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UNIVERSIDADE DO VALE DO RIO DOS SINOS Pré-reitoria Comunitéris e de Extens8o Pe. Aloysia Bohnen, SJ Pe, Marcela Fernandes de Aquino, SJ “EbiTORA UnisiNos Carlag Alberto Gianotti Anténio Carios Nedel Caries Alberto Gianott Fernando Jacques Althoff Pe, Marcela Fernandes de Aquino, SJ Dr. Marco Antonio Barroso PROFESSOR, MASP 1161632-3 Que devo fazer? A filosofia moral ‘Monique Canto-Sperber Ruwen Ogien Tradutor Benne Diechinger Dr. Marco A. Barroso (Det ciat aseeagberee es come 24 ce ee anon Alesse ata Cat oda ‘A COLEGAD ALDUS ‘Ancora ao lado era a marca do impres- sor italiana, astabelecido em Veneze, Aldus Pius Menutius (14507-1515), A Colegao Aldus, da Eonona UNsINos, ‘que pertence este exemplar, tem seu nome inspirado nesse editor. A partir de 1501, Aidus deu inicio & pradugao de livros de bolso: numa época em que os livros eram earas 2 dificels da manu seer, ele comecau a edité-los com cer cade 11 x 16 cm, Além disso, para diminuir volume @ 0 prego de seus livros, Aldus encomendou do curves Fran- ‘e580 Grif o desenho de tipa de letra que via @ ser co- ‘nhecide como alco (gra), que permitia um maior nime- ro de caracteres por pagina, ( formato lura de Bolsa criata hé quinhentas anos por Aldus & hoje preferido dos leitores em toda @ mun- if. A EooRa Unssns, mediante esta colegao, em forma: to diferenciade @ impressa em papel especial, procura le var assuntos interessantes eos leltores por um prace acessivel INTRODUGAD A propésito das coisas mais trivais, como dos mais graves, as pessoas fazem canstantemente pergun- tas da tipo: Que devo fazer? Que devia tar feita? Quais 80 05 limites de minhas acoes? Até onde poss0o ir? No teria eu faito melhor, sa. € dificil caneaber uma delibe raga, uma reflexdo, uma decisdo e até mesmo um julga- mento, por pouce que tenham relagéo, mesmo afastade, ‘com @ ago humana, que nao sejam guiadas por esse ge nero de questionamento, ‘uando agimos, quando deliberamos sobre nassas ‘agtes, quando tomamos decis6es, estamos em busca de Justiicagées e procuramos mostrer que essa era a me- ‘har coisa a sar feita, ou em toda case @ menos ma, Tals justicagoes tomam evidentemente em conta os fins dessas aces (0 que queremos fazer. o que thes dé valor) (© 06 meios apropriados para esses fins, 0s caminhos que ppoderfamas utilizar para ating-ios, {Guanda as finaidades ce nossas agdes, bem coma 8 meios que temos para realzé-las, tornam-se objetos ddesse questionamento, quando a deliberagéo supée a ca- pacidade psicolégica da tomar certa distancia em relacao 8 situagaa em que nas encontramos, de adotar um recuo tritico em face des necessidades e desejos mais imedis tos, esse questionamento tomna-se moral Par exempla: serd esse realmente o fim dasojével, soré que os meios 80 legitimos, quis sao as consequéncias, seré que ” 12 casio Aine cumpre com a obrigacdo particular que tenho em face dessa pessoa, serd que os Sentimentos néo sa feridos? Essas questdes adquirem sentida com relagao & existéncia presumida de regras comuns, Essas regras podem no ser explicitas nem universais. Elas padem per: Menecer coma néo formuladas, simplesmente gerais, orresponder ao que se passa com mais frequéncia, mas: clas tambem podem ser plurais. Mesma assim, sua pre~ Songa estrutura o espaco das agées possiveis, pois (ais regres permitem discriminar entre o qua é oundo élegit mo, justficedo ou maral, entre o que é mais ou menos le aitimo, Seja qual for 0 conteido que se dé a moralidade, ¢ mesmo quando se quer que ela seja um artifico, ¢ dificil Nneger que toda a vida humana socializada supoe @ exis téncie desse género de regras chamadas normas: 0 ho- mem & um ser normativa. Mas ele é também um ser que ‘vali. Nas mais simples conversagoes nda nos contents ‘mos em simplesmenta transmitie informacoes, nd nos ontentamas em exprimir crangas sobre coisas. acante- imentos ou pessoas, mas expressamos, implicita