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Karl Popper. Conjecturas e Refutações. Trad. Sérgio Bath. Brasília; Editora da \ ..

UnB, 1992.

1. Ciência: Conjecturas e Refutaçües *

"0 Senhor Turnbull t inha previsto conseqüências nefastas . ... e agora fuia
tudo o que pod1a efetivar suas prôprias profecias."

Anthony Trollope

Quando r ttebi a lista dos participantes d este c urso, e pe rcebi que tinha sid o
convidado a m e dirigir a colegas fil6sofos, -ima~inei , d epois dè algwnas hesitaçàes e ·
consultas, que os senhorcs prefe ririam que falasse sobre os problema.s que mais m e
interessam e os desenvolvimcntos corn os quais escou mais familiarizado. Decidi,
portanto , fazer algo que jam ais ha via fei co antes: um rela te do meu tr abalho no
campCl d a fi losofia d a ciência dcsde o outono d t· 1919. quando comecei a lutar corn
o seguintc problema : " Quando pode uma teoria ser class!Ficada coma cientifica!",
o u "&iste~m critério (>ara classi{icar uma teoria coma cientifica!"

Naquela época, n ao estava p reocupado com as questoes "Quando é ver -


dadeira uma teoria?" ou " Quando é aceitavd uma teori a?'' Meu.probkma era
outro . Dese.iava traçar uma distinçào entre a ciêncuJ. e a pseudociéncia. pois sabia
muito bem que a ciência freq üentemente com t:te erras, ao passo que a pseudociën·
ci a pode enconlrar a cidentalmente a verdade.
!
Conhecia, evid emcmente, a resposta mais comum dada ao problema: a
1
1- ciência se distingue da pseudociência - ou "ml!tafisica" - pela uso do mlflt.>do e m -
pirico, essencialm ente indutivo , que deconc d a observaçào ou da experim entaçio.
i Mas essa resposta nào me satisfaûa . Pelo contrario, formulei muitas vezes meu
.1 ; problcma c oma a p rocura de uma distinçào entre o método gcnuinamente em-
!: pirico e o nâo e mpirico ou mesm o pseudo-empirico - isto ê. o m~todo que, em -
bora sc utilize da observaçào e da c:xperimenta çào, nâo atinge padrao cien tifico .
•1 Um exem ple d este m é todo seria a astrologia, que tem urn grande ace rvo de evidèn·
l'
cia empîrica baseada na observaçâo: horôscopos e biografias.
~i
1
• Coofer~ncia fei ta em Peterbouse, Cambridge, no verâo d e 195l, cnmo parte de curso >Obrt a u oluçio
e •• tendêndas da filowfia inglesa conternporanea. organin dr:> pelo British Counca1; publkado oripal-
mente ~ob o titulo "PhiloJophy of Sciena: a PerJ~111J.l R•J>orl'~ in "Bn'lish. Philruophy in Mid·C•111ury
edit. C . A. Maa-. 1957.

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q ue ser ia· oponu no d esC:rt"ver b rcvemcnte o elima cm yuc: ele surgiu·e o5 exemplos
CIÉI'\CJA: COi'>JECTUR.AS E REFUTAÇÔF..S

conflito rcorn seus interesses de d osse ou por causa d e n:pressOes ainda n âo anali·
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l
saclas, q ue precisavam urgentememe de tra tamen to .
·. que o estimulara~. Ap6s o colapso do Impéri_o Aust rîaco, a Austria havia pa.ssa do
po r uma revoluçao: a atmosfera estava carregada d e slogans e idéias revolu- 0 m ais caracterlstico da situaçao parecia ser o fluxo incessante de confir-
cio narias; circulava.m teorias novas c freq üen temcntc ext'r avagantcs Dentre as q ue
.
mc interessavam , a teor ia d a rclalividade de Einstein era sem duvida a mais impor-
1
Il
m a çôes, d e observaçôes que «verificavam• as teorias em qucstào, ponto q ue cra en·
faüzado constantemente: um manista n ao ab ria um jorn al sem encontrar e m cada
tante; o~,;,tr·as très c:ra m a teoria da hist6rîa de 1\Iarx, a psîcanâlise de .Freud e a pagina evidência a confirmar sua interpretaçao da h ist6ria. Essa evidência era
.,.
•psicologia i ndividual~ de Alfred Adler. j. d etectada nao sô nas noticias. mas tamb~m n a form a como eram apresentadas pelo
~ jornal - que revclava seu preconceito de classe - e sobretudo. é clara. naqu ilo
Popu larme nte, fa lavam-se muitas coisas absurdas sobre cssas teorias, so- que o jornal nà.o menciona,·a. Os a nalistas frcudia nos a firmavam q ue suas teorias
b retudo a d a relativid ade (como acomecc aîn da hoje}. m as tive sone corn as pessoas eram constantemente verificadas p or "observaçôes d tnicas". Quanta a Adler, fiquei
que m e introduziram a elas. T odos nôs - o pcqueno g1·upo de estudantcs ao quai m u ito impressionado por uma cxperiëncia pessoa\. Certa vez, cm 1919. informei-o
pen cncia - vibramos ao tOmiir conhecimento dos resu lta dos da observaçao de u m de um caso que nao me parecia scr particularmcnte adleriano, mas que e le n ào
eclipse emprcendida po r Edd ington, cm 1919, a prîmeîra confirmaçâo importante teve q u.alquer dificuldade em analisar nos termos da sua teoria d o sem imento de
d a teoria d a gravitaçâo de Einstein . Foi uma experiència muit o imp ortante para inferiorida de. cm bora nem mesmo tîves.se vista a criança em questào. Ligeirarnente
n6s, corn influência duradoura sobre o m eu d c:senvolvimento intelcctual. chocado, perguntei cam o podia ter tanta certeza . " Por que j a t ive m il eJtperiências
desse tipo" - n:spondeu; ao que n ao pudc deixar de retru car : " Corn este novo
caso, o numero p assarâ cntiio a mil e um ... "
N aquela época, as très outras teorias que mencionei eram também· am ·
p la m ente discutidas _n o m eio c:studa n til. Eu mcsmo t ive u m comato pessoa! corn Al-
0 qut: queria dizer era que suas observaçoes a nteriores p odiam nao merecer
fre~ Ad ler e cheg~e1 a cooperar corn ele em seu trabalho social entre as crianças e
muito mais certc:.:a d o q ue a uh im;~; q ue ca d a observaçao havia sido examin ada à
os ]0\'ens d os batr ros p rolc:târios rle Viena, onde havia estabekcido clinkas de lut d a ~experiência anterior•, somando -se ao mesmo tempo às outras como confir ·
o d e ntaçao social.
m açao adicional. Mas, p erguntei a m im mesmo, q ue é q ue confirmava cada nova
observaçào? Simplesmente o fato de. que cada caso p odia ser exam ina do à luz da
Dur a nte o verao Ue 1919 , comecc:.i a m e se m ir cada vez m ais însatisfeito corn tcoria. Refleti, contudo, que issa significava m uîto pouco, p ois todo e q ua lquer
e~S~!; trés teori~s :... a t~o.ria marxisra da hist6ria . a psica nâlisc: e a psicologia in - caso concebivel pode ser examina de à luz da teoria de Freud e de Adler. Posso ilus·
di~ld~al ; passe• a ter d uv1d a.s sob re seu statw cientlfico. Meu prob lema assumiu .
trar esse ponto corn dois exemples muito diferentes d e com portamento huma no: o
pnm etramente, urna forma simples: "0 que estarâ errado corn o marxismo a do homem que jo~ta u ma cr iança n a â gu a· corn a intençao de afogâ-la e ode quem
psicanalise e a psicologia individual? Porque serào tao difere mes d a teoria d e N~w :
sacrîfi ca sua vid a n a tentati va de salvar a criança . i\mbos os l'asos po,dcm ser ex·
ton e especialmen te d a teoria d a relatividade?''·
plicaùos t o111 igual facilidade, tanto cm termos freudianos corno adlcrianos. Segun·
do Freud. <. p ri meiro homcm sofria d e n::prcssào {digamos. algum componemc do
. l.'ara tom a~ claro esse conrraste, devo explicar qu e . naqucla época. poucos scu complcxo de Édipo) enquamo o scgundo a lcançara a su blimaçào . St:gu ndo
af1rrnanarn acredlta r n a verdade conucla n a teori a d a gravitaçào d e Einstein. 0 Adler, o pritneiro sofria de sentitnento dt: inferioridade {gerando. prova\'elm ente, a
que m e incomod ava, portamo, nao era o fato de duvidar da veracidade d aque!as necessid ade de provar a si mesmo ser ca paz de cometer um crime). e o mesm o
t rês teorias; t ambém n ào cra o fato de q ue considerava a fisica m a tcmarica mai~ h avi a acontecido corn o segundo (cuja necessid a de era provar a si mesmo ser capaz
exata do que as teorias de natureza psico\ôgica ou sociol6gica. 0 que me preo · de salva r a criança). N ao conseguia imagina r qua!quer tipo d e compona mento
cupa11a, porta nte, niio c:ra, pelo m e nas na quele estagio, o p roblcma da veracidade. h umano q ue ambas as teorias fosscm incapazcs de expli<:ar. Era precisamente t-S.<;e
d a exa t idào ou d a mensuu bilid ade. Sentia q u e as trés teorias. em bora se apresen - fa lo - clas scmpre scrviam e eram semprc confirma das - que constituia o m ais
t_assern como r amos d a ciéncia, tînha m de fato m ais em com um corn os mitos primi · . fo rte a rgumen to em seu fa\·or. Comecei a perceber aos poucos que essa força
tl vos d o que corn a prôpria ciênda , que se ap roximavam m a is d a astrologia. do cjue aparente e ra, na verd adc, uma fraqueza. Com a teoria de F.in.çtein. a situac;âo er\'
da astronomia. extraordinariamen te diferente. T omemos um exem plo tipîco -· a p rediçao de
Einstein , confirmada havia pouco por Edd ington. A teoria gravitacional de Eins·
Perce.b i que: meu s amtgos adm iradores de Marx , Freud e Adler imprcs- tein havia levado à conclusào de que a luz d evia ser atra!da pe!os corpos pesados
sionavam-se c'o m u ma série d e pontas comuns às tres teoria~. e sobretudo corn sua (como o Sol), exatam c n te como ocorr ia corn os corpos m ateriais. Cakulou -se por·
apareme capacid4de de ex plicaçào. Essas teori as pareciam pode r .explicill prati· ta nto q ue a luz p roveniente de uma estrela distante, cuja posîçào aparente estivesse
ca~tente tudo . em scus respectivos campos. 0 estudo de q u alquer uma ddas pa· p roxima ao Sol , alcança ria a T erra de uma d ir eçâo tai q ue a estrela pareceria estar
recta ter o c:fe tto d e uma conversào o u re1•elaçào intelectual, abrindo os olhos para ligeiramente d cslocada p ara longe do Sol. Em outras palavras, as estrelas pr6ximas
um~ nova verd ade, escondida d os ainda n îio iniciados. Urna ve-.1 aberto:; os olhos. ao Sol pareccriam ter-se afastado um p ouco dele e entre si. Isso nao pode ser n or ·
p0~1a-se _ver exem~los confirmadores em toda parte: o mundo estava repleto de malm eme observa do. pois as estrelas se 10rnam invisiveis d urante o d ia, ofuscadas
verifzcaçoes da teona . Qualquer coisa que acontecesse vînha confirrnar isso. A ver· pelo brilho ir resistivel d o Sol; durante um eclipse, porém, é posslvel fotogra fâ-las.
dade comida nessas teorias, portanto, parecia evidente ; os d escrentes eram n iti- Se a m esrna constelaçào é fo tografada d u.rante um eclipse, d e .d ia e à noite, pode-se
damenre aqu~les q u e n ào qu.eriam vê-la: recusavam·se a Î550 para nao entrar em m edir as distancias em am bas as fotografias e verificar o efeîto previst~.

