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CONHECIMENTO
OBJETIVO
K arl R. R opper
U N I V E R S I D A D E DE S Ã O P A U L O
1 /iC - A-
461
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PICHA CATALOGRAFICA
[Preparada pelo Centro de Catalogação-na-fonte,
CÂMARA BRASILEIRA DO LIVRO, SP]
Bibliografia.
1. Indução (Lógica) 2. Teoria do conhecimento
I. Título.
CDD-121
-161
75-0232
13
Capa de
CLÁUDIO MARTINS
CONHECIMENTO
OBJETIVO
Uma Abordagem Evolucionária
Tradução de
MILTON AMADO
Dedicado a
ALFRED TARSKI
19 7 5
Direitos autorais para a língua portuguesa adquiridos pela
EDITORA ITATIAIA LIMITADA
de Belo Horizonte
IMPRESSO NO BRASIL
PR1NTED IN B R A Z I l
t
PREFACIO
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SUMÁRIO
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nhecimento no Sentido Objetivo, 77. 21 — A Procura da
Certeza e a Principal Fraqueza da Teoria de Senso Comum
do Conhecimento, 79. 22 — Observações Analíticas sobre
a Certeza, 81. 23 — O Método da Ciência, 84. 24 —
Discussão Critica, Preferência Racional e o Problema da
Análise de nossas Escolhas e Prediçeõs, 85. 25 — Ciên
cia: o Crescimento do Conhecimento através de Crítica e
Inventiva, 88. TJma Reflexão Ulterior sobre a Indução, 88.
26 — Os Problemas de Causação e Indução, de Hume, 88.
27 — Por que o Problema Lógico da Indução de Hume é
mais Profundo do que seu Problema da Causação, 93.
28 — Intervenção de Kant: Conhecimento Objetivo, 94.
29 — A Solução do Paradoxo de Hume: Restauração da
Racionalidade, 95. 30 — Confusões Ligadas ao Problema
da Indução, 98. 31 — Que Resta do Errôneo Problema
de Justificar a Indução?, 99. 32 — Ceticismo Dinâmico:
Confrontação com Hume, 101. 33 — Análise de um Ar
gumento Provindo da Improbabilidade de Acidentes, 103.
34 — Sumário: Uma Filosofia Crítica de Senso Comum, 105
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1 — CONHECIMENTO CONJECTURAL:
MINHA SOLUÇÃO DO PROBLEMA
DA INDUÇÃO
0 irracionalismo crescente em
todo o século 19 e no que já passou
do século 20 é uma seqüência na
tural da destruição do empirismo
por Hume.
B ertrand R ussel
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ajuda de umas sugestões históricas que fiz, a razão de ser deci
siva minha reformulação peculiar do problema. Penso que o
fato de haver reformulado o problema filosófico tradicional foi
o que tornou possível sua solução.
Por problema filosófico tradicional da indução quero dizer
uma formulação como a seguinte (que chamarei Tr):
Tr — Qual é a justificativa para a crença de que o futuro
será (amplamente) como o passado? Ou, talvez, qual é a justi
ficativa para as inferências indutivas?
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I
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A resposta de Hume a H ps é: Por causa do “costume ou
hábito”; isto é porque somos condicionados pelas repetições e
pelo mecanismo da associação de idéias, mecanismo sem o
qual, diz Hume, dificilmente poderiamos sobreviver.
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lógicas entre teorias científicas e observações, mais do que é
dito em H l.
(5) Um de meus principais resultados é que, estando
Hume certo quanto a não existir indução por repetição em ló
gica, pelo princípio de transferência não pode existir tal coisa
em psicologia (ou em método científico, ou na história da
ciência): a idéia de indução por repetição deve ser produto de
um erro — uma espécie de ilusão ótica. Em suma: isto de
indução por repetição não existe.
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da indução, elas vão além do problema original. (Isto é claro,
se considerarmos o tipo de coisa que os filósofos estiveram pro
curando ao tentar resolver o problema da indução: se um “prin
cípio de indução”, que nos permitisse derivar leis universais
de asserções isoladas, pudesse ser encontrado, e se sua alegação
de verdade pudesse ser defendida, então o problema da indução
seria encarado como resolvido.)
(2) Li é uma tentativa de transpor o problema de Hume
para um modo de falar objetivo. A única diferença está em
que Hume fala de exemplos futuros (isolados) de que não temos
experiência — isto é, de expectativas — ao passo que L, fala
de leis ou teorias universais. Tenho pelo menos três razões para
esta modificação. Em primeiro lugar, de um ponto de vista ló
gico, os “exemplos” são relativos a alguma lei universal (ou pelo
menos a uma função de asserção que possa ser universalizada).
Em segundo lugar, nosso método costumeiro de raciocinar par
tindo de “exemplos” para outros “exemplos” vale-se da ajuda
de teorias universais. Em terceiro lugar, desejo, como Russell,
ligar o problema da indução às leis ou teorias universais da
ciência.
(3) Minha resposta negativa a L, deve ser interpretada
como significando que devemos encarar todas as leis ou teorias
como hipotéticas ou conjecturais; isto é, como suposições.
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mente nos ensinou a olhar a de Newton como “mera” hipótese
ou conjectura.
Segundo caso foi a descoberta em 1931, por Urey, do
deutério e da água pesada. Naquela época, a água, o hidrogênio
e o oxigênio eram as substâncias que a química melhor conhecia
e os pesos atômicos do hidrogênio e do oxigênio formavam os
próprios padrões de todas as medições químicas. Aí estava
uma teoria em favor de cuja verdade qualquer químico aposta
ria a própria vida, pelo menos antes da conjectura do isótopo
feita por Soddy em 1910 e de fato muito tempo depois. Mas
foi aí que Urey encontrou uma refutação (e assim foi corrobo
rada a teoria de Bohr).
Isto me levou a olhar mais minuciosamente outras “leis
firmadas” e especialmente os três exemplos típicos dos indu-
tivistas:(1T)
(a) que o sol nascerá e pôr-se-á uma vez em 24 horas
(ou aproximadamente 90.000 pulsações),
(b) que todos os homens são mortais,
(c) que o pão alimenta.
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turas, hipóteses. Aceitando plenamente este resultado puramente
lógico, surge a questão de ver se há argumentos puramente racio
nais, inclusive argumentos empíricos, para preferir umas con
jecturas ou hipóteses a outras.
Pode haver vários modos de encarar esta questão. Dis-
tinguirei o ponto de vista do teórico — do que procura a ver
dade e, especialmente, teorias explanativas verdadeiras — do
ponto de vista do homem prático de ação; isto é, distinguirei
entre preferência teórica e preferência pragmática. Nesta secção
e na seguinte preocupar-me-ei apenas com a preferência teórica
e a busca da verdade. A preferência pragmática e o problema
da “fidedignidade” serão debatidos na secção 9.
Admitirei que o teórico se interessa essencialmente pela
verdade e, em especial, por encontrar teorias verdadeiras.
Quando, porém, ele digeriu inteiramente o fato de que nunca
podemos justificar empiricamente — isto é por asserções de
teste — a alegação de que uma teoria científica é verdadeira,
achando-nos, portanto, no melhor dos casos, em face da questão
de preferir tentativamente umas suposições a outras, poderá ele
então considerar, do ponto de vista de quem busca teorias ver
dadeiras, as questões: Que princípios de preferência devemos
adotar? São algumas teorias “melhores” do que outras?
Estas questões suscitam as seguintes considerações:
( 1 ) É claro que a questão de preferência surgirá princi
palmente, e talvez mesmo exclusivamente, com respeito a um
conjunto de teorias concorrentes, isto é, teorias oferecidas como
soluções para os mesmos problemas. (Ver também o ponto
( 8), adiante.)
(2 ) O teórico interessado pela verdade deve estar também
interessado pela falsidade, porque descobrir que uma asserção
é falsa é o mesmo que descobrir que sua negação é verdadeira.
Assim, a refutação de uma teoria será sempre de interesse teó
rico. Mas a negação de uma teoria explanativa não é, por sua
parte, uma teoria explanativa (nem tem como regra o “caráter
empírico” da asserção de teste de que é derivada). Por inte
ressante que seja não satisfaz o interesse do teórico em encon
trar teorias explanativas verdadeiras.
(3) Se o teórico tem esse interesse, descobrir onde uma
teoria se esfacela, além de fornecer informação teoricamente
interessante, propõe então um problema novo e importante para
qualquer teoria explanativa nova. Qualquer teoria nova deverá
não só ter êxito onde sua predecessora refutada o teve, mas
também ter êxito onde essa predecessora falhou, isto é, onde foi
refutada. Se a nova teoria tiver êxito em ambos os casos, ela
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9 — Preferência Pragmática
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“fixa” se transforma quando é formulada e volta a transfor
mar-se depois de ter sido formulada. Se o resultado de sua con
sideração crítica for a “aceitação”, esta pode ir daquela aceita
ção fanática que tenta suprimir dúvidas e escrúpulos até aquela
aceitação experimental que se dispõe prestamente à reconsidera
ção e à revisão e pode mesmo ligar-se a uma busca ativa de
refutações.
Não penso que tais distinções entre “crenças” diferentes
sejam de qualquer interesse para minha teoria objetivista do
conhecimento; mas podem ser interessantes para quem tome
a sério o problema psicológico da indução — o que não faço.
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Minha resposta é: Não. A teoria da repetição é insusten
tável de qualquer maneira. Aquelas crenças são em parte inatas
e em parte modificações de crenças inatas resultantes do método
de experiência e eliminação de erro. Mas este método é per-
feitamente “racional”, pois corresponde precisamente àquele
método de preferência cuja racionalidade foi debatida. Mais es
pecialmente, uma crença pragmática nos resultados da ciência
não é irracional, porque nada é mais “racional” do que o mé
todo da discussão crítica, que é o método da ciência. E embora
seja irracional aceitar qualquer de seus resultados como certo,
nada é “melhor” quando se trata de ação prática: não há método
alternativo que possa ser proclamado mais racional.
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passo que a ciência de hoje nos diz que apenas sob condições
muito especiais e improváveis podem surgir situações nas quais
é possível observar regularidades, ou exemplos de regularidades.
De fato, como nos diz a ciência, tais condições dificilmente
ocorrem em qualquer parte do universo e, se ocorrerem em
alguma parte (digamos, na Terra), tendem a ocorrer por perío
dos que serão curtos de um ponto de vista cosiüológico.
Claramente, esta crítica se aplica não só a qualquer prin
cípio que justificasse a inferência indutiva baseada em repeti
ção como também a qualquer princípio que justificasse a “con
fiança” (no sentido de Prx) no método de experiência e elimi
nação de erros ou em qualquer outro método .concebível.
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quais sugerem que há uma razão suficiente para descrer “quando
não vemos qualquer razão (suficiente) para crer”.(32)
Tendo resolvido o problema da indução e verificando sua
estreita conexão com o problema da demarcação, interessantes
e novos problemas e soluções surgiram em sucessão rápida.
Antes de tudo, verifiquei logo que o problema da demar
cação e a minha solução, tal como acima exposta, eram um
tanto formais e irrealistas: as refutações empíricas podiam ser
sempre evitadas. Era sempre possível “imunizar” qualquer teoria
contra a crítica. (Esta excelente expressão, que, penso, deve
substituir meus termos “estratagema convencionalista” e “torção
convencionalista”, deve-se a Hans Albert.)
Fui levado assim à idéia de regras metodológicas e da im
portância fundamental de uma abordagem crítica; isto é, de uma
abordagem que evitasse a política de imunizar nossas teorias
contra a refutação.
Ao mesmo tempo, verifiquei também o oposto: o valor de
uma atitude dogmática; alguém teria de defender uma teoria
contra a crítica, ou ela sucumbiría com demasiada facilidade,
antes de poder dar suas contribuições ao crescimento da ciência.
O passo seguinte foi a aplicação da abordagem crítica às
asserções de teste, à “base empírica” : acentuei o caráter con
jectural e teórico de todas as observações e de todas as asser
ções de observação.
Levou-me isto à concepção de que todas as línguas são im
pregnadas de teoria, o que significava, sem dúvida uma revisão
radical do empirismo. Isto me fez também encarar a atitude
crítica como característica da atitude racional; e conduziu-me
a ver a significação da função argumentativa (ou crítica) da
linguagem, à idéia da lógica dedutiva com o sistema de inves
tigação da crítica e a acentuar a retransmissão da falsidade a
partir da conclusão para as premissas (corolário da transmissão
da verdade a partir das premissas para a conclusão). E condu
ziu-me depois a verificar que só uma teoria formulada (em con-
tradistinção com uma teoria crida) pode ser objetiva, bem como
à idéia de que esta formulação ou objetividade é que torna a
crítica possível; e assim cheguei à minha teoria de um “ter
ceiro mundo” (ou, como Sir John Eccles prefere chamá-la,
“mundo 3”) .( 33)
São estes apenas alguns dos muitos problemas que a nova
abordagem suscitou. Há outros problemas que são de caráter
mais técnico, como os muitos problemas ligados à teoria da pro
babilidade inclusive seu papel na teoria do quantum, e a co
nexão entre minha teoria de preferência e a teoria de Darwin
da seleção natural.
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1 — Em Desculpa da Filosofia
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3 — Contraste com Outros Processos
4 — Realismo
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“Hoje o ar está tão claro que as montanhas parecem muito
mais próximas do que realmente estão”. Ou talvez: “Ele pa
rece fazer isto sem esforço, mas confessou-me que a tensão é
quase insuportável” ). Mas o senso comum também verifica
que as aparências (digamos, um reflexo num espelho) têm
uma espécie de realidade; ou, em outras palavras, que pode
haver uma realidade de superfície — isto é, uma aparência —
e uma realidade de profundidade. Mais ainda, há muitos tipos
de coisas reais. O tipo mais óbvio é o dos víveres (conjecturo
que produzem a base do sentimento de realidade), ou objetos
mais resistentes (objectum = o que está no caminho de nossa
ação) como pedras, árvores e seres humanos. Mas há muitos
tipos de realidade que são inteiramente diferentes, como nossa
decifração subjetiva de nossas experiências com víveres, pedras,
árvores e corpos humanos. O gosto e o peso de víveres e de
pedras é ainda outra espécie de realidade, como o são as pro
priedades de árvores e corpos humanos. Exemplos de outros
tipos neste multivariado universo são: uma dor de dentes, uma
palavra, um idioma, um sinal rodoviário, um romance, uma
decisão governamental; uma prova válida ou inválida; talvez
forças, campos de forças, propensões, estruturas; e regulari-
dades. (Minhas observações aqui deixam inteiramente em
aberto se, e como, essas muitas espécies de objetos podem ser
relacionados entre si.)
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não foi uma prova válida; e julgo importante que vejamos cla
ramente por que nenhuma prova válida do realismo pode existir.
Em sua mais simples forma, o idealismo diz: o mundo (que
inclui minha audiência presente) é apenas meu sonho. Ora, é
claro que esta teoria (embora saibais que é falsa) não é refu
tável: tudo quanto vós, da minha audiência, puderdes fazer para
convencer-me de vossa existência — falando-me, escrevendo
uma carta ou dando-me um pontapé — não tem possibilidade
de assumir a força de uma refutação; pois eu continuaria di
zendo estar sonhando que me falais, ou que recebi uma carta,
ou levei um pontapé. (Poder-se-ia dizer que todas essas res
postas são, de vários modos, estratagemas imunizadores. Assim
é, e isto é um forte argumento contra o idealismo. Mas, também,
o fato de uma teoria ser auto-imunizante não a refuta.)
O idealismo é, portanto, irrefutável; e isto quer dizer, sem
dúvida, que o realismo é indemonstrável. Mas estou disposto a
aceitar que o realismo não só é indemonstrável mas também,
como o idealismo, irrefutável; que nenhum acontecimento des-
critível e nenhuma experiência concebível podem ser tomados
como refutação efetiva do realismo.(7) Assim, nesta questão,
como em tantas outras, não haverá argumento conclusivo. Mas
há argumentos em favor do realismo; ou antes, contra o idea
lismo.
(1) Talvez o argumento mais forte consista de uma com
binação de dois: (a) que o realismo é parte do senso comum,
e (b) que os argumentos alegados contra ele não só são filo
sóficos no sentido mais depreciativo deste termo, mas ao mesmo
tempo se baseiam numa parte do sensó comum aceita sem crí
tica; isto é, naquela parte errada da teoria de senso comum do
conhecimento que denominei “teoria do balde mental” ; ver,
adiante, as secções 12 e 13.
(2) Embora para algumas pessoas a ciência esteja hoje
um tanto fora de moda, por motivos que, lastimavelmente, estão
longe de ser negligíveis, não devemos ignorar sua relevância
para o realismo, apesar do fato de haver cientistas que não são
realistas, como Emst Mach ou, em nosso próprio tempo, Eugene
P. Wigner;(8) seus argumentos caem muito claramente na classe
que acabamos de caracterizar em (1). Mas esqueçamos por um
momento a física atômica (mecânica do quantum). Podemos
asseverar que quase todas, senão todas, as teorias físicas, quí
micas ou biológicas implicam realismo, no sentido de que, se
forem verdadeiras, também o realismo deve ser verdadeiro. Esta
é uma das razões pelas quais certas pessoas falam de “realismo
científico”. E é uma razão muito boa. Em vista de sua (apa
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rente) falta de testabilidade, acontece que eu mesmo prefiro
chamar ao realismo “metafísico” em vez de “científico”.(9)
Como quer que isto se encare, há excelentes razões para
dizer que o que tentamos em ciência é descrever e (até onde
possível) explicar a realidade. Fazemo-lo com a ajuda de teorias
conjecturais; isto é, teorias que esperamos sejam verdadeiras
(ou próximas da verdade), mas que não podemos firmar como
certas, ou mesmo como prováveis (no sentido do cálculo de
probabilidade), ainda que sejam as melhores teorias que somos
capazes de produzir, podendo assim ser chamados “prováveis”
enquanto este termo se mantiver fora de qualquer associação
com o cálculo de probabilidade.
Há um sentido estreitamente relacionado e excelente no
qual podemos falar de “realismo científico”: o processo que
adotamos envolve (enquanto não sucumbe, por exemplo, em
razão de atitudes anti-racionais) êxito no sentido de que nossas
teorias conjecturais tendem progressivamente a chegar mais
perto da verdade, isto é, de descrições verdadeiras de certos
fatos ou aspectos da realidade.
(3) Mesmo, porém, que abandonemos todos os argumen
tos extraídos da ciência, permanecem os argumentos tirados
da linguagem. Qualquer discussão do realismo, e especialmente
todos os argumentos contra ele, têm de ser formulados em al
guma linguagem. Mas a linguagem humana é essencialmente des
critiva (e argumentativa),(10) e uma descrição sem ambigui
dade é sempre realista: é de alguma coisa — de algum estado
de coisas, que pode ser real ou imaginário. Assim, se o estado
de coisas for imaginário, então a descrição é simplesmente falsa
e sua negação é uma descrição verdadeira da realidade, no sen
tido de Tarski. Isto não refuta logicamente o idealismo, ou
solipsismo; mas torna-o pelo menos irrelevante. Racionalidade,
linguagem, descrição, argumento, todos se referem a alguma
realidade e se dirigem a uma audiência. Tudo isto pressupõe
realismo. Sem dúvida, este argumento em favor do realismo não
é logicamente mais conclusivo do que qualquer outro, pois eu
posso simplesmente sonhar que estou usando linguagem descri
tiva e argumentos; não obstante, este argumento em prol do
realismo é forte e racional. É tão forte quanto a própria razão.
(4) Para mim, o idealismo parece absurdo por implicar
também algo assim: que é minha mente que cria este belo
mundo. Mas eu sei que não sou seu Criador. Afinal, a famosa
observação de que “a beleza está nos olhos do contemplador”,
embora talvez não seja uma observação extrèmamente estúpida,
nada mais significa além de que há um problema de apreciação
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juntamente com as estruturas espacial-temporais que a elas
pertencem”. ( 11)
Esta foi a opinião de Einstein após cuidadosa e simpática
análise de uma brilhante tentativa para refutar o realismo in
gênuo, devida a Bertrand Russell.
As opiniões de Winston Churchill são muito caracterís
ticas e, penso, um comentário bem justo a respeito de uma filo
sofia que pode, desde então, ter mudado de cores, cruzando o
limiar do idealismo para o realismo, mas que permanece tão
sem sentido como sempre foi. Escreve Churchill: “Alguns de
meus primos que haviam tido a grande vantagem de uma edu
cação universitária costumavam provocar-me com argumentos
para provar que nenhuma coisa tem qualquer existência, exce
tuado o que pensamos d e la .. . ” E continua:
“Sempre me apoiei no seguinte argumento, que arquitetei
para mim mesmo há muitos an o s... Lá está esse grande sol
aparentemente firmado em base não melhor do que nossos sen
tidos físicos. Mas felizmente há um método, inteiramente à parte
de nossos sentidos físicos, para testar a realidade do sol.. . As
trônomos. . . predisseram por (matemática e) razão pura que
um ponto negro passará sobre o sol num certo dia. Olhamos e
nosso sentido da visão imediatamente nos diz que os cálculos
deles estão confirmados... Utilizamos o que se chama em
feitura de mapas militares uma “posição cruzada”. Obtivemos
testemunho independente da realidade do sol. Quando meus ami
gos metafísicos me dizem que os dados com os quais os astrô
nomos fizeram seus cálculos foram obtidos originalmente, neces
sariamente, pela evidência de seus sentidos, digo “Não”. Eles
poderíam, de qualquer forma em teoria, ser obtidos por má
quinas calculadoras automáticas postas em movimento pela luz
caída sobre elas sem qualquer mistura dos sentidos humanos em
qualquer e tap a... Reafirmo com ênfase... que o sol é real,
e também que é quente — de fato, quente como o inferno e
que, se os metafísicos disso duvidam, devem ir lá e ver.” ( 12)
Posso talvez acrescentar que considero o argumento de
Churchill, especialmente os trechos importantes que pus em
grifo, não só uma crítica válida dos argumentos idealísticos e
subjetivistas, mas também o mais acertado e engenhoso argu
mento que conheço contra a epistemologia subjetivista. Não sei
de qualquer filósofo que não tenha ignorado esse argumento
(exceto alguns de meus alunos cuja atenção chamei para ele).
O argumento é altamente original; publicado pela primeira vez
em 1930, é um dos mais antigos argumentos filosóficos que
fazem uso da possibilidade de observatórios automáticos e de
máquinas calculadoras (programados pela teoria newtoniana).
50
»
SI
podemos falar bem desembaraçadamente em outra linguagem
Lm, também chamada metalinguagem. As frases de Lm que se
refiram total ou exclusivamente a L x são chamadas “metalin-
güísticas”.
Abreviemos com “P” um dos nomes em inglês (Lm) da
frase em alemão (Lj) “Der Mond ist aus griinen Kãse gemacht”
(a lua é feita de queijo verde” ). (Note-se que, com a adição
dos sinais ingleses de citação — ou aspas —, esta frase alemã
tornou-se um nome metalingüísticamente inglês — um chamado
nome de citação — da frase alemã.) Assim, a asserção de
identidade P = “Der Mond ist aus grünem Kãse gemacht” é
evidentemente uma asserção metalingüística em inglês; e pode
mos dizer: “A asserção em alemão “Der Mond ist aus grünem
Kãse gemacht’ corresponde aos fatos, ou ao estado real das
coisas, se, e apenas se, a lua for feita de queijo verde.”
Apresentemos agora a regra geral de que, se P é uma asser
ção, então “p” é uma abreviatura da descrição inglesa do estado
de coisas descrito pela asserção P. Podemos dizer então, de
modo mais geral: “A frase P da linguagem-objeto é uma asser
ção correspondente aos fatos se, e apenas se, p.”
Em inglês diriamos que “P é verdade em L ”, ou “P é
verdade em alemão”. Não obstante, a verdade não é uma noção
relativa à linguagem; pois, se Pi for uma asserção de qualquer
linguagem L u e se P2 for uma asserção de qualquer lingua
gem L2, então é válido o seguinte (d:gamos, em Lm): Se P2
traduz Pi de Li para L 2, então Pi e P2 devem ser ambos ver
dadeiros ou ambos falsos; devem ter o mesmo valor de verdade.
Mais ainda, se uma linguagem for bastante rica para possuir
uma operação de negação, ( 15) então podemos dizer que ela
contém, para cada asserção falsa, uma asserção verdadeira.
(Assim sabemos que há, falando a grosso modo, “tantas” asser
ções verdadeiras quantas sejam as asserções falsas em cada lin
guagem que possua uma operação de negação).
A teoria de Tarski torna mais particularmente claro jus
tamente a que fato uma asserção P corresponderá, se correspon
der a algum fato: a saber, o fato que p. E resolve também o
problema das asserções falsas; pois uma asserção falsa P é falsa
não porque corresponde a alguma entidade excêntrica como um
nõo-fato, mas simplesmente porque não corresponde a algum
fato: não se sustenta na relação peculiar de correspondência com
um fato para com qualquer coisa real, embora se sustente numa
relação como a que “descreve” o estado de coisas espúrio que
p. (Não há valor em evitar expressões como “um estado de
coisas espúrio”, ou mesmo “um fato espúrio”, enquanto tivermos
em mente que um fato espúrio simplesmente não é real.)
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4
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do que Tu tem sido usada, intuitivamente, por muitos filóso
fos, inclusive eu mesmo. E tal como a noção de verdade tem
sido encarada com suspeita por muitos filósofos (não de todo
sem certo grão de verdade ou razão, como se tornou claro com
a análise dos paradoxos semânticos feita por Tarski), assim o
tem sido a noção de melhor abordagem ou aproximação da ver
dade, ou de proximidade da verdade, ou (como tenho dito)
de maior “verossimilitude”.
Para minorar essas suspeitas, apresentei uma noção lógica
de verossimilitude combinando duas noções, ambas originaria-
mente apresentadas por Tarski: (a) a noção de verdade e (b)
a noção do conteúdo (lógico) de uma asserção; isto é, a classe
de todas as asserções logicamente acarretadas por ela (sua
“classe de conseqüência”, como costuma chamá-la Tarski).(18)
Toda asserção tem um conteúdo ou classe de conseqüência,
a classe de todas aquelas asserções que decorrem dela. (Pode
mos descrever a classe de conseqüência de asserções tautoló-
gicas, acompanhando Tarski, como a classe zero, de forma que
as asserções tautológicas têm um conteúdo zero.) E cada con
teúdo encerra um subconteúdo, que consiste da classe de todas,
e apenas todas, as suas conseqüências verdadeiras.
A classe de todas as asserções verdadeiras que decorrem
de uma dada asserção (ou que pertencem a um dado sistema
dedutivo) e que não são tautológicos pode ser chamada seu
conteúdo de verdade.
O conteúdo de verdade de tautologias (de asserções logi
camente verdadeiras) é zero: consiste só de tautologias. Todas
as outras asserções, inclusive todas as asserções falsas, têm um
conteúdo de verdade não-zero.
A classe de asserções falsas acarretadas por uma asserção
— a subclasse de seu conteúdo que consiste exatamente de todas
aquelas asserções que são falsas — poderia ser chamada (por
cortesia, por assim dizer) seu “conteúdo de falsidade” ; não tem,
contudo, as propriedades características de um “conteúdo”, ou
de uma classe de conseqüência tarskiana. Não é um sistema
dedutivo tarskiano, pois de qualquer asserção falsa é possível
deduzir logicamente asserções verdadeiras (A disjunção de uma
asserção falsa e qualquer asserção verdadeira é uma daquelas
asserções que são verdadeiras e decorrem da asserção falsa.)
Na parte restante desta secção pretendo explanar as idéias
intuitivas de conteúdo de verdade e conteúdo de falsidade com
um pouco mais de minúcia, a fim de preparar uma discussão
mais de perto da idéia de verossimilitude; pois a verossimilitude
de uma asserção será exposta como aumentando com seu con
teúdo de verdade e decrescendo com seu conteúdo de falsidade.
54
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de verdade de a (isto é, a intersecção A t de A e T, sendo T
o sistema tarskiano de asserções verdadeiras). Desse modo, po
demos definir:
F
. a,/i T .
O assim definido Ap responde a nossos desideratos ou
condições de adequação: (a) A p é um conteúdo, ainda que
um conteúdo relativo; afinal, conteúdos “absolutos” também são
conteúdos relativos, dada a verdade lógica (ou admitindo que
L é logicamente verdadeiro); (b ) A contém todas as asserções
falsas que decorrem de a, pois é o sistema dedutivo de asser
ções que decorrem de a, tomando as asserções verdadeiras
como nosso zero (relativo); (c) A„ não “contêm” nenhuma
F
asserção verdadeira no sentido de que suas asserções verdadei
ras não são tomadas como conteúdo, mas como seu conteúdo
zero (relativo).
Os conteúdos são às vezes logicamente comparáveis e às
vezes não: formam sistemas parcialmente ordenados, ordena
dos pela relação de inclusão, exatamente como as asserções são
parcialmente ordenadas pela relação de acarretamento. Os con
teúdos absolutos A e B são comparáveis desde que A cz B ou
B c A. Com os conteúdos relativos, as condições de compa-
rabilidade são mais complicadas.
Se X for um conteúdo, ou sistema dedutivo, finitamente
axiomatizável, então existe uma asserção x tal que X é o con
teúdo de x.
Assim, se Y for finitamente axiomatizável, poderemos es
crever:
x,Y =* x,y.
Ora, neste càso pode-se ver que x,Y equivale ao conteúdo
absoluto da conjunção x,y menos o conteúdo de y.
Considerações como esta mostram que a,B e c,D serão
comparáveis se
(A + B) — B for comparável com {C + D) ~D,
onde "+ " é a adição de sistemas dedutivos de Tarski: se ambos
forem axiomatizáveis, A + B ê o conteúdo da conjunção a.b.
Assim a comparabilidade será rara nesses sistemas parcial
mente ordenados. Mas há um método que mostra que esses sis
temas parcialmente ordenados podem ser “em princípio” —
isto é, sem contradição — ordenados linearmente. O método é
a aplicação da teoria formal da probabilidade. (Afirmo sua
aplicabilidade aqui apenas para sistemas axiomatizáveis; ver
também o Cap. 9 adiante.)
56
«
59
Agora, mudemos um pouco este arranjo, juntando a classe
das asserções verdadeiras num círculo no centro do quadrado.
F ig. 2
61
em princípio, todas as asserções são comparáveis), podemos
concluir que a medida do conteúdo de verdade c t pode ser
definida de modo que ctT da primeira asserção é de fato, pelo
menos, tão grande como — ou maior do que — o da segunda
asserção; e isto justifica até certo ponto nossa primeira intuição.
Note-se que a palavra “entre” nas asserções substituídas
pode ser interpretada de modo a incluir ou excluir qualquer dos
limites. Se a interpretarmos como incluindo o limite mais alto,
então ambas as asserções são verdadeiras e assim ct =. ctT
vale para ambas. São verdadeiras, mas a primeira asserção tem
maior verossimilitude porque tem um conteúdo de verdade maior
que o da segunda. Se, por outro lado, interpretamos “entre”
como excluindo o limite maior, então ambas as asserções se
tornam falsas (embora pudessem ser chamadas “quase verda
deiras” ); mas permanecem comparáveis (no sentido de não-me-
dida) e podemos ainda afirmar que a primeira tem maior veros
similhança que a segunda. (Ver também meus livros Conjec-
tures and Refutations, pgs. 397 seg. e Logic of Scientific Dis-
covery, secção 37.)
Assim, sem violar a idéia da lógica de dois valores ( “toda
asserção não ambígua é verdadeira ou falsa e não há terceira
possibilidade” ), podemos às vezes falar de asserções falsas que
são mais ou menos falsas, ou mais afastadas da verdade, ou
mais próximas dela. E esta idéia de verossimilitude maior ou
menor é aplicável tanto às asserções falsas quanto às verdadei
ras: o ponto essencial é seu conteúdo de verdade, que é um
conceito inteiramente dentro do campo da lógica de dois valores.
Em outras palavras, é como se pudéssemos identificar a
idéia intuitiva de aproximação da verdade com a de alto con
teúdo de verdade, e baixo “conteúdo de falsidade”.
Isto é importante por duas razões: alivia as dúvidas que
alguns lógicos têm tido a respeito de operar com a idéia intui
tiva de aproximação da verdade, e nos permite dizer que o
alvo da ciência é a verdade, no sentido de melhor aproximação
da verdade, ou maior verossimilitude.
65
12 — A Errônea Teoria de Senso Comum do
Conhecimento
Fig. 3 — O balde,
66
de crianças inteligentes, menos no caso de imbecis. A tese im
portante da teoria do balde é que aprendemos a maior parte,
se não tudo, de quanto aprendemos por meio da entrada da
experiência pelas aberturas de nossos sentidos; de modo que
toda experiência consiste de informação recebida através de
nossos sentidos.
Nesta forma, essa teoria inteiramente errônea está ainda
muitíssimo viva. Ainda desempenha um papel em teorias de
ensino, ou na “teoria de informação”, por exemplo, embora se
admita agora que o balde não está vazio no nascimento, mas
vem dotado de um programa de computador.
Minha tese é que a teoria do balde é totalmente ingênua
e completamente errônea em todas as suas versões, e que
admissões inconscientes dela, em certa forma ou em outra, ainda
exercem devastadora influência especialmente sobre os chama
dos behavioristas, sugerindo a ainda poderosa teoria do reflexo
condicionado e outras teorias que gozam da mais alta reputação.
Entre as muitas coisas erradas na teoria do balde mental
estão as seguintes:
( 1 ) O conhecimento é concebido como consistindo de
coisas, ou entidades semelhantes a coisas, em nosso balde (tais
como idéias, impressões, sensações, dados de sentidos, elementos,
experiência atômica, ou — talvez um pouquinho melhor —
experiências moleculares ou “Gestalten”) .
(2 ) O conhecimento está, antes de tudo, em nós: consiste
de informação que nos atingiu e que conseguimos absorver.
(3) Há conhecimento imediato ou direto, isto é, os ele
mentos puros e não adulterados de informação que penetraram
em nós e ainda não estão digeridos. Nenhum conhecimento po
dería ser mais elementar e certo do que este,
O ponto (3) pode ser elaborado da seguinte forma:
(3a) Todo erro, todo conhecimento errôneo, de acordo
com a teoria de senso comum, vem de má digestão intelectual,
que adultera esses elementos de informação finais ou “dados”
interpretando-os mal, ou ligando-os erradamente com outros ele
mentos; as fontes de erro são nossas misturas subjetivas aos
puros ou dados elementos de informação, os quais, por sua vez,
não só são livres de erro mas são os padrões de toda verdade,
de modo que seria completamente sem propósito suscitar sequer
a questão de serem talvez errôneos.
(3b) Assim, o conhecimento, até onde é livre de erro, é
em essência um conhecimento recebido passivamente; ao passo
que o erro é sempre ativamente (embora não por força intcn-
67
cionalmente) produzido por nós, ou interferindo com “o dado”
ou talvez por algum outro mau tratamento: o cérebro perfeito
nunca erraria.
(3c) O conhecimento que vai além da pura recepção dos
elementos dados é sempre, portanto, menos certo do que o co
nhecimento dado ou elementar, o qual de fato constitui o padrão
de certeza. Se duvido de alguma coisa, tenho só de abrir de novo
os olhos e observar com olhar franco, excluindo todos os pre
conceitos. Tenho de purificar minha mente das fontes de erro.
(4) Não obstante, temos necessidade prática de conheci
mento de nível um tanto mais alto: de conhecimento que vá
além dos meros dados ou dos meros elementos. Pois necessi
tamos, especialmente, de conhecimento que estabeleça expecta
tivas ligando dados existentes com elementos iminentes. Este
conhecimento mais elevado estabelece-se por meio de associação
de idéias ou de elementos.
(5) As idéias ou elementos se associam se ocorrem juntos.
E, mais importante, a associação é fortalecida pela repetição.
( 6) Deste modo estabelecemos expectativa (se a idéia a
é fortemente associada à idéia b, então a ocorrência de a des
perta uma alta expectativa de b).
(7) Do mesmo modo, emergem crenças. A crença verda
deira é a crença numa associação infalível. A crença errônea é
a crença numa associação entre idéias que, embora ocorressem
juntas, talvez nalgum tempo passado, não se repetem juntas infa
livelmente.
68
São inventos de filósofos esperançosos, que conseguiram legá-
los aos psicólogos.
Quais são os fatos? Quando crianças, aprendemos a deci
frar as mensagens caóticas que nos chegam de nosso ambiente.
Aprendemos a peneirá-las, a ignorar a maioria delas, a sele
cionar aquelas que são de importância biológica para nós, quer
desde já, quer num futuro para o qual estamos sendo prepa
rados por um processo de amadurecimento.
Aprender a decifrar as mensagens que nos chegam é extre
mamente complicado. É coisa que se baseia em disposições
inatas. Somos, conjecturo, inatamente dispostos a relacionar as
mensagens com um sistema parcialmente regular ou ordenado;
com a “realidade”. Em outras palavras, nosso conhecimento
subjetivo da realidade consiste em amadurecer disposições inatas.
(Isto, em minha opinião, incidentemente é uma construção por
demais sofisticada para poder ser usada como forte e indepen
dente argumento em favor do realismo.) Seja como for, apren
demos a decifrar por eliminação de experiências e erros, e em
bora nos tornemos extremamente bons e rápidos nas experiên
cias de decifrar mensagens como se fossem “imediatas” ou
“dadas”, há sempre alguns enganos, corrigidos por mecanismos
especiais de grande complexidade e de considerável eficiência.
Assim, toda a história dos “dados”, dos elementos verda
deiros a que se junta a certeza, é uma teoria errônea, embora
faça parte do senso comum.
Acredito que experimentamos muito disto como se nos
fosse imediatamente dado e como se fosse perfeitamente certo.
Deve-se tal coisa a nosso complicado aparelhamento decifrador,
com suas muitas instrumentações inseridas, usando o que
Winston Churchill chamaria “localizações transversais”, siste
mas que conseguem eliminar grande parte dos erros que come
temos em decifração, de modo tal que, de fato, nos casos que
sentimos como imediatos, rarissimamente erramos. Nego, porém,
que essas experiências bem adaptadas possam ser identificadas
em qualquer sentido com padrões “dados” de fidedignidade ou
de verdade; à nossa incrível eficiência como sistemas biológicos
é que se devem casos tais, pois eles, em verdade, não estabele
cem padrões de “imediatilidade” ou “certeza” nem mostram
que nunca podemos errar em nossas percepções imediatas. (Um
fotógrafo bem treinado raramente fará más focalizações. Isto
se deve a seu treinamento e não ao fato de que suas fotos
sejam tiradas como “dados” ou “padrões de verdade”, ou talvez
como “padrões de focalização correta”.)
Quase todos nós somos bons observadores e bons perce-
bedores. Mas este é um problema a ser explicado por teorias
69
biológicas e não para se tomar como base de qualquer dogma~
tismo de conhecimento direto, ou imediato, ou intuitivo. E,
afinal, nós todos falhamos às vezes; nunca devemos esquecer
nossa falibilidade.
71
que muitas de nossas disposições são inatas, ou no sentido de
que nascemos com elas (por exemplo, as disposições para res
pirar, engulir, etc.) ou no sentido de que, no processo de amadu
recimento, o desenvolvimento da disposição é elidido pelo am
biente (por exemplo a disposição para aprender uma língua).
(6) Mas mesmo que esqueçamos tudo a respeito de teorias
de tabula rasa(2S) e admitamos que o balde, no nascimento,
está cheio pela metade, ou que muda sua estrutura com o pro
cesso de amadurecimento, ainda assim a teoria é muito enga
nadora. E isto não só porque todo conhecimento subjetivo é
disposicional, mas principalmente porque não é uma disposição
do tipo associativo (ou do tipo de reflexo condicionado). Para
firmar minha posição clara e radicalmente: não há essa coisa de
associação ou reflexo condicionado. Todos os reflexos são não-
-condicionados; os reflexos supostamente “condicionados” são
os resultados de modificações que eliminam parcial ou total
mente os começos falsos, isto é, os erros no processo de expe
riência e erros.
74
»
77
conhecimento organísmico, pois consiste das disposições de or
ganismos), e conhecimento objetivo, ou conhecimento no sen
tido objetivo, que consiste do conteúdo lógico -de nossas teorias,
conjecturas, suposições (e, se preferirmos, do conteúdo lógico
de nosso código genético).
Exemplos de conhecimento objetivo são teorias publicadas
em revistas e livros e conservadas em bibliotecas; discussões
dessas teorias; dificuldades ou problemas apontados em conexão
com essas teorias;(36) etc.
Podemos dar ao mundo físico o nome de “mundo 1” ; ao
mundo de nossas experiências conscientes o de “mundo 2”; e
ao mundo dos conteúdos lógicos de livros, bibliotecas, memórias
de computador e similares o de “mundo 3” .
A respeito deste mundo 3 tenho várias teses:
(1) Podemos descobrir no mundo 3 problemas novos que
lá estavam antes de ser descobertos e antes mesmo de se torna
rem conscientes; isto é, antes que qualquer coisa correspondente
a eles aparecesse no mundo 2. Exemplo: descobrimos os números
primos e surge como consequência o problema de Euclides de
saber se a seqüência dos números primos é infinita.
(2) Assim, há um sentido em que o mundo 3 é autônomo:
neste mundo podemos fazer descobertas teóricas de modo seme
lhante àquele por que fazemos descobertas geográficas no
mundo 1 .
(3) Tese principal: quase todo o nosso conhecimento sub
jetivo (conhecimento do mundo 2) depende do mundo 3, isto
é, de teorias formuladas lingüisticamente (pelo menos virtual
mente). Exemplo: nossa “autoconsciência imediata”, ou o “co
nhecimento de si mesmo”, que é muito importante, depende
muito amplamente de teorias do mundo 3: de nossas teorias a
respeito do nosso corpo e de sua existência continuada quando
dormimos ou ficamos inconsciente; de nossas teorias a respeito
do tempo (sua linearidade); de nossa teoria de podermos captar
nossa lembrança de experiências passadas com vários graus de
clareza; e assim por diante. Com essas teorias estão ligadas
nossas expectativas de acordar depois de dormir. Proponho a
tese de que a piena consciência de si mesmo depende de todas
essas teorias (mundo 3) e de que os animais, embora capazes
de sentimentos, sensações, memória e, portanto, de consciência,
não possuem a plena consciência do próprio ser, que é um
dos resultados da linguagem humana, e o desenvolvimento do
mundo 3, especificamente humano.
78
21 — A Procura da Certeza e a Principal Fraqueza da Teoria
de Senso Comum do Conhecimento
80
*
81
Há uma noção de senso comum da certeza que significa,
em resumo, “bastante certo para fins práticos”. Quando olho
meu relógio, que é muito merecedor de confiança, e ele me
mostra que são oito horas, e lhe posso ouvir o tiquetaque (indi
cação de que o relógio não parou), então estou “razoavelmente
certo”, ou “certo para todos os fins práticos”, de que é bem
perto de oito horas. Quando compro um livro e recebo do ven
dedor duas moedinhas de troco, então estou “completamente
certo” de que as duas moedinhas não são falsas. (Minhas
“razões” para isto são muito complexas: relacionam-se com a
inflação, que tornou desvalioso para os falsificadores forjarem
moedinhas, até mesmo se as moedas em questão pudessem ser
peças antigas dos bons tempos de outrora em que era lucrativo
falsificar florins.)
Se alguém me perguntasse “Você está certo de que a moeda
em sua mão é uma moeda de dez centavos?”, eu talvez olhasse
para ela de novo e respondesse “Sim”. Mas se muita coisa de
pendesse da verdade de meu julgamento acho que tomaria o
trabalho de ir ao banco mais próximo e pedir ao caixa para exa
minar bem a moeda; e se dela dependesse a vida de um homem,
eu tentaria mesmo chegar ao Tesoureiro Chefe do Banco para
pedir-lhe que atestasse a legitimidade da moeda.
Que quero dizer com isto? Que a “certeza” de uma crença
não é tanto questão de sua intensidade, mas da situação: de
nossa expectativa das consequências possíveis. Tudo depende da
importância que se der à verdade ou à falsidade da crença.
A “crença” está ligada à nossa vida prática de cada dia.
Agimos segundo nossas crenças. (Um behaviorista poderia dizer:
uma “crença” é uma coisa com a qual agimos.) Por esta razão,
basta, na maioria dos casos, certo grau bem baixo de certeza.
Mas se muita coisa depender de nossa crença, então não só a
intensidade da crença se altera, mas toda a suá função biológica.
Existe uma teoria subjetivista de probabilidade que admite
podermos medir o grau de nossa crença numa proposição pelos
riscos que estivermos dispostos a aceitar numa aposta. (39)
Esta teoria é incrivelmente ingênua. Se eu gosto de apostar
e se as paradas não forem altas, posso aceitar quaisquer riscos.
Se as paradas forem muito altas, posso não aceitar aposta al
guma. Se não puder evitar a aposta, digamos, por estar em jogo
a vida de meu melhor amigo, posso sentir necessidade de estar
seguro da proposição mais trivial.
Com as mãos nos bolsos, estou completamente “certo” de
que tenho cinco dedos em cada mão; mas se a vida de meu
melhor amigo dependesse da verdade desta proposição, eu po
deria (e penso que o faria) tirar as mãos dos bolsos para ficar
82
t*
83
criticadas e testadas do que qualquer coisa sobre a qual este
jamos acostumados a agir e a encarar como certa.
Não há choque entre a tese de que todo conhecimento
objetivo é objetivamente conjectural e o fato de aceitarmos
muito dele não só como “praticamente certo” mas como certo
num sentido de qualificação extraordinariamente alta; isto é,
como muito melhor testado do que muitas teorias às quais cons
tantemente confiamos nossas vidas (como a de que o soalho
não ruirá ou a de que não iremos ser picados por uma cobra
venenosa).
As teorias são verdadeiras ou falsas e não meramente ins
trumentos. Mas sem dúvida são também instrumentos, para a
ciência prática ou aplicada assim como para mim e para nós
pessoalmente, quando desejamos formar opinião a respeito de
uma teoria, à luz do relato de sua discussão crítica, incluindo os
testes relatados. Se recebemos relatos dos resultados desses
testes e se repetirmos nós mesmos, talvez, um ou dois desses
testes, poderemos então usar esses relatos e resultados para
formar nossas próprias convicções subjetivas e para determinar
o grau de certeza com que mantemos nossas crenças pessoais.
(Este é um modo pelo qual poderia ser explicado o funciona
mento do princípio de transferência: (40) usamos conhecimento
objetivo na formação de nossas crenças subjetivas pessoais; e
embora as crenças subjetivas pessoais sempre possam ser des
critas como “irracionais” em certo sentido, este uso do conhe
cimento objetivo mostra que não é necessário haver aqui qual
quer conflito Humeano com a racionalidade.)
23 — O Método da Ciência
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0
85
parece ser a mais próxima da verdade entre as teorias con
correntes”.
Sintetizando: nunca podemos justificar racionalmente uma
teoria — isto é, uma alegação de conhecer sua verdade — mas
podemos, se formos felizes, justificar racionalmente uma prefe
rência por uma teoria dentre um conjunto de teorias concorren
tes, por enquanto; isto é, com respeito ao estado presente da dis
cussão. E nossa justificação, embora não alegue que a teoria
é verdadeira, pode ser a alegação de haver todas as indicações
de que, neste estágio da discussão, a teoria é uma aproximação
melhor da verdade do que qualquer teoria concorrente até então
proposta.
Consideremos agora duas hipóteses concorrentes, hx e h2.
Abreviemos em dt uma descrição do estado da discussão dessas
hlipóteses no tempo t, incluindo naturalmente a discussão de
relevantes resultados experimentais e outros observacionais. De
notemos por
(1) c(hu dt) < c(h2, d t)
a asserção de que o grau de corroboração de hu à luz da dis
cussão dt) é inferior ao de h2. E indaguemos que tipo de asser
ção é ( 1 ).
Efetivamente, (1) será uma asserção um tanto incerta, ao
menos pela razão de que ofhi, dt) muda com o tempo t, e pode
mudar tão depressa quanto o pensamento. Em muitos casos, a
verdade ou a falsidade de ( 1 ) será somente uma questão de
opinião.
Admitamos, porém, circunstâncias “ideais”. Suponhamos
que uma discussão prolongada levou a resultados estáveis, e
especialmente a um acordo sobre todos os componentes de evi
dência, e suponhamos que não há mudança de opinião em t por
certo período considerável.
Em tais circunstâncias, podemos ver que, sendo natural
mente empíricos os elementos de evidência de dt, a asserção
(1 ) pode ser, desde que dt seja suficientemente explícita, lógica
ou (a menos que não gosteis do termo) "analítica
Isto é particularmente claro se c(hu dt) fosse negat:vo,
porque o acordo da discussão no tempo í é que a evidência
refuta hu sendo c(h2, d,) positivo, pois a evidência sustenta h2.
Exemplo: tomemos hx como sendo a teoria de Kep'er e h2 como
sendo a teoria de Einstein. Pode-se concordar em que a teoria
de Kepler está refutada no tempo t (em razão das perturbações
newtonianas), e pode-se concordar em que a teoria de Einstein,
no tempo t, é sustentada pela evidência. Se dt for suficiente
mente explícita para acarretar tudo isto, então
86
*
87
25 — Ciência: o Crescimento do Conhecimento através
de Crítica e Inventiva
88
t
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comum. Apenas sua pior metade, sua teoria de senso comum do
conhecimento, sua forma da teoria do balde mental, é que o
torna “cético” em relação à realidade e o impele para aquela
forma radical de idealismo — o “monismo neutro” (como o
chamaram Mach e Russell). Hume, talvez até mais do que Locke
e Berkeley, é o paradigma do filósofo que começa com um forte
senso comum realista, mas é pervertido por sua teoria de senso
comum do conhecimento para uma filosofia idealista, que ele
acha racionalmente inevitável, ainda que lhe parta a mente ao
meio; é a esquizofrenia entre o realismo de senso comum e a
teoria de senso comum do conhecimento que dirige o empirismo
sensualista para um idealismo absurdo, que apenas um filósofo
poderia aceitar; mas dificilmente um tão razoável como Hume.
Essa esquizofrenia é exposta por Hume, mais claramente,
no famoso trecho:
“Como a dúvida cética brota naturalmente (= pelo senso
comum) de uma reflexão profunda e intensa sobre esses assun
tos, ela sempre cresce quanto mais levamos adiante nossas re
flexões, em oposição ou em conformidade com ela. Só a indi
ferença e a desatenção nos podem dar algum remédio. Por esta
razão, confio inteiramente nelas; e tenho por certo, seja qual
possa ser a opinião do leitor neste momento presente, que daqui
a uma hora ele estará persuadido de que há tanto um mundo
externo quanto um interno; . . . (44)
Mas Hume estava completamente convencido de haver es
tabelecido que sua teoria do conhecimento era a mais profunda
e a mais verdadeira filosoficamente. Para mostrar que ele assim
pensava, cito, dentre uma imensidade de trechos, o seguinte,
do “Tratado”, em que ele argumenta contra o “erro” (4B) de
nossa crença num mundo externo:
“De tudo isto pode-se inferir que nenhuma outra faculdade
é requerida, além dos sentidos, para convencer-nos da existên
cia externa do corpo. Mas, para evitar esta inferência, precisa
mos apenas levar em conta as três seguintes considerações. Pri
meira, que, adequadamente falando, não é o nosso corpo que
percebemos quando olhamos nossos membros, mas certas im
pressões que entram pelos sentidos; de modo que atribuir uma
existência real e corpórea a essas impressões, ou a seus objetos,
é um ato da mente tão difícil de explicar como aquele que exa
minamos presentemente. Segunda, sons, e sabores, e cheiros,
embora comumente encarados pela mente como qualidades in
dependentes contínuas, parecem não ter qualquer existência em
extensão e conseqüentemente não podem aparecer aos sentidos
como situados externamente ao corpo. A razão pela qual lhes
atribuímos um lugar será considerada mais adiante. Terceira,
mesmo nossa visão não nos informa da distância ou extemidade
90
A
91
“dois princípios” de que Hume nos tenta persuadir contêm sua
solução negativa do problema da indução. Eles (e muitos trechos
semelhantes) não falam mais de causa ou efeito, ou de conexão
necessária. São, a meu ver, as gemas lógicas sepultadas no
lodo psicológico do balde. E, a fim de homenagear Hume por
esta descoberta fundamental, mudei levemente o significado da
expressão de Kant, “problema de Hume”, para ligá-la ao pro
blema da indução e não ao problema da causação.
