Podemos assim verificar que, no conjunto da cidade, existiam
diversos modos de utilização de 'crivos' e que o exemplar
conservado da 'Casa das Gelosias', embora notável pelo recurso sistemático aqueles elementos, não corresponderia à forma mais comum da sua aplicação.
Podemos mesmo tentar estabelecer uma tipologia:
T.1 - Janelas de crivos – Constituíam gelosias individuais, aplicadas em
aberturas previamente construídas em fachadas de alvenaria, cantaria ou tabique. Podiam ser montadas com chumbadouros por dentro das ombreiras (T.1.1) ou constituir uma estrutura autónoma, suspensa por dois ganchos metálicos cravados no exterior da padieira (T.1.2). Frequentemente possuíam uma bandeira (transparente, de vidros?) e duas folhas em caixilho de crivos que abriam para a rua.
T.2 - Varandas de crivos – Correspondiam a utilização de estruturas de
madeira ripada em varandas de sacada. Podiam constituir simplesmente uma varanda com guarda em painéis de crivos (T.2.1) ou ser uma estrutura em 'caixa' com caixilhos de gelosias a abrir para a rua e aplicada quer em varandas isoladas (geralmente de uma só porta) (T.2.2), quer em varandas corridas ao longo de toda a fachada (de varias portas, portanto) (T.2.3). Normalmente, estas varandas possuíam uma guarda com balaústres de madeira torneada ou de ferro.
T.3 - Fachadas de crivos – Ainda que a utilização de caixas de gelosias
em dois pisos consecutivos com varandas corridas (T.2.3) possa formar 'fachadas de crivos' (T.3.1), existiam casas em que toda a fachada era constituída por uma estrutura de madeira com painéis de gelosias articulados e que não possuíam uma segunda fachada em alvenaria ou tabique mas simplesmente um sistema de portadas de madeira (T.3.2). A actual 'Casa dos Crivos' e um exemplo deste ultimo tipo de fachada de gelosias.
E podemos também observar o seguinte:
– Os sistemas de gelosias eram sobretudo utilizados nas fachadas das casas viradas para as ruas estreitas da cidade e praticamente inexistentes em redor das praças. – Existia uma presença maior de crivos nas ruas 'elegantes' e antigas (do seculo XVI e XVII), como a rua do Souto ou a rua Nova (actual rua de D. Diogo de Sousa), do que nas ruas pobres ou mais recentes (abertas ja no século XVIII). – Em muitas casas só encontramos janelas e varandas de crivos ao nível do primeiro andar, a marcar um 'piso nobre', a cobrir as aberturas que, provavelmente, dariam para as salas de estar e receber. – A grande maioria dos crivos representados nos desenhos do 'Mappa das Ruas de Braga' são crivos de janela. – Muitas das fachadas representadas com gelosias naqueles desenhos e ainda hoje existentes, embora sem crivos, podem ser datadas do século XVII.
Propomos assim as seguintes conclusões:
– Os 'crivos de Braga' terão sido uma 'moda', talvez inspirada dos conventos e que teve o seu apogeu durante o século XVII, período próspero que corresponde ao estabelecimento na cidade de numerosas industrias relacionadas com a Igreja – panaria, talha, ourivesaria e estatuária religiosas, fundição de sinos, etc... – Na época em que foi desenhado o 'Mappa das Ruas de Braga' (1750) os sistemas de gelosias já estariam a entrar em desuso, como se depreende do facto de as casas mais 'modernas' ai representadas não os possuírem. – As gelosias, por possibilitarem a entrada do ar e da luz sem expor o interior das casas, por permitirem olhar sem se ser visto, teriam uma função de protecção da intimidade da vida privada, sobretudo nas ruas mais estreitas da cidade. – As fachadas de gelosias e as varandas com crivos, mais raras no conjunto da cidade e sobretudo presentes nas ruas 'elegantes', deveriam corresponder as casas da burguesia comerciante ou industrial de Braga; as janelas de crivos e sobretudo as que se encontram isoladas deveriam pertencer as casas mais populares. – A existência de diferentes formas de utilização das gelosias sugere também que elas teriam resultado de uma diversidade de situações hoje difíceis de determinar: na verdade, só as casas com fachada única e inteira de crivos (tipo T.3.2.) podem ser consideradas 'autenticas casas de crivos'; as outras, por possuírem uma segunda fachada, podem ser edifícios de outro tipo a que foram apostos elementos com crivos. Foi a partir do século XVIII, quando se começou a generalizar o emprego da vidraça devido à diminuição do seu custo e ao aparecimento de uma nova relação entre a casa e a rua, que as gelosias de Braga começaram a desaparecer. Terá sido um processo lento e gradual: provavelmente começou pela introdução de vidros nas bandeiras das janelas (muitas das janelas de crivos representadas no 'Mappa das Ruas de Braga' são assim), seguiu-se a substituição das portadas de crivo por caixilhos envidraçados e a aplicação de portas com vidros nas sacadas, mais tarde adoptou-se o modelo de janela em guilhotina, primeiramente aplicada nos antigos quadros suspensos das janelas de crivo, depois fixada no interior da cantaria.