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66 CONJECTURASE REFUTAÇÔF.S
. , C fENClA : CO:-.IJECTURAS E R.EFUTAÇÔJ::.S

0 m als tmpr.-ssionante neste caso é o risco envolvido numa ·prcdiçao Ô !!SIW Il


tipo. Se a observaçâo mostrar que o efeito previsto de finitivameme n âo ocorreu, a
u:oria é simplesmente re futada: d a é incompat{ve/ com certos Tesultados pass fveis Posso exemplificar o que acabo d e afirma r corn a ajud a d as d iversas teor ias
da obsenuçào; d e fato. resultados que todos esperariam ame$ de Einstein . 1 F.ssa jâ rnencionadas. A teoria d a gra,·iraçào de Einstein .~atisfazia nitid amente o critéria
situaçào é bastante d iferentc d a que d escrevi anteriormente. p ois tornou -se evidente da "refutabilid ade". Mcsmo se. naqucla <"poca, nossos instrumentas nào nos pt:r-
q ue as teori"s t"n qucstào cralll compativeis corn o comportamento huma no ex· mi tiam ter plcna cc rt~l.a dos rcsultadus dos teste.'>, existia claramente a pussibili-
tr~m amente divergente , de modo que era pratica meme irnpossivel descrevcr um
ti p o de com ponamemo que nào servisse para vcrifica-las. ll' dade d e rcfutar a teoria.