ou ax Dlicitamente, nossas mansiras de sentir, de consideran, {de apraciar os fatos ou as opinides que ralatarnos, Nossos julgementas morals apresentam-se sob dois aspectas: o normativo eo avaliatve. Sem esse pos- sibildade de julgar, no se podaria justiticar o que maviva ® justifica a emprego de um vacabulério moral, quand d Zzemos que certas agdes, situagies au pessoas séo boas '8u més, justas ou injustas. Também néo se paderia exali- ‘car por que sentimos culpabildade ou indignagao em vista de cortas agdes ou por que consideramas ser legitimo ‘prova-las ou desaprové-les, Pouca importa, nesse esta ia, saber qual seria o contetdo deseas normas ov evalia. 00s © o que as justiicaria, pouco imparta que elas sejam ‘a5 mesmas para todos ou que elas possam estar em con- thea, Doe oa rane 1 Pode-se campreender grande parte do comporta- ‘mento humana como expresso dessa relagéo as normas: ® a08 valores. A interiorizagaa das normas implica a ado {Géo de uma espécie de atitude interna (o qual consiste em Teconhecer 0 valor, aprovar os sentimentos epropriados, ressentin a repravagao). Uma tal disposigao nao significe| falta de auconamia. A rezia & que a norma, & qual se rela siona esse ou aquela sto, concebe freqientemente um recurso racional para avalisr esse ato, aceita-lo de ma neire auténoma e reconhecer-the um valor priprio, ‘A moral é constituida essencialmente de prineipios ‘u normas relativas 20 bem @ 20 mal, que nermitem qual. ficar e julgar as ages humanas. Essas normas padlem Ser leis universais que se aplicam a todas as seres hurna os © restringem seu comportamento. Trota-se, por ‘exemple, do respeito devido a0 hamam enquanto human, do obrigagao de tratar es indivduos de mancira igual, da recusa absoluta ao sofrimento infigido sem razao, Essa armas constituem a base comum das cuturas deme: crtias lera's. Algumas dessas normas foram codifica. des em sistemas juridicos, tradusidas em leis ou princi- ios juridicos, cuja base é elaramente moral, Gutras ‘uerderam sua natureza propria de regras e principios ‘moreis. O que distingue essas Ultimas das leis juridicas: ropriamente cites ¢ 0 fato de elas néo serem tia pil: 2s, nem cansignadas em cédigas conhecitos de todos & interiorizadas, A restricéo que exerce a moral se tradus pelo fata de a vilacéa de suas regras suscitar a pertur hago da consciéncia, a desaprovagéo ou o julgamento 14 cousoAne maral negative, antes do que sangées piblicas adminis: tradas por corpos onganizados, 1 cardter relativamente estabilzedo desse siste- ma de normas morais nao deve, no entanto, fazer ignorar fe ele carrespande, par uma parce, & aspinagae univer Sal da humanidade de giscriminar entra os comportamen- ‘tos moraimente admissiveis @ aqueles que n8o o so. Ele resulta também da historia, A formulagao perticuler das. regras morais que orientam nossas comportamentos 6, fem parte, herdada da sucassaa de experiéncias histori- ts conhecidas. Nossa relagso marel ao mundo provém da superpasicao de diversas tradicées morais, que tam: bem infarmam @ maneira pela qual avaliamos as reslida- des © as ages, Os valores herdados do mundo antigo, sobratudo do estoiclema, ainda se encontram entre nés. Sua infuéncia se traduz pelo preco que concedemos & 2u- ‘ronomia nacional, & vida intelectual, & busca de perfeigao ‘2 a0 éxito da vida pessoal. A heranga do cristienismo ‘também molda profundamente nossa existéncia moral Disso resulta a exigéncia da igueldade moral entre os ho- mane, independentemente de seu nascimento ou de seus talentos, e do reconhecimenta do imenso valor conferido vide humana, As morais do dever, que #fosofia de Kant fencernou de manaira exeelance, coloearam em arimeiro plano o carter imperativo dos mandamentos morais © 6 importéneia dos principios de universalidade e imparcial dade. Eles s80 determinantes de nossa visio do mundo. ‘As morais utiltaristas tembém contribulram pare formar fem nos