Neste sentido, o problema lógico da indução, de Hume, é
o problema de estarmos ou não capacitados a inferir casos não
observados de casos observados, sejam quantos forem ou asser
ções “desconhecidas” (não aceitas) de asserções “conhecidas”
(aceitas), sejam quantas forem. A resposta de Hume a este
problema é claramente negativa; e, como ele aponta, perma
nece negativa ainda que nossa inferência meramente se refira à
probabilidade de uma conexão que não foi observada e não à
sua necessidade. Esta extensão à probabilidade é formulada no
“Tratado” : “De acordo com esta explicação das coisas, que é,
penso, inquestionável em todos os pontos, a probabilidade se
baseia na presunção de uma semelhança entre aqueles objetos
com os quais temos tido experiência e aqueles com os quais não
a tivemos; e portanto é impossível que esta presunção possa
brotar da probabilidade”. (49)
O argumento contra a indução probabilística é, como ve
remos, puramente formal; e ainda o é mais claramente numa
passagem do Abstrato de Hume que citei em meu livro L.Sc.D.,
1959.(so) Isto é, Hume mostra que seu raciocínio contra a vali
dade da inferência indutiva permanece o mesmo, quer tente
mos inferir a “necessidade”, n, das conclusões, quer simples
mente sua “probabilidade”, p. (As letras “n” e “p” seriam va
riáveis que podem ser substituídas reciprocamente no argumento
de Hume.) (81)
Além deste problema lógico da indução, que, afirmo, Hume
resolveu completamente (embora sua solução seja negativa), há
outro problema lógico da indução que certas pessoas chamam
“problema da indução de Hume”. Este é o problema: Como se
pode mostrar que inferências indutivas (pelo menos as proba-
bilísticas) são válidas ou podem ser válidas?
Este problema é uma trapalhada típica, pois pressupõe, não
criticamente, a existência de uma solução positiva do que chamei
“problema de Hume” ; mas Hume provou que não existe solução
positiva.
Por fim, temos o problema psicológico da indução, de
Hume. Pode ser exposto assim: por que muitas pessoas, e
pessoas perfeitamente racionais também, acreditam na validade
92
da indução? A resposta de Hume é aquela a que Russell alude,
na epígrafe de nosso primeiro capítulo: o mecanismo psico
lógico da associação força tais pessoas a acreditarem, por cos
tume ou hábito, que aquilo que aconteceu no passado aconte
cerá no futuro. Este é um mecanismo biologicamente útil —
talvez não pudéssemos viver sem ele — mas não tem qualquer
base racional. Assim, o homem não só é um animal irracional,
com aquela parte de nós que julgamos racional — o conheci
mento humano, inclusive o conhecimento prático — é extrema
mente irracional.
Deste modo, o choque entre a solução negativa dada por
Hume ao problema lógico da indução e sua solução positiva do
problema psicológico destruiu tanto o empirismo quanto o ra-
cionalismo.
D ivisão de Sentenças
94
*
95
sobre algum autor antigo e nada podería ser menos importante
do que alegar prioridade por apresentar o nome de um pro
blema. Menciono o assunto apenas porque tornou-se moda
também denominar “problema de Hume” um problema inteira
mente diferente e porque alguns autores recentes tentaram dizer-
-me que o “problema da indução, de Hume” é de fato diferente
daquele a que dei tal nome.
Evidentemente há vários problemas diferentes que pode
ríam ser assim denominados e referir-me-ei a dois grupos: (BS)
Grupo A — Como podemos justificar a indução?
Grupo B — É a indução justificável de algum modo? E
há qualquer razão para que a julguemos justificável?
Ver-se-á desde logo que o Grupo B é a questão mais fun
damental: se for resolvido recebendo uma resposta claramente
negativa, então a questão do Grupo A não pode surgir.
Alego ter resolvido a questão do Grupo B neste sentido.
Em outras palavras alego ter resolvido o problema da indução,
de Hume, em sua mais profunda forma. Digo isto explicitamente
porque vários filósofos têm chamado “problema da indução, de
Hume” ao Grupo A e me têm atribuído erroneamente a ale
gação de que o problema da indução, de Hume, é insolúvel, ao
passo que minha alegação foi a de que eu o havia solucionado
completamente, embora negativamente.
O problema da indução, de Hume, consiste de dois ele
mentos:
(a) A questão da justificação da validade da alegação de
haver estabelecido com certeza, ou pelo menos com probabili
dade, a verdade de uma regra ou de uma generalização, ou
pelo menos sua provável verdade, a partir de evidência singular;
(b) A tese de que a indução está ligada à repetição (e de
que a repetição se liga ao fortalecimento de associações).
97
não há conflito entre a racionalidade e a ação prática em nossa
constituição humana.
Tem-se de acrescentar, naturalmente, que o padrão racio
nal de nossas ações práticas muitas vezes fica bem para trás
do padrão aplicado às fronteiras do conhecimento: muitas vezes
agimos baseados em teorias que desde muito foram superadas,
em parte porque muitos de nós não compreendemos o que acon
tece nas fronteiras do conhecimento. Não creio, porém, que
valha a pena prosseguir nestas observações.
98
t
99
vas para crer nisso não apreendeu o problema. Todos admiti-
damente, humanos ou não, esperamos que o sol continuará a
surgir. Admitidamente, esta esperança é uma esperança necessá
ria — necessária para a ação, para a vida. Mas mesmo uma
esperança necessária não é conhecimento objetivo, embora nos
possa dispor a crer.
Em outras palavras, as regras que ainda são usadas por
filósofos como exemplos padrões de regras indutivas e de sua
fidedignidade são todas falsas, mesmo quando são muito boas
aproximações da verdade, parece.
Mas isto é só para mostrar a inafiançabilidade da suposta
indução. Indução genuina por repetição não existe. O que pa
rece indução é raciocínio hipotético, bem testado e bem corro
borado e de acordo com a razão e o senso comum. Pois há um
método de corroboração — a tentativa séria de refutar uma
teoria quando uma refutação parece provável. Se essa tenta
tiva falhar pode-se conjecturar, em terreno racional, que a teoria
é uma boa aproximação da verdade — melhor, de qualquer
forma, do que sua predecessora.
Mas não podemos chegar a algo como a segurança? Não
podemos chegar, à segurança na indução em casos incontáveis
de repetição?
A resposta é não. (Foi isto o que Hume disse.) Podemos
chegar facilmente ã segurança de senso comum — não tanto
pela repetição como por testes severos. Tanto quanto qualquer
outro, sinto confiança em que o sol surgirá sobre Londres
amanhã, ou em que terei de morrer embora o pão continue a
alimentar-me. Mas sei, como teórico, que outras coisas podem
acontecer. Sei mesmo que o sol não surge diariamente em todas
as partes da Europa, que bactérias nem sempre morrem, mas
se dividem, e que o pão, a água, o ar e nossas circunvizinhanças
mais comuns e mais dignas de confiança contêm (e teme-se
que em breve conterão) venenos letais.
Pode-se também perguntar: por que temos êxito com a
nossa feitura de teorias? Resposta: temos tido êxito até aqui,
mas podemos fracassar amanhã. Qualquer argumento mostrando
que devemos ter êxito provaria longe demais. Tudo quanto po
demos fazer é conjecturar que vivemos numa parte do cosmos
onde as condições de viver e de ter êxito em nosso empreendi
mento de conhecimento parecem ser favoráveis no momento.
Mas, se sabemos alguma coisa, então sabemos que em quase
todas as demais partes deste cosmos as condições de vida e de
conhecimento são altamente •desfavoráveis, pois nossa cosmo-
logia nos diz que o mundo em quase toda parte é completa-
100
»
102
t
103
dadeira. Daí, argumenta-se que há uma probabilidade tão grande
de sua verdade quanto há uma improbabilidade de que esses
sucessos sejam devidos a uma acumulação de acidentes.
Não penso que este argumento (1) possa ser tido como
perfeitamente válido nesta forma, mas creio, não obstante, haver
nele alguma coisa. Vejamo-lo mais de perto.
Admitamos que o argumento (1) seja válido. Poderemos
então calcular a probabilidade de ser verdadeira a teoria como
1 menos a probabilidade de se ter verificado apenas acidental
mente; e se os efeitos preditos forem logicamente muito impro
váveis — por exemplo, em vista de seu montante numérico ser
predito muito precisa e corretamente — então os produtos
desses números muito pequenos seriam o número a ser dedu
zido da unidade. Em outras palavras, obteríamos, por este mé
todo de cálculo, para uma boa conjectura, uma probabilidade
muito próxima da unidade. (61)
O argumento a princípio parece convincente, mas é obvia
mente inválido. Tomemos a teoria de Newton (N). Ela faz tantas
predições precisas que de acordo com o argumento em questão
deveria alcançar uma probabilidade muito próxima da unidade.
A teoria de Einstein (E) alcançaria uma probabilidade ainda
maior. Mas, pelo cálculo de probabilidade, temos (escrevendo
“v” para significar “ou” ) :
p(N v E) = p(N) + p(E) — p(NE);
e como as teorias são incompatíveis, de modo que p(NE) = 0,
obtemos
p(N v E) = p(N) + p(E) =. 2
(isto é, muito próximo de 2), o que é absurdo.
A solução do problema é que esse argumento (1) é racio
cínio especioso. Pois é possível o seguinte:
(2) O bom acordo com o resultado improvável observado
não resulta de um acidente nem se deve à verdade da teoria,
mas simplesmente à sua verossimilhança.
Este argumento (2) explicaria por que razão muitas teorias
incompatíveis podem concordar em muitos pontos delicados em
que, intuitivamente, seria altamente improvável que concordas
sem por mero acidente.
Assim, o argumento (1) pode ser exposto um pouco mais
corretamente deste modo:
(T ) Aí há algo de verossimilitude e um acordo aciden
talmente muito improvável entre uma teoria e um fato pode
104
/
105
Filósofos Anteriores Minha Opinião Crítica
(1) A escolha de nosso pon (T ) A escolha de nosso
to de partida é decisivamente ponto de partida não é deci
importante: devemos cuidar sivamente importante porque
de não cair em erro logo no pode ser criticada e corrigi
início. da, como tudo.
(2) Nosso ponto de partida (2’) Não há meio de encon
deve, se possível, ser verda trar um ponto de partida tal
deiro e certo. como este.
(3) Ele pode ser encontrado (3’) Como não pode ser en
na experiência pessoal do ser contrado no subjetivismo nem
(subjetivismo) ou na pura no objetivismo, pode ser me
descrição do comportamento lhor começar com ambos e
(objetivismo)^68) criticar ambos.
(4) Aceitando este tipo de (4’) É aconselhável começar
subjetivismo ou então este partindo do senso comum,
tipo de objetivismo, os filó por mais vagas que possam
sofos aceitaram, sem crítica, ser as opiniões por ele com
uma forma da teoria de senso preendidas, mas sendo crítico
comum do conhecimento — de tudo que possa ser alega
teoria que se pode dizer que do em nome do senso co
forma o ponto mais fraco do mum.
senso comum.
(5) A teoria que os subje- (5’) Pequena reflexão crítica
tivistas aceitaram é que o nos convence de que todo o
conhecimento mais certo que nosso conhecimento é im
podemos ter é acerca de nós pregnado de teoria, e (qua
mesmos e de nossas experiên se) todo de caráter conjec
cias observacionais ou per- tural.
ceptuais. (Na ênfase sobre a
certeza de experiências pre-
ceptuais coincidem subjeti-
vistas e objetivistas.)
(6) Há certos fatos sólidos (6’) Visto ser todo conheci
sobre os quais pode ser edi- mento impregnado de teoria,
ficado o conhecimento, tais todo ele se edifica sobre
como nossas sensações claras areia; mas pode ser melho
e distintas, ou dados dos sen rado cavando-se criticamente
tidos; experiências diretas ou mais fundo e não admitindo
imediatas não podem ser como certos quaisquer “da
falsas. dos” alegados.
106
0
107
3 — EPISTEMOLOGIA SEM UM SUJEITO
CONHECEDOR
111
que “Brouwer rejeitou a teoria do espaço de Kant”, então
estarei falando, pelo menos em parte, de atos de pensamento
no sentido subjetivo: a palavra “influência” indica um contexto
de processos de pensamentos ou atos de pensar. Se eu disser,
porém, que “o pensamento de Brouv/er difere vastamente do
de Kant”, então é claríssimo que falo principalmente a respeito
de conteúdos. E, por final, se eu disser que “os pensamentos de
Brouwer são incompatíveis com os de Russell”, então, por
usar um termo lógico tal como “incompatível”, torno claro sem
ambigüidade que estou usando a palavra “pensamento” apenas
no sentido objetivo de Frege, e que estou falando apenas a res
peito do conteúdo objetivo, ou do conteúdo lógico, de teorias.
Assim como a linguagem comum não tem, infelizmente,
termos separados para “pensamento” no sentido do segundo
mundo e no sentido do terceiro mundo, também não tem termos
separados para os dois sentidos correspondentes de “eu sei” e
de “conhecimento”.
A fim de mostrar que ambos os sentidos existem, mencio
narei primeiro três exemplos subjetivos ou do segundo mundo:
(1) Sei que você está tentando provocar-me, mas não
serei provocado.
(2) Sei que o último teorema de Fermat não foi provado,
mas creio que será provado um dia.
(3) De “The Oxford English Dictionary” sobre o verbete
“Conhecimento” : conhecimento é um “estado de estar ciente
ou informado”.
112
*
ele citado numa tentativa para provar que o “uso comum” cobre
o “conhecimento” no sentido objetivo de meu terceiro mundo.
De fato, surpreendeu-me encontrar no Oxford English Dictio
nary exemplos de usos objetivos de “conhecimento”. (Surpre
endeu-me mais ainda encontrar alguns usos pelo menos par
cialmente objetivos de “saber” : “distinguir. . . ser conhecedor
de (uma coisa, um lugar, uma pessoa);. . . compreender”. O
fato de poderem ser parcialmente objetivos esses usos emer
girá do que se seguirá.)(3) De qualquer forma, meus exemplos
não pretendem ser argumentos. Pretendem apenas ser ilus
trações.
Minha primeira tese, até aqui não discutida mas só ilus
trada, era a de que a epistemologia tradicional, com sua con
centração no segundo mundo, ou no conhecimento no sentido
subjetivo, é irrelevante para o estudo do conhecimento cien
tífico.
Minha segunda tese é que o relevante para a epistemologia
é o estudo de problemas científicos e situações de problema,
de conjecturas científicas (que tomo como simplesmente outra
expressão para hipóteses ou teorias científicas), de discussões
científicas, de argumentos críticos e do papel desempenhado
pela evidência em argumentos; e, portanto, de revistas e livros
científicos, e de experiências e sua avaliação em argumentos
científicos; ou, em suma, que o estudo de um terceiro mundo de
conhecimento objetivo amplamente autônomo é de importância
decisiva para a epistemologia.
Um estudo epistemológico como o descrito em minha se
gunda tese mostra que os cientistas muitíssimas vezes não ale
gam que suas conjecturas são verdadeiras, ou que “sabem”
delas no sentido subjetivo de “saber”, ou que acreditam nelas.
Embora em geral não aleguem saber, no desenvolvimento de
seus programas de pesquisas agem com base em suposições
acerca do que é e do que não é frutífero e de que linha de
pesquisa promete mais resultados no terceiro mundo do conhe
cimento objetivo. Em outras palavras, os cientistas agem com
base numa suposição ou, se preferirdes, numa crença subjetiva
(pois assim podemos chamar a base subjetiva de uma ação)
referente ao que é promissor de crescimento iminente no ter
ceiro mundo do conhecimento objetivo.
Isto, sugiro, fornece um argumento em favor de minha
primeira tese (da irrelevância de uma epistemologia subjetivista)
e também de minha segunda tese (da relevância de uma episte
mologia objetivista).
Mas tenho uma terceira tese. É esta. Uma epistemologia
objetivista que estuda o terceiro mundo pode ajudar a lançar
113
imensa soma de luz sobre o segundo mundo de consciência sub
jetiva, especialmente sobre os processos subjetivos de pensa
mento dos cientistas; mas o inverso não é verdadeiro.
São estas minhas três teses principais.
Além de minhas três teses principais, ofereço três teses de
apoio.
A primeira delas é que o terceiro mundo é um produto
natural do animal humano, comparável a uma teia de aranha.
A segunda tese de apoio (e, penso, uma tese quase crucial)
é que o terceiro mundo é amplamente autônomo, mesmo embora
constantemente atuemos sobre ele e sejamos atuados por ele:
é autônomo apesar do fato de ser produto nosso e de ter um
forte efeito de retrocarga sobre nós; isto é, sobre nós como
habitantes do segundo mundo e mesmo do primeiro.
A terceira tese de apoio é que através desta interação entre
nós e o terceiro mundo é que o conhecimento objetivo cresce,
e que há estreita analogia entre o crescimento do conhecimento
e o crescimento biológico, isto é, a evolução de plantas e animais.
117
mente — deve ser oapaz de ser apreendido (ou decifrado, ou
entendido, ou “sabido” ) por alguém. Mas não admito mais.
Podemos dizer assim que há um tipo de terceiro mundo
platônico (ou bolzanoesco) de livros em si mesmos, teorias em
si mesmas, problemas em si mesmos, situações de problemas em
si mesmas, argumentos em si mesmos e assim por diante. E
assevero que, mesmo embora este terceiro mundo seja um pro
duto humano, há muitas teorias em si mesmas, e argumentos
em si mesmos, e situações de problema em si mesmas que nunca
foram produzidos ou entendidos e podem nunca ser produzidos
ou entendidos por homens.
A tese da existência desse terceiro mundo de situações de
problema impressionará a muitos como extremamente metafí
sica ou dúbia. Mas pode ser defendida apontando-se sua ana
logia biológica. Por exemplo, tem ela plena analogia no reino
dos ninhos de passarinhos. Há uns anos, ganhei um presente
para meu jardim — uma caixa de ninhos para pássaros. Era
um produto humano, sem dúvida, não um produto de pássaros
— tal como nossa tábua de logaritmos era um produto de com
putador em vez de um produto humano. Mas, no contexto do
mundo dos pássaros, era parte de uma situação de problema
objetivo mais do que de uma oportunidade objetiva. Por alguns
anos os pássaros nem mesmo pareceram notar a caixa de ninho.
Mas após alguns anos, ela foi cuidadosamente inspeccionada por
algumas cotovias azuis que mesmo começaram a aninhar-se nela,
mas muito depressa a abandonaram. Obviamente havia ali uma
oportunidade aproveitável, ainda que não fosse, parece, parti
cularmente valiosa. De qualquer modo, estava aí uma situação
de problema. E o problema pode ser resolvido em outros anos
por outros pássaros. Se não for, outra caixa pode mostrar-se
mais adequada. Por outro lado, uma caixa mais adequada pode
ser removida antes de ser usada qualquer vez. A questão da
adequação da caixa é claramente objetiva; e ser a caixa usada
alguma vez é parcialmente acidental. O mesmo se dá com todos
os nichos ecológicos. São potencialidades e podem ser estuda
dos como tais de modo objetivo, até um ponto independente da
questão de serem essas potencialidades algum dia efetivadas
por qualquer organismo vivo. Um bacteriólogo sabe como pre
parar tal nicho ecológico para o cultivo de certas bactérias ou
bolores. Pode ele ser perfeitamente adequado a seu fim. Se
alguma vez será usado ou habitado é outra questão.
Grande parte do terceiro mundo objetivo de teorias efe
tivas e em potencial e de livros e argumentos surge como um
subproduto não pretendido dos livros e argumentos efetiva
mente produzidos. Podemos dizer também que é um subpro
duto da linguagem humana. A própria linguagem, como um
118
t
120
t
5 — Observações Históricas
123
terceiro mundo e o meu; meu terceiro mundo é feito pelo homem
e mutável. Contém não só teorias verdadeiras, mas também
falsas, e especialmente problemas abertos, conjecturas e refu
tações.
E enquanto Platão, o grande mestre da argumentação dia
lética, via nisto meramente um caminho que levava ao terceiro
mundo, encaro os argumentos como habitantes dos mais im
portantes do terceiro mundo; para não falar dos problemas
abertos.
(3) Platão acreditava que o terceiro mundo de Formas e
Idéias nos fornecería explicações finais (isto é explicações por
essência, ver Cap. 3 e Cap. 5). Assim, por exemplo, ele es
creve: “Penso que se qualquer outra coisa fora da idéia da
beleza absoluta é bela, então é bela pela única razão de que tem
alguma participação na idéia da beleza absoluta. E este tipo de
explicação se aplica a tudo”. (Platão, Fedon, 100 c.).
Esta é uma teoria de explicação final; isto é, de uma expli
cação cujo explicando não é capaz nem necessita de mais expli
cação. E é uma teoria de explicação por essências; isto é, por
palavras hipostizadas.
Em conseqüência, Platão abrangeu os objetos do terceiro
mundo como algo semelhante a coisas não materiais ou, talvez,
como estrelas ou constelações — para serem fitadas e intuídas,
embora não susceptíveis de ser tocadas por nossas mentes. Por
isto é que os habitantes do terceiro mundo — as formas ou
idéias — se tornam conceitos de coisas em vez de teorias, ou
argumentos, ou problemas.
Isto teve as consequências de mais longo alcance para a
história da filosofia. Desde Platão até hoje, muitos filósofos
têm sido nominalistas(12) ou, então, o que tenho chamado essen-
cialistas. Estão mais interessados no significado (essencial) de
palavras do que na verdade e falsidade de teorias.
Muitas vezes apresento o problema em forma de uma ta
bela (ver adiante).
Minha tese é que o lado esquerdo desta tabela não tem
importância, em comparação com o lado direito: o que nos deve
interessar são teorias, verdade, argumento. Se tantos filósofos
e cientistas ainda pensam que conceitos e sistemas conceituais
(e problemas de sua significação ou o significado de palavras)
são comparáveis em importância a teorias e a sistemas teóricos
(e a problemas de sua verdade, ou a verdade de suas asserções),
então .estão ainda sofrendo do erro principal de Platão. Pois os
conceitos são parcialmente meios de formular teorias, e parcial
mente meios de sintetizar teorias. De qualquer modo, sua signi
ficação é principalmente instrumental; e eles podem ser sempre
substituídos por outros conceitos.
124
ã
IDÉIAS
isto é
DESIGNAÇÕES ou TERMOS ASSERÇÕES ou PROPOSI-
ou CONCEITOS ÇÕES ou TEORIAS
podem ser formuladas em
PALAVRAS AFIRMAÇÕES
que podem ser
SIGNIFICATIVAS VERDADEIRAS
e seu
SIGNIFICADO VERDADE
pode ser reduzido por meio de
DEFINIÇÕES DERIVAÇÕES
ao de
CONCEITOS INDEFINIDOS PROPOSIÇÕES PRIMITIVAS
127
5 .4 — E m p ir is m o
128
t
132
tos matemáticos — talvez mesmo os mais importantes. Assim,
afirmar um teorema era afirmar a existência de uma prova para
ele, e negá-lo era afirmar a existência de uma refutação, isto é,
uma prova de seu absurdo. Isto leva imediatamente à rejeição
por Brouwer, da lei do centro excluído, à sua rejeição de provas
indiretas e à demanda de que a existência só pode ser provada
pela construção efetiva — a feitura visível, por assim dizer, do
objeto matemático em questão.
Leva também à rejeição, por Brouwer, do “platonismo”,
que podemos entender como a doutrina de que os objetos ma
temáticos têm o que chamo um modo “autônomo” de exis
tência: podem existir sem ter sido construídos por nós e, assim,
sem ter sido provado que existem.
Até aqui tentei compreender a epistemologia de Brouwer,
principalmente conjecturando que ela brota de uma tentativa
para resolver uma dificuldade na filosofia da matemática de
Kant. Passo agora ao que anunciei no título desta secção — a
uma apreciação e crítica da epistemologia de Brouwer.
Do ponto de vista do presente trabalho, uma das grandes
realizações de Brouwer é ter visto que a matemática — e talvez,
posso aduzir, o terceiro mundo — é criação do homem.
Esta idéia é tão radicalmente antiplatônica que se com
preende não ter Brouwer visto que ela pode ser combinada com
uma espécie de platonismo. Refiro-me à doutrina da autonomia
(parcial) da matemática, e do terceiro mundo, como foi esbo
çado na secção 3, atrás.
Outra grande realização de Brouwer, de um ponto de vista
filosófico, foi seu antiformalismo: seu reconhecimento de que
objetos matemáticos devem existir antes que possamos falar a
respeito deles.
Permita-se-me, porém, passar a uma crítica da solução
dada por Brouwer aos três conjuntos principais de problemas
da filosofia da matemática já discutidos na presente secção.
(1’) Problemas epistemológicos: Intuição em geral e a
teoria do tempo em particular.
Não proponho mudar o nome “Intuicionismo”. Como o
nome sem dúvida será mantido, o mais importante é abandonar
a filosofia errônea da intuição como fonte infalível de conhe
cimento.
Não há fontes autorizadas de conhecimento e nenhuma
“fonte” é particularmente digna de fé.(30) Tudo é bem-vindo
como fonte de inspiração, inclusive a “intuição” ; especialmente
se nos sugerir problemas novos. Mas nada é seguro e somos
todos falíveis.
133
Além disso, a nítida distinção de Kant entre intuição e
pensamento discursivo não pode ser sustentada. A “intuição”,
seja o que possa ser, é amplamente o produto de nosso desen
volvimento cultural e de nossos esforços em pensamento dis
cursivo. A idéia de Kant de um tipo padrão de intuição pura
compartilhado por todos nós (talvez não por animais, apesar
de um equipamento perceptual similar) dificilmente pode ser
aceita. Pois, após nos havermos adestrado em pensamento dis
cursivo, nossa apreensão intuitiva torna-se extremamente dife
rente do que era antes.
Tudo isto se aplica à nossa intuição do tempo. Pessoal
mente, acho convincente o relato de Benjamin Lee Whorf sobre
os índios hopi e sua intuição do tempo extremamente diferente.
Mesmo, porém, que este relato seja incorreto (o que julgo im
provável), ele .mostra possibilidades que nem Kant nem Brouwer
jamais consideraram. Estando Whorf certo, então nossa apreen
são intuitiva do tempo — o modo pelo qual “vemos” relações
temporais — dependería parcialmente de nossa linguagem e das
teorias e mitos nela incorporados: nossa intuição européia do
tempo deveria muito às origens gregas de nossa civilização, com
sua ênfase sobre o pensamento discursivo.
De qualquer modo, nossa intuição do tempo pode mudar
com nossas teorias mutáveis. As intuições de Newton, Kant e
Laplace diferem das de Einstein; e o papel do tempo na física
de partículas difere do papel na física de massa contínua, espe
cialmente a óptica. Enquanto a física de partículas sugere um
instante inestendido, como uma navalha, um “punctum tempo-
ris” que separa o passado do futuro, e assim uma coordenada
de tempo que consiste de (uma série contínua de) instantes
inestendidos, e um mundo cujo “estado” pode ser dado para
qualquer desses instantes inestendidos, a situação em óptica é
muito diferente. Assim como há em óptica grades especialmente
estendidas cujas partes cooperam sobre considerável distância
de espaço, assim há eventos temporalmente estendidos (ondas
possuidoras de frequências) cujas partes cooperam sobre consi
derável distância de tempo. Portanto, devido à óptica, não pode
haver em física um estado do mundo num instante de tempo.
Este argumento deveria fazer, e faz, grande diferença para nossa
intuição: o que se tem chamado o presente especioso da psico
logia não é especioso nem confinado à psicologia, mas é ge
nuíno e já ocorre na física.(32)
Assim, não só a doutrina geral da intuição como fonte
infalível de conhecimento é um mito, como nossa intuição do
tempo, mais especialmente, é tão sujeita a crítica e correção
com o é, de acordo com a própria admissão de Brouwer, nossa
intuição do espaço.
134
O principal ponto aqui, devo-o à filosofia da matemática
de Lakato. É a de que a matemática (e não só as ciências na
turais) cresce através da crítica de suposições e de provas in
formais ousadas. Isto pressupõe a formulação linguística dessas
suposições e prova, assim, sua posição no terceiro mundo. A
linguagem, a princípio mero meio de comunicar descrições de
objetos prelingüísticos, torna-se por isso uma parte essencial do
empreendimento científico, mesmo em matemática, o qual por
sua vez se toma parte do terceiro mundo. E há camadas, ou
níveis, na linguagem (sejam ou não formalizados numa hierar
quia de metalinguagens).
Fosse correta a epistemologia intuicionista, a competência
matemática não seria problema. (Fosse correta a teoria de
Kant, não seria ela compreensível, porque tivemos — ou mais
precisamente tiveram Platão e sua escola — de esperar tanto
tempo por Euclides.(33) ) Contudo, é um problema, visto que
matemáticos intuicionistas altamente competentes podem discor
dar sobre alguns pontos difíceis. (34) Não é necessário inda
garmos que lado está certo no desacordo. É suficiente indicar
que, desde que uma construção intuicionista pode ser criticada,
o problema suscitado só pode ser resolvido pelo uso de lingua
gem argumentativa num modo essencial. Sem dúvida, o uso
crítico essencial da linguagem não nos obriga ao uso de argu
mentos banidos por matemáticos intuicionistas (embora aqui
haja um problema, como será mostrado). Meu ponto, no mo
mento, é apenas este: desde que possa ser questionada a admis
sibilidade de uma construção matemática intuicionista proposta
— e sem dúvida pode ser questionada — a linguagem se torna
mais que um mero meio de comunicação que em princípio se
poderia dispensar: torna-se, em vez disso, o meio indispensável
de discussão crítica. Assim, não é mais somente a construção
intuicionista “que é objetiva no sentido de ser irrelevante qual
o sujeito que faz a construção” ;(35) antes, a objetividade,
mesmo da matemática intuicionista, repousa, tal como a de toda
ciência, na criticabilidade de seus argumentos. Mas isto signi
fica que a linguagem se torna indispensável como o meio de ar
gumentação, de discussão crítica. (36)
Por esta razão é que encaro como errôneas a epistemolo
gia subjetivista de Brouwer e a justificação filosófica de sua
matemática intuicionista. Há um dar-e-tomar entre construção,
crítica, “intuição” e mesmo tradição que ele deixa de considerar.
Estou, porém, disposto a admitir que mesmo em sua visão
errônea da posição da linguagem Brouwer estava parcialmente
certo. Embora a objetividade de toda ciência, inclusive a mate
mática, esteja inseparavelmente ligada à sua criticabilidade,
e portanto à sua formulação lingüística, Brouwer estava certo
135
ao reagir fortemente contra a tese de que matemática nada
mais é do que um jogo de linguagem formal ou, em outras
palavras, de que não há coisas tais como objetos matemáticos
extralingüísticos; isto é, pensamentos (ou a meu ver, mais pre-
cisamente, conteúdos de pensamento). Como ele insistiu, fala-se
em! matemática acerca desses objetos; e neste sentido a lingua
gem matemática é secundária a esses objetos. Mas isto não sig
nifica que possamos construir matemática sem linguagem: não
pode haver construção sem constante controle crítico, nem crí
tica sem pôr nossas construções em forma lingüística e tratá-las
como objetos do terceiro mundo. Embora o terceiro mundo não
seja idêntico ao mundo de formas linguísticas, ele surge junta
mente com a linguagem argumentativa: é um subproduto da
linguagem. Isto explica por que, desde que nossas construções se
tomem problemáticas, sistematizadas e axiomatizadas, a lingua
gem pode tornar-se também problemática, e por que a forma
lização pode tomar-se um ramo da construção matemática. Isto,
penso, é o que quer dizer o Professor Myhill quando diz que
nossas formalizações corrigem nossas intuições, enquanto
nossas intuições dão forma a nosSas formalizações”. (37) O que
faz particularmente digna de citação esta observação é que,
tendo sido feita em conexão com a prova intuicionista brouwe-
riana, ela parece, de fato, fornecer uma correção da epistemo-
logia brouweriana.
(2’) Problemas ontológicos: Várias vezes foi visto pelo
próprio Brouwer que os objetos de matemática devem sua exis
tência parcialmente à linguagem. Assim, escrevia ele em 1924:
“A matemática é baseada em (“Der Mathematik liegt zugrunãe”)
uma sequência ilimitada de sinais ou símbolos (“Zeichen”) ou
de seqüências finitas de símbolos.. ,” (â8) Não é preciso ler isto
como uma admissão da prioridade da linguagem; sem dúvida o
termo crucial é “seqüência” e a idéia de sequência se baseia na
intuição do tempo e numa construção baseada nessa intuição.
Contudo, isso mostra que Brouwer estava ciente de que sinais ou
símbolos eram necessários para efetuar a construção. Minha
própria opinião é a de que o pensamento discursivo (isto é, se
quências de argumentos linguísticos) tem a mais forte influência
sobre nossa consciência do tempo e sobre o desenvolvimento de
nossa intuição de uma ordem seqüêncial. Isto não se choca, de
modo algum, com o construtivismo de Brouwer, mas choca-se
com seu subjetivismo e mentalismo. Pois os objetos de mate
mática podem agora tornar-se cidadãos de um terceiro mundo
objetivo: embora originariamente construídos por nós — o ter
ceiro mundo origina-se como produto nosso — os conteúdos de
pensamento levam consigo suas próprias consequências não pre
136
*
137
(3’) Problemas metodológicos: O motivo original da ma
temática intuicionista de Brouwer era a segurança: a procura
de métodos mais seguros de prova; realmente, de métodos infa
líveis. Ora, quando alguém quer provas mais seguras, deve ser
mais severo com respeito à admissibilidade de um argumento de
monstrativo: deve usar meios mais fracos, suposições mais
fracas. Brouwer confinou-se ao uso de meios lógicos que eram
mais fracos que os da lógica clássica.(41) Provar um teorema
por meios mais fracos é (e sempre foi) uma tarefa intensamente
interessante e uma das grandes fontes de problemas matemá
ticos. Daí o interesse da metodologia intuicionista.
Mas sugiro que isto só vale para provas. Para a crítica,
para a refutação, não queremos uma lógica pobre. Se um sis
tema de demonstração pode ser mantido fraco, um sistema de
crítica deve ser forte. Na crítica não desejamos ficar limitados
a demonstrar impossibilidade: não alegamos infalibilidade para
nossa crítica e muitas vezes nos contentamos quando podemos
mostrar que uma teoria tem conseqüências contra-intuitivas.
Num sistema de crítica, a fraqueza e a parcimônia não são vir
tudes, pois a virtude está numa teoria que pode suportar crítica
forte. (Parece, portanto, plausível que no debate crítico — no
metadebate — da validez de uma construção intuicionista, o
uso da plena lógica clássica pode ser admissível.)
140
0
141
A avaliação a posteriori de uma teoria depende inteira
mente do modo por que resistiu a testes severos e engenhosos.
Mas testes severos, por sua vez, pressupõem alto grau de tes-
tabilidade ou conteúdo a priori. Assim a avaliação a posteriori
de uma teoria depende amplamente de seu valor a priori:
teorias que são a priori desinteressantes — de pequeno con
teúdo — não precisam ser testadas, pois seu baixo grau de
testabilidade exclui a priori a possibilidade de poderem ser
submetidas a testes realmente significativos e interessantes.
Por outro lado, teorias altamente testáveis são interes
santes e importantes ainda que deixem de passar em seu teste;
podemos aprender imensamente com seu insucesso. Seu ma
logro pode ser frutífero, pois realmente pode sugerir como
construir uma teoria melhor.
Contudo, toda esta ênfase sobre a importância funda
mental da avaliação a priori talvez pudesse ser interpretada
como devida finalmente a nosso interesse por altos valores a
posteriori — por obter teorias que tenham alto. conteúdo de
verdade e verossimilitude, embora, sem dúvida, sempre per
maneçam conjecturais, ou hipotéticos, ou experimentais. Nosso
alvo são teorias que sejam não só intelectualmente interessan
tes e altamente testáveis, mas também que tenham passado
de fato por testes severos, melhor do que suas concorrentes;
e que, caso se torne manifesto seu caráter conjectural por sua
refutação, dêem origem a problemas novos, inesperados e
frutíferos.
Assim, podemos dizer que a ciência começa com proble
mas e passa daí para teorias concorrentes, que avalia critica
mente. Especialmente significativa é a avaliação de sua verossi
militude. Isto requer severos testes críticos e, portanto, pressu
põe altos graus de testabilidade, que são dependentes do con
teúdo da teoria e por isso podem ser avaliados a priori.
Em muitos casos, e nos casos mais interessantes, a teoria
acabará ruindo e assim suscitará novos problemas. E o avanço
realizado pode ser avaliado pela lacuna intelectual entre o
problema original e o novo problema resultante do colapso
da teoria.
Este ciclo pode novamente ser descrito pelo nosso dia
grama repetidamente usado:
Pi -* TT -» EE -» P 2;
144
conhecido — relação que Russell chama “crença” ou “julga
mento” — tomou essas coisas que encaro como conhecimento
objetivo simplesmente como elocuções ou expressões de esta
dos mentais ( ou como o comportamento correspondente).
Esta abordagem pode ser descrita como um expressionismo
epistemológico, porque é estreitamente paralela à teoria ex-
pressionista da arte. A obra de uma pessoa é encarada como
expressão de seu estado íntimo: a ênfase recai inteiramente
sobre a relação causai e sobre o fato admitido, mas superes
timado, de que o mundo do conhecimento objetivo, como o
mundo de pintura ou da música, é criado por homens.
Esta concepção deve ser substituída por uma muito dife
rente. Deve-se admitir que o terceiro mundo, o mundo do
conhecimento objetivo (ou, mais geralmente, do espírito obje
tivo) é de feitura humana. Mas deve-se acentuar que esse
mundo existe em ampla extensão autonomamente; que ele gera
seus próprios problemas, especialmente aqueles ligados a mé
todos de crescimento; e que seu impacto sobre qualquer um
de nós, mesmo sobre o mais original dos pensadores criativos,
excede vastamente o impacto que qualquer de nós possa pro
duzir sobre ele.
Mas seria um erro deixar as coisas nisso. O que encaro
como o ponto de mais importância não é a simples autonomia
e anonimato do terceiro mundo, ou o ponto admitidamente
muito importante de que sempre devemos quase tudo a nossos
predecessores e à tradição que eles criaram; que assim devemos
ao terceiro mundo, especialmente, a nossa racionalidade —
isto é, nossa mente subjetiva, a prática de modos críticos e
autocríticos de pensamento e as disposições correspondentes.
Mais importantes do que tudo isto, sugiro, é a relação entre
nós mesmos e nossa obra, e o que pode ser ganho desta re
lação para nós.
O expressionista crê que tudo quanto pode fazer é deixar
seu talento, seus dotes expressarem-se em sua obra. O resul
tado é bom ou mau, de acordo com o estado mental ou psi
cológico do obreiro.
Contra isto sugiro que tudo depende do dar-e-tomar entre
nós mesmos e nossa obra; do produto com que contribuímos
para o terceiro mundo e daquela retrocarga constante que pode
ser amplificada pela autocrítica consciente. A coisa incrível
a respeito da vida, da evolução e do crescimento mental, é
justamente esse método de dar-e-tomar, essa interação entre
nossa ações e seus resultados, por meio da qual constante
mente transcendemos a nós mesmos, a nossos talentos, nossos
dotes.
145
Esta auto-transcendência é o fato mais notável e impor
tante de toda vida e de toda evolução, e especialmente da
evolução humana.
Em seus estágios pre-humanos ela é menos óbvia, sem
dúvida, e assim pode realmente ser confundida com algo como
a autoexpressão. Mas, no nível humano, a autotranscendên-
cia só pode ser desdenhada com real esforço. Tal como ocorre
com os nossos filhos, assim ocorre com as nossas teorias:
tendem a tornar-se amplamente independentes de seus pais.
E como pode acontecer com os nossos filhos, assim pode acon
tecer com as nossas teorias: podemos ganhar deles uma soma
de conhecimentos maior do que aquela que originariamente
lhes transmitimos.
O processo do aprendizado, do crescimento do conheci
mento subjetivo, é sempre o mesmo fundamentalmente. É crí
tica imaginativa. Eis como transcendemos nosso ambiente local
e temporal tentando pensar em circunstâncias além de nossa
experiência; criticando a universalidade, ou a necessidade es
trutural, do que, para nós, possa parecer (ou que filósofos
possam descrever) como “dado” ou “hábito”; tentando achar,
construir, inventar situações novas — isto é, situações de teste,
situações críticas; e tentando localizar, descobrir e desafiar nos
sos preconceitos e suposições habituais.
Eis com nos erguemos, por nossas próprias forças, do
lodaçal de nossa ignorância; eis como lançamos uma corda
no ar e depois subimos por ela — se houver conseguido pren
der-se, embora precariamente, em qualquer raminho.
O que faz nossos esforços diferirem dos de um animal ou
de uma ameba é apenas que nossa corda pode pegar onde
prender-se num terceiro mundo de discussão crítica: um mundo
de linguagem, de conhecimento objetivo. Isto nos torna possível
descartar algumas de nossas teorias concorrentes. Assim, se
formos felizes, podemos ter êxito na sobrevivência de algumas
de nossas teorias errôneas (e muitas delas são errôneas),
enquanto a ameba perecerá com sua teoria, sua crença e seus
hábitos.
Vista a esta luz, a vida é solução de problemas e desco
berta — a descoberta de novos fatos, de novas possibilidades,
por meio de experimentar as possibilidades concebidas em nossa
imaginação. No nível humano, esta experimentação é feita quase
inteiramente no terceiro mundo, por tentativas para representar,
nas teorias desse terceiro mundo, nosso primeiro mundo, e,
talvez, nosso segundo mundo, com sucesso cada vez maior; ten
tando chegar mais perto da verdade — de uma verdade mais
plena, mais completa, mais interessante, logicamente mais forte
e mais relevante — relevante para nossos problemas.
146
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150
4 — SOBRE A TEORIA DA
MENTE OBJETIVA
156
*
5 — O Problema da Compreensão
157
tribuição à teoria da compreensão (“hermenêutica), que tem sido
muito discutida por estudiosos das humanidades ( “Geisteswis-
senschafterí’, “ciências morais e mentais” ) - Começarei aqui par
tindo da admissão de que a compreensão de objetos perten
centes ao terceiro mundo é que constitui o problema central das
humanidades. Isto, parece, afasta-se radicalmente do dogma fun
damental aceito por quase todos os estudiosos das humanidades
(como o termo indica) e especialmente por aqueles que estão
interessados no problema da compreensão. Refiro-me, natural
mente, ao dogma de que os objetos de nossa compreensão per
tencem principalmente ao segundo mundo, ou de que devem, de
qualquer modo, ser explicados em termos psicológicos. ( 12)
Admitidamente, as atividades ou processos cobertos pelo
guarda-chuva do termo “compreensão” são atividades subjetivas,
ou pessoais, ou psicológicas. Devem ser distinguidas do pro
duto (mais ou menos bem sucedido) dessas atividades, de seu
resultado: o “estado final” (por enquanto) da compreensão, a
interpretação. Embora isto possa ser um estado subjetivo de
compreensão, pode ser também um objeto de terceiro mundo,
especialmente uma teoria; e o último caso é, em minha opinião,
o mais importante. Encarada como um objeto de terceiro mundo,
a interpretação será sempre uma teoria; por exemplo, uma expli
cação histórica apoiada por uma corrente de argumentos e,
talvez, por evidência documentária.
Assim, toda interpretação é uma espécie de teoria e, como
toda teoria, é ancorada em outras teorias e em outros objetos
de terceiro mundo. E deste modo o problema de terceiro mundo
do mérito da interpretação pode ser suscitado e discutido, e
especialmente o seu valor para nossa compreensão histórica.
Mas mesmo o ato subjetivo ou o estado disposicional da
“compreensão” só pode ser compreendido, por sua vez, através
de suas conexões com objetos de terceiro mundo. Pois afirmo
as três teses seguintes referentes ao ato subjetivo de com
preender.
(1) Que todo ato subjetivo de compreensão está ampla
mente ancorado no terceiro mundo;
(2) que quase todas as observações importantes que
podem ser feitas acerca de tal ato consistem em apontar suas
relações com objetos de terceiro mundo; e
(3) que tal ato consiste principalmente de operações com
objetos de terceiro mundo: operamos com esses objetos quase
como se fossem objetos materiais.
158
ê
160
7 — Compreensão e Solução de Problemas
161
teoria como irrelevante em vez de como falsa; ou, digamos,
como irrelevante para a discussão numa certa etapa, ainda que
possa ser importante em outra etapa; ou talvez mesmo a dis
pensa de uma teoria como falsa e também como por demais
irrelevante para ser discutida explicitamente. Logicamente con
siderado, isto vem a dar na proposta de que sua falsidade e
irrelevância devem ser relegadas para o “fundo” da discussão.
Uma proposta para assim relegar uma teoria ou um pro
blema (ou uma narrativa, ou um “projeto” ) é transmitida, na
maioria das vezes, por meios expressivos e emocionais. ( 16)
Vê-se facilmente que, do ponto de vista de manipular objetos de
terceiro mundo, esses meios operam como uma espécie de taqui-
grafia: em princípio, podem ser substituídos por mais detalhada
análise da situação de problema objetiva. A dificuldade é que
esta análise pode ser complexa, pode tomar longo tempo e pode
ser considerada desvaliosa porque seu problema é somente esta
belecer o fato de que há irrelevâncias.
Esta esboçada análise de algumas implicações emocionais
tenta ilustrar a alegação de que mesmo tais implicações podem
ser às vezes compreendidas melhor em termos de objetos de
terceiro mundo tais como situações de problema.
Não se deve confundir esta alegação com uma ainda mais
importante — a de que a tarefa de explicar estados psicológicos
tais como emoções cria seus próprios problemas teóricos a serem
resolvidos por suas próprias teorias experimentais; teorias (isto
é, objetos de terceiro mundo) a respeito do segundo mundo.
Mas isto não deve ser tomado como significando que somente,
ou principalmente, podemos entender as pessoas estudando teo
rias psicológicas a respeito delas; nem pretende desdizer ou
mesmo restringir minha tese de que em toda compreensão, in
clusive a compreensão de pessoas e de suas ações, e assim tam
bém na compreensão da história, a análise de situações de ter
ceiro mundo é nossa tarefa suprema.
Ao contrário, um de meus pontos principais é o de que
as ações, e portanto a história, podem ser explicadas como solu-
cionamento de problemas, e que a isto se pode aplicar minha
análise em termos do esquema de conjecturas e refutações
(Pi -* TT •* EE -*■ P2, como foi explicado na secção 6, atrás).
Antes de passar a este importante ponto, contudo, discu
tirei primeiro com certa minúcia um exemplo do processo de
compreender um objeto de terceiro mundo: uma simples equa
ção aritmética.
162
*
163
uma rotina cujo fim é tornar mais fácil trabalhar com a solução
e mais fácil conferi-la (isto é, eliminar erros).
Mesmo neste exemplo extremamente trivial, podemios dis
tinguir vários graus de compreensão.
(1) A simples compreensão do que foi dito, compreensão
no sentido de que também podemos “compreender” a proposi
ção “777 vezes 111 são 68.427” sem notar que é falsa.
(2) A compreensão de que é uma solução de um pro
blema.
(3) A compreensão do problema.
(4) A compreensão de que a solução é verdadeira, o que
em nosso caso é trivialmente fácil.
(5) A verificação da verdade, por algum método de eli
minação de erro, também trivial em nosso caso.
Há, claramente, mais grau de compreensão. Especialmente
(3), a compreensão do problema, pode ser levado além. Pois
alguns podem, e outros não, a julgar que o problema é verbal,
de modo que “777 vezes 111”, embora não escrito no modo
decimal de escrever, é apenas um meio tão bom, ou melhor, de
formar um sinônimo do número “8 vezes 10.000, mais 6 vezes
1.000, mais 2 vezes 100, mais 4 vezes 10, mais 7”; e que
“86.247” é apenas um método taquigráfico de escrever esse
número. Esta espécie de compreensão exemplifica uma tentativa
de compreender a base, que normalmente se tem como assen
tada. Assim, ela descobre um problema dentro dessa base.
Sem dúvida, esses graus de compreensão ( 17) não podem,
via de regra, ser colocados numa ordem linear; novas possibili
dades de maior e melhor compreensão podem brotar em quase
todos os pontos, especialmente nos casos menos triviais.
Assim podemos aprender muita coisa com o nosso sim-
plíssimo exemplo. Talvez a coisa mais importante que podemos
aprender é a seguinte. Sempre que tentamos interpretar ou com
preender uma teoria ou uma proposição, mesmo uma trivial
como a equação aqui discutida, estamos de fato suscitando um
problema de compreensão e isto sempre mostra ser um proble
ma acerca de um problema, isto é, um problema de nível mais
alto.
Fte. 4.
166
testar uma predição derivável da teoria de Copérnico: predi
zia que os planetas interiores mostrariam fases como as da
lua; e Galileu conseguira observar as fases de Vênus.
Como a teoria de Ptolomeu, a teoria de Copérnico era
essencialmente um modelo cosmológico, construído por meios
geométricos (e cinemáticos). Mas Galileu era um físico. Sabia
que o problema real era encontrar uma explicação física me
cânica (ou transmecânica); e efetivamente descobriu alguns
dos elementos de tal explicação, especialmente as leis da inér
cia e a correspondente lei da conservação para os movimentos
rotativos.
Ousadamente, Galileu tentou basear sua física somente
nessas duas leis de conservação, embora estivesse bem cons
ciente do fato de que devia haver grandes lacunas de terceiro
mundo em seu conhecimento físico. Do ponto de vista do mé
todo, Galileu estava perfeitamente certo em tentar explicar
tudo com esta base estreitíssima; pois só se tentarmos explo
rar e testar nossas teorias falíveis até o limite é que podere
mos esperar aprender com seu malogro.
Isto explica por que razão Galileu, apesar de seu conheci
mento da obra de Kepler, se aferrou à hipótese do movimento
circular dos planetas; e ele estava muito certo ao fazê-lo, em
vista do fato de que esse movimento circular podia ser expli
cado por suas básicas leis de conservação. Diz-se muitas vezes
que ele tentou dar cobertura às dificuldades dos ciclos de
Copérnico e que supersimplificou a teoria de Copérnico de
modo injustificável; e também que ele deveria ter aceitado as
leis de Kepler. Mas tudo isto mostra uma falha de compreensão
histórica — um erro na análise da situação de problema de
terceiro mundo. Galileu estava muito certo em trabalhar com
supersimplificações ousadas; e as elipses de Kepler eram jus
tamente supersimplificações tão ousadas quanto os círculos de
Galileu. Mas Kepler foi feliz por ter, em breve, suas supersim
plificações usadas, e consequentemente explicadas, por Newton,
com um teste de sua solução do problema de dois corpos.
Mas porque Galileu rejeitou a idéia já bem conhecida
de uma influência da lua sobre as marés? Esta pergunta põe
à mostra um aspecto altamente importante da situação de pro
blema. Em primeiro: lugar, Galileu rejeitou a influência lunar
porque era adversário da astrologia, que essencialmente iden
tificava os planetas com os deuses; neste sentido, foi um
precursor do Iluminismo; e era também adversário da astro
logia de Kepler, embora admirasse Kepler. Em segundo lugar,
ele operava coni um princípio mecânico de conservação para
movimentos rotativos e isto parecia excluir influências inter
planetárias. Sem a tentativa de Galileu de explicar as marés
167
com esta estreitíssima base, poderiamos nunca ter descoberto
que a base era estreita demais e que era necessária outra idéia
— a idéia da atração, de Newton (e com ela a de uma força);
idéias que quase tinham o caráter de astrológicas e que foram
consideradas ocultas por muitos homens esclarecidos, como
Bukeley.(21) Foram mesmo consideradas ocultas pelo próprio
Newton.