A astrofogia n ào passou :10 teste. Os astrôlogos estavarn m uito imprcs-


D llrante o inverno de 1919- 1920, essas consideraçôes m e leva rarn a con- sion ados c iludidos corn aquilo que acred itavam ser evidência confirmadora - · t_an-
d usôes que po."-~O agora refo rrnu lar da seguin te maneira. to assim qu e pouco sc preocupavam corn qualqucr evidência desfavorâvel. Além
disso, tOI·nando suas p rofecias e inte-rpretaçoes suficientcmente vaga5, eram capazes
( 1) É fâcil ob ter conlïrrnaçôes ou verificaçôes para quase toda teoria -· des· de explicar qualquer coisa que pcssin·lmcnte refutasse sua teori a se ela e as pr_o-
de que as procuremos. fecia~. fossem ma~ p r_ccisas. Para ~~ par à f~l~i ficaçâo, destruira~- a "testa,Pfii - / .
dade de sua teona. E um truque uprco do admn hador fazer pred1çocs t ào,vagas
(2) As confirmaçôes sô devem ser consider<Jdas se resultarem de prediçôes que llif it·ilmentc falha m: el as se tom am irrefutâveis. '
a rriscadas; isto é , se. nào esclarecidos pela teoria ern qucstào, c:sperarmos um a con·
tccime nto incompadvel corn a teoria e que a teria refutado. Apesar dos esforços sérios de alguns d e seus fundadorcs e seguidores. a teoria
rnarxista da h istôria Lem u ltimaméme adotado essa m esma prâtic:a dos adivi ·
( 3) T oda teoria cientifica "boa" é uma proibiçào: ela p roibe certas coisas d e nhadores. Em a lgumas de suas fonnulaçoes ameriores (como , p or cxcmplo, na
acomeccr. Quanto m ais U(uu ttouria p rotbe, melho r ela e. an alise <le Marx sobre o carâ ter da "revoluçao social vindou ra"), as prcdiç5es cram
" testâveis'· e foram refutadas .2 Mas cm \'CZ de aceitar as refutaçoes, os seguidores de
(4) A tcoria que nao for refutada por qualqucr acontecimento concebfvel Marx rcimcrprctaram a teoria e a e\·idência para fazé-las concorda r entre si. Sal-
n ào é cientifica . A irrefuta bilidade nào é uma virtude. como freqüentementc se varam assim a tcoria da refutaçào, mas ao preço de a dotar um a rtificio q ue a tor-
pensa , mas u m vicio. nou·dc: todo irrefu tavel. Provocaram. assim , uma "distorçào co nvencionalist a" des-
tru indo-lht" as anunciadas pretensôes a um padrao cicntlfico.
(5) Todo teste genulno de uma teoria é uma tcntativa de refuta -la. A p os·
sibilidadc d e test ar urna tcoria implica igual possibilidade d e dentonstrar q ue é fal· As du;~s tcorias psicanalitkas pertencem a outra catcgoria. por Sl!rem sim -
sa. Ha. porëm . d ife rcnt es gr aus na cap acidadr. de se tcstar urua tcoria : a lgum as siio pl<'smc·lltc nào " tc<;tavc:is" e- irrefutarci~. :-.lào se podia conceber u m ti po d e co mpor·
mais "testâveis", mai.<; e xpostas à n:futaçào do que O'Jtras: correm. por as.sim di>.er. t;~mcnto hurn ano capal de contradizê-Jas . lsso n ào significa que Freud c Ad ler cs·
lllaiores ris cos. tiveSSC'Ill dt: todo ('fl"ados. Pcssoalmcnte, nao du,·ido da importância d e mui to d o
que afinnam c acrcd ito que a lgum dia essas afirmaçôes u:rao um pape! imponam c
(6) A evidc!ncia co nfin n ador a n ào dc•·e ser considerada se nào resu ltar de numa cië ncia psicolôgica "testavel". Contudo, as "observaçOes clinicas", da mesma
um leJl egenulno da leor ia; o teste podl:'·se apresentar como u ma tcnta.tiva sé ria mancira que as confirmaçôes diârias cncontradas pelos astr6 logos. n ào podem mais
porém m alograda de refutar a L~oria . (Refiro-me a casas como o da "evidéncia ser consideradas confirmaçôes da tw ria. como acrcdita m ingenuamen te os analis -
corroborativa "). · tas. 5 Quanto â epopéia freudi ana do F.go. Supcrego cId, nâo se pode r eivindicar
para ela u m parlrào dentifîco m ais rigoroso do que o das est6rias d e Homero sobrr
(7) Algum a~ teorias geuuina mentc " ttstâvci>", quando se revda.m falsas, o Olim po. Essas tcorias dcscrevem fatos, m as à ma neira de rnitos : sugerem fatos
continuam a ser sustentadas par ad m iradores, que int roduzem, por exemplo, al - psicol6gico.5 interessantes. mas nào de m a neira "testâvèl".
guma su posiçâo a uxiliar ad h oc, ou reinterpretam ~ teoria ad hnr. d e r;ol manei r-a
q u e ela escapa à rcfut açào. T ai proccdimento é sempre posslvel, m as salva a teoria
d a refuta<:âo apenas ao preco de d estruir (ou pelo rnenos avilta r ) seu padr;ïo cien - Z -- Vide. par e.xemvlo. meu ]i,To Op•n Soc,-ely and l u En•mits. cap. 1~. seçào iii , e as not..u 13 e 14.
ttfico. (M ais tarde passei a d esaever essa operaçào de salvam en to como uma "diJ-
torçào cor;vencionalista " ou um ''estratagema con vencit:malista. ') A~ "ob>ervaçôcs clinicas" . corno qualquer ti po dé ob..,..vaçào. sào inlerjlr•taço .. rmpreendida.s â
luz dru /eoriaJ{VicJe; a :St'guir, aSo SCÇÔCS iv~ stgUÎntt'$) ; por. es~ TaZàO, p «iem pOirt:Ce'f IUStenta'l" a.5 teorjas,
Pode-sc d izer, resumidamence: que o critério qu e defi nc o slat w c icntifko à lu.t das quai:s roram intcrprttadas. Mas 0 "~rd.adeiro •Poio a uma teoria 56 pod~ st'r obtido atrav6 d e
d e uma teoria é sua capacidad e de ser rdu tada ou te.~ada. observaçi>es empr~endidas coma teste> ("t~llt>tivas d~ re!l!taçioj , para os quais os criJ.trios d r refutcçiio
de~m s~r estabC"Iecidos anttrionnente: dcve-·se d efinir que- situaçôes oLscrviveis n~fuuriam a teoria se '
[o.,orn real "~llC obscrvados,:-M as. que resuhados cllnicos poderiam re fut ar n tisfatorlamente n lo ..S urr:
d iogn6stiw anal!tico em pariicular m .. a prôpri~ psicanâlisc? 0• analista.s 1tm d isci&tido cri tn ios e con-
cordado ronl c h:s? N:lo cxistiri. ~o contri\rio. toda uma série de CGnceitos anilliticos camo. por e..xcmplo,
1 - Ha aqui uma ligdra sirnplific-. .çào. pois cerca de metade do ef<Îto E instein pode scr deduzido • o conctit o de "ambivalencia" (nâo e•tou sugerindoque e&>e conceito nào cKista) que tomariam dil'icil, se
partir da ttoria dissiea, desde q ue 5e assuma. uma t~rta baUu ic:a dil lll!!:. nào impossivel, chegar a um acordo sobro tais critfrio-s? Alfm di30o, que progrcsso tem lido
,...
~ ·! •
~;,.....-"

68 CONJECTURAS E RF.F1JTAÇOES CttJ'\'CIA: CONJECTURAS F. REFLJTAÇÔ!S

Ao mesmo tempo, pen:ebi que alguns desses mitos podem d<!senvolver-se e III
tornar·sc "testâveis". Compreendi que, historic:amente, todas -ou quase lOdas -
as teo rias cientificas se originaram em mitos; que um mito podc conter importantes Hoje sei. é claro, que- e55e critério de demarcaçào - 6 critéria d e "t.esta·
~ amccipaçoes de teorias <:iemîficas. Como exemples, cita ria a teoria da evo \uçào por b ilidade" ou " refu tabilid ade" - esca longe d e ser ô bvio; ainda hoje seu significado
· erros e acenos, de Empédoclcs, e o mi to de Pa nnénides sobre o universo imutâvel, é rarame-nte compreenrlido. Naquela época . em 1920. cie me pareceu q uase trivial,
onde nada j amais acontece . Sc adicionarmos mais uma dimensao ao universo vi- embora resolvcsse um proùlema inrclectual que me havia preocupado p rofunda·
sualizado por Parmênides, tercmos o universo de Einstein (no quai , também, nada mente . e tivesse conseqü~ncias prâticas ôbvias (politicas. por excm plo). Mas nào
jama is acontece, pois, em termos de 4uatro dimensoes, tudo esta dctenninado e havia percebido ainda todas as suas implicaçèes ou sua importância _fi_los6fic~ .
esta belecido d esd c o inicio). Acreditava , ponanto , que, se um a tcoria passa aser Quando o expliquci a u m colega, ~tudante do Depanamcnto de Matcma uca (hoje
considcrada nào cientîfica. ou «metafisica., nem por.isso sera d efinida como •ab- mn eonhecido maternatico na Inglatena), d e sugeriu que o publica~se. Isso· me
surd a• ou "sem senti do". 4 Mas nào sc poderâ afirmar que esteja sustentada por parcceu absurdo, pois esta va convencido d e que o p roble ma, tendo _e m. vista a s~a
cvidéncia empirica (na acepçâo cientîfica), embora possa facilmente ser um "resul· importancia para mim . jâ havia decen o preocupado numerosos C1en ustas ~ filo-
tado da observaçâo'' em senùdo l ata. sofos, q ue ccrtamcnte jâ teri a m chcgado ~ min~a soluçào. um tant~ 6bv1a . 0
tral>a\ho de Wittgenstein e o modo como fo1 receb1do mostraram que nao e ra bem
(Havia um grande nûmcro de outras teorias corn este mesmo carater pré ou asshn; por isso publiquei minh as idéias trez.e a nos de pois, sob a forma de uma
pseudocier.tifico, algumas das quais, infelizmente, tào influentes quanto a teoria critica a o critério de Jignificaçiïo de Wittge nstein.
mar xista da historia. Pode -se citar, como exemplo, a interp retaçào racista da his-
toria - outra. daquela~ impre55ionantes teorias que tudo explicam. e que at uam Wittgenstein, como todos sabcm. procurou dcmonsnar, em seu Tra cta/us
como revelaçÔes sobre as mentes fracas.) {vide. por exemplo. as propo.•içoo 6.53; 6.54 e 5), que as proposiçôes filos6fi..:as ou
mecafisicas, como sao cha madas, sao na vcrdade falsas p roposiçôes. ou pseudo -
Assim. o problema gue eu procurava resoh•cr propondo um critéria de proposiçàes, sem sentido ou significado. Toda proposiçào gcnuina (ou significativa)
<Tefutabilidade» nào se relacionava corn o sentido ou significado, a veracidade ou a deve ser funçào da verdade de proposiçào elemcntar ou "atomîstica", que desercva
aceitabi\idade . Tratava ·se de traçar uma linha (da melhor ma neira possfvcl) entre ''fatos atômicos", isto é, fatos que em principio podem scr verificados pela oLser·
·as afirmaçôc~. ou sistemas de afi~maçoes, das ciências cmpiricas e todas as ounas vaçào. Em outras palavras. as p roposiçocs significa tivas sào totalmente rcdutiv~is a
afirmaçôes, de ca rater religioso , met afisico o u simp lesmcme pseudocientifico. Anos p roposiçàes elcmcntares ou atomisticas. afirmaçàcs simples descn?\'endo ~rn pos·
mais tarde, possivchnemc em 1928 ou 1929, chamei este meu pr imciro problema s1vcl estado de coisas que podem em priric!pio ser estabelccidas ou rejci tadas
de "problema da demarcaçào". 0 critério c:ia "refutabilidade" é a soluçâo pa ~a o pela ol>servaçâo. Se Lhamarmos tHna a lï rma ~·ào d~ "afirmativa rc~ul tantc da ohscr-
prohlema da demarcaçâo, pois afirma que, para se rem dassificadas como c1en · vaçào", o u porqtle implica tl~ fato ;;ma obscrvaçào ou porque mcnciona a lgo que
tificas, a.~ assertivas ou sistt:mas de asscrtivas dcvcm :scr capa2cs de enn·ar em con- pode ser observad o. tcretllos de d izer (de acordo com o TTactatus, 5 c 4.52), q ue
nito corn observaçoes possiveis ou concebiveis. toda proposiçào genuîna dcv.: ser uma funçào da ,·crdade de alirma liva rt•sul ta nte
da observaçào, e dela dcdutivel . Qualqucr outra propo.>Îçào apa ren te se ra uma
pseudoproposiçào sem signi!irado; nao passara de um conjunto d e palavTas desar-
ft'ito na tt::ntadva de avaJiar at~ que ponton ~xpt"cu.tlvas ~ teoria~ (co rucienta ou inrooscientt-J) ac~itu ticuladas, sem semido algum.
pdo ana.] ista podem influenciar jlS "resposta.s dtnic:as'• do padentt? (Sem mendon ar as tentatlvas cons·
ci~ntts de inlluenciar o pacit:nce, propondo interpretaçôes. e tc.). Anos atri5, criei a expre5-Sào ••efcito de
Édipo•• para denominar a influ!nda exerdda por uma teoria. expecca tiva ou prediçào J(Jbrt ~ CC(ln· Essa idéia foi utilizada por \Vi ttgenstcin para uma caractcri ~açào da ci~ncia
tecimn~to jtreuûto o u de:~aito: vale lembrar que a .\.eqi.iéncia d~ .a.cont«:imentos ca.su<~:ls que Jevarim ao
cm oposiçào à filosofi a. Podemos 1er (por exemplo. cm 4 .11 . onde a ciència nat ural
paniddio de Ëdipo rorneçou cnm a pred:i~ào dr= ~ento por um ori culo. ~ ~ urn tema cara.ctcrîs·
tico, q ue •• "'pete corn freqùtncia em milos desoe tipo, m.u que, talvet niio por acidmte, Dio tem
assume uma posiçâo oposta à filosofia): "A totalidadc da~ proposiçoes verdadeira.s
atrafdo o interess~ dos analliru. (0 probl~tm.~ do' sonh.CM confirrnadO>r~ $Ufi"crid03 pclo a.n•l4ta é dis· <·orresponde a toda a ci~ncia natu ral (ou a toda• <t-> cièncias naturais)". l sso sig·
cutido por Fr.ud, por exemplo, em Ge.sam.....,lle Scilrift en, III, 1925. onde o autcr Aftrrna, na ptgjn• nifica que as proposiçoes penencente~ ao campo da ciência siio dedutivcis das afir-
.!114: "Do ponto de vista da tcoria analltica, nenh.uma objeçîlo pode .oer feit.a J. afirrnuiva d~ que a maçoes verdadeiras derivadas da -obscrvaçào, c padern ser verificadas por elas. Se
mai<:Jria dos sonhn• us:ados durante um• anilisc ... de•= ~ua Otigenl a sugco~io (do aBa!isu)'', F~wl pudéssemos conhecer todas as afirmaçàes vtrdadeiras derivadas da observaçào.
afirma ainda, surpretndentel)>eme, que "nlo h.â nada ni:Ste fato que potsa prejudicar a confiabiliclade sabcrlarnos tudo o que pode ser afirmado pela ciéncia natu ral.
dos resultado~ obtidos".

