de Endocrinologia, Diabetes e Metabolismo | 2008 | 02 Artigos de Revisão
57 … 62

Síndrome de Wolfram.
Revisão da literatura

Souto SB1, Carvalho-Braga D1,2, Medina JL1,2


Serviço de Endocrinologia do Hospital de S. João, EPE; 2Faculdade de Medicina da Universidade do Porto
1

Correspondência:
Dra. Selma Souto › Serviço de Endocrinologia. Hospital de S. João, EPE › Alameda Prof. Hernâni Monteiro › 4200-319 Porto
E-mail: selmasouto@yahoo.com

RESUMO
O síndrome de Wolfram é um distúrbio neurodegenerativo de transmissão autossómica recessiva,
caracterizado pela presença de diabetes mellitus, atrofia óptica, diabetes insípida e surdez, explican-
do o acrónimo DIDMOAD pelo qual o síndrome é igualmente conhecido. Contudo, nem todas as
manifestações estão presentes na altura do diagnóstico, sendo necessário um acompanhamento a
longo prazo destes doentes. Este seguimento deve ser estendido aos familiares directos, tendo em
vista o risco aumentado da ocorrência de distúrbios psiquiátricos e de diabetes mellitus entre os
portadores heterozigóticos do SW.

PALAVRAS-CHAVE
Síndrome de Wolfram; DIDMOAD; WFS 1; Wolframina; Diabetes insípida; Diabetes mellitus; Atrofia
óptica; Surdez.

SUMMARY
Wolfram syndrome (WS) is an autossomal recessive neurodegenerative disease, characterized by the
presence of diabetes insipidus, diabetes mellitus, optic atrophy and deafness, also known as DIDMO-
AD. However, not all manifestations are present at diagnosis, indicating the requirement of long-term
follow-up of these patients. Such follow-up should be extended to the patients` closest relatives, kee-
ping in mind the increased risk of occurrence of psychiatric disorders and diabetes mellitus among the
heterozygous carriers of WS.

key-words
Wolfram syndrome; DIDMOAD; WFS 1; Wolframina; Diabetes insipidus; Diabetes mellitus; Optic atro-
phy; Deafness.

Introdução insípida e surdez neurossensorial, explicando


o acrónimo DIDMOAD (diabetes insipidus,
O síndrome de Wolfram (SW) foi descrito diabetes mellitus, optic atrophy, deafness) pelo
pela primeira vez em 1938 por Wolfram e Wag- qual o síndrome é igualmente designado1, 5-7 e
ner1,2. Trata-se de uma doença genética rara, que foi introduzido por Pilley e Thompson em
de transmissão autossómica recessiva, definida 19768. A diabetes insípida ou a surdez estão pre-
pela associação de diabetes mellitus e atrofia sentes em cerca de 51% dos casos, enquanto os
óptica bilateral progressiva, de aparecimen- quatro componentes cardinais estão presentes
to nas duas primeiras décadas de vida. Estes em apenas 13%3. Os portadores de SW podem
dois critérios dão um valor preditivo positivo apresentar anomalias das vias urinárias, com-
de 83% e um valor preditivo negativo de 1% plicações do sistema nervoso central (SNC) e
para o SW3,4. Podem estar associados diabetes predisposição para doenças psiquiátricas5,9.

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Artigos de Revisão Souto sb, Carvalho-Braga d, Medina jl Revista Portuguesa de Endocrinologia, Diabetes e Metabolismo | 2008 | 02

Outros achados incluem distúrbios gastrointesti- Manifestações clínicas


nais, atrofia gonadal primária no homem, e na
mulher irregularidades menstruais e menarca Diabetes Mellitus
tardia4,10,11.
A história natural do SW sugere que a Na maioria dos casos, a diabetes mellitus
maioria dos doentes desenvolve a maior parte (DM) é a primeira manifestação do SW, sur-
das complicações da doença (Fig. 1)1,12. Esta gindo geralmente na primeira década de vida
tem uma evolução gradual ao longo de 10 a 20 (Fig. 1)1,5,12,19. Resulta da deficiência de insulina
anos, sendo mais rápida quanto mais precoce de etiologia não autoimune1,3. Estudos postmor-
for o início da doença1. O controlo glicémico tem revelam uma perda selectiva das células
adequado não parece influenciar o prognós- β pancreáticas com preservação das células
tico1. A idade do óbito é geralmente por volta produtoras de glucagon e de somatostatina20,21.
da 3ª ou 4ª década de vida, habitualmente por A cetoacidose é rara na apresentação inicial ou
falência respiratória central com atrofia do durante a evolução da doença1,20,22. Os doentes
tronco encefálico1,3,7. são tratados com insulina, não existindo casos
descritos de tratamento bem sucedido a longo
Figura 1. História natural do Síndrome de Wolfram.
prazo com antidiabéticos orais. Os doentes com
SW têm baixa prevalência de complicações
crónicas, nomeadamente de retinopatia e de
nefropatia diabéticas, mesmo na presença de
um mau controlo metabólico3,20.
Alguns autores descrevem uma associação
positiva do SW com o antigénio HLA-DR2,
que está negativamente associado à DM tipo
1 clássica23,24. Por outro lado, os doentes com
SW apresentam uma baixa prevalência dos
antígenos DR3 e DR4, haplotipos frequentes
DM=diabetes mellitus, OA=atrofia óptica; DI=diabetes insípida; D=surdez; Renal=anomalias do
tracto renal; Ataxia=anomalias neurológicas. Adaptado de Barret e colaboradores12. na DM tipo 1.

Atrofia óptica
O SW tem uma prevalência de 1 em cada
770 000 recém-nascidos, com uma frequência Nos doentes com SW existe atrofia do ner-
de portadores de 1 em cada 35413. Na maioria vo óptico bilateral e progressiva. O início da
dos casos descritos na literatura verifica-se a diminuição da acuidade visual ocorre habitu-
existência de consanguinidade. almente na segunda década de vida, com idade
A patogenia do SW é desconhecida, mas foi média de 14 anos25. O exame oftalmológico
postulado uma degeneração gradual dos tecidos mostra palidez do nervo óptico com aumento
derivados da neuroectoderme1. Os estudos reali- do reflexo das artérias retinianas e angiofluo-
zados até à data sugerem que o SW seja causado resceinografia e eletrorretinografia de campo
por alterações no gene wolframina localizado geralmente normais. Os registos de potenciais
no cromossoma 4, em 4p16.1 (gene WSF1). evocados visuais revelam comprometimento
Uma outra forma de SW resulta de mutações na via máculo-occipital5. O estudo anátomo-
no gene CISD2, localizado em 4q22-q24 (gene patológico demonstra destruição axonal e
WSF2)14,15. Está ainda descrita a possibilidade desmielinização em todo o sistema óptico25,26.
de SW por alterações no DNA mitocondrial3,14,16. Outras alterações oculares menos frequentes
O gene wolframina codifica uma proteína de são cataratas27-29, distúrbios da visão da cor3,27,
890 aminoácidos localizada no retículo endo- anomalias pupilares27, miopia29, alterações do
plasmático7,17. A função da wolframina ainda epitélio pigmentar da retina27, nistagmus27,
não está completamente esclarecida, porém perda de campo visual3,29 e glaucoma29.
a sua localização no retículo endoplasmático Na maioria dos casos descritos, a atrofia óp-
sugere um papel na regulação da homeostasia tica ocorre posteriormente ao diagnóstico de DM
do cálcio7,18. (Fig. 1)12. Porém, Collier e colaboradores descre-

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Revista Portuguesa de Endocrinologia, Diabetes e Metabolismo | 2008 | 02 Artigos de Revisão

veram uma família com a mutação em 4p, em tação do tracto urinário superior e disfunção
que 2 doentes com SW desenvolveram atrofia vesical. Alguns autores atribuem a dilatação
óptica aos 6 meses e 2 anos respectivamente, das vias urinárias ao aumento do fluxo urinário
cerca de uma década antes do diagnóstico de devido à DI e referem melhoria com a utiliza-
DM30. Em contraste, estudos em doentes de 11 ção de hormona antidiurética35. No entanto,
famílias igualmente afectadas pela mutação encontram-se descritos casos de SW sem DI com
em 4p apresentaram DM ao mesmo tempo ou dilatação das vias urinárias, sugerindo como
previamente à atrofia óptica, com excepção causa da dilatação a degeneração neural25,32.
de uma família em que um doente teve atrofia Chu e colaboradores através de um estudo
óptica dois anos após a DM. imunohistológico da parede vesical e do ureter,
identificaram uma importante diminuição das
Diabetes insípida fibras nervosas36.
A disfunção vesical observada com maior
A diabetes insípida (DI) no SW é de origem frequência no SW é a bexiga atônica com
central. Barret e colaboradores verificaram uma grande capacidade3,22,24,37,38. Tekgul e colabora-
prevalência de DI de 73%, com uma idade mé- dores verificaram que são igualmente comuns
dia ao diagnóstico de 14 anos3. Muitas vezes a bexiga com baixa capacidade e a dissinergia
o diagnóstico é protelado pela semelhança da do esfíncter38. Porém, não existem até à data
sintomatologia com a DM, sendo a poliúria e grandes séries de doentes com SW com avalia-
a polidipsia geralmente atribuídas a um con- ção urológica detalhada, sendo provável que
trolo inadequado da DM. A DI central deve-se a prevalência de anomalias urológicas no SW
a uma atrofia dos núcleos supra-ópticos e esteja subestimada. Tekgul e colaboradores sub-
paraventriculares na hipófise posterior e no meteram os doentes a uma avaliação urológica
hipotálamo1. completa e verificaram que 78,5% apresenta-
Gabreels e colaboradores verificaram que vam vários graus de hidronefrose e em 93%
nos doentes com SW com DI, não só existia alguma forma de disfunção vesical38.
perda do neurónio da vasopressina no núcleo
supra-óptico, bem como um distúrbio no pro- Perturbações psiquiátricas
cessamento do percursor da vasopressina nos
núcleos supra-óptico e paraventricular31. Os doentes com SW e os portadores heterozi-
góticos apresentam habitualmente uma maior
Surdez neurossensorial prevalência de distúrbios psiquiátricos, nome-
adamente patologia depressiva e suicídio do
Os doentes com SW podem ter surdez de que a população geral39. Swift e colaboradores
origem neurossensorial, bilateral, envolvendo observaram uma prevalência de 60% de distúr-
inicialmente os sons de alta frequência com bios psiquiátricos numa série de 68 doentes com
perda progressiva de audição até às baixas SW (portadores homozigóticos)39,40. Estimaram
frequências5. A perda auditiva tem início nas ainda que o risco de um portador heterozigó-
três primeiras décadas de vida e ocorre de forma tico ser hospitalizado por doença psiquiátrica
progressiva. Porém, poucos doentes se tornam ou cometer suicídio é 8 vezes superior ao não
completamente surdos32, beneficiando de próte- portador da mutação39.
ses auditivas. A perda auditiva ou audiograma
anormal tem sido referida com uma prevalên- Complicações do SNC
cia entre 39 a 100%3,33. Medlej e colaboradores
reportaram surdez neurossensorial confirmada Existem vários sintomas neurológicos que
por audiograma em 64,5% dos 31 doentes es- podem ser associados ao SW, incluindo marcha
tudados com SW34. instável e quedas por ataxia do tronco, crises
de apneia de origem central, perda do olfacto
Anomalias do tracto urinário e paladar, hemiparesia devido a enfartes cere-
brais, mioclonias e nistagmo.
As anomalias urológicas presentes no SW Os achados na ressonância magnética
são diversas e incluem graus variáveis de dila- (RMN) cerebral são a ausência de sinal de

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Artigos de Revisão Souto sb, Carvalho-Braga d, Medina jl Revista Portuguesa de Endocrinologia, Diabetes e Metabolismo | 2008 | 02

alta intensidade da neuro-hipófise, atrofia da com vários doentes com SW que apresentavam
região hipotalâmica, cerebelo, tronco e córtex úlceras do trato gastrointestinal15.
cerebral, além de atrofia do nervo e do quiasma
óptico41-44. Dados de autópsias revelam perda
de neurónios com distrofia e edema axonal, Conclusão
frequentemente associados a gliose e áreas de
desmielinização sem sinais de inflamação45. O SW é uma doença genética rara, cujo
Hardy e colaboradores30 e Sam e colabora- diagnóstico se baseia exclusivamente na clínica,
dores46 descreveram um fenótipo distinto de sendo considerados critérios de diagnóstico a
SW, denominado falência respiratória central. presença em simultâneo de diabetes mellitus e
Todos os doentes eram homozigóticos para atrofia óptica bilateral. Apenas 13% dos doentes
uma delecção 4-bp na posição 2648-2651 no apresentam os quatro componentes do acróni-
exão 8 do gene WFS1. No doente com delec- mo DIDMOAD. Em relação ao estudo genético,
ção 4-bp verificou-se atrofia cerebral severa e embora não seja necessário para o diagnóstico
falência respiratória central, com necessidade de SW, constitui uma ferramenta importante no
de traqueostomia30. A irmã deste doente tinha âmbito do aconselhamento genético.
falecido aos 28 anos por atrofia cerebral e fa-
lência respiratória central. Cinco doentes (de 3
famílias) heterozigóticos para a delecção 4-bp Bibliografia
não tiveram falência respiratória. Por sua vez,
Sam e colaboradores descreveram o caso de uma 1. Lou Frances G et al. Wolfram syndrome. Clinical
doente de 33 anos com diagnóstico de DM, bexi- and genetic study in two families. An Pediatr (Barc)
ga neurogénica e atrofia óptica bilateral, aos 10, 2008; 68(1): 54-7.
13 e 15 anos, respectivamente46. Apresentava 2. Wolfram DJ, Wagener H. Diabetes mellitus and
audiograma normal e não tinha clínica de DI. simple optic atrophy among siblings: Report of
Após um episódio de falência respiratória aos four cases. Mayo Clin Proc 1938; 13: 715-8.
32 anos, necessitou de intubação, ventilação e 3. Barrett TG, Bundey SE, Macleod AF. Neurode-
traqueostomia subsequente. A RMN cerebral generation and diabetes: UK nationwide study of
revelou atrofia cerebral severa. Wolfram (DIDMOAD) syndrome. Lancet 1995;
346(8988): 1458-63.
Outras manifestações do SW 4. Zenteno JC et al. Familial Wolfram syndrome due
to compound heterozygosity for two novel WFS1
Medlej e colaboradores verificaram se- mutations. Mol Vis 2008; 14: 1353-7.
creção anormal de uma ou mais hormonas 5. Ribeiro MR et al. Wolfram syndrome: from defini-
hipofisárias em 75% dos doentes com SW, tion to molecular bases. Arq Bras Endocrinol Me-
sendo a deficiência de GH a alteração mais tabol 2006; 50(5): 839-44.
frequentemente encontrada34. No entanto, o 6. Ari S et al. Wolfram syndrome: case report and
hipopituitarismo nestes doentes não provocou review of the literature. Ann Ophthalmol (Skokie)
sintomas, explicando a ausência de investiga- 2007; 39(1): 53-5.
ção de alterações da hipófise anterior em muitos 7. Domenech, E., M. Gomez-Zaera, and V. Nunes,
estudos prévios. Wolfram/DIDMOAD syndrome, a heterogenic and
No sexo masculino tem sido encontrado molecularly complex neurodegenerative disease.
hipogonadismo, tanto devido a disfunção Pediatr Endocrinol Rev 2006; 3(3): 249-57.
hipotálamo-hipofisária5,33, quanto a causa 8. Pilley SF, Thompson HS. Familial syndrome of
primária gonadal3,5,34. Muitos doentes do sexo diabetes insipidus, diabetes mellitus, optic atro-
feminino têm menarca tardia e irregularidades phy, and deafness (didmoad) in childhood. Br J
menstruais3,10,20. Contudo, estão descritos casos Ophthalmol 1976; 60(4): 294-8.
de gestações bem sucedidas. 9. Strom TM et al. Diabetes insipidus, diabetes mel-
Medlej e colaboradores verificaram ainda litus, optic atrophy and deafness (DIDMOAD)
limitação da mobilidade articular em alguns caused by mutations in a novel gene (wolframin)
doentes com SW. El-Shanti e colaboradores coding for a predicted transmembrane protein.
encontraram três famílias com o gene WSF2 Hum Mol Genet 1998; 7(13): 2021-8.