Assim, somos levados, pela análise da situação de pro
blema de Galileu, a justificar a racionalidade do método de
Galileu em diversos pontos nos quais tem sido ele criticado por
vários historiadores; e assim somos levados a uma melhor
compreensão histórica de Galileu. Explicações psicológicas que
têm sido tentadas, como ambição, ciúme ou agressividade, ou
o desejo de criar uma agitação, tornam-se supérfluas. São subs
tituídas aqui por uma análise situacional de terceiro mundo.
Similarmente, toma-se supérfluo criticar Galileu por “dogma-
tismo”, por haver-se aferrado ao movimento circular, ou in
troduzir a idéia duma atração psicológica misteriosa no “mis
terioso movimento circular”. (Dilthey chama-a idéia arqué
tipo, ou que é psicologicamente atraente. ( 22) ) Pois o método
de Galileu foi correto quando tentou ir tão longe quanto possí
vel com a ajuda da lei racional de conservação para os movi
mentos rotativos. (Ainda não havia qualquer teoria dinâmica.)
Este resultado ilustraria como, juntamente com a nossa
compreensão de sua situação de problema objetiva, cresceu
nossa compreensão histórica do papel de Galileu. Podemos
agora indicar esta situação de problema por “Pi”, pois ela de
sempenha papel análogo ao daquele P2 que tivemos antes. E
podemos indicar a teoria experimental de Galileu por “TT”; e
podemos indicar por “EE” as suas tentativas, e as de outros,
para discutí-la criticamente e eliminar erros. Galileu, embora es
perançoso, ficou longe de satisfazer-se com o resultado de sua
discussão. Podemos dizer que seu P2 estava muito próximo de
seu P i ; ístô é, o problema continuava em aberto.
Muito mais tarde a questão levou a uma mudança revo
lucionária (devida a Newton) na situação de problema (P2).
Newton ampliou a estrutura de Galileu — a estrutura das leis
dè conservaçãò dentro da qual fora concebido o problema de
Galileu. Êarte da mudança revolucionária de Newton foi ter
ele rèâáfhitido na teoria a lua, cujo banimento da teoria das
marés fofa conseqüência necessária da estrutura de Galileu (e
dâ frase).
Para resumir o caso rapidamente, a estrutura física de
Galileu era uma forma um tanto simplificada do modelo do sis
tema solar de Copérnico. Era um sistema de ciclos (e talvez
epiciclos) com velocidade rotacional constante. Mesmo Einstein
168
t
169
o problema de compreensão é uma metateoria, pois é uma teoria
de cuja tarefa é parte descobrir, em cada caso particular, de
que consistem realmente Pi, TT, EE e P2.
Isto, incidentemente, não deve ser tido como implicado
que em cada caso particular somente as estruturas de Pi, TT,
etc., tenham de ser descobertas pela metateoria, enquanto o
próprio esquema (Pi -» TT -» EE -» P2) tem de ser aceito
sem crítica. Ao contrário, o esquema, deve-se acentuar de
novo, é uma supersimplificação e deve ser elaborado ou mesmo
radicalmente modificado sempre que surgir tal necessidade.
Meu quarto ponto é que qualquer tentativa (exceto as
mais triviais) de compreender uma teoria sujeita-se a abrir
uma investigação histórica a respeito dessa teoria e de seu pro
blema, que assim se torna parte do objeto da investigação. Se a
teoria for científica, a investigação será dentro da história da ciên
cia. Se a teoria for, digamos, histórica, a investigação será dentro
da história da historiografia. Os problemas que essas investiga
ções históricas tentam resolver serão metaproblemas, a ser niti
damente distinguidos dos problemas que são os objetos sob
investigação.
Meu quinto ponto é que a história da ciência não deve ser
tratada como uma história de teorias, mas como uma história
de situações de problema e suas modificações (às vezes imper
ceptíveis, às vezes revolucionárias) através da intervenção de
tentativas para resolver os problemas. Historicamente, tentati
vas frustradas podem assim mostrar terem sido tão importantes
para o desenvolvimento ulterior quanto as bem sucedidas.
Meu sexto ponto (que simplesmente elabora o terceiro) é
que temos de distinguir entre os metaproblemas e as meta-
teorias do historiador da ciência (que estão no nível P°) e os
problemas e teorias dos cientistas (qúe estão no nível P j). Ê
fácil por demais misturar os dois, pois, se formularmos o pro
blema do historiador perguntando “Qual era o problema de
Galileu?”, a resposta parece ser “Pi” ; mas Pi (contrariamente
a “O problema de Galileu era Pi) parece pertencer ao nível
de objeto em vez de ao nivel meta;(2B) e assim os dois níveis
se confundem.
Mas não há, em geral, problemas comuns aos diferentes
níveis. Isto se vê facilmente: duas metateorias experimentais do
mesmo objeto são com frequência muito diferentes. Dois histo
riadores da ciência que concordam sobre “os fatos” podem
compreendê-los ou interpretá-los de muitos modos diferentes
(às vezes de modos complementares, às vezes de modos con
flitantes). Podem mesmo discordar sobre o que constitui seus
problemas. Assim, em geral, não compartilharão reciprocamente
170
0
171
sem dúvida, conjecturadas). (27) Assim, o historiador da ciên
cia não só tenta explicar pela análise situacional a teoria pro
posta por um cientista como adequada, mas pode mesmo ten
tar explicar o malogro do cientista.
Em outras palavras, nosso esquema de solução de pro
blema por conjectura ou refutação, ou um esquema similar,
podem ser usados como uma teoria explicativa de ações huma
nas, desde que possamos interpretar uma ação como uma tenta
tiva para resolver um problema. Deste modo a teoria expli
cativa de ação consistirá, no principal, de uma reconstrução
conjectural do problema e de sua base. Uma teoria dessa es
pécie pode muito bem ser testável.
Tenho tentado responder à pergunta: “Como podemos com
preender uma teoria científica ou melhorar nossa compreensão
dela?” E tenho sugerido que minha resposta, em termos de
problemas e de situações de problemas, pode ser aplicada muito
além da teoria científica. Podemos, pelo menos em alguns casos,
aplicá-la até mesmo a obras de arte: podemos conjecturar qual
era o problema do artista e podemos ser capazes de sustentar
essa conjectura por meio de evidência independente; e esta aná
lise pode ajudar-nos a compreender a obra.(28)
(Posição um tanto intermediária entre a tarefa de inter
pretar uma teoria científica e interpretar uma obra de arte pode
talvez ser ocupada pela tarefa de reconstruir uma obra de arte
danificada — digamos reconstruir um poema encontrado em
forma de um papiro danificado.)
10 — O Valor de Problemas
172
t
173
(no terceiro nível, por assim dizer) a significação de minha
asserção de que o primeiro passo vital para compreender uma
teoria é compreender a situação de problema em que ela surge.
Sugiro também que o muito discutido problema da trans
ferência de aprendizado de uma disciplina para outra estreita
mente se liga ao ganho de experiência na luta com problemas
vivos. Os que só aprenderam como aplicar alguma dada estru
tura teórica à solução de problemas que surgem dentro dessa
estrutura e que são solúveis dentro dela(29) não podem esperar
que seu adestramento os auxilie muito em outra especialização,
Diversamente ocorre com os que têm, eles próprios, lutado com
problemas, especialmente se sua compreensão, esclarecimento e
formulação mostraram ser difíceis. (30)
Assim, penso que os que lutaram com um problema podem
ser recompensados ganhando uma compreensão de campos bas
tante afastados dos que lhes são próprios.
Pode ser interessante e frutuosò investigar até onde po
demos aplicar análises situacionais (a idéia de solucionar pro
blemas) à arte, à música e à põesia, e se isto pode ajudar nossa
compreensão nesses campos. Não duvido de que, em alguns
casos, possa ajudâr. Os Cadernos de notas de Beethoven para o
último movimento da Nona Sinfonia mostram que a introdução
deste movimento conta a história das tentativas do compositor
para resolver um problema -— o problema de romper em pa
lavras. Ver isto auxilia nossa compreensão da música e do mú
sico. Se esta compreensão ajuda nosso gozo da música é coisa
diferente.
174
t
175
humanidades e que se tem atribuído à “diversidade” das outras
pessoas, à impossibilidade de qualquer autocompreensão real e
à inevitabilidade de supersimplificação, que é inerente a qual
quer tentativa para compreender qualquer coisa singular e real.
(Podemos agora acrescentar que parece importar pouco que tal
realidade seja cósmica ou microcósmica.)
Oponho-me assim à tentativa de proclamar o método de
compreensão como característico das humanidades, marca pela
qual as podemos distinguir das ciências naturais. E quando seus
adeptos acusam de “positivista” ou “cientística” uma opinião
como esta minha, (35) então eu talvez possa responder que eles
mesmos parecem aceitar, implicitamente e sem crítica, que o
positivismo ou cientismo é a única filosofia apropriada às ciên
cias naturais.
Isto é compreensível, considerando que tantos cientistas
naturais hajam aceitado esta filosofia cientística. Contudo, os
estudiosos das humanidades poderíam ter sabido melhor. A
ciência, afinal de contas, é um ramo da literatura; e trabalhar
em ciência é uma atividade humana como construir uma ca
tedral. Não há dúvida de que há demasiada especialização e
demasiado profissionalismo na ciência contemporânea, que a
tornam desumana; mas isto também é infelizmente certo quanto
à história ou à psicologia contemporâneas, quase tanto como
quanto às ciências naturais.
Além disso, há um campo importante da história — talvez
o mais importante —, a história da opinão humana, do conheci
mento humano, que compreende a história da religião, da filo
sofia e da ciência. Ora, há duas coisas acerca da história da
ciência. Uma é que só quem compreende á ciência (isto é, pro
blemas científicos) pode compreender sua história; e a outra
é que só quem tem alguma compreensão real de sua história
(a história de suas situações de problema) pode compreender a
ciência.
Elaborar a diferença entre a ciência e as humanidades tem
estado em moda desde muito e tornou-se enfadonho. O método
de resolver problemas, o método da conjectura e da refutação,
é praticado por ambas. É praticado na reconstrução de um texto
danificado bem como na construção de uma teoria da radioati
vidade. (38)
Mas eu iria ainda além e acusaria de “cientismo” pelo
menos alguns historiadores profissionais: de tentarem copiar o
método da ciência natural, não como ele efetivamente é, mas
como erradamente se alega que é. Este método, alegado mas
inexistente, é o de coligir observações e depois “extrair conclu
sões” delas. É servilmente macaqueado por alguns historia
dores que acreditam poder coligir evidência documentária que,
176
ê
177
A fim de fazê-lo, ele deve encarar a situação com que o impe
rador tentava lidar e deve encará-la tal como aquele imperador
a encarou. Depois deve ver por si mesmo, tal como se a situação
do imperador fosse sua própria, como se podería lidar com tal
situação; deve ver as alternativas possíveis e as razões para
escolher uma em vez de outra; e assim deve passar pelo processo
por que o imperador passou para decidir sobre este caso par
ticular. Está representando assim, em sua própria mente a ex
periência do imperador; e só até onde ele o fizer terá algum
conhecimento histórico, distinto do conhecimento meramente
filológico, do significado do decreto”. (40)
Vereis que Collingwood dá grande ênfase à situação, es
treitamente correspondente ao que chamo situação de problema.
Mas há uma diferença. Collingwood deixa claro que a coisa
essencial na compreensão da história não é a análise da própria
situação, mas o processo mental de representação do histo
riador, a repetição simpática da experiência original. Para Col
lingwood, a análise da situação serve meramente de auxílio —
ajuda indispensável — para essa representação. Minha con
cepção é diametralmente oposta. Considero o processo psico
lógico de representação como não essencial, embora admita
que ele pode às vezes servir de ajuda ao historiador, uma espé
cie de verificação intuitiva do sucesso de sua análise situacional.
O que considero essencial não é a representação, mas a análise
situacional. A análise da situação pelo historiador é a sua con
jectura histórica, que, neste caso, é uma metateoria a respeito
do raciocínio do imperador. Por estar em nível diferente do
raciocínio do imperador, não o representa, mas tenta produzir
uma reconstrução dele idealizada e raciocinada, omitindo ele
mentos não essenciais e talvez aumentando-o. Assim o meta-
problema central do historiador é: quais eram os elementos deci
sivos na situação de problema do imperador? Até onde o his
toriador for bem sucedido na solução deste metaproblema, ele
compreenderá a situação histórica.
Assim, o que ele tem de fazer como historiador não é re
presentar experiências passadas, mas enfileirar argumentos obje
tivos pró e contra sua análise situacional conjectural.
Este método pode ter muito êxito mesmo naqueles casos
em que qualquer tentativa de representação necessariamente
malogra. Pois pode haver fatos que de muitos modos ficam além
da capacidade de ação do historiador e, portanto, de repre
sentação. O ato a ser representado pode ser de insuportável
crueldade. Ou pode ser um ato de heroísmo supremo, ou de
desprezível covardia. Ou pode ser uma realização artística, ou
literária, ou científica, ou filosófica, que exceda de longe as ca-
178
t
179
5 — A META DA CIÊNCIA
180
0
F ig. 5.
186
*
187
ceira lei de Kepler, considerada do ponto de vista da dinâmica
de Newton, não pode ser mais do que uma aproximação que é
aplicável a um caso muito especial: a planetas cujas massas
sejam iguais ou, se desiguais, desprezíveis, em comparação com
a massa do sol. Visto como isto não vale sequer aproximada
mente para dois planetas se um deles for muito leve ao passo
que o outro é muito pesado, é claro que a terceira lei de
Kepler contradiz a teoria de Newton precisamente do mesmo
modo por que o faz a de Galileu.
Isto pode ser facilmente mostrado da maneira seguinte: A
teoria de Newton apresenta para um sistema de dois corpos —
um sistema binário de estrelas — uma lei que os astrônomos
muitas vezes chamam “lei de Kepler” por estar estreitamente
relacionada com a terceira lei de Kepler. Esta suposta “lei de
Kepler” diz que, se m0 é a massa de um dos dois corpos —
digamos, o sol — e se mj é a massa do outro corpo — diga
mos, um planeta — então, escolhendo unidades apropriadas de
medição, podemos derivar da teoria de Newton
( 1) tf/T * = m0 + mu
onde a é a distância média entre os dois corpos e T o tempo
de uma revolução inteira. Ora, a própria terceira lei de Kepler
afirma que
(2) tf/T * = constante,
isto é, a mesma constante para todos os planetas do sistema
solar. É claro que obtemos esta lei de (1) apenas com a supo
sição de que mü + mL = constante; e desde que m0 = cons
tante para o nosso sistema solar; se identificarmos m 0 com a
massa do sol, obtemos (2) de (1), contanto que admitamos que
mi é o mesmo para todos os planetas; ou, se isto for factual
mente falso (como realmente é, pois Júpiter é várias mil vezes
maior do que os planetas menores), se as massas dos planetas
forem todas zero em comparação com a do sol, de modo que
possamos colocar ml — 0 para todos os planetas. Esta é uma
aproximação muito boa do ponto de vista da teoria de Newton;
mas, ao mesmo tempo, colocar m, = 0 não só é falso, estrita
mente falando, mas irrealizável do ponto de vista da teoria de
Newton. (Um corpo com massa zero não obedecería mais às leis
de movimento de Newton.) Assim, mesmo que esqueçamos tudo
a respeito da atração mútua entre os planetas, a terceira lei de
Kepler (2) contradiz a teoria de Newton que sustenta (1).
É importante notar que das teorias de Galileu ou de Kepler
não obtemos sequer a mais leve sugestão de como essas teorias
teriam de ser ajustadas — de que premissas falsas teriam de
188
»
189
pode ser chamada (segundo Bohr) o “princípio de correspon
dência”.
O cumprimento desta exigência é, como eu disse antes,
condição suficiente de profundidade. Pode-se ver que esta não
é uma condição necessária pelo fato de que a teoria de Maxwell
sobre as ondas eletromagnéticas não corrigiu, neste sentido, a
teoria de Fresnel das ondas de luz. Ela significava um aumento
de profundidade sem dúvida, mas em sentido diferente: “A
velha questão da direção das vibrações da luz polarizada tor-
na-se sem sentido. As dificuldades referentes às condições limí
trofes para as fronteiras entre dois intermediários foram resol
vidas pelos próprios alicerces da teoria. Não foram necessárias
mais quaisquer hipóteses ad hoc para eliminar ondas de luz lon
gitudinais. A pressão da luz, tão importante na teoria da radia
ção, e só ultimamente determinada experimentalmente, pode ser
derivada como uma das conseqüências da teoria”. (12) Este
treoho brilhante, em que Einstein esboça algumas das principais
realizações da teoria de Maxwell e a compara com a de Fresnel,
pode ser tomado como uma indicação de que há outras condi
ções suficientes de profundidade que não são cobertas por minha
análise.
A tarefa da ciência, que, tenho sugerido, é encontrar expli
cações satisfatórias, dificilmente poderá ser compreendida se não
formos realistas. Pois a explicação satisfatória é a que não é ad
hoc, e esta idéia — a idéia independente — dificilmente poderá
ser compreendida sem a idéia da descoberta, de progredir para
camadas mais profundas de explicação: sem a idéia de que
há algo para descobrirmos e algo para discutirmos criticamente.
E parece-me, contudo, que dentro da metodologia não temos
de pressupor o realismo metafísico: nem podemos, creio, extrair
muito auxílio dele, a não ser de uma espécie intuitiva. Pois,
uma vez que nos seja dito que a meta da ciência é explicar, e
que a explicação mais satisfatória será aquela que for mais seve
ramente testada, sabemos tudo quanto precisamos saber como
metodologistas. Não podemos afirmar que a meta seja reali
zável, nem com nem sem a ajuda de um realismo metafísico,
que só nos pode dar algum encorajamento intuitivo, alguma
esperança, mas nenhuma segurança de qualquer tipo. E embora
se possa dizer que um tratamento racional da metodologia de
pende de uma admitida ou conjecturada meta da ciência, isto
certamente não depende da admissão metafísica e mais provavel
mente falsa de que a verdadeira teoria estrutural do mundo (se
alguma houver) pode ser descoberta pelo homem ou expressa
em linguagem humana.
Se o quadro do mundo que a ciência moderna traça chegar
em alguma parte perto da verdade — em outras palavras, se
190
«
BIBLIOGRAFIA SELECIONADA
191
------------- “On the Theory o f th e Objective Mind”, em Akte
des 14 Internationalen Kongresses fü r Philosophie, Viena, 1968,
vol. 1, pgs. 25-63. (Ver o Capítulo 4 do presente volume.)
NOTA BIBLIOGRÁFICA
192
t*
6 — DE NUVENS E RELÓGIOS
I
Meu predecessor que fez neste salão a primeira Conferên
cia em Memória de Arthur Holly Compton, há um ano, foi
mais feliz do que eu. Ele conhecia Arthur Compton pessoal
mente; eu nunca o encontrei.0 )
Mas tenho sabido de Compton desde meus dias de estu
dante, lá pelos anos da década de 1920 e especialmente desde
1925, quando a famosa experiência de Compton e Simon(2)
refutou a bela mas efêmera teoria do quantum de Bohr, Kra-
mers e Slater.(3) Esta refutação foi um dos acontecimentos
decisivos na história da teoria do quantum, pois da crise que
ela criou emergiu a chamada “nova teoria do quantum” —
as teorias de Bom e Heisenberg, de Schrõdinger, e de Dirac.
Foi a segunda vez que os testes experimentais de Compton
desempenharam um papel crucial na história da teoria do quan
tum. A primeira vez fora, sem dúvida, a descoberta do efeito
de Compton, o primeiro teste independente (como o próprio
Compton indicou (4)) da teoria de Einstein dos quanta de luz,
ou fótons.
Anos antes, durante a segunda guerra mundial, descobri,
para minha surpresa e prazer, que Compton não era só um
grande físico, mas também um filósofo genuíno e corajoso; e
mais, que seus interesses e alvos filosóficos coincidiam com os
meus próprios em 'alguns pontos importantes. Descobri-o
quando, quase por acaso, obtive as fascinantes Conferências de
Compton na Fundação Terry, que ele publicara em 1935 num
livro intitulado The Freeãom of Man.(B)
Tereis notado que incorporei o título do livro de Compton,
A Liberdade do Homem, ao meu próprio título de hoje. Assim
fiz para acentuar o fato de que minha conferência será estrei
tamente ligada a esse livro de Compton. Mais precisamente,
pretendo discutir os mesmos problemas que Compton discutiu
193
nos dois primeiros capítulos desse livro e também no segundo
capítulo de outro de seus livros, The Human Meaning oj
Science.(®)
A fim de evitar incompreensões, devo acentuar, porém,
que minha conferência de hoje não é principalmente a respeito
dos livros de Compton. É antes uma tentativa pafa encarar de
modo novo os mesmos antigos problemas filosóficos com que
ele lutou nesses dois livros,, e uma tentativa para encontrar uma
solução nova desses problemas antigos. A solução esboçada
e muito experimental que aqui vou traçar parece-me adequar-se
bem aos alvos principais de Compton e espero — em verdade,
creio — que ele a teria aprovado.
II
O propósito central de minha palestra é tentar colocar
simples e vigorosamente diante de vós, esses antigos problemas.
Primeiro, porém, devo dizer algo a respeito das nuvens e reló
gios que aparecem no título de minha conferência.
Minhas nuvens pretendem representar sistemas físicos que,
como gases, são altamente irregulares, desordenados e mais ou
menos imprevisíveis. Admitirei que temos à nossa frente um
esquema ou arranjo em que uma nuvem muito perturbada ou
desordenada é colocada à esquerda. Na outra extremidade de
nosso arranjo, à direita, podemos colocar um relógio de pên
dulo, muito digno de confiança, um relógio de precisão, com o
intento de representar sistemas físicos que são regulares, or
deiros e de comportamento altamente previsível.
De acordo com o que posso chamar visão de senso comum
das coisas, certos fenômenos naturais, tais como o estado do
tempo, ou a ida e vinda das nuvens, são de difícil precisão —
falamos das “extravagâncias do tempo”. Por outro lado, fala
mos de “exatidão de relógio” quando queremos descrever um
fenômeno altamente regular e previsível.
Há multidões de coisas processos naturais e fenômenos na
turais, que podemos colocar entre esses dois extremos — as
nuvens à esquerda e os relógios à direita. As estações mutáveis
são relógios em que não se pode confiar muito, e podem, por
tanto, ser colocadas um tanto para a direita, mas não muito
longe. Suponho que possamos concordar facilmente em colocar
os animais não demasiado longe das nuvens e as plantas um
tanto mais perto dos relógios. Entre os animais, um cachorrinho
terá de ser posto mais perto da esquerda do que um cão velho.
Automóveis, também, encontrarão seu lugar nalguma parte de
nosso arranjo, de acordo com a confiança que mereçam: um
Cadillac, suponho, fica bem mais para a direita, e ainda mais
194
*
III
A arrumação que descrevi parece ser inteiramente aceitá
vel para o senso comum e mais recentemente, em nosso próprio
tempo, tem-se tornado aceitável até para a ciência física. Assim
não foi, porém, durante os 250 anos precedentes a revolução
newtoniana, uma das maiores revoluções da história, levou à
196
*
197
em todos os detalhes que antes haviam desnorteado os astrô
nomos por sua apareme irregularidade.
A teoria de Newton foi a primeira teoria científica real
mente bem sucedida na história humana; e seu êxito foi tre
mendo. Havia aqui conhecimento autêntico, conhecimento além
dos mais audaciosos sonhos até das mentes mais arrojadas. Eis
uma teoria que explicava precisamente não só os movimentos
de todas as estrelas em seu curso, mas também, com idêntica
precisão, os movimentos dos corpos na terra, tais como maçãs
caindo, ou projéteis, ou pêndulos de relógio. E até mesmo ex
plicava as marés.
Todos os homens de mentalidade aberta — todos aqueles
ávidos de conhecer e que tinham interesse pelo crescimento do
conhecimento — converteram-se à nova teoria. Muitos homens
de mente aberta e especialmente muitos cientistas pensaram
que no fim ela explicaria tudo, incluindo não só a eletricidade
e o magnetismo como também as nuvens e mesmo os organismos
vivos. Assim, o determinismo físico, a doutrina de que todas
as nuvens são relógios, tomou-se a fé dominante entre os
homens esclarecidos; e todos os que não abraçavam essa nova
fé eram tidos como obscurantistas ou reacionários. ( 10)
IV
Entre os poucos dissidentes ( 11) estava Charles Sanders
Peirce, grande matemático e físico americano e, creio, um dos
maiores filósofos de todos os tempos. Ele não questionou a teo
ria de Newton; contudo, já em 1892, mostrou que essa teoria,
ainda que verdadeira, não nos dava qualquer razão válida para
acreditar que as nuvens fossem relógios perfeitos. Embora, em
comum com todos os outros físicos de sua época, ele acreditasse
que o mundo era um relógio que funcionava de acordo com
as leis newtonianas, rejeitou a crença de que esse relógio, ou
outro qualquer, fosse perfeito até o mínimo detalhe. Ind:cou
que, de qualquer forma, não teríamos possibilidade de alegar
que conhecíamos por experiência qualquer coisa como um reló
gio perfeito, ou qualquer coisa que mesmo fracamente se apro
ximasse dessa perfeição absoluta que o determinismo físico ad
mitia. Posso talvez citar um dos brilhantes comentários de
Peirce: “ . . . quem aqui está por trás dos cenários.. . ” (Peirce
fala como experimentalista) “ . . . sabe que as comparações mais
requintadas (mesmo) de massas (e) extensões... ultrapassam
em muito em precisão todas as outras medições (físicas).. .
ficam atrás da exatidão das contas bancárias e que a s ... de
terminações de constantes físicas. . . estão mais ou menos em
parelhadas com as medições de tapetes e cortinas de um col-
choeiro.. .” ( 12) Daí Peirce concluiu que tínhamos liberdade
198
*
V
Talvez eu possa deter-me aqui por um momento para
expor minha própria concepção da situação e das modas cientí
ficas. Creio que Peirce estava certo ao sustentar que todos os
199
relógios são nuvens, até certo grau considerável — mesmo o
mais preciso dos relógios. Isto, penso, é uma inversão muito
importante da errônea concepção determinista de que todas as
nuvens são relógios. Acredito, ainda mais, que Peirce estava
certo em sustentar que sua opinião era compatível com a física
clássica de Newton.(16) E creio que essa concepção é ainda
mais compatível com a teoria da relatividáde (especial) de
Einstein e é ainda mais claramente compatível oom a nova teoria
do quantum. Em outras palavras, sou um indeterminista —
como Peirce, Compton e muitos outros físicos contemporâneos;
e acredito, com muitos deles, que Einstein estava errado ao
tentar aferrar-se ao determinismo. (Posso dizer talvez que dis
cuti este assunto com ele e que não o achei irredutível.) Mas
também creio que estiveram lastimavelmente errados aqueles
físicos modernos que zombaram da crítica de Einstein à teoria
do quantum como antediluviana. Ninguém pode deixar de admi
rar a teoria do quantum e Einstein a admirou de todo o co
ração; mas sua crítica da interpretação em moda da teoria — a
teoria de Copenhague — como as críticas apresentadas por De
Broglie, Schrõdinger, Bohm, Vigier, e mais recentemente por
Landé, foram afastadas muito levianamente por muitos físi
cos. ( 17) Há modas em ciência e certos cientistas sobem no
coreto da banda com tanta presteza como certos pintores e
músicos. Mas embora modas e coretos possam atrair os fracos,
deve-se resistir a eles em vez de animá-los; (18) e uma crítica
como a de Einstein é sempre valiosa; dela sempre se pode apren
der alguma coisa.
VI
Arthur Holly Compton esteve entre os primeiros que sau
daram com acolhimento a nova teoria do quantum e o novo
indeterminismo físico de Heisenberg, em 1927. Compton con
vidou Heisenberg a vir a Chicago para um curso de confe
rências que Heisenberg proferiu na primavera de 1929. Esse
curso foi a primeira exposição completa que Heisenberg fez
de sua teoria, e suas conferências foram publicadas como seu
primeiro livro, um ano depois, pela Editora da Universidade de
Chicago, com um prefácio de Arthur Compton. ( 19) Neste pre
fácio, Compton dava acolhida à nova teoria, para cujo advento
suas experiências haviam contribuido, com a refutação de sua
predecessora imediata;(20) contudo, ele também parecia dar um
sinal de advertência. A advertência de Compton precedeu algu
mas advertências muito semelhantes de Einstein, que sempre
insistiu em que não deveriamos considerar a nova teoria do
quantum — “este capítulo da história da física”, como Comp
ton sábia e generosamente o denominou — como “completa”.(21)
200
*
vn
Para mostrar isto, citarei agora a impressionante passa
gem de abertura de The Freedom of Man, de Compton:
“A questão fundamental da moralidade, problema vital em
religião e motivo de ativa investigação em ciência, é: É o homem
um agente livre?
S e ... os átomos de nossos corpos seguem leis físicas tão
imutáveis como os movimentos dos planetas, por que tentar?
Que diferença pode fazer, por grande que seja o esforço, se
nossas ações já estão predeterminadas por leis mecâni
cas. ..? " ( » )
Compton descreve aqui o que eu chamaria “o pesaÂelo do
determinista físico”. Um mecanismo de relógio determinista fí
sico é, acima de tudo, completamente auto-suficiente: no per
feito mundo físico determinista simplesmente não há lugar para
qualquer intervenção de fora. Tudo que acontece em tal mundo
é fisicamente predeterminado, incluindo todos os nossos movi
mentos e, portanto, todas as nossas ações. Assim, todos os
nossos pensamentos, sentimentos e esforços podem não ter in
fluência prática sobre o que acontece no mundo físico: são,
se não meras ilusões, no máximo subprodutos ( “epifenômenos” )
de eventos físicos.
Deste modo, o devaneio do físico newtoniano que espe
rava provar serem relógios todas as nuvens ameaçou tornar-se
um pesadelo; e a tentativa de ignorar isto tem levado a algo
como uma dupla personalidade intelectual. Compton, penso,
foi grato à nova teoria do quantum por resgatá-lo desta situação
intelectual difícil. Assim ele escreve, em The Freedom of Man:
“O físico raramente. . . se tem importado com o fato de que,
201
se. . . leis. . . completamente deterministas. . . se aplicarem às
ações do homem, ele próprio é um autômato”.(25) E em The
Human Meaning of Science ele manifesta seu alívio:
“Em meu próprio pensamento a respeito deste assunto
vital estou, portanto, num estado de espírito muito mais satis
feito do que poderia ter estado em qualquer fase anterior da
ciência. Se as asserções das leis de física fossem admitidas como
corretas, ter-se-ia de supor (como fizeram muitos filósofos) que
o sentimento.de liberdade é ilusório, ou, se uma escolha (livre)
fosse considerada efetiva, que as asserções das leis de física
não eram. . . dignas de confiança. O dilema tem sido des
confortável. . . ” (26)
Mais adiante, no mesmo livro, Compton sintetiza a situa
ção vivamente com as palavras: “ .. . não é mais justificável
usar a lei física como evidência contra a liberdade humana”.(27)
Estas citações de Compton mostram claramente que antes
de Heisenberg ele havia sido atormentado pelo que aqui chamei
pesadelo do determinista físico e que tentou escapar desse
pesadelo adotando algo como uma dupla personalidade inte
lectual. Ou, como ele expõe :“Nós (os físicos) temos preferido
simplesmente não prestar atenção alguma às dificulda
des. . . ” (28) Compton saudou a nova teoria que o resgatou de
tudo isto.
Creio que a única forma do problema do determinismo
digna de ser discutida seriamente é exatamente o problema que
perturbava Compton: o problema que surge de uma teoria
física que descreve o mundo como fisicamente completo, ou um
sistema fisicamente fechado. Por sistema fisicamente fechado
quero dizer um conjunto ou sistema de entidades físicas, tais
como átomos, ou partículas elementares, ou forças físicas, ou
campos de forças, que interagem reciprocamente — e só entre
si — de acordo com leis definidas de interação ou interferência
com ou de qualquer coisa fora desse conjunto ou sistema fe
chado de entidades físicas. Este “fechamento” do sistema é que
cria o pesadelo determinista. (30)
vra
Eu gostaria, por um minuto, de fazer aqui uma digressão
a fim de contrastar o problema do determinismo físico, que
considero ser de fundamental importância, com o problema,
longe de ser sério, pelo qual muitos filósofos e psicólogos o
substituíram, acompanhando Hume.
Hume interpretou o determinismo (que ele denominou “a
doutrina da necessidade”, ou “a doutrina de conjunção cons
tante” ) como a doutrina de que “causas iguais sempre produ
zem efeitos iguais” e de que “efeitos iguais decorrem necessaria
mente de causas iguais”.(31) Com respeito às ações e volições
humanas, ele sustentava, mais particularmente, que “um es
pectador pode inferir çomumente nossas ações de nossos moti
vos e caráter; e mesmo quando não pode, conclui em geral que
poderia, se estivesse perfeitamente conhecedor de todas as cir
cunstâncias de nossa situação e temperamento e das fontes mais
secretas de nossa... disposição. Ora, isto é a própria essência
da necessidade.. ,” (32) Os sucessores de Hume expuseram isto
assim: nossas ações, ou nossas volições, ou nossos gostos, ou
nossas preferências, são “causados” psicologicamente por expe
riências (“motivos” precedentes) e finalmente por nossa here
ditariedade e nosso ambiente.
Mas esta doutrina, que podemos chamar determinismo
filosófico ou psicológico, não só é uma coisa muito diferente
do determinismo físico, como é também uma doutrina que um
determinista físico que compreende de algum modo este assunto
dificilmente poderá levar a sério. Pois a tese do determinismo
filosófico, de que “efeitos iguais têm causas iguais” ou de que
“cada evento tem uma causa”, é tão vaga que se torna perfei
tamente compatível com o indeterminismo físico.
O Indeterminismo — ou mais precisamente o indetermi
nismo físico — é simplesmente a doutrina de que nem todos os
eventos no mundo físico são predeterminados com precisão abso
luta, em todos os seus infinitesimais detalhes. Fora isto, ela é
compatível praticamente com qualquer grau de regularidade que
se quiser e, portanto, não acarreta a concepção de que há “even
tos sem causas” ; simplesmente porque os termos “èvento” e
“causa” são bastante vagos para tornar compatível com o inde
terminismo físico a doutrina de que cada evento tem uma causa.
Enquanto o determinismo físico exige uma predeterminação
física completa e infinitamente precisa e a ausência de qualquer
exceção, o indeterminismo físico assevera somente que o deter
minismo é falso e que há pelo menos algumas exceções, aqui e
ali, à predeterminação precisa.
Assim, mesmo a fórmula “cada evento físico observável ou
mensurável tem uma causa físioa observável ou mensurável” é
ainda compatível com o indeterminismo físico, simplesmente
porque nenhuma medição pode ser infinitamente precisa: pois
o ponto saliente a respeito do determinismo físico é que, com
base na dinâmica de Newton, ele assevera a existência de um
mundo de precisão matemática absoluta. E embora, ao fazê-lo,
vá além do domínio da observação possível (como foi visto
por Peirce) é, não obstante, testável em princípio, com qualquer
grau de precisão desejado; e tem-se efetivamente suportado tes
tes surpreendentemente precisos.
203
Em contraste, a fórmula “cada evento tem uma causa”
nada diz a respeito de precisão; e se, mais especialmente, con
templarmos as leis da psicologia, então nem mesmo haverá uma
sugestão de precisão. Isto vale tanto para uma psicologia “be-
haviorista” quanto para uma “introspectiva” ou “mentalista”.
No caso de uma psicologia mentalista isto é óbvio. Mas mesmo
um behaviorista pode predizer no máximo que, sob dadas con
dições, um rato levará de vinte a vinte e dois segundos para
correr por um labirinto; ele não terá idéia de como, especifi
cando condições experimentais cada vez mais precisas, podería
fazer predições que se tomassem cada vez mais precisas — e,
em princípio, precisas sem limite. Isto assim é porque as “leis”
behavioristas não são, como as da física newtoniana, equações
diferenciais e porque qualquer tentativa de introduzir essas equa
ções diferenciais ultrapassaria o behaviorismo levando para a
fisiologia e assim em instância final para a física; levar-nos-ia
portanto de volta ao problema do determinismo físico.
Como notou Laplace, o determinismo físico implica que
cada evento físico no futuro distante (ou no passado distante)
é predizível (ou retrodizível) com qualquer grau desejado de
precisão, desde que tenhamos conhecimento suficiente a res
peito do estado presente do mundo físico. A tese de um deter
minismo filosófico (ou psicológico) do tipo de Hume, por outro
lado, nada mais afirma, mesmo em sua interpretação mais forte,
senão que qualquer diferença observável entre dois eventos é
relacionada, por alguma lei talvez ainda desconhecida, com
alguma diferença — talvez uma diferença observável — no es
tado precedente do mundo; asserção obviamente muito mais
fraca e, incidentemente, uma asserção que poderiamos continuar
a sustentar ainda que muitas de nossas experiências, realizadas
sob condições, na aparência, “inteiramente iguais”, produzissem
resultados diferentes. Isto foi expresso muito claramente pelo
próprio Hume. “Mesmo quando essas experiências contrárias
são inteiramente iguais — escreve ele — não removemos a
noção de causas e de necessidade, mas. . . concluímos que a
casualidade (ap aren te)... está apenas e m ... nosso conheci
mento imperfeito e não nas coisas em si mesmas, as quais são
em cada caso igualmente necessárias (isto é, determinadas)
embora em aparência não igualmente constantes ou certas”.(s8)
Por isto é que a um determinismo filosófico à Hume, e
mais especialmente a um determinismo psicológico, falta o agui
lhão do determinismo físico. Pois na física de Newton as coisas
realmente pareciam como se alguma frouxidão aparente num sis
tema fosse de fato meramente devida à nossa ignorância, de
modo que, se estivéssemos plenamente informados a respeito
204
do sistema, qualquer aparência de frouxidão desaparecia. A
psicologia, por outro lado, nunca teve este caráter.
Poderiamos dizer em retrospecto que o determinismo físico
foi um devaneio de onisciência que pareceu tomar-se mais real
com cada progresso em física até tomar-se um pesadelo apa
rentemente inevitável. Mas os devaneios correspondentes dos
psicólogos nunca foram mais do que castelos no ar: eram
sonhos utópicos de atingir igualdade com a física, com seus
métodos matemáticos e suas poderosas aplicações; e talvez
mesmo de atingir superioridade, moldando homens e sociedades.
(Embora tais sonhos totalitários não sejam sérios como já
lidei com esses perigos em outra parte, não me proponho a dis
cutir aqui o problema.)
IX
Tenho chamado ao determinismo físico um pesadelo. É
um pesadelo porque assevera que o mundo inteiro com tudo
quanto há nele é um vasto autômato e que nada mais somos do
que pequenas engrenagens, ou no máximo subautômatos, dentro
dele.
Assim ele destrói em particular a idéia de criatividade.
Reduz a uma completa ilusão a idéia de que, ao preparar esta
conferência, eu tenha usado meu cérebro para criar algo novo.
Nela não houve mais, de acordo com o determinismo físico,
do que o fato de certas partes de meu corpo haverem colocado
sinais pretos em papel branco: qualquer físico com suficiente
informação detalhada poderia ter escrito minha conferência pelo
método simples de predizer os lugares precisos em que o sis
tema físico formado por meu corpo (incluindo, naturalmente,
meu cérebro e meus dedos) e por minha caneta colocaria esses
sinais pretos.
Ou, para usar um exemplo mais impressivo: se o determi
nismo físico é certo, então um físico que seja completamente
surdo e que nunca ouviu qualquer música poderia escrever
todas as sinfonias e concertos escritos por Mozart ou Beethoven,
pelo método simples de estudar os estados físicos precisos de
seus corpos e de predizer onde eles iriam colocar sinais pretos
no seu papel pautado. E nosso físico surdo poderia fazer ainda
mais: estudando os corpos de Mozart ou de Beethoven com
cuidado suficiente, poderia escrever dezenas de obras que nunca
foram efetivamente escritas por Mozart ou Beethoven, mas que
eles teriam escrito se certas circunstâncias externas de sua
vida houvessem sido diferentes: se digamos, tivessem comido
carneiro em vez de frango, ou tomado chá em vez de café.
Tudo isto poderia ser feito pelo nosso físico surdo, se su
prido de um conhecimento suficiente de condições puramente
205
físicas. Não haveria necessidade de que ele conhecesse coisa
alguma a respeito da teoria da música — embora pudesse ser
capaz de predizer que respostas Mozart ou Beethoven teriam
escrito, sob condições de exame, se lhes apresentassem ques
tões sobre a teoria do contraponto.
Creio que tudo isto é absurdo;(35) e seu absurdo se torna
ainda mais óbvio, penso, quando aplicamos este método de
predição física a um determinista.
Pois, de acordo com o determinismo, quaisquer teorias —
tais como, digamos, o determinismo — são sustentada em razão
de certa estrutura física de quem as sustenta (talvez de seu
cérebro). Conseqüentemente, estamos enganando a nós mes
mos (e somos fisicamente determinados a nos enganarmos (sem
pre que acreditamos que há coisas tais como argumentos ou
razões que nos façam aceitar o determinismo. Ou, em outras
palavras, o determinismo físico é uma teoria que, se verda
deira, não é argumentável, visto como deve explicar todas as
nossas reações, inclusive o que nos parece ser crenças baseadas
em argumentos, como devidas a condições puramente físicas.
As condições puramente físicas, incluindo nosso ambiente físico,
fazem-nos dizer ou aceitar qualquer coisa que dizemos ou acei
tamos; e um físico bem treinado que nada sabe de francês e
que nunca ouviu falar em determinismo seria capaz de predizer
o que um determinista francês diria numa discussão francesa
sobre o determinismo; e, sem dúvida, também o que diria o seu
opositor indeterminista. Mas isto significa que, se cremos que
aceitamos uma teoria como o determinismo porque fomos domi
nados pela força lógica de certos argumentos, então estamos
enganando a nós mesmos, de acordo com o determinismo fí
sico; ou, mais precisamente, estamos numa condição física que
determina que nos enganamos.
Hume viu muito disto, embora pareça que não viu de todo
o que significava para seus próprios argumentos; pois limi-
tou-se a comparar o determinismo de "nossos julgamentos”
com o de "nossas ações”, dizendo que “não temos mais liber
dade em um do que no outro”. (88)
Considerações como esta podem ser, talvez, a razão pela
qual há muitos filósofos que recusam levar a sério o problema
do determinismo físico e o descartam como uma “moxinifa-
da”(s'7) Contudo, a doutrina de que o homem é uma máquina
foi debatida muito enérgica e seriamente em 1751, bem antes
de que a teoria da evolução se tomasse geralmente aceita, por
De Lamettrie; e a teoria da evolução deu ao problema um fio
ainda mais aguçado sugerindo que pode não haver distinção
clara entre matéria viva e matéria morta.(S8) E apesar da vi
tória da nova teoria do quantum e da conversão de tqntos fí
206
t
X
Como Compton, acho-me entre os que levam a sério o
problema do determinismo físico e, como Compton, não creio
que sejamos meras máquinas de computar (embora prontamente
admita que podemos aprender muito das máquinas de com
putar — mesmo a respeito de nós próprios). Assim, como
Compton, sou um indetermirústa físico: o indeterminismo físico,
creio, é um prerrequisito necessário para qualquer solução de
nosso problema. Temos de ser indeterministas; contudo, ten
tarei mostrar que o indeterminismo não é bastante.
Com esta asserção, o indeterminismo não é bastante, não
apenas cheguei a um novo ponto, mas ao próprio âmago de meu
problema.
O problema pode ser assim explicado.
Se o determinismo é verdadeiro, então o mundo inteiro é
um relógio que funciona com impecável perfeição, incluindo
todas as nuvens, todos os organismos, todos os animais e todos
os homens. Por outro lado, se é verdadeiro o indeterminismo
de Peirce, ou de Heisenberg, ou alguma outra forma dele, então
o puro acaso desempenha um papel principal em nosso mundo
físico. Mas é o acaso realmente mais satisfatório do que o de
terminismo?
A questão é bem conhecida. Deterministas como Schlick
téím-na exposto deste modo: “ . . . a liberdade de ação, a res
ponsabilidade e a sanidade mental não podem chegar além do
reino da causalidade: param onde o acaso começa. .. .Um grau
mais alto de acaso. . . (significa simplesmente) um grau mais
alto de irresponsabilidade”.40
Talvez eu possa colocar esta idéia de Schlick em termos
de um exemplo que já usei antes: dizer que os sinais pretos
que fiz em papel branco, no preparo desta conferência, foram
apenas resultado do acaso, dificilmente é mais satisfatório do
que dizer que eles foram predeterminados fisicamente. De fato,
é ainda menos satisfatório. Pois algumas pessoas talvez possam
estar bem dispostas a acreditar que o texto de minha confe
rência possa, em princípio, ser completamente explicado por
minha hereditariedade física e meu ambiente físico, incluindo
208
0
XII
Um exame mais de perto mostra, porém, que há dois pro
blemas neste caso da viagem de Compton da Itália a Yale. Ao
primeiro desses dois problemas chamarei aqui problema de
Compton e, ao segundo, problema de Descartes.
O problema de Compton raramente tem sido visto por
filósofos e, se visto, só indistintamente. Pode ser formulado
assim:
Há coisas tais como cartas aceitando uma proposta para
conferência, e anúncios públicos de intenções; objetivos e pro
pósitos publicamente declarados; regras morais gerais. Cada
um desses documentos, ou prpnunciamentos, ou regras, tem
211
certo conteúdo, ou significado, que permanece invariável se
o traduzirmos, ou reformularmos. Assim, esse conteúdo, ou sig
nificado, é algo inteiramente abstrato. Contudo, ele pode con
trolar — talvez por meio de uma enigmática anotação numa
agenda de compromissos — os movimentos físicos de um homem
de modo a trazê-lo de volta da Itália para Connecticut. Como
pode ser isto?
É o que chamo problema de Compton. É importante notar
que, nesta forma, o problema é neutro com respeito à questão
de adotarmos uma psicologia behaviorista ou mentalista: na
formulação aqui dada, e sugerida pelo texto de Compton, o
problema é posto em termos do comportamento de Compton ao
voltar a Yale; mas faria muito pouca diferença se incluíssemos
eventos mentais como.volição, ou o sentimento de haver apreen
dido ou apanhado uma idéia.
Mantendo a própria terminologia behaviorista de Compton,
o problema de Compton pode ser descrito como o problema da
influência do universo de significados abstratos sobre p com
portamento humano (e portanto sobre o universo físico). Aqui,
“universo de significados” é uma expressão taquigráfica com
preendendo coisas tão diversas como promessas, objetivos e
vários tipos de regras tais como regras de gramática, ou de
procedimento polido, ou de lógica, ou de xadrez, ou de con-
contraponto; e também coisas como publicações científicas (e
outras publicações), apelos a nosso senso de justiça ou de
generosidade, ou a nossa apreciação artística; e assim por diante
ad infinitum.
Creio que o que aqui chamei problema de Compton é um
dos mais interessantes problemas de filosofia, embora poucos
filósofos o tenham visto. Em minha opinião é um problema real
mente chave, e mais importante do que o clássico problema de
corpo-mente a que estou dando aqui o nome de “problema de
Descartes”.
A fim de evitar incompreensões, posso mencionar talvez
que, formulando seu problema em termos behavioristas, Comp
ton certamente não tinha a intenção de aderir a um behavio-
rismo completo. Ao contrário, ele não duvidava da existência
de sua própria mente, ou da de outras mentes, ou de expe
riências tais como volições, ou deliberações, ou prazer, ou dor.
Éle teria, portanto, insistido em que há um segundo problema a
ser resolvido.
Podemos identificar este segundo problema com o clássico
problema de corpo-mente, ou problema de Descartes- Pode ele
ser formulado assim: como pode ser que coisas tais como esta
dos mentais — volições, sentimentos, expectativas — influen
ciam ou controlam os movimentos físicos de nossos membros?
212
0
XIII
Expliquei nossos dois problemas centrais — o problema
de Compton e o de Descartes. A fim de solucioná-los, preci
samos, creio, de uma nova teoria; de fato uma nova teoria de
evolução e um novo modelo do organismo.
Esta necessidade surge porque as teorias indeterministas
existentes são insatisfatórias. São indeterministas; mas sabemos
que o indeterminismo não é bastante, e não está claro como
escapam à objeção de Schlick ou se se conformam com o pos
tulado de Compton de liberdade mais controle. Mais uma vez,
o problema de Compton está completamente além delas: difi
cilmente terão relevância para ele. E embora essas teorias sejam
tentativas de resolver o problema de Descartes, as soluções que
propõem não parecem ser satisfatórias.
As teorias a que estou aludindo podem ser chamadas “mo
delos de chave-mestra de controle” ou, mais sucintamente, "teo
rias de chave-mestra”. Sua idéia subjacente é a de que nosso
corpo é uma espécie de máquina que pode ser regulada por
213
uma alavanca ou uma chave, de um ou mais pontos de controle
centrais. Descartes chegou até mesmo a localizar com precisão
o ponto de controle: é disse ele„na glândula pineal que a mente
age sobre o corpo. Alguns teóricos de quantum sugeriram (e
Compton aceitou a sugestão muito experimentalmente) que
nossas mentes agem sobre nossos corpos influenciando ou sele
cionando alguns saltos de quantum. Estes são então amplifi
cados por nosso sistema nervoso central, que atua como um
amplificador eletrônico: os saltos de quantum ampliados ope
ram uma cascata de relés ou de chaves-mestras e por fim efe
tuam contrações musculares. (44) Há, penso, nos livros de
Compton, algumas indicações de que ele não gostava muito
desta teoria ou modelo particular e de que só a usou para um
objetivo: mostrar que o indeterminismo (ou mesmo a “liber
dade”) humano não contradiz necessariamente a física do quan
tum. (4B) Penso que ele estava certo em tudo isto, inclusive em
seu desagrado pelas teorias de chave-mestra.
Pois essas teorias de chave-mestra — quer a de Descartes,
quer as teorias de amplificador dos físicos de quantum — per
tencem ao que eu talvez possa chamar teorias “bebês miudi
nhos”. Parecem-me quase tão sem atrativos como tais bebês.
Estou certo de que todos conhecem o caso da mãe sol
teira que alegava: “Mas é só um bebê tão miudinho.. . ” A
alegação de Descartes parece-me similar: “Mas é tão miudinho:
é apenas um ponto matemático minúsculo no qual nossa mente
pode agir sobre nosso corpo”.
Os teóricos de quantum sustentam uma teoria bebê-miudi-
nho muito similar: “mas é só com um salto de quantum, e pre
cisamente dentro das incertezas de Heisenberg — e estas são
de fato muito miúdas — que uma mente ppde agir sobre um
sistema físico”. Admito que aqui haja talvez um leve avanço,
até onde é especificado o tamanho do bebê. Mas continuo sem
gostar do bebê.