4 - 0 caso da astrologia, uma tlpica pseud<Jeiência des nœsos dias, p<>de ilustrar .,.., ponl<>. O. ari>·
lot~lico, e outros rac.ionall$tas, até a t poca de Newton. a ctitic~um por um motivo erra.clo - a ,a1Ser·
Isso nos leva a um critéria d( dcmarcaçào gros.~ei ro, para a verificaçào de
çào, boje acll:ita . de que os planeta.s inn\lettd am os aconrec:iment~ tt JTeStres (..s-ublunart-sJ . ..De- fuo, a teorias . Para torna-lo um pouco mcnos grosseiro, podemos acrescè·lo da seguinte
teoria d a gravitaçio de Newton , e especialm~nte a teori~ lunar du ma.fé~. sio, bistori<:ametlte, derî- afi rmaçâo; "As asserçôes que podctn rccair no campo da ciência sào aquelas ve-
vaçôes do c::onhecimento astrol6gico_ Newton, ao que pJrect, rell;lt.ava e m a.eeîtar uma tcoJÎa da. me5m.a rificâveis por afirmaçèes d erivadas da observaçào; elas coincidem , a inda , corn a
familia da qur afinn:ava, por excmplo, que as epidemias de gripe enm cawadu p<>r uma "inlluência" categoria que compreende todas as assercivas genuinas ou significativas" . Scgundo
ast ral. Calileu. por sua vet, chegou a rejeitar a <«>ria luJtar d u ln<lrb. sem dcavi~ pela mesma mi<>.
Al~ diMo, o r.ceio que tinha de KepJ.,r poele ser facilmer>te expliado j>elo seu receio em ,..laçiet à as·
esta visào, portanto, lui uma coinâdéncia da venficabilidade, do sigmficado e do
trologia. carâter cientifico.
r,.~~,., ,

CIÊNCIA COt"]F.CTllRAS E RE!' UTAÇën;s 71 /


1· 70 CO!>:JECTURAS E REFU1'AÇ0ES
ii
Minhas cdticas a respeito da verificaçào tiveram, contudo, algum resu ltado:
Pessoalmeme, n unca me interessei pdo problcma d o ~ignificado : ele sem pre tevaram rapidamen~e os fil6sofas \·erificadonistas do sentido e do sem-sentido à
m e pareceu um p roblema apenas verbal , um tlpico pscudoproblema. Estava s6 in- mais completa confusâo. Originalmente, a proposta que consid erava a verifica·
teressado no pro blcma de demarcaçao, ou seja, na procura de um critéria para bilidade como critéria de significado er a pdo menas clara . simples e e ficaz . o que
dt'finir o caratcr cicntîfico das teorîas. Foi sô esse interes~c que me fez perccber nilo aco mecia corn as modificaçôes e substituiçoes introd uzidas. 7 Devo d ir.er que,
imediatamente que para a verificaçao d e tcorias de Wittgenstein o critéria da sig- · h oje, as pr6pri as pessoas que p articiparam do processo perceh em isso . Mas, coma
nificaçao dcveria funcionar cambém como um critéria de d emarcaçâo; que, como sou normalmente cita-do· coma uma d elas, desejo salien tar q ue, embora tenh a criado
tai, era complctamente inadequado, m csmo sc nào lcvâssemos em con ta os pro" a confusao, jamais panicipci dela. Nâo propus a refutabilidadc o u a œstabilidade
blemas d evidos ao conceiLO duvidoso de "significado". De fa to. o critéria de demar- como critérios de sig nificado. F;.mbor_a po~a m~ consid~rar.cul)?ado p_or .h!'ver in-
caçào de \Vittgenstein - p ara ucilitar litinha terminologia n este contexto - é o da troduzido am bos os termos n a dtscussao, nao os m t rodU2.1 na t eona do s•gmf1cado.
ve rificabilidad e , d a c apac idade de dedu:tir a teoria d e afirmaçôes derivad as da ob-
servaçao. Mas esse crité ria é ao m esmo tempo muito rcstrito e muito am plo: e xd ui As criticas ao meu ah•gado ponto de vista se d ifundiram muito e a lcançaram
da ciência praticam ente t!ldo o q ue a c'a racterîza, ao mcsm o tempo que deîxa de - êxito. -Mas ainda nâo encontrei nenhuma crîtica às minhas idéias.S A testabilidade,
excluîr a o>.strologia. N enhum a teoria cientîfica pode ser d edu1.ida de a lirmaçôes por enquanto, tem sido largamente aceita como critéria d e demarcaçâo.
derlvadas da observaçào, ou descrita como funçao da vcrdade nd a s contida.

