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MILITARES, GEOPOLÍTICA E FRONTEIRAS

Shiguenoli Miyamoto
Departamento de Ciência Política - Universidade Estadual de Campinas158

Palavras-chave: fronteiras brasileiras; forças armadas brasileiras; geopolítica do Brasil.

Introdução
Ao serem construídas, as muralhas da China, exercendo o papel de fronteiras ou linhas
divisórias entre soberanias, tinham uma finalidade específica: conter os inimigos. O que se
verificou depois é que elas não atingiram integralmente seu objetivo. Da mesma forma, o que
teria ocorrido com a queda de Tróia mostra que a inviolabilidade de um território sempre esteve
longe de ser plenamente assegurada, com as fronteiras sendo constantemente rompidas.
Derrubadas ou adentradas por subterfúgios, as muralhas, as fortificações e castelos,
assim como as fronteiras dos territórios nunca resistiram indefinidamente, e foram vencidas
dependendo de alguns fatores: persistência daqueles que atacam, aliada à sua capacidade bélica
e tempo disponível, além de recursos e logística apropriados.
A inexpugnabilidade dos países nos tempos contemporâneos igualmente jamais existiu.
Com o domínio dos ares e do espaço, as fronteiras viram diminuída sua capacidade de proteger
um território, uma vez que os artefatos atômicos e nucleares acabaram com a ideia do que se
pretendia ter de segurança absoluta de um Estado. (KISSINGER, 1962).
A concepção almejada de segurança absoluta por parte dos governos, com fronteiras
invioláveis, jamais poderia ser concretizada, uma vez que um território ao atingir tal propósito,
colocaria todos os demais membros da comunidade internacional em insegurança absoluta,
convertendo-se esses últimos, portanto, em reféns do primeiro.
Foi com perspectiva semelhante a essa que, na década de 1980, Washington pensou no
projeto “Iniciativa de Defesa Estratégica” (Strategic Defense Initiative – SDI), conhecido como
“Guerra nas estrelas” no governo de Ronald Reagan, mas que não foi implementado.
Em termos geopolíticos, as fronteiras são linhas divisórias, mas sempre permeáveis,
porosas, impossíveis de serem protegidas em sua integralidade, invioláveis como desejariam os
governantes. Isso se aplica, mesmo antes do advento dos equipamentos nucleares, inclusive às
fronteiras consideradas dinâmicas ou quentes, entre países com históricos litigiosos, porque
demandariam recursos financeiros e humanos em escala considerável, onerando em demasia os
orçamentos nacionais. Além do mais, na ocorrência de um conflito, um contendor com

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A produção deste texto e a participação no evento contaram com recursos do Conselho Nacional de
Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), através de Bolsa de Produtividade em Pesquisa nível 1A
concedida ao autor.
capacidade bélica maior dificilmente encontrará dificuldades para romper as linhas divisórias
e quebrar soberanias alheias. As fronteiras consideradas mortas, por outro lado, não se
constituem em problemas justamente pelo fato de os parceiros dos dois lados manterem relações
cordiais/amistosas, onde as segurança e defesa não se colocam como temas prioritários de suas
agendas bilaterais.

Nos tempos atuais, por razões diversas, barreiras físicas têm sido levantadas para
dificultar ou impedir a entrada de populações consideradas indesejadas verificado, por exemplo,
nos casos de Israel e dos Estados Unidos da América. É o mesmo tipo de política adotada na
época da guerra fria quando na Alemanha, a partir de 1961, se ergueram muros e cercas de
arame para evitar a fuga de pessoas de Berlim Oriental para o outro lado. Ao assim agirem, os
países justificam tais medidas enfatizando a necessidade de defender sua soberania, procurando
manter a integridade territorial e suas instituições. São consideradas políticas realizadas no
âmbito doméstico escapando, portanto, de qualquer interferência externa, ainda que parte da
comunidade internacional considere hostis posturas dessa natureza. Em termos análogos,
políticas com essa finalidade pouco diferem das adotadas por países europeus, quando tentam
impedir a entrada em seus territórios de refugiados africanos.