60 © 2008 – Sociedade Portuguesa de Endocrinologia, Diabetes e Metabolismo


Revista Portuguesa de Endocrinologia, Diabetes e Metabolismo | 2008 | 02 Artigos de Revisão

10. Minton JA et al. Wolfram syndrome. Rev Endocr are small non-inactivating mutations. Hum Genet
Metab Disord 2003; 4(1): 53-9. 2002; 110(5): 389-94.
11. Bitoun P. Wolfram syndrome. A report of four cases 27. Al-Till M, Jarrah NS, Ajlouni KM. Ophthalmologic
and review of the literature. Ophthalmic Genet findings in fifteen patients with Wolfram syn-
1994; 15(2): 77-85. drome. Eur J Ophthalmol 2002; 12(2): 84-8.
12. Barrett TG, Bundey SE. Wolfram (DIDMOAD) 28. Castro FJ et al. Uncommon ophthalmologic find-
syndrome. J Med Genet 1997; 34(10): 838-41. ings associated with Wolfram syndrome. Acta
13. d’Annunzio G et al. Wolfram syndrome (diabetes Ophthalmol Scand 2000; 78(1): 118-9.
insipidus, diabetes, optic atrophy, and deafness): 29. Bekir NA, Gungor K, Guran S. A DIDMOAD syn-
clinical and genetic study. Diabetes Care 2008; drome family with juvenile glaucoma and myopia
31(9): 1743-5. findings. Acta Ophthalmol Scand 2000; 78(4):
14. Zen R et al. Report of a Brazilian patient with 480-2.
Wolfram Syndrome. J Pediatr (Rio J) 2002; 78(6): 30. Hardy C et al. Clinical and molecular genetic
529-32. analysis of 19 Wolfram syndrome kindreds dem-
15. El-Shanti H et al. Homozygosity mapping identi- onstrating a wide spectrum of mutations in WFS1.
fies an additional locus for Wolfram syndrome on Am J Hum Genet 1999; 65(5): 1279-90.
chromosome 4q. Am J Hum Genet 2000; 66(4): 31. Gabreels BA et al. The vasopressin precursor is
1229-36. not processed in the hypothalamus of Wolfram
16. Barrett TG et al. The mitochondrial genome in syndrome patients with diabetes insipidus: evi-
Wolfram syndrome. J Med Genet 2000; 37(6): dence for the involvement of PC2 and 7B2. J Clin
463-6. Endocrinol Metab 1998; 83(11): 4026-33.
17. Takeda K et al. WFS1 (Wolfram syndrome 1) gene 32. Dreyer M et al. The syndrome of diabetes insipidus,
product: predominant subcellular localization diabetes mellitus, optic atrophy, deafness, and
to endoplasmic reticulum in cultured cells and other abnormalities (DIDMOAD-syndrome). Two
neuronal expression in rat brain. Hum Mol Genet affected sibs and a short review of the literature
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cause low-frequency sensorineural hearing loss

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61
Artigos de Revisão Souto sb, Carvalho-Braga d, Medina jl Revista Portuguesa de Endocrinologia, Diabetes e Metabolismo | 2008 | 02

40. Swift RG, Sadler DB, Swift M. Psychiatric findings 44. Alicanoglu R et al. DIDMOAD syndrome. Wien
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disease by magnetic resonance imaging. Neuro-
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62 © 2008 – Sociedade Portuguesa de Endocrinologia, Diabetes e Metabolismo


Revista Portuguesa de Endocrinologia, Diabetes e Metabolismo | 2008 | 02 Artigos de Revisão
63 … 78

Hiperaldosteronismo primário
– novas perspectivas
Carvalho A, Carvalho R
Serviço de Endocrinologia, Diabetes e Metabolismo do Hospital de Santo António – Centro Hospitalar do Porto

Correspondência:
Dr. André Carvalho › Serviço de Endocrinologia, Diabetes e Metabolismo. Hospital de Santo António › Largo Abel Salazar 4099-001 Porto
Email: carvalho.andrec@gmail.com › Telemóvel: +351-918873428

RESUMO
O hiperaldosteronismo primário (HAP) é a forma secundária de hipertensão arterial mais frequen-
te. A prevalência real é desconhecida, mas em estudos recentes cerca de 10% dos hipertensos
apresentam esta forma potencialmente curável de hipertensão arterial.
Este artigo visa rever de uma forma breve os aspectos históricos, bioquímicos, patológicos e clíni-
cos do HAP, assim como os dilemas que se colocam no seu rastreio e diagnóstico diferencial. Para
tal foram avaliados os artigos indexados na MEDLINE e PubMed publicados entre Janeiro de 1970
a Julho de 2008 com os seguintes termos Primary Aldosteronism, Aldosteronism, Conn’s Syndrome,
Screening, Diagnosis, Treatment, Plasma Aldosterone-to-Renin Ratio, Direct Renin Concentration ou
Renin Activity. Apesar das inúmeras publicações sobre este assunto só muito recentemente foi
tentado um consenso internacional sobre o seu rastreio, diagnóstico e diferenciação. No entanto,
algumas das questões clínicas mais polémicas não foram completamente esclarecidas, nomeada-
mente aquelas que se levantam quando pretendemos definir qual o valor de corte para os testes
de rastreio, a prova de confirmação mais indicada para cada doente e a forma mais simples e
menos invasiva de distinguir os vários subtipos de HAP. De uma maneira geral um rastreio positivo
obtido através da relação aldosterona-renina deve ser confirmado com uma prova de sobrecarga
salina. Na continuação deve ser obtida uma imagem das supra-renais através duma tomografia
axial computorizada (TAC) seguida, ou não, do cateterismo das veias supra-renais, conforme
exista demonstração de unilateralidade e vontade expressa do doente em ser submetido a uma
cirurgia. O tratamento de eleição para qualquer forma unilateral de HAP é a adrenalectomia lapa-
roscópica, a qual permite cura clínica em mais de metade dos doentes. Todos os restantes devem
ser tratados com doses eficazes e toleráveis de antagonistas da aldosterona (espironolactona ou
eplenerona) de modo a obterem um melhor controlo tensional e redução do número de eventos
cardiovasculares.

PALAVRAS-CHAVE
Hiperaldosteronismo primário; Prevalência; Rastreio; Diagnóstico; Relação de concentração da aldos-
terona plasmática e actividade plasmática da renina; Concentração de renina directa; Tratamento.

SUMMARY
Primary hyperaldosteronism (PA) is the most common cause of secondary arterial hypertension. The
real prevalence is unknown, but in recent studies about 10% of the patients present this potentially
curable form of hypertension. This article aims to review the historical aspects, biochemical, pathologi-
cal and clinical features of PA.
All abstracts and papers indexed in Medline and Pubmed between January 1970 and July 2008 with
the terms Primary Aldosteronism, Aldosteronism, Conn’s Syndrome, Screening, Diagnosis, Treatment,
Plasma Aldosterone-to-Renin Ratio, Direct Renin Concentration or Renin Activity have been evaluated.
Recently an international consensus was published on its tracing, diagnosis and unbundling but crucial

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63
Artigos de Revisão Carvalho A, Carvalho R Revista Portuguesa de Endocrinologia, Diabetes e Metabolismo | 2008 | 02

points were not resolved, like the cut-point value for the screening test, the best confirmation test for
each case and the less invasive way to differentiate PA sub-types.
On a straightforward approach, the PA diagnosis should be always confirmed with a saline test, after
a positive screening test using the plasma aldosterone-to-renin ratio. The following step should be an
adrenal CT scan searching for the potential unilateral adrenal lesion followed by adrenal vein catheteri-
zation only if there is the possibility to perform a curative surgery.
All the unilateral subtypes of PA should be subjected to laparoscopic adrenalectomy in order to accom-
plish a clinical cure. Half of these patients will not achieve complete remission, which together with
those with bilateral subtypes, should be treated with aldosterone antagonists for hypertension and
cardiovascular risk control.

KEY-WORDS
Primary aldosteronism; Prevalence; Screening; Diagnosis; Plasma aldosterone-to-renin ratio; Direct
renin concentration and treatment.

Introdução a presença de uma hiperplasia bilateral das


supra-renais4. Esta nova forma de HAP era clini-
A história do hiperaldosteronismo primá- camente indistinguível do adenoma produtor de
rio (HAP) tem o seu início há pouco mais de aldosterona (APA) e passou a ser denominada
50 anos. Ao contrário das outras síndromas desde então de hiperplasia bilateral idiopática
hiperprodutoras de esteróides da supra-renal, a (do inglês idiopathic hyperaldosteronism – IHA)
descrição clínica desta entidade foi inicialmente denotando o desconhecimento fisio-patológi-
ultrapassada pelos achados laboratoriais e pelo co que caracteriza esta entidade. Durante o
acaso. Após a identificação bioquímica da al- período compreendido entre 1970 e 1990 era
dosterona pelo grupo de Silvia Simpson1 e depois considerado um achado raro, mas actualmente
das primeiras descrições clínicas de tumores da é reconhecido como o mais frequente subtipo
supra-renal associados à hipertensão arterial de HAP5.
(HTA) maligna pelo pouco reconhecido médico Nas décadas que se seguiram foram iden-
polaco Michal Litynski2, Jerome Conn apresenta tificados outros subtipos de HAP (tabela 1). A
o seu caso índex na Central Society for Clinical hiperplasia primária da supra-renal (HPS) é
Research em Chicago em 19543. A doente des- uma forma rara de hiperplasia unilateral ou
crita tinha 34 anos e apresentava um quadro primária da supra-renal caracterizada por áreas
de hipocaliémia sintomática (com fraqueza de hiperplasia, micro ou macronodular da zona
muscular, espasticidade e paralisia) associado glomerulosa. Dois outros tipos encontrados fo-
a alcalose metabólica e a vários anos de HTA de ram apresentações familiares de HAP. O HAP
difícil controlo. Conn suspeitou que na origem familiar tipo I, ou HAP glucocorticóide-sensível,
desta síndroma estaria a presença de um tumor é uma condição genética transmitida de for-
oculto da supra-renal produtor de um novo tipo ma autossómica dominante identificada pela
de esteróide-retentor de sódio (a aldosterona). A primeira vez pelo grupo de Laidlaw em 19666.
confirmação do tumor unilateral na supra-renal
(tumor de Conn) durante acto cirúrgico permitiu TABELA 1 – Subtipos de hiperaldosteronismo primário
a primeira descrição da síndroma com o mesmo Adenoma produtor de aldosterona (APA) – 35% dos casos
nome e que representa o conjunto de hipocalié- Hiperplasia bilateral idiopática (IHA) – 60% dos casos
mia, HTA e adenoma produtor de aldosterona,
Hiperplasia unilateral idiopática ou Hiperplasia primária da supra-
possibilitando, ao mesmo tempo o primeiro caso renal (HPS) – 2% dos casos
bem sucedido de HTA curável. Carcinoma da supra-renal produtor de aldosterona – <1% dos casos
No final da década de 1960 durante uma Hiperaldosteronismo primário familiar – <1% dos casos
cirurgia dirigida a um “tumor de Conn” foi 1. Glucocorticóide-sensível (tipo I)
com surpresa que se verificou a inexistência de 2. Não glucocorticóide-sensível (tipo II)

qualquer tumefacção e se constatou ao invés Adaptado de Young W.F.10

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Caracteriza-se pela produção anómala de aldos- As complicações associadas ao HAP reflec-