Em diversas ocasiôes demonstrei o que aca bo de expor aqui a seguidores de


Wit tgenstein e memb res do Circula de Vicna. Em l 931-;l2. resumi minh as idéias lV
num livro um tanto e><tenso (que foi lido por varias membros do Circula. m as nun-
ca publicado, embora parte dele tenha sido incorpor ado ao m eu livro Log·i c nf Discuti o problema da demarcaçâo deta\had ameme porque ac rcdito que sua
.Scientific Discovery); em 19~ . publiquei u m a carta escrit a a o editor da revista Er- soluçao da uma cha\'C p ara a m aioria dos p roblemas fund amem ais d a fîlosofîa d a
kenntnis na qua i tencci condensar em duas paginas minhas idéias sobre os p ro. ciéncia . Mais adiante, relacionarei alguns desses problemas, m as a penas um deles
blemas d e demarcaçào e indu çào.~ Nessa cana e em outros trabalhos. descrevi o a ind uçào - p odcra ser ùiscutido amplam ente a qu i .
pr oblem;x de signilicado como urn pscudoproblema. cm contraste corn o da de mar·
caçào. Os membros d o Circula. no entama, dassîficaram minha contrib uîçào como h llercssei-me pela problcma da induçào cm 1923. Embora efe csteja inti-
uma proposta para substitui r o cr içério de significado par a verificaçao por um mamcnte ligado ao problerna de dcmarca çao, durante cmco a nos nâo fi7. uma
critéria d e sigmficado para determinar a ''refutabîlidade" - o que efetiva mente es- avaliaçiio com p leta dessa ligaçâo.
valiava minhas proposiçocs de qualqucr scntirlo .6 De nada adiantarallJ mcu5
protestes. em bora a finnasst: q ue estava teutando reso lvc r n ào o p sE-uùoproblem a de
significado , ruas o prob lema da dcma rca çào.

7 .... 0 exemplo m•i• re<:cnte do modo como a historia desse problema pode •~r mal interpretada é o
traba1ho de A. R . Whitr "No1as Sobre Signifiodo e Verificaçio- . em Mind, 63. 1954. pâginas 66 e
5 - Meu t ivro Lotir of Sr;ientijic Discowry ( 1959, 19611, 196.1) norm>.lme11<e rire ri do o.qui como L. Sc. 5cguintes. 0 artigo de j.' L. Eva ru c m Mind, 6_2, 1953, pâgina_s 1 e s.guinte•. c riticado por White, t n•
D., foi traduzic1o de Logilt der Forschuns (19$1) com 1.1ma série de notas e a pendic.; adicionais, in- minba opi ni~o excelente e ahamentr perccpti"'O. Comprccnsl\'elmentt, nenhum dos .aucor~ cunscgue
dusivr (nas paginas 312-3 14) a cana do EditoT d a F.rlumnlnis mtndonada no tcxto , pub lk ada ~la recon>truir =a histô ria. (Pode ·«: cncontrar algumas su gesti'>es no meu livro Open Soâely antl l iJ
primeira va em ErAtnntnis, S, 19$5, p~nas 426 e •egaintcs. EnemieJ. Cap. Il , notas 46 . 5l e S2: ha uma an~ lise m ais compl<ta no Cap. Il deste livro) .
No que diz re$peho ao Ji.vro nunca publicado , mcncionado acim:a , video trabalho de R. Car nap 8 _ Em L. Sc. D .. dis<uti certas objeçôu p1auslveis que continuaram entre tanlD • ..,r ln a ocadu, sem
"Ueb.,- ProtDicoll.staie"' ( As Propo:n'çotJ'PTotoco/4r<J), e m ErAe,.nt"if· 5. 193.2.._ pagina• 215 a 228, onde, a qualquer referência b m inh.os respostas. Unu ddas é a arg11mentaçoo de_ que a refutaçâo ~e um_a lei
par1ir da p agina 22S, o a utor aprcoenta u m rsboço da minha tcoria, q ue ~ceita e chama d e "procMi· natnr~l 1- 1in impossîvt>l "}Uanto Su;t "eri ficaçào. A r-t=sposta é qu.e !.!:!>.?<il o bJCÇii.O C'OTI funde do as nhc~ \h::
mento B", diu:ndo: "Partin<io de panto de vista rlir,.r~nte d o de N eun th (qt~e de3cn'\'olvt:u o que C... ul.ap anâlisc complctamente d ;rerent'-"S {como arontcc:e corn a afi.nnaçào dt que demonstr~çües matemiticas
do nom ina, na pâgirta 223, "proc«<imento A"}, Popper dcscnvolvcu o ''proccdimeoto B' como parte de do impossiveis. pois por maii vez.es que se repita a correçào, nào podemos ter certez.a ~e q ue nâ_o IC·
seu sistem a": Apô:s uma minud05il de.scriçilo di minh il leoria dos test~. Ca.rna.p resume -'Uas idtias: nhamo.s· deixado de nou.r um erro). N" primciro nJvel. h~ uma a$.$imeuia 16gica : uma d.ntca a~erçao -
"Ap6s comparu os diversos a rgumr.ntos ilCJ,Ui dW:;ucidos, parr:cc·me que a .:~egum.la fo rma de Jinguagern, sobre, por 01emp1o, 0 peri~lio d~ M~cOrio - pod~ fo~almente re(Ulu as 1e is_d<O KeP_~er, mas esta•
com o procedimento B - n a forina descrita aqu i - ! a mail adequ.ada de Iodas ~• formas de lillg\l agem nlo podcriio >eT formalment~ •enficad u por • firmatovas Jsoladas. qualquer que >eJa .eu n:o~~ro. A len·
cieodf~ea atualmente dd m d idas ... na teorio do conhecimen10" . 0 trabaUio de Carnap cont6n o pri- cativa d~ minimjt :ar C'$5it assimctria s6 podt:ri re1ult.ar em oonfu.sio. N o Oulro nh·el d~ anahse, podt:mO$
meiro relata publicado sobre minha teoria dos lesto criticol. (Vide também minha1 obSUVllçéle> erhicu h~sitar ~m acdn.r uma ass.ertiva qualtt.oc:T. mesmo a m als simpla ~rùva derivada da observaçào;
em l. Sc. D ., not ai. seçào 29, pigin~ HM, onde ~ dat a 1935 deve!â« >n igida. pa ra 193%; <noCap, Il podem os mostrar que toda assertiva e11volv<: uma inlerj>retaçilo cl lw: de teorias e f, portanto, in_crrta.
deote livro). Juo nâo aftta a a.'isime1rta fundamemal, mas ~ de graJldl!!! importlncia ; antes de Harvey, a malon il dO$
6 - 0 oxemplo de Wittgemtein d e uma pseqdopropœiçlo sem fÎfilÎficado é o seguintc: "Sôcrat<i ;; que di=cavaro o cor.o.çio Cali am observa~ <rrônoas - . ju.otam~nte ~queiM qu~ dcsejan.m b~.er. Nlo
idblcico", Obviamcnte, " afimtaçlo "Sôcrates nio E idtntico • ta mbém nio rem •ignificado. l ogo, a pode h aver observaçâo tolalme nte squra, bvre dos pe11gos da tnt<Tpretaçlo err~nea. (Esse l um dos
negaçào de q~U.Iq.,er alirmativa sem signlficado tamb~m nào teri 1ignificada, e a de uma alirmaç3o motivoo JXlo> qu•is a teoria da lnduçlo nâo fund ona). A "bue empirica" consiate quue sempre em '.lltla
corn •ignilicado. seri sentido . M .., como oboervei em L.St .D. (p. u . nas p.iginao !18 e ~int<S) e, m ais miscdânea d e lco1'ÛlJ de menor grau de unîv<::-salidadc (de "efeitos rq>roduzlvels"). De qualque r m od?·
tarde, em minhas criticM, c ne.(açiio d• .umct cfrtm4çôt> "trst~l~(ou stja, jxasJloe( d• Hr rtfutadô), Mt> indcpendememente da base q ue o investigador aceite (arrùcadameme), elc s6 poderi restar sua teona
: str6. 11tC.tJJ4n4mmte "ttJtdvd"_ Pod~·&e imag;n.ar a tonfuslo q_ge Jl.trg~ q aando .se considera a '"te-$,a· tentando refuta-la.
~-. · . bilidade'' como um critério de .signiftc~tdo e niio de dfmu>_coç/W.