Pois, por mais miúda que possa ser a chave-mestra, o mo
delo de chave-mestra-íwn-amplificador sugere fortemente que
todas as nossas decisões são decisões repentinas (como as
chamei na secção X atrás), ou então se compõe de decisões
repentinas. Ora, admito que mecanismos amplificadores são
características importantes de sistemas biológicos (pois a ener
gia da reação, liberada ou deflagrada por um estímulo biológco,
costumeiramente excede em muito a energia do estímulo defla
grador)^46) e também admito, sem dúvida, que ocorrem de
cisões repentinas. Mas diferem acentuadamente do tipo de de
cisão que Compton tinha em mente; são quase como reflexos
e, assim, não se conformam nem à situação do problema de
Compton da influência do universo de significados sobre nosso
214
comportamento, nem ao postulado da liberdade de Compton
(nem à idéia de um controle “plástico” ). Decisões que se con
formam com tudo isto são, via de regra, alcançadas quase im-
perceptivelmente por meio de prolongada deliberação. São al
cançadas por uma espécie de processo amaãureceãor, que não
é bem representado pelo modelo de chave-mestra.
Considerando este processo de deliberação, podemos obter
outra sugestão para nossa nova teoria. Pois a deliberação sempre
funciona por meio de experiência e erro, ou, mais precisamente,
pelo método de experiência e eliminação de erro: por propor
experimentalmente várias possibilidades e eliminar aquelas que
não parecem adequadas. Isto sugere que poderemos usar em
nossa nova teoria algum mecanismo de experiência é eliminação
de erro.
Delinearei agora como pretendo proceder.
Antes de formular minha teoria evolucionária em termos
gerais, mostrarei primeiro como funciona ela em um caso par
ticular, aplicando-a a nosso primeiro problema, isto é, ao pro
blema de Compton quanto à influência do significado sobre o
comportamento.
Depois de haver resolvido deste modo o problema de
Compton, formularei a teoria de modo geral. Ver-se-á então que
ela também contém — dentro do arcabouço de nossa nova
teoria, que cria uma nova situação de problema — uma resposta
direta e quase trivial ao clássico problema corpo-mente de
Descartes.
XIV
Abordemos agora nosso primeiro problema — isto é, o
problema de Compton quqnto à influência do significado sobre
o comportamento — através de alguns comentários sobre a
evolução das linguagens, das linguagens animais às linguagens
humanas.
As linguagens animais e as linguagens humanas têm muitas
coisas em comum, mas também há diferenças: como todos sa
bemos, as linguagens humanas transcendem de algum modo as
linguagens animais.
Usando e estendendo algumas idéias de meu falecido mestre
Karl Bühler,(47) distinguirei duas funções que as linguagens ani
mais e humanas compartilham e duas funções que somente a
linguagem humana possui; ou, em outras palavras, funções in
feriores e duas superiores que envolveram com base nas in
feriores.
As duas funções inferiores da linguagem são estas: Pri
meiro, a linguagem, como todas as outras formas de compor
tamento, consiste de sintomas ou expressões; é sintomática ou
215
expressiva do estado do organismo que faz os sinais lingüísticos.
Acompanhando Bühler, chamo a isto a função sintomática ou
expressiva da linguagem.
Em segundo lugar, para que a linguagem ou comunicação
se verifique deve haver não só um organismo produtor de sinais,
ou um “emissor”, mas também um que reage, um “receptor”.
A expressão sintomática do primeiro organismo, o emissor, li
bera, ou evoca, ou estimula, ou dispara uma reação no segundo
organismo, que responde ao comportamento do emissor, com
isso transformando-o num sinal. Esta função da linguagem para
agir sobre um receptor foi chamada por Bühler a função libe-
radora ou sinalizadora da linguagem.
Para dar um exemplo, uma ave pode estar pronta a sair
voando e pode expressar isto exibindo certos sintomas. Estes
podem então liberar ou disparar certa resposta ou reação numa
segunda ave, que, em conseqüência, também pode ficar pronta
a sair voando.
Note-se que as duas funções, a função expressiva e a função
liberadora, são distintas; pois é possível que exemplos da pri
meira possam ocorrer sem a segunda, embora não se dê o
inverso: uma ave pode expressar por seu comportamento que
está pronta para sair voando sem com isso influenciar outra ave.
Assim, a primeira função pode ocorrer sem a segunda; o que
mostra que elas podem ser desenredadas apesar do fato de
que, em qualquer caso genuino de comunicação pela lingua
gem, sempre ocorrem juntas.
Estas duas funções inferiores, a sintomática ou expressiva,
de um lado e a função liberadora ou sinalizadora, do outro, são
comuns às linguagens de .animais e de homens; e estas duas
funções inferiores estão sempre presentes quando qualquer das
funções superiores (que são característicamente humanas) es
tiver presente. Pois a linguagem humana é muitíssimo mais rica.
Tem muitas funções e dimensões que as linguagens animais não
têm. Duas dessas novas funções são da maior importância para
a evolução do raciocínio e da racionalidade: a função descri
tiva e a função argumentativa.
Como exemplo da função descritiva eu podería agora des
crever como, há dois dias, uma magnólia estava florescendo
em meu jardim e o que aconteceu quando começou a cair neve.
Com isto eu poderia expressar meus sentimentos e também li
berar ou deflagrar algum sentimento em vós; podereis talvez
reagir pensando em vossas magnólias. Assim, as duas funções
inferiores estariam presentes. Mas em acréscimo a tudo isto,
teria eu descrito alguns fatos; teria feito algumas asserções
descritivas; e estas minhas asserções seriam factualmente verda
deiras ou factualmente falsas.
216
*
XVI
Como as funções e dimensões superiores se relacionam com
as inferiores? Como vimos, elas não substituem as inferiores,
mas estabelecem sobre elas uma espécie de controle plástico —
um controle com retrocarga.
Tomemos como exemplo uma discussão numa conferência
científica. Pode ser animadora, agradável e dar origens a ex
pressões e sintomas de ser assim; e essas expressões, por sua
vez, podem liberar sintomas similares em outros participantes.
Mas não há dúvida de que até certo ponto esses sintomas e
sinais de liberação serão originados e controlados pelo conteúdo
científico da discussão; e como esta será de natureza descritiva
e argumentativa, as funções inferiores serão controladas pelas
superiores. Mais ainda, embora uma boa piada ou uma risada
agradável possam deixar as funções inferiores vencerem a curto
prazo, o que importa a longo prazo é um bom argumento —
um argumento válido— e o que ele firma ou refuta. Em outras
palavras, nossa discussão é controlada, embora plasticamente,
pelas idéias reguladoras de verdade e de validez.
Tudo isto é fortalecido pela descoberta e pelo desenvolvi
mento das novas dimensões de impressão e edição, especial
mente quando são usadas para imprimir e editar teorias cien
tíficas e hipóteses e publicações em que estas são discutidas
criticamente.
Não posso fazer justiça aqui à importância dos argumentos
críticos: é um tópico sobre o qual tenho escrito bem extensa-
mente(50) e, assim, não irei agora suscitá-lo de novo. Só desejo
acentuar que os argumentos críticos são um meio de controle:
são um meio de eliminar erros, um meio de seleção. Resolve
mos nossos problemas propondo experimentalmente várias teo
rias e hipóteses concorrentes, como balões de ensaio, por assim
219
dizer; e submetendo-as a discussões críticas e a testes empí
ricos, para o fim de eliminação de erros.
Assim, a evolução das funções superiores da linguagem,
que venho tentando descrever, pode ser caracterizada como a
evolução de novos meios de solucionar problemas, por novas
espécies de experiências e por novos métodos de eliminação
de erros; isto é, novos métodos para controlar as experiências.
XVII
Posso dar agora minha solução de nosso primeiro problema
principal, isto é, o problema de Compton referente à influência
do significado sobre o comportamento. É esta:
Os mais altos níveis de linguagem evoluiram sob a pressão
de uma necessidade para o melhor controle de duas coisas: de
nossos níveis inferiores de linguagem e de nossa adaptação ao
ambiente, pelo método de desenvolver não só novos instrumen
tos, mas também, por exemplo, novas teorias científicas, novos
padrões de seleção.
Ora, ao desenvolver suas funções superiores, nossa lin
guagem também desenvolveu significados e conteúdos abstratos;
isto é, aprendemos a abstrair dos vários modos de formular ou
expressar uma teoria, e a prestar atenção a seu conteúdo ou
significado invariável (do qual depende sua verdade).
E isto vale não só para teorias e outras asserções descri
tivas, como também para propostas, objetivos, ou mais o que
quer que possa ser submetido a discussão crítica.
O que tenho chamado “problema de Compton” era o pro
blema de explicar e compreender o poder controlador dos signi
ficados, tais como os conteúdos de nossas teorias, ou de pro
pósitos, ou de objetivos; propósitos ou objetivos que em certos
casos podemos ter adotado após deliberação e discussão. Mas
isto, agora, não é mais um problema. Seu poder de influen
ciar-nos é parte e componente desses conteúdos e significados;
pois parte da função de conteúdos e significados é controlar.
Esta solução do problema de Compton está conforme ao
postulado restritivo de Compton. Pois o controle de nós mesmos
e de nossas ações pelas nossas teorias e propósitos é um con
trole plástico. Não somos forçados a nos submetermos ao con
trole de nossas teorias, porque podemos discutí-las criticamente
e podemos rejeitá-las livremente se pensarmos que não atingem
nossos padrões reguladores. Assim, o controle está longe de
mostrar parcialidade. Não só nossas teorias nos controlam, como
podemos controlar nossas teorias (e mesmo nossos padrões);
existe aqui uma espécie de retrocarga. E se nos sujeitarmos a
nossas teorias, fa-lo-emos então livremente, após deliberação;
220
isto é, depois da discussão crítica de alternativas e depois de
escolher livremente entre as teorias concorrentes, à luz daquela
discussão crítica.
Apresento isto como minha solução do problema de
Compton; e antes de passar a resolver o problema de Descartes,
irei agora delinear rapidamente a teoria mais geral da evolução,
que já usei, implicitamente, em minha solução.
XVIII
Ofereço minha teoria geral com muitas desculpas. Levei
longo tempo para pensá-la inteiramente e torná-la clara para
mim mesmo. Não obstante, sinto-me ainda longe de estar satis
feito com ela. Deve-se isto em parte ao fato de que é uma teoria
evolucionária e de que acrescenta apenas um pouco, receio, às
teorias evolucionárias existentes, a não ser talvez uma nova
ênfase.
Enrubesço quando tenho de fazer esta confissão; pois,
quando era mais novo, costumava eu dizer coisas muito desde
nhosas a respeito das filosofias evolucionárias. Quando, há
vinte e dois anos, o Cônego Charles E. Raven, em seu Science,
Religion anã the Future, descreveu a controvérsia darwiniana
como uma “tempestade numa chávena vitoriana”, concordei,
mas critiquei-o(51) poi dar demasiada atenção “aos vapores que
ainda saiam da chávena”, com o que me referia ao ar quente
das filosofias evolucionárias (especialmente aquelas que nos
diziam haver leis de evolução inexoráveis). Mas agora tenho
de confessar que essa chávena tornou-se, afinal de contas, minha
xícara de chá; e com ela tenho de comer humilde bolo.
Inteiramente à parte das filosofias evolucionárias, a difi
culdade a respeito de uma teoria evolucionária é seu caráter tau-
tológico, ou quase tautológico: a dificuldade é que o darwi-
nismo e a seleção natural, embora extremamente importantes,
explicam a evolução pela “sobrevivência dos mais aptos” (ex
pressão devida a Herbert Spencer). Contudo, parece não haver
muita diferença, se alguma houver, entre a asserção “os que
.sobrevivem são os mais aptos” e a tautologia “os que sobrevi
vem são os que sobrevivem”. Pois não temos, receio, qualquer
outro critério de aptidão além da sobrevivência efetiva, de modo
que concluímos do fato de ter algum organismo sobrevivido que
ele era o mais apto, ou o melhor adaptado às condições de
vida.
Isto mostra que o darwinismo, com todas as suas grandes
virtudes, não é de modo algum uma teoria perfeita. Necessita
de uma reformulação que o tome menos vago. A teoria evolu-
221
cionária que vou esboçar aqui é uma tentativa de tal refor
mulação.
Minha teoria pode ser descrita como uma tentativa para
aplicar ao conjunto da evolução o que aprendemos quando
analisamos a evolução da linguagem animal para a linguagem
humana. E consiste de uma certa visão da evolução como um
crescente sistema hierárquico de controles plásticos, e de uma
certa visão dos organismos incorporando — ou, no caso do
homem, evolvendo exossomatieamente — esse crescente sis
tema hierárquico de controles plásticos. É admitida a teoria da
evolução neo-darwinista; mas é reformulada, indicando-se suas
“mutações” como gambitos mais ou menos acidentais de expe
riência e erro, e a “seleção natural” como um meio de controlá-
las por eliminação de erro.
Exporei agora a teoria em forma de doze teses curtas:
(1) Todos os organismos estão constantemente, dia e
noite, empenhados em resolver problemas; e assim estão todas
aquelas seqüências de organismos evolucionárias — os filos, que
começam com as mais primitivas formas e das quais os organis
mos ora viventes são os mais recentes membros.
(2) Estes problemas são problemas em sentido objetivo:
podem, hipoteticamente, ser reconstruídos por meio de retro-
visão, por assim dizer. (Adiante, direi mais a este respeito.)
Problemas objetivos neste sentido não precisam ter contraparte
consciente; e onde têm sua contraparte consciente, o problema
consciente não precisa coincidir com o problema objetivo.
(3) A solução de problemas procede sempre pelo método
de experiência e erro: novas reações, novas formas, novos
órgãos, novos modos de comportamento, novas hipóteses, são
experimentalmente postos à frente e controlados por eliminação
de erro.
(4) A eliminação de erro pode proceder pela completa
eliminação de formas malogradas (a morte de formas malo
gradas por seleção natural) ou pela evolução (experimental) de
controles que modificam ou suprimem órgãos, ou formas de
comportamento, ou hipóteses, mal sucedidos.
(5) O organismo isolado vê por telescópio (S2) dentro de
um corpo, por assim dizer, os controles desenvolvidos durante a
evolução de seu filo — tal como recapitula em parte, em seu
desenvolvimento ontogênico, sua evolução filogenética.
(6) O organismo isolado é uma espécie de ponta de lança
da sequência evolucionária de organismos à qual pertence (seu
filo): é ele próprio uma solução experimental, investigando
222
0
Conhecimento de Base
(9) Nesta forma, nosso esquema pode ser comparado com
o do neo-darwinismo. De acordo com o neo-darwinismo há de
modo principal um problema: o problema da sobrevivência. Há,
como em nosso sistema, uma multiplicidade de soluções expe
rimentais — as variações ou mutações. Mas só há um meio de
eliminação de erro — a morte do organismo. E (em parte por
esta razão) o fato de que Px e P2 diferirão essencialmente é
desprezado, ou sua importância fundamental não é reconhecida
com clareza suficiente.
(10) Em nosso sistema, nem todos os problemas são pro
blemas de sobrevivência: há numerosos problemas e subpro-
blemas muito específicos (ainda que os problemas mais antigos
223
possam ter sido puros problemas de sobrevivência). Por exem
plo, um problema primitivo Pi pode ser de reprodução: o
problema de matar ou dispersar a prole — os filhos que amea
çam sufocar o organismo que os gerou e também uns aos
outros. (53)
É talvez de interesse notar que o problema de evitar a
sufocação pela própria prole pode ser um daqueles problemas
que foram resolvidos pela evolução de organismos multicelula-
res: em vez de matar a própria prole, estabelece-se uma econo
mia comum, com vários métodos novos de viver juntos.
(11) A teoria aqui proposta distingue entre Pt e P2 e
mostra que os problemas (ou as situações de problema) com
que o organismo está tentando lidar são muitas vezes novos e
surgem como produtos da evolução. A teoria, por isso, dá im
plicitamente uma explicação racional do que se tem costumado
chamar pelos nomes um tanto dübios de "evolução criativa”
ou “evolução emergente”.(54)
(12) Nosso esquema permite o desenvolvimento de con
troles de eliminação de erro (órgãos de advertência, como os
olhos; mecanismos de retrocarga); isto é, controles que podem
eliminar erros sem matar o organismo; e toma possível, em
última instância, que nossas hipóteses morram em vez de nós.
XIX
Cada organismo pode ser encarado como um sistema hie
rárquico de controles plásticos — como um sistema de nuvens
controlado por nuvens. Os subsistemas controlados fazem mo
vimentos de experiência e erro, que são em parte suprimidos e
em parte restringidos pelo sistema controlador.
Já encontramos um exemplo disto na relação entre as
funções inferiores e superiores da linguagem. As inferiores con
tinuam a existir e a desempenhar seu papel; mas são constran
gidas e controladas pelas superiores.
Outro exemplo característico é este: Se estou de pé, quieto,
sem fazer qualquer movimento, então (de acordo com os fisió-
logos) meus músculos estão constantemente em função, con
traindo-se e relaxando-se de um modo quase ao acaso (ver
TS: para TS, na tese (S) da secção precedente), mas contro
lados, sem que eu esteja consciente disto, por eliminação de
erro (EE), de modo que cada pequeno desvio de minha postura
é quase imediatamente corrigido. Assim, sou mantido de pé,
quieto, mais ou menos pelo mesmo método por que um piloto
aumotático mantém um avião firmemente em seu curso.
224
*
XX
Este é um delineamento muito breve da teoria. Necessita,
sem dúvida, de muita elaboração. Mas desejo explicar um ponto
um tanto mais plenamente — o uso que tenho feito (nas teses
(1) a (3) da secção XVIII) dos termos “problema” e “solução
de problema” e, mais particularmente, minha asserção de que
podemos jalar de problemas m m sentido objetivo, ou não psi
cológico.
O ponto é importante, pois, claramente, a evolução não é
um processo consciente. Muitos biólogos dizem que a evolução
de certos órgãos resolve certos problemas; por exemplo, que a
evolução dos olhos resolve o problema de dar a um animal em
movimento uma advertência oportuna para que mude sua di
reção antes de saltar dentro de algo difícil. Ninguém sugere
que este tipo de solução para esta espécie de problema seja
procurado conscientemente. Se falamos de solução de problema,
não é isto, então, apenas uma metáfora?
Não penso assim; antes, a situação é esta: quando falamos
de um problema, assim o fazemos quase sempre por retrovisão.
Quem trabalha num problema raramente pode dizer com cla
reza o que seu problema é (a menos que tenha encontrado uma
solução); e mesmo que possa explicar seu problema, pode con
fundí-lo. E isto pode mesmo valer para os cientistas — embora
os cientistas estejam entre aqueles poucos que conscientemente
tentam estar plenamente conhecedores de seus problemas. Por
exemplo, o problema consciente de Kepler era descobrir a
harmonia da ordem mundial; mas podemos dizer que o pro
blema que ele resolveu foi a descrição matemática do movi
mento num conjunto de sistemas planetários de dois corpos,
Similarmente, Schrõdinger estava equivocado a respeito do pro
blema que resolveu encontrando a equação (independente de
tempo) de Schrõdinger: ele pensava que suas ondas eram ondas
com densidade de carga de um mutável campo contínuo de
carga elétrica. Mais tarde, Max Bom deu uma interpretação
estatística da amplitude de ondas de Schrõdinger; interpretação
223
que abalou Schrõdinger e que lhe desagradou enquanto viveu.
Ele havia resolvido um problema — mas não era o que pensava
ter resolvido. Sabemos disto agora, por retrovisão.
Contudo, é claramente na ciência que estamos mais côns-
cios dos problemas que tentamos resolver. Assim, não seria
fora de propósito usar a retrovisão em outros casos e dizer que
a ameba resolve alguns problemas (embora não precisemos
supor que ela esteja, em qualquer sentido, cônscia de seus
problemas): da ameba a Einsteín vai só um passo.
XXI
Compton, porém, nos diz que as ações da ameba não são
racionais, ( 57) ao passo que podemos admitir que as ações de
Einstein o sejam. Assim deve haver alguma diferença, afinal
de contas.
Admito que há uma diferença: ainda que seus métodos de
movimentos de experiência e erro quase ao acaso ou à moda
de nuvens não sejam fundamentalmente muito diferentes,(B8, BB)
há uma grande diferença em suas atitudes para com o erro.
Einstein, diversamente da ameba, conscientemente tentou o
melhor que pôde, sempre que lhe ocorria uma nova solução,
mostrá-la falha e descobrir um erro nela: abordava suas pró
prias soluções criticamente.
Acredito que esta atitude conscientemente crítica para com
as próprias idéias é a única diferença realmente importante entre
o método de Einstein e o da ameba. Ela possibilitou a Einstein
rejeitar, com rapidez, como inadequadas, centenas de hipóteses,
antes de examinar mais cuidadosamente uma ou outra hipótese
que lhe parecesse capaz de suportar crítica mais séria.
Como disse recentemente o crítico John Arcljibald Whe-
eler, “Todo o nosso problema é cometer os enganos o mais
depressa possível”. (59) Este problema de Wheeler é resolvido
pela adoção consciente da atitude crítica. Isto, creio, é a mais
elevada forma, até agora, da atitude racional, ou da racio
nalidade.
As experiências e erros do cientista consistem de hipó
teses. Ele as formula em palavras, e muitas vezes por escrito.
Pode então tentar encontrar brechas em qualquer uma dessas
hipóteses, criticando-a e testando-a experimentalmente, ajudado
por seus colegas cientistas, que ficarão deleitados se puderem
encontrar uma brecha nela. Se a hipótese não suportar essas
críticas e esses testes pelo menos tão bem quanto suas concor
rentes, ( 80) será eliminada.
226
Ocorre diferentemente com o homem primitivo e com a
ameba. Aí não há atitude crítica, e assim acontece, na maioria
das vezes, que a seleção natural elimina uma hipótese ou expec
tativa errônea eliminando os organismos que a sustentam ou
nela acreditam. Podemos portanto dizer que o método crítico
ou racional consiste em deixar que nossas hipóteses morram
em vez de nós; é um caso de evolução exossomática.
XXII
Talvez aqui eu possa voltar a uma questão que me deu
muito trabalho, embora no fim eu chegasse a uma solução
muito simples.
A questão é: Podemos mostrar que existem controles plás
ticos? Há na natureza sistemas físicos inorgânicos que possam
ser tomados como exemplos ou como modelos físicos de con
troles plásticos?
Parece que esta questão foi respondida implicitamente na
negativa por muitos físicos que, como Descartes ou Compton,
operam com modelos de chave-mestra, e por muitos filósofos
que, como Hume ou Schlick, negam que possa existir qualquer
coisa de intermediário entre o determinismo completo e o puro
acaso. Admitidamente, os cibernéticos e os engenheiros de com
putador têm tido, mais recentemente, bom sucesso em construir
computadores feitos de ferragens mas incorporando controles
altamente plásticos; por exemplo, computadores com mecanismo
embutido para experiência de tipo ao acaso, conferidas ou ava
liadas por retroalimentação (à maneira de um piloto automá
tico ou de um aparelho doméstico automático) e eliminadas se
errôneas. Mas esses sistemas, embora incorporando o que chamei
controles plásticos, consistem essencialmente de complexos relés
de chaves-mestras. O que eu estava buscando, porém, era um
modelo físico simples de indeterminismo peirceano; um sistema
puramente físico semelhante a uma nuvem muito anuviada em
movimento de calor, controlada por algumas outras nuvens anu-
viadas — ainda que um tanto menos anuviadas.
Se voltarmos a nosso velho arranjo de nuvens e relógios,
com uma nuvem à esquerda e um relógio à direita, então po
demos dizer que o que estamos buscando é algo de interme
diário, como um organismo ou como nossa nuvem de pernilon-
gos, mas não vivo: um sistema físico puro, controlado plasti-
camente e “suavemente“, por assim dizer.
Admitamos que a nuvem a ser controlada é um gás. Então
podemos por na extrema esquerda um gás não controlado, que
logo se difundirá e deixará de constituir um sistema físico. Co
locamos na extrema direita um cilindro de ferro cheio de gás:
227
este é nosso exemplo de um controle “duro”, um controle
“férreo”. No meio, mas bem para a esquerda, há muitos siste
mas controlados mais ou menos “suavemente”, tais como nosso
aglomerado de pernilongos e vastas bolas de partículas, tais
como um gás mantido coeso pela gravidade, um tanto como o
sol. (Não nos importa que o controle esteja longe de ser per
feito e muitas partículas escapem.) Talvez se possa dizer que
os planetas são ferreamente controlados em seus movimentos
— relativamente falando, sem dúvida, pois mesmo o sistema pla
netário é uma nuvem, e o mesmo são todas as vias-lácteas, aglo
merações de estrelas, e aglomerações de aglomerações. Mas há,
à parte sistemas orgânicos e esses vastos sistemas de partículas,
exemplo de quaisquer sistemas físicos pequenos controlados
“suavemente”?
Penso que há, e proponho colocar no meio de nosso dia
grama um balão de criança, ou, talvez melhor, uma bolha de
sabão; e isto, realmente, mostra ser um exemplo ou modelo,
muito primitivo e a muitos respeitos excelente, de um sistema
peirceano e de um tipo “suave” de controle plástico.
A bolha de sabão consiste de dois subsistemas, ambos os
quais são nuvens e que se controlam reciprocamente; sem o ar,
a película de sabão entraria em colapso e teríamos apenas uma
gota de água saponificada. Sem a película, o ar ficaria descon
trolado: difundir-se-ia, deixando de existir como um sistema.
Assim o controle é mútuo; é plástico e de um caráter de retro-
carga. Contudo, é possível fazer uma distinção entre o sistema
controlado (o ar) e o sistema controlador (a película): o ar
envolvido não só é mais ahuviado do que a película envolve-
dora, mas também deixa de ser um sistema físico (interatuante)
se a película for removida. Em contraposição a isto, a pelí
cula, após a remoção do ar, formará uma gotinha que, embora
de forma diferente, pode ainda ser tida como um sistema
físico.
Comparando a bolha com um sistema “de ferragens”,
como um relógio de precisão ou um computador, poderiamos
sem dúvida dizer (de acordo com o ponto de vista de Peirce)
que mesmo esses sistemas de ferragens são nuvens controladas
por nuvens. Mas esses sistemas “duros” são construídos com
o propósito de minimizar, tanto quanto possível, os efeitos
de tipo de nuvem dos movimentos e flutuações moleculares
de calor: embora sejam nuvens, os mecanismos controladores
são feitos para suprimir ou compensar todos os efeitos do
tipo de nuvem, até onde for possível. Isto vale mesmo para
computadores com mecanismos que simulam mecanismos de
experiência e erro do tipo ao acaso.
228
*
XXIII
A teoria evolucionária aqui proposta fornece uma solução
imediata ao nosso segundo problema principal — o clássico
problema cartesiano de corpo-mente. E o faz (sem dizer o que
é “mente” ou “consciência”) dizendo algo acerca da evolução e,
com isso, acerca das funções da mente ou consciência.
Devemos admitir que a consciência cresce de começos pe
quenos; talvez sua primeira forma seja um vago sentimento de
irritação, experimentado quando o organismo tem um problema
a resolver, tal como afastar-se de uma substância irritante. Seja
como possa ser, a consciência assumirá significação evolucioná
ria — e significação crescente — quando começar a antecipar
meios possíveis de reagir; movimentos possíveis de experiência
e erro e seiis possíveis resultados.
Podemos dizer agora que os estados conscientes, ou as
seqüências de estados conscientes, podem funcionar como sis
temas de controle, de eliminação de erro: a eliminação, via de
regra, de comportamento (incipiente), que é movimento (inci
piente). A consciência, deste ponto de vista, surge como so
229
mente um de muitos tipos .de controle interatuantes; e se lem
brarmos os sistemas de controle incorporados, por exemplo,
em livros — teorias, sistemas de lei e tudo quanto constitui o
“universo de significados” — então a consciência dificilmente
poderá ser tida como o mais elevado sistema de controle na
hierarquia. Pois ela é, em considerável extensão, controlada por
esses sistemas lingüísticos exossomáticos — ainda mesmo que
se possa dizer que eles são produzidos pela consciência. Pode
mos conjecturar que a consciência, por sua vez, é produzida
por estados físicos; contudo, ela os controla em considerável ex
tensão. Assim como um sistema legal ou social é produzido por
nós e, todavia, nos controla, não sendo em qualquer sentido
razoável “idêntico” ou “paralelo” a nós, mas interage conosco,
assim também os estados de consciência (a “mente” ) con
trolam o corpo e interagem com ele.
Temos portanto um conjunto inteiro de relações análogas.
Como o nosso mundo exossomático de significados é relacio
nado com a consciência, também a consciência é relacionada
com o comportamento do organismo individual atuante. E o
comportamento do organismo individual é similarmente relacio
nado com seu corpo, com o organismo individual tomado como
um sistema fisiológico. Este último é similarmente relacionado
com a seqüência evolucionária de organismos — o filo, de que
é, por assim dizer, a mais recente ponta de lança: tal como o
organismo individual é lançado experimentalmente pelo filo
como um instrumento de investigação e todavia controla am
plamente o destino do filo, assim também o comportamento do
organismo é lançado experimentalmente pelo sistema fisiológico
como um instrumento de investigação e todavia controla ampla
mente o destino desse sistema. Nossos estados conscientes são
símilarmente relacionados com o nosso comportamento. Anteci
pam nosso comportamento, elaborando, por experiência e erro,
suas conseqüências prováveis; assim, não só controlam, mas
experimentam, deliberam.
Vemos agora que esta teoria nos oferece uma resposta
quase trivial ao problema de Descartes. Sem dizer o que “a
mente” é, leva imediatamente à conclusão de que nossos esta
dos mentais controlam (alguns de) nossos movimentos físicos,
e de que há certo dar-e-tomar, certa realimentação, e assim
certa interação, entre a atividade mental e as outras funções
de organismo.(®2)
O controle será novamente do tipo “plástico” ; de fato,
todos nós — especialmente os que tocam um instrumento mu
sical como o piano ou o violino — sabemos que o corpo nem
sempre faz o que queremos que faça, e que teremos de aprender,
com nosso insucesso, como modificar nossos alvos, levando
230
em conta aquelas limitações que bloqueiam nosso controle: em
bora sejamos livres em certa extensão considerável, há sempre
condições —■físicas ou outras — que fixam limites ao que
podemos fazer. (Sem dúvida, antes de desistir, somos livres para
tentar transcender esses limites.)
Assim, como Descartes, proponho a adoção de um ponto
de vista dualista, embora, sem dúvida, não recomende falar
de dois tipos de substâncias interatuantes. Mas penso ser útil
e legítimo distinguir dois tipos de estados (ou eventos) intera-
tuantes, os físico-químicos e os mentais. Além disso, sugiro que,
se distinguirmos apenas esses dois tipos de estados, estaremos
ainda tomando uma visão demasiado estreita de nosso mundo:
no mínimo deveriamos distinguir também aqueles artefatos que
são produtos de organismos, e especialmente os produtos de
nossas mentes, e que podem interagir com as nossas mentes e,
assim, com o estado de nosso ambiente físico. Embora esses
artefatos sejam muitas vezes “meros pedacinhos de papel”, talvez
“meros instrumentos”, chegam mesmo a ser, no nível animal,
consumadas obras de arte; e no nível humano os produtos de
nossas mentes são muitas vezes muito mais do que “pedacinhos
de papel” — digamos, pedacinhos de papel marcados; pois esses
pedacinhos de papel podem representar estados de uma dis
cussão, estados do crescimento do conhecimento, que podem
transcender (às vezes com sérias conseqüências) a apreensão
de muitas ou mesmo de todas as mentes que ajudaram a pro
duzi-los. Assim, temos de ser não simplesmente dualistas, mas
pluralistas; e temos de reconhecer que as grandes mudanças que
produzimos, muitas vezes inconscientemente, em nosso universo
físico mostram que regras abstratas e idéias abstratas, algumas
das quais só parcialmente apreendidas por mentes humanas,
podem mover montanhas.
XXIV
Como reflexão posterior, eu gostaria de acrescentar um
último ponto.
Seria um engano pensar que, em razão da seleção natural,
a evolução só possa levar ao que se pode chamar resultados
“utilitários” : as adaptações que são úteis para ajudar-nos a
sobreviver.
Assim como, num sistema com controles plásticos, os sub-
sistemas controladores e controlados interagem, assim também
nossas soluções experimentais interagem com os nossos proble
mas e com os nossos objetivos. Isto significa que nossos objeti
vos podem mudar e que a escolha de um objetivo pode tornar-
s e um problema; objetivos diferentes podem competir, e novos
231
objetivos podem ser inventados e controlados pelo método de
experiência e eliminação de erro.
Admitidamente, se um novo objetivo colide com o objetivo
de sobreviver, então este novo objetivo pode ser eliminado por
seleção natural. É bem sabido que muitas mutações são letais
e, portanto, suicidas; e há muitos exemplos de objetivos sui
cidas. Outros são, talvez, neutros com respeito à sobrevivência.
Muitos objetivos que a princípio são subsidiários da .so
brevivência podem mais tarde tornar-se autônomos e mesmo
opostos à sobrevivência; por exemplo, a ambição de sobrepujar
em coragem, de escalar o Monte Everest, de descobrir um novo
continente ou de ser o primeiro na Lua; ou a ambição de desco
brir alguma nova verdade.
Outros objetivos podem, desde o próprio começo, ser
saídas autônomas, independentes do objetivo de sobreviver. São
talvez deste tipo os objetivos artísticos, ou alguns objetivos reli
giosos, e para aqueles que os acarinham eles podem tornar-se
muito mais importantes do que a sobrevivência.
Tudo isto faz parte da superabundância da vida — a quase
excessiva abundância de experiências e erros de que depende o
método de experiência e eliminação de erro.(83)
Talvez não seja desinteressante ver que os artistas, como
os cientistas, usam de fato esse método de experiência e erro.
Um pintor pode pôr na tela, experimentalmente, um pingo de
tinta e recuar para uma avaliação crítica do efeito da cor,(84)
a fim de alterá-la se não solucionar o problema que ele quer
resolver. E pode acontecer que um efeito inesperado ou aci
dental de sua prova experimental — um pingo de cor ou uma
pincelada — possa mudar seu problema, ou criar um novo pro
blema, ou um novo objetivo: a evolução dos objetivos artís
ticos e dos padrões artísticos (que, como as regras de lógica,
podem tornar-se sistemas exossomáticos de controle) marcha
também pelo método de experiência e erro.
Aqui talvez possamos, por um momento, volver os olhos
para o problema do determinismo físico e para nosso exemplo
do físico surdo que nunca conhecera música, mas seria capaz de
“compor” uma ópera de Mozart ou uma sinfonia de Beethoven
simplesmente estudando os corpos de Mozart ou de Beethoven
e seus ambientes como sistemas físicos, e predizendo onde suas
penas colocariam marcas pretas em papel com pautas. Apre
sentei isto como consequências inaceitáveis do determinismo fí
sico. Mozart e Beethoven são controlados, parcialmente, por seu
“gosto”, seu sistema de avaliação musical. Mas este sistema não
é férreo e sim, antes, plástico. Responde a novas idéias e pode
ser modificado por experiências e erros novos — talvez mesmo
por um engano acidental, uma discordância não pretendida.(8B)
232
«
233
7 — A EVOLUÇÃO E A ÁRVORE
DO CONHECIMENTO
234
*
235
prosseguir tentando primeiro supor ou conjecturar uma solução
para nosso problema; e podemos depois tentar criticar nossa
suposição, costumeiramente fraca. Às vezes, uma suposição ou
uma conjectura podem suportar por certo tempo nossa crítica e
nossos testes experimentais. Mas,, via de regra, logo descobri
mos que nossas conjecturas podem ser refutadas, ou que não
resolvem nosso problema, ou que só o solucionam em parte; e
verificamos que mesmo as melhores soluções — aquelas capazes
de resistir à crítica mais severa das mentes mais brilhantes e
engenhosas — logo dão origem a novas dificuldades, a novos
problemas. Assim podemos dizer que o crescimento do conheci
mento marcha de velhos problemas para novos problemas, por
meio de conjecturas e refutações.
Alguns dentre vós, suponho, concordarão em que habitual
mente partimos de problemas; mas podereis continuar pensando
que nossos problemas devem ter sido o resultado da observação
e da experiência, pois todos estais familiarizados com a idéia de
que nada pode haver em nosso intelecto que não tenha entrado
nele através de nossos sentidos.
Mas é justamente esta venerável idéia que estou comba
tendo. (8) Afirmo que todo animal nasce com expectativas ou
antecipações que poderão ser enquadradas como hipóteses; uma
espécie de conhecimento hipotético. E assevero que temos, neste
sentido, certo grau de conhecimento inato a partir do qual po
demos começar, ainda que possa ser completamente indigno de
confiança. Este conhecimento inato, estas expectativas inatas, se
desiludidas, criarão nosso primeiro problema; e o crescimento
seguinte de nosso conhecimento pode, portanto, ser descrito
como consistindo inteiramente de correções e modificações de
um conhecimento prévio.
Estou, assim, virando as mesas sobre aqueles que pensam
que a observação deve preceder as expectativas e problemas;
e afirmo mesmo que, por razões lógicas, a observação não pode
ser anterior a todos os problemas, embora, obviamente, possa
às vezes ser anterior a alguns problemas — por exemplo, àqueles
problemas que surgem de uma observação que desilude alguma
expectativa ou refuta alguma teoria. O fato de que a observação
não pode preceder todos os problemas pode ser ilustrado por
meio de uma experiência simples que desejo realizar, tendo-vos
com vossa licença, como elementos experimentais. (4) Minha ex
periência consiste em pedir-vos para observar, aqui e agora.
Espero que todos sejais cooperadores e observadores! Contudo,
receio que pelo menos alguns dentre vós, em vez de observar,
sentirão forte impulso para indagar: “Que quer que eu
observe?”
236
*
237
atinge o problema, e que tipo de requisitos terão de ser preen
chidos por qualquer tentativa séria de resolvê-lo. Em outras
palavras, começamos a ver as ramificações do problema, seus
subproblemas e sua conexão com outros problemas. (É só nesta
etapa que uma solução conjecturada deve ser submetida à crí
tica de outros e talvez mesmo publicada.)
Se considerarmos agora esta análise, veremos que ela se
encaixa em nossa fórmula, que disse que o progresso do conhe
cimento vem de problemas velhos para novos problemas, por
meio de conjecturas e de tentativas críticas para refutá-las.
Pois mesmo o processo de ficar conhecendo um problema cada
vez melhor marcha de acordo com esta fórmula.
No passo seguinte, nossa solução experimental é discutida
e criticada; todos tentam encontrar nela uma brecha e refutá-
-la; e, seja qual possa ser o resultado dessas tentativas, certa
mente aprendemos com elas. Se a crítica de nossos amigos, ou de
nossos opositores, for bem sucedida, teremos aprendido muito
a respeito de nosso problema: saberemos mais do que antes
acerca de suas dificuldades inerentes. E se mesmo os nossos
mais afiados críticos não tiverem êxito, se nossa hipótese for
capaz de resistir à sua crítica, ainda uma vez teremos aprendido
muito, tanto a respeito do problema quanto a respeito de nossa
hipótese, de sua adequação, de suas ramificações. E enquanto
nossa hipótese sobreviver, ou pelo menos enquanto se com
portar melhor, em face da crítica, do que suas concorrentes,
poderá ela, temporária e experimentalmente, ser aceita como
parte do ensinamento científico em vigor.
Tudo isto pode ser expresso dizendo que o crescimento de
nosso conhecimento é o resultado de um processo estreitamente
semelhante ao que Darwin chamou “seleção natural”; isto é, a
seleção natural de hipóteses: nosso conhecimento consiste, a
cada momento, daquelas hipóteses que mostraram sua aptidão
(comparativa) para sobreviver até agora em sua luta pela exis
tência, uma luta de competição que elimina aquelas hipóteses
que são incapazes.(7)
Esta interpretação pode ser aplicada ao conhecimento ani
mal, ao conhecimento pre-científico e ao conhecimento cien
tífico. Peculiar ao conhecimento científico é isto: a luta pela
existência é tomada mais dura pela crítica sistemática e cons
ciente de nossas teorias. Assim, enquanto o conhecimento ani
mal e o conhecimento pre-científico crescem principalmente
através da eliminação daqueles que sustentam as hipóteses inca
pazes, a crítica científica faz muitas vezes nossas hipóteses pe
recerem em lugar de nós, eliminando nossas crenças errôneas
antes que essas crenças levem à nossa eliminação.
238
*
239
tempo para cima, teremos de representar a árvore do conheci
mento como brotando de incontáveis raízes que crescem no ar
em vez de em baixo e que, no fim de contas, tendem a unir-se
num tronco comum. Em outras palavras, a estrutura evolucioná-
ria do crescimento do conhecimento puro é quase o oposto
daquela da árvore evolucionária de organismos vivos, ou de
implementos humanos, ou de conhecimento aplicado.
Este crescimento integrativo da árvore do conhecimento
puro tem agora de ser explicado. É o resultado de nosso objetivo
peculiar em nossa procura do conhecimento puro — o obje
tivo de satisfazer nossa curiosidade explicando as coisas. E é,
além disso, o resultado da existência de uma linguagem humana
que nos capacita não só a descrever estados de coisas como
também a argumentar a respeito da verdade de nossas descri
ções, quer dizer, a criticá-las.
Ao buscar o conhecimento puro, nosso alvo é, muito sim
plesmente, compreender, responder a perguntas de “como” e
a perguntas de “por quê”. São, estas, perguntas que se respon
dem dando-se uma explicação. Assim, todos os problemas de
conhecimento puro são problemas de explicação.
Tais problemas bem podem ter origem em problemas prá
ticos. Assim, o problema prático “Que se pode fazer para com
bater a pobreza?” levou ao problema puramente teórico “Por
que uma pessoa é pobre?” e, daí, a teoria de salários e prepos
e assim por diante; em outras palavras, a uma pura teoria
econômica, que sem dúvida cria constantemente seus próprios
problemas novos. Nesse desenvolvimento, os problemas com
que se lida — e especialmente os problemas não solucionados
— se multiplicam e se tornam diferenciados, como sempre
fazem quando nosso conhecimento cresce. Contudo, a própria
teoria explicativa mostrou aquela força integradora que Spencer
descreveu primeiro.
Para tomar da biologia um exemplo análogo, temos o
urgentíssimo problema prático de combater epidemias como a
da varíola. Contudo, da praxe da imunização passamos para a
teoria da imunologia -e daí para a teoria da formação de anticor
pos — campo de biologia pura, famoso pela profundidade de
seus problemas e pela capacidade destes para se multiplicarem.
Os problemas de explicação são resolvidos propondo-se
teorias explicativas; e uma teoria explicativa pode ser criti
cada mostrando-se que é muito incoerente em si mesma, ou
incompatível com os fatos, ou incompatível com algum outro
conhecimento. Mas esta crítica supõe que o que desejamos en
contrar são teorias verdadeiras — teorias que concordem com
os fatos. Esta idéia de verdade como correspondência com os
fatos é, creio eu, o que torna possível a crítica racional. Jun
240
tamente com o fato de que nossa curiosidade, nossa paixão de
explicar por meio de teorias unificadas, é universal e ilimitada,
nosso alvo de chegar mais perto da verdade explica o cresci
mento integrativo da árvore do conhecimento.
Ao apontar a diferença entre a árvore evolucionária de
instrumentos e a do conhecimento puro, espero oferecer, inci
dentemente, algo como uma refutação da opinião agora tão em
voga de que o conhecimento humano só pode ser compreendido
como um instrumento da nossa luta pela sobrevivência. O ponto
firmado pode servir como advertência contra uma interpretação
demasiado estreita do que tenho dito a respeito do método de
conjectura e refutação, e da hipótese de sobrevivência dos mais
aptos. Mas não entra em conflito, de modo algum, com o que
tenho dito. Pois não afirmei que a hipótese dos mais aptos é
sempre a única que auxilia nossa própria sobrevivência. Disse,
em vez disso, que a hipótese dos mais aptos é aquela que melhor
resolve o problema que se destinou a resolver e que resiste à
crítica melhor do que as hipóteses concorrentes. Se o nosso
problema é puramente teórico — o de encontrar uma explicação
puramente teórica — então a crítica será regulada pela idéia da
verdade, ou de chegar mais perto da verdade, e não pela idéia
de ajudar-nos a sobreviver.
Ao falar aqui de verdade, quero tomar claro que nosso alvo
é encontrar teorias verdadeiras, ou pelo menos teorias que este
jam mais perto da verdade do que as teorias que presentemente
conhecemos. Não obstante, isto não significa que possamos
saber com certeza, de qualquer de nossas teorias explicativas,
que ela seja verdadeira. Podemos ser capazes de criticar uma
teoria explicativa e estabelecer sua falsidade. Mas uma boa
teoria explicativa é sempre uma antecipação ousada de coisas
por vir. Deve ser testável e criticáveí, mas não será capaz de
ser mostrada verdadeira. E se tomarmos a palavra “provável”
em qualquer dos muitos sentidos que satisfaçam ao cálculo de
probabilidades, então nunca poderá ser mostrada “provável”
(isto é, mais provável do que sua negação).
Este fato está longe de surpreender. Pois, embora tenha
mos adquirido a arte da crítica racional e a idéia reguladora de
que uma explicação verdadeira é aquela que corresponde aos
fatos, nada mais mudou; o processo fundamental do crescimento
do conhecimento permanece sendo o de conjectura e refutação,
de eliminação das explicações ineptas; e como a eliminação de
um número finito de tais explicações não pode reduzir a infi
nidade das possíveis explicações sobreviventes, Einstein pode
errar, precisamente como a ameba pode errar.
241
Não podemos, assim, atribuir verdade, ou probabilidade,
a nossas teorias. O uso de padrões tais como a verdade e a
aproximação da verdade só desempenha papel dentro de nossa
crítica. Podemos rejeitar uma teoria como inverídica; e podemos
rej'eitar uma teoria como sendo uma aproximação menos che
gada da verdade do que uma de suas predecessoras, ou con
correntes.
Talvez eu possa juntar o que estive dizendo em forma de
duas breves teses:
(i) Somos falíveis e propensos ao erro; mas podemos
aprender com os nossos enganos.
(ii) Não podemos justificar nossas teorias, mas podemos
criticá-las racionalmente e adotar experimentalmente aquelas
que parecem suportar melhor nossa crítica e que têm a maior
força explicativa.
Isto conclui a primeira parte de minha conferência.
242
Em qualquer etapa de vossas pesquisas, sede tão claros
quanto puderdes a respeito de vosso problema e vigiai o modo
por que ele se altera e se torna mais definido. Sede tão claros
quanto puderdes a respeito das várias teorias que sustentais e
tende consciência de que todos nós sustentamos teorias incons
cientemente, ou as tomamos como certas, embora quase com
certeza muitas delas sejam falsas. Tentai reiteradamente for
mular as teorias que estais sustentando e criticai-as. E tentai
construir teorias alternativas — alternativas mesmo para com
aquelas teorias que vos parecem inevitáveis; pois só deste modo
compreendereis as teorias que sustentais. Sempre que uma teoria
vos aparecer como a única possível, tende isto como um sinal
de que não compreendestes a teoria nem o problema que ela
pretendia resolver. E encarai vossas experiências sempre como
testes de uma teoria — como tentativas de encontrar faltas nela
e derrubá-la. Se uma experiência ou observação parecer sus
tentar uma teoria, lembrai-vos de que o que ela faz realmente
é enfraquecer alguma teoria alternativa — talvez uma em que
antes não pensastes. E seja vossa ambição refutar e substituir
vossas próprias teorias; isto é melhor do que defendê-las e deixar
que outros as refutem. Mas lembrai-vos também de que uma
boa defesa de uma teoria contra a crítica é parte necessária de
qualquer discussão frutífera, pois só defendendo-a podemos des
cobrir sua força e a força da crítica dirigida contra ela. Não há
sentido em discutir ou criticar uma teoria a menos que ten
temos todo o tempo colocá-la em sua mais forte forma e argu
mentar contra ela somente nessa forma.
O processo de descobrimento ou de aprendizado a respeito
do mundo, que aqui descreví, pode ser chamado evocativo em
vez de instrutivo, para usar uma expressão explicada e utilizada
nas Conferências de Reith, de Sir Peter Medawar. (l)) Apren
demos a respeito de nosso ambiente, não atrayés de ser instruí
dos por ele, mas através de ser desafiados por ele; nossas res
postas (e, entre elas, nossas expectativas, ou antecipações, ou
conjecturas) são evocadas por ele e aprendemos através da
eliminação de nossas respostas mal sucedidas — isto é, apren
demos com os nossos enganos. Um método evocativo desta es
pécie, todavia, pode imitar ou simular instrução: seu resultado
pode ter o aspecto de termos obtido nossas teorias partindo da
observação e prosseguindo por indução. Esta idéia de um pro
cesso evocativo de evolução simulando um processo instrutivo
é característica do darwinismo e desempenha importante papel
no que aqui se vai seguir.
A descoberta, por Darwin, da teoria da seleção natural tem
sido comparada muitas vezes à descoberta, por Newton, da
teoria da gravitação. Isto é um erro. Newton formulou um con
243
junto de leis universais que pretendiam descrever a interação e
o comportamento conseqüente do universo físico. A teoria da
evolução de Darwin não propôs tais leis universais. Não há
leis darwinianas de evolução. De fato, foi Herbert Spencer quem
tentou formular leis universais de evolução — as leis de “dife
renciação” e de “integração”. Como tentei indicar, elas não são
sem interesse e podem ser de todo verdadeiras. Mas são vagas;
em comparação com as leis de Newton, são quase desprovidas
de conteúdo empírico. (O próprio Darwin achou que as leis
de Spencer eram de pequeno interesse.)
Não obstante, a influência revolucionária de Darwin sobre
o nosso quadro do mundo que nos rodeia foi pelo menos tão
grande, embora não tão profunda, quanto a de Newton. Pois
a teoria da seleção natural de Darwin mostrou que é possível,
em princípio, reduzir a teleologia à causaçao, explicando, em
termos puramente físicos,. a existência de desígnio e propósito
no mundo.
O que Darwin nos mostrou foi que o mecanismo da se
leção natural pode, em princípio, simular as ações do Criador
e seu propósito e desígnio e que pode também simular a ação
humana racional dirigida para um propósito ou um alvo.
Se isto é correto, podemos então dizer, do ponto de vista do
método biológico: Darwin mostrou que estamos todos comple
tamente livres para usar explicação teleológica em biologia —
mesmo aqueles dentre nós que aconteça acreditarem que toda
explicação deveria ser causai. Pois o que ele mostrou foi, prin
cipalmente, que em princípio qualquer explicação teleológica
em particular pode, algum dia, ser reduzida, a uma explicação
causai ou, mais ainda, explicada por ela.
Embora esta fosse uma grande realização, temos de acres
centar que a expressão em princípio é uma restrição muito
importante. Nem Darwin nem qualquer darwiniano deu até
agora uma explicação causai efetiva da evolução adaptativa de
qualquer organismo isolado ou de qualquer órgão isolado. Tudo
quanto tem sido mostrado — e isto é muitíssimo — é que tais
explicações podem existir (isto é, que não são logicamente
impossíveis).
Não é preciso dizer que meu modo de encarar o darwi-
nismo terá fortes objeções da parte de muitos biólogos que acre
ditam que explicações teleológicas em biologia são precisamente
tão más, ou quase tão más, quanto explicações teológicas. Sua
influência foi bastante forte para levar um homem como Sir
Charles Sherrington a alegar, de maneira altamente apologé-
tica, que “não tiramos o proveito devido do estudo de qualquer
reflexotipo em particular, a menos que discutamos seu pro
pósito imediato como um ato adaptado”. (10)
244
*
246
*
247
baixa do que B. Num caso como este, poderiamos dizer que os
membros individuais da espécie A são, em média, mais aptos
para sobreviver do que os da espécie B, ou que se adaptaram
melhor ao seu ambiente que os de B.
Sem alguma distinção como esta (e à distinção poderia ser
dada uma trabalhada base estatística) estamos sujeitos a perder
de vista os problemas originais de Lamarck e Darwin, e espe
cialmente a força explicativa da teoria de Darwin — sua capa
cidade de explicar a adaptação e desenvolvimento de tipo propo
sital por meio da seleção natural, que simula uma evolução de
caráter lamarckiano.