terona e de esteróides “híbridos” sob controlo da tem as características fisiopatológicas atrás
ACTH devido à formação de um gene “híbrido” descritas e acarretam nestes doentes uma taxa
entre os genes da 11β-hidroxilase e da aldoste- de morbilidade e mortalidade cumulativa mais
rona sintetase7. O HAP familiar tipo II é uma elevada do que aquela que seria de esperar pelo
entidade de reconhecimento mais recente, com estádio de HTA apresentado13,14. Estudos recen-
padrão de transmissão autossómico dominante, tes descreveram um estado pró-inflamatório
mas que ao contrário do anterior não é suprimí- e pró-fibrótico associado a níveis elevados de
vel pelos glucocorticóides, nem está associado aldosterona15. Supõe-se que será este efeito so-
à presença de genes “híbridos”8. bre a vasculatura renal e coronária que levará
à fibrose e ao remodelling do tecido cardíaco
também presente no HAP, justificando assim em
Apresentação clínica parte o “excesso” de eventos cardiovasculares
verificado nesta síndroma16,17.
A apresentação clínica do HAP é habitual-
mente pouco expressiva limitando-se muitas
vezes à presença de uma HTA resistente aos anti- Prevalência
hipertensores habituais associada a distúrbios
electrolíticos discretos. Cinco a 10% dos doentes diagnosticados
A hipersecreção autónoma de aldosterona com HTA apresentam algum tipo de HTA se-
é responsável pelo quadro de retenção inapro- cundária, sendo o HAP a causa endócrina mais
priada de sódio e de excreção aumentada de frequente neste grupo18. A primeira estimativa
potássio e hidrogénio, traduzido clinicamente de prevalência desta patologia foi proposta
pelo conjunto característico de hipertensão pelo próprio Conn e o valor de 20% então
arterial com hipocaliémia e alcalose metabó- apresentado reflectia, provavelmente, o viés
lica. A hipervolémia resultante da retenção de de selecção típico de centros especializados ao
sódio leva à frenação fisiológica dos níveis de qual pertencia19. Rapidamente outros autores
renina e, posteriormente, ao “escape mineralo- contestaram estes resultados e apresentaram
corticóide” do túbulo renal, que cria assim um valores de prevalência de HAP mais “realistas”
limite máximo na capacidade de retenção de de cerca de 0,5%20.
sódio e água, impedindo a perpetuação deste No início dos anos 1990 era consensual que
ciclo vicioso. o tumor de Conn (APA) não existia em mais
O HAP, e em especial o APA, é diagnosticado de 1% dos hipertensos e que a IHA era apenas
com maior frequência no sexo feminino entre uma forma mais rara de HAP. No entanto, e de
os 30 e 50 anos de idade9. As características acordo com estudos iniciais do grupo de Richard
clínicas classicamente apresentadas resultam Gordon em Brisbane (Austrália) e posteriormen-
do processo patofisiológico subjacente e que te apoiados por resultados de outros centros
se traduz por uma HTA com renina suprimida asiáticos e europeus, surgiu uma verdadeira
aliada a distúrbios electrolíticos (hipocaliémia, “explosão” de diagnósticos de HAP nas séries
hipercaliúria, hipernatrémia e alcalose meta- publicadas de doentes com HTA secundária21.
bólica). A HTA é tipicamente refractária aos A razão desta epidemia parecia estar relacio-
anti-hipertensores mais comuns (diuréticos e nada com a introdução de novos métodos de
iECAs) e não se associa à presença de edemas rastreio mais reprodutíveis e abrangentes, que
periféricos10. A hipocaliémia é conhecida como o permitiam desta forma identificar o verdadeiro
“marcador clássico” do HAP apesar de surgir em iceberg de doentes com disfunção primária do
menos de um terço dos doentes e acompanha-se eixo renina-aldosterona.
por sintomas inespecíficos como fraqueza ou Trabalhos retrospectivos recentes utilizando
dor muscular, polidipsia, poliúria, noctúria e estes novos métodos de rastreio e diagnóstico
parestesias11. A ligação com a diabetes mellitus em populações hipertensas diversas, estimam
tipo 2 e outros estados de insulino-resistência que a prevalência real desta patologia varie
como a síndroma metabólica são por vezes entre os 3,2 e 32% (ver tabela 2). Em 2006 foi
descritos12. publicado um importante estudo prospectivo

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da actividade da
TABELA 2 – Prevalência de hiperaldosteronismo primário em doentes hipertensos segundo diversos autores
Autores País Doentes rastreados Prevalência (%) Ano
renina plasmática
Danielson et al.70 Noruega 1000 0,1 1981
não têm qualquer
Sinclair et al.71 Reino Unido 3783 0,2 1987 papel diagnóstico
Gordon et al.72 Austrália 199 8,5 1994 uma vez que estes
Abdelhamid et al.73 Alemanha 3900 6,6 1996 não são distintos
Lim et al.74 Reino Unido 465 9,2 2000 daqueles encon-
Loh et al.
75
Singapura 350 4,6 2000 t r a d o s n a H TA
Rayner et al.76 África do Sul 216 32 2000
simples de renina
baixa.
Schwartz et al. 77
EUA 117 12,0 2002
Um método de
Rossi et al.78 Itália 1046 6,3 2002
rastreio diferente
Williams et al.79 EUA 346 3,2 2006
e mais sensível foi
Douma et al. 80
Grécia 1616 11,3 2008
introduzido há cer-
ca de 30 anos por
realizado em Itália (o estudo PAPY) com 1125 Dunn e Hiramat-
hipertensos sujeitos a critérios de inclusão e de su . De forma a aproveitar a relação inversa
23,24

diagnóstico consideravelmente restritos, e foi entre a aldosterona e a renina plasmática nos


possível determinar uma prevalência de HAP de doentes com HAP, foi proposto utilizar como
cerca de 11%, dos quais 61% com o diagnóstico rastreio a relação numérica entre a concen-
do subtipo de HAP idiopático (IHA)22. tração da aldosterona plasmática e o valor da
actividade da renina plasmática (RAR) obtidos
durante o período da manhã em doentes sen-
Como diagnosticar? tados e em dieta sem restrição de sódio25. Ao
contrário da medição independente de cada
Primeiro veio o rastreio – a re- um destes factores, a RAR parece ser mais “re-
lação aldosterona-renina plas- sistente” às variações introduzidas pelo ciclo
mática circadiano, ingestão de sal, postura do doente
durante a colheita e às alterações criadas pelo
O diagnóstico de HAP apesar de exigente e uso de fármacos que têm efeito no sistema re-
muitas vezes confuso é, hoje em dia, bem mais nina-angiotensina (SRA)26.
simples do que no passado. Como em todos os No entanto existem várias limitações na
rastreios é fundamental efectuar uma selecção utilização da RAR como método de rastreio de
criteriosa da população a estudar, assim como HAP27. Primeiro, esta relação não é nem um teste
aplicar um método ou teste de rastreio que se consensual nem padronizado, existindo actual-
julgue suficientemente sensível para o efeito mente diferentes protocolos sobre a postura, dieta
sem que haja uma redução exagerada da es- e anti-hipertensores “permitidos”. Em segundo
pecificidade do mesmo. lugar, a RAR é bastante mais dependente do
A hipocaliémia não é específica do HAP valor da renina (presente no denominador) do
e está presente em menos de 37% destes de que propriamente da aldosterona (presente em
doentes. É mais frequente nos APAs do que nos numerador), o que leva à inclusão frequente de
outros subtipos e está quase sempre associada falsos positivos provenientes de outras causas
a uma apresentação clínica mais tardia11. A de HTA de renina baixa (ver tabela 3)28. Por
determinação de níveis elevados de potássio na fim, não existe igualmente uma uniformidade
urina de 24 h pode ajudar a identificar melhor nos métodos e nos ensaios laboratoriais utiliza-
estes doentes, mas não é actualmente muito dos, nem sequer nas unidades para as quais se
utilizada pela maioria dos centros de referência propõem os diversos valores de corte publicados
no estudo da HTA. (ver tabela 4).
A determinação isolada de aldosterona Recentemente alguns autores propuseram a
plasmática não permite distinguir entre causas manutenção da terapêutica anti-hipertensora
primárias e secundárias de hiperaldosteronismo. durante a determinação da RAR, desde que
Da mesma forma também os valores isolados salvaguardados alguns dos pressupostos básicos

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como a postura do doente na altura da colheita Alguma desta medicação pode mesmo auxiliar
e a suspensão atempada da espironolactona e na sensibilidade ou especificidade do rastreio.
de outros fármacos com potencial de induzir Por exemplo se obtivermos um rastreio positivo
resultados falsamente negativos (ver tabela 3). num doente medicado com iECA ou ARA2 este
resultado é altamente sugestivo de HAP, uma
vez que estes dois grupos farmacológicos são
TABELA 3 – Factores modificadores da relação da concentração
plasmática de aldosterona – actividade plasmática da renina (RAR)
potencialmente indutores de falsos negativos
capazes de induzir resultados falsos positivos ou negativos na interpretação da RAR e como tal raramente
Falsos positivos produzem relações “positivas” em doentes sem
aldosterona renina
HAP.
Na tentativa de reduzir o número elevado
Beta-bloqueadores ↓ ↓↓
de falsos positivos vários autores publicaram
AINEs ↓ ↓↓
várias propostas. Uma das mais consensuais
Alfa 2-agonistas ↓ ↓↓
pressupõe o uso simultâneo de um valor míni-
Hipercaliémia ↑ →↓ mo de corte para a concentração de aldosterona
Sobrecarga de sódio ↓ ↓↓ plasmática (usualmente igual ou superior a 15
Idade avançada ↓ ↓↓ ng/dL)29. Outros autores propuseram métodos
Insuficiência renal crónica → ↓ distintos que vão desde o uso da relação [Aldos-
Anti-conceptivos orais → ↓↓ * terona]2/Renina, com ponto de corte nos 72.000
Origem africana →↓ ↓↓ (pg/mL)2 por ng/mL por h, até à utilização de
Alcaçuz (liquorice) ↑ ↓
modelos multivariáveis de análise de risco29,30.
O protocolo mais comum para a determi-
Falsos negativos
nação da RAR começa pela colheita de sangue
aldosterona renina
periférico para determinação de aldosterona e
Diuréticos →↑ ↑↑
renina plasmática realizada de manhã (2 a 3 h
Espironolactona →↑ ↑↑
após o acordar) num doente em dieta sem res-
Bloqueadores dos canais de trição salina, com hipocaliémia corrigida, sem
cálcio – DHP →↓ ↑
estímulo postural e no qual foram suspensos,
iECAs ↓ ↑↑
com pelo menos 6 semanas de antecedência,
ARAs ↓ ↑↑ todos os fármacos antagonistas da aldosterona
Hipocaliémia ↓ →↑ (espironolactona, eplenerona ou amiloride em
Restrição salina ↑ ↑↑ doses altas). Se a determinação da actividade
Gravidez ↑ ↑↑ da renina plasmática for inferior ao limite do
HTA renovascular ↑ ↑↑ ensaio, deve ser assumido um valor mínimo
* se usado um ensaio de renina activa directa; DHP – dihidropiridíni- de 0,2 ng/mL/h para que assim seja evitado o
cos. Adaptado de Stowasser e Funder et al25,39 sobre-inflacionamento da RAR. Finalmente, o

TABELA 4 – Comparação entre os valores de corte para a relação concentração plasmática da aldosterona – actividade plasmática da renina
(RAR) e a concentração plasmática da renina directa (RARd) conforme ensaio e unidades utilizadas

Actividade plasmática da renina Concentração da renina directa


(mU/L) (ng/dL)
(ng/mL/h) (pmol/L/ min) Ensaio 1* Ensaio 2# Ensaio 1* Ensaio 2#

Concentração plasmática de aldosterona (ng/dL) 30 2,5 3,7 2,5 57 39


40 3,1 4,9 3,3 77 52
(pmol/L) 750 60 91 62 1440 400
1000 80 122 83 1920 533

*Quando a CRD for obtida pelo imunoensaio de quimioluminescência do Nichols Institute Diagnostics ou pelo rádio-imunoensaio da Bio-Rad Renin II.
#
Quando a CRD for obtida pelo imunoensaio de quimioluminescência automatizado da DiaSorin.
Para converter concentração plasmática da renina activa de pg/mL para pmol/L (unidades SI) multiplicar por 0,0237.
Para converter concentração plasmática da aldosterona de ng/dL para pmol/L multiplicar por 27,74.
Para converter actividade plasmática da renina de ng/mL/h para ng/L/s multiplicar por 0,2778.
Para converter concentração plasmática da renina directa de ng/dL para mU/L multiplicar por 6,4.
Adaptado de Funder et al25

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resultado do quociente deve ser comparado com ram posteriormente introduzidos na prática clí-
os valores considerados normais para a popu- nica de tal forma que actualmente são vários os
lação estudada e considerado como positivo se autores que propõem valores de corte corrigidos
este for superior ao valor de corte escolhido. Os para a RAR obtida através deste tipo de ensaio
valores de corte publicados para a RAR variam (ver tabela 4)34,35. Neste método não é necessá-
entre os 20 e 100 (quando a aldosterona plas- ria a refrigeração imediata da amostra após
mática está expressa em ng/dL e a actividade a colheita (pois não existe qualquer reacção
da renina plasmática em ng/mL/h) e reflectem enzimática a suspender), mas existe o perigo
sempre um compromisso assumido entre a sen- de crio-activarmos a pró-renina em renina ao
sibilidade desejada e a especificidade resultante armazenarmos o plasma com uma congela-
(o que permite a variação dos níveis de sensibi- ção não suficientemente rápida, aumentando
lidade e especificidade do teste que variam entre assim de forma artificial a concentração final
os 64-100% e os 87-100%, respectivamente)31. de renina activa36.
Os pontos de corte para a RAR mais usados na
literatura são apresentados na tabela 5, onde Quem devemos rastrear?
estão igualmente descritas as conversões para
as unidades de medida mais comuns para a Dada a elevada taxa de prevalência do
concentração de aldosterona e actividade de HAP e o excesso de eventos cardiovasculares
renina plasmática, assim como as correcções verificado, alguns autores propõem que o seu
propostas para os ensaios laboratoriais de CRD rastreio seja realizado a todo e qualquer doen-
mais utilizados. te hipertenso. Esta atitude não é obviamente
consensual uma vez que implicaria rastrear
TABELA 5 – Valores de corte para a relação entre concentração mais de 30% da população geral com graves
plasmática da aldosterona – actividade plasmática da renina (RAR)
propostos na literatura
implicações sobre o uso dos recursos já limitados
de qualquer sistema de saúde. Uma aborda-
Autores RAR [(ng/dL)/(ng/mL/h)] Ano de publicação
gem mais prática tem em conta uma melhor
Hiramatsu et al. 40 24
1981
relação custo-benefício deste rastreio quando
Hamlet et al.81 25 1985
realizado a doentes hipertensos que apresentam
Young et al. 82
20 1994
maior probabilidade pré-teste, nomeadamente
Brown et al.83 72 1996 aqueles que se acompanham com hipocaliémia
Rossi et al.30 36 1998 espontânea ou induzida por diuréticos; HTA
Lim et al.84 27 1999 resistente em tratamento triplo; diagnóstico
Fardella et al. 50
85
2000 de HTA durante a infância ou juventude e/ou
Gallay et al.86 100 2001 evidência de atingimento de órgão alvo com
Rayner et al. 87
32,5 2002
menos de 50 anos de idade; incidentaloma
da supra-renal; evidência de danos em órgão
Stowasser et al. 39
30 2003
alvo desproporcionais à gravidade da HTA e
Nishizaka et al.88 16,3 2005
possivelmente naqueles com diabetes mellitus
Bernini et al. 89
69 2008
ou síndroma metabólica37,38.