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72 CONJECTURAS E REFUTAÇÔES CIÈNCIA: COI'Jf:CTURAS E REFUTAÇÔES

Como · jâ indicado, essa teoria genétic.o -psicolôgica esta incorporada à lin·


Aproximei-rne qo problema da induçâo atràvés de Hume, cuja àfirmativa guagcm o rdinaria, e por isso nâo é tao revolucîonâri~ quanto a creditava Hume: é
de que a induçâo nao pode scr logicamcnte .iustificada eu considerava correta. de fa ta uma teoria psicolôgica extrema mente popular - P~.~te do "~o;~o _Çp!_llum''
Hume a r gumenta que nào pode haver argumentas l6gicos validQ.! 9 que nos per· poderîamos dizer. Contudo, a despeito da minha profunda admiraçâo por Hnme e
mitam afirmar que "aqueles casos dos quais nào tivemos eJCPerilnâa alguma as- pdo senso comum . estava convencido do e rra dessa teoria psicol6gica ; convencido
semelham·se àqueles que jQ experimentam os anteriormente_:·. Conseqüentemente, de que podia sei refuta da corn base em argume mos pm·amente lôgicos.
"mesmo apôs observar uma associaçâo xonstante· ou f-reqüente de objetos, n ào
temos motivo para inferir algo que mio se refira a um objeto que JO. experimen- Estava convencido de q ue a psicol og~a de Hume - que é a psicologia po-
tamos".lO Como a experiênda ensina que os
objetos que sc associam const;m- pular :-· estava c rrada cm pelo menos très pontas: (a) o resultado tlpico d a re- ·
teme nte a - outros o bjetos permanecem assim associados, Hume afirma, a seguir: pctiçào; (b) a gê nese dos liâbitos; e especialmente (c) 0 car a ter daquclas experién·
" Poderia rcnovar m inha pergunta da seguinte foTil)a: por que, dessa experiência, cias e tlpos de com portamcnto que padern ser descritos como "acreditar numa lei" ,
tiramos conclusôes que vâo além. dos casos anteriores, dos quc.is ja tivemos expe- ou "esp erar uma sucessào ordenada de eventas".
riênciar" Em o utras palavras, a tentativa de justificar a pratiea da induçao apelan·
do para a experiê,icia deve levar a um regresso infinito. Como resu!tado, podcmos _ (a) () . resultado t îpico da repetiçào - por exemplo, da repettçao de um
dizer que as teorias nunca podem ser inferidas de afirmaçôes derivadas da obser- (recho m usical dificiJ.-.executado ao piano - é q ue os_ movimcnto~ qu~ in icialrnen te
vaçào. o u racionalmentc justificadas por elas. neccssitavam de atençâo sào afinal e)CeCutados automaticamemc. Podemos d izer
· que ri _proc~sso se rorna radicalmente abreviado e deixa de ser consciente: toma-se
"fisïol6gico''. ~.e p rocesso , longe de criar ~ crença numa Ici, ou a expecta tiva de
Considero a refuta çào da inferência· indutiva de Hume clara e conclusiva. u·ma sucessao d e ·eventas aparentemente has..ados numa lei, pode , pc lo co!.'tr~riu,
Mas sua explicaçào psicologica da induçào em tcrmos de costume ou habiw mr ini'ciar·se corn 1,1ma crença consciente e d estrui·la, tornando-a supérflua .. Ao a pren-
·dei.~a wtalmente insatisfeito. d ermos a a~dar de bidcleta, podernos começar corn a ccrteza d e que-,' para evitar
uma q ued a, devemos volt ar a- roda para a d ireçào em q ue ameaçamos cair : essa
T em -se natada com f~eqüência q ue essa explièa çào d e Hume é pouco satis· certcza pod èra ser util p'ara guiar r.osso.s movimentos. Depois de alguma prâtica,
fat6ria em termos filo~ôfîcos . Sem d uvida, contudo, ela p retende ser uma teoria podemos esquecer a regra: na a p recisamos mais d ela.. Por outro la do, se é vcrdade
Psicologica e nâo filo~ôfica , pois procura da r uma explicaçao causal .a um fato que a repetiçao cria expect ati\'as inconsciemes, estas s6 se tor-nam consdem cs a
psicolôgico - o fti.t o de que acredilamos em lei!J, e m assercivas que afrrmam a partir do momcnto em que algo sai errado (nào percebcmos as batidas do rel6gio ,
regularid ade de ccrtos eventas, ou em certos ti pos de eventos constanteme nte as- mas notar~mos o silëncio;se o relogio parar).
sociados - afirmando que este f ato (; d cvid o ao (isto é , constanternente assodado
ao) habito ou costum~ . (b) H a bitos e costumes, via de rcgra, nào se o riginam na rcpet içâo. Mesmo os
i habi tos de andar, fala r e corner cnl horas determ inad as têm inicio antes de que a
Mas cssa reformulaçiio d a teoria de Hume é ainda insatisfatori a, pois o que repctiçao p ossa ter um pape! importante . Podemos dizer que s6 merecem o nome
aca bo d<: descrever como um "fato-psicol6gico" pode •er descrito como um costume de "habitos" ou "costumes" a partir do momcnto em que a repetiçào exerce scu
ou hâhilO - o costumct ou habito de acreditar em leis c eventas regulares; de fato, pape! t1pico; nào podemos alirmar. no .entanto, que a prâticas em q uestào se
nâo é muito surprcendcnt_e nem csclarecedor ouvir a explicaça o de que tai costume _o rig inam d e inumeras repetiçôes.
ou habito ~. d evido (ou associadci) a um ·habita ou costume difcrente. S6 quando nQ.!
Jembramos de que as palavras "costume" e '"hoib ito" sâo usadas por Hume , como
também na linguag-em corrente, nào sô para descrever com portamentos r~gularcs r (c) A crença numa Ici_ nâo corresponde precisamente ao comportamemo
que ·revela a cx pectativa de uma sucessao de event os aparentemente base ados n uma
mas sobretudo para teon·;rar sobre sua on'gem (a trib·.llda à repetiçao freqUente) é lei ; cotHudo, as du as coisas estao wficiemcmente in ted igadas pa.rn que scjam
que podemos reformular sua teoria psicol6gica d e maneira mOI.Î.s .satisfatôr ia. Po- . cra tadas cm conjunto: podem talvez resultar, excepeiona lmente, da mera . re-
dcmos a finnar ent~o q ue, como a contece coin qualquer ou tro hibito, nosso hd./:Jito• ~~iç~o d e im pressôes dos scntidos komo no casa' do ret6gio que deixa de fun-
de acre dit ar em leis é prodtito da repetiçào freq üente - da obser vaçâo repeûda d e cionar). Estava disposto a admitir isso, mas norm almentc, e na maioria d os casos,
que coisas d e uma certa natureza associam-se constantemente a coisas d e outra f clas nao po_d em ser explicadas dessa maneira. Coma admite Hume. ~Ill-a U.nica.?b-
J
nature~a.
_servaçâg. poçle _ser sulidénte para cri ar _U_J!l,a _expt;:ctativa ou uma cr~nça_ - fato
que elc ·j>rocuriï ~xplicar camo resultado de··um habito indu tivo. formado por
inu meras Jon,gas seqüéndas repetitivas que ex.perimentamos cm period o antcrior da
nossa vida ,11 Mas isso era a penas um3. tentativa de explicar .fatos desfavorâveis que
9 - Hume nào u.a o termo "16Jico" , m.u sim "demonstrati\10" - •~rminol~gil que, creio. tende a ameaçavam a teoria; uma tentathra malograda, pois esses·fatos pod em ser obser-
causar equiiiOcO. A. duas ci<açi'lc! •eguintes for.am relir. dos do r ..-.crtise of Human N<UuT~, tomo 1, vados em filhotes· d e a nimais e bebês. "Seguramos um cigarro aceso perto do fo·
parte III . oeçi\Q vi e di. (A t nfaoe é do prl>prio Hllme).
10 - Eota citaçào e a seguintc foram do wç. ciL oc:clu vi . Vide tam'bém o En<1_1<1ry Con ctrn•"6
Hum"" Unde-ntu.ndinc, do meomo autor, _seçâo IV, pane 11. c o A lnlmct, editado ern ~~~8 por J .M. 11 1 Tnati>e. 1eçào xlii; scçio xv, regra ol.
Keynes e P. Srart>., pigina 1 >. dtado em L. Sc. O., no novco ap!odi.c,.• VÙ , -to da 6.oota