Para concluir esta segunda parte de minha conferência,
posso lembrar que, como já foi indicado, não creio em indução.
Hume mostrou, penso que conclusivamente, que a indução é
inválida; mas ele ainda acreditava que, embora inválida e não
justificável racionalmente, ela é universalmente praticada por
animais e homens. Não penso que isto seja verdade. A verdade,
penso, é que procedemos por um método de selecionar ante
cipações, ou expectativas, ou teorias — pelo método de expe
riência e eliminação de erro, que tantas vezes tem sido tomado
como indução porque simula a indução. Creio que o venerável
mito da indução tem levado a muito dogmatismo no pensamento
biológico. Também tem levado à denúncia dos que são muitas
vezes chamados “cientistas de poltrona” — isto é, teóricos. Mas
nada há de errado nas poltronas. Elas aguentaram fielmente
Kepler, Newton, Maxwell e Einstein; Bohr, Pauli, De Broglie,
Heisenberg e Dirac; e Schrõdinger, em suas especulações tanto
físicas quanto biológicas.
Falo o que sinto, pois nem mesmo sou um biólogo de pol
trona, mas algo pior — um mero filósofo de poltrona.
Mas afinal de contas também o foi Herbert Spencer, cujo
nome, como admito francamente, aqui estou desavergonhada
mente explorando como uma capa de meus próprios delitos no
campo da especulação biológica.
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250
»
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0
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um pescoço mais comprido não teria sido de qualquer valor de
sobrevivência.
Devo agora parar de expor minha teoria e dizer umas
poucas palavras a respeito de sua capacidade explicativa.
Para expô-lo brevemente, minha hipótese oualista nos per
mite, em princípio, aceitar não só o lamarckismo simulado mas
também um vitalismo e um animismo simulados; e assim “ex
plica” estas teorias como primeiras aproximações. Permite-nos
com isso, em princípio, explicar a evolução de órgãos comple
xos, tais como o olho, por muitos passos que levam numa di
reção definida. A direção pode realmente, como afirmaram os
vitalistas, ser determinada por uma tendência de tipo mental —
pela estrutura de alvo ou pela estrutura de perícia do orga
nismo, que pode desenvolver uma tendência, ou um desejo,
de usar o olho, e uma perícia para interpretar os estímulos dele
recebidos.
Ao mesmo tempo, não há razão para pensar que a hipótese
monista será sempre falsa. Pode ser que, no curso da evolução,
tipos diferentes de organismos se desenvolvam sendo em maior
ou menor extensão monistas, ou dualistas, em seu mecanismo
genético. Deste modo podemos talvez explicar pelo menos alguns
dos distúrbios de mudanças evolucionárias aparentemente diri
gidas a um alvo — enquanto outras mudanças que são menos
dirigidas a um alvo podem ser explicadas admitindo-se que nos
defrontamos com o desenvolvimento de estruturas geneticamente
monistas.
Esta é talvez a hora de confessar que fui levado a minha
conjectura de dualismo genético por ter ficado intrigado com
um caso que constitui uma refutação prima fade de minha con
jectura — e por tentar tornar clara a mim mesmo a razão de
ser esse caso tão enigmático. Foi o caso da mutação de quatro
asas (tetraptera) da drosófila, a famosa mosca de duas asas das
frutas. O que mais me intrigava era isto: por que a mutação
para quatro asas não a destruía? Como poderia ter a perícia de
usar suas quatro asas? Talvez este caso efetivamente refute
minha conjectura. Mas parece mais provável.que não o faça.
(Talvez a estrutura de asas do inseto seja autoreguladora de
modo amplo, ou seja uma parte monista de um animal essencial
mente dualista; ou talvez a mutação seja um atavismo — como
de fato se supõe que seja — e a estrutura de perícia, embora não
a estrutura de alvo, pertencente ao uso das quatro asas haja
sobrevivido atavisticamente à mudança mais antiga e prova
velmente gradativa de quatro asas para duas.) Fora de preo
cupar-me com este caso, fui levado principalmente por consi
derações da evolução do homem, da linguagem humana e da
árvore do conhecimento humano.
255
Concluamos, com apenas um ponto forte a favor do dua
lismo genético: estudiosos do comportamento animal têm mos
trado a existência de comportamento complexo inato, compor
tamento que envolve o uso bem perito, altamente especializado
e altamente coordenado de muitos órgãos. Parece-me difícil,
se não impossível, crer que este comportamento seja mera
mente outro aspecto da estrutura anatômica dos muitos órgãos
que tomam parte nele.
Apesar deste e de outros argumentos contra a hipótese
monista, não penso que minha hipótese dualista possa ser tes
tada muito facilmente. Contudo, não penso que não seja tes-
tável. Antes, contudo, que possíveis testes possam ser seriamente
discutidos, a hipótese terá de ser examinada criticamente do
ponto de vista de ser coerente; de ser, se verdadeira, soluciona-
dora dos problemas para cuja solução surgiu; e de poder ser
melhorada, por simplificação e aguçamento. Por enquanto, só a
ofereço como uma possível linha de pensamento .
O ESPERANÇOSO MONSTRO
COMPORTAMENTAL
257
A explicação ortodoxa é que imensos períodos de tempo
permitem que se acumulem pequenas variações e que a sepa
ração geográfica, especialmente, muitas vezes evita o restabe
lecimento de uma população média. Goldschmidt achou insufi
cientes estas idéias; e, sem romper com a idéia da seleção na
tural, rompeu com a idéia de que cada mudança evolucionária
tem de ser explicável em termos de um número muito grande
de variações muito pequenas. Admitiu que de tempos em tempos
ocorrem grandes mutações, que são costumeiramente letais e
eliminadas, mas algumas das quais sobrevivem; assim explicou
tanto as diferenças genuínas como o caráter óbvio do paren
tesco entre as várias formas de vida. Descreveu as grandes mu
tações como “monstros esperançosos”. A teoria tem seu lado
atrativo: monstros correm de tempos em tempos. Mas há
grandes dificuldades. Costumeiramente, tais mutações seriam
letais (um organismo é demasiado finamente equilibrado para
poder suportar súbitas e grandes mudanças acidentais), e,
quando não são letais, a probabilidade de uma reversão à forma
original é muito grande.
Sempre estive muito interessado pelas teorias de Golds-
chmidt(2) e para seus “monstros esperançosos” chamei a aten
ção de I. Lakatos, que a eles se referiu em seu ensaio “Proofs
and Refutations”.(8)
Mas foi só há poucos dias, quando lia um novo livro crí
tico, Darwin Retried, por Norman Macbeth,(4) que me ocorreu
que poderia ter tempo de reviver os “monstros esperançosos” de
Goldschmidt sob nova forma.
O próprio Goldschmidt pensou principalmente, se não
talvez exclusivamente, em monstros anatômicos — organismos
com diferenças de seus pais, de um tipo estrutural, não despre
zíveis ou mesmo drásticas. Sugiro que comecemos com monstros
comportamentais ou etológicos: organismos cujas diferenças de
seus pais consistem primariamente em seu comportamento
desviado .
Sem dúvida, esse comportamento tem sua base genética.
Mas a base genética parece permitir certa amplitude à resposta
comportamental, dependendo talvez de nada mais do que o
momentâneo estado fisiológico em que o organismo reage a seu
estímulo ambiental, ou talvez de uma combinação insólita de
estírriulos, ou talvez de uma variante genética na disposição para
comportar-se. Em todos esses casos, pode aparecer e aparece um
comportamesto novo e monstruoso, sem qualquer novidade ana
tômica observável. A novidade pode ser sua base material em
alguma mudança restrita a uma parte especial do sistema ner
voso, mas esta mudança pode ser o resultado de um ferimento
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t
259
no qual a monstruosidade comportamental — isto é, a variabi
lidade mais a possível ortogênese — pode ajudar a sobrevivência.
Deste modo, o papel (muitas vezes) vanguardeiro desem
penhado pelas mudanças (mudanças genéticas, ou mesmo ge
neticamente indeterminadas) da estrutura de alvo e, na se
gunda linha, por mudanças na estrutura de perícia, sobre mu
danças geneticamente baseadas de estrutura anatômica, poderia
ser explicado. No principal, a estrutura anatômica só pode mudar
lentamente. Mas suas mudanças, por esta própria razão, perma
necerão insignificantes se não forem guiadas pelas mudanças na
estrutura de alvo e na estrutura de perícia. Assim, a evolução
de um aparelho genético, estabelecendo uma primazia da estru
tura de alvo e da estrutura de perícia sobre a estrutura ana
tômica, poderia, em princípio, ser explicada em linhas dar-
winianas.
Ver-se-á que esta teoria darwiniana de esperançosos mons
tros comportamentais “simula” não só o lamarckismo, como
também o vitalismo bergsoniano.
(Escrito em 1971.)
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*
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vidade humana. Como ferramentas, eles são órgãos que en
volvem fora de nossa pele. São artefatos exossomáticos. Assim
podemos contar entre esses produtos característicos, especial
mente, o que é chamado “conhecimento humano” ; e aqui to
mamos a palavra “conhecimento” no sentido objetivo ou im
pessoal, em que se pode dizer que ele está contido num livro, ou
armazenado numa biblioteca, ou ensinando numa universidade.
Quando me referir ao conhecimento humano, terei em
mente, em regra, este sentido objetivo da palavra “conheci
mento”. Isto nos permite pensar no conhecimento produzido
pelos homens como análogo ao mel produzido pelas abelhas: o
mel é feito pòr abelhas, armazenado por abelhas e consumido
por abelhas; e a abelha individual que consome o mel não
consumirá, em geral, apenas a parte que ela própria produzu:
o mel é também consumido pelos zangões que não produziram
absolutamente nenhum (para não mencionar o tesouro de mel
armazenado que as abelhas podem perder para ursos ou api-
cultores). É também interessante notar que, a fim de conservar
sua capacidade de produzir mais mel, cada abelha obreira tem
de consumir mel, algum dele produzido por outras abelhas.
Tudo isto vale, de modo geral, com leves diferenças, para as
plantas produtoras de oxigênio e para os homens produtores de
teorias: também nós somos não só produtores mas consumi
dores de teorias; e temos de consumir teorias de outras pessoas,
e às vezes talvez as nossas próprias, se quisermos continuar
produzindo.
“Consumir”, aqui, significa antes de tudo “digerir”, como
no caso das abelhas. Mas significa mais: nosso consumo de
teorias, sejam produzidas por outras pessoas ou por nós mesmos,
significa também criticá-las, mudá-las e muitas vezes mesmo
demolí-las, a fim de substituí-las por outras melhores.
Todas estas são operações necessárias ao crescimento de
nosso conhecimento; e de novo quero dizer aqui, sem dúvida,
conhecimento no sentido objetivo.
Sugiro que presentemente parece ser este crescimento do
conhecimento humano, o crescimento de nossas teorias, que
transforma a história humana num capítulo tão radicalmente
novo da história do universo, e também da história da vida na
Terra.
Todas essas três histórias — a história do universo, a his
tória da vida na Terra e a história do homem e do crescimento
de seu conhecimento — são, naturalmente, em si mesmas,
capítulos de nosso conhecimento. Conseqüentemente, o último
desses capítulos — isto é, a história do conhecimento — consis
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pontos de vista diferentes. O ponto decisivo é, sem dúvida,
sempre este: quão bem nossa teoria resolve seus problemas,
isto é, Pi?
De qualquer modo, uma das coisas que desejamos realizar
é aprender algo novo. De acordo com o nosso esquema, a
progressividade é uma das coisas que exigimos de uma boa
teoria experimental: é só produzida pela discussão crítica da
teoria: a teoria é progressiva se nossa discussão mostrar que
ela realmente fez uma diferença no problema que queremos re
solver; isto é, se os problemas acabados de emergir são dife
rentes dos antigos.
Se os problemas recém-emergentes forem diferentes, então
podemos esperar aprender muitíssimas coisas novas quando pas
sarmos a resolvê-los por sua vez.
Assim, meu esquema quádruplo pode ser usado para des
crever a emersão de novos problemas e, consequentemente, a
emersão de novas soluções — isto é, novas teorias; e quero
mesmo apresentá-lo como uma tentativa de dar sentido à idéia
admitidamente vaga de emersão — como uma tentativa para
falar da emersão de maneira racional. Gostaria de mencionar
que ele pode ser aplicado não só à emersão de novos problemas
científicos e, conseqüentemente, de novas teorias científicas,
mas também à emersão de novas formas de comportamento, e
mesmo de novas formas de organismos vivos.
Deixai-me dar um exemplo. Pj pode ser, digamos, certo
problema referente à sobrevivência de uma espécie, tal como o
problema da reprodução, de produzir descendentes. De acordo
com Darwin, esse problema de sobrevivência encontrou boa so
lução se a espécie sobreviver; qualquer outra solução experi
mental será eliminada pelo desaparecimento tanto da solução
quanto da espécie.
De acordo com o meu esquema, a eliminação de erro ten
tada — isto é, a luta pela sobrevivência — exporá a fraqueza
inerente de cada uma das soluções propostas sob a forma de
um novo problema. Por exemplo, o novo problema pode ser o
de que os organismos-pais e sua prole estejam ameaçando sufo
car-se mutuamente. Este novo problema pode, por vezes, ser
resolvido; por exemplo, os organismos podem desenvolver um
método de espalhar ou disseminar sua prole; ou então o novo
problema pode ser resolvido pelo estabelecimento de uma eco
nomia comum, compreendendo diversos organismos. Talvez a
transição de organismos unicelulares para multicelulares tenha
procedido deste modo.
Seja como for, meu esquema mostra que pode haver mais
do que a alternativa de Darwin, “sobreviver ou perecer”, ine
rente ao processo de eliminação de erro: a eliminação de erro
pode revelar novos problemas emergentes, especificamente rela
cionados com o problema antigo e com a solução experimental.
No que se segue usarei meu esquema, às vezes só implici
tamente: e referir-me-ei à emersão, admitindo que meu esquema
torne esta idéia suficientemente respeitável dentro do que es
pero seja uma discussão racional. Proponho lidar com alguns
aspectos do crescimento do conhecimento sob quatro títulos:
1 — Realismo e Pluralismo: Redução versus Emersão.
2 — Pluralismo de Emersão na História.
3 — Realismo e Subjetivismo em Física.
4 — Realismo em Lógica.
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reduzido (neste caso, a química) e aprendemos muita coisa a
respeito da força das teorias redutoras (neste caso, a física).
É concebível, embora ainda não certo, que a redução da
química à física será completamente bem sucedida. É também
concebível, embora menos provável, que possamos um dia ter
boas reduções da biologia, incluindo a fisiologia, à física, e da
psicologia à fisiologia e, assim, à física.
Chamo má redução, ou redução ad hoc, ao método de
redução por expedientes meramente lingüísticos; por exemplo,
o método do fisicismo, que sugere que postulemos ad hoc a
existência de estados fisiológicos para explicar um comporta
mento que explicamos previamente postulando (embora não pos
tulando ad hoc) estados mentais. Ou, em outras palavras, pelo
experiente lingüístico de dizer que eu relato um estado fisioló
gico meu quando relato que agora sinto que compreendo a
equação de Schrõdinger.
Este segundo tipo de redução, ou o uso da navalha de
Ockham, é mau, porque nos impede de ver o problema. Na
terminologia pitoresca assim como contundente de Imre La-
katos, é um caso desastroso de um "desvio de problema degene-
rador”; e pode impedir uma boa redução, ou o estudo da
emersão, ou ambas as coisas.
A fim de evitar este método desastroso, devemos, em cada
caso, tentar aprender o máximo possível acerca do campo que
esperamos reduzir. Pode ser que o campo resista à redução; e
em certos casos podemos ter mesmo argumentos para mostrar
por que o campo não pode ser reduzido. Nesse caso, podemos
ter um exemplo de emersão genuína.
Talvez possa terminar meus comentários sobre o desvio
de problema degenerador do behaviorismo (especialmente o
behaviorismo lingüístico) com a observação que se segue.
Os behavioristas e os materialistas são anti-idealistas: e
são, certamente, opositores do “esse = percipi” de Berkeley, ou
ser = ser observável.
De acordo com eles, “ser” é “ser material”, “comportar-se
como um corpo no espaço e no tempo”. Não obstante, pode-se
dizer que aderem, inconscientemente, à equação de Berkeley,
embora a coloquem numa forma verbal levemente diferente:
ser = ser observado
ou talvez
ser = ser percebido.
De fato, dizem que só existem aquelas coisas que podem
ser observadas. Não se dão conta de que todas as observações
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»
271
mento — de nossas teorias a respeito do mundo — e, sem dú
vida* das repercussões desses produtos, que são de nossa própria
fabricação, sobre nós mesmos e nossàs produções ulteriores.
É óbvio que se pode adotar uma atitude fisicista ou mate
rialista para com esses nossos produtos teóricos; e poder-se-ía
suspeitar que minha ênfase sobre o sentido objetivo do conhe
cimento — minha ênfase sobre teorias como as contidas em
livros reunidos em bibliotecas e como as ensinadas em univer
sidades — indica que simpatizo com a interpretação fisicista
ou materialista das teorias; refiro-me à uma interpretação que
vê a linguagem como consistindo de objetos físicos — ruídos,
ou letras impressas — e que nos vê- como condicionados, ou
disposicionados, a reagir a esses ruídos ou letras com certos
tipos característicos de comportamento físico.
Nada, 'porém,-está- mais longe dé minha intenção do qüe
encorajar reduções ad hoc deste tipo. Admitidamente, se for
çado a escolher entre qualquer visão subjetivista ou personalista
do comportamento humano e a visão materialista ou fisicista
que acabei de tentar esboçar, eu escolhería esta última; mas
esta, enfaticamente, não é a alternativa. < : ,
A história das idéias nos ensina muito claramente que as
idéias emergem em contextos lógicos ou, se se preferir o termo,
dialéticos.(3) Meus vários esquemas, tais como
Pi -> TT •** EE -* P»
podem realmente ser encarados como aperfeiçoamentos e racio
nalização do esquema dialético hegeliano: são racionalizações,
porque operam inteiramente dentro da clássica sistematização
lógica da crítica racional, que se baseia na chamada lei da con
tradição; isto é, na.exigência de que as contradições, sempre que
as descobrirmos, devam ser eliminadas. A eliminação de erro
crítica, no meio científico, procede por meio de uma busca
consciente de contradições.
Assim a história, e especialmente a história das idéias, nos
ensina que, se quisermos compreender a história, devemos com
preender as idéias e suas relações lógicas (ou dialéticas) ob
jetivas.
Não creio que quem quer que já tenha penetrado seria
mente em qualquer capítulo da história das idéias pense que uma
redução dessas idéias possa alguma vez ser bem sucedidas. Mas
tomo aqui, como minha tarefa, não tanto argumentar contra a
possibilidade de qualquer redução, quanto argumentar em prol
do reconhecimento de entidades emergentes e da neóessidade de
reconhecer e descrever tais entia emergentes antes que se possa
pensar seriamente a respeito de süa possível eliminação por
meio de redução.
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*
271
primeiro pode permanecer em relações causais, o último per
manece em relações lógicas.
O fato de serem incompatíveis certas teorias é um fato
lógico e vale com inteira independência de que alguém haja ou
não notado ou compreendido essa incompatibilidade. Tais re
lações puramente lógicas são características das entidades que
tenho denominado teorias, ou conhecimento, no sentido ob
jetivo.
Isto pode também ser visto pelo fato de que a pessoa que
produz uma teoria pode muitíssimas vezes não a compreender.
Assim, poder-se-ia argumentar, sem paradoxo, que Erwin Schrõ-
dinger não compreendeu inteiramente a equação de Schrõdinger;
de qualquer modo, não até que Max Born lhe deu sua interpre
tação estatística; ou que a lei da área de Kepler não foi ade
quadamente compreendida por Kepler, que parece não ter gos
tado dela.
De fato, compreender uma teoria é algo como uma tarefa
infinita, de modo que bem podemos dizer que uma teoria nunca
é plenaménte compreendida, ainda que algumas pessoas possam
compreender algumas teorias muito bem. Compreender uma
teoria, de fato, tem muito em comum com compreender uma
personalidade humana. Podemos compreender bastante bem o
sistema de disposições de um homem; isto é, podemos ser ca
pazes de predizer como ele agiría em certo número de situa
ções diferentes. Mas visto haver infinitamente muitas situações
possíveis, de variedade infinita, não parece ser possível
uma compreensão plena das disposições de um homem. O
mesmo se dá com as teorias: uma compreensão plena de uma
teoria significaria compreender todas as suas consequências ló
gicas. Mas estas são infinitas, num sentido não trivial: há infi
nitamente muitas situações de variedade infinita às quais a teoria
podería ser aplicável; isto é, às quais algumas de suas conse-
qüências lógicas poderíam relacionar-se; e muitas dessas situa
ções nunca foram pensadas; sua possibilidade pode ainda não
ter sido descoberta. Mas isto significa que ninguém, nem seu
criador nem quem quer que haja tentado apreendê-la, pode ter
uma compreensão plena de todas as possibilidades inerentes a
uma teoria; o que mostra de novo que a teoria, em seu sentido
lógico, é algo objetivo e algo que existe objetivamente — um
objeto que podemos estudar, algo que tentamos apreender.
Dizer que as teorias ou idéias são produtos nossos e. contudo,
não são plenamente compreendidas por nós não é mais para
doxal do que dizer que nossos filhos são produtos nossos e.
contudo, não são plenamente compreendidos por nós ou que
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4 — Realismo em Lógica
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ê
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h
IDÉIAS
isto é
DESIGNAÇÕES ou TERMOS SENTENÇAS ou PROPOSI-
ou CONCEITOS ÇÕES ou TEORIAS
podem ser formuladas em
PALAVRAS ASSERÇÕES
que podem ser
SIGNIFICATIVAS VERDADEIRAS
e sua
SIGNIFICAÇÃO VERDADE
pode ser reduzida por meio de
DEFINIÇÕES DERIVAÇÕES
a
CONCEITOS INDEFINIDOS PROPOSIÇÕES
PRIMITIVAS
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«
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tico, um fato do mundo real) sob condições que são precisa
mente expostas.
Podemos naturalmente substituir a linguagem objeto alemã
por qualquer outra — inclusive o inglês. Assim, podemos fazer
a asserção metalingüística:
A sentença inglesa “Grass is green" corresponde aos jatos
se, e apenas se, a relva é verde.
290
«
291
teoria séria da verdade deveria apresentar-nos um método de
decidir se uma dada sentença é ou não verdadeira.
Tarski tem provado muitas coisas com sua definição da
verdade. Entre outras coisas, provou que, numa linguagem sufi
cientemente forte (e em toda linguagem em que possamos for
mular teorias matemáticas ou físicas) não pode haver critério
de verdade; isto é, nenhum critério de correspondência: a ques
tão de ser verdadeira uma proposição não é, em geral, decisível
para as linguagens para as quais podemos formar o conceito de
verdade. Assim, o conceito de verdade desempenha principal
mente o papel de uma idéia reguladora. Ajuda-nos em nossa
procura da verdade sabermos que há algo como a verdade ou
a correspondência. Não nos dá meios de encontrar a verdade,
ou de estar seguros de que a encontramos, mesmo que a tenha
mos encontrado. Assim, não há critério de verdade e não de
vemos pedir um critério de verdade. Devemos contentar-nos
com o fato de que a idéia da verdade como correspondência com
os fatos foi reabilitada. Isto foi feito por Tarski; e penso que
ele, com isto, prestou imenso serviço ao ponto de vista realista.
Embora não tenhamos critério de verdade, nem meios de
estar sequer inteiramente seguros da falsidade de uma teoria, é
mais fácil descobrir que uma teoria é falsa do que descobrir que
é verdadeira (como expliquei detalhadamente em outra parte).
Temos mesmo boas razões para pensar que, na maior parte,
nossas teorias — mesmo nossas melhores teorias — são, estri
tamente falando, falsas; pois supersimplificam ou idealizam os
fatos. Contudo, uma conjectura falsa pode estar mais perto ou
menos perto da verdade. Chegamos assim à idéia da proximi
dade da verdade, ou de uma aproximação melhor ou pior da
verdade; isto é, à idéia da verossimilitude. Tenho tentado mos
trar que esta idéia pode ser reabilitada de modo similar à rea
bilitação, por Tarski, da idéia da verdade como correspondên
cia com os fatos. (13)
A fim de fazê-lo, usei principalmente as duas idéias tarskia-
nas aqui mencionadas. Uma é a idéia da verdade. A outra é a
idéia da conseqüência lógica; ou, mais precisamente, do con
junto de conseqüências lógicas de uma conjectura, ou o con
teúdo de uma conjectura.
Incorporando na lógica a idéia da verossimilitude ou apro
ximação da verdade, tornamos a lógica até mesmo mais “rea
lista”. Pois ela pode ser agora usada para falar a respeito do
modo pelo qual uma teoria corresponde aos fatos melhor do
que outra — aos fatos do mundo real.
Sumarizando: como realista, encaro a lógica como a sis-
tematização da crítica (e não da prova) em nossa procura de
292
I
293
9 — COMENTÁRIOS FILOSÓFICOS
SOBRE A TEORIA DA VERDADE,
DE TARSKI
I
Nossa principal preocupação em ciência e em filosofia é,
ou deveria ser, a procura da verdade, por meio de conjecturas
ousadas e pela busca crítica do que é falso em nossas várias
teorias concorrentes.!1)
Era esta a minha opinião há trinta e sete anos, em junho
de 1934, quando encontrei pela primeira vez Alfred Tarski,
numa conferência em Praga, organizada pelo Círculo de Viena.
Devo acentuar, contudo, que naqueles dias, antes de ter apren
dido de Tarski a respeito de sua teoria da verdade, minha
consciência intelectual achava-se longe de estar clara a. respeito
da admissão de que nossa preocupação principal era a búsca
da verdade. Em meu livro Logik der Forschung (1934), cujas
provas de página tinha comigo em Praga e mostrei a Tarski
(mas duvido de que ele estivesse interessado), eu havia es
crito: “a luta pelo conhecimento e a procura da verdade s ã o .. .
os motivos mais fortes da descoberta científiça”'.(2) Mas eu
estava inquieto a respeito da noção de verdade; e há uma secção
inteira naquele livro em que tentei defender a noção da verdade
como de senso comum e inofensiva, dizendo que, se quiséssemos,
poderiamos evitar seu uso na metodologia da ciência, falando
de dedutibilidade e semelhantes relações lógicas, em substi
tuição.!3)
A razão de minha inquietação com referência à noção de
verdade era, sem dúvida, ter sido essa noção, por algum tempo,
atacada por alguns filósofos, e com bons argumentos. Não era
tanto a antinomia do mentiroso que me assustava, mas a difi
culdade de explicar a teoria da correspondência: que poderia
ser a correspondência de uma asserção com os fatos? Além
disso, havia uma opinião que, embora decididamente eu nunca
a houvesse sustentado, me sentia incapaz de combater efetiva
mente. A opinião a que estou aludindo é a de que, se quiser
294
*
295
mas inteiramente enganosa, atribuindo-me a opinião de que “a
própria verdade é somente uma ilusão”. No volume 2 da mesma
Enciclopédia é-nos dito que está implícito nos últimos escritos
de Wittgenstein “que um conceito é vazio se não houver cri
tério para sua aplicação”. (6)
O termo “positivismo” tem muitos significados, mas esta
tese (wittgensteiniana) de que “um conceito é vazio se não
houver critério para sua aplicação” parece-me expressar o pró
prio âmago das tendências positivistas. (A idéia é muito pró
xima de Hume.) Se esta interpretação do positivismo é aceita,
então o positivismo é refutado pelo desenvolvimento moderno
da lógica, e especialmente pela teoria da verdade, de Tarski,
que contém o teorema: para linguagem suficientemente ricas,
não pode haver critério geral de verdade.
Este teorema é, sem dúvida, do maior interesse se nos lem
brarmos do clássico conflito entre os estóicos (e mais tarde os
cartesianos) de um lado e os céticos do outro. Aqui temos um
dos raros exemplos em que um conflito filosófico clássico pode
ser considerado resolvido por um teorema pertencente à lógica
ou à metalógica. Mas não se pode dizer que o exemplo seja vas
tamente conhecido ou apreciado entre os filósofos.
Contudo, não é minha intenção, aqui, entrar numa polê
mica com aqueles filósofos que negam que a teoria de Tarski
sobre a verdade tenha uma significação filosófica. Em vez disso,
quero recordar minha intensa alegria e alívio quando aprendi,
em 1935, que o que se segue eram conseqüências da teoria
tarskiana da verdade:
( 1 ) que este conceito era definível em termos lógicos que
ninguém havia questionado e, portanto, era' logicamente legí
timo;
(2 ) que ele era aplicável a qualquer asserção (de qualquer
linguagem não-universalista) formulada (fechada) não ambi
guamente, contanto que não fosse aplicável à sua negação e por
tanto obviamente não fosse vazio, apesar do fato de que
( 3) não estivesse ligado a qualquer critério geral, embora
cada sentença derivável de uma sentença verdadeira ou de uma
teoria verdadeira fosse, demonstravelmente, verdadeira;
(4) que a classe de sentenças verdadeiras fosse um sis
tema dedutivo e
(5) que fosse um sistema dedutivo índecisível, desde que
a linguagem em consideração fosse bastante rica. (Em conexão
com este resultado, Tarski referiu-se a Gõdel.)
296
0
II
Se a verdade, como sugere a teoria de Tarski, é a corres
pondência com os fatos, então, por um momento, abandonemos
por completo a palavra “verdade” e, em vez dela, falemos so
mente da “correspondência das asserções com os fatos que
descrevem”.
Foi, penso, a impossibilidade aparente de descobrir ou ex
plicar esta correspondência o que tornou tão suspeitas todas as
teorias de correspondência da verdade pre-tarskianas; suspei
tas mesmo para pessoas como eu, que davam valor à teoria da
correspondência simplesmente por causa de seu caráter realista
e de senso comum. (10)
Sejamos agora ousados e levemos a sério haver asserções
que correspondem aos fatos. Qualquer teoria que lide com esta
situação deve ser capaz de falar ( 1 ) das asserções de alguma
linguagem, que chamamos a linguagem sob observação ou a
linguagem objeto, (11) e (2 ) de fatos e de pretendidos fatos.
(1) A fim de falar de asserções, devemos ter a nosso dispor
nomes de asserções, por exemplo, nomes de citação ou nomes
descritivos de asserção. Isto significa que qualquer teoria de
correspondência deve ser formulada em metalinguagem; isto é,
uma linguagem em que se possa discutir, ou falar sobre, as
expressões de uma linguagem-objeto sob investigação.
298
t
m
Há uma alegação de Tarski, no segundo parágrafo de seu
famoso ensaio sobre a verdade, ( 13) segundo a qual, ao definir
a verdade, ele não necessita de empregar quaisquer conceitos
que sejam semânticos (isto é, que relacionem expressões lin-
güísticas com as coisas expressas). Mas, visto como ele define
a “verdade” Com a ajuda do conceito de satisfação, e este últi
mo conceito é claramente semântico (é assim arrolado pelo pró
prio Tarski no primeiro parágrafo de seu ensaio XV, p. 401 de
Logic, Semantics, Metamathemathics), mesmo um leitor cuida
doso pode ter desculpa se ficar um pouco perplexo. A solução
do enigma pode ser exposta assim: Cada linguagem suficiente
mente rica, ao falar a respeito de algum assunto, pode (de
acordo com resultados encontrados independentemente por
300
i
301
sem a teoria de Tarski, que propicia uma metalinguagem semân
tica livre de quaisquer termos especificamente semânticos, a sus
peita do filósofo quanto aos termos semânticos poderá não ser
sobrepujada.
IV
Como antes foi mencionado, sou um realista. Admito que
um idealismo tal como o de Kant pode ser defendido até onde
diz que todas as nossas teorias são de fabricação humana e que
tentamos impô-las ao mundo da Natureza. Sou,, porém, um
realista ao sustentar que a questão de serem nossas teorias de
fabricação humana verdadeiras ou não depende dos fatos reais;
fatos estes que, com pouquíssimas exceções, enfaticamente não
são de feitura humana. Nossas teorias de fabricação humana
podem colidir com aqueles fatos reais e assim, em nossa procura
da verdade, podemos ter de ajustar nossas teorias ou desistir
delas.
A teoria de Tarski permite-nos definir a verdade como cor
respondência com os fatos; mas podemos usá-la também para
definir a realidade como aquilo a que correspondem asserções
verdadeiras. Por exemplo, podemos distinguir fatos reais, isto é,
fatos (alegados) que são reais, de fatos (alegados) que não são
reais (isto é, de não-fatos). Ou, para dizê-lo mais explicita
mente, podemos dizer que um fato alegado, tal como o de que a
lua consiste de queijo verde, é um fato" real se, e apenas se, a
asserção que o descreve — neste caso, a asserção “A lua é feita
de queijo verde” — é verdadeira; de outro modo, o fato ale
gado não é um fato real (ou, se preferirdes dizer assim, não é
em absoluto um fato).
E tal como Tarski nos permite substituir o termo “ver
dade” por “o conjunto de asserções (ou sentenças) verdadeiras”,
assim podemos substituir o termo “realidade” por “o conjunto
de fatos reais”.
Sugiro, pois, que, se podemos definir o conceito de ver
dade, também podemos definir o conceito de realidade. (Sem
dúvida, surgem problemas de ordem análogos aos problemas da
ordem de linguagens na obra de Tarski; ver especialmente seus
Pós-escrito, pgs. 268-77 de Logic, Semantics, Metamathema-
tics.) Isto não pretende sugerir que o termo “verdade”, nalgum
sentido ou noutro, seja mais básico do que o termo “realidade” ;
estou ansioso por rejeitar qualquer sugestão dessas, em vista
de seu sabor idealista. ( 16) Simplesmente quero dizer que, se é
possível definir a “verdade” como “correspondência com os
fatos”, ou, o que dá no mesmo, como “correspondência com a
realidade”, então é igualmente possível definir a “realidade”
302
í
V
Entre aquelas teorias mais antigas de Tarski que são acces-
síveis a um filósofo sem complexidades como eu mesmo está
o seu Cálculo de Sistemas. Estava eu em Paris em 1935 quando,
se bem me lembro, Tarski completou seu ensaio sobre o Cálculo
de Sistemas.(1T) Tomei por ele o maior interesse.
Tenho tentado combinar alguns dos resultados mais óbvios
do ensaio de Tarski sobre a Verdade com seu ensaio sobre o
Cálculo de Sistemas. Simultaneamente obtivemos os seguintes
teoremas, muito triviais, em que se admite que as linguagens
faladas não são universalistas.
Teorema. O conjunto T de asserções verdadeiras de qual
quer linguagem é um sistema dedutivo no sentido do Cálculo
de Sistemas de Tarski. É completo.( 18)
Como sistema dedutivo, T é uma classe de conseqüência;
isto é, é idêntico à classe Cn(T) de suas próprias conseqüências
lógicas (T=Cn(T)). É um sistema completo no sentido de que,
'se uma asserção não pertencente a T for acrescentada a T, a
classe resultante será incoerente.
Teorema. O conjunto de asserções verdadeiras de qualquer
linguagem suficientemente rica é um sistema dedutivo não axio-
matizável no sentido do Cálculo de Sistemas de Tarski.
Estes dois teoremas são muito triviais e, no que se vai
seguir, admitir-se-á que as linguagens em questão são suficien
temente ricas para satisfazer ao segundo desses teoremas.
Introduzo agora um novo conceito: a noção do conteúdo
de verdade de uma asserção a.
Definição. O conjunto de todas as asserções verdadeiras
decorrentes de qualquer dada asserção a chama-se conteúdo de
verdade de a. É um sistema dedutivo.
Teorema. O conteúdo de verdade de qualquer asserção
verdadeira a é um sistema axiomatizável A T = A ; o conteúdo
de verdade de qualquer asserção falsa a é o sistema dedutivo
A a A, onde A é não-axiomatizável, contanto que a lin-
guagem-objeto em questão seja bastante rica.
Esta defiinção e este teorema podem ser generalizados: o
cálculo de sistemas dedutivos de Tarski pode ser encarado como
uma generalização do cálculo de asserções, desde que a cada
asserção (ou classe de asserções logicamente equivalentes) a,
303
corresponda a um sistema (finitamente) axiomatizável A, tal
que
A = Cn(A) = Cn( (a) );
304
ê
VI
Tarski fala de sistemas dedutivos ou classes de consequên
cias maiores e menores. De fato, o conjunto de sistemas dedu
tivos (de alguma dada linguagem) é parcialmente ordenado
pela relação de inclusão, que coincide com a relação de deduti-
bilidade. A observação seguinte, feita por Tarski em seu ensaio
sobre o Cálculo de Sistemas, pode ser usada como uma chave
para a relativização de uma classe de conseqüência, ou con
teúdo, ou sistema dedutivo: entre os sistemas dedutivos
existe um mínimo, isto é, um sistema que é um subsistema de
todos os outros sistemas dedutivos. É o sistema CnfO), o con
junto de consequências do conjunto vazio. Este sistema, que
aqui, por brevidade, denotaremos por “L ”, pode ser interpre
tado como o conjunto de todas as sentenças válidas logicamente
(ou, mais geralmente, como o conjunto de todas aquelas sen
tenças que desde o início reconhecemos como verdadeiras
quando empreendemos a construção da teoria dedutiva que é o
objeto de nossa. . . investigação).” !1®)
Isto sugere que podemos usar outro sistema que não o sis
tema zero L como “o conjunto de todas aquelas sentenças que
desde o início reconhecemos como verdadeiras quando empreen
demos a construção. .. ”. Denotemos, como antes, pela variável
“A” o sistema dedutivo em cujo conteúdo estamos interessados,
e pela variável “B” “o conjunto de todas aquelas asserções que
desde o início reconhecemos como verdadeiras”. Então podemos
escrever
Cn(A, B)
305
Confinando-nos ao modo relativo de escrever, temos então
para o conteúdo de verdade
A = A t L = Cn((A. T) + L) — Cn(L)
e para o conteúdo de falsidade
A p = A, A t = Cn(A + A r) — Cn(Ar) = Cn(A) — Cn(AT)
que por sua vez toma o conteúdo de falsidade A p um con
teúdo relativo, cuja extensão coincide (como originariamente
sugerido) com a classe de todas as asserções falsas de A.
VII
Contra a definição proposta do conteúdo de falsidade A
F
como o conteúdo relativo A, A ^ pode ser erguida a objeção
seguinte. Esta definição é apoiada intuitivamente por uma ci
tação de Tarski na qual Tarski toma L como sendo o sistema
dedutivo mínimo, ou zero. Mas em nossa definição.
A = A, L = Cn(A + L) — Cn(L)
estamos tomando o termo zero demasiado literalmente: vemos
agora que L deveria ser tomado como um conjunto de medida
zero e não como um conjunto que, em vista de nossa expressão
"—Cn(L)” é literalmente vazio ou então não mais presente, de
acordo com a nossa definição, pois foi subtraido (de modo que
somente foram deixadas as asserções não-lógicas de A, o que
não era pretendido).
Quer levemos esta objeção a sério ou não, ela desaparece
em qualquer caso se decidirmos operar como uma medida de
conteúdo, ct(A) ou ct(A, B), em lugar do próprio conteúdo ou
classe de conseqüência Cn(A) ou Cn(A, B).
Em 1934, Tarski havia chamado a atenção da conferência
de Praga para uma axiomatização do cálculo da probabilidade
relativa de um sistema dedutivo A, dado um sistema dedutivo B,
devida a Stephan Mazurkiewicz,(20) que se baseava no Cálculo
de Sistemas de Tarski. Tal axiomatização pode ser considerada
como introduzindo uma função de medida dos sistemas dedu
tivos ou conteúdos A , B, C ,. . ainda que esta função parti
cular, a função de probabilidade p(A, B), aumente com o de-
306
»
307
verdade cada vez maior. A verossimilitude neste sentido, sugiro,
é um alvo mais adequado da ciência — especialmente das ciên
cias naturais — do que a verdade, por duas razões. A primeira,
porque não pensamos que L represente o alvo da ciência, ainda
que L = L t - A segunda, porque, podemos preferir teorias que
pensamos falsas e outras teorias, mesmo verdadeiras tais como
L, se acharmos que seu conteúdo de verdade excede suficien
temente seu conteúdo de falsidade.
Nestas últimas secções esbocei simplesmente um programa
de combinar a teoria da verdade de Tarski com o seu Cálculo de
Sistemas, de modo a obter um conceito de verossimilitude que
nos permita falar, sem receio de dizer disparates, de teorias que
são melhores ou piores aproximações da verdade. Não sugiro,
sem dúvida, que possa haver um critério para aplicabilidade
desta noção, assim como nenhum há para a noção da verdade.
Mas alguns de nós (por exemplo, o próprio Einstein) às vezes
gostam de dizer coisas tais como que temos razão em conjec-
turar que a teoria da gravidade de Einstein não é verdadeira,
mas é uma aproximação melhor da verdade do que a de Newton.
Ser capaz de dizer tais coisas com boa consciência parece-me
um desiderato importante da metodologia das ciências naturais.
308
ADENDO ao Capítulo 9
Definição 22a
Uma seqüência finita de coisas f é adequada à função de
asserção x (ou de extensão suficiente com respeito a x) se e
apenas se para cada número natural n,
se v„ ocorrer em x, então o número de lugares de / é pelo
menos igual a n (isto é, Np(f) ^ n).
310
Definição 22b (®)
A seqüência f satisfaz a função de asserção r se e apenas
se / for uma seqüência finita de coisas e x for uma função de
asserção e
(1) / for adequada a x,
(2) x atender a uma das quatro condições seguintes:
(a) Existam números naturais i e k tais que x = e
fi c: /*.
(/?) Exista uma função de asserção y tal que x = y, e
f não satisfaça y.
(y) Existam duas funções de asserção y e z tais que
x = y + z e / satisfaça y ou z, ou ambas.
(8) Existam um número natural k e uma função de asser
ção y tais que
(a) x = P^y,
(b) cada seqüência finita g cuja extensão for igual a f sa
tisfaça y, contanto que g atenda às seguintes condições: para
cada número natural n, se n for um número de lugar de f e
n k, então gn = /„.
A Definição 23, p, 193, de Tarski pode ser agora substi
tuída por uma das seguintes duas definições equivalentes:
Definição 23 +
x é uma asserção verdadeira (isto é, x e Wr) se e apenas
se (a) x for uma asserção (xmAs) e (b) cada seqüência finita de
coisas que for adequada a x satisfaça x.
Definição 23 + +
x é uma asserção verdadeira (isto é, x e Wr) se e apenas
se (a) x for uma asserção (x e As) e (b) exista pelo menos uma
seqüência finita de coisas que satisfaça x.
Pode-se notar que a formulação de 23 + + não precisa re
ferir-se à adequação da seqüência. Pode-se notar ainda que em
23+ (que corresponde exatamente à definição de Tarski, mas
não em 23 + + , a condição (a) pode ser substituída por “x é uma
função de asserção”, realizando assim uma certa generalização
por compreender funções de asserção com variáveis livres, por
exemplo a função u)(, isto é as funções de asserção universal
mente válidas (allgemeingiUtige), “corretas em cada domínio
individual”. ( u )
3U
De modo análogo, 23 + +, se estendida às funções, leva à
noção de uma função de asserção capaz de ser satisfeita (er-
füllbare).
Concluirei dizendo que, em sua aplicação a uma teoria em
pírica (pelo menos parcialmente formalizada) e especialmente
a funções de asserção não quantificadas de uma tal teoria, a de
finição de preenchimento ou satisfação, isto é, a Definição 22b,
parece ser perfeitamente “natural” de um ponto de vista intui
tivo, principalmente devido a evitar seqüências infinitas. ( 12)
312
ê
APÊNDICE
O BALDE E O HOLOFOTE:
DUAS TEORIAS DO CONHECIMENTO
1
Começarei com uma breve exposição da concepção que
me proponho examinar e que chamarei “teoria do balde da ciên
cia” (ou “teoria do balde mental”). O ponto de partida desta
teoria é a doutrina persuasiva de que, antes de podermos conhe
cer ou dizer qualquer coisa acerca do mundo, devemos pri
meiro ter tido percepções — experiências de sentidos. Supõe-se
decorrer desta doutrina que o nosso conhecimento, a nossa ex
periência, consiste de percepções acumuladas (empirismo in
gênuo) ou então de percepções assimiladas, separadas e classi
ficadas (concepção mantida, por Bacon e, de maneira mais ra
dical, por Kant).
Os atomistas gregos tinha uma noção um tanto primi
tiva deste processo. Admitiam que átomos se desprendiam dos
objetos que percebemos e penetravam em nossos órgãos dos
sentidos, onde se tornavam percepções; e com eles, no decurso
do tempo, se montava nosso conhecimento (como um quebra-
cabeças de armar que se montasse a si mesmo). De acordo
com essa concepção,. assim, nossa mente se assemelha a uma
vasilha — uma espécie de balde — em que percepções e conhç-
cimento se acumulam. (Bacon fala de percepções como “uvas,
maduras e da estação”, que têm de ser juntadas, paciente e
diligentemente e das quais, se comprimidas, fluirá o vinho puro
do conhecimento.)
Os empíricos estritos nos aconselham a interferir o mínimo
possível com este processo de acumular conhecimento. O ver
dadeiro conhecimento é conhecimento puro, incontaminado por
313
aqueles preconceitos que somos só por demais tendentes a juntar
a nossas percepções e a mesclar com elas; somente elas consti
tuem experiência pura e simples. O resultado desses acrésci
mos, de perturbarmos e interferir com o processo de acumu
lar conhecimento, é o erro. Kant se opõe a esta teoria: nega que
as percepções sejam alguma vez puras e assevera que nossa
experiência é o resultado de um processo de assimilação e de
transformação — o produto combinado de percepções dos sen
tidos e certos ingredientes acrescentados pelas nossas mentes.
As percepções são, por assim dizer, a matéria prima que flui de
fora para dentro do balde, onde experimenta um processamento
(automático) — algo parecido com a digestão ou talvez com
uma classificação sistemática — a fim de tornar-se por fim
alguma coisa não muito diferente do “vinho puro da experiên
cia” de Bacon; digamos, talvez, um vinho fermentado.
Não penso que-qualquer dessas concepções sugira algo
como um quadro adequado do que creio ser o processo efe
tivo de adquirir experiência, ou o método efetivo usado em
pesquisa ou em descobrimento. Admitidamente, a concepção
de Kant poderia ser interpretada de modo a chegar muito mais
perto de minha própria concepção do que o empirismo puro.
Concedo, sem dúvida, que a ciência é impossível sem a experiên
cia (mas a noção de “experiência” tem de ser cuidadosamente
considerada). Embora conceda isto, sustento, não obstante, que
as percepções hão constituem nada parecido com a matéria-
prima, segundo a “teoria do balde”, com a qual construímos
“experiência” ou “ciência”.
II
Na ciência, a observação, em vez da percepção, é que de
sempenha o papel decisivo. Mas a observação é um processo
em que nós desempenhamos papel intensamente ativo. Uma ob
servação é uma percepção, mas uma percepção que é plane
jada e preparada. Não “temos” uma observação (como podemos
“ter” uma experiência de sentidos) mas “fazemos” uma obser
vação. (Um navegador “elabora” mesmo uma observação.)
Sempre uma observação é precedida por um interesse em par
ticular, uma indagação, ou um problema — em suma, por algo
teórico.(*) Afinal de contas, podemos colocar qualquer inda
gação em forma de uma hipótese ou conjectura a que acres
centamos: “É assim? Sim ou não?” Deste modo, podemos afir
mar que cada observação é precedida por um problema, uma
hipótese (ou seja o que pudermos chamá-lo); de qualquer modo,
por algo que nos interessa, por algo teórico ou especulativo.
Por isto é que as observações são sempre seletivas e pressupõem
alguma coisa como um princípio de seleção.
314
»
315
preparativo para uma reação, que se adapta (ou que antecipa)
a um estado do ambiente ainda por vir. Esta caracterização pa
rece ser mais adequada do que aquela que descreve uma ex
pectativa em termos de estados de consciência; pois só nos
tornamos conscientes de muitas de nossas expectativas quando
elas são desiludidas porque não se concretizaram. Um exemplo
seria o encontro de um degrau inesperado em nosso caminho: é
o inesperado do degrau que nos pode tornar conscientes do fato
de que esperávamos encontrar uma superfície plana. Tais desi
lusões nos forçam a corrigir nosso sistema de expectativas. O
processo de aprender consiste amplamente de tais correções; isto
é, da eliminação de certas expectativas (desiludidas).
IV
Voltemos agora ao problema da observação. Uma observa
ção sempre pressupõe a existência de algum sistema de expecta
tivas. Essas expectativas podem ser formuladas em forma de
quesitos; e a observação será usada para obter uma resposta
confirmadora, ou corretiva, para as expectativas assim for
muladas.
Minha tese de que a indagação, ou a hipótese, deve pre
ceder a observação pode, a princípio, ter parecido paradoxal;
mas podemos ver agora que não é absolutamente paradoxal
supor que expectativas — isto é, disposições para reagir —
devam preceder cada observação e, de fato, cada percepção:
pois certas disposições ou propensões para reagir são inatas em
todos os organismos, ao passo que as percepções e as obser
vações claramente não são inatas. E embora as percepções e,
mais ainda, as observações desempenhem papel importante no
processo de modificar nossas disposições ou propensões para
reagir, algumas dessas disposições ou propensões devem, sem
dúvida, estar presentes primeiro, ou então não poderíam ser
modificadas.
Estas reflexões biológicas não devem, de modo algum, ser
entendidas como implicando que eu aceite uma posição beha-
viorista. Não nego que percepções, observações e outros estados
de consciência ocorram, mas lhes atribuo um papel muito dife
rente daquele que se supõe desempenharem de acordo com a
teoria do balde. Nem devem estas reflexões biológicas ser enca
radas como formando em qualquer sentido uma admissão na
qual os meus argumentos serão baseados. Espero, porém, que
ajudem a compreender melhor esses argumentos. O mesmo se
pode dizer das reflexões que se vão seguir e que estão estreita
mente ligadas a estas biológicas.
Em cada instante de nosso desenvolvimento precientífico
ou científicos estamos vivendo no centro do que costumo chamar
316
*
317
significado; só deste modo elas alcançam a condição de obser
vações reais-
A indagação “Que vem primeiro, a hipótese (H ) ou a
observação (O )?” recorda aquela outra pergunta famosa: “Que
veio primeiro, a galinha (G) ou o ovo (O )?” Ambas as inda
gações são solúveis. A teoria do balde assevera que (assim
como uma forma primitiva de um ovo (O ), um organismo uni-
celular precede a galinha (G ), assim a observação (O) pre
cede sempre cada hipótese (H ); pois a teoria do balde consi
dera esta última como surgida de observações por generalização,
ou associação, ou classificação. Em contraste, podemos agora
dizer que a hipótese (ou teoria, ou expectativa, ou seja lá o
que se chame) precede a observação, ainda que uma obser
vação que refute certa hipótese possa estimular uma nova hipó
tese (e, portanto, uma temporariamente posterior).
Tudo isto se aplica, mais especialmente, à formação de
hipóteses científicas. Pois só com as nossas hipóteses aprende
mos que tipo de observações devemos fazer: para onde devemos
dirigir nossa atenção; onde ter um interesse. É a hipótese, assim,
que se toma nosso guia e que nos conduz a novos resultados
observacionais.
Esta é a concepção que tenho denominado “teoria do holo
fote” (em contradistinção à “teoria do balde” ). De acordo com
a teoria do holofote, as observações são secundárias às hipó
teses. As observações, porém, desempenham um papel impor
tante como testes que uma hipótese deve experimentar no curso
do exame crítico que fizermos dela. Se a hipótese não passar
no exame, se for mostrada falsa pelas nossas observações, então
temos de procurar uma nova hipótese. Neste caso, a nova
hipótese virá depois daquelas observações que levaram a decla
rar falsa ou a rejeitar a hipótese antiga. Mas o que tornou as
observações interessantes e relevantes e o que de todo deu ori
gem a que as realizássemos em primeira instância foi a hipótese
primitiva, a antiga e agora rejeitada.