As fronteiras funcionam, portanto, como separadoras de soberanias, apresentando


diferenças de um lado e de outro das linhas divisórias, ainda que nem sempre essas sejam
visíveis. Mas fixam os domínios de um e de outro Estado sobre seus habitantes, com
instituições, legislações e aparatos jurídicos diferenciados. Temos, assim, a distinção entre a
política doméstica e as relações internacionais, já que se delimita a área geográfica de atuação
do governante. Nesse sentido, são interessantes as observações de estudioso das relações
internacionais ao comentar sobre “o aparecimento simultâneo do ‘interno’ e do ‘externo’ ou
‘nós’ e ‘eles’ no desenvolvimento do conceito hobbesiano de Estado” (FORSYTH, 1980, p.
67). O mesmo, portanto, se verifica em outros domínios, constituindo-se uma constelação de
interesses e territórios diferenciados, separados por linhas bem definidas, onde acaba um e
começa o outro.

As políticas de controle das fronteiras atualmente trazem elementos que sempre


existiram, embora de forma velada, acerca de tudo que vem do exterior: intolerância, xenofobia,
aversão, receio de entrada de valores não condizentes com os existentes no país, além das
dificuldades em aumentar investimentos necessários em áreas sociais, segurança pública e
infraestrutura para aqueles que ultrapassam legal ou ilegalmente as barreiras fronteiriças dos
países receptores.

Geopolítica e Fronteiras

As fronteiras se constituem em tema de excelência da geopolítica. Não é gratuitamente


que as escolas geopolíticas concedem, desde o momento em que foram concebidas como tais,
atenção especial às fronteiras. As fronteiras se tornam o objeto maior de discordância entre os
diversos Estados, quando se trata de definição de suas soberanias. Isso se verifica tanto no
plano das Relações Internacionais, quanto no âmbito doméstico, quando se trata de fixar os
limites entre as unidades federativas e mesmo dos municípios.

Autores tradicionais da geopolítica realçaram esse aspecto das fronteiras e a geopolítica.


Em uma das, por ele designadas leis de crescimento espacial dos Estados, Friedrich Ratzel
(2011, p. 147-149) explicitava o que deveria ser entendido pelo assunto: “a fronteira é o órgão
periférico do Estado e, como tal, a prova de crescimento estatal: é a força e as mudanças desse
organismo.”

A geopolítica é entendida como formadora de fronteiras. Na elaboração da estratégia


nacional, os fatores geopolíticos são altamente considerados, aqui incluindo a proteção das
fronteiras da melhor maneira possível. Este tipo de interpretação sempre se fez presente
nas políticas públicas de todos os governos. Daí, a necessidade de Forças Armadas para atuar
contra interesses que possam afetar a segurança e a soberania dos países. Percebidas como
“vivas” ou “dinâmicas” as fronteiras podem se deslocar para um ou outro lado, conforme a
belicosidade e as capacidades dos Estados. Neste caso, trata-se de um jogo de soma zero: o que
um ganha e o outro perde. Na campanha eleitoral para sua reeleição ao cargo de Primeiro
Ministro de Israel, Binyamin Netanyahu prometeu no dia 10 de setembro de 2019, anexar o
Vale do Jordão, o que equivale a cerca de 30% da Cisjordânia, com o intuito de proporcionar
ao país, pela primeira vez em sua história, fronteiras permanentes e seguras. (OESP, 2019, p.
A-12)

Mas a preocupação dos governantes não se restringe apenas às linhas demarcatórias


para definir seus territórios e suas influências. Outros aspectos são frequentemente
incorporados e que em muitos casos não eram considerados pelas tradicionais teorias
geopolíticas, mais voltadas apenas para o seu espaço físico fechado. Assim, ainda que as Forças
Armadas se constituam no bastião, na proteção do território e na defesa da soberania e das
instituições de seu país, outros mecanismos são utilizados pelos responsáveis pela
administração pública em seu planejamento global. O adensamento demográfico junto às
fronteiras torna-se, neste caso, fator importante para resguardar os interesses nacionais,
mantendo e expandindo além-fronteiras, a língua, costumes, influências econômicas e culturais.
Mecanismos como esses se apresentam mais eficazes do que o mero uso de forças militares ao
longo das fronteiras.

O preenchimento de todos os espaços ao longo das fronteiras seja com populações, seja
com culturas agrícolas , procura mostrar que não há partes do território que possam ser alvo
de disputas. Métodos como esses possibilitaram