A concentração de renina activa Só depois a confirmação – as pro-


directa (CRD) vas de exclusão

A determinação da actividade da renina Sabemos agora que um rastreio positivo,


plasmática é uma técnica geralmente morosa não serve por si só de diagnóstico de HAP. O
com uma elevada variabilidade entre laborató- papel desta relação com elevado valor preditivo
rios e importantes requisitos pré e pós-analíticos. negativo é de não permitir falhas na detecção de
Para estas dificuldades fossem ultrapassadas foi HAP em qualquer dos casos rastreados. Conse-
introduzido em 1987 um rádio-imunoensaio quentemente o passo diagnóstico seguinte deve
capaz de detectar directamente a renina activa passar pela exclusão de todos os falsos positivos
plasmática (renina directa – CRD)32,33. Alguns que um rastreio positivo possa ter incluído.
destes “kits” simplificados e automatizados fo- Actualmente existem ao nosso dispôr diversas

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provas de exclusão de HAP, todas elas com o g/dia) prescrita de forma a obter natriúrias su-
propósito de demonstrar a produção inapro- periores a 200 mEq/dia. A supressão incompleta
priadamente elevada, e não fisiologicamente dos valores de aldosterona urinária para níveis
suprimível, da aldosterona. Estas provas devem que sejam superiores a 12 µg/dia ao 3º dia é in-
ser idealmente solicitadas após corroboração de dicadora de HAP (sensibilidade e especificidade
2 ou 3 rastreios positivos e sempre após norma- de 96% e 93%, respectivamente)40. Apesar de se
lização da eventual hipocaliémia37,39. A escolha tratar de uma prova relativamente simples esta
entre as diferentes provas funcionais deve ser tem o inconveniente de ser mais dependente da
feita tendo em conta as características da mes- aderência e colaboração do doente do que as
ma e a experiência do centro onde se pratica. restantes provas aqui descritas.
Da mesma forma também os valores de corte A prova de sobrecarga salina endovenosa
escolhidos deverão ser adaptados à população, é a preferida pela maioria dos clínicos dada a
experiência e metodologia laboratorial de cada sua simplicidade e baixo custo. Baseia-se na de-
instituição. terminação de aldosterona plasmática antes e
depois da infusão de soro fisiológico a 500 mL/h
Provas de supressão salina durante 4 h num doente que está reclinado ou
em decúbito. A obtenção de aldosterona não
Os estudos que comparam o poder diag- completamente suprimida no final da prova,
nóstico das diferentes provas propostas para a com valores superiores a 5 ng/dL, sugere a pre-
demonstração da autonomia do hiperaldoste- sença de HAP (sensibilidade e especificidade de
ronismo com sobrecarga salina são escassos. As 100% e 97%, respectivamente)41.
provas de supressão mais utilizadas são actual-
mente a prova da sobrecarga salina oral com Prova do Captopril
cloreto de sódio, a prova da sobrecarga salina
endovenosa com soro fisiológico e a prova de Trata-se de uma prova ainda válida pela
sobrecarga salina associada à fludrocortisona sua simplicidade e quase ausência de contra-in-
(considerado por muitos como o gold-standard). dicações. Consiste na determinação da resposta
Todas elas implicam a suspensão, quando da aldosterona à administração de 50 mg de
possível, de toda a medicação interferente e a captopril oral ao doente que se encontra em
suplementação oral de potássio dado o risco posição erecta ou sentada há pelo menos uma
acrescido de agravamento da hipocaliémia10. hora. A supressão incompleta da aldosterona
Estas provas estão formalmente contra-indica- para valores que se apresentem superiores a 15
das nos doentes com evidência de HTA severa ng/dL, ou então com reduções inferiores a 30%
mal controlada e/ou insuficiência cardíaca. do valor inicial, 90 ou 120 minutos após a toma
A prova de sobrecarga salina associado do captopril é indicadora de HAP. Devemos ter
à fludrocortisona consiste na determinação sempre o cuidado de aconselhar uma ingestão
da concentração de aldosterona plasmática de sal superior a 6 g por dia durante os dias
antes e depois da administração oral de 0,1 que antecedem a prova de forma a não baixar
mg de acetato de fludrocortisona cada 6 horas a especificidade já por si algo limitada (cerca
durante 4 dias e de 1,75 g de NaCl (30 mmol de 80%)42.
– de libertação lenta) cada 8 horas. A supressão
incompleta dos níveis de aldosterona, isto é Outras provas
um valor superior a 6 ng/dL ao 4º dia, sugere
a presença de HAP39. Apesar de ser uma prova Prova Terapêutica com Espironolactona
altamente específica é geralmente evitada dada Esta prova baseia-se nos trabalhos de Spark
a necessidade de internamento hospitalar du- e colegas onde se demonstrava que a diminui-
rante os 4 dias de estudo. ção de pelo menos 20 mmHg na tensão arterial
A prova de sobrecarga salina oral é a diastólica após 5 semanas de terapêutica com
prova proposta pela Clínica Mayo nos E.U.A. e espironolactona (em doses máximas até 100 mg
utiliza um protocolo mais simples de sobrecarga 4 vezes ao dia) era uma característica típica de
salina através do consumo de uma dieta de ele- qualquer tipo de HAP43. Apesar de não ser muito
vado teor de sal durante 3 dias (pelo menos 12,8 utilizada como uma prova confirmatória, este

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tipo de resposta tensional possui um elevado de diferenciação dos subtipos uni ou bilaterais
valor prognóstico. de HAP47. Dadas as contingências inerentes a
esta técnica imagiológica devemos ter sempre
Prova do Losartan presente que outros exames complementares
Esta outra prova utiliza os mesmos prin- ou provas funcionais mais simples podem ser
cípios da prova do captopril e consiste na importantes no diagnóstico diferencial destes
determinação da concentração plasmática de doentes. É importante reter que a utilização
aldosterona antes e 4 horas após a administra- deste tipo de estudos diferenciais poderá ape-
ção oral de 50 mg de losartan. Uma redução nas beneficiar aqueles indivíduos que estejam
inferior a 40% do valor inicial de aldosterona dispostos a ser submetidos a cirurgia e que,
confirma a ausência de supressão completa da ao mesmo tempo, não apresentem qualquer
aldosterona e sugere a presença de HAP44. contra-indicação para uma adrenalectomia.
Apenas estes terão de facto algum benefício na
Metabolitos urinários da aldosterona obtenção de um diagnóstico diferencial entre
Uma forma de ultrapassar o problema das formas uni e bilaterais de HAP devendo todos
colheitas séricas seriadas de aldosterona e da os outros ser poupados a este tipo de estudo
sua excreção urinária é tentar obter a concen- especializado.
tração do seu principal metabolito na urina
(a tetra-hidro-aldosterona). A presença de um TAC e RMN da supra-renal
valor elevado deste metabolito na urina de 24
horas apresenta uma sensibilidade e especifi- O primeiro passo após a confirmação de
cidade de 96% e 95%, respectivamente, para o HAP deverá ser um exame imagiológico dirigido
diagnóstico de HAP45. às glândulas supra-renais. A eficácia no diag-
nóstico da tomografia computorizada (TAC)
é actualmente equiparável à da ressonância
Localização e identificação magnética nuclear (RMN) com uma sensibilida-
dos subtipos de para a detecção de adenomas da supra-renal
que varia entre os 40 e 80%48,49. Esta eficácia está
Após a confirmação do diagnóstico de HAP, geralmente limitada pela elevada prevalência
o desafio que se segue é distinguir o subtipo em de incidentalomas da supra-renal na população
causa. Na maioria das vezes esta tarefa limita-se em geral (2-10%) e pela dimensão infra-centi-
a diferenciar as formas unilaterais ou bilaterais métrica da maioria dos adenomas (muitas vezes
desta síndroma, o que por si só já é muitas vezes inferiores a 5 mm de diâmetro)50,51.
suficiente para permitir uma abordagem tera- Quando um clínico se depara com um
pêutica com sucesso. De uma forma simplista os doente de menos de 40 anos de idade com
doentes com APA são geralmente mais jovens, HAP confirmada e cujo exame imagiológico
apresentam uma HTA mais grave e níveis mais demonstra um nódulo da supra-renal único,
extremos de hipocaliémia e de aldosterona unilateral e hipodenso com um diâmetro entre
plasmática do que aqueles que apresentam o 1 e 2 cm, o mais provável é que, sem margens
subtipo IHA. Os doentes que evidenciam estas de dúvida, se trate de um APA. No entanto na
características devem ser considerados como de maioria dos casos de HAP a apresentação não
“alta probabilidade” para APA, independente- é assim tão simples. Com frequência ambas as
mente do estudo imagiológico realizado, dado supra-renais aparecem como anatomicamen-
que mesmo naqueles em que a TAC das supra- te “normais” na TAC (ou então com algumas
renais é descrita como “normal” existe uma porções hiperplásicas) e outras vezes sugerem a
causa unilateral de HAP em 41% dos casos46. presença bilateral de micro ou macronódulos.
Um estudo recente do grupo de Mulatero em Nesta fase quaisquer dos estudos mais simples
Turim veio confirmar uma ideia já recorrente de imagem são claramente insuficientes para
nas revisões mais actuais sobre esta entidade. distinguir os diferentes subtipos de HAP.
Isto é que, no momento actual, não existe um Vários estudos têm sido publicados confir-
substituto clínico ou imagiológico para o cate- mando a falibilidade da orientação terapêutica
terismo das veias supra-renais na tarefa ingrata baseada unicamente em modalidades não

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invasivas de imagem da supra-renal. Numa duzidos diferentes estudos funcionais da supra-


série recente estimava-se que cerca de um renal fazendo uso de marcadores radioactivos.
quarto dos doentes com HAP avaliados por TAC Estes agentes, nomeadamente o 6β-[131I]-io-
iriam ser sujeitos a adrenalectomias unilaterais dometil-19-norcolesterol (NP-59), possuiam a
inapropriadas ou mesmo desnecessárias, e vantagem de poder correlacionar a anatomia
que outros 25% teriam sido excluídos de uma desta glândula com a sua função. Um dos
adrenalectomia potencialmente curativa, se protocolos então introduzidos, e ainda agora
apenas se tivesse tido em conta as informações utilizado, passa pela frenação da captação
provenientes deste tipo de imagem para a de- fisiológica do colesterol pelas supra-renais com
cisão cirúrgica46. a administração oral de 1 mg de dexametasona
de 6/6h desde uma semana antes à injecção de
Prova de Deambulação NP-59 e até à obtenção do último cintilograma.
Por rotina são captadas imagens ao 4º dia após
Por tradição era aceite que os adenomas NP-59 e depois diariamente, podendo chegar
produtores de aldosterona (APA) apresentavam até ao 10º dia, se necessário. Uma captação nas
uma secreção circadiana e que, ao contrário das supra-renais registada nos primeiros 5 dias após
hiperplasias da supra-renal, eles eram insensí- a administração de NP-59 sugere a presença de
veis à postura erecta e à infusão de angioten- uma lesão funcionante responsável pelo HAP
sina. Baseado nestas premissas Ganguly propôs (APA ou IHA, consoante o padrão se apresentar
em 1973 que uma prova de deambulação de uni ou bilateral). Para melhorar a capacidade
2 a 4 h de duração realizada pela manhã era discriminativa deste tipo de estudo deverão ser
suficiente para distinguir estes dois subtipos de idealmente suspensos com 4 a 6 semanas de
HAP52. A premissa aceite era que na presença antecedência todos os fármacos que possam
de APA existiria uma ausência de estimulação interferir com a captação de colesterol pela
da aldosterona (assumida como um aumento supra-renal (ver tabela 6)55.
inferior a 30%), ou que então se verificasse
uma queda paradoxal da sua concentração TABELA 6 – Fármacos que podem alterar a captação do NP-59 e que
devem idealmente ser suspensos 4 a 6 semanas antes da captação
final. Para confirmar a validade desta prova
da imagem
era igualmente necessário que se verificasse, em
Fármacos interferentes
simultâneo, uma queda fisiológica do cortisol
Diuréticos (sobretudo a espironolactona)
entre o início e fim do teste de forma a compro-
Glucocorticóides
var a presença do ciclo circadiano fisiológico do
eixo hipotálamo-hipófise-supra-renal. Antimicóticos (em especial o cetoconazol)

Porém a especificidade desta prova na iden- Estatinas

tificação de APAs é baixa (apenas 85%) com Anti-conceptivos orais


uma sensibilidade ainda mais baixa (pouco Beta-bloqueadores
acima de 25%)53,54. Esta limitação importante Adaptado de Mazza et al55
na identificação dos APAs pode ser explicada
pela presença de adenomas da supra-renal
sensíveis à angiotensina e hiperplasias (IHA) A sensibilidade desta técnica está direc-
com ciclos circadianos “normais” na produção tamente dependente do volume da lesão em
de aldosterona. Apesar destas restrições a pro- causa, de tal forma que na presença de adeno-
va de deambulação mantém uma importante mas da supra-renal com diâmetro inferior a 1,5
relevância clínica, em especial quando existem cm se torna muito difícil obter captações com
lesões unilaterais da supra-renal ou quando os tradução cintilográfica. Por esta razão não está
outros exames auxiliares, nomeadamente o recomendada a sua realização no estudo fun-
cateterismo das supra-renais, são inconclusivos cional de lesões da supra-renal que apresentem
e/ou impossíveis de realizar. diâmetros inferiores a 1,5 cm, isto apesar de
alguns autores europeus terem obtido valores de
Cintigrafia das Supra-renais sensibilidade superiores a 85% e especificidade
de quase 100% para lesões da supra-renal com
Na década de 70 do século XX foram intro- diâmetros pouco maiores que 1,0 cm56,57. Outra

