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Shiguenoli Miyamoto
Departamento de Ciência Política - Universidade Estadual de Campinas158
Introdução
Ao serem construídas, as muralhas da China, exercendo o papel de fronteiras ou linhas
divisórias entre soberanias, tinham uma finalidade específica: conter os inimigos. O que se
verificou depois é que elas não atingiram integralmente seu objetivo. Da mesma forma, o que
teria ocorrido com a queda de Tróia mostra que a inviolabilidade de um território sempre esteve
longe de ser plenamente assegurada, com as fronteiras sendo constantemente rompidas.
Derrubadas ou adentradas por subterfúgios, as muralhas, as fortificações e castelos,
assim como as fronteiras dos territórios nunca resistiram indefinidamente, e foram vencidas
dependendo de alguns fatores: persistência daqueles que atacam, aliada à sua capacidade bélica
e tempo disponível, além de recursos e logística apropriados.
A inexpugnabilidade dos países nos tempos contemporâneos igualmente jamais existiu.
Com o domínio dos ares e do espaço, as fronteiras viram diminuída sua capacidade de proteger
um território, uma vez que os artefatos atômicos e nucleares acabaram com a ideia do que se
pretendia ter de segurança absoluta de um Estado. (KISSINGER, 1962).
A concepção almejada de segurança absoluta por parte dos governos, com fronteiras
invioláveis, jamais poderia ser concretizada, uma vez que um território ao atingir tal propósito,
colocaria todos os demais membros da comunidade internacional em insegurança absoluta,
convertendo-se esses últimos, portanto, em reféns do primeiro.
Foi com perspectiva semelhante a essa que, na década de 1980, Washington pensou no
projeto “Iniciativa de Defesa Estratégica” (Strategic Defense Initiative – SDI), conhecido como
“Guerra nas estrelas” no governo de Ronald Reagan, mas que não foi implementado.
Em termos geopolíticos, as fronteiras são linhas divisórias, mas sempre permeáveis,
porosas, impossíveis de serem protegidas em sua integralidade, invioláveis como desejariam os
governantes. Isso se aplica, mesmo antes do advento dos equipamentos nucleares, inclusive às
fronteiras consideradas dinâmicas ou quentes, entre países com históricos litigiosos, porque
demandariam recursos financeiros e humanos em escala considerável, onerando em demasia os
orçamentos nacionais. Além do mais, na ocorrência de um conflito, um contendor com
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A produção deste texto e a participação no evento contaram com recursos do Conselho Nacional de
Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), através de Bolsa de Produtividade em Pesquisa nível 1A
concedida ao autor.
capacidade bélica maior dificilmente encontrará dificuldades para romper as linhas divisórias
e quebrar soberanias alheias. As fronteiras consideradas mortas, por outro lado, não se
constituem em problemas justamente pelo fato de os parceiros dos dois lados manterem relações
cordiais/amistosas, onde as segurança e defesa não se colocam como temas prioritários de suas
agendas bilaterais.
Nos tempos atuais, por razões diversas, barreiras físicas têm sido levantadas para
dificultar ou impedir a entrada de populações consideradas indesejadas verificado, por exemplo,
nos casos de Israel e dos Estados Unidos da América. É o mesmo tipo de política adotada na
época da guerra fria quando na Alemanha, a partir de 1961, se ergueram muros e cercas de
arame para evitar a fuga de pessoas de Berlim Oriental para o outro lado. Ao assim agirem, os
países justificam tais medidas enfatizando a necessidade de defender sua soberania, procurando
manter a integridade territorial e suas instituições. São consideradas políticas realizadas no
âmbito doméstico escapando, portanto, de qualquer interferência externa, ainda que parte da
comunidade internacional considere hostis posturas dessa natureza. Em termos análogos,
políticas com essa finalidade pouco diferem das adotadas por países europeus, quando tentam
impedir a entrada em seus territórios de refugiados africanos.
Geopolítica e Fronteiras
O preenchimento de todos os espaços ao longo das fronteiras seja com populações, seja
com culturas agrícolas , procura mostrar que não há partes do território que possam ser alvo
de disputas. Métodos como esses possibilitaram ao Brasil a incorporação do Acre em 1903,
bem como de reclamações do Paraguai nos anos 1970 e 1980, com a cultura da soja, a
aquisição de propriedades do outro lado rio Paraná e com a ida dos chamados brasiguaios ao
território guarani. (LAÍNO, 1979: 65-131; WETTSTEIN & CAMPAL, 1975).