Deste modo, a ciência surge claramente como uma con
tinuação direta do trabalho precientífico de conserto em nossos
horizontes de expectativas. A ciência nunca parte de um ras
cunho; nunca pode ser descrita como livre de suposições; pois,
a cada instante, pressupõe um horizonte de expectativas — por
assim dizer, o horizonte das expectativas de ontem. A ciência
de hoje se edifica sobre a ciência de ontem (e assim é o resul
tado do holofote de ontem); e a ciência de ontem, por sua vez,
se baseia na ciência do dia anterior. E as mais antigas teorias
científicas são edificadas sobre mitos precientíficos e estes, por
sua vez, sobre expectativas ainda mais velhas. Ontogenetica-
mente (isto é, com referência ao desenvolvimento do organis-
318
*
319
dição de ordem superior substitui a preservação tradicional do
dogma; em lugar da teoria tradicional — em lugar do mito —
encontramos a tradição das teorias que criticam (as quais, em
si mesmas, a princípio pouco mais são do que mitos). É só
no decorrer desta discussão crítica que a observação é convo
cada como uma testemunha.
Mal pode ser por mero acidente que Anaximandro, dis
cípulo de Tales, desenvolveu uma teoria que diverge explícita
e conscientemente da de seu mestre, e que Anaxímenes, dis
cípulo de Anaximandro, tenha divergido de modo igualmente
consciente da doutrina de seu mestre. A única explicação parece
ser a de que o fundador da escola, ele próprio, tenha desa
fiado seus discípulos a criticarem sua teoria e que eles hajam
transformado esta nova atitude crítica de seu mestre numa nova
tradição.
É interessante que isto só haja acontecido uma vez, até
onde sei. A antiga escola pitagórica era certamente uma escola
do velho estilo: sua tradição não abrange a atitude crítica, mas
limita-se à tarefa de preservar a doutrina do mestre. Foi sem
dúvida sob a influência da escola crítica dos jônicos que mais
tarde se afrouxou a rigidez da tradição da escola pitagórica e
que se pavimentou a estrada para o método filosófico e cientí
fico da crítica.
A atitude crítica da antiga filosofia grega não pode ser
exemplificada melhor do que pelos famosos versos de Xe-
nófanes:
Mas se bois, ou cavalos, ou leões tivessem mãos que pu
dessem desenhar e pudessem esculpir como homens, então os
cavalos desenhariam seus deuses,
como cavalos; e bois como bois; e cada qual então formaria
corpos de deuses, cada qual, à sua própria semelhança.
Isto não é só um desafio crítico — é uma asserção feita
com plena consciência e domínio de uma metodologia crítica.
Parece-me, assim, que é a tradição da crítica que constitui
o que é novo em ciência e o que é característico da ciência. Por
outro lado, parece-me que a tarefa que a ciência se propõe
(isto é, a explicação do mundo) e as principais idéias que ela
usa são extraídas, sem qualquer rutura, da formação precien-
tífica de mitos.
VI
Qual é a tarefa da ciência? Com esta pergunta terminei
minha indagação preliminar das tendências biológicas e histó
ricas e chego agora à análise lógica da própria ciência.
320
*
322
Para sumarizar este ponto: verificamos que uma explica
ção é uma dedução da seguinte espécie:
U (Lei Universal) ] Premissas (que
_ (Condições Iniciais Específicas) 1 constituem o
E (Explicandum) J
Explicans)
Conclusão
VII
São, porém, satisfatórias todas as explicações que têm esta
estrutura? É, por exemplo, uma explicação satisfatória a que
apresentamos (que explica a morte do rato referindo-se a ve
neno para ratos)? Não sabemos: os testes podem mostrar que,
seja lá do que for que o rato possa ter morrido, não foi de
veneno para ratos.
Se algum amigo ficar cético ante nossa explicação e per
guntar “Como sabe que este rato comeu veneno?”, obviamente
não bastará responder “Como pode duvidar disso, vendo que
ele está morto?” De fato, qualquer razão que possamos enunciar
em apoio de qualquer hipótese deve ser outra que não o
explicandum e independente dele. Se só pudermos aduzir o
próprio explicandum como evidência, sentimos que nossa expli
cação é circular e, portanto, de todo imatisfatória■Se, por outro
lado, pudermos replicar “Analise o conteúdo do estômago dele
e encontrará uma porção de veneno”, e se esta predição (que é
nova — isto é, não acarretada pelo explicandum somente) se
mostrar verdadeira, poderemos pelo menos considerar nossa ex
plicação como uma hipótese bem boa.
Tenho, porém, de acrescentar uma coisa. Pois nosso amigo
cético pode questionar também a verdade da lei universal. Pode
dizer, por exemplo: “Admito, este rato comeu certo preparado
químico; mas por que teria morrido com isso?” Mais uma vez
não devemos responder: “Então não vê que ele está morto? Isto
lhe mostra justamente quanto é perigoso comer esse preparado
químico.” Pois isto tornaria de novo a nossa explicação circular
e insatisfatória. A fim de torná-la satisfatória teríamos de subme
ter a lei universal a testes que sejam independentes de nosso
explicandum.
Com isto, pode ser encarada como concluída a minha aná
lise do esquema formal da explicação, mas acrescentarei mais
algumas observações e análises ao esquema geral que delineei.
Primeiramente, uma observação a respeito das idéias de
causa e efeito. O estado de coisas descrito pelas condições Ini
ciais em si pode ser chamado a “causai’ e o descrito pelo expll-
candum, o “efeito”. Sinto, contudo, que será melhor evitar estes
termos, sobrecarregados como estão com associações de sua his
323
tória. Se ainda quisermos usá-los, devemo-nos lembrar sempre
de que eles adquirem um significado somente relativo a uma
teoria ou uma lei universal. É a teoria, ou a lei, que constitui a
ligação lógica entre causa e efeito, e a asserção “A é a causa de
B” deve ser analisada assim: “Há uma teoria T que pode ser,
e foi, testada independentemente e da qual, em conjunção com
uma descrição A de uma situação específica, testada indepen
dentemente, podemos deduzir logicamente uma descrição B de
outra situação específica.” (Muitos filósofos, inclusive Hume,
não levaram em conta que a existência dle tal ligação lógica
entre causa e efeito é pressuposta no próprio, uso desses
termos.)
VIII
A tarefa da ciência não se limita a procurar explicações
puramente teóricas; tem também seus lados práticos: feitura de
predições assim como aplicações técnicas. Ambas podem ser
analisadas por meio do mesmo esquema lógico que apresenta
mos para analisar a explicação.
(1) A derivação de predições. Enquanto, na busca de uma
explicação, o explicandum é dado — ou conhecido — e tem de
ser encontrado um explicans conveniente, a derivação de pre
dições procede em direção oposta. Aqui a teoria é dada, ou se
admite ser conhecida (talvez de compêndios) e assim o são as
condições iniciais específicas (são conhecidas, ou admitidas
como tais, por observação). O que resta a encontrar são as
conseqüências lógicas: certas conclusões lógicas que ainda não
nos são conhecidas por observação. Estas são as predições. Neste
caso, a predição P toma o lugar do explicandum E em nosso
esquema lógico.
(2) Aplicação técnica. Considere-se a tarefa de construir
uma ponte que tem de corresponder a certos requisitos prá
ticos expostos numa lista de especificações. O que nos é dado
são as especificações, S, que descrevem certo estado de coisas
requerido — a ponte a ser construída. (5 são as especificações
do cliente, que são dadas antes das especificações do arqui
teto e são distintas destas. São-nos dadas, ainda as teorias fí
sicas relevantes (inclusive certas regras empíricas). O que temos
de encontrar são certas condições iniciais que possam ser rea
lizadas tecnicamente e que sejam de natureza tal que as especi
ficações possam ser deduzidas, juntamente com a teoria. Assim,
neste caso, S toma o lugar de E em nosso esquema lógico.(6)
Isto torna claro como, de um ponto de vista lógico, tanto
a derivação de predições como a aplicação técnica de teorias
324
científicas podem ser encaradas como meras inversões do es
quema básico de explicação científica.
O uso de nosso esquema, porém, ainda não está esgotado:
ele pode servir também para analisar o processo de testar nosso
explicans. O processo testador consiste em derivar do explicam
uma predição, P, e em compará-la com uma situação real, obser
vável. Se uma predição não concordar com a situação obser
vada, então o explicans é mostrado como falso; é falseado. Neste
caso ainda não sabemos se é a teoria universal que é falsa ou
se as condições iniciais descrevem uma situação que não corres
ponde à situação real — de modo que as condições iniciais são
falsas. (Sem dúvida, também pode ser que a teoria e as condi
ções iniciais sejam falsas.)
O falseamento da predição mostra que o explicans é falso,
mas o reverso disto não é certo: é incorreto e grossamente
enganoso pensar que podemos interpretar a “verificação” da
predição como “verificando” o explicans ou mesmo parte dele.
Pois uma predição verdadeira pode com facilidade ter sido vali-
damente deduzida de um explicans que é falso. É mesmo intei
ramente enganoso encarar cada “verificação” de uma predição
como algo semelhante a uma corroboração prática do explicans-.
será mais correto dizer que somente as “verificações” de predi
ções que sejam “inesperadas” (sem a teoria sob exame) podem
ser encaradas como corroborações do explicans e, assim, da
teoria. Isto significa que uma predição só pode ser usada para
corroborar uma teoria se a sua comparação com as observações
puder ser encarada como uma tentativa séria de testar o expli
cans — uma tentativa séria de refutá-lo. Uma predição ( “arris
cada”) deste tipo pode ser chamada “relevante para um teste
da teoria”.(7) Afinal, é bem óbvio que a aprovação num exame
só pode dar idéia das qualidades do estudante se o exame por
que ele passar for suficientemente severo, e que se pode arranjar
um exame no qual facilmente se aprove mesmo o estudante mais
fraco. (8)
Em acréscimo a tudo isto, nosso esquema lógico, final
mente, nos permite analisar a diferença entre as tarefas de uma
explicação teórica e uma histórica.
O teórico está interessado em encontrar e testar leis uni
versais. No decorrer do teste, usa ele outras leis, dos tipos mais
diversos (muitas de todo inconscientemente), bem como diver
sas oondições iniciais específicas.
O historiador, por outro lado, está interessado em encon
trar descrições de estados de coisas em certas regiões espacial-
-temporais finitas, específicas — isto é, o que tenho chamado
condições iniciais específicas — e em testar ou verificar sua
adequação ou exatidão. Neste tipo de teste ele usa, além de
325
outras condições iniciais específicas, leis universais de todos os
tipos — costumeiramente as antes óbvias — que pertençam a
seu horizonte de expectativas, embora, via de regra; não esteja
cônscio de que as está usando. Nisto, assemelha-se ao teórico.
(Sua diferença, porém, é muito acentuada: está na diferença
entre seus vários interesses, ou problemas; na diferença do que
cada qual considera problemático.)
Num sistema lógico (semelhante aos nossos anteriores) o
procedimento do teórico pode ser representado do modo se
guinte:
U0 U0
u , Uo U;|
II I, Is
Pl p2 Ps
U0 é aqui a lei universal a hipótese universal, que se acha
sob exame. É mantida constante através de todos os testes e
usada, juntamente com várias outras leis í/,, U2, . . . e várias
outras condições iniciais, l x, l 2, . . . a fim de derivar várias pre-
dições Pi, P2, . . . que possam então ser comparadas com fatos
reais observáveis.
O processo do historiador pode ser representado pelo se
guinte esquema:
Vi u 2 u s
h h I3
K Io Io
Pa p2 Ps
Aqui, / 0 é a hipótese histórica, a descrição histórica, que
deve ser examinada e testada. É mantida constante através de
todos os testes; e é combinada com várias leis (na maioria
óbvias), Ui, V2, . . . e com condições iniciais correspondentes,
/ x, l 2, . . . para derivar várias predições, Pu P2, etc.
Ambos os nossos esquemas, sem dúvida, são altamente
idealizados e supersimplificados.
IX
Tentei mostrar anterio/mente que uma explicação só será
satisfatória se suas leis universais, sua teoria, puderem ser tes
tadas independentemente do explicandum. Mas isto quer dizer
que qualquer teoria explicativa satisfatória deve sempre asseve
rar mais do que o já contido nos explicando que originaria-
mente nos levaram a apresentá-la. Em outras palavras, as teorias
326
t
X
Um bom exemplo da história da ciência que pode ser usado
para ilustrar minha análise é a transição das teorias de Kepler
e de Galileu para a teoria de Newton.
Que esta transição nada tem a ver com a indução e que
a teoria de Newton não pode ser encarada como algo seme
lhante a uma generalização daquelas duas teorias anteriores,
isto pode ser visto pelo fato inegável (e importante) de que a
teoria de Newton as contradiz. Assim, as leis de Kepler não
podem ser deduzidas das de Newton (embora muitas vezes se
haja afirmado que podem ser assim deduzidas, e mesmo que as
de Newton podem ser deduzidas das de Kepler): as leis de
Kepler só podem ser obtidas das de Newton aproximadamente,
fazendo-se a admissão (falsa) de que as massas dos vários pla
netas são desprezíveis em comparação com a massa do sol. Si
milarmente, a lei da queda livre dos corpos, de Galileu, não
pode ser deduzida da teoria de Newton: ao contrário, ela a
contradiz. Só fazendo-se a suposição (falsa) de que a extensão
total de todas as quedas é desprezível em comparação com a
extensão do raio da Terra é que podèmos obter, aproximada
mente, a lei de Galileu da teoria de Newton.
Isto mostra, sem dúvida, que a teoria de Newton não pode
ser uma generalização obtida por indução (ou dedução), mas
que é uma nova hipótese da qual se pode irradiar o caminho
para o falseamento das velhas teorias: pode irradiar-se e apontar
o caminho para aqueles domínios nos quais, de acordo com a
nova teoria, as velhas teorias deixam de fornecer boas aproxi
mações. (No caso de Kepler, este é o domínio da teoria das
perturbações e, no caso de Galileu, é a teoria das acelerações
variáveis, pois, de acordo com Newton, as acelerações gravi-
tacionais variam inversamente ao quadrado da distância.)
Se a teoria de Newton não tivesse efetuado mais do que
a união das leis de Kepler com as de Galileu, ela teria sido
apenas uma explicação circular dessas leis e, portanto, insatis
328
0
XI
Em conexão com a minha análise da noção (ou antes, da
prática) da explicação, mais um ponto parece significativo.
Desde Descartes (e talvez mesmo desde Copérnico) até Max
well, muitos físicos tentaram explicar todas as novas relações
descobertas por meio de modelos mecânicos; isto é, tentaram
reduzí-las às leis de impulso ou pressão com que estamos
familiarizados por lidar com coisas físicas de todo dia — coisas
pertencentes ao reino dos “corpos físicos de tamanho médio”.
Descartes fez disto uma espécie de programa para todas as ciên
cias; exigiu mesmo que nos devéssemos restringir a modelos
que funcionassem meramente por impulso ou pressão. Este
programa sofreu sua primeira derrota com o êxito da teoria de
Newton; mas esta derrota (que foi séria aflição para Newton
e sua geração) logo ficou esquecida e a atração gravitacional
foi admitida no programa em termos de igualdade com o im
pulso e a pressão. Maxwell, também, tentou primeiro desen
volver sua teoria do campo eletromagnético na forma de um
modelo mecânico do éter; mas no fim desistiu da tentativa. Com
isto, o modelo mecânico perdeu muito de sua significação: só
permaneceram as equações que originariamente pretendiam des
crever o modelo mecânico do éter. (Foram interpretadas como
descrevendo certas propriedades não-mecânicas do éter.)
Com esta transição de uma teoria mecânica para uma teoria
abstrata, chegou-se a uma fase da evolução da ciência em que,
na prática, não se requer das teorias explicativas mais do que
poderem ser testadas independentemente; estamos dispostos a
trabalhar com teorias que possam ser representadas intuitiva
329
mente por diagramas tais como desenhos (ou por modelos me
cânicos “desenháveis” ou “visualizáveis” ), se forem conseguí-
veis: isto proporciona teorias “concretas”; ou então, se estas não
forem conseguíveis, estamos dispostos a trabalhar Com teorias
matemáticas “abstratas” (que, entretanto, podem ser inteira
mente “compreensíveis” num sentido que já analisei em outra
parte).(n )
Nossa análise geral da noção de explicação não é, sem
dúvida, afetada pelo malogro de qualquer desenho ou modelo
em particular. Ela se aplica a todos os tipos de teorias abstratas,
do mesmo modo por que se aplica a modelos mecânicos e
outros. De fato, do nosso ponto de vista, os modelos nada mais
são do que tentativas de explicar novas leis em termos de leis
antigas que já foram testadas (juntamente com admissões acerca
de condições iniciais típicas ou com a ocorrência de uma estru
tura típica — isto é, o modelo num sentido mais estrito). Os
modelos muitas vezes representam papéis importantes na exten
são e na elaboração de teorias; mas é necessário que um mo
delo novo numa moldura de velhas admissões teóricas seja dis-
tinguido de uma teoria nova — isto é, de novo sistema de
admissões teóricas.
XII
Espero que algumas de minhas formulações que, no prin
cípio desta palestra, vos possam ter parecido forçadas ou mesmo
paradoxais, agora o pareçam menos.
Não há estrada, real ou como seja, que leve da necessidade
de um “dado” conjunto de fatos específicos a qualquer lei uni
versal. O que chamamos “leis” são hipóteses ou conjecturas
que sempre fazem parte de algum sistema de teorias mais amplo
(de fato, de um horizonte inteiro de expectativas )e que, por
tanto, não podem ser testadas em isolamento. O progresso da
ciência consiste de experiências, de eliminação de erros, e de
mais tentativas guiadas pela experiência adquirida no decorrer
das tentativas e dos erros anteriores. Nenhuma teoria em par
ticular pode, jamais, ser considerada como absolutamente certa:
cada teoria pode tornar-se problemática, não importa quão bem
corroborada possa parecer agora. Nenhuma teoria científica é
sacrossanta ou fora de crítica. Este fato tem sido esquecido
muitas vezes, especialmente durante o século passado, quando
ficávamos impressionados com as corroborações tão repetidas
e verdadeiramente magníficas de certas teorias mecânicas, que
vieram a ser encaradas como indubitavelmente verdadeiras. O
tempestuoso desenvolvimento da física desde a virada do século
ensinou-nos melhor; e chegamos agora a ver que é tarefa do
330
*
331
invenção de sempre novas teorias e o infatigável exame de sua
força para lançar luz sobre a experiência. Os princípios do pro
gresso científico são muito simples. Requerem que abando
nemos a idéia antiga de que podemos atingir a certeza (ou
mesmo um alto grau de “probabilidade” no sentido do cálculo
de probabilidade) com as proposições ou teorias da ciência
(idéia que deriva da associação da ciência com a magia e do
cientista com o mago): o alvo do cientista não é descobrir uma
certeza absoluta, mas descobrir teorias cada vez melhores (ou
inventar holofotes cada vez mais potentes), capazes de ser sub
metidas a testes cada vez mais severos (e conduzindo-nos com
isto a sempre novas experiências, que iluminam para nós). Mas
isto significa que essas teorias devem ser mostradas falsas: é
pela verificação de sua falsidade que a ciência progride.
NOTAS AO CAPÍTULO I
333
10 — O nome de Hume não o:orre no Cap. VI (“Da Indução”)
de The Problems of Philosopky, de Russell (1912 e muitas reedi
ções posteriores) e o que mais se aproxima de uma referência está
no Cap. VIII (“Como é Possível um Conhecimento A Priori”), onde
Russell diz que Hume “inferiu a proposição muito miais duvidosa
de nada poder ser conhecido a priori a respeito da conexão de causa
e-efeito”. Sem dúvida, as expectativas casuais têm uma base inata:
são psicologicamente a priori no sentido de serem anteriores à expe
riência. Mas isto não significa que sejam válidas a priori. Ver
C & R, pgs. 47-8.
11 — As citações são de A History of Western Philosophy, de
Bertrand Russell, Londres, 1946, pgs. 698 seg. (Os grifos são meus.)
12 — Uma teoria explanativa ultrapassa essencialmente mes
mo uma infinidade de asserções de testes universais; e até uma lei
de baixa universalidadee o faz.
13 — Hume, Treatise, p. 95.
14 — Obra cit., p. 91.
15 — Ver a observação inicial do Sr. Stowe em Australas,
Journ. of. Phil., 38, 1960, p. 173.
16 — Ver Ari8t. Soc. Supplementary Volume, 16, 1937, pgs.
36-62.
17 — Estes exemplos, que muitas vezes usei em minhas confe
rências, também foram usados no Cap. 2 (pgs. 97 seg. e nota 58).
Desculpo-me pela superposição, mas estes dois capítulos foram es
critos independentemente e achei que deviam ser conservados em sua
íntegra.
18 — Ver Philosophical Studies, 9, 1958, n.° 1-2; comp. Hume,
Treatise, p. 415.
19 — O “problema da derparcação” é ò que chamo o problema
de encontrar um critério pelo qual possamos distinguir as asser
ções da ciência empírica das asserções não-empíricas. Minha solução
é o princípio de que uma asserção é empírica se houver conjunções
(finitas) de asserções empíricas isoladas (“asserções básicas” ou
“asserções de teste”) que a contradigam. Conseqüência deste “prin
cípio de demarcação” é que uma asserção isolada puramente exis
tencial (como “Existe uma serpente do mar em alguma parte do
mundo em algum tempo”) não é uma asserção empírica, embora
possa contribuir sem dúvida para nossa situação empírica de pro
blema.
20 — Ver especialmente “Naturgesetze und theoretische Sys-
teme”, in Gesetz und Wirklichkeit, ed. S. Moses, Innsbruck, 1949,
pgs. 43 sgs., e “The Aim of Science”, Ratio, I, 1957, e agora, res
pectivamente, o Apêndice e Cap. 5, adiante.
21 — Ver C. & R., p. 241.
22 — Ver, de John C. Harsanyi, “Popper’s Improbability Cri-
terion for the Choice, of Scientific Hypotheses”, Philosophy, 35,
1960, pgs. 332-40. Ver também nota à p. 218 de C. & R.
23 — Ver, de Rudolf Carnap, “Probability and Content Mea-
sure”, em Mind, M atter and Method, eds. P. K. Feyrabend e Grover
Maxwell, (Ensaios em Honna de Herbert Feigl), Univ. of Mínne-
sotta Press, Minneapolis, 1966, pgs. 248-60.
24 — Parece-me que o Prof. Lakatos suspeita que a contri
buição efetiva de números a meu grau de corroboração, se possível,
mudaria minha teoria indutivista, no sentido de uma teoria pro-
babilística da indução. Não vejo qualquer razão para que seja
334
0
NOTAS AO CAPITULO 2
335
mesmo quando a mover-se afastando-se de seu periélio. (Sem dú
vida, contra esta refutação a todas as outras, qualquer teoria, seja
qual for, pode ser “imunizada” — para usar um termo devido a
Hans Albert; acentuei isto já em, 1934 e, enfaticamente, não é o
ponto aqui em questão.) Eu diria que a refutabilidade da teoria
de Newton, ou da de Einstein, é um fato de física elementar e de
metodologia elementar. Einstein, por exemplo, disse que se o efeito
de desvio vermelho (o retardamento de relógios atômicos em fortes
campos gravitacionais) não fosse observado no caso das “anãs bran
cas”, sua teoria da relatividade geral estaria refutada. Não se pode
dar qualquer descrição, seja qual for, de qualquer comportamento
humano logicamente possível que se mostre incompatível com as
teorias psicanalíticas de Freud, ou Adler, ou Jung.
6 — O positivismo, o fenomenalismo e também a fenomenolo-
gia, todos estão, sem dúvida, infectados pelo subjetivismo do ponto
de partida cartesiano.
7 — A irrefutabilidade do realismo (que estou disposto a
conceder) pode ser questionada. A grande escritora austríaca Marie
Ebner von Eschenbach (1830-1916) conta, em algumas memórias
de sua infância, que suspeitava estar o realismo errado. Talvez
coisas desaparecessem quando olhássemos para outro lado. Assim,
ela tentou surpreeender o mundo em seu truque de desaparecimento
virando-se de súbito, na semi-esperança de poder ver como, saindo
do nada, as coisas tentavam reagrupar-se depressa; e ficava ao
mesmo tempo decepcionada e aliviada sempre que falhava. Vários
comentários podem ser feitos sobre esse relato. Primeiro, é conce
bível que esta narrativa de uma experiência infantil não seja não-
-típica, mas normal e típica, e desempenhe um papel no desenvol
vimento da distinção de senso comum entre aparência e realidade.
Em segundo lugar (e estou levemente inclinado a favorecer esta opi
nião), é concebível que a narração seja não-típica, que a maioria
das crianças sèja de realistas ingênuos, ou assim se tornem antes
de certa idade de que se lembrem; e Marie von Eschenbach certa
mente era uma criança não-típica. Em terceiro lugar, experimentei
— e não só na infância mas também como adulto — algo não
muito afastado disso: por exemplo, quando encontrava uma coisa
de que me esquecera completamente, às vezes eu sentia que, se a
natureza tivesse deixado tal coisa desaparecer, ninguém se preocu
paria. (Não era preciso que a realidade mostrasse que a coisa existia
“realmente” ; se não o fizesse, ninguém teria notado.) Surge a
questão de indagar, se caso Marie tivesse êxito, isto refutaria o
realismo ou se não teria refutado meramente uma forma dele muito
especial. Não me sinto obrigado a entrar nesta questão, preferindo
conceder a meus opositores que o realismo é irrefutável. Se esta
concessão for errada, então o realismo está ainda mais perto de ser
uma teoria científica testável do que eu originariamente pretendia
alegar.
8 — Para Wigner ver especialmente sua colaboração em The
Scientist Speculates, I. J. Good (ed.) Heinemann, Londres, 1962,
pgs. 284-302. Para uma crítica, ver especialmente, de Edward Nelson,
Dynamical Theories of Brownian Motion, Princeton University Press,
1967, §§ 14-16. Ver também minha colaboração em Quantum, Theory
and Reality, Mario Bunge (ed.), Springer, Berlim, 1967, e em Pers
pectives in Quantum Theory, Essays in Honor of Alfred Landé, W.
Yourgrau e A. van der Werde (eds.), M.I.T. Press, 1971.
336
t
337
16 — Tarski mostra que, a fim de evitar o paradoxo do men
tiroso, é necessária uma precaução que vá além do senso comum;
devemos ter cuidado em não usar o termo metalingüístico “verda
deiro (em L i) ” na linguagem L\. Ver também o Cap. 9, adiante.
17 — O Professor D. W. Hamlyn deu-me a grande honra de
fazer uma descrição de minhas opiniões em “The Nature of Science”,
The Eneyclopedia of Philosophy, Paul Edwards (ed.), vol. 3, p. 37.
Muito de seu resumo é totalmente correto, mas ele me entendeu
completamente mal ao sintetizar minhas opiniões dizendo: “A ver
dade em si mesma é apenas uma ilusão”. Os que negam que possam
alcançar uma certeza absoluta acerca da autoria das comédias de
Shakespeare, oü acerca da estrutura do mundo, estarão por essa
razão submetidos à doutrina de que o próprio autor (ou autora)
das comédias de Shakespeare, ou o próprio mundo, é “apenas uma
ilusão”?
(Um quadro mais claro da grande significação que dou ao
conceito de verdade será encontrado em meus escritos em vários
locais, particularmente no Cap. 9 do presente volume.)
18 — A diferença entre o conteúdo ou classe de conseqüêneia
de uma asserção isolada ou um conjunto finito de asserções (tal
conjunto finito pode sempre ser substituído por uma só asserção),
de um lado, e uma classe de conseqüêneia ou conteúdo não axioma-
tizável (ou não axiomatizável finitamente), do outro lado, é impor
tante, mas não será discutida aqui. As classes de conseqüências de
ambos os tipos são chamadas por Tarski “sistemas dedutivos” ; ver
Tarski, ob. cit., Cap. XII Tarski apresentou a noção de uma classe
de conseqüêneia anos antes de mim. Cheguei a ela mais tarde, inde
pendentemente, em meu Logik der Forschung, onde também apre
sentei o conceito, estreitamente correlacionado, do conteúdo em
pírico de uma asserção S como a classe das asserções empíricas in
compatíveis com S (ou “proibidas” por S ) . Este conceito foi mais
tarde retomado por Camap; ver especialmente seu reconhecimento
a meu L.d.F. na pg. 406 de seu Logical Foundations of Probability,
1950. A noção de verossimilitude foi apresentada por mim em 1959
ou 1960; ver nota à pg. 215 de Conjectures and Refutations, ter
ceira ed., 1969. Posso observar aqui que, embora em Conjectures and
Refutations eu falasse em “conteúdo-de-verdade” e “conteúdo-de-
falsidade”, prefiro agora omitir os hífens quando os termos são
usados como substantivos (isto é, exceto em frases — que espero
serem raras — como “medida de conteúdo-de-verdade”) . Nisto acom
panho o conselho de Winston Churchill, como citado na pg. 255 da
segunda edição de Modem English Usage, de Fowler, 1965.
19 — Usei primeiro uma medida de conteúdo em 1954 (comp.
LJSc.D., p. 400) e medidas de conteúdo de verdade e falsidade, etc.
em C. & R. (p. 385). Aqui e no Cap. 9 distingo as funções de me
dida por meio de minúsculas em grifo, tais como p; ct; vs.
20 — Este exemplo foi sucintamente discutido por mim na nota
7 a uma nota publicada primeiramente em B.J.P.S. 5, 1954, pgs. 143
ss., e republicada em meu L.So.D., segunda edição, 1968, novo apên
dice IX; ver p. 401. Elaborei o ponto desde então. Ver, por exemplo,
meu ensaio em honra de Herbert Feigl, em Mind, M atter and Method
(P. Feyerabend e G. Maxwell eds.) 1966, pgs. 343-53. Mostrei nesse
ensaio que se os conteúdos (não medidos) de duas teorias dedu
tivas, X e Y, forem comparáveis, então seus conteúdos de verdade
também são comparáveis e são maiores ou menores de acordo com
338
«
339
Está errado ao deixar de ver que, sem a eliminação dessas mutações
através de nosso entrechoque com o ambiente, não só não haveria
incitamento para novas idéias, mas nenhum conhecimento de coisa
alguma. (Comp. C. & R., p. 117 especialmente.) Assim, Kant estava
certo em que é nosso intelecto que impõe suas leis — suas idéias,
suas normas — sobre a massa inarticulada de nossas “sensações”,
incutindo-lhes ordem desse modo. Errou ele ao não ver que rara
mente temos êxito com a nossa imposição, que experimentamos e
erramos reiteradamente e que o resultado — nosso conhecimento do
mundo — deve tanto à realidade que resiste com as idéias produ
zidas por nós mesmos .
32 — Talvez seja aqui de interesse a observação seguinte. K.
Lorenz escreve em Evolution and Modification of Behaviour,
Methuen, Londres, 1966, pgs. 103 ss.: “Qualquer modificabilidade
que regularmente se demonstre adaptativa, como indubitavelmente
se dá com o aprendizado, pressupõe uma programação baseada em
informação adquirida filogeneticamente. Negar isto reclama admi
tir uma harmonia pre-estabilizada entre organismo e ambiente."
Ver também a nota 34, adiante.
33 — Para as várias funções da linguagem humana ver, por
exemplo, C & R., pgs. 134 s., e os capítulos 3, 4 e 6 deste livro,
adiante.
34 — Para defender com êxito o conhecimento “inato” ou “in-
gênito” contra os behavioristas e outros anti-teoristas, ver Konrad
Lorenz, Evolution and Modification of Behaviour, citado na nota
32 atrás.
35 — Ver, por exemplo, as experiências relatadas por T. N.
Wiesel e D. H. Hubel em “Single-cell Responses in Striate Cortex
of Kittens Deprived of Vision in One Eye”, Journal of Neurophysio-
logy, 26, pgs. 1003-17.
36 — Tenho tratado disto com algum, detalhe em meus ensaios
“Epistemologia sem um Sujeito Conhecedor” (lido em Amsterdão em
1967) e “Sobre a Teoria da Mente Objetiva” (lido em Viena em
1968) , agora publicados como capítulos 5 e 6 do presente volume.
Veja-se também a importante discussão por Sir John Eccles, em seu
brilhante livro Facing Reality, Springer, Berlim, 1970, especial
mente os capítulos X e XI. David Miller, chamou minha atenção
para a estreita similaridade entre meu mundo 3 e o “terceiro reino”
de F. R. Leavis. Ver sua palestra Two Cultures?, 1962, especial-'
mente p. 28.
37 — Temos aqui, assim, um exemplo de um movimento carac
terístico da teoria de senso comum do conhecimento: uma parte
insuficiente é retirada da lógica objetiva e (talvez inconsciente
mente) transferida para a psicologia; tal como no caso da teoria
de associação onde as duas “idéias” associadas eram originaria-
mente os “termos” de uma proposição categórica, enquanto a asso
ciação era a cópula. (Pense-se na “junção ou separação de idéias”,
de Locke.)
38 — Para uma exposição algo diferente da doutrina das fontes
do conhecimento e do problema do erro, ver minha palestra “On
the Sources of Knowledge and Ignorance”, Proceedings of the Bri-
tish Acüdemy, 46, 1960; e também meu C. & R., terceira edição,
1969, pgs. 3-30.
39 — A teoria é muitas vezes atribuída a F. P. Ramsey, mas
pode ser encontrada em Kant.
340
*
341
Ver também meu L.Sc.D. especialmente p. 369, citada na nota 60
atrás.
56 — Pode haver outras psicologias que sejam tão más como a
de Hume, mas não se chocam com a lógica. Além disso, assevero
que há uma psicologia efetivamente dominada pela lógica: a psi
cologia racional das experiências e da eliminação dos erros.
57 — A palavra grega thnétos, freqüentemente traduzida por
“mortal”, significa realmente “fadado a morrer”. “Todos os homens
são mortais”, portanto, traduz-se melhor por “Todos os homens são
fadados a morrer” ; e neste sentido não se pode dizer que seja válido,
porque se deriva de “Todas as criaturas geradas são (essencial
mente) fadadas a morrer”, o que é refutado pelas bactérias.
58 — Tenho usado estes exemplos com frequência em minhas
conferências e tornei a usá-los no Capítulo 1 (pags. 10 s, e nota
17). Mas decidi deixar permanecerem estas superposições a fim de
tornar independente a leitura dos dois capítulos.
59 — Não incluo entre estes argumentos aquele argumento iso
lado em prol de um tipo de idealismo que não se choca de modo
algum com o realismo: que o conhecimento humano é produto do3
homens e que todas as nossas teorias são de nossa própria invenção.
Ver nota 31, atrás, e Conjectures and Refutations, p. 117.
60 — Aqui Thomas Reid estava certo. Ver, atrás, o fim da
secção 21.
61 — O argumento é antigo, em forma levemente diferente.
Traços dele podem ser encontrados em Aristóteles, Ética Nicoma-
queana, e em Teon de Esmirna, Liber de Astronômica, ed. T. H.
Martin, Paris, 1949, p. 293.
62 — Não tenho certeza de já haver publicado este argumento
alguma vez antes, mas lembro-me de que o considerei pela primeira
vez por volta de 1930.
63 — Esta forma de objetivismo é o que costumeiramente se
chama “behaviorismo” ou “operacionalismo”. Não é minuciosamente
discutida no presente trabalho.
NOTAS AO CAPÍTULO 3
1 — O argumento é adaptado de Popper, 1962, vol. 11; comp.
p. 108. (Detalhes bibliográficos das referências neste capítulo são
dados na Bibliografia Selecionada, em seu final.
2 — Comp. Frege, 1892, p. 32; grifos meus.
3 — Ver secção 7.1, adiante.
4 — Sobre estes “artefactos” comp. Hayek, 1967, p. 111.
5 — Ver Hayek, 1967, cap. 6, esp. pgs. 96, 100, n.° 12; Des
cartes, 1637, comp. 1931, p. 89; Popper, 1960, p. 65; 1966, secção
XXIV (i. e., cap. 6, adiante).
6 — Exemp.lo destas últimas é a “refutação da extensão de
conceito” ; Ver Lakatos, 1963-4.
7 — Por exemplo, consultiva, exortativa, ficcional, etc.
8 — Ver Popper, 19.63, esp. Caps. 4 e 12, e as referências às
pgs. 134, 293 e 295 de Bühler, 1934. Bühler foi o primeiro a dis
cutir a diferença decisiva entre as funções inferiores e a função
descritiva. Achei mais tarde, como conseqtiência de minha teoria da
crítica, a distinção decisiva entre a função descritiva e a argu-
342
t
mentativa. Ver também Popper, 1966, secção XIV e nota 47; ver
ainda, adiante, o Cap. 6, secção XXIV.
9 — Uma das grandes descobertas da lógica moderna foi o
restabelecimento, por Alfred Tarski, da teoria (objetiva) de corres
pondência da verdade (verdade = correspondência aos fatos). O
presente ensaio deve tudo a essa teoria; mas não quero, sem dú
vida, implicar Tarski em qualquer dos delitos que aqui cometi.
10 — Ver a nota anterior e Popper, 1962a, esp. p. 292; ainda
Popper, 1963, cap. 10 e Adendos; também Cap. 2, atrás, secções 6
a 11 e cap. 9, adiante.
11 — A teoria de que as crenças podem ser avaliadas pela
presteza em apostar era encarada como bem conhecida em 1781 ;
ver Kant, 1787, p. 852.
12 — Comp. Watkins, 1965, cap. VIII, esp. pgs. 145s, e Popper,
1959, pgs. 420-2; 1963, pgs. 18ss., 262, 297s.
13 — O erro, que é tradicional, é conhecido como “o problema
dos universais”. Isto deve ser substituído pelo “problema das teo
rias”, ou “problema do conteúdo teórico de toda linguagem humana”.
Ver Popper, 1959, secções 4 (com a nova anotação *1) e 25. Inciden
temente, é claro que, das três famosas posições — universale ante
rem, in re e post rem — esta última, em seu significado habitual,
é anti-terceiro-mundo e tenta explicar a linguagem como expressão,
ao passo que a primeira (platônica) é pró-terceiro-mundo. Bem
interessante é que, da posição do meio (in re) aristotélica, pode-se
dizer que é anti-terceiro-mundo, ou que ignora o problema do ter
ceiro mundo. Assim, ela testemunha a influência confusora do con-
ceitualismo.
14 — Comp. Aristóteles, Metafísica, XII (A ), 7; 1072b21 s.;
e 9: 1074bl5 a 10074a4. Esta passagem (que Ross resume: “o pen
samento divino deve-se preocupar com o objeto mais divino, quç é
ele próprio”) contém uma crítica implícita a Platão. Sua afinidade
com as idéias platônicas é especialmente clara nas linhas 15s.:
“pensa naquilo que é mais divino e não muda; pois mudar seria
mudança para o p io r ...” (Ver também Aristóteles, De Anima,
429b27 ss., especialmente 430a4.)
W — Comp. Plotinio, Enneades, II, 4,4, (1883, p. 153, 3); III.
8, 11 (1883, p. 346, 6 ); V.3 2-5; V.9. 5-8; VI.5.2; VI.6. 6-7.
16 — Ver Popper, 1963, cap. 15; Popper, 1962, Adendo ao vol.
II, “Facts, Standards and Truth: A Further Criticism of Rela-
tivism”.
17 — Ver Lakatos, 1963-4, p. 234, nota 1 (Separata, p. 59).
18 — Bolzano, 1837, vol. I, § 19, p. 78, diz que as asserções e
verdiades em si mesmas não têm ser ("Dasein”) , existência ou reali
dade. Contudo ele também diz que uma asserção em si mesma não
é simplesmente “algo asseverado, pressupondo assim uma pessoa
que a asseverou”.
19 — Ver na secção 1 atrás a citação de Frege, 1892, p. 32, e
Frege, 1894.
20 — O caminho leva de Frege a Russell, 1922, p. 19, e Wit-
tgenstein, 1922, 5.542.
21 — Para a posição de Berkeley, comp. Popper, 1963, secção
1, cap. 3 e cap. 6.
22 — Com. Russell, 1906-7, p. 45: “A verdade é uma qualidade
de crenças” ; Russell, 1910: “Usarei as palavras “crença” e “julga
mento” como sinônimas” (p. 172, nota); ou “julgamento é . . . uma
343
relação múltipla da mente com os vários outros termos com os quais
o julgamento se relaciona” (p. 180). Ele também sustenta que “a
percepção é sempre verdadeira (até em sonhos e alucinações)” (p.
181). Ou comp. Bussell, 1959, p. 183: “mas do ponto de vista da
teoria do conhecimento e das definições de verdade, as sentenças
que expressam crença é que são importantes”. Ver também Russell,
1922, pgs. 19s., e as ‘'atitudes epistêmicas" de Ducasse, em Ducasse,
1940, pgs. 701-11. É claro que Russell e Ducasse pertencem àqueles
epistemologistas tradicionais que estudam o conhecimento em seu
sentido subjetivo, ou do segundo mundo. A tradição transcende de
longe o empirismo.
23 — Ver o segundo diálogo entre Hylas e Philonous (Ber-
keley, 1949, p. 218, linhas 15 s.) : “Para mim é razão suficiente não
crer na existência de qualquer coisa se não vejo razão para crer
nela”. Comp. Descartes, 1637, parte IV (primeiro parágrafo) : “Qual
quer opinião deve ser rejeitada como manifestamente falsa (aperte
false na versão latina) se a mais leve razão para dúvida puder
ser encontrada nela”.
24 Esta secção sobre Brouwer foi inserida a fim de render
homenagem a este grande matemático e filósofo, que morreu pouco
antes de ser realizado o Congresso em que foi lido este ensaio.
Para os que não conhecem a' filosofia intuicionista da matemática
de Brouwer (e de Kant) pode ser mais fácil omitir esta secção e
continuar adiante, com a secção 7.
25 — Na Estética Transcendental (Kant, 1778, pgs. 46s.; trad.
de Kemp-Smith, pgs. 74s.) Kant acentua sob o ponto 1 o caráter
a priori da simultaneidade; sob os pontos 3 e 4, que só pode haver
um tempo; e sob o ponto 4, que o tempo não é um conceito discur
sivo, mas “uma pura forma d e ... intuição” (ou, mais precisa
mente, a pura forma da intuição pelos sentidos). No último pará
grafo antes da conclusão, na p. 72 (Kemp-Smith, p. 90) diz ele
explicitamente que a intuição de espaço e tempo não é uma intuição
intelectual.
26 — Ver a citação de Heyting na secção 1 atrás.
27 — Ver Kant, 1778, p. 741: “Construir um conceito significa
exibir esta intuição a priori que corresponde ao conceito”. Ver
também p. 747: “Temo-nos empenhado em tornar claro quão grande
é a diferença entre o uso discursivo da razão através de conceitos
e o uso intuitivo através da construção de conceitos”. Na p. 151 a
“construção de conceitos” é mais explicada: “podemos determinar
nossos conceitos em nossa intuição a priori de espaço e tempo do
uma síntese uniforme”. (Grifos em parte meus.)
28 — Comp. Kant, 1778, pgs. 741-64. Ver por exemplo o fim
da p. 762, onde ele diz a respeito de provas em matemática (“mesmo
em álgebra”): “todas as inferências são tornadas segu ras... colo
cando-as claramente diante de nossos olhos”. Comp. por exemplo
também o alto da p. 745, onde Kant fala de uma “cadeia de infe
rências” e tendo sempre por guia a intuição”. (Na mesma passagem
(p. 748), “construir” é explicado como “representar uma intuição”.)
29 — Comp. o fim do terceiro parágrafo de Brouwer, 1912.
Brouwer fala aí da existência não da matemática, mas da “exa
tidão matemática e, tal como está, o passagem se aplica, portanto
aos problemas (1) e (3) ainda mais estreitamente do que ao pro
blema ontológico (2). Mas não pode haver dúvida de que ela pretendia
344
$
345
3 — Estou usando aqui a palavra “interação” num sentido
amplo, de modo a não excluir um paralelismo psicofísico: não é
minha intenção discutir aqui este problema. (Em outras partes
tenho argumentado a favor do paralelismo; ver, por exemplo, os
capítulos 12 e 13 de meu livro Conjectures and Refutations, 1963,
1960, 1969.)
4 — Comp. Gottlob Frege, “Üeber Sinn und Bedeutung”, Zeits-
chriften für Philosophie und philosophische Kritik, 100, 1892, p. 32.
“Eu compreendo como pensamento, não o ato subjetivo de pensar,
mas o seu conteúdo objetivo.. . ”
5 — Que para Platão a verdade e as proposições não são (cos
tumeiramente) idéias de terceiro mundo, mas atos mentais (como
os atos mentais de apreender as noções de semelhança, etc., des
critos em Teetetes, 186 A ), parece sugerido em Teetetes, 189 Es.,
onde Platão diz que o “pensamento é a conversa que a alma tem
consigo mesma a respeito de qualquer objeto”. Comp. Sofista, 263
E-264 B, onde a ênfase é sobre a fala silenciosa (verdadeira e
falsa), afirmação, negação e opinião. Mas em Fedro, 247 D a 249 B,
a verdade é um dos habitantes do terceiro mundo que a alma
apreende.
6 —'O s Estóicos eram materialistas; encaravam a alma como
parte do corpo, identificando-a com. o “sopro da vida” (Diógenes
Laércio, VI, 156 s.). Descreviam o poder de raciocinar como “a
parte condutora” do corpo (Sexto, Adv. Mat., VII, 39 ss.). Esta
teoria, porém, pode ser interpretada como uma forma especial de
dualismo corpo-mente, pois apresenta uma solução especial do pro
blema corpo-mente. Se acrescentarmos a esses dois mundos (ou
duas partes do primeiro mundo) o oonteúdo do “que foi dito” (lecton)
chegamos à versão estóica do terceiro mundo.
7 — A idéia de um estado da mente (tal como bondade, ou
veracidade) parece ser estóica; é sem dúvida interpretada como um
estado da respiração e, assim, do corpo. Comp. Sexto, loc. cit.
8 — Embora feito pelo homem, o terceiro mundo (como en
tende sete termo) é sobre-humano por serem seus conteúdos virtuais
em vez de objetos de pensamento reais e no sentido de que só um
número finito da infinidade de objetos virtuais pode vir a tornar-se
objetos de pensamento reais. Devemos evitar, porém, interpretar
esses objetos como os pensamentos de uma consciência sobre-humana,
como fizeram, por exemplo, Aristóteles, Plotino e Hegel. (Ver minha
nota 1, atrás.) Para o caráter sobre-humano da verdade, ver as
págs. 29 s. de meu Conjectures and Refutations, 1963.
9 — Ver a teoria de Karl Bühler sobre as funções superiores
e inferiores da linguagem humana, e meu desenvolvimento da teoria
relatado em Conjectures and Refutations, 1963, pags. 134s. e 295,
e também em meu Of Clouds and Clocks, 1966 (secção XIV do
Cap. 6 do presente livro). Ver também, de F. A. Hayek, Studies in
Philosophy, Politics and EoonomÀcs, 1967, especialmente os capítulos
3, 4 e 6. Em suma, Bühler indica que as linguagens animal e
humana são semelhantes até onde sejam sempre expressões (sinto
mas de um estado do organismo) e comunicações (sinais). Mas a
linguagem humana é também diferente, porqúe tem em acréscimo
outras funções superiores: pode ser descritiva. Tenho apontado que
há outras funções superiores e especialmente uma que é de impor
tância decisiva: a função argumentativa ou crítica.
346
$
347
(Estas pertencem a meu terceira mundo.) Bem pode ser entretanto
que precisamente esta passagem importantíssima deva ser censurada
pela confusão ainda tão predominante. Pois, na parte após (a), indi
cada pelas reticências, refere-se Husserl às interrelações psicoló
gicas de “julgamentos, discernimentos, conjecturas, questões”, e es-
pecialmente também atos de compreensão intuitiva “em que uma
teoria desde muito descoberta é cogitada com discernimento”. A
referência a “julgamentos”, “conjecturas” e questões (em nível
com “discernimentos”) poderia ter levado à confusão, especialmente
porque, em (c), Husserl fala apenas de verdades, aparentemente
para exclusão de proposições, conjecturas, questões ou problemas
falsos; menciona ele “as verdades de uma disciplina científica, mais
especialmente de uma teoria científica, de uma prova ou uma con
clusão”. (Deveria ser lembrado que Husserl e muitos pensadores
ainda mais recentes consideravam uma teoria científica como uma
hipótese científica que foi demonstrada verdadeira: a tese do ca
ráter conjectural das teorias científicas era ainda vastamente exe
crada como absurda quando tentei propagá-la nos anos a partir de
1930.) O modo por que Husserl se refere nesta passagem à com
preensão (comp. também vol. II, pgs. 62ss.) pode também ser res
ponsável por algumas das tendências psicologisticas que ainda pre
valecem.
13 —. Este esquema quádruplo, e uma versão mais trabalhada
dele, podem ser encontrados em meu Of Clouds and Clocks, 1966,
agora reproduzido no presente volume como Capítulo 6, secção
XVIII. Pode ser encarado como resultante da interpretação crítica
do esquema dialético (não hegeliano) discutido em meu ensaio “What
is Dialectic”, 1940, que agora forma o capítulo 15 de meu Conjec-
tures and Refutations, 1963.
14 — Estou usando aqui o termo “base” em vez de conheci
mento de base porque desejo evitar discutir a admissibilidade de
um sentido objetivo de terceiro mundo do termo “conhecimento”.
(Ver, porém, Conjectures and Refutations na p. 227 e seg. Para
“conhecimento de base” ver ob. cit. esp. pgs. 112, 238ss.) O sentido
objetivo de “conhecimento” é discutido extensamente em meu ensaio
“Epistemologia sem um Sujeito Conhecedor”, lido em Amsterdão em
1967 e agora reproduzido como o Capítulo 3 do presente volume.
15 — Comp. I. Lakatos, “Changs in the Problem of Inductive
Logic”, em I. Lakatos (ed.) The Problem of Inductive Logic, 1968.
Ver agora também I. Lakatos, '‘Criticism and the Methodology of
Scientific Research Programmes” em I. Lakatos e A. Musgrave
(eds.), Criticism and the Growth of Knowledge, 1970.
16 — Uma boa análise de tal situação pode ser encontrada na
crítica de Collingwood a Richards atrás mencionada; ver The Prin
cipies of Art, 1938, especialmente pgs. 164s. De fato, a crítica de
Collingwood é um belo exemplo de análise de um conteúdo emo
cional de um objeto de terceiro mundo em termos de uma situação
de problema, sua base e sua solução.
17 — Dilthey acentua muitas vezes, e com razão, que há graus
de compreensão. Não estou inteiramente seguro, porém, de que ele
distinga sempre entre graus de compreensão (isto é, da profundi
dade ou inteireza da compreensão) e a certeza (Sicherheit) da com
preensão, que me parece uma idéia inteiramente diferente e com
pletamente errônea. Pois Dilthey observa: “O grau mais alto de cer
teza é alcançado no campo da interpretação da (dos objetos da)
348
*
349
Einstein) sua significação fundamental. Posso mencionar aqui que
Galileu tem sido muito criticado por apresentar o sistema de Co-
pérnico em forma supersimplificada; e realmente ele diz, em espí
rito de crítica, que “Ptoliomeu introduz vastos epiciclos” (ob. cit.,
págs. 341 s.) mas não diz que Copérnico também usou epiciclos.