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limitação frequente na utilização clínica desta terona provenientes das duas veias supra-renais
técnica prende-se com a dificuldade na obten- permite inferir a unilateralidade do HAP39. Estes
ção deste traçador para a realização de estudos valores de corte apresentam uma sensibilidade
de cintigrafia das supra-renais. para detecção de lesões unilaterais entre 98% e
100%58. Alguns autores defendem ainda que a
Cateterismo das veias supra-re- obtenção de valores unilaterais de aldosterona
nais não “corrigida” e estimulada pela ACTH, que
sejam superiores a 1340 ng/dL são altamente
O cateterismo das veias supra-renais (CVS) preditivos de APA (com uma sensibilidade de
é actualmente considerado o gold-standard para 92% e especificidade de 100%)58.
o diagnóstico das formas unilaterais de HAP. O As complicações associadas a esta técnica
baixo valor preditivo apresentado pelas outras de diagnóstico são raras (menos de 2,5%). Entre
modalidades diagnósticas levou à recomen- as mais frequentes encontram-se a hemorragia
dação, já este ano, pela Task Force criada sob do local da punção inguinal, a hemorragia
o patrocínio da Endocrine Society, de que todos da supra-renal e a dissecção das veias supra-
os doentes com HAP confirmado e possíveis renais46.
candidatos a cirurgia devam ser submetidos a
CVS25. Trata-se de um procedimento invasivo, 18-Hidroxicorticosterona
caro e com taxas de insucesso na cateterização
da veia supra-renal direita (particularmente A 18-hidroxicorticosterona (18-OHB) é um
difícil) de 10 a 30%, que deve ser idealmente dos precursores da aldosterona e resulta da
realizado num centro com experiência neste 18-hidroxilação do cortisol. Assume-se que os
tipo de técnica (com um mínimo de 10 CVS doentes com APA apresentam habitualmente
por ano)55. valores plasmáticos mais elevados de 18-OHB
Neste momento são usados dois protocolos quando comparados com as outras formas de
distintos. No primeiro realiza-se o CVS durante HPA, nomeadamente a IHA. Um valor de corte
a manhã num doente que permaneceu deitado de 100 ng/dL obtido durante a manhã permite
toda noite, e no qual se procede às colheitas distinguir IHA de APA em pelo menos 80% dos
sequenciais, sem estimulação, de aldosterona casos59.
e cortisol nas veias supra-renais e na veia peri-
férica. No segundo protocolo a metodologia é Despiste de causas familiares
idêntica à excepção do uso de uma estimulação
adrenal obtida com uma perfusão contínua de Todos os doentes com HPA diagnosticado
50 µg/h de ACTH iniciada 30 minutos antes e antes dos 20 anos de idade, história familiar de
mantida durante todo o procedimento. Com HPA ou evidência de doença cerebro-vascular
esta perfusão contínua tenta-se minimizar os ligada à HTA numa idade jovem, devem ser
potenciais efeitos do stress na secreção da al- submetidos a estudo de causas genéticas de
dosterona quando sujeitos a colheitas seriadas HAP25. A primeira causa monogénica de HAP
e não simultâneas. Para evitar os possíveis erros a ser identificada foi o subtipo familiar tipo I.
de diluição nas colheitas das veias supra-renais O seu diagnóstico definitivo é genético e dada
deve ser sempre determinada uma relação en- a sua raridade (está presente em menos de 1%
tre a concentração plasmática de aldosterona das séries de HAP) não está aconselhado o seu
e cortisol de cada amostra. A obtenção desta despiste por rotina60. As suas manifestações
relação “corrigida” de aldosterona colhida no clínicas são altamente variáveis e apresentam
cateter da supra-renal que seja superior a 3 de forma característica uma secreção de aldos-
vezes o valor obtido perifericamente permite terona que é suprimível pelos glucocorticóides
confirmar o sucesso na cateterização das supra- (daí a sua outra designação de HAP suprimível
renais (superior a 10 vezes se for utilizado o pelos glucocorticóides). A realização de uma
protocolo com estimulação)10. A determinação prova de supressão pela dexametasona pode
de um gradiente superior a 4, no protocolo com ser sugestiva desta patologia (em especial se
estímulo, ou superior a 2, no protocolo mais obtivermos um valor de aldosterona da manhã
simples, entre os valores “corrigidos” de aldos- inferior a 4 ng/dL no 4º dia de supressão com

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2 mg/dia de dexametasona) e obviar assim o espironolactona25. Cerca de 5% dos doentes irão


estudo genético. desenvolver hipercaliémia e hipoaldosteronis-
Um segundo subtipo familiar é o denomina- mo durante o pós-operatório como consequên-
do subtipo familiar tipo II. Esta é uma entidade cia da supressão prolongada do SRA10. Para
de reconhecimento relativamente recente e sem evitar estas complicações deve ser aconselhada
base molecular totalamente esclarecida. É mais uma dieta rica em sódio durante os primeiros
frequente do que o subtipo familiar tipo I (cerca meses após a cirurgia.
de 7% dos HAP) e ao invés deste não apresenta
a distintiva supressão pela dexametasona61. Abordagem farmacológica
De notar que outras síndromes familiares
como o MEN tipo I podem também estar associa- Nos doentes com subtipos bilaterais de HAP
dos a adenomas produtores de aldosterona62. e naqueles em que a cirurgia é indesejável, ou
mesmo contra-indicada, a possibilidade de
uma cura clínica é virtualmente impossível. O
Opções terapêuticas fármaco de eleição para o tratamento farma-
cológico do HAP durante as últimas 4 décadas
O principal objectivo no tratamento do tem sido a espironolactona. Muitas vezes doses
hiperaldosteronismo primário é a prevenção baixas, entre 12,5 e 25 mg duas vezes por dia,
da morbilidade e mortalidade associada a esta são suficientes para controlar a HTA na IHA,
entidade. Neste sentido devemos tentar sempre com um efeito máximo atingido após várias
normalizar os níveis de aldosterona plasmática semanas ou meses de tratamento39. Dado o risco
ou, em alternativa, tentar bloquear o seu efei- associado de agravamento da função renal e da
to periférico. Desta forma estaremos não só a indução de hipercaliémia, os níveis de potássio e
normalizar os valores da tensão arterial, mas de creatinina devem ser monitorizados durante
igualmente a reduzir a taxa de complicações as primeiras 4 a 6 semanas de tratamento. A
cardiovasculares dependentes da acção directa monoterapia com este fármaco consegue con-
da aldosterona. trolar os valores tensionais em cerca de 50% dos
doentes, isto com doses médias inferiores a 100
Abordagem cirúrgica mg/dia64. A incidência de efeitos laterais ligados
ao efeito anti-androgénico da espironolactona
Nos doentes com um qualquer subtipo está dependente da dose diária. A ginecomas-
unilateral de HAP (APA, HPS e carcinoma da tia ocorre em apenas 7% dos homens tratados
supra-renal produtor de aldosterona) a opção com doses inferiores a 50 mg/dia e em 52%
terapêutica passa, sempre que possível, pela daqueles com doses superiores a 150 mg/dia65. A
adrenalectomia unilateral. A abordagem lapa- incidência de outros efeitos como a redução da
roscópica é actualmente a preferida dada a sua líbido e os distúrbios menstruais é desconhecida.
reduzida taxa de complicações pós-operatórias Dada a teratogenicidade deste fármaco, deverá
e ao menor tempo de internamento63. Após a ser sempre proposto um método contraceptivo
remoção cirúrgica da lesão devem ser suspensos eficaz a todas as mulheres com idade fértil. A
todos os fármacos antagonistas da aldosterona, utilização de diuréticos tiazídicos ou amiloride
assim como os suplementos de potássio. A cura em baixa dose em associação pode ajudar na
bioquímica deverá ser determinada ao 2º ou 3º resposta tensional e assim evitar o uso de doses
dia de pós-operatório através da determinação elevadas de espironolactona.
de uma nova RAR10. É de esperar que todos A eplenerona é um antagonista selectivo
os doentes apresentem melhoria dos valores da aldosterona que está liberto da maioria dos
tensionais e da hipocaliémia, mas somente 50 efeitos laterais presentes na espironolactona.
a 60% destes apresentarão de facto uma cura Apesar de não ter sido ainda utilizado em estu-
definitiva39. Os factores preditivos para esta dos comparativos de doentes com HPA, ela foi já
resposta clínica são a duracção da HTA (em aprovada no tratamento da HTA essencial e na
especial se for inferior a 5 anos), o valor da RAR insuficiência cardíaca pós-enfarte, apresentan-
e da aldosterona pré-operatória, assim como a do sempre um óptimo perfil de segurança66,67.
presença de uma resposta tensional positiva à A dose deve ser inicialmente de 25 mg duas

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vezes por dia e pode ser aumentada até um forma unilateral de HAP têm possibilidade de
máximo de 100 mg/dia. Dado o elevado custo cura devem ser propostos para adrenalectomia
a sua utilização deve estar reservada para os laparoscópica. Naqueles em que não é possível
doentes que sob espironolactona apresentem realizar a adrenalectomia, ou que apresentem
efeitos laterais intoleráveis. formas bilaterais de HAP, a opção terapêutica
O uso de outros anti-hipertensores é fre- mais correcta passa pelo uso de antagonistas
quente nos doentes com HAP não sujeitos a dos receptores mineralocorticóides (espironolac-
cirurgia. A razão para a existência de uma tona e eplenerona). Ambos os fármacos permi-
HTA resistente é muitas vezes motivada pela tem um melhor controlo tensional e redução do
manutenção de um estado de hipervolémia número de eventos cardiovasculares, pelo que a
facilmente controlado com o uso de uma asso- escolha entre estes dois deve ser feita com base
ciação de diurético tiazídico em doses baixas no custo e perfil de tolerância.
com um poupador de potássio.
Nos casos de HPA familiar tipo I o controlo
da HTA é obtido com a administração ao dei- Referências bibliográficas
tar da mínima dose de dexametasona oral (de
0,125 mg a 0,25 mg) necessária para suprimir 1. Simpson SA, Tait JF, Bush IE. Secretion of a salt-
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tugal é de cerca de 42% e constitui provavel- ground. II. Primary aldosteronism, a new clinical
mente o factor de risco mais importante para syndrome. J Lab Clin Med 1955; 45: 3-17.
a incidência elevada da doença cardio e cere- 4. Davis WW, Newsome HH Jr., Wright LD Jr., Ham-
brovascular no país68,69. Dado este panorama é mond WG, Easton J, Bartter FC. Bilateral adrenal
de esperar que, mesmo por estimativas baixas, hyperplasia as a cause of primary aldosteronism
o HAP esteja presente em cerca de 160.000 with hypertension, hypokalemia and suppressed
portugueses. Este tipo de HTA secundária é uma renin activity. Am J Med 1967; 42: 642-647.
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diagnóstico mais agressiva. 6. Sutherland DJ, Ruse JL, Laidlaw JC. Hypertension,
A forma mais simples de o fazer é realizar increased aldosterone secretion and low plasma
os rastreios em ambulatório utilizando a RAR renin activity relieved by dexamethasone. Can
em doentes que não suspenderam a medicação Med Assoc J 1966; 95: 1109-1119.
anti-hipertensora, à excepção dos diuréticos e 7. Lifton RP, Dluhy RG, Powers M, Rich GM, Cook
da espironolactona. Apesar de ser recente, o S, Ulick S, Lalouel JM. A chimaeric 11 beta-hy-
cálculo desta relação utilizando a concentra- droxylase/aldosterone synthase gene causes glu-
ção de renina é cada vez mais recomendado cocorticoid-remediable aldosteronism and human
internacionalmente. A confirmação do diagnós- hypertension. Nature 1992; 355: 262-265.
tico de HAP pode ser obtida através de várias 8. Stowasser M, Gordon RD, Tunny TJ, Klemm SA,
provas. A mais simples de todas é a prova de Finn WL, Krek AL. Familial hyperaldosteronism
sobrecarga salina endovenosa, razão pela qual type II: five families with a new variety of primary
é a preferida por muitos clínicos. Seguidamente, aldosteronism. Clin Exp Pharmacol Physiol 1992;
e apenas naqueles doentes que não tenham 19: 319-322.
quaisquer contra-indicações e estejam dispostos 9. Ganguly A. Primary aldosteronism. N Engl J Med
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Revista Portuguesa de Endocrinologia, Diabetes e Metabolismo | 2008 | 02 Artigos de Revisão
79 … 92

Tirotoxicose e amiodarona
Souto SB1, Carvalho-Braga D1,2, Matos MJ1,2, Freitas P1,2, Medina JL1,2
Serviço de Endocrinologia do Hospital de S. João, EPE; 2Faculdade de Medicina da Universidade do Porto
1

Correspondência:
Dra. Selma Souto › Serviço de Endocrinologia. Hospital de S. João, EPE › Alameda Prof. Hernâni Monteiro › 4200-319 Porto
E-mail: selmasouto@yahoo.com

RESUMO
A amiodarona é um antiarrítmico de classe III, importante no tratamento das taquiarritmias e
extremamente rico em iodo. No entanto, os seus efeitos secundários na glândula tiroidea e em
outros órgãos podem contrabalançar os efeitos benéficos a nível cardíaco. Causa frequentemente
alterações na função tiroidea, habitualmente aumento da tiroxina (T4) e da T3 reversa e diminui-
ção da triiodotironina (T3) sérica. Em alguns doentes tratados com amiodarona ocorre disfunção
tiroidea, tanto tirotoxicose como hipotiroidismo. A tirotoxicose induzida pela amiodarona (TIA) é
uma condição clínica rodeada de inúmeras dificuldades e incertezas no diagnóstico e na abordagem
terapêutica. Pode estar relacionada com a síntese e libertação excessiva de hormonas tiróideas (TIA
tipo 1) ou com um fenómeno de tiroidite destrutiva (TIA tipo 2), mas podem existir formas mistas
(TIA tipo 3). Na TIA tipo 1, o tratamento médico consiste na administração de tionamidas e per-
clorato de potássio, enquanto que no tipo 2 os glucocorticóides constituem a opção terapêutica.
Nas formas mistas o tratamento consiste na combinação terapêutica de tionamidas, perclorato de
potássio e glucocorticóides. Terapêuticas alternativas são a tiroidectomia, a terapêutica ablativa com
iodo e mais recentemente a rhTSH.

PALAVRAS-CHAVE
Amiodarona; Tirotoxicose; Hipertiroidismo; Tiroidite destrutiva; Glucocorticóides; Tionamidas; Per-
clorato de potássio.