-----~· -- · ---- - ------ · -- .... - ·-·


74 CONJE!':TURAS f. REFUTAÇ0 ES
'
1 Cil~!'ICI A: ÇONJ ECTCRAS E. R F.Ft)T AÇÔES 75

l teoria 16gica da induç~o. Na verdadc, que prc tendemos exp!icar? No exemplo dos
cinho de cachon-inho~" . relata F. Bage. "Eics a~piraam uma 'vez c fugiram: nada
podia induzi·los a retornar à origem· daquele cheiro. Alguns dias mais tarde,
} cachorrinhos. queremos explicar um tipo de comportamemo .que pode ser descrito
como o reconhecimento ou a inlerpretaçào de uma situaçào como repetiçào de
a penas ao ver um cigarro ou mesmo um peda<;o .de pape! b ranco enrolado. rea · omra; daramente, nào podemos csperar explicâ-la apelando para repetiçôe.<; an·
g îam, fugindo e cspirrando". l2 Sc procurarmos explicar casos como esse postulan· teriores, pois percebemos que tais repctiçôes anterior es dcvem ter implicado ram·
do intimeras longas ~eqü.fncias rcpetitivas prévias nào s6 c$taremos fantasiando m as bém outras repetiçôes. d e n1odo que o mesrno problema rcssurge sempre: o pro·
tamb~m e:;quccendo de que na cuna vida dos~(ilhotes deve haYer tcrnpo nào sô
L
!
para a repctiçào tnas t ambém para muita novidade c, com cqüentemt>nte. o con -
trârio da repetiçâo.
• 1
blema de reconhecer ou interprelar urna simaçiio como repctiçâo de uma auea .

De modo mais cond so, podemos dizer que vemos a similaridade camo o
re$ultado de uma respost a que· el\volvc irîLcrpretaçôes (as quais podem nào se!
Mas niio sâo ape nas cenos fatos empiricos que negam apoio às idéias de adcquadas), antccipaçôcs e expeC(ativ,as (qùe ppdem nunca sc m aterializar). ~
Hume ; hâ também argumentas d ecisivos d e natureza f;iuramentc l6gica contrârios â _ÎID.J~Q~jvcl. Jl!J!}anto cxplicar antecipaçôes.· ou expectativas como o resu.ltado. de;:
sua t eoria psicologica. · muitas repttiçôes ·.. conforme sugerid o por Hume ..Corn efeiLO, mesmo a primcira
repciTI;ào (èo!lio a 'vemos} precisa csta r baseada naquilo q ue par a n6s é simila?dade
A idéia cemral da teoria. de H ume é a d a repetiçâo baseada na Similaridade - è portarno expecta~iva - preeisamente o tipo d e coisa q ue qucriamos expl1car.
(ou "semeJhança"). Essa idéia {: usada de mancini m uito poulo cri tic a: som os
levados a pensar nas gotas de. âgua a corroer a pedra : seqüências de eventos inques · 0 que demonstra que a teoria psicolôgica de ·Hume nos leva a uma situaçào
tionavelmente semelhantes impondo-se a nôs vagarosamente, como o funcionamen· de regrcsso infinito.
to de um relôgio. Mas devemos notar que, numa teoria psicolôgica como a ~e i
Hume, s6 se pode admitii· que tenha efeito sobre o individuo aquilo qu"' para e le se_ Pcnso que Hume nunca aceitou plenamcnte sua pr6pria an a lise. T endo
caracteriza como uma rcpetiçao, baseada em similaridade que sô ele podcrâ iden· . rejeitado a idéia l6gica d a induçâo, ele foi obrigado a .enfrenrar o segui_nte pro-
tificar. 0 individuo deve reagir às situaçoes camo se fossem equivalentes; d eve con- blema; como podcmos efc tivamente alcançar o conhectmento de que dtspomos,
siderâ-Ids similares; devc interpreta-las camo repetiç()es. Podemos presumir que os como um falO psicolôgico, sc a induçào é um proccdimento logicamcnte invâlido e
cachorrinhos mostraram; pela sua resposta - sua maneira de agir ou re~gir - que racionalmentc injustificâvel? Ha duas respostas possive is: 1) chegamos ao conhe·
haviam reconhecido ou imerpretado a segunda situaçào como repetiçào da pri· cimenta por método nao induti_vo (rcsl~osta com pativel corn um certo racionalis-
me ira: esperavam a presença d o d emento principal: o cheiro · desagra9-avel. A mo): 2) chcgamos ao conhècirn~nto pela repctiçao c a induçao -· por conseguinte,
situaçào foi pcrcebida por dei; como uma repetiçà:o , pois reagi ram a ela antecipan· por método logic amcnte invâlido e racionalmr.nte injustificâvf![, pclo que todo o
do sua similaridad c à situaçào am<:rior . conh('dmcn w apa rcn tc nao passa de urn a modalidad c dr. crcnç,a , baseada no
hâhito (resposta que implicaria a i.-racionalidade até rncsmo do conhecimcnto cicn·
f'..SSa critica aparcnt crncnte de carâtcr psicol6gico tcm uma base puramente tifico, lcvando à cond~ao de q ue o rad on;dismo é a bsurdo c d eve scr abando·
lôgica, que podc ser sintctizada no seguinte argume11to. bastante simples (acidcn· nada). Nào cxaminarei aqui as tcntativas imc:mo ria is .... que voltaram â moda - .i
talmente , o mesmo com que comecei minha critica)· o tipo de repetiçào imagi- de rcsolver o problema afi rmando que embora a induçào seja logicamcn te invâlida.
nado por Hume ianlais podc ser perfdto; os casos que ele expôe nào sào casos de se entendemos por " lôgica" a 16gica d edutiva, ela possui seus proprios padrôes ·1
,i
similaridade pcrfeita; sâo a penas casos de scmelhança. è ogo, 5ào repetiçoes apenas 16gico~. o que se pode comprovar com o fato de que todos os hom ens razoâvcis a
se consideradas de um ponto de ui.sta em particular (aquilo que sobre mim tem o utilizam rzaturalmente: a grande realizaçào de Hume consistiu justa mente em des·
efeilO de u ma repetiçâo podcrâ nâo ter o mcsrno cfeito sobre uma ara nha). Mas isso truie cssa idcntificaçâo errônca da questào factual ~· quid facti? ~ corn a questào
.~igni fica que, E2I. mutivos l6gicos. dt'vc h aver sempre um ponto de vista - um sis- da validadc ou da justificaçào - quid juriû (Vide o ponto 13 d o apéndice ao
tema de expeClativas, a n tecipaçôcs. premnçôes ou. interesses - antes que possjl presente cap.)
~~jgir. q~~lgu,Ç r_ rê petiçào_; 0 ponto de vista , conseqüenterne nte . nào p()()t" sl!r
.!!lerann:nù; resulta do da repctiçào. (Vide também o apêndice • X. (1 ), em
L. Sc. D.). Ao que pamce, Hume nunca con.~idero"! seriamenre a p rimeira altcrnativa.
Depois de rejeitar a explicaçào lôgica_da induçào pela repetiçào, o filôsofo "ne-
gociou" corn o born senso permitindo o retOrnb d a idéia de que a induçào se b aseia
Para os objctivos de uma teoria psicolôgica que explique a origem das nOSS<Is
crença.s é preciso, po rtanto, Sl._l_bstituir a idéia ingênua de eventos que jào scmelhan.: na repe tiçào, revestida de explicaçào psicol6gica. 0 que propus foi recusar essa ·1
t~ria de Hume, explicando a repetiçào (para nos) camo conseqiiência da nos.sa in·
tes pela idéia de eventes aos quais reagimos inlerpretando-os como semelhames..
M-as, s~ é assim (e nào consigo ver ne~hum modo de evita -Jo) cntào a teoria psi- clinaçào para esperar regularidad,es, da busca de repe tiçoes, em vez de explie;1.r tal
colôgica da induçào proposta por·H umc le va a um regresso infinim , prccisamcme inclinaçao pelas pr6prias ~epetiçôes.
anâlogo ao que foi descoberto pdo proprio Hume e usado por cie pan derrubar a
Fui levado portan to, por conside raçôes purame nte lôgicas , a subst ituir a
teoria psicol6gica da induçào pelo pomo de vista segui.nte: em vez de esperai' pas-
12 ~ F. Bage, "Zur Entwicldung. etc:", ùitsehriflj. Hurulqorsd."n', 19~3: D Kali, AnimoiJ cmd sivamente que as repetiçêies nos imponham ·s uas regularidades, procuramos de·
Mm. cap'. VI, '">ta.
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?6 CONJECTURAS E RERITAÇÔES CIÊNCIA: CONJF.CTURAS E R F.FUTAÇÔES 77

modo at ivo impor regularidades ao munrlo . T,.nt,mo~ tQ!..!'J.tfi<:".ar similaridades e suas necessidades. ·a tarefa e as expcctativ"s do memen to que forneccm um ponto
interpretâ·las em tci-mos de leis q ue inventamos. Sem nos d etermos em p remissas. d e vista; no casa do cien ùsta, sao seus interesses teôricos, o p roble ma que est a in ·
damos um salto para chegar a conclusôes que podemos p recisar pôr de lado, vestigando. suas conjecturas e antecipaçôes. as teorias que aceita coma pano de
caso as observaçoes nào as corroborem. · fundo: seu 941!9f.Q•.ge.r~~!!Q.cias, seu "J!o.rizonte de expectativas".