Aqui está um problema de interpretação histórica. Sugiro que
Galileu conscientemente deixou em aberto o problema suscitado pelo
fato de que o supersimplificado sistema de Copérnico, baseado
exclusivamente em movimento circular de velocidade constante sem
epiciclos, não se adequava precisamente às observações. Ele estava
grandemente impressionado pelo fato de que se adequava às obser
vações relativamente muito bem; e pensava que os problemas pura
mente geométricos deixados em aberto poderiam ser resolvidos so
mente em conjunto com os problemas físicos. (Ele sugere que epi
ciclos, ou vórtices, ou forças magnéticas, não tão “vastos”, poderiam
fornecer soluções possíveis; comp. ob. cit. pgs. 398 ss.) Este pensa
mento veio a mostrar-se correto; e não devemos esquecer que mesmo
a solução geométrica de Kepler era ainda apenas uma aproxi
mação, isto é, uma supersimplificação.
?4 — A conexão entre a teoria de Galileu sobre as marés e sua
rejeição da astrologia é discutida e interpretada em meu Conjectures
and Refutations, nota 4 ao Cap. 1 (p. 38) e nota 4 ao Cap. 8
(p. 188). Esta é uma interpretação conjectural típica (no sentido
de meu Open Society anã Its Enemies, 1945, vol. I, Cap. 10, p. 171)
e, como tal, pode “lançar luz sobre o material histórico” ; ela me
tem ajudado a compreender melhor a última passagem do Dialogue
de Galileu (ob. cit., p. 462; sobre a atitude de Galileu para com
a astrologia, ver também pgs. 109s.) na qual Galileu menciona
Kepler, reprovando-o por suas “puerilidades” astrológicas.
25 — Realmente, a resposta é uma conjectura histórica acerca
do problema (P i ) de Galileu. Os metaproblemas do historiador e
suas respostas conjecturais serão discutidos adiante mais plena
mente.
26 — Discuti o método de lógica situacional ou análise situa-
cional em meu Open Society, vol. II, Cap. 14, especialmente, p. 97,
e em meu Poverty of Histoiricism, 1957, secções 31 (“Situational Lo
gic in History”, ver especialmente p. 149) e 32.
27 — Há muitos casos em que podemos reconstruir, objetiva
mente (ainda que conjecturalmente), (a) a situação tal como era e
(b) uma situação muito diferente tal como apareceu ao agente ou
tal como foi compreendida, ou interpretada, pelo agente. Um exemplo
é a mecânica de ondas de Schrõdinger. Schrõdinger não interpretou
seu problema como estatístico (ficou claro que era estatístico so
mente depois da famosa “interpretação estatística” de Born; ver
meu “Quantum Mechanics Without ‘The Observer’” em Mario
Bunge, ed., Quantum Theony and Reality, 1967; agora Cap. 3 de
meu Philosophy and Physics). Mas há muitos outros exemplos,
velhos e novos. Kepler compreendeu seu problema com a desco
berta de uma harmonia do mundo pitagórico. Einstein formulou o
problema da relatividade geral com a ajuda de uma exigência de
co-variação; e embora aceitasse a crítica devida a E. Krestschmann
(Ann. Physifc, 35, p. 575, 1917), que disse ser vazia tal exigência,
Einstein claramente acreditava que ela podia ser reformulada de
modo a servir a seu pretendido propósito, embora ele nunca desse
uma reformulação satisfatória. Um exmeplo da filosofia (ligado ao
350
t
351
34 — A idéia de simetria cósmica pode ser encontrada na
Teagonia de Hesíodo, 720-5; na teoria de Anaximandro sobre a
forma e a posição da Terra; e na tentativa de Heródoto para
introduzir simetria numa geografia que ele sabia ser grandemente
assimétrica (os rios Nilo e Danúbio, incrivelmente, foram tornados
reciprocamente simétricos o mais longe possível). Comp. a nota
anterior. Além disso, todas as tentativas para introduzir uma me
dida de justiça, ou recompensa e castigo, no universo (Anaximandro,
Heródoto) são tentativas de encontrar racionalidade nele e assim
compreendê-lo.
35 — O termo “cientismo” significava originariamente “a imi
tação servil do método e da linguagem da ciência (natural)”, espe
cialmente por parte de cientistas sociais; foi apresentado neste
sentido por Hayek em seu “Scientism and the Study of Society”,
agora em seu The Coumter-Revolution of Science, 1962. Em The Po-
verty of Historicism, p. 105, sugeri seu uso como uma designação
para o macaqueamento do que é amplamente confundido com o
método da ciência; e Hayek agora concorda (no seu Prefácio e
seus Studies in Philosopky, Politics, and Economics, que contém
uma referência muito generosa a mim) em que os métodos efetiva
mente adotados por cientistas naturais são diferentes do que “muitos
deles nos falaram ... insistindo com os representantes de outras
disciplinas para imitá-los”.
36 — Sem dúvida, há diferenças em toda parte. Mas há poucas
coisas tão semelhantes a certos processos em física teórica quanto
a reconstrução conjectural de um texto danificado. Uma conjectura
dessa espécie é mesmo testável e algumas têm sido refutadas. (Ver
por exemplo Berlin Papyri, n.° 9777, mais tarde combinado por
J. U. Powell com o mais antigo Oxyrhynchus Papyri, XVII, 2075,
fr. 1, que tornou possível refutar certas reconstruções conjecturais.)
Estes casos, porém, são algo raros; em regra, “os testes de. . .
(muitas) interpretações históricas” (tais como podem ser encon
tradas em J. W. N. Watkins, Hobbes System, of Ideas, 1965; ou nas
pgs. 248 a 253 e 319 do vol. I e em outros lugares de meu Open
Society)” nunca podem ser tão rigorosos como os de uma hipótese
(física)”, como eu disse na ob. cit., p. 171; eu deveria ter excetuado
o tipo mais interessante de todas as hipóteses — as cosmológicas.
Algumas destas podem sem dúvida ser testadas e algumas têm sido
até 'suficientemente precisas para refutação. Mas outras, e muito
interessantes, parecem não ser testáveis e podem permanecer assim.
(Sobre a testabilidade ver meu Logic of Sdentific Discovery, 1959;
primeira edição publicada como Logik der Forschung, 1934.)
37 — Comp. meu Logic of Sdentific Discovery, secção 85.
38 — Este é o tópico principal de meu Conjectures and Refu-
tations; ver seu Prefácio.
39 — Este foi um dos principais problemas de i>ilthey; ele
falou, especialmente, da necessidade de transcender as tendências
subjetivistas e céticas em historiografia. Neste contexto, pode ser
mencionado o famoso problema que Dilthey e outros chamaram “o
círculo hermenêutico” : o problema de que o todo (de um texto, de
um livro, da obra de um filósofo, de um período) só pode ser com
preendido se compreendermos as partes constituintes, enquanto estas
partes, por sua vez, só podem ser compreendidas se compreendermos
o todo. Parece não ser geralmente conhecido que isto foi muito
bem formulado por Bacon, De Augmentis, Vl.x.vi: “De todas as
352
t
353
A tradução e os comentários de Ranke são: “Lasst uns”, sagt
Bacon in der Yorrede zu dem Organon — gewiss einen der schõns-
ten. Proemien, die je geschrieben worden sind — “lasst uns keusch
und fleissig unter den Dingen verweilen und unsere Fassungskraft
nur eben so weit über sei erheben, um ihre Bilder und Strahlen
in uns aufnehmen zu kõnnen.”
“Er sagte dies von der Betrachtung der Natur. Die Esforschung
der Geschichte hat es freilich noch schwerer”. (E assim por diante:
Ranke preocupa-se com as dificuldades especiais da historiografia
— da interpretação da história em oposição à interpretação da
natureza.)
Como se pode ver pela má tradução que Ranke fez do simples
texto latino de Bacon, a interpretação de textos (hermenêutica), que
afinal de contas é parte da historiografia, na verdade é quase tão
arriscada como a interpretação da natureza. É uma questão em que
devemos trabalhar com conjecturas e refutações: isto é, devemos
.tentar refutar nossas conjecturas até se adequarem plenamente ao
contexto da situação de problema, perdendo os aspectos arbitrários
e realizando algo como um máximo de capacidade explicativa do
que o autor queria dizer.
Para outros exemplos do método conjectural de interpretação,
ver especialmente as notas ao primeiro volume de meu Open So-
ciety e os Adendos 6 a 9 de meu Conjectures & Refutations, 3.a edi
ção, 1969, e 4.a edição, 1972.
NOTAS AO CAPÍTULO 5
1 — Ver o último parágrafo do texto, antes da citação final,
de minha “Nota sobre Berkeley como Precursor de Mach”, Brit,
Joum, Phil. Sc., 4, 1953, p. 35. (Agora em meu Conjectures and
Refutations, p. 174.)
2 — Este tipo de raciocínio sobrevive em Tales (Diels-Krans,
vol. 1, p. 456, linha 35) ; Anaximandro (D-K, A 11, A 28); Anaxí-
menes (D.-K., A 17, B 1 ); Alcmeão (D.K. A 5).
3 —■Para a teoria da testabilidade, conteúdo e simplicidade,
e de graus de universalidade e precisão, ver as secções 31 a 46 de
meu Logic of Scientific Discovery, 1959 (primeira ed. alemã, 1934;
segunda ed. alemã, 1971), onde é explicada a estreita conexão entre
estas idéias.
4 — Tenho discutido (e criticado) o essencialismo mais am
plamente em meu ensaio “Three Views Concerning Human Know-
ledge”, onde também me refiro a minhas anteriores discussões (na
última anotação à secção II) ; ver Contemporary British Philoso-
ph/y, III, H. D. Lewis, ed., 1956, nota 2 à p. 365. (Este ensiaio' forma
agora o Cap. 3 de meu Conjectures and Refutations., 3.a ed., 1969.)
5 -— Ver também as cartas de Newton a Richard Bentley, de
17 de janeiro e especialmente de 25 de fevereiro de 1693. Fiz uma
citação desta carta na secção III de meu ensaio “Three Views Con
cerning Human Knowledge” (Conjectures and Refutations, p. 106)
onde o problema é discutido um pouco mais amplamente.
6 —' O termo “essencialismo modificado” foi usado como uma
descrição de minha própria “terceira concepção” por um crítico de
meu ensaio “Three V iew s' Concerning Human Knowledge” em The
Times Literary Supplement, 55, 1956, p. 527. A fim de evitar
354
t
355
Maxwell em construir um satisfatório modelo dele) pode ser tido
como dando profundidade, no sentido assinalado acima, à teoria de
Maxwell em comparação com a de Fresnel; e isto me parece implí
cito na citação do ensaio de Einstein. Assim, a teoria de Maxwell,
na formulação de Einstein, talvez não seja realmente um exemplo
de o u tro sentido de “profundidade”. Mas penso que é, na forma
original do próprio Maxwell.
NOTAS AO CAPÍTULO 6
1 — Quando fui a Berkeley nos princípios de fevereiro de
1962, esperei ansiosamente estar com Compton. Ele morreu antes
que nos pudéssemos encontrar.
2 — A. H. Compton e A. W. Simon, Phys. Rev. 25, 1925, pgs.
309ss. (Ver também W. Bothe e H. Geiger, Zeit. f. Phys. 26, 1924,
pgs. 44ss., e 32, 1925, pgs. 639ss.; Naturwissenschaften, 13, 1925,
p. 440.)
3 — N. Bohr, H. A. Kramers e J. C. Slater, Phil. Mag. 47.
1924, pgs. 785ss., e Zetsehr. f. Phys. 24, 1924, pgs. 69ss. Ver também
A. Compton e S. K. Allison, X-Rays in Theory and Experiment,
1935; por exemplo, pgs. 211-27.
4 — Ver Cap. 1, secção 19, de Compton e Allison (nota 3).
5 — A. H. Compton, The Freedom of Man, 1935 (3.a ed.,
1939). Este livro baseou-se principalmente nas Conferências da
Fundação Terry, proferidas por Compton em Yale em 1931 e, ainda,
em duas outras séries de conferências feitas logo após as. da Fun
dação Terry.
6 — A. H. Compton, The Human Meaning of Science, 1940.
7 —■Sobre as imperfeições do sistema solar ver as notas 11
e 16, adiante.
8 — Ver a secção 23 de meu livro The Poverty of Histori-
cism (1925 e edições posteriores), onde critico o critério “holístico”
de um “todo” (ou Gestalt) mostrando que este critério (“um todo
é mais do que a mera soma de suas partes”) é satisfeito mesmo
pelos favoritos exemplos holísticos de não-todos, tais como um “mero
monção” de pedras. (Note-se que não nego que existam todos; só
objeto à superficialidade de muitas teorias “holísticas”.)
9 — O,próprio Newton não se achava entre os que extraiam
de suas teorias estas conseqüências deterministas; ver notas 11 e
16, adiante.
10 — A convicção de que o determinismo faz parte essencial
de qualquer atitude racional ou científica foi geralmente aceita,
mesmo por algpins dos principais opositores do “materialismo” (como
Spinoza, Leibniz, Kant e Schopenhauer). Um dogma similar que
formou parte da tradição racionalista foi o de que todo conheci
mento começa com observação e prossegue daí por indução. Comp.
minhas observações sobre estes dois dogmas do racionalismo em meu
livro Conjectures and Refutations, 1963, 1965, 1969, 1972, pgs. 122s.
11 — 0 próprio Newton pode ser contado entre os poucos dissi
dentes, pois encarava mesmo o sistema solar como imperfeito e,
conseqüentemente, como susceptível de perecer. Por causa dessas
opiniões foi acusado de impiedade, de “fazer uma crítica à sabe
doria do autor da natureza” (Como relata Henry Pemberton em
A View of Sir Isaac Newton’s Philosophy, 1728, p. 180.)
356
12 — Colleeted Papers of Charles Sanders Peirce, 6, 1935, 6.44,
p. 35. Pode sem dúvida ter havido outros físicos que desenvolveram
opiniões semelhantes, mas fora de Newton e Peirce só sei de um:
o Prof. Franz Exner, de Viena. Schrõdinger, que foi seu aluno,
escreveu acerca das opiniões de Exner em seu livro Science, Theory
and Man, 1957, pgs. 71, 133, 142s. (Este livro foi publicado ante
riormente sob o título de Science and the Human Temperament,
1935, e Compton referiu-se a ele em The Freedom of Man, p. 29.)
Comp. também nota 25, adiante.
13 — C. S. Peirce, ob. cit. 6, 6.47, p. 37 (publicado primeira
mente em 1892). O trecho, embora breve, é muito interessante porque
antecipa (notar a observação sobre flutuações em misturas explo
sivas) algo da discussão dos macro-efeitos que resultam da apli
cação das indeterminações de Heisenberg. Esta discussão começa,
parece, com um ensaio de Ralph Lillie, Science, 46, 1927, pgs.
139ss., a que Compton se refere em The Freedom of Man, p. 50.
Desempenha papel considerável no livro de Compton, pgs. 48 ss.
(Note-se que Compton proferiu as Conferências da Fundação
Terry em 1931.) Compton, ob. cit., nota 3, pgs. 51s., apresenta
uma comparação quantitativa muito interessante dos efeitos de
acaso devidos ao movimento molecular de calor (a indetermina-
ção que Compton tinha em mente) com a indeterminação de Heisen
berg. A discussão foi levada adiante por Bohr, Pascual Jordan,
Fritz Medicus, Ludwig von Bertalanffy e muitos outros; mais re-
centemente, especialmente também por Walter Elsasser, The Phy-
sical Foundations of Biology, 1958.
14 — Estou aludindo a Paul Carus, The Monist, 2, 1892, pgs.
560ss., e 3, 1892, pgs. 68ss. Peirce replicou em The Monist, 3, 1893,
pgs. 526ss. (Ver seus Colleeted Papers, 6, Apêndice A, pgs. 390ss.)
15 — A súbita e completa transformação da situação de pro
blema pode ser aferida pelo fato de que muitos de nós, velhos
caturras, não achávamos realmente há tanto tempo que os filósofos
empíricos (ver por exemplo Moritz Schlick, Allgemeine Erkenny-
nislehre, 2.a ed., 1925, p. 227) eram deterministas físicos, enquanto
hoje em dia o determinismo físico está sendo repelido por P. H.
Nowell-Smith, dotado e vigoroso defensor de Schlick como uma
"moxinifada do século 18” (Mind, 63, 1954, p. 331; ver também
a nota 37, adiante). O tempo marcha e sem dúvida, a tempo, resol
verá todos os nossos problemas, moxinifadas ou não. Mas, bem
estranhamente, nós, velhos caturras, parecemos recordar o tempo
de Planck, Einstein e Schlick e temos muito trabalho para tentar
convencer nossos espíritos confusos e perplexos de que esseS
grandes pensadores deterministas produziram suas moxinifadas no
século 18, juntamente com Laplace, que produziu a moxinifada
mais famosa de todas (a “inteligência sobre-humana” de seu Essay
de 1819, muitas vezes chamada “demônio de Laplace” ; comp. Comp
ton, The Freedom of Man, pgs. 5s, e The Human Meaning of Science,
p. 34, e Alexander, citado na nota MM 35 adiante). Contudo, um
esforço ainda maior talvez pudesse recordar, mesmo a nossas me
mórias falhas, uma moxinifada de século 18 similar, produzida por
umi certo Carus (não o pensador P. Carus, do século 19, referido
na nota 14, mas T. L. Carus, que escreveu Lucretius de rerum na*
turae, ii, 251-60, citado por Compton em The Freedom of Man, p .l),
16 — Desenvolvi esta opinião em 1950, num ensaio, “Indeter-
minism in Quantum Physics and in Classical Physlcs”, Britiih
357
Journal for the Philosophy of Science, 1, 1950, n.° 2, pgs. 117-33,
e n.° 3, pgs. 173-95. Quando escrevi este ensaio, eu nada sabia, infe
lizmente, das opiniões de Peirce (ver notas 12 e 13). Talvez possa
mencionar aqui que extrai a idéia de opor nuvens e relógios desse
meu antigo ensaio. Desde 1950, quando meu trabalho foi publicado,
a discussão de elementos indeterministas na física clássica, obteve
impulso. Ver Leon Brillouin, Scientific Uncertainty and Informa-
tion, 1964 (livro com o qual não estou de modo algum em pleno
acordo) e as referências à literatura dadas nele, esp. nas pgs. 38,
106, 127, 151s. A estas referências poderia acrescentar-se em par
ticular o grande ensaio de Jacques Hadamard referente às linhas
geodésicas sobre superfícies “corníferas” de curvatura negativa,
Journal de mathématiques pures et appliquées, 5.a série, 4, 1898,
pgs. 27ss.
17 — Ver também meu livro The Logic of Scientific Discovery
especialmente'o novo Apêndice *XI; também o cap. IX desse livro,
que contém crítica que no principal é válida, embora, em vista da
crítica de Einstein no Apêndice *XII, eu tivesse de retirar a expe
riência de pensamento (de 1934) descrita na secção 77. Esta expe
riência pode ser substituída, porém, pela famosa experiência de
pensamento de Einstein, Podolski e Rosen, ali discutida nos Apên
dices *XI e *XII. Ver também meu estudo “The Propensitv Inter-
pretation of the Calculus of Probability, and the Quantum Theory”,
em Observation and Interpretation, ed. por S. Kõrner, 1957, pgs.
65-70 e 83-9.
18 — Esta última sentença entende-se como uma crítica a certas
opiniões contidas no interessante e estimulante livro de Thomas S.
Kuhn, The Structure of Scientific Revolutions, 1963.
19 — Ver Wemer Heisenberg, The Pkysical Principies of the
Quantum Theory, 1930.
20 — Estou aludindo à refutação, por Compton, da teoria de
Bohr, Kramer e Slater, ver nota 3, atrás; ver também a própria
alusão de Compton, em The Freedom of Man, p. 7 (última frase)
e The Human Meaning of Science, p. 86.
21 — Comp. o Prefácio de Compton em Heisenberg, ob. cit.,
pgs. iii ss,; também suas observações sobre a incompletação da me
cânica do quantum em The Human Meaning of Science, p. 42 Comp
ton aprovava a incompletação da mecânica do quantum, ao passo
que Einstein via nela uma fraqueza da teoria. Replicando q Einstein,
Niels Bohr afirmou (como antes dele J. von Neumann) que a
teoria era completa (talvez em outro sentido do termo). Ver, por
exemplo, A. Einstein, B. Podolsky e N. Rosen, Physicai Review, 42,
1935, pgs. 777-80; e a réplica de Bohr em 48, 1935, pgs. 696 ss.;
também A. Einstein, Dialectica, 2, 1948, pgs. 320-4 e Bohr, pgs.
312-19, no mesmo volume; mais ainda, a discussão entre Einstein
e Bohr em P. A. Schilpp (ed.) Albert Einstein — Philosopher-
-Scientist, 1949, pgs. 201-41 e especialmente 668-74, e uma carta de
Einstein publicada em meu livro The Logic of Scientific Discovery,
pgs. 457-64; ver também pgs. 445-56.
22 — Ver a história de sua descoberta como a narra N. R.
Hanson em The Concept of the Positron, 1963, Cap. IX.
23 — Ver especialmente os trechos sobre a “evolução emer
gente” em The Freedom of Man pgs. 90 s.; comp. The Human Mea
ning of Science, p. 73.
24 — Comp. The Freedom of Man, p. 1.
358
t
939
34 — Ver especialmente B. F. Skinner, Walden Two, 1948,
encantador e benevolente mas extremamente ingênuo sonho utó
pico de onipotência (ver especialmente pgs. 246-50; também 241 s.).
Aldous Huxley, Brave New World, 1932 (ver também Brave New
World Revisited, 1959) e George Orwell, 1984, 1948, são antídotos
bem conhecidos. Critiquei algumas destas idéias utópicas e autori
tárias em The Open Society and Its Enemies, 1945, 4.a ed. 1962,
e em The Poverty of Historicism, e. g., p. 91. (Ver em ambos os
livros, especialmente, minha crítica da chamada “sociologia do co
nhecimento”.)
35 — Meu físico surdo é, sem dúvida,'estreitamente similar ao
demônio de Laplace (ver nota 15); e acredito que suas realiza
ções são absurdas simplesmente porque aspectos não-físicos (obje
tivos, propósitos, tradições, gostos, engenhosidade) desempenham um
papel no desenvolvimento do mundo físico; ou, em outras palavras,
acredito no interaeionismo (ver notas 43 e 62). Samuel Alexander,
em Space, Time and Deity, 1920, vol. II, p. 328, fala do que chama
o “calculador laplaceano” : “Exceto no sentido limitado descrito, a
hipótese do calculador é absurda”. Contudo, o “sentido limitado”
inclui a predição de todos os eventos puramente físicos e assim
inclui a predição da posição de todos os sinais pretos escritos por
Mozart e Beethoven. Só exclui a predição de experiência mental (ex
clusão que corresponde estreitamente à minha suposição da surdez
do físico). Assim, Alexander está disposto a admitir o que encaro
como absurdo. (Talvez eu possa dizer aqui que acho preferível dis
cutir o problema da liberdade em conexão com a criação de música
ou de novas teorias científicas ou de invenções técnicas, em vez de
com a ética e com responsabilidade ética.)
36 — Hume, ob. cit. p. 609 (os grifos são meus).
37 — Ver a nota 15, atrás, e Gilbert Ryle, The Concept of
Mind, 1949, pgs. 76 ss. (“The Bogy of Mechanism”).
38 — Comp. N. W. Pirie, “The Meaninglessness of the Terms
Life and Living”, Perspectives in Biochemistry, 1937 (ed. J. Needham
e D. E. Green), p. lis .
39 — Ver por exemplo A. M. Turing, “Computing Machinery
and Intelligence”, Mind 59, 1950, pgs. 433-60. Turing asseverou que
homens e computadores são em princípio indistinguíveis por sua
atuação (comportamental) observável e desafiou seus opositores a
especificarem algum comportamento ou realização observável do
homem que um computador, em princípio, fosse incapaz de efetuar.
Mas este desafio é uma armadilha intelectual: especificando um
tipo de comportamento estaríamos traçando uma especificação para
construir um computador. Além do mais, usamos e construímos
computadores porque eles podem fazer muitas coisas que não po
demos; tal como uso uma pena ou um lápis quanto desejo totalizar
uma soma que não consigo calcular em minha cabeça. “Meu lápis
é mais inteligente do que eu”, costumava dizer Einstein. Mas isto
não estabelece que ele seja indistinguível de seu lápis. (Comp. os
parágrafos finais de meu ensaio sobre o Indeterminismo, citado
na nota 16 atrás, e o cap. 12, secção 5, de meu livro Conjectures’
and Refutations.)
40 — Ver M. Schlick, Erkenntnis, 5, p. 183 (extraído- das últi
mas oito linhas do primeiro parágrafo).
41 — Hume, ob. cit., p. 171. Ver também, por exemplo, p. 407:
“ . . . a liberdade. . . é a mesma coisa com acaso”.
360
t
361
Chemical Senses and Language, 1950; The Dancing Bees, 1955; e
M. Lindauer, Communication Among Saciai Bees, 1961.
48 — Comp. os livros de Frisch, ob. cit., e de Lindauer, ob. cit.
49 — Ver meu livro Conjectures and Refutations, cap. 1, espe
cialmente a observação na p. 64 sobre a lógica formal como o sistema
da crítica racional; também os capítulos 8 a 11 e o capítulo 15.
50 — Ver a nota 49 e meu livro The Open Society and Its
Enemies, especialmente o capítulo 24 e o Adendo ao vol. II (quarta
ed., 1962); e ver Conjectures and Refutations, especialmente o Pre
fácio e a Introdução.
51 — Comp. p. 106, nota 1, de meu livro The Poverty of Histo-
rícism.
52 — A idéia de “ver pelo telescópio” (embora não esta ex
pressão, que devo a Alan Musgrave), talvez possa ser encontrada no
cap. VI de The Origin of Speciesi, 1859, de Charles Darwin (estou
citando da edição Mertor Book, p. 180, grifos m eus): “cada orga
nismo altamente desenvolvido passou por várias mudanças. E cada
estrutura modificada tende a ser herdada. . . de modp que cada
modificação não será.. . inteiramente perdida. .. Eis porque a es
trutura de cada parte ( do organismo) é a soma de muitas mutações
herdadas, pelas quais passaram as esp écies...” Ver também E.
Baldwin no livro Perspectives in Biochemdstry, pgs. 99s., e a lite
ratura ali citada.
53 — A emersão de uma nova situação de problema poderia
ser descrita como uma mudança ou diferenciação do “nicho eco
lógico”, ou ambiente significativo, do organismo. (Talvez possa ser
chamada uma “selção de habitat”; comp. B. Lutz, Evolution, 2,
1948, pgs. 29ss.) O fato de que qualquer mudança no organismo,
ou em seus hábitos, ou em seu habitat produz novos problemas
explica a incrível riqueza das soluções (sempre experimentais).
54 — Ver nota 23 para referência às observações de Compton
sobre “revolução emergente”.
55 — O método de experiência e eliminação de erro não opera
cóm experiências de tipo completamente fortuito ou ao acaso (como
às vezes tem sido sugerido), ainda que as experiências possam
parecer muito ao acaso; deve haver pelo menos um “efeito posterior”
(no sentido dado em meu The Logic of Scientific Discovery, pge.
162ss.). Pois o organismo está constantemente aprendendo com seus
enganos, isto é, estabelece controles que suprimem ou eliminam, ou
pelo menos reduzem a freqüência de certas experiências possíveis
(que foram talvez reais em seu passado evolucionário).
56 — Isto é agora às vezes chamado “efeito de Baldwin”; ver,
por exemplo, G. G. Simpson, “The Baldwin Effect”, Evolution, 7,
1953, pgs. llOss, e C. H. Waddington, no mesmo volume, pgs. 118ss.
(ver especialmente a p. 124) e pgs. 386s. Ver também J. Mark
Baldwin, Developrwnt and Evolution, 1902, pgs. 174ss. e H. S. Jen-
nings, The Behaviowr of the Lower Organisms, 1906, pgs. 321ss.
57 — Ver The Freedom of Man, p. 91, e The Human Meaning
of Science, p. 73.
58 — Comp. H. S. Jennings, ob. cit., pgs. 334s e 349s. Belo
exemplo de um peixe resolvendo um problema é descrito por K. Z.
Lorenz, King Solomorís Ring, 1952, pgs. 37s.
59 — John A. Wheeter, American Scientist, 44, 1956, p. 360.
60 — Podermos somente escolher a “melhor” de um conjunto
de hipóteses concorrentes — ia “melhor” à luz de uma discussão
362
»
NOTAS AO CAPÍTULO 7
1 — Ver especialmente o ensaio de Spencer “The Factors of
Organic Evolution”, publicado primeiramente em seus Essays (por
exemplo, no vol. 1 da “Library Edition” de 1891, pgs. 389ss. É inte
ressante notar que entre muitas idéias importantes nesse ensaio há
formulações de uma abordagem que é agora chamada “abordagem
organísmica da biologia” e se acredita amplamente ser uma ino
vação; ver, por exemplo, p. 410, onde Spencer fala de mudanças
em certos órgãos e diz que “todos os outros. . . órgãos ficam impli
cados na mudança. As funções realizadas por eles têm de constituir
um equilíbrio mcmente.” (grifos meus) Em termos modernos, Spen-
363
cer descreve aí o organismo como “um sistema aberto em equilíbrio
fluente” (ou “num estado aproximadamente firme”).
2 — Albert Einstein, On the Methods of Theoretical Physics,
1933. (Também no seu The World as I See It, Sir Peter Medawar
indicou-me que eu deveria ter mencionado aqui, além de Darwin e
Einstein, Claude Bernard, An Introduction to the Study of Expe
rimental Medicine (1865), 1927.
3 — Desde então tenho tentado rastrear esta doutrina até
Parmênides, que a formulou a fim de combatê-la. Ver p. 165 da
segunda edição de meu livro Conjectures and Refutations (1965).
4 — Repeti aqui o relato de uma experiência que já descreví
na p. 46 da segunda edição (1965) de meu Conjectures and Refu
tations.
5 — Francis Darwin (ed.), More Letters of Charles Darwin,
vol. I, 1903, p. 195. Ver também J. O. Widson, Foundations of Infe-
rence in Natural Science, 1952, p. 50; e Nora Barlow, The Autobio-
graphy of Charles Darwin, 1958, p. 161. O texto de Darwin termina
com as palavras (que, admito, o enfraquecem levemente como um
apoio de minha tese) “se isto for de alguma utilidade!”
6 — A doutrina ainda mais venerável de que todo conheci
mento parte da percepção ou sensação, e que é aqui, naturalmente,
também rejeitada, está na raiz do fato de que os “problemas de
percepção” são ainda amplamente considerados como formando parte
respeitável da filosofia, ou mais precisamente da teoria do conhe
cimento.
7 — Ver meu Logic of Scientific Discovery, especialmente pgs.
108 e 131, e também meu Poverty of Historicism, p. 133.
8 — Spencer também escreve, criticando Comte (Essays, 1891,
vol. II, p. 24): “O progresso da ciência é duplo. Vai ao mesmo
tempo do especial para o geral e do geral para o especial. É ao
mesmo tempo sintético- e analítico”. Como exemplos deste princípio,
Spencer menciona dez descobertas em física, incluindo as teorias
de Galileu e de Newton. (Ibid., pgs. 25 ss.).
9 — Peter B. Medawar, The Future of Men, Metuhen, 1961.
10 — Cito de Sir Charles Sherrington, The Integrative Action
of the Nervous System, 1906, 1947, p. 238.
11 — Ver J. M. Baldwin, Development and Evolution, 1902, e
Erwin Schrõdinger, 1958, especialmente o capítulo “Feigned La-
marckism”, pgs. 26 ss. Originariamente, também me referi aqui
a Sir Julian Huxley, Evolution — The Modem Synthesis, 1942. Sir
Peter Medawar chamou minha atenção para o fato de que a refe
rência é dúbia neste contexto e também me chamou a atenção
para o ensaio de Waddington; ver -atrás, nota 56 ao Cap. 6.
12 — G. L. Le Sage (traduzido por Abbot: “The Newtonian
Lucretius”), Annual Report of the Smithsonian Institution, 1898,
pgs. 139-60.
13 — Na conferência original, dois trechos deste parágrafo
ficaram em lugar diferente (aproximadamente uma página adiante.)
14 — Esta é apenas uma das incontáveis dificuldades da teoria
de Darwin às quais alguns neodarwinistas parecem estar quase
cegos. Particularmente difícil de compreender deste ponto de vista
é a transição de organismos unicelulares para multicelulares, que
têm novas e peculiares dificuldades para reproduzir-se e, especial
mente, para sobreviver, e que introduzem na vida algo de novo, a
saber, a morte; pois todos os indivíduos multicelulares morrem.
364
t
NOTAS AO “ADENDO”
NOTAS AO CAPÍTULO 8
1 — W. V. Quine, Word and Object, 1960, p. 264.
2 — W. V. Quine, From a Logical Point of View, 2.a ed. rev.,
1961, p. 2.
3 — K. R. Popper, “What is Dialectic?”, em Conjectures and
Refutations, 1963.
4 — K. R. Popper, The Poverty of Historicism, 1957, Prefácio.
5 — W. V. Quine, From a Logical Point of View, 2.a ed. rev.,
1961, p. 2.
6 — H. Weyl, The Theory of Groups and Quantum Mechanics,
1931, pgs. 72 e 393.
7 — M. Born, The Natural Philosophy of Cause and Chance,
1949, pgs. 189-91.
8 — E. L. Hill, em Mind, M atter and Method, Essays in Phi
losophy and Science in Honor of Herbert Feigl (P. Feyerabend e
G. Maxwell, eds.), 1966, p. 442.
9 — K. R. Popper, The Logic of Scientific Discovery, 1959,
68, 72 ( l.a edição alemã, 1934).
10 — K. R. Popper, "Quantum Mechanics without ‘The Obser-
ver’”, em Quantum Mechanics and Reality, 1967, M. Bunge ed.
11 —' J. Schwartz, “The Pernicious Influence of Mathematics
on Science”, em Logic, Methodology of Sdenee, 1962 (E. Nagel, P.
Suppes e A. Tarski, eds.), pgs. 356-60.
12 — L. Wittgenstein, Tractatus Logico-Philosophicus, 1922.
13 — K. R. Popper, Conjectures and Refutations, 1963, 1972,
Cap. 10 e Adendos.
NOTAS AO CAPÍTULO 9
1 — Esta formulação de nossa preocupação principal na ciên
cia está um tanto melhorada, para as ciências naturais, na última
secção deste trabalho. Uma palavra pode ser dita aqui acerca de
terminologia. Acho desinteressante (porque principalmente verbal)
o problema de devermos falar de “sentenças”, ou “asserções”, ou
“proposições” ; os principais críticos da terminologia de “sentenças”
de Tarski afirmam que sentenças são fieiras não interpretadas de
palavras que seguem certas regras de gramática e não podem por
tanto ser verdadeiras nem falsas. Desdenham o fato de que Tarski
fala explicitamente de “sentenças significativas” e só de linguagens
interpretadas. A fim de mostrar meu desprezo por este tipo de
crítica verbal, simplesmente uso, em vez de “sentença”, “asserção”
365
como sinônimo de uma sentença ou proposição interpretada, signi
ficativa. Adoto simplesmente a terminologia de meus opositores.
2 — K. R. Popper, The Logic of Scientific Discovery, secção
85, p. 278.
3 — Ob. cit., secção 84.
4 — Ver especialmente a nota 1 na p. 254 de A. Tarski, Logic,
Semantics, Mathematics, Clarendon Press, Oxford, 1956.
5 — The Encyclopedia of Philosophy, ed. Paul Edwards, Mac-
millan, 1967, vol. 3, p. 37.
6 — Ob. cit., vol. 2, p. 260. Ver meu Open Society, 4.a ed.,
Adendo I, secção 3.
7 — Sou realista nos dois sentidos da palavra. Primeiramente,
creio na realidade do mundo físico. Em segundo lugar, creio que o
mundo de entidades teóricas é real, como expliquei em meus ensaios
“Epistemologia sem um Sujeito Conhecedor”, “Sobre a Teoria da
Mente Objetiva” e “Uma Visão Realista da Lógica, da Física e da
História” (que agora formam os capítulos 3, 4 e 8 do presente
volume). Neles, mantenho minha oposição ao essencialismo — à
realidade de conceitos — mas afirmo a realidade de problemas,
teorias, erros, etc. (Quanto ao primeiro sentido, posso mesmo des
crever-me como um materialista, até onde creio na realidade da ma
téria, embora eu enfaticamente não seja materialista no sentido de
que o “materialismo” é a concepção de que a matéria (extensa)
é algo definitivo ou irredutível, ou que só ela é real. Ao contrário,
creio que pode haver uma teoria verdadeira da matéria que ex
plique a extensão da matéria por intensidades tais como forças,
como primeiro foi sugerido por Leibniz, Boscovic e Kant.)
8 — Comp. meu Logic of Scientific Discovery, p. 252, texto
referente à nota *1.
9 — Comp. A. Tarski, “The Semantic Conception of Truth
and the Foundations of Semantics”, Philosophy and Phenomenolo-
gical Research, 4, 1944, pgs. 341-76; ver especialmente a secção 19.
10 —■Para detalhes, ver Conjectures and Refutations, p. 223.
11 — Parece que o termo “linguagem-objeto” foi originaria-
mente introduzido para significar “linguagem que fala a respeito
de objetos (físicos)”. Uso-o no sentido de “linguagem que é objeto
de investigação” ; é investigada por uma teoria formulada em meta-
linguagem. (Isto, sem dúvida, dá origem à idéia de uma hierarquia
infinita de metalinguagens.)
12 — Um resultado só levemente menos importante filosofica
mente acerca dos termos mencionados em (3) é que, como termos
da metalinguagem, eles têm o mesmo caráter morfológico dos termos
mencionados em (1): isto é, pertencem à morfologia desenvolvida
na metalinguagem (ainda que não àquela sua parte que contém a
morfologia ou sintaxe da linguagem-objeto e pode ser desenvolvida
na própria linguagem-objeto).
13 — Comp. p. 152 da tradução inglesa, por Woodger, Logic,
Sèmantics, Mathematics, Claredon Press, Oxford, 1956.
14 — Assim Tarski acentuou que o conceito de verdade pode
ser introduzido por meio de axiomas, em vez de por meio de uma
definição.
15 — Comp. R. M. Martin, Truth and Denotation, A Study in
Semantical Theory, Rutledge & Kegal Paul, Londres, 1958.
16 — Ver K. R. Popper, Conjectures and Refutations, nota 33
a p. 116, com um agradecimento a Alexandre Koyré.
366
17 — Ver A. Tarski, ob. cit., pgs. 342-83
18 — Acompanho no principal o simbolismo de Tarski (espe
cialmente no uso de letras maiusculas grifadas para denotar sis
temas dedutivos) e exceto por escrever “T” para a classe de sen
tenças verdadeiras, quando Tarski escreve “Tr”.
19 — A. Tarski, Logic, Semantics, Mathematics, Clarendon
Press, Oxford, 1956, p. 343.
20 — Tarski referiu-se a S. Mazurkiewicz, “Über die Gundla-
gen der Wahrscheinlichkeitsrechnung I”, Monatshefte f. Math, &
Pkys., 41, 1934, pgs. 343-52. Emerge da nota 2 à p. 344 desse ensaio
que o Cálculo de Sistemas de Tarski era conhecido dos matemá
ticos poloneses já desde 1930. Q sistema de Mazurkiewicz tem certo
caráter finitista, em contraste com o meu próprio sistema (ver
L.Sc.D., pgs. 326-58), que pode ser interpretado de vários modos,
por exemplo, como um cálculo das probabilidades de sistemas de
dutivos.
Talvez eu possa mencionar que, no presente volume, estou
usando como símbolos para funções de medida, tais como proba
bilidade, conteúdo e verossimilitude, letras minúsculas grifadas: por
exemplo p (A ), ct(A ), vs(A ); ao passo que nos Adendos a Conjec
tures and Refutations, onde tratei pela primeira vez das duas
funções de medida, escrevi Ct e Vs.
21 — Comp. K. R. Popper, Conjectures and Refutations, Adendo
3, pgs. 391-7.
NOTAS AO ADENDO
1 — Comp. A. Tarski, “Der Wahrheitsbegriff in den forma-
lisierten Spracren” (Studia Philosophica, vol. I, 1935, pgs. 261 sgs.) ;
“The Concept of Truth in Formalized Languages”, em A. Tarski,
Logic, Semantics, Metamathèmaties, 1956, ensaio VIII, pgs. 152 a
278. Compreendo que Tarski prefira traduzir “Aussage” e “Aussa-
gefunktion” por “sentença” e “função de sentença (enquanto aqui
estou usando “asserção” e “função de asserção”) e que esses termos *
são os usados na tradução dos ensaios lógicos de Tarski pelo Pro
fessor J. H. Woodger, a ser em breve publicado pela Clarendon
Press, Oxford. (O livro foi publicado em 1956. Houve poucas outras
diferenças entre minha tradução e a de Woodger.)
2 — Comp. ob. cit., pgs. 311 (193) e 313 (195). Note,-se que
a classe de funções de asserção (ou funções sentenciais) inclui a
das asserções, isto é, de funções de asserção fechadawr.
3 — O primeiro método alternativo é esboçado por Tarski na
nota 40 à p. 309s. (p. 191, n. 1). (Não é explicitamente dito que
este método pode ser usado para o fim de evitar seqüências infi
nitas, mas é claro que pode ser assim usado.) O segundo método
é descrito na nota 43, p. 313s. (p. 195, nota 1). O método sugerido
nesta nota de Tarski, que é tecnicamente diferente do usado por
Tarski em seu texto, é usado por Carnap em seu Introduction to
Semantics (1942). p. 47s (mais precisamente, pgs. 45-8). Embora
Carnap se refira a Tarski, ele não leva em conta a antecipação,
por Tarski, deste método particular. (Há mesmo um terceiro método
indicado por Tarski na nota 87 à p. 368 (nota 2, p. 245). Este re
curso é muito simples mas, sem dúvida, altamente artificial, no sen
tido que Tarski dá à artificialidade; além do mais, este método
367
só se refere à definição da própria verdade, e não à do preenchi
mento (satisfação), que tem interesse por si mesmo.)
4 — Este conceito artificial é também usado por Carnap.
5 — A principal diferença entre meu método e os sugeri
dos por Tarski (mencionados atrás, na nota 3) consiste nisto: Tarski
sugere que correlacionemos com uma dada função (ou seqüências
infinitas ou) seqüências finitas de uma extensão definida (depen
dente da função), ao passo que eu uso seqüências finitas que são “de
extensão suficiente” (Definição 22a), isto é, não demasiado curtas
para a função em questão. Conseqüentemente minhas seqüências
finitas podem ser de qualquer extensão (além de um certo mínimo,
que depende da função). Mas a admissão de sentenças finitas de
qualquer extensão (desde que esta seja suficiente) não envolve
vaguidão alguma, pois facilmente obtemos um teorema (ocmp. c
Lema A de Tarski, p. 317 (198), de acordo com o qual, se f preenche
x, então cada extensão g de f também preenche x (onde g é uma
extensão de / se, e apenas se, para cada / existir um g tal que
g = / ). Assim o teorema nos informa que só precisamos consi
derar as seqüências finitas mais curtas dentre as que são ade
quadas à função sob consideração (certamente, à função composta
total sob consideração, em oposição a seus componentes).
6 — As “coisas” (como aqui as chamo; poderia chamá-las,
como Tarski, “indivíduos”, se não fosse o fato de que eu quero
evitar mencionar a complicação talvez levemente confusa de que
acontece serem os “indivíduos” de Tarski as classes individuais do
cálculo de classes) consideradas por Tarski nesta secção de suo
obra são classes; em vista do desenvolvimento dos §§ 4 e 5 de
Tarski, falarei aqui de “seqüências de coisas”, em lugar de seqüên
cias de classe”, admitindo que uma relação f d f é definida para
todas as coisas / e / .
7 — Comp. a Definição 6 de Tarski na p. 292 (176).
8 — Ob. cit., p. 294 (178). Tarski somente define explicita
mente a frase “A variável v ocorre livremente na função de sen
tença x” (ou “v é uma variável livre da função sentenciai x”).
9 — Esta é exatamente como a Definição 22 (p. 193) de
Tarski, com a exceção de que (1) é acrescentado à condição de
Tarski (a fim de substituir suas seqüências infinitas por finitas)
e de que nosso ( ô) (b), contém um pequeno ajustamento, até onde
se refere à extensão de / (e de g ). (Há uma desvantagem em tra
duzir “erfüllen” por “satisfazer” ; é esta: na definição de / satis
faz x faz-se uso da idéia inutitiva de “x preenche (isto é, satisfaz)
tais e tais condições”. Mas os dois “satisfaz” são tecnicamente muito
distintos, embora intuitivamente coincidam bem de perto. No texto
alemão nenhuma distinção terminológica se faz na p. 311, mas na
p. 312, nota ao pé, correspondente à nota 1 à pág. 193 da edição
inglesa, ocorre uma distinção entre “erfüllt” e “befrieãigt”. Não há,
por certo, circularidade na Definição 22.)
10 — A equivalência emerge da consideração de Tarski; comp.
ob. cit., p. 313, linhas 13 a 16 (p. 194, linhas 12 a 15).
11 — Comp. ob. cit. p. 320 (201), Definição 21 e seq.
12 — Podemos usá-la, por exemplo, para definir uma instan-
ciação de uma lei (não escrita como uma universalização, isto é,
escrita sem prefixo universal) como uma seqüência finita de coisas
que a satisfaz; ou, o que em minha opinião é mais importante, para
368
ê
NOTAS AO APÊNDICE
1 — Com a palavra “teórico” não quero significar aqui o
oposto de “prático” (pois nosso interesse podería muito bem ser
prático) ; deve-se entendê-lo antes com o sentido de “especulativo”
(tal como um interesse especulativo num problema preexistente)
em contraste com “perceptivo”; ou “racional” em oposição a sen
sitivo”.
2 — Compare-se F. A. von Hayek, “Scientism and the Study
of Society”, Eoonomica, N. S. 9, 10 e 11 (1942, 1943 e 1944); agora
também em Hayek, The Counter-Revolution of Science, 1952.
3 — (Acrescentado à tradução inglesa). Parte da história
completa será encontrada (embora um tanto concentrada e com
ênfase reduzida sobre o que tem sido aceito na prática efetiva como
uma explicação) em minha conferência feita em Veneza, “Philo-
sophy and Physics: Theories of the Structure of Matter” agora
contida em meu livro Philosophy and Physics (1972). Outras partes
se acham no meu Conjectures and Refutations primeira metade e es
pecialmente os capítulos 6, 3 e 4. (Ver-se-á que este último capítulo
expande e coincide com algumas partes da presente conferência.)
4 — Na tradução inglesa tornei o exemplo um pouco menos
desagradável.
5 — (Acrescentado à tradução inglesa.) Fiz primeiro estes
comentários sobre as noções de “causa” e “efeito” na secção 12
de meu Logik der Forschung (The Logic of Scientific Discovery).
Ver também meu Poverty of Historicism, pgs. 122s; meu Open So
ciety, especialmente a nota 9 ao cap. 25; e "What Can Logic do
for Philosophy”, Aristotelion Society, Supplementary Volume, 22,
1948, pgs. 145ss.
6 — (Acrescentado à tradução inglesa.) Esta análise não
deve ser interpretada como implicando que o tecnólogo ou o enge
nheiro só se preocupem em "aplicar” teorias que são fornecidas pelo
cientista puro. Ao contrário, o tecnólogo e o engenheiro são cons
tantemente defrontados por problemas a serem, resolvidos\ Esses pro
blemas são de vários graus de abstração, mas costumeiramente, pelo
menos em parte são de caráter teórico ; ao tentar resolvê-los o tec
nólogo ou o engenheiro usam, como todos os mais, o método de
conjectura, ou experiência, e teste, ou refutação, ou eliminação de
erro. Isto é bem explicado na p. 43 de J. T. Davies, The Scien
tific Approach, 1965, livro em que podem ser encontradas muitas
aplicações e ilustrações boas da teoria do holofote da ciência.
7 — Uma predição importante corresponde, em certo sentido,
a um teste severo ou a um “experimentum crucis” ; poip, a fim de
que uma predição P possa ser relevante para um teste de uma teoria
T, ela deve afirmar uma predição P ’ que não contradiga a con
dição inicial e o restante do horizonte de expectativas até agora
que não seja T (suposições, teorias, etc.) e que, em combinação com
as condições iniciais e o restante do horizonte de expectativas, con
tradiga P. É isto o que significa se dissermos que P ( —E ) deveria
ser (sem T) “inesperado”.
369
8 — Examinadores experientes acharão que a palavra “facil
mente” é um tanto irrealista. Como às vezes dizia meditativamente
o Presidente de uma Comissão Governamental de Examinadores em
Viena: “Se um estudante, ao responder num exame à pergunta
“Quanto são 5 mais 7” disser “18”, deixá-lo-emos passar, mas se
responder “Verde”, então, acho às vezes, depois, que teríamos real
mente de reprová-lo”.
9 — (Acrescentado à tradução inglesa.) Nos últimos anos
(desde 1950) tenho feito nítida distinção entre as tarefas da ciência
teóricas ou explicativas e as práticas ou “instrumentais” e tenho
acentuado a prioridade lógica da tarefa teórica sobre a tarefa ins
trumental. Tenho tentado enfatizar, mais especialmente, que as
predições não só têm um aspecto instrumental como também, e prin
cipalmente, um aspecto teórico, pois desempenham papel decisivo
para testar uma teoria (como se mostrou atrás nesta conferência).
Ver meu Conjectures and Refutations, especialmeríte o capítulo 3.
10 — (Acrescentado na tradução inglesa.) A incompatibilidade
da teoria de Newton com a de Kepler foi acentuada por Pierre
Duhem, que, acerca dos “principias de gravidade universal” de
Newton, escreveu estarem eles “muito longe de ser deriváveis por
generalização e indução das leis observacionais de Kepler”, por
quanto “contradizem formalmente estas leis. Se a teoria de Newton
é correta, ms leis de Kepler necessariamente são falsas”. (A citação
é da p. 193 da tradução de P. Duhem feita por P. P. Wiener, The
Aim and Structure of Physical Theory, 1954. O termo “observacio-
nal", aqui. aplicado às “leis de Kepler”, deve ser tomado com um
bom grão de sal; as leis de Kepler eram conjecturas atrevidas, como
o eram as de Newton; não podem ser induzidas das observações
de Tycho — tal como as de Newton não o podem ser das leis de
Kepler.) A análise de Duhem baseia-se no fato de que nosso sis
tema sòlar contém muitos planetas pesados para cuja atração mútua
deve ser dada uma tolerância de acordo com a teoria da pertur
bação de Newton. Podemos, contudo, ir além de Duhem; mesmo se
tomarmos as leis de Kepler como válida para um conjunto de siste
mas de dois corpos, cada um deles contendo um corpo central da
massa do sol e um planeta (de massa e distância variáveis nos
vários sistemas diferentes pertencentes ao conjunto), mesmo então
as terceiras leis de Kepller falham se as leis de Newton forem
verdadeiras, como mostrei em resumo em Conjectures and Refu-
tations, na nota 28 ao Cap. 1 (p. 62 e, com certo detalhe, em meu
ensaio “The Aim of Science” (1957) que é agora o Capítulo 5 do
presente volume, e também em Theorie und Realitat, editado por
Hans Albert, 1964, Capítulo 1, pgs. 73ss. especialmente pgs. 82s.
Neste ensaio digo algo mais a respeito de explicações que corrigem
seus explicando, (aparentemente “conhecidos” ou “dados”) enquanto
aproximadamente os explicam. Esta é uma opinião que tenho desen
volvido bem amplamente em minhas conferências desde 1940 (pri-
meiramente numa série de. conferências proferidas na filial de
Christchurch da Real Sociedade da Nova Zelândia; comp. a anota
ção à p. 134 de meu Poverty of H istoricism).
11 — (Acrescentado à tradução inglesa.) Uma análise mais
completa da “compreensão” é dada no Capítulo 4 do presente
volume.