SUMMARY
Amiodarone, a potent class III anti-arrhythmic drug, is an iodide-rich drug, widely used for the treat-
ment of tachyarrhythmias. However, its effects in thyroid gland and other organs can counterbalance
the beneficial effect at cardiac level. It often causes changes in thyroid function tests, typically an
increase in serum T4 and rT3 and a decrease in serum T3 concentration. In some amiodarone-treated
patients, there is overt thyroid dysfunction, either thyrotoxicosis or hypothyroidism are usually reported.
Amiodarone-induced thyrotoxicosis (AIT) is a clinical condition fraught with difficulties and uncertain-
ties both from the diagnostic and therapeutic standpoints. AIT can be caused by excessive hormone
synthesis and release (AIT type 1) or a destructive thyroid process (AIT type 2), but mixed forms fre-
quently exist (AIT type 3). In type 1 the main medical treatment consists of the simultaneous adminis-
tration of thionamides and potassium perchlorate, while in type 2 glucocorticoids are the most useful
therapeutic option. Mixed forms are the best treated with the combination of thionamides, potassium
perchlorate and glucocorticoids.

key-words
Amiodarone; Thyrotoxicosis; Hyperthyroidism; Destructive thyroiditis; Glucocorticoids; Thionamides;
Potassium perchlorate.

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Artigos de Revisão Souto sb, Carvalho-Braga d, Matos mj, Freitas p, Medina jl Revista Portuguesa de Endocrinologia, Diabetes e Metabolismo | 2008 | 02

Introdução TABELA 1. Efeitos secundários e complicações do tratamento com


a amiodarona

Incidência (%)
A amiodarona é um antiarrítmico de classe
III, extremamente rico em iodo, com múltiplos Microdepósitos na córnea 100

efeitos na despolarização e na repolarização Alterações gastrointestinais 80

do miocárdio, tornando-a num fármaco de Fotossensibilidade cutânea e


extrema importância no tratamento das ta- coloração cinza/azulado da pele 55-75
quiarritmias1 e em menor grau na insuficiência Sintomas neurológicos (ataxia, tremores,
neuropatia periférica) 48
cardíaca congestiva2. No entanto, os seus efeitos
Anomalias dos testes de função hepática* 25
secundários na glândula tiroidea e em outros
Disfunção tiroidea 14-18
órgãos podem contrabalançar os efeitos benéfi-
cos a nível cardíaco (Tabela 1)3. A amiodarona Disfunção pulmonar, pneumonite intersticial 10-13

pode induzir disfunção tiroidea em 14 a 18% Epididimite 11

dos doentes3, tanto tirotoxicose induzida pela Distúrbios cardíacos 2-3


amiodarona (TIA) mais prevalente nas áreas Ginecomastia Excepcional
com deficiência de iodo, como hipotiroidismo *Hepatite tóxica é rara. Adaptado de Martino e colaboradores 3

induzido pela amiodarona (HIA) relativamente


mais comum em áreas ricas em iodo3-10.
O diagnóstico de HIA não causa geralmente Farmacologia da
dificuldades, enquanto que o diagnóstico e a Amiodarona
abordagem da TIA é geralmente difícil, con-
troverso e desafiador9. A patogenia da TIA é A amiodarona é um derivado do benzo-
complexa e não está completamente esclareci- furano, muito rico em iodo (cerca de 37% da
da. No entanto, sabemos que pode ser causada molécula) e estruturalmente semelhante à
pela síntese e libertação excessiva de hormonas triiodotironina (T3) e à tiroxina (T4) (Fig. 1)3,17.
tiroideias induzida pela carga excessiva de iodo Pelo facto de cerca de 10% da molécula ser
em doentes com anomalias prévias da tiróide deiodinizada diariamente e a dose de manu-
(TIA tipo 1), ou pelo processo destrutivo da ti- tenção do tratamento com a amiodarona ser
róide em doentes com glândula tiroidea normal 200 a 600 mg/dia, aproximadamente 7 a 21
(TIA tipo 2)9-13. Existem ainda formas de TIA mg de iodo ficam disponíveis diariamente18.
tipo 3, misto ou indiferenciado3,10. Cerca de 20% Se considerarmos que a dose diária ideal de
dos doentes com TIA tipo 2 podem desenvolver iodo é de 150 a 200 μg/dia, o tratamento com
hipotiroidismo no decurso do
tratamento14,15, que pode ser Figura 1: Estrutura química da amiodarona, desetilamiodarona (DEA), tiroxina (T4), triio-
acelerado pela re-exposição totironina (T3) e T3 reversa

do doente a carga de iodo . 16

O objectivo deste trabalho


é fazer uma revisão da pato-
fisiologia das alterações da
função tiroidea causadas pela
amiodarona e dos métodos de
diagnóstico e da abordagem
terapêutica da TIA.

Adaptado de Martino e colaboradores3.

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Revista Portuguesa de Endocrinologia, Diabetes e Metabolismo | 2008 | 02 Artigos de Revisão

a amiodarona torna disponível 50 a 100 vezes TABELA 2. Farmacologia da amiodarona

a dose diária necessária3. Conteúdo em iodo: 37%


A amiodarona é distribuída em vários teci- Semi-vida: 40±10 dias
dos, incluindo fígado, tecido adiposo, pulmão, Distribuição tecidular: fígado > tecido adiposo > pulmão > rim >
e em menor grau pelos rins, coração, músculo- coração > músculo > tiróide > cérebro

esquelético, tiróide e cérebro, dos quais é liber- Concentração na tiróide: 14 μg/g


tada lentamente19. Foi efectuada uma análise Formas de metabolização: desalquilação, desiodinização, glu-
postmortem da concentração da amiodarona e coronoconjugação

do seu metabolito, a desetilamiodarona (DEA) Eliminação: excreção biliar e eliminação fecal (65-75%)
em alguns tecidos, tendo sido encontrada uma Adaptado de Bogazzi e colaboradores24

concentração na tiróide de 14 e 64 mg/Kg, de


amiodarona e DEA respectivamente, compa- TABELA 3. Mecanismos de acção da amiodarona na tiróide
rando com 316 e 76 mg/Kg no tecido adiposo Mecanismo de acção Efeito
e 391 e 2354 mg/Kg no fígado. A semi-vida Inibição da 5`- desiodase tipo I Aumento da T4
encontrada foi em média 52,5±23,7 dias para Diminuição da T3
a amiodarona e 61,2±31,2 dias para a DEA Aumento da rT3

em oito doentes após cessação do tratamento Inibição da 5`- desiodase tipo II Aumento da TSH

a longo prazo19. Em outro estudo, a semi-vida Inibição da entrada das hormonas Diminuição da produção
tiróideas nas células periférica de T3
média de eliminação foi de 40±10 dias para
a amiodarona e de 57±27 dias para a DEA20. Citotoxicidade tiróidea Liber tação das hormonas
tiroideas formadas previa-
Estes estudos permitem concluir que após a mente da glândula tiroidea
suspensão do tratamento, a amiodarona e
Interacção competitiva com os Hipotiroidismo-like a
os seus metabolitos ficam disponíveis por um receptores das hormonas tiróideas nível dos tecidos periféricos
longo período. T4 - levotiroxina; T3 - triiodotironina; rT3 - T3 reversa; TSH - tirotropina
A metabolização da amiodarona pode ser Adaptado de Bogazzi e colaboradores24

efectuada de diferentes formas, sendo a mais


relevante a desalquilação no seu metabolito amiodarona3,4,25,27 (Tabela 4). A concentração
activo, a DEA3. Cerca de 65 a 75% da amioda- sérica de T4 está frequentemente no limite
rona é eliminada na bílis e nas fezes18. superior do normal, mas pode aumentar, espe-
cialmente em doentes com doses diárias eleva-
das do fármaco28. A diminuição da T3 devido
Efeitos da amiodarona na a diminuição da produção a partir da T4 e o
tiróide aumento concomitante da rT3 sérica, devido
a diminuição da depuração é frequentemente
1. Testes da função tiroidea verificado duas semanas após a instituição do
tratamento29,30. O aumento da rT3 é geralmen-
Nos tecidos periféricos, em particular no te maior do que a diminuição da T33,28,31. Os
fígado, a amiodarona inibe a actividade da níveis plasmáticos da T3 estão habitualmente
5`-desiodase tipo I, que remove um átomo de no limite inferior do normal.
iodo da T4 para produzir a T3 e da T3 inversa A administração da amiodarona está igual-
(rT3) para produzir a 3,3`-diiodotironina (T2) mente associada a alterações dose e tempo-de-
(Tabela 3)21-24. A inibição da actividade da 5`- pendente na concentração sérica da tirotropina
desiodase tipo I pode persistir por
vários meses após a suspensão da TABELA 4. Testes de função tiróidea em doentes eutiroideus tratados com amiodarona
amiodarona3,4,25. Por outro lado, a Tratamento a curto prazo Tratamento a longo prazo
amiodarona inibe a entrada das
Tiroxina Aumentada Ligeiramente aumentadaa ou normal alta
hormonas tiroideas nos tecidos
Triiodotironina Diminuida Ligeiramente diminuída ou normal baixa
periféricos 26. Estes dois mecanismos
T3 reversa Aumentada Aumentada
contribuem para a elevação da
Tirotropina Aumentada a
Normalb
concentração da T4 e diminuição
da T3 em doentes eutiroideus com T3 sulfato Aumentada
Com doses elevadas de amiodarona (> 400 mg/dia); Fases de ligeira diminuição ou aumento da concentração de
a b

terapêutica a longo prazo com TSH sérica podem ocorrer. Adaptado de Bogazzi e colaboradores 24

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Artigos de Revisão Souto sb, Carvalho-Braga d, Matos mj, Freitas p, Medina jl Revista Portuguesa de Endocrinologia, Diabetes e Metabolismo | 2008 | 02

(TSH). Com uma dose diária de 200 a 400 mg amiodarona são mais comuns em doentes com
de amiodarona, a TSH é geralmente normal3, toxicidade tiroidea pela amiodarona.
enquanto que doses mais elevadas podem levar Em modelos roedores, foi demonstrado que
a aumento da TSH durante os meses iniciais do a amiodarona se associava a alterações ultra-es-
tratamento, geralmente seguido de um retorno truturais sugestivas de citotoxicidade da tiróide,
ao normal29,30. Acredita-se que as alterações distintas das alterações induzidas por excesso
na concentração da TSH sejam secundárias de iodo isoladamente38. Estas alterações incluem
a variações das hormonas tiroideas, porém a distorção da arquitectura da tiróide, apoptose,
amiodarona pode afectar directamente a síntese necrose, corpos de inclusão, lipofuscinogenese,
e a secreção da TSH a nível hipofisário32. O au- infiltração macrofágica e dilatação do retículo
mento da concentração sérica da TSH pode ser endoplasmático. Foram encontradas anomalias
o resultado da inibição da 5`- desiodase tipo II semelhantes em outros órgãos, nomeadamente
pela amiodarona ou pela DEA, que converte a fígado, pulmão, coração, pele, córnea, fibras
T4 em T3 a nível hipofisário33 (Tabela 3). Após a nervosas periféricas e leucócitos3. A acumulação
administração de amiodarona por via endove- em diferentes tecidos e a semi-vida longa da
nosa, a TSH é a primeira hormona a sofrer va- amiodarona e da DEA representam um factor
riações, mesmo no primeiro dia de tratamento25. importante para estas alterações19.
Os valores de TSH costumam normalizar aos 3
meses de tratamento com amiodarona34. 3. Efeitos da amiodarona na au-
Das alterações hormonais referidas, apenas toimunidade da tiróide
as variações da rT3 se correlacionam com os
níveis de amiodarona ou DEA circulantes e com O excesso de iodo libertado da amiodarona
a sua actividade antiarrítmica. pode estar envolvido na ocorrência de fenóme-
Durante o tratamento a longo prazo com nos de autoimunidade. Num estudo prospectivo
a amiodarona, os doentes clinicamente eutiroi- de Monteiro e colaboradores efectuado em 37
deus podem ter variações modestas, aumento doentes pós enfarte agudo do miocárdio, veri-
ou diminuição da TSH sérica, possivelmente ficou-se aparecimento de novo de anticorpos
reflectindo episódios de hipotiroidismo ou anti-peroxidase em 6 de 13 doentes medicados
hipertiroidismo subclínico, respectivamente com amiodarona e ausência destes anticorpos
(Tabela 4)24. no grupo placebo39. Estes anticorpos foram
detectados precocemente após instituição da
2. Citotoxicidade tiroidea amiodarona e eram indetectáveis 6 meses
após a suspensão. Este fenómeno foi atribuí-
Chiovato e colaboradores demostraram que do a efeitos tóxicos precoces e transitórios da
a amiodarona tem efeito tóxico directo nas amiodarona na tiróide, que levam à produção
células tiroideas, e que o excesso de libertação de autoantigénios e subsequentes reacções de
de iodo pode contribuir para esse efeito35. No autoimunidade. No entanto, estes resultados
entanto, a DEA tem uma concentração intrati- não foram confirmados em estudos posterio-
róidea mais elevada19, sendo mais tóxica para res6,40-43. Safran e colaboradores não encon-
a tiróide do que a amiodarona7,36. traram aumento da incidência de anticorpos
Vitale e colaboradores demonstraram que antitiroideus em 47 doentes submetidos a trata-
nas células tiroideas, o excesso de iodo induz a mento a curto e longo prazo com amiodarona
apoptose através de um mecanismo indepen- em áreas geográficas com diferentes consumos
dente do p53 envolvendo stress oxidativo e que de iodo40. Foresti e colaboradores encontraram
está associado à libertação de radicais livres de autoanticorpos tiroideus positivos em apenas
oxigénio37. Porém, permanece por esclarecer o 2 de 23 doentes medicados com amiodarona,
modo de como estes mecanismos contribuem semelhante ao número de doentes com trata-
para as anomalias histopatológicas da tiróide mento com outros antiarrítmicos43. Porém, em
associadas ao tratamento com amiodarona. indivíduos susceptíveis, a amiodarona pode
Permanece igualmente por esclarecer porque precipitar ou exacerbar a autoimunidade pré-
é que as anomalias não tiróideas associadas à existente44.