Tratava·se de uma teoria has,.ada em processo d e tcntativas - d~ conjec- 0 problema " Que vem em pri m eiro lugar: a h iflôtesc (H ) ou a ub servaçlio
tur~ ~.ufutaçôes. Um processo que perrnitia compreender por que nossas temativas (0)?" pode ser solucitmado; coma també m se pode rcsofver o problema "Qu~ vcm
de impor interpretaçoes an m undo vinham , logicamcnte, antes da obscrvaçâo d e em primciro lugar: a galinha (G) ou o ovo (0 )?" (A resposta adequada à primcira
similaridades. Como havia ·razoes l6gicas para agir assim . pcnsei que esse proce· perguota é "Uma hipôtesc anterior''; a resposta apropri<!.da à -~cgunda é "Um ovo
dimento poderia ser a plicado também ao campo dentlfko; que '!',S. teorias cientl: . anterior")É verdadc que qualquer hipôte~e particular. que adotemos sera .sempre
ficas nào eram uma compÔsiÇào de oboervaçoes mas sim invençôes - conjecturas. p reccdida de observaçoes - po r exemplo, as observaçôes "que ela se destina a ex·
·;prcsentadas ousada rn·entc,' ·p arà sercm eliminadas DO CaSO d e nâo Se a.iustare rn âS piicar. Contudo, essas observaçôes pressu pôem a ad oçào deum quadro de rèfèrên·
observa'çôes (as quais rararnente eram acid entais, send'o coligidas, de modo gerai, - cias - uma teoria. Sc as o.b~ervaçOes "iniciais" tëm alguma sigtüficaçào, se pro·
c~in ·o propôsito d efinido de testar uma teoria procurando. sc possivel , refuta-la]. vocar~.l!l_a nec~~i~~~d~ u~~~p!i_caç_~o, da!!do _ôi!s'~~ _assim _(! ~rna_ !!iJl.2t~s~. ~
Ps>rque nà.Q..P_o.t!i~!!!_.§.eL,c;l.\RUS.!da~.nelo._ ggadro_t<;6.Iiç_Q_ preced.Mte, o antigo ho·
v rizonte de expectativas. Aqui nâo corrf"m os o perigo d e encontrar um regresso in·
fin ito: se reci.Isarrnos a teo rias e mitos cada vez mais primitivos, chegaremos tina!·
A crcnça d e que a ciência avança d a observaçao para a teoria é ainda accita mente a expeetativas inconscientes e inata.s.
tâo firme e amplamcnte que minha rejeiçao dessa idéia provoca muitas vczes
reaçào d e incredulidade. Jâ fui a té acusado de ser insiocero - de negar aquilo d~ É daro que a tcoria das idéia> inatw· .: absurda; mas todos os or.~an1smos
que ninguém pode razoavelmente duvidar. tëm '!!!f~f!! ou resPostas inatas · · entre el as. res postas· adaJ>lad~s a àë~meci~ë~t~
iminentes. Podemos dcscrever essas respostas como "expcctativas" sem implicar que
Na verdadc . porém , a crcn ça de que p odemos corneçar exclusivamente corn tais "expectativas" scjam imineotes. Assim, o bebé rccém·nascido ''tem a expec·
observaçôe~ . sem qualqucr teoria . é um absurdo, que poderia ser ilustrado pela es· tativa" de ser alimentado (hem como - poderiamos dizcr também - a expectativa
tôria absurtla do bo rnem que se dedkou d)lra mc toda a vida à ciên cia natural ... d e ser protegido e amado). Tcndo ern vista a relaçao estre ita entre a e~pectativa e o
anotando todas as observaçoes que pôde fazer , lcgou·as a uma ~ociedad!! cientifica conhecimcnto, podcmos fa lar mesm o, de modo muito razoâvel, cm "con hecimento
para que as usasse coma cvidéncia indllt iva. Um a anedota que nos devcria mo strar inato": um conhecimento que nào é valida "a priori" - . um a cxpectativa inata. por
que podemos colecionar cum vaotagem inseto~. por exemplo, mas nào obscrvaÇôcs . m ais fone e especifica que scja·. pode constituir um cqulvoéo (o bcb~ recém-nascido
pode scr abandooado e marrer de forne).
Hâ um quarto de século, procurci c hamar a atcnçao de urn g rupo d e es·
tudantes de fisica , em Viena, pa r a este pontq, começando uma coofen?ncia corn as
seguintes instruçoes: "T omem lapis e pape!; observem cuidadosamente e anotem o .lii!~fT.~Q.~ •. port~_nt_t;> ... «!:.'.r.~__cxpectativas - - com um _ "conh~çjmcnto': . que.
que puderern observar" . Os estudantes quiseram saber. naturalmente, o que d e · . emboT~ _E:~o sej~-~li<i<?.~ p rion:, é psicologica ou g eneticamen_te q.prj_qrîs~ico - is·
veriam ouservar: "Obscrvem - isto é um absurdo!"13 De fato, nào é mesmo h a · to é, ahterior a toda a expcriéncia deriva da da observaçào. Uma das mais irnpor-
bitual usar dessa forma o verbo "obsl!rvar". A obsen·açào é,sempre seletiva: exige tantes,Aes~as expect_ativa~ -~ _a_ çl_ da
c ~nssn!t.!a.r . rcgul'!',r:idad~$. - esta as.SociadaTin:·
um objeto, uma t arefa definida. um ponto de vista, um interesse especial, um clinaçào inata p ara localizar regularidadcs - ou à neceMidadc d e encontrar re·
problem a. Para d escrevè ·la é preciso empregar uma linguagem apropriada . im· gularidades -. como podemos perce ber pclo pra71er que a crianÇa sente em satis·
plicando similarid ade e dassificaçao que , por sua vez, implicam interesses. pon· faier esse impulsa.
tos de vista e problctnas.
Esta expectativa "instio tiva" de encomrar r egularidades, que é psicologi.
Ka tz escreveu 14 : "Urn anim al famio to divide o ambiente em objetos
comcstiveis e nao comestîveis. Um animal q ue foge enxerga cam·i nhos para a {ug a e j camente a prion·, correspond e cstreitamente à ''leid a causalid ade " que :Kant con·
sidcrava urna parte do nosso equipamemo mema\, valida a priori. Poder-se-ia diter
escooderijos... De m odo gerai. os objetos mudam ... de acordo corn as necessidadcs que Kant deixou de traçar a distinçào entre as form as de pensar e de reagir psi-
do animal". Poderiamos acrescentar que s6 de§.~l!-JO.!.Trlf!._.-= relac:io~_afld.o-se co~ cologiamente apriorîsticas e . as crenças validas a prion·. Nao creio, porém, que seu
necessidades e interesses - podem os. objetos ser classificados, · assemelhados ou. equtvoco tenha sido tao elementar - de fato·; .! !=XPCCt!itiva de__~~50ilt~'!~_!_c:;_g_~l_!l·
d.ifer~nÏ:lados~ A rn e5;;;a· reg~a· së.. ~pTI~a t i;mbém aos cien.tista~. Para o ani mal sào ridades é aprioris!Îca uao sô _psicol<>g_icamente mas t ambém l~carncnte; em termos
i6gico$~Tant~rlor_à.toda ..a- expè.rién~;~ dëi-T~~da da Ô-bservaçâo, prccedendo, como
vimos, o reconhecimeflto das semclhanças; e toda observaçào envolve o reconhe·
1! - Vide • seçào 30 de L . 5<. D. a
c_imeot<> do que~ semcÎha[)të e. do que nàoo_ é. Mas, d~~peito d.ë"scrÏo,l"{iêamente
14 - K.all, loc. ci!. apriorlstica, neste sentido , a ex:pectativa nào é valida a pn'ori. Ela pode falhar :

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