Para Laíno (1979, p. 244) no caso latino-americano:
“é possível provar com fatos a aplicação prática e com êxito dos conceitos brasileiros
sobre fronteiras sensíveis ou fronteiras vivas e além disso descobrir amplamente, este
principio geopolítico ligado estreitamente a uma estratégia global de marcha para o
oeste. Todos os países que fazem fronteira com o Brasil sentem os efeitos da expansão
e de alguma maneira se esforçam para neutralizá-lo.”
Nada de diferente do adotado pelos demais países que, da mesma forma, tem em suas
Forças Armadas o instrumento entendido como necessário para proteção de seus territórios e
de suas instituições. Daí os investimentos considerados imprescindíveis para que as mesmas
possam estar preparadas no momento em que se fizerem necessárias.
No Brasil, o tema das fronteiras esteve sempre ligado à geopolítica e aos militares
umbilicalmente. Nem poderia ser de maneira diferente. Assim como ocorre nos demais países
do mundo, excetuando a possibilidade de um conflito nuclear, ou de ataques aéreos de grande
altitude, as fronteiras sempre se constituíram na barreira primeira para tentar impedir a entrada
de inimigos. Mesmo quando o termo geopolítica não havia sido criado, a evolução da história
nacional mostra a importância do uso dos elementos geográficos na configuração do território
brasileiro e os acordos realizados para manter as áreas conquistadas.
Se a ampliação do espaço brasileiro nem sempre contou com a presença militar, é
patente, por outro, a perspectiva geopolítica para a conquista de mais e mais áreas. Nos tempos
recentes, as duas instâncias responsáveis por problemas relativos à fronteira, como os
diplomatas e os militares, estiveram sempre na linha de frente para assegurar as conquistas
obtidas ao longo dos anos.
Após a consolidação das linhas fronteiriças nacionais, diplomatas e militares passaram
a desempenhar papéis diferenciados. De um lado, o discurso de respeito às normas do Direito
Internacional e o uso de instrumentos apoiados no diálogo e nas negociações. De outro lado, na
visão castrense, a necessidade de proteção das fronteiras é pensada sob o prisma da necessidade
de instrumentos bélicos capazes de persuadir potenciais inimigos e de lhes fazer frente, se
necessário, na defesa do território, começando pelas fronteiras, ou seja trata-se de raciocínio
que leva em conta a visão conspirativa da História.
Considerações finais
Os conceitos geopolíticos apregoados pelos adeptos do determinismo que entendem o
domínio dos fatores geográficos como fundamentais para a vitória em conflitos tem validade
limitada, diante dos avanços das novas tecnologias que cotidianamente são disponibilizadas.
É certo, entretanto, que elementos geográficos são importantes na formulação e
implementação de políticas de defesa de um país. Exemplos podem ser mencionados
envolvendo a Rússia, mesmo quando essa não tinha ainda tal designação: a derrota dos
invasores germânicos em 1294 diante de Alexander Nevsky; o fracasso de Napoleão Bonaparte
em 1812 e a invasão mal sucedida feita pelo III Reich após romper o tratado Ribbentrop-
Molotov firmado em 1939. Em todos esses casos, as condições climáticas foram importantes
para o insucesso dos estrangeiros.
Mas não se pode creditar à geopolítica a vitória em todas as ocasiões. A geopolítica
sempre foi pensada e utilizada para auxiliar na formulação de uma grande estratégia nacional.
De acordo com tal perspectiva, o governo brasileiro procurou lançar mão de condições
favoráveis para planejar a defesa do território brasileiro, principalmente no que diz respeito à
questão amazônica.
O problema mais agudo que se coloca é que as dificuldades enfrentadas pelo país há
vários anos tem impossibilitado que os resultados sejam alcançados, uma vez que não dispõe
dos vetores necessários como equipamentos e armamentos modernos, além de flutuações
orçamentárias que afetam sobremaneira qualquer tipo de planejamento de médio e longo prazo.
Mesmo em curto prazo as atividades têm sido frequentemente prejudicadas.
Preocupação primeira dos militares, as fronteiras não têm sido protegidas com a devida
atenção. Em muitas ocasiões, as Forças Armadas tem sido chamadas a atividades outras para
as quais não estão devidamente preparadas, ainda que tais atividades estejam respaldadas pelo
texto constitucional sobre o seu papel e os momentos em que podem ser mobilizadas.
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ANAIS DO IV SIMPÓSIO NACIONAL DE
HISTÓRIA MILITAR
ISBN XXXX-XXXX
2019
LONDRINA
2019
IV Simpósio Nacional de História Militar
Texto em português
ISBN XXXX-XXXX
1. História Militar. 2. Teoria e Metodologia. 3.
Historiografia. 4. Política e Sociedade.