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Revista Portuguesa de Endocrinologia, Diabetes e Metabolismo | 2008 | 02 Artigos de Revisão

4. Interacção da amiodarona e 18 meses e 0,335 aos 48 meses6. Num estudo


dos seus metabolitos com os prospectivo de Martino e colaboradores, dois
receptores das hormonas ti- doentes desenvolveram TIA aos 12 e 29 meses
roideas após início do tratamento52. Mariotti e colabo-
radores observaram TIA após 21 a 47 meses de
Para além da inibição da actividade da 5`- tratamento53. Não há relação entre a dose diária
desiodase tipo I e II, a amiodarona pode induzir ou cumulativa de amiodarona e a duração do
uma condição “hipotiroidismo-like” a nível dos tratamento com o risco de desenvolver TIA48,49,54.
tecidos periféricos3,24,45. Esta acção é atribuída à Não existem parâmetros que predizem a TIA6,
inibição competitiva da ligação da T3 aos seus no entanto, a ausência de resposta da TSH à
receptores, pela DEA e à redução do número dos administração de TRH pode representar um
receptores β adrenérgicos do miocárdio3,45. factor de risco55.
A TIA tipo 1 constitui a forma clássica de tiro-
toxicose induzida pelo excesso de iodo, que leva
TIROTOXICOSE INDUZIDA PELA a um aumento da síntese hormonal, tratando-
AMIODARONA (TIA) se de uma verdadeira forma de hipertiroidismo
associada a tiróide anormal14. O tipo 2 é uma
A TIA é uma situação potencialmente forma de tiroidite destrutiva causada pelo iodo,
grave e de difícil abordagem terapêutica pela pela amiodarona ou pela DEA, desenvolvendo-
complexidade da identificação do mecanismo se na maioria dos casos na tiróide normal14. No
patofisiológico envolvido. Contrariamente às tipo 3 existe patologia tiroidea prévia, hipertiroi-
restantes patologias da tiróide, é mais frequente dismo induzido pelo iodo e concomitantemente
nos indivíduos do sexo masculino do que do destruição dos folículos tiroideus.
sexo feminino (ratio 3:1)3,8,9. Trata-se de uma Numa revisão de Bogazzi e colaboradores,
forma de tirotoxicose associada a maior mor- efectuada ao longo de 27 anos, foi verificado
talidade e a eventos cardiovasculares graves46,47. que o tipo 1 era a forma mais frequente, re-
Estudos recentes revelam que cerca de 31,6% presentando cerca de 60% dos casos nos pri-
dos doentes com TIA desenvolvem eventos meiros anos56. Porém, actualmente o tipo mais
cardiovascular major, particularmente aqueles prevalente é o tipo 2, representando 90% dos
com fracção de ejecção do ventrículo esquerdo casos14,56. A mudança deve-se provavelmente
(FEVE) < 45%. Este dado não é surpreendente ao facto de actualmente, os doentes candida-
dado que a TIA e a diminuição da FEVE são dois tos à terapêutica com amiodarona serem mais
factores de risco independentes para eventos frequentemente rastreados previamente quanto
cardiovasculares graves48. No referido estudo à existência de patologia tiroidea14. Por outro
a mortalidade cardiovascular foi igualmente lado, a disponibilidade de outros antiarrítmi-
elevada (cerca de 12,6%). cos levou a uma diminuição da utilização da
Esta patologia pode desenvolver-se na tirói- amiodarona14. A prevalência dos dois tipos
de normal ou com anomalia pré-existente. Num parece ainda depender do conteúdo ambiental
estudo efectuado numa área com deficiência de em iodo57.
iodo, verificou-se nos doentes com TIA uma pre-
valência de 29% de bócio difuso, 38% de bócio a) Apresentação clínica
nodular e 33% de doentes com tiróide aparen-
temente normal49. A TIA na tiróide normal foi A TIA pode desenvolver-se meses ou anos
igualmente verificada em estudos efectuados após o início da terapêutica6,53,58, bem como me-
em áreas com iodo suficiente6,29,50,51. ses após a suspensão da amiodarona 56. Apesar
O efeito da amiodarona e dos seus meta- da dose cumulativa parecer ser irrelevante para
bolitos pode persistir por um longo período, o risco de desenvolver TIA, os doentes com TIA
de modo que a TIA se pode desenvolver preco- tipo 2 estão mais frequentemente associados a
cemente após a instituição da terapêutica ou doses mais elevadas de amiodarona56.
anos após o tratamento49. Trip e colaboradores As manifestações clínicas são semelhantes
observaram uma média de 3 anos para ocor- nos três tipos de TIA17. Os sintomas clássicos
rer TIA, com uma probabilidade de 0,025 aos de hipertiroidismo, tais como palpitações e

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taquicardia, podem estar ausentes devido à A TIA tipo 1 é caracterizada pela presença
acção antiadrenérgica da amiodarona, e pos- de patologia tiróidea prévia, como bócio difuso
sivelmente pelo bloqueio da ligação da T3 aos ou nodular, enquanto que o tipo 2 surge habitu-
seus receptores pela DEA17,59. Nos doentes mais almente numa tiróide normal10. O doseamento
idosos a primeira manifestação pode ser a perda de anticorpos antitiroideus permite identificar
de peso17. doença autoimune da tiróide a favor do tipo 110.
Em todos os casos, ocorre agravamento No entanto, na maioria dos casos de TIA, não
das manifestações cardíacas, mais frequente- dispomos de ecografia tiroidea prévia nem de
mente exacerbação da fibrilhação auricular17. doseamentos prévios de autoanticorpos.
O aumento do consumo de oxigénio devido De um modo geral, a ecografia da tiróide
à tirotoxicose pode levar a angina instável e com Doppler e a cintigrafia tiroidea com curva
enfarte do miocárdio em doentes com doença de fixação do iodo são considerados os melhores
cardíaca isquémica. métodos para distinguir os diferentes tipos de
Nos doentes com TIA tipo 1, podem estar TIA8,62.
presentes sinais e sintomas típicos da doença
tiroidea preexistente como bócio multinodular Ecografia da tiróide com Doppler
ou difuso3. Ocasionalmente existe febre e dor Estudos efectuados em doentes com TIA,
na tiróide60. sugerem que a ecografia da tiróide com doppler
é um exame eficaz no diagnóstico diferencial
b) Métodos de diagnóstico dos tipos de TIA3,8,9,24,63, dado que permite avaliar
em tempo real o fluxo sanguíneo intratiroideu,
O diagnóstico de TIA é efectuado com avaliando a função e a morfologia da glându-
base na suspeita clínica, desde o quadro de la. Nos doentes com TIA tipo 1 verifica-se que
sintomatologia habitual de hipertiroidismo ao o fluxo sanguíneo intratiroideu é normal ou
reaparecimento de uma arritmia previamente elevado, traduzindo um aumento da produção
controlada com amiodarona61, sendo posterior- das hormonas tiroideas, enquanto que na TIA
mente necessário a confirmação bioquímica. tipo 2 encontra-se marcadamente diminuído
Laboratorialmente, verifica-se elevação dos ou ausente3,8,9,24,63.
valores da T3 e T4 séricas, com diminuição da Nos casos de TIA tipo 1 é necessário avaliar
TSH para níveis de hipertiroidismo17. Outros o fluxo sanguíneo nodular e extranodular, pela
doseamentos laboratoriais tais como o aumento importância no diagnóstico diferencial da do-
da tiroglobulina e da SHBG são raramente úteis ença tiróidea associada à TIA8. Na doença de
na prática clínica dado a falta de especificidade Graves existe um padrão de hipervasculariza-
destes marcadores3. ção do parênquima e no bócio tóxico multino-
Após estabelecer o diagnóstico de TIA de- dular existe hipervascularização perinodular
vem ser feitos todos os esforços para identificar e/ou nodular.
qual dos tipos de TIA é o responsável pelo estado
tirotóxico (Tabela 5).

TABELA 5. Classificação da tirotoxicose induzida pela amiodarona

Tipo 1 Tipo 2

Bócio/Autoanticorpos tiróideus Frequentemente presente Usualmente ausente

Cintigrafia da tiróide com curva de fixação Baixo/normal/aumentado a


Baixo/suprimida

IL-6 séricab Ligeiramente aumentada Marcadamente aumentada

Ecografia da tiróide com doppler Fluxo sanguíneo aumentado Normal ou diminuído

Resposta terapêutica às tionamidas Sim Não

Resposta terapêutica ao perclorato Sim Não

Resposta terapêutica aos glucocorticóides Provavelmente não Sim

Hipotiroidismo subsequente Não Possível


a
Na maior parte das vezes baixo nos EUA e zonas com deficiência de iodo.
b
Na TIA tipo misto a IL-6 sérica está marcadamente elevada. Adaptado de Martino e colaboradores3

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Cintigrafia da tiróide com curva de fixa- a membrana mitocondrial. Com base nestas
ção de iodo às 24 horas considerações, Piga e colaboradores avaliaram
Nos doentes com anomalias prévias da 20 doentes, cujo diagnóstico inicial de TIA foi
tiróide (TIA tipo 1), verifica-se uma captação efectuado com base na clínica, bioquímica e
de iodo radioactivo às 24 horas na cintigrafia em estudos imagiológicos, tendo em 8 doentes
da tiróide, superior a 8% e em alguns casos sido efectuado o diagnóstico de TIA tipo 1 e em
valores de captação muito elevados (superiores 12 doentes TIA tipo 210,17. O diagnóstico final
a 50-60%)64,65. Em áreas geográficas com iodo foi baseado na resposta terapêutica. Todos os
suficiente, a captação é na maioria dos casos doentes com diagnóstico inicial de TIA tipo 1
muito baixa64. Isto sugere que nos doentes com foram medicados com metimazol (40 mg/dia)
distúrbios prévios da tiróide e residentes numa e perclorato de potássio (1 g/dia, máximo 45
área com deficiência de iodo, a tiróide pode não dias) e posteriormente apenas com metimazol.
se adaptar à carga excessiva de iodo, resultando Os doentes com TIA tipo 2 foram tratados com
numa captação inapropriadamente elevada na prednisolona (30-40 mg/dia). Dois doentes
cintigrafia. inicialmente classificados como tipo 1 neces-
Nos doentes com hipertiroidismo destrutivo sitaram de terapêutica com corticóides e dois
(TIA tipo 2) verifica-se uma captação de iodo às doentes classificados como tipo 2 precisaram de
24 horas na cintigrafia da tiróide muito baixa, metimazol e perclorato de potássio; estes qua-
habitualmente 2 a 3%64,65. tro doentes foram posteriormente classificados
Apesar de em todos os casos de TIA estar como TIA tipo 3.
indicado realizar a cintigrafia da tiróide com Todos os doentes foram submetidos a uma
curva de fixação do iodo, este método pode cintigrafia da tiróide com MIBI antes de inicia-
não ser suficiente na diferenciação de TIA tipo rem qualquer tratamento10. Verificou-se reten-
1 e 2. ção difusa sugestiva de hiperfuncionamento nos
seis doentes com diagnóstico final de TIA tipo 1;
Doseamento da IL-6 enquanto que não se verificou qualquer capta-
A IL-6 sérica constitui um marcador, em- ção nos 10 doentes com diagnóstico final de TIA
bora não específico, de destruição dos folículos tipo 2. Dos quatro doentes com diagnóstico de
tiroideus12,66. Alguns estudos revelam aumento TIA tipo 3, verificou-se que dois tinham capta-
significativo da IL-6 na TIA tipo 2, e dosea- ção persistentemente fraca e dois tinham rápido
mentos normais ou ligeiramente elevados na washout, em cerca de dez minutos. A captação
TIA tipo 19. Porém, outras situações podem ligeira ou transitória do MIBI observada nestes
causar elevação da IL-6, nomeadamente após doentes pode ser explicada pela destruição ti-
o tratamento com iodo, injecção intranodular roidea incompleta associada a diferentes graus
de etanol, biópsia aspirativa de agulha fina67 e de hiperfunção tecidular10.
nos casos de tiroidite subaguda68. Quando os resultados obtidos com os proce-
dimentos imagiológicos foram comparados, os
Cintigrafia da tiróide com SestaMIBI autores constataram que a cintigrafia com MIBI
Recentemente foi publicado um estudo de foi o único procedimento que individualmente
Piga e colaboradores sobre a utilização da cin- foi capaz de diferenciar os tipos 1 e 2. O MIBI
tigrafia com Tc99m-sestaMIBI (MIBI) no diag- foi superior à ecografia tiroidea com Doppler
nóstico diferencial dos tipos de TIA10, 17. O MIBI é no diagnóstico diferencial dos tipos de TIA. Três
um catião lipofílico monovalente que apresenta doentes com TIA tipo 2 apresentavam alterações
captação elevada nas células epiteliais com no Doppler sugestivas de tipo 1 e três doentes
elevado número de mitocôndrias10,69. Por este com TIA tipo 3 tinham alterações no Doppler
motivo, o aumento da captação do MIBI pode sugestivas de tipo 2. Verificou-se ainda neste
ser empregue para identificar tecido tiroideu estudo, que a cintigrafia da tiróide com iodo e
hiperfuncionante e acredita-se que este fenóme- a cintigrafia com Tc99m não foram capazes de
no resulte do elevado número de mitocôndrias distinguir as diferentes formas de TIA.
nas células hipermetabólicas. Por outro lado, a Este estudo evidencia que a cintigrafia
acumulação do MIBI está reduzida ou ausente com MIBI pode ser usada para o diagnóstico
no processo apoptótico ou necrótico envolvendo diferencial entre TIA tipo 1 e 210. No entanto,