370
ê
ÍNDICE DE NOMES
Palavras formadas de nomes próprios foram, em geral, alista-
tadas sob o nome da pessoa respectiva. Referências de importância
especial estão em grifo, n = anotação; ns = anotações.
371
Colodny, R. G., 335n. Feigl, H., 334n, 338n, 148, 192,
Compton, A. H., Cwp. tf, 193-194. 268, 365n.
e 356ns, 208-209, 2 1 1 - 2 1 5 e Fermat, P., 112.
8 6 1 n 8 , 220-221, 362n, 226-227, Feuerbach, L., 335n.
233. Feyerabend, P. K., 334n, 338n,
Comte, A., 364n. 345n, 148, 192, 365.
Copérnico, N., 95, 166-167, 349n, Forster, E. M., 35.
168 e 349n, 329. Foucault, L., 349n.
Coriolis, G. de, 349n. Fowler, H. W., 338n.
Cotes, R., 183. Frege, G., 77, 108, 111 e S42n,
112, 127 e 343ti, 148, 151, 153,
346n, 347n.
Darwin, C., 29, 40, 71-72, 74, 81, Fresnel, A., 190 e 355n.
99, 120, 143, 147, 347n, 207, Freud, S., 336n.
221-222, 362n, 234-235, 364n, Frisch, K. von, 361n, 362n.
237, S6Un, 238-239, 21,3-21,8 e
S61,n, 248, 252, 257-258 e 865n.
Darwin, F„ 364n. Galileu, 27, 165-170 e 349-350718,
Davies, J. T., 369n. 113, 353n, 191n, 185-186 e
Descartes, R„ 9, 42, 45-46, 46 e 355n, 187-189, 239 e 364n, 328.
336n, 73, 77, 80, 109, 342n, Ghiberti, L., 351n.
128 e 34471, 130, 148, 347ti, Godel, K., 53, 347n, 296, 301.
182-183, 211-215 e ■3 6 1 ti, 221, Goldbach, C„ 120, 157.
227, 229-231 e 363n, 233, 296, Goldschmidt, R. B., 2 5 7 - 2 6 0 e
329. 365718.
Dewey, J., 68. Gombrich, E. H., 345n, 148, 351n,
Diels, H., 354n. 363n.
Dilthey, W., 155, 349n, 1 6 8 e Gomperz, H., 149.
3 4 9 ti, 174, 1 7 7 e 35271, S 5 4 t i . Good, I. J., 336n.
Diógenes Laércio, 346n. Green, D. E., 360n.
Dirac, P„ 193, 201, 248.
Drake, S., 349n.
Dresden, A., 345n, 148. Hadamard, J., 358n.
Duane, W„ 277-278. Haldane, E. S., 148, 347n.
Ducasse, C. J., S44n, 148. Hamlyn, D. W., 338n.
Duhem, P., 355n, 370n. Hanson, N. R., 358n.
Harsanyi, J. C., 28 e 334n.
Haydn, F. J., 351n.
Eccles, Sir John, 9, 40 e 335n, Hayek, F. A. von, 342n, 342n,
340n. 149, 346n, S52ti, 369n.
Eckart, C., 359n. Heath, D. D., 354n.
Edwards, P„ 338n, 366n. Hegel, G. W. F., 108, 126-127,
Einstein, A., 20, 27, 34-35, 335n, 149, 151-152 e 345n, 346n, 348n,
49,50 e 3S7ti, 58-59 e 399ti, 272, 275.
60, 63, 65, 70 e 339n, 75, 103- Heinemann, F., 149.
104, 129, 134, 168-169 e 349n, Heisenberg, W., 193, 357n» 200
171 e 350n, 195-196 e 351n, 190 e 358ti, 202, 359n, 208, 214, 248,
e 355n, 199-200, 354, 358ns, 271, 276-278.
360n, 226, 235 e 364n, 239, 241, Hempel, C. G., 335n.
246, 248, 276, 308, 319. Henry, P., 149.
Ellis, R. L„ 354n. Heráclito, 46, 126.
Elsasser, W., 357n. Heródoto, 175 e 352n.
Eschenbách, M. E. von, 336n. Hesíodo, 175 e n, 352n.
Euclides, 78, 131, 135. Heyting, A., 111, 129 e 344ti,
Exner, F., 357n. 345n, 137 e 345ti, 149, 281.
372
ê
Hill, E. L., 277 e 365n. 149, 168 e 348n, 172, 258 e 365
Hobbes, T., 9, 150, 352n. n, 270.
Hochhuth, R., 335n. Lamarck, J., 99, 143, 147, 2A5,
Hormann, H., 337n. 36An, 2A6-2A8, 255, 260.
Hubel, D. H., 340n. Lamettrie, J. J. de (Offray de La
Humboldt, W. von, 337n. Mettrie), 206-207.
Hume, D., 9, 13, 15-20 e 333-33A Landé, A., 336n, 200, 271, 277,
ns, 22, 23, 31-32, SS-SA, 335n, 278.
68, 80, 84, 88-89 e SAl-SASv, Laplace, P. S., 134, 357n, 204,
99-100, 101-103, 109-110, 128, 360, 211, 245.
347n, 202-20A, 359ns, 206, 208- Lashley, K. L., 337n.
209 e 360n, 210-211, 227, 248, Le Sage, G. L., 245-246 e 364n.
296, 324. Leavis, F. R., 340n.
Husserl, E., 149, SA7n. Leibniz, G. W., 39, 151, 356n,
Huxley, A., 360n. 366n.
Huxley, Sir Julian, 364n. Lewis, H. D., 354n.
Lillie, R., 357n, 361n.
Lindauer, M., 361n, 362n.
Jennings, H. S., 34 e 335n, 72, Livingstone, D., 287.
175 e 351n, 362n, 362n. Locke, J„ 9, 42, 45, 46, 68, 73,
Jessop, T. E., 148. 340n, 90, 109-110, 128, 155.
Jordan, P., 357n. Lorenz, K. Z., SAOn, 340n, 98,
Jung, K., 336n. 362, 246.
Luce, A. A., 148.
Lucrécio, 357n, 364n.
Kahn, C. H„ 363n. Lutz, B., 362n.
Kant, I, 333n, 3A, 37-38, 42, 46,
SAOn, 340n, 88-89 e SAln, 92,
9A-95, 98, 107, 109, 111-112, Macbeth, N„ 252 e 365n.
343n, 129-131 e SAAns, 133-135, Mach, E., 47, 90, 354n, S6Sn.
345n, 141, 149, 345n, 351n, MacKenna, S., 149.
356n, 359n, 217, 245, 366n, Martin, R, M., 366n.
302, 313-314.
Martin, T. H., 342n.
Keller, H., 347n.
Marx, K., 333n, 41 e 335n.
Kemp-Smith, H. 344n. Maxwell, G. 334n, 338n, 345n,
Kepler, J„ 27, 65, 74, 86, 167, 148, 365n.
350n, 350n, 351n, 363n, 191n,
185-186 e 355n, 188-189, 192, Maxwell, J. C., 190 e 355n, 248,
197, 225, 239, 248, 274, 328, 279, 329.
370n. Mazurkiewcz, S., 306 e 367n.
Kipa (um índio sherpa), 44 e Medawar, Sir Peter, 364n, 243 e
335n. 864n, 364n.
Kleene, S. C„ 345n, 345n, 149. Médico, F., 351n.
Kõrner, S. C., 358n. Menger, K., 297.
Kotarbinski, T., 297. Mill, J. S,, 155.
Koyré, A., 366n. Miller, D., 107n, 339n, 340n.
Kramers, H. A., 193 e 356n, Moore, G. E., 45 e 335n.
358n. Morgan, C. L., 72.
Kranz, W., 354n. Moser, S., 334n, 354n, 191, 332n.
Kretschmamn, E., 351n. Mostowski, A., 347n.
Kronecker, L., 119, 156. Motte, A., 355n.
Kühn, T. S., 351n, 358n. Mozart, W. A., 206 e 360n, 232.
Lakatos, I., 33An, 3S6n, 342n, Musgrave, A., 335n, 335n, 345n,
343n, 135 e SA5n, 345n, 345n, 149, 348n, 362n.
373
Myhill, John, 136 e 345n, 149. Reichenbach, H., 280.
Nagel, E., 339n, 149, 365n. Reid, T., 9, 38, 45, 73, 81, 342n.
Needham, J., 360n. Rembrandt, 49, 178.
Nelson, E., 336n. Richards, I, A-, 347n, 348n.
Neugebauer, 0., 349n. Robinson, R. M., 347n.
Neumann, J. von, 358n. Rootselaar, B. van, 150n, 191.
Neurath, 0., 65 e n, 339n. Rosen, N., 358n.
Newton, I., 21, 27, 30, 335n, 50, Rosa, G., 148, 347n.
58-61, 63, 65, 86, 94, 103, 131, Ross, G., 148, 347n.
134, 345n„ 167, 168 e 349n, 169, Routledge, H., 44 e 335n.
175 e 851ri8, 354n, 183, 389, Russell, B., 13, 16 e 334n, 18-20,
186, 185-189 e 355718, 196-200 22-33, 37, 45 e 335, 50 e 337n,
e 356, 357n, 201, 359, 239 e 70-71 e 339n, 77, 341n, 90, 93-
364n, 243-246, 364n, 248, 279, 94, 95, 97, 109-110, 112, 343n,
308, 328-329, 370n. 128 e 343n, 139, 144, 150.
Nietzche, F., 273. Ryle, G. 20, 22, 360n.
Nowell-Smith, P. H., 357n.
Salmon, W., 87.
Ockham, William of, 268, 270, Schilpp, P. A., 337n, 339n, 358n.
276. Schlick, M., 357n, 208-209 e 360n,
Orwell, G. 360n. 210-211, 213, 227, 287.
Schopenhauer, A., 356n, 273.
Schrodinger, E., S50n, 193, 357n,
Parmênides, 14, 339n, 364n, 275. 199-200, 359n, 225, 245 e 364n,
Pauli, W„ 248. 248, 270, 274, 275.
Peirce, C. S., 198-199, 357n, 200, Schwartz, J., 280 e 365n.
359n, 203, 208, 227-228, 271. Selby-Bigge, L. A., 333n, 333n,
Pemberton, H., 356n. 341n, 341n, 341n, 342n, 359n.
Petersen, A. F., Sexto Empírico, 101, 346n.
Pirie, N. W., 360n. Shakespeare, W., 338n.
Pitágoras, 351n, 320. Shearmur, J., 9.
Pitéias de Marselha, 21, 99. Sherrington, Sir Charles, 244 e
364n.
Planck, M„ 199 e 357n, 277. Simon, A. W., 193 e 356n.
Platão, 108, 118, 123-125 e 343 w, Simpson, G. G., 262n, 245.
126-127, 132-133, 135, 137, 149, Skiner, B. F., 360n.
151-152 e 345 ti, 154 e 346n, Skolen, T. A., 297.
154-155, 184 e S55 ti, 275-276. Slater, J. C., 193 e 356n, 358n.
Plotíno, 125-126 e S43ti, 130, 149, Soddy, F., 21.
346n. Spedding, J., 354n.
Podolsky, B., 358n. Spencer, H., 221, Cap. 7, 234 e
Poincaré, H., 139. 363n, 235, 239 e 364n, 240,
Polya, G., 132. 244, 245, 248, 257.
Powell, J. U., 352n. Spinoza, B., 42, 131, 356n.
Ptolomeu, 167, 339n, 349n. Staal, J. F„ 150n, 191.
Stove, D'., 334n, 341n.
Strawson, R., 22.
Quine, W. V., 365n, 268 e 276, Suppes, P., 339n, 149, 365n.
282. Szilard, L., 140,
374
*
375
t
ÍNDICE DE ASSUNTOS
As chamadas de importância especial estão grifadas. Onde as
chamadas se subdividem, um traço indica a repetição do subtítulo
anterior, n = nota; ns = notas; t = termo explicado.
377
245, 315-316; com os erros, 42- base, conhecimento de, 42-43, 55,
43, 177, 226, 242-243. 75, 83, 160 e 348n, 162, 164,
aproximação, 27, 186-189 e 855 166, 172, ver também expecta
ns, 246, 328-329 e 370n, ver tivas (horizonte de).
também simulação; da verda básicas, asserções, 18, 334n, ver
de, ver verdade (aproximação também observação (asserções
da). de).
argumento, 30, S37n, 109, 113, behaviorismo, 67, 340n, 82, 342n,
123-124, 136-137, 205-207, 217- 115- 116, 153, 204, 207, 212, 218,
219, ver também critica, dis 267-270, 316.
cussão e linguagem, ver lin biologia, 33, 47, 99, 201, 214-215
guagem (funções da, argumen- e 361n, 217, 239 e 363n, 364n,
tativa). 240, 248, ver também evolu
arte, 41, 48-49, 109, 126, 145, ção; e teoria do conhecimento,
172 e S51n, 174, 175, 231, 232 29, 40, 70-76, 79, 82, 107, 114-
e 363n, 327. 117, 142-144, 146, 238-242, 261-
Associação de idéias, 16, 68, 72, 265, 315-317, 319; método em,
340n, 93, 97-98, 359n, 316, 318, 234-235, 242-248; e percepção
ver também balde (teoria do). ou psicologia, 34, 69, 76-77, 81,
astrologia, 167-168, 169 e 350n. 91, 99, 143-144, 315-316; re-
atomismo, 313. dutibilidade da, 266-267; aná
atração ou força (newtoniana), logos na biologia do mundo, 15,
168, 355n, 355n, 246-246, 329. 114-119, 128, 143, 156, 218, 261-
audácia, ousadia, 26, 27, 59, 84, 262, 275.
327. bolhas, 228-229 e 365n.
automático, piloto, 224, 250-253. “bondade” das teorias, ver pre
ferência.
auto (de si mesmo), 77, 106, 147; calor, movimento molecular de,
consciência, 44 e 335n, 78,
199 e 357n, 228, ver também
363n; crítica, 145; -expressão, indeterminismo (Peirceano).
121, 145-146, ver também lin
guagem (funções da, expressi causalidade, 334n, 88-95, 98, 116,
v a ); transcendência, 122, 144- 145, 180, 202-203 e 359n, 244,
147. 273, 279, ver também explica
avaliação, 63-64, 141-142, ver ção; e indução, 88, 89, 90-93,
98.
também preferência.
axiomatização, axiomaticidade, causa e efeito, 334n, 92-94, 98,
338n, 56, 136, 347n, 304, 306. 116- 117, 202, 361n, 824 e 869n.
certeza, 20-22, 31-32, 36, 45, 53
e 338n, 68-69, 73, 77, 79, 81,
balde, teoria do: mental (teo 85, 99-101, 106, 130, 132, 137,
ria de senso comum do conhe 168, 349n, 177, 241, 332; tipos
cimento, epistemologia subjeti- de, 82-84; procura da, 45, 49,
vista), 1 4 ,14, 22, Cap. 2, 43-45 68, 78-82, 177, 332; versus
e 335n, 46, 47, 49-51, 66t-73, compreensão, 348-349n, 177.
77-81, 88-91, 95, 101-102, 106- ceticismo, 16, 31, 89, 101-103,
107, 110, 113, 123, 128 e 344n, 107; clássico, 101, 296.
136, 138-140, 143-144, Apêndi ciência, ciências, 37, 38-39, 88,
ce, 313 e 332n, 314, 316, 318; 108, 115-116, 138-140, 349n,
versus realismo, Cap. 2, 47, 49, 1,76, 191, 217, 238, 265-266,
70, 89-91, 101-102, 106-107, ver 280, 331-332; meta ou tarefa
também realismo; — e reli da, 47-48, 51, 60, 74, 85, 122,
gião, 70, 73, 81, 128, 130, 182- 142, 174-175, Cap. 5, 180-191,
183; da ciência, Apêndice, 313. 241, 294 e 365n, 308, Apên
Baldwin, efeito de, 147, 224 e dice, 321, 324, 327 e 370n; e
362n, 245 e 364n, 246t, 248. explicação, 180, 182, 190, 240-
378
*
379
como conjectural, Cap. 1, 20-22, ver também mundo 3 (autono
24, 33, 39-40, 48, 64, 79-80, 81, mia do).
82- 84, 95,102,106-107,122,147, conservação, leis de, 167-169.
347n, 184, 236, 241-242, 274, construção intuicionista, 130 e
331; demonstrável, 79-80; cres 344n.
cimento do, 43, 45, 71, 75, 88, conteúdo, conteúdos (classe de
88, 113-114, 122-123, 127, 140- conseqüência, sistema dedutivo
147, 231, 235-242, 262-265, ver axdom&tizável), 53-59 e 338-
também ciência (progresso n a); 339ns, 60-65, 77-78, 84-85, 121-
imprevisibilidade do, 278; cres 122, 154-155, 182 e 354n, 185,
cimento do — subjetivo, 71, 88, 292, 302-308; comparabilidade
147, ver também eliminação■; dos, 56-58 e 338n, 59, 64-65;
objetivo, 35, 71, 77-78, 79-81, empírico, 338n, 141, 142, 244;
83- 84, 89, 94-96, 100, 102, 110- falsidade, 54-58 e 338n, 59,
114, 115-116, 116-117, 122-123, 62-64, 84-85, 304-308; e infor
127, 145, 147, 348n, 262, 273- mação, 26, 28, 29, 61; medida
275, 279, ver também mundo 3; de, 57 e 338n, 58-59, 61-62, 64-
análogo subjetivo do —, 81-82; 65, 103, 304, 306-307 e S67n;
parcial, 210; subjetivo, 35, 49, relativo, 55-58, 304-307; e pro
69, 71-72, 71-82, 108-114, 115- babilidade, 27-28, 56-57, 103,
116, 122, 139, 158-159, 273-274, 141, 306-307; de verdade, 54,
ver também crença, disposi 57, 338n, 60-64, 84-85, 121, 141,
ções, expectativas, mundo. 2; 303t, 309; zero, 55-56, 805-807.
abordagem objetiva do —, 114-
116,159-162, 171, 177-179; teo contínua: massa, teoria da
ria do (epistemologia), 33, 36, (Brou-wer), 111, 136-137.
41-44, 50, 65-85, 88-89, 101- contradições, 126-127, 272.
103, 105-107, Cap. 3, 235-242, controle, 212-215, 219-224, 227-
ver também método (científi- 233; férreo, 213, 228, 227-233;
fico); — e biologia ou evolu e consciência, 203-231, ver tam
ção, 29, 40, 70-77, 79, 81, 82, bém Descartes (problema de);
107, 114-117, 142-145, 146, 238- eliminador de erro, 223 e 362n-
242, 261-265, 313-317, 319; — 225 e 362n; modelos de chave-
e conhecimento científico, 16, mestra de, 361n, 213-215, 227,
18-20, 79-80, 95, 110, 113, 127, 229; por significação ou con
139; — subjetivista, ver balde teúdo de teorias, 219-221, ver
(teoria do); — tradicional, também Compton (problema
110, 113, 123, 344n; é impreg de); plástico, 213, 215, 219-
nado de teoria, 76, 106; árvore 222, 224, 227-229, 230-233.
do, Cap. 7, 239-341, 255. convencionalista: estratagema
conjecturas: o conhecimento (imunização), 40, 335n, 47,
consiste de, ver conhecimento 331.
(conjectural); e refutações, Copérnico, teoria de, 167, 349n,
84, 159, 163, 235-236, 237-238, 168 e 350n.
241, 369n, ver também método eorpo-mente: dualismo, 151-152,
de experiências. 346n, 231 e 363n, 249; proble
consciência, 35-36, 78-79, 108, ma, 78,' 109, 146-147, 153 e
110, 126-127, 152, 229-231 e 346n, 153, 207, 210-215 e 361ns,
363n, 268, 316, ver também co 220-221, 227, 229-233, 267-270.
nhecimento (subjetivo), estado correspondência: com os fatos
(mental). ou a realidade, 51-53, 64-65,
conseqüência, classe de (sistema 240, 266, 284-292, 295, 297-300,
dedutivo), ver conteúdo. 325, 85-87; teoria da verdade,
conseqüãncias não pretendidas, ver verdade (teoria da corres
43, 118, 136-137, 156 e 346n, pondência).
380
t
381
dialética, 124, 126, 348n, 272, 275. empirismo, 13, 17, 40, 68, 89, 93,
diferenciação (Spencer), 239, 127-128 e 343n, 138, 357, 313-
244, 245. 314, 327; princípio do, 23.
direto ou imediato, 45, 67-69, 73, entropia, 140.
77, 81, 102, 106, ver também epifenômenos, 201, 359n.
decifração. epistêmica: atitude (Ducasse),
discursivo, pensamento, 344n, 343n; lógica, 110, 127, 1S8-1S9,
130-131 e 344n, 134-137. 283-284.
discussão, 27, 37, 63-65, 71, 83- epistemologia, ver conhewmento
87, 122, 135-137, 140, 160, 219- (teoria do).
220, 263, 279-280, 284, ver tam erro, 177, 226; teoria subjetivis-
bém argumento, linguagem ta do, 68, 73, 340n, 314.
(formulação em). erros, eliminação de, ver elimi
disposições, 48, 71-72, 75-76, 79- nação.
80, 108-110, 114, 122-123, 158, escolasticismo, 41 e 335n.
315-316, ver também conheci escolha: da teoria por ação, 31-
mento (subjetivo), mundo 2; S3, 86-87, 341n; entre teorias
inatas, ver inato. concorrentes, ver preferência;
seqüência (Brouwer), 111, 119.
documentária, evidência, 158-159, espaço: intuição do, 129-130 e
176-177, 179 e 353n, 354n. 344n, 135; teoria kantiana,
dogmatismo, 33, 40, 43, 69-70, 112, 129-130 e 344n; teoria
165, 168, 243, 248, 319-320. newboniana, 352n.
drosófila (mosca das frutas), especialização, 174 e 351n.
255. esperança, 100-101; monstros es
dualismo: corpo-mente, ver cor- perançosos, 257-260.
po-mente; genético, ver gené Espírito Absoluto ou Objetivo
tico. (Hegel), 108, 126-127; ver
Duane, princípio de, 277-278. ver também mundo 3 e Hegel.
dúvida, 44, 139. esquema de explicação, ver ex
plicação; de experiência e eli
minação de erro, ver método
ecológico, nicho, 118, 143, 147, de experiência.
362n, 259. esse = construi (Brouwer), 132-
Einstein, teoria de, 335n, 60, 63, 133, 134, ver também intui-
65, 86, 103, 129, 175, 200, 276; cionismo.
e teoria de Newton, 20, 27, 58- esse = percipi (Berkeley), 128,
59 e 339, 65, 103-104, 246, 308. 270.
eliminação, 88, 120, 148, 163, 219, essencialismo, essências, 21, 342n,
225, ver também refutação; e 124, 182-183 e 354n, 184-185,
evolução, 88, 222-224, 230, 264- 284, 366n, ver também univer
265; com o portador X pela sais; modificado, 183 e 354n,
crítica, 71, 75, 88, 95, 98, 123, 184-185.
146, 222, 223, 226-227, 238; estado: de uma discussão, 109,
método de, 26,148, 241-242, ver 361n, 231, ver também mundo
também método de experiên 3; mental, 108-110, 145, 152,
cia e erro. 346n, 155, 212 e 361n, 230-231
emersão, 120, 122, 144, 358n, e 363n, 267-268, 273, ver tam
207, 218, 222-224 e S62n, 233; bém mundo 2; físico, 152, 361n,
e redução, 265-276. 229-231 e 363n, 269, 273, ver
empatia, 159, ver também com também mundo 1.
preensão. estatística, teoria: e determinis
empírica (o): base, 40, 176; mo, 278; a teoria do quantum
conteúdo, 338n, 141-142, 244; como, 278-279.
asserção, 334n. estímulo e reação, 214-215 e 361n.
382
t
estoicismo, 125, 151, 154 e 3Jt 6n, exemplos (Hume), 15-16, 18-20,
155, 245-296. 98; de uma lei, 30-31, 368n.
estrutura de perícia, 251-257, existenciais, asserções, 334n, 24-
259-260. 25, 331.
estruturas biológicas, 114-116, expectativas, 15, 20, 31, 33-34,
ver também mundo 3 (análo 35-36, 67-68, 71, 74, 75, 144,
gos biológicos). 236, 243, 316-318, 331, ver tam
éter: material, 355n. bém conhecimento (subjetivo);
ética, 360n. horizonte do, 35, S17t-S18, 326
evidência: documentária. 158- e 369n, 330, ver também base
159, 176-177, 179 e 353n; graus (conhecimento de); inatas, ver
de (Heyting), 136-137; inde inato; inconsciente, 34-35, 316.
pendente, 181-182, 190. experiência, 16, 18, 23, 45, 66, 69,
evocativo, aprendizado, ver 106, 146, 314-315, 317, 331; e
aprendizado. decifração, 45, 68-69, 70, 77,
evolução, 29, 38, 40, 73-75, 81, 88, 91.
99, 114-115, 120, 122, 142-147, experiência e erro, ver método de
358n, 206-207, 213, 215-220, experiência e eliminação de
221-225 e 862ns, 227, 229-230, erro.
232, Cap. 7,234-235, 238-240, experiências: cruciais, 25-26, 369
242-260, 264-265, 271, ver tam n; como testes, 243.
bém genético (dualismo); teo explicação, 38, 93, 123-124, 180-
ria geral deste autor, 221-224, 191, 240-242, 244-245, 269, 317,
233; criativo (Bergson), 224, 321-327, ver também causali
246; e emersão, ver emersão; dade, redução, simulação; cir
endossomática, 143-144, 218, cular ou ad hoc, 181-182, 189,
222, 230; exossomática, 98, 121, 246, 269, 323, 326, 328; e de
143-144, 218-219, 222, 224, 230, dução, 321-323; e correção de
232, 261-262, ver também mun explicandum, ver explicandum;
do 3 (análogos biológicos); histórica, ver histórica (expli
problema de mudanças dirigi cação); história da, 321, 329-
das a um alvo, etc., da teoria 330; e condições iniciais, 94,
259-260; de instrumentos, 239- 182, 322-326; do conhecido pelo
da, 225, 245-246, 249, 254-257, desconhecido; 180, 321-322; e
241; e teoria do conhecimento, modelos, 245-246, 329-330; e
ver conhecimento (teoria do e predições, 183, 321, 324-326 e
biologia); da linguagem, 75, 369n, 327; representação es-
88, 346n, 215-220; leis da, 221, quemática da, 323, 325-326; de
244; caráter lógico da teoria sucesso na busca de conheci
da, 74-75, 221-222, 244, 245- mento, 33, 38, 100, 19Í; defi
246, 248, 271; problemas de nitiva ou final, 124, 182-183,
método na teoria da, 242-248; 331, ver também essencialis-
da mente ou consciência, 229- mo; e leis universais, 182, 184-
230, 363n, 317; problemas de 185, 322-323, 325-326.
organismo na, ver problemas explicandum, 180-182, 321-324,
326, ver também explicação;
(evolucionários) ; e autotrans- correção de, quando explicado,
cendência, 145-148; árvore da, 27, 185-189, 191-192, 328-329 e
239-240; imprevisibilidade da, 370n.
271. explicans, 180-183, 321-322, 324-
exiatidão, precisão, 64, 344n, 189, 325, ver também explicação.
359n, 203-205, 246-247, 327-328. explicativa, força, 59, 141.
excluído: centro, 128, 132, 282. expressão, 109, 121-122, 144-145,
executivos: órgãos, 249-260, ver 147, 155, 346n, 162, 174, 215-
também evolução. 216, 219; como função da lin-
383
guagem, ver linguagem (fun futuro e passado, 14, 37, 73-74,
ções da, expressiva). 93, 98; ver também indução
expressionismo, 144-145, ver (problema da, tradicional).
também mundo 2 (o mundo 8 Galileu, teoria de: e teoria de
tomado como. expressão do). Newton, 27, 354n, 185-188 e
355n, 187-189, 239 e 364n,
328-329; das marés, 165-169 e
falibilidade, 49, 69-70, 122, 133, 349-350ns, 353n.
242, ver também conhecimento galinha e ovo, 318.
(conjectural). Geisteswi8senschaften (humani
falseamento, ver refutação. dades), 155, 157-158, 174-177-,
falsidade, 24-25, 155, 217, 287; ver também compreensão.
conteúdo de, 54-58 e S38n, 59, genético: código, 78, 88, 147-148;
62-65, 84-85, 304-308; e apro dualismo (pluralismo), 145,
ximação da verdade, 60-62, 292, 147-148, 223, 230, 231-232, 248-
ver também verossimilitude; 260; monismo, 249-250, 252-
retransmissão de, 40, 279-280, 255.
283; no mundo- 3. geneticamente a priori, 95, ver
fatos, 53, 105, 266, 289, 291, 298- também inato.
299, 302; correspondência com geometria, 95, 129, 131, 167,
os, ver correspondência; duros, 349n.
106. Gestalten, 67, 356n.
fenomenalismo, 336n, 49, 359n, gravidade, 20, 58-59, 63, 103, 175,
270. 245-246.
fenompnologia, 336n, 49, 447n.
filo, 222-223, 230, 319. hábito, 146-147, ver também cos
filosofia, filósofos, 41-43, 49, 51, tume.
65, 68, 126, 151, 160, 350n, 194, harmonia do mundo, 350n, 225.
221, 297, 319-320. hermenêutica, 157-158 e 347n,
filosófico: determinismo, 202-205 174-177, 352n, 179 e 353n, ver
e 359, 360ns; redução, 267-270. também compreensão.
física: realismo X subjetivismo heurística, 34, 116, 132, ver tam
em, 139-140, 276-279; redução bém problema (solução de).
da química à, 266-269. hipóteses: morrem em lugar de
fisicismo, 207-208, 268-272. nós, ver eliminação; todo co
físicos: movimentos e estados nhecimento como consistindo
mentais, ver Descartes (pro de, ver conhecimento (conjec
blema de); mundo ou universo tural); Newton acerca, das,
físico, ver niundo 1; entida 183.
des físicas e abstratas, ver história, 72, 162-163, 176-179 e
(Compton, problema de). 352-853ns, 262-263, 271-276; da
fontes de conhecimento, 66, 81 e ciência, 17, 63, 164-172 e 349-
340n, 130-131, 133, 135, ver tam 350, 176, 321, 327, ver também
bém balde (teoria do). Galileu (teoria de), etc.
histórica: explicação, 171-172,
força-ou atração (newtoniana), 176-179 e 352-353ns, 325-326,
168, 355n, 355n, 245-246, 329. ver também situadonal (aná
formalismo, 132 e 344n, 133, 136. lise); evolução e —, 245-246,
Formas (Platão), 108, 124-126, 248; compreensão —, 158, 162,
151-154, 184 e 355n. 164-173, 176-179, ver também
funções de asserção, 309-312 e compreensão.
364-368ns. historicismo, 184.
fundamentos (bases) do conhe holismo, 196 e 356n.
cimento, 42-43, 45, 49, 68-69; holofote, Apêndice, 332n, 318,
ver também ponto de partida. 369n, 328, 332.
384
$
385
mundos 1, 2 e 3, ver mundo 1, leis: “estabelecidas”, 20-22; fal-
mundo seamento de, 25; são todas
interpretação, 117, 158, 159-160, hipotéticas, 20, 184, 330, ver
350n, 352-353n, ver também também conhecimento (conjec
compreensão; da experiência, tural); exemplo de, 30-31, 368
45-152n, ver também decifra- n; da natureza, 95, 101, 175
ção. e 351n, 182, 184-185; obs|er-
interpretatio naturae, 353n. vacionais, 191-192, 370n; uni
intuição, 129 e 344n, 180, 130- versais, 182, 184-185, 244, 322-
131. 323, 325-326, 330-332.
intuicionismo, 128-138 e 343-345 liberdade, 126-127, Cap. 6, 195-
ns, 280-282. 196, 201-202, 360n, 209, 212-
irracionalismo, 13, 15-16 e 333n, 214 e 361n, 232-233, ver tam
17, 22, 37, 84-85, 341n, 92-94, bém controle (plástico); pos
98-99, 102. tulado de Compton, 212-213,
215, 220; e determinismo, 201-
202, 205-206 e 360n, 206, 208,
justificação: como alvo, 39, 51; 361n, 233; e indeterminismo,
de crença ou conhecimento, 15, 359n, 208, 212-213, 361n, 232-
17, 18, 24, 35, 39-40, 45, 71, 86, 233.
90, 341n, 123, 128, 136, 242; linguagem, 34, 46, 48-49, 72, 78,
da indução ou de princípios 115, 343n, 135, 156, 190, 255,
indutivos, 15, 37-39, 93, 95-96, ver também linguística; ani
99-101; de preferência por teo mal, 121, 123, 215 e 361n, 216-
rias, 18-19, 72, 85-87, ver tam 217; e comunicação, 109, 121-
bém preferência. 122, 135, 155, 346n, 215-216,
ver também linguagem (fun
ções, da, sinalizadora) ; evolu
Kant-Laplace, hipótese de, 245. ção da, 75, 88, 119, 346n, 215-
Kant, problema de, ver demarca 220; crítica possibilitada pela
ção.
formulação em, 35-36, 40, 71-
kantiano, kantianismo, kantismo, 72, 75, 88, 98, 120-123, 226,
37, 94-95; até onde ser corri 240, 243; funções da: argu-
gido, 34, 339n, 94-95, 302; in
tuição, 129-131 e 344ns, 134- mentativia, 40, 48 e 337n, 75,
88, 94-95, 120-121 e S42n, 122-
135; e física newtoniana, 94- 123, 135-136, 346-347n, 361n,
95, 345n; filosofia da mate
216, 217-218, 219, 240; descri
mática, 129 e 344n, 130, 180-
181 e 344n, 133, 135; Russell tiva, 218 e 337n, 75, 88, 95,
120-121 e 342n, 123, 135, 346n,
como, 37, 94; teoria do espaço,
112, 129-130 e 344n, 130-131; 361n, 217, 217-219, 240; dis-
teoria do tempo, 129 e 344n, tintividade das —, 342n, 216,
129-131, 134. 218, 224; expressiva ou sinto
Kepler, teoria de (leis de), 65, mática, 109, 120-122, 155, 346n,
86, 167, 197, 274; incoerência 215-216, 218; relações das fun
com a teoria de Newtom, 27, ções superiores e inferiores,
191n, 185-186 e 355n, 187-189, 121, 346n, 216-220, 224; exor-
191-192, 239, 328-329 e 370n. tativa e persuasiva, 361n; si-
nalizadora ou libertadora, 109,
120-121, 346n, 361n, 215-216,
lamarckismo, 99, 142, 247; simu 218-219; (ou pensamento dis
lado pelo darwinismo, 147, 224 cursivo) e intuição, 344n, 130-
e 362,n, 245-246, 248; simulado 131, 134-137; e matemática,
pelo dualismo genético, 254-260. 130-131, 135-137; meta, ver
Laplace, demônio de, 357n, 204, metalinguagem; objeto, ver
360n. objeto (linguagem); comum,
386
0
337n, 65, 112, 291; e realidade, ontológioa da, 78, 119-120, 181-
ver correspondência; é impreg 132 e 344n, 133, 136-138, 156-
nada de teoria, 40, 134, 144, 157; e mundo 3, 78, 119-120,
160; e mundo 1, 154-155, 272; 133, 154, 156-157.
e mundo 2, 78, 164-155; e mecânica de ondas, 350n, 277,
mundo 3, 118-119, 120-128, 127, ver também quantum (teoria
186, 154, 346n, 155-156, 220 da).
- 221. mentais, estados, ver estados
luz, teorias da, 189-190. (m entais); e movimentos físi
lingüística, ver também lingua cos, ver Descarte» (problema
gem; análise, 82, 113; enig de).
mas, 41; redução, 267-270. medição, 189, 277-278, 827-828.
lógica, 17, 23, 27, 46, 61-63, 74, mentiroso, paradoxo do, 338n,
79, 86-87, 93, 343n, 188-189, 285, 294.
206, 212, 232, 279-286, 292, metalinguagem, 52-53, 135, 288-
295-296; sistemas alternativos 290, 298-300 e 366ns, 300-301.
de, 339n, 137-138, 279-282; da metafísica, 38-39, 46, 873n, 98,
descoberta, 34, 72-73, 140-144, 184, 190-191, 297.
ver também conhecimento ( teo
ria do); epistêmica, 110, 127 método: de conjectura e refu
tação, ver conjectura; científi
e 343n, 138-139, 282-284; intui- co. 16-17, 23, 59, 63, 75, 84-85,
cionista, 137-138 e 345n, 297- 88, 94-95, 142, 176, 363n, 242-
280; e psicologia, 17, 34, 72, 243, Apêndice, 319-320; de ex
340n, 342n, 111-112, 155, 265- periência e eliminação de erro,
266, ver também transferência 27, 31, 34-35, 37, 39, 68, 72, 74,
(princípio de), mundo 2 (efei 81, 342n, 102, 215, 217, 222,
to do mwndo 3); e teoria do 224, 362n, 231-232 e 363n,
quantum, 280-281; e realismo, 248, 369n; representação es-
279-286; situacional, ver situa-
cional (análise); bivalente quemática, 120, 122, 127, 142,
como sistema de crítica, 40, 146, 159 e 348n, 160, 163-164,
339n, 122, 137-138, 217 e 362n, 168-170, 223-224, 263-264, 272.
272, 279-283, 292. metodologia, 23, 335n, 116, 190-
191, 280, 282, 294, 308, 320;
problemas da — em matemá
máquinas e homens, 206, ver tica, 132 e 344n, 133, 137-138,
também computadores, 279-280, regras ou princípios
magia, 332. da, 27, 40, 326-327.
marés e lua, 167-169. mente, ver consciência, estado
marxismo, 333n, 41. (mental), mundo 2; -corpo, ver
corpo-mente; objetiva, Cap. 4.
materialismo, 346n, 356n, 249, ver também mundo 8.
366n; monístico (fisicismo),
207-208, 267-272, ver também mitos, 88, 144, 261-262, 265, 319-
determinismo (físico). 320.
matemática, 128-138, 163-164, modelos, 166, 245-246, 329-330.
280-282; profundidade em, monismo 151, 276; genético, 249-
185; problemas epistemológi- 250, 252-253, 255-256; materia
cos da, 131-132, 344n, 133-136; lista, 207-208, 268-272; neutro,
crescimento da, 135; filosofia 89.
kantiana da, 129 e 344n, 130, monstro, 257-260.
130-131, 133, 1351; linguagem mortais, “todos os homens são”,
e pensamento discursivo em, 21-22, 99 e 342n, 100.
130-131, 135-137; problemas morte, 21-22, 44, 99 e 342n, 206,
metodológicos da, 132 e 344n, 364n.
133, 137-138, 156-157; situação mudança, realidade da, 275-276.
387
mudanças dirigidas a um alvo mundo 3 (terceiro mundo, pen
como problema evolucionário, sarnento objetivo, especialmen
245-246, 254-255, ver também te produtos da mente humana,
genético (dualismo). etc.), 9, 40, 340n, 78t-79, 83,
mundos: mais de três podem ser 88, 341n, 108-128, 136, 138, 143-
distinguidos, 109. 147, 151-157, 167, 218-220, 230-
mundo 1 (primeiro mundo, mun 231, 262, 271-2751, 366n, ver
do físico, etc.), 9, 78 t, 88, 108, também conhecimento (obje
146, 152-155, 347n, 161, 261, tivo ), linguagem (formulação
366n, ver também determinis em ); autonomia do, 78, 109-
mo (físico), indeterminismo 110, 113-114, 118-120, 126, 127,
(físico), materialismo, estado 136-137, 145-146, 155-157 e 346-
(físico), sistema (fisicamente 347ns, 231, 261, 262; análogos
fechado) ; e linguagem, 154- biológicos do, 114-118, 127, 143,
155, 272; interação com o 156-157, 218, 231, 261-262, 275;
mundo 2, 109, 143, 152-153, 211- Bolzano e o, 108, 127, 151; con
215 e 361ns, 221, 229-231 e teúdos ou habitantes do, 77-78,
363n, 233; influenciado pelo 109, 124, 127, 136-137, 153, 15U-
mundo 3 (via mundo 2), 110, 155, 346n, 160-161, 275; des
114, 120, 146-147, 152-153, 156, coberta no, 78, 119-120, 136-
207-208, 210-216, 220-221, 230- 137, 153-154, 157, e n; Frege e
231, 233; mundos 2 e 3 tidos o, 108, 127, 151, 153 e 346n;
por alguns como aspectos do, Hegel e o, 126-127, 151, 345n,
207-208, 267-272. 346n, 275; produto humano,
mundo 2 (segundo mundo, expe 117-119, 123, 133, 136-137, 145-
riência ou pensamento no sen 146, 155-157, 262, 274-275; e
tido s u b je tiv o etc.), 9, 78t, 80, teoria do conhecimento, 108-
83, 88, 341n, 108, 110-114, 127- 114 ver também conhecimento
128, 344n, 146, 152-155, 273- (teoria do); e linguagem, 118-
274, ver também consciência, 119, 120-123, 127, 136, 154 e
disposições, conhecimento (sub 346, 220-221; Platão e o, 108,
jetivo), estado (m ental); e lin 123-127 e 343ns, 151-152 e
guagem, 78, 154-155; e ma 345n, 153 e 346n, 155, 275; e
temática, 132, ver também in- compreensão, ver compreensão;
tuicionismo; e compreensão, influência sobre o mundo 1,
154, 158-162, 179, ver também ver mundo 1; tido por alguns
compreensão ( teorias subjeti ccmo um aspecto de mundo 1,
vas da) ; interação com o mun ver mundo 1 ; efeito sobre o
do 1, ver mundo 1 interação mundo 2, ver nrnndo 2; tido
com o mundo■2) ; como inter por alguns como expr|essão do
mediário entre o mundo 1 e o mundo 2, ver mundo 2.
mundo 3, 146-147, 152-153, 156, música, 49, 145, 351n, 174, 205-
230-232; abordagem de mundo 206 e 360n, 231, 232 e 363n,
3 aos problemas do, 114-116, 327.
158-162, 171, 176-179, ver tam mutação, 74, 88, 222, 224-225, 245-
bém transferência; efeito do 246, 249-259; teoria de ponta-
mundo 3 sobre o, 78, 110-111, de-lança do comportamento,
114, 152-153, 219-221, 230-232, ver ponta-de-lança.
271, ver também linguagem
(funções da, argumentativa) ;
nacional-socialistas, 41.
mundo 3 tido por alguns como natural, seleção, 41, 99, 142, 147-
expressão do, 109, 116, 144-145, 148, 221-222, 227, 232, 234, 238,
147, 153-154, 155, 347n, 273- 244-245, 248, 251, ver também
274. evolução.
388
t
389
essencialismo, Formas, mundo subjetiva da, 82 e 340n, 343n,
3 e Platão. 138, 139-140, 210.
pluralismo, 151-153, 231-232, ver problema(s) consciente do agen
também mundo 1, mundo 2, te x objetivo, 350n, 222, 225,
mundo 3; e emersão, 265-276; 274; evolucionário (do orga
genético, ver genético (dualis nismo), 143-144, 222-224 e 362
mo)-, social, 195; teórico (teo n, 225, 231-232, 264-265, 271;
rias concorrentes), 18-19, 24, vivos, 173-174; situação obje
26-27, 58-59, 63-64, 83-86, 341n, tiva ou de mundo 3 (ou situa
98, 122, 140-142, 146, 169, 223- ções de problema), 77-78, 109,
224 e 362n, 362n, 241-242, 243, 111-112, 118, 119-120, 122, 137,
279, 328, ver também prefe 152, 156-157 e 347n, 159-160,
rência. 162 e 348n, 163-177, 222, 225',
politeísmo, 151. 274, 366n; produção proble
ponto de partida, 44-45, 76-77, ma da estrutura produzida,
105-107, 152, 313, ver também 114-117, ver também mundo 2
fundamentos, problemas: sen (abordagem de mundo 3 ao);
so comum e crítica como, 41-43, e descoberta científica, 25, 142,
66, 73, 77, 101, 106, 297. 234-242, 263-65, ver também
positivismo, 335-336n, 49, 68, 176, método de experiência; desvio
359n, 270, 295-296, 297, 326. de, 160, 164, 172, 264, 270; si
positron, 201. tuações de, 18, 109, 111-112,
posterior, efeito, 362n. 117-118, 122, 159-160t, 162,
pragmática: preferência, ver 164-172, 176, 177-179, 357n,
preferência; problema da in 224 e 362n, 271, 275; solução
dução, 31-33, 38-39. de, 140, 173, 219-220, 237-238,
pragmática, teoria da verdade, 242-243, 266; e arte, 172 e
283-287, 290-291. 3'51n, 231-232 e 363n; e evo
pí axis, problemas práticos da, lução, 143, 222-225; represen
161, 237, 240, 286. tação esquemática, ver método
precisão, 64, 189, 327-328; graus de experiência e eliminação de
de, 182 e 354n; é determinis erro; e compreensão, 159-160,
mo, 359n, 203-205. 161-163, 164-179.
predição, previsão, previsibilida profundidade, 26, 60, 94, 185-190
de, 86-88, 194, 271, 273, 286; e e 355n.
explicação, 183, 321, 324-326 e progresso da ciência, ver ciência
369n, 327; de eventos impro (progresso em).
váveis, 103-105. projétil, Galileu x Newton acer
preferência (entre teorias con ca do, 186-187.
correntes), 18-19, 23-31, 34, 37, propensão, estrutura de, 251,
40, 58-59, 61, 62-63, 72, 84-87, 252-254, ver também alvo (es
341n, 98, 103-105, 109, 140-142, trutura de), estrutura de pe
169-160, 185, 362n, 241-242, rícia.
264, 307-309, pragmática, 24, proteínas, síntese de, 148.
28-29, 31-33, 37, 81-84, 85-87, prova, 335n, 45-46, 83, 128, 131-
341n, 98, Ver também ação, 139, 279-282, 295; uso de lógica
certeza, tecnologia. fraca em, 137-138, 280-282.
preconceito, 68, 143-144, 146, 353 pseudoproblemas, 269.
n, 314. pseudociência, 39.
primeiro mundo>, ver mundo 1. psicanálise, 336n.
probabilidade, 40, 64-65, 332; e psicologia, psicológico (s ), 337if,
conteúdo, ver conteúdo, e in 66-69, 88-89, 98 e 342n, 116,
dução, ver indução ( teorias 153, 158 e 347n, 162, 176, 203-
probabilísticas); relativa, 56- 204, 212; e biologia, 34, 68-
57, 306 e 367n, 307; teoria 69, 75-76, 98, 315-316; deter
390
i
391
relógios, Cap. 6, 19 At, 195, 196- sistemas, ver também nuvens,
200 e 357n, 209-210, 227-229; relógios; biológicos, ou orgâni
“todos são nuvens”, 198-200 e cos, 147-148, 196, 363n; cál
356ns, 210-211, 227-229, ver culo de (Tarski), ver Tarski;
também indeterminismo; “to abertos, 229, 233; físicos, 193,
das as nuvens são —”, 196- 228, 251; fisicamente fecha
198, 199-200, 201, 210, ver dos, 201-202 e 359n, 207, 361n,
também determinismo (físi 233, ver também determinismo
co). (físico).
repetição: e formação de cren situação' (Collingwood), 177-179,
ças (teoria do balde), 15, 33, ver também probema (situação
36-37, 68; indução pela, 16, 17- de).
18, 37, 97, 98-99, 100, 103. situacional, análise ou lógica, 74,
retroalimentação, retrocarga, 114, 111, 162, 171-172t e 351n, 174,
119, 121, 123, 126, 145, 157, 177-179, ver também problema
219, 220, 224, 227-228, 231. (situação de), compreensão.
sobrevivência, 16, 29, 73-74, 221-
222, 224, 232, 239, 245, 246-
Satisfação, 298, 300, 312n, 310 e 247 e 364n, 264-265; mutações,
368n, 311-312. e monismo ou dualismo gené
Schrôdinger, equação de, 225, tico, 251-260.
274. sociedade aberta, 195.
segundo mundo, ver mundo 2. sociologia do conhecimento, 116,
seleção, 99, 142, 147, 219, 248, 360n.
ver também aprendizado, na “sol, nascerá e pôr-se-á uma vez
tural (seleção). em 24 horas”, 15, 21, 36, 37,
semântica: metalinguagem, ver 99-100.
metalinguagem; paradoxos, ver solar (planetário), sistema, 228;
;paradoxos; termos semânticos, imperfeito (Newton), 356n.
65, 298-299, 300-301. sonho, 46-47, 48-49, 51, 69-70,
semelhança, ver universais. 343n.
sentidos: dados dos, 67-70, 81, subjetivismo, 9, Cap. 2, 44-45 e
106, 143-144; experiência dos, 335n, 336n, 49-51, 69-73 e 339n,
68, 95, 106, 128, 313, ver tam 76-77, 79-81, 83, 89, 95-96, 106-
bém balde (teoria do); intui 107, 109, 110, 113-11A, 115-117,
ção dos (Kant), 130-131; ór 123, 127-128 e 3Jf3n, 130, 136-
gãos dos, 76, 91, 143-144, 313. 139, 138-1AO, 144-145,153,.341n,
sentidos, 14, 67, 76, 90-91, 128, 272-274, 276-279, ver também
236. balde (teoria do).
sentenças (Tarski), 51 e 337n, substância, 361n, 231.
365n, 296, 367n.
seqüências, finitas e infinitas, sucesso na busca do conhecimen
309-312 e 367-368ns. to : explicação que provaria
sinalizadora, função da lingua demais, 33, 100, 191; imprová
gem, ver linguagem (funções vel se nossas teorias forem cor
da, sinalizadora). retas, 22, 33, 38-39, 191.
simetria e leis da natureza, suplementares, hipóteses, 331,
352 n. ver também imunização,
similaridade, 34, 184 e 355n, ver tabula rasa, 66t, 72 e 339n, 75,
também universais. 77, ver também balde (teoria
simplicidade, 26, 141, 354n, 185. do).
simulação, 147, 225, 229, 243-246, Tarski: Cálculo de Sistemas, 54
248, 255, 260. e 338n, 54-58, 302-309, ver tam
sintaxe ou morfologia da lingua bém conteúdo; definição de
gem, 298-299, 366n, 300-301. verdade, ver verdade (defini
sinteticidade, 86-89, 94-95, 130. ção de Tarski); teoria da ver
392
t
393
de Tarski, 51-54, 64-65, 343n, 308, ver também verdade
282- 283, 288-292, Cap. 9, 297- (aproximação da); como meta
303; das teorias, contra signi da ciência, 60-61, 63-64, 75,
ficado de palavras, 124-125, 307-308.
283- 284, ver também esaencia- vida, 22, 44, 100, 144, 206, 364n;
lismo; sem ligação com o tem emersão ou evolução da, 88,
po, 155-156; transmissão da, 207, 233, 266-267, 271.
40, 279-280, 282-283. Viena, Circuloi de, 294, 297.
verificação, 23, 127-128, 325. vitalismo, 246, 255, 260.
verossimilitude, 53-54 e 338n,
58-65, 85, 98, 103-105, 121, 127,
141-142, 292, 304, 367n, 307- zero, conteúdo, 55-56, 305-309.
E ste livro
foi co m p o sto em
T im es R o m a n 10-550
e im p re sso n a
GRAFICA EDITORA B ISO R D I LTDA.,
R u a S a n ta C lara, 54 ( B r á s ) ,
Sfio F aulo.
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foi fa b ric a d o esp eclalm en te p a ra e s ta edlç&o
pelas
INDÚSTRIAS DE PA PEL SIMAO S. A..
S&o F aulo,
p ara a
EDITORA ITATIAIA LIMITADA,
B elo H o riz o n te .
Edlç&o n .° 472
ê
i
f
A obra-prima de P o p f e r julgada
pelo filósofo B er t r a n d R u s s e l l ,
prêmio Nobel de Literatura:
SOCIEDADE
ABERTA E SEUS
INIMIGOS
SIR KARL R. POPPER