uma exigéncia de atengao a conseqléncias que fstao ne coragia das dticas modemas de responsabilda te Esses diferentes legados coexistem na moral con: tempordinea. Eles formam uma cultura comum, na qual fnngajamentos como a respeito pela pessoa humane, @ iqualdade entre os homens, a imparciaidade e o caréter Universal, coma nao-discriminantes, so primérios. Mas Oe cao Fate 15 fem nossa cultura moral comum figuram também aprecia ‘702s morals inspiradas por ids de perfeicaa a de reali- Zegao exitosa da vida, herangas das morals antigas, bem amo 0 culdedo geral por uma responsablidade humana fem face dos outros homens e da mundo, Tal pluraldade de Valores absolutemente nia compromete 0 candter co: mum © compartilhado de nossa experiéncie moral, que fornece critérios amplamente dlfundidas de julgamento moral Nessa definiggo geral, o significado dos termas ‘maral" e “ética” tende a cantundir-se, E verdade que, 10 uso que doles ¢ feito atualmente, uma diferenga de acen- to se estaboleceu pouce @ pouco entre eseas duas ex- pressées. A moral designa mais requentemente a heran- ‘pa comum dos valores universais que se aplicam as epbes humanas, de onde a canatagao um pouco tredicionalista {ue permanaceligada a esse terma. Contrastantemente, a palayre “ética" ¢ empregada com mais frequéncia para Uesignar a dominio mais restrita das agdes ligades & vida humana. Neste sentido, permanece indena das acuse- {:0es de conformismo ou de “moralizagéa" feltas cantra o terma *maral’. Mas néo @ precieo exagerar a diferenga de sentido entre esses termos, que podem, na malaria dos casos, sex empregadas indiseriminadamente, D fato de a moral ¢ a ética aseaciarem regras uni versais de acées e normas do compertamente individual = © fata também de existir um aspecto de reflexéo ética re- lativo 8 realizacdo de vida pessoal nfo davem, todavia, em nnenhum caso, deixar pensar que a morale ética sie as- sunto de preferéncias individuais. Elas também nao adimi- tem uma concepedo estritamente pessoal do que é bem ‘ou mal, Eles absolutamente nao consistem em deixar cada um forjar para si o seu prdprio sistema de valores ou de principios, dando-the o direito de qualific-to legitima- mente como ética. As narmas, regras © engajamentas ltices na sao objeto de gosto individual, A ética nBo & 0 46 cacAn Aims lugar do sertimentoeritréria de cago um. A tice formu- late a paren de prncipoe unverei, de regroscomuns de refererciis compartiados que formam @ base sd @ coletva das avalagbes e dos Mgamentos. & precia- mente por exes rece que uma reflexao comm sobre os prncipos compartihades por deverminadaprofissao tem Sou signieada “Bara. em todo dominio de sive eopectica exces regres e valores adqurem com frequénca uma ox prossdo parioer e a aval comm ® assim, sssociace tia mora proiasanalGue esta uma moral propria time prfizto parece evidence, desde que se coneiere tuo ae prio perseguem um bem porn. No oso &e maustrature, por exer, esse bem consist, om prinipo, ro exercce da jstiga (ersten oo iGo Sade poroa medina cde educegsoparao mayisvério ota.) A frorlprafisiona ec valersupostamence ume oxgénia tural de eeyrace e de coerenia ds prétiea,Tambsm Se conser do clo oma am conta osineeresses Jos i Gviduos ndo-profesonals quelhe so cnfroncodes, E-he Soloed, alam clsso, fornecer ume oriencogSo geval fora repre es stuegGes. ou sop, os dlemae moreis que Foden por vezos suacter confltos entre as obigngees os, profesional or requsitos gerais que fede snorfree © conunto os eidectos. Por exempl, pace scerceser que a regra de segredo profesional entra em tentito com ce valores recomended pela moral comm ta por uma ovtea tice profisinal Pode acontece também, que la couse um prejlzoo um tercer ou e0 Comune co soiedae, Arora profesional seria a radu {io concreta do fata dees prolsbes, oles vale om grau tras alo para a megistretura,serem amparedes por e- lores por princi (cermo “deortalogia",esado por Jereies Gent- ham em 1894 in tuo dado su obre: Deortlgy ofthe Sonce of moray] vem do erm orege dort, ue = Que cao raere 47 racteriza os deveres ou o que é devide au requeride (of ia em latim), © encontrou-se, depois, comumente em- pregado para designar o estuda do que convém fazer fume situagéa social dada, em particuler para 0 canjunea dos deveres ligados a0 exercicia de uma profissao. Tada pessoa em posiga de exercer uma profisséo, em raza {e seu saber au de sua fungéo, esta inevitavelmente posi cionade numa situagaa de peder exorbitante com relagé0 ao usuario que esta sob sua dependéncia, Disso resulta a necessidade de repras expressas de modo formal eexpl- cite, cuja transgressao Sela passivel de adverténcias © de chamadas & order, bem coma de sangoes. Tal formali- ago da deontologia distingue-2 da moral profissional ‘mais difusa e mais inceriorizada, que se exprime antes de ‘tudo pela desapravagao e pele enti. desenvolvimento da flosofia moral no decurso do sséculo XX andou a par com a reivindicagaa de autanomia Essa linha de investigagéa fo iniciada pelo flosofo rita 0G. E Moore, autor 68 obra que @ a origem de flasofia moral contemporinea, Principia Ethics, publicads em 1908. A autonomia que Moore reivindica para a refiexao 6tice 6 justficada por uma raze bem gversa e que marca @ particularidada do dominio moral. Ela decorre direta- mente do reconhecimento de que a moral 6 sui generis & {de que os julgamentos morais nao podem ser abjeto de: uma descricdo ou de uma justificagan, as quais valeriam igqualmente pere es proposigbes de eutras discipinas filo- séficas. Os canceitas maiores da ética saa de tal nature- 78 que 98 proposigbes em que eles sao empregados se distingam nitidamente das proposigoes das ciéncias na- 18 casioans tureis ou seciais, mas também daqueles da teologia e de metafisica. Essa especificidade reconhacida & ética envolve @ insteuragaa de uma priordade entra as diferentes inves- tigapies das quais ela pode ser objeto. Antes co estudo te toda a questa substancil, conduzinde para o conteu- {dos concaitos morais, ¢preciso saber como os concei- tos fundamentals da ética sao empregados e cumpridos. Essa exigéncia tomau-se a tese central da filosofia moral {os primeines cingdenta anos da século Xx, Nenhuma eo: ria moral coneebida nes devénios subsequences parece ter duvidada dessa especificidade des questoes morals, uo que ¢ certamente uma das consequéncias possi- ‘eis, mas que deve ser diferenciada - da ieredutibildeds dos valares aos fatas. Sob o nome de metaética, esse tipo de investigacées devia dominar a flasofia moral du ante meio sécula. Alem disso, a influéncia exercida pelo esti floséfi- co de Moore, por sua vontade de determinagao clara das: ‘questoes, por sua exigéncia dena chegar 8 definigéo das. nogaes morais e & avaliagao de sua verdade, senao ao ter fo de um processa regressivo, permitem compreender 3 importancia de que se eneantrou dotado © metodo anal co aplicade aa estudo dos principais conceitos éticos eda linguagem da moral em geral 'A meteética encentrou-se, de certa maneira, se- prada da fiosafiaprética, defnida como a reflexéo sobre SG agae moral. A forga das eriticas dingidas atualmente as teorias morais formais esta em relagao direta com a ex- Clusividade que marcau até os enos 1950 a dominagao da metatisca. Um primeire ataque contra a metaética fol desen- csadeada por fdsafes como Elizabeth Anscombe, Geattrey ‘Wernack e Philippa Foot, que se opunham resolutamente 2 idbia de que a investigagao flossfica em moral se limi- tesse a metaética, Eles iguelmente recusavam admit 0 Oe cao races 49 acon obsoluta do catngto anre foto e valor. Sobre- tu, eantestando a tens (comum maleie do fotos Sessa primaire metade do eaculo 10 que reconnece 8 bxistncia de uma sistingbo lgion entre os desenigoes factunis © os avalagtes rorsi, cts levartavamo ncer

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