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é preciso algum cuidado na interpretação dos terapêutica, geralmente são necessárias doses
resultados do estudo de Piga e colaboradores. mais elevadas de metimazol (40 a 60 mg) ou
Uma importante limitação do estudo é o peque- propiltiouracilo (600 a 800 mg) para restabe-
no número de doentes com diagnóstico de TIA lecer o eutiroidismo. Para inibir a captação de
tipo 1 (apenas seis doentes), dado que é mais iodo pela tiróide pode usar-se o perclorato de
frequente encontrar formas tipo indeterminado potássio (KClO4)71.
no grupo inicialmente diagnosticado como tipo O sucesso terapêutico da TIA com metima-
1. Outro aspecto importante é que o MIBI foi zol e KClO4 em doses diárias de 40 e 1000 mg
positivo em dois doentes com diagnóstico inicial respectivamente, foi reportado pela primeira
de TIA tipo 2, que necessitaram de metimazol e vez por Martino e colaboradores72. Neste estudo,
perclorato de potássio, uma vez que o corticóide a terapêutica combinada permitiu um rápido
não foi eficaz. controlo do hipertiroidismo quando compa-
Aparentemente achados opostos aos estu- rado com o metimazol isoladamente, sendo
dos de Piga e colaboradores foram encontrados este resultado confirmado por outros grupos
por Hiromatsu e colaboradores. Os últimos de estudo50,73. Porém, o tratamento combinado
verificaram captação significativa do MIBI na esteve associado a aumento transitório dos
fase inicial da tiroidite subaguda, a forma mais níveis de hormonas tiroideas e da excreção
comum de tirotoxicose destrutiva70. Porém, esta urinária de iodo72. A utilização de KClO4 pode
captação estava relacionada com um processo ainda, associar-se a fenómenos de toxicida-
inflamatório severo que conduz à formação de de, particularmente agranulocitose, anemia
granuloma na tiroidite subaguda e era inde- aplástica e alterações da função renal. Trotter
pendente da destruição das células foliculares e colaboradores compararam a toxicidade das
da tiróide. tionamidas e do perclorato de potássio, verifi-
cando que a agranulocitose ocorria em 0,3% de
1200 doentes tratados com KClO4 comparando
c) Tratamento com 0,94% de 10131 doentes tratados com
tionamidas74. No entanto, com a utilização de
A eficácia do tratamento na TIA é estrita- uma dose diária de KClO4 superior a 1 gr, a in-
mente dependente do mecanismo patofisiológi- cidência de toxicidade aumenta para 16 a 18%.
co responsável pela tirotoxicose, sendo crucial a Parece prudente suspender o KClO4 ao atingir
identificação do tipo de TIA para uma resposta o eutiroidismo, que ocorre habitualmente às
clínica adequada. Vários regimes terapêuticos 6 semanas. A realização de períodos curtos de
têm sido propostos para a TIA (Tabela 6). tratamento, pode resultar em elevado risco de
Na TIA tipo 1 o objectivo terapêutico con- tirotoxicose recorrente75.
siste por um lado, em bloquear a organificação O carbonato de lítio é um fármaco que
do iodo e a síntese das hormonas tiroideas e por tem revelado utilidade no tratamento da TIA,
outro, diminuir a entrada de iodo na tiróide pela sua capacidade em bloquear a síntese e
e as reservas de iodo intratiroideu24. Uma vez a libertação das hormonas tiroideas76. A sua
que a tiróide rica em iodo é mais resistente à adição em doses de 900 a 1300 mg/dia ao pro-
piltiouracilo (300 mg/dia), por 4 a 6 semanas,
resultou numa diminuição do tempo necessário
TABELA 6. Opções terapêuticas na TIA
para o eutiroidismo, em pequenas séries de do-
Tionamidas em doses elevadas (metimazol, propiltiouracilo)
entes77. A normalização das hormonas tiroideas
Metimazol associado ao perclorato de potássio (KClO4)
circulantes ocorreu três semanas mais cedo com
Propiltiouracilo associado ao carbonato de lítio a terapêutica combinada do que com o pro-
Ácido iopanóico piltiouracilo isoladamente77. No entanto, estes
Iodo radioactivo (em doentes com captação suficiente de iodo) resultados requerem confirmação em estudos
Tiroidectomia total envolvendo maior número de doentes.
Plasmaferese Relativamente ao ácido iopanóico, é um
Corticosteróides agente com elevado conteúdo em iodo e com
TSH recombinante humana (rhTSH)
potente efeito inibidor da 5`-desiodase, resul-
Adaptado de Piga e colaboradores17 tando numa marcada diminuição da conversão

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periférica da T4 em T378. Quando administrado para doentes com TIA tipo 2, com envolvimento
em doses de 500 mg duas vezes por dia, leva à cardíaco ligeiro a moderado17. Os doentes com
rápida normalização da concentração da T3 condições cardíacas graves e com baixa proba-
com melhoria dos sintomas de tirotoxicose, bilidade de responderem aos glucocorticóides
particularmente a nível cardíaco. Infelizmente, devem ser alvo de terapêuticas alternativas86.
não tem qualquer actividade na produção da À semelhança da tiroidite subaguda, a TIA
T4 e o tratamento a longo prazo pode resultar pode recorrer, sendo necessário novo ciclo de
numa elevada frequência de recorrência do corticoterapia3,83.
hipertiroidismo79. Com base neste propósito, Como sabemos, alguns doentes desenvol-
Bogazzi e colaboradores propuseram um trata- vem formas de TIA tipo misto, que devem ser
mento de curta duração com ácido iopanóico tratadas com terapêutica combinada, sendo o
numa dose de 1 gr por dia durante cerca de 13 metimazol associado ao KClO4 e à prednisolona
dias, tendo-se verificado um rápido controlo do o melhor tratamento3,14.
hipertiroidismo numa pequena série de doentes Uma questão importante na abordagem da
com TIA tipo 2, posteriormente submetidos a TIA é a suspensão da amiodarona. A amiodaro-
tiroidectomia total80. na é um antiarritmico eficaz e em alguns casos
A plasmaferase tem sido empregue para é indispensável para o controlo das arritmias,
controlar formas graves de TIA81. No entanto, tornando a sua suspensão impossível. Por ou-
a eficácia deste procedimento, frequentemente tro lado, a carga de iodo e a concentração de
perigoso em doentes com patologia cardíaca, amiodarona e dos seus metabolitos persiste
é transitória e a diminuição das hormonas meses após a descontinuação do fármaco.
tiroideas circulantes é rapidamente seguida da Finalmente, a amiodarona pode proteger o
exacerbação da tirotoxicose82. coração das hormonas tiroideas circulantes em
Tem sido verificado que o tratamento com excesso, devido ao seu efeito directo antitiroideu
glucorticóides (isoladamente ou em associação nos tecidos periféricos. Logo a descontinuação
com fármacos antitiroideus ou plasmaferase) da amiodarona pode exacerbar uma condição
é o mais eficaz nos casos de TIA tipo 2, pro- de “heart thyrotoxicosis”50,86 com agravamento
vavelmente devido ao processo inflamatório dos sintomas cardíacos3,73. No entanto, devido
associado a esta condição3,12,83,84. Na maioria à elevada dificuldade em restabelecer o eutiroi-
dos casos, doses iniciais de prednisolona 40 a dismo com a administração da amiodarona, a
60 mg/dia ou dexametasona 3 a 6 mg/dia du- suspensão do fármaco deve ser sempre pensada
rante 2 meses tem sido eficaz na normalização como parte integral da terapêutica dos doentes
da função tiróidea3,32,85. O tempo de resposta à com TIA.
corticoterapia depende dos níveis basais das Em doentes com TIA resistentes ao trata-
hormonas tiroideas e do volume da tiróide14,86. mento médico e/ou em doentes com doença
Foi sugerido que doentes com normal volume cardíaca severa que não podem interromper a
da tiróide e concentração sérica de T4 livre < amiodarona ou que necessitam da sua re-intro-
25 pg/mL têm elevada probabilidade de atin- dução, a tiroidectomia total pode ser proposta
gir o eutiroidismo em 30 dias, enquanto que após correcção da tirotoxicose17,84,87. Contudo, as
aqueles com bócio e T4 livre > 25 pg/mL per- condições cardíacas e o estadio tirotóxico podem
manecem tirotóxicos por um longo período86. aumentar o risco cirúrgico ou mesmo excluir a
Uma pequena minoria de doentes (cerca de possibilidade da cirurgia em alguns doentes.
20%) permanece hipertiroideu após 2 meses de Foram descritos cerca de 30 doentes com TIA que
tratamento, sendo nestes casos recomendado foram submetidos a tiroidectomia, com controlo
manter a corticoterapia por 4 a 5 meses17. A da tirotoxicose e sem mortalidade51,88,89.
identificação precoce dos casos de resistência à A administração de iodo radioactivo é o
corticoterapia tem implicações importantes na tratamento de escolha definitivo para a TIA
abordagem da TIA, especialmente nos doentes tipo 1, uma vez que após a suspensão da
com distúrbios cardíacos graves que requerem amiodarona e do tratamento combinado de
rápida correcção do estado tirotóxico. tionamidas e KClO4, a captação de iodo está
O tratamento com glucocorticóides isola- aumentada para valores adequados17. Existem
damente representa o tratamento de escolha casos descritos por Hermida e colaboradores90

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e Iskandar e colaboradores91 em que foi efec- Figura 2A. Algoritmo de tratamento da tirotoxicose induzida pela
amiodarona nos doentes em que a amiodarona pode ser suspensa.
tuada com sucesso terapêutica ablativa com
AM: amiodarona; KCLO4: perclorato de potássio; IU: iodo urinário;
iodo radiactivo em doentes com TIA tipo 1, os PDN: prednisolona; LT4: levotiroxina
quais apresentavam captação de iodo > a 10%
às 24 horas na cintigrafia. Esta abordagem é
segura, uma vez que os doentes desenvolvem
um hipotiroidismo iatrogénico, bem controlado
pela administração de levotiroxina, permitindo
assim a reintrodução da amiodarona17,90. Uma
vez que a TSH exógena aumenta a captação
de iodo nos doentes com TIA, a utilização de
TSH recombinante humana para aumentar a
eficácia do 131I foi avaliada90,92.

Alguns autores consideram que os doentes


com baixa captação de iodo na cintigrafia,
observada geralmente na TIA tipo 2, têm con-
tra-indicação para a terapêutica ablativa com Adaptado de Piga e colaboradores17

iodo24. No entanto, um estudo recente publicado


por Gursoy e colaboradores, efectuado em quatro
doentes com TIA tipo 2, sugere que a utilização (figura 2B), a única solução é a tiroidectomia
de doses elevadas de iodo radiactivo (ajustada total após um curto tratamento com ácido
à captação de iodo às 24 horas na cintigrafia iopanóico adicionado às tionamidas, KClO4,
e ao peso da tiróide) pode ser um tratamento glucocorticóides.
alternativo na ablação da tiróide neste tipo de
TIA87. Porém são necessários estudos com maior
número de doentes para confirmação destes
resultados.
Quando se pondera a realização de terapêu- Figura 2B: Algoritmo de tratamento da tirotoxicose induzida pela
tica ablativa com iodo temos de ter em conta o amiodarona nos doentes em que é necessário continuar o trata-
mento com amiodarona. AM: amiodarona; KCLO4: perclorato de
risco de tiroidite rádica pela libertação das re-
potássio; AI: ácido iopanóico; LT4: levotiroxina
servas de hormonas tiroideas para a circulação,
resultando em agravamento do hipertiroidismo
e mais raramente tempestade tiroideia87.
Piga e colaboradores publicaram recen-
temente um algoritmo de tratamento da TIA
(Fig. 2)17. Neste algoritmo sugerem que quando
a amiodarona pode ser suspensa (Fig. 2A) é
fundamental identificar o tipo de TIA. Na TIA
tipo 1 o tratamento é efectuado com tionami-
das e KClO4, na TIA tipo 2 com corticoterapia
e nas formas mistas com tionamidas, KClO4 e
glucocorticóides. Nos doentes com TIA tipo 1,
o controlo definitivo do hipertiroidismo pode
ser obtido com terapêutica com 131I, enquanto
que a maioria dos doentes com TIA tipo 2,
permanecem eutiroideus após a interrupção de
glucocorticóides. Uma minoria destes doentes
desenvolve hipotiroismo, com necessidade de
substituição com levotiroxina. Nos casos em que
é necessário manter o tratamento com a amio-
darona ou na falência do tratamento médico Adaptado de Piga e colaboradores17

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Conclusão 9. Bartalena L, Bogazzi F, Martino E. Amiodarone-


induced thyrotoxicosis: a difficult diagnostic and
Muitas dúvidas permanecem por esclarecer therapeutic challenge. Clin Endocrinol (Oxf) 2002;
quanto ao diagnóstico diferencial de TIA e quan- 56(1): 23-4.
to à sua abordagem terapêutica. A ecografia da 10. Piga M et al. The usefulness of 99mTc-sestaMIBI
tiróide com doppler permanece um método ex- thyroid scan in the differential diagnosis and man-
tremamente útil no diagnóstico dos tipos de TIA, agement of amiodarone-induced thyrotoxicosis.
no entanto parece que isoladamente, a cintigra- Eur J Endocrinol 2008; 59(4): 423-9.
fia com MIBI constitui o método mais promissor. 11. Bartalena L et al. Diagnosis and management of
Porém, são necessários estudos multicêntricos amiodarone-induced thyrotoxicosis in Europe: re-
com um número significativo de doentes para sults of an international survey among members of
confirmar estes estudos preliminares. the European Thyroid Association. Clin Endocrinol
À luz dos conhecimentos actuais, o trata- (Oxf) 2004; 61(4): 494-502.
mento mais eficaz da TIA são as tionamidas 12. Bartalena L et al. Treatment of amiodarone-in-
associadas ao KClO4 na TIA tipo 1, os gluco- duced thyrotoxicosis, a difficult challenge: results
corticóides no tipo 2 e o tratamento triplo no of a prospective study. J Clin Endocrinol Metab
tipo 3. No entanto, estudos recentes apontam a 1996; 81(8): 2930-3.
terapêutica ablativa com iodo como um trata- 13. Brennan MD et al. Nongoitrous (type I) amio-
mento promissor, porém estes dados têm de ser darone-associated thyrotoxicosis: evidence of
confirmados em estudos posteriores. follicular disruption in vitro and in vivo. Thyroid
1995; 5(3): 177-83.
14. Tanda ML et al. Amiodarone-induced thyrotoxico-
Bibliografia sis: something new to refine the initial diagnosis?
Eur J Endocrinol 2008; 159(4): 359-61.
1. Reiffel JA et al. A consensus report on antiarrhyth- 15. Roti E et al. Thyrotoxicosis followed by hypothy-
mic drug use. Clin Cardiol 1994; 17(3): 103-16. roidism in patients treated with amiodarone. A
2. Doval HC et al. Randomised trial of low-dose amio- possible consequence of a destructive process in
darone in severe congestive heart failure. Grupo de the thyroid. Arch Intern Med 1993; 153(7): 886-
Estudio de la Sobrevida en la Insuficiencia Cardiaca 92.
en Argentina (GESICA). Lancet 1994; 344(8921): 16. Roti E et al. Iodine-induced subclinical hypothy-
493-8. roidism in euthyroid subjects with a previous
3. Martino E et al. The effects of amiodarone on the episode of amiodarone-induced thyrotoxicosis. J
thyroid. Endocr Rev 2001; 22(2): 240-54. Clin Endocrinol Metab 1992; 75(5): 1273-7.
4. Harjai KJ, Licata AA. Effects of amiodarone on 17. Piga M et al. Amiodarone-induced thyrotoxicosis. A
thyroid function. Ann Intern Med 1997; 126(1): review. Minerva Endocrinol 2008; 33(3): 213-28.
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5. Martino E et al. Environmental iodine intake and studies during amiodarone treatment. J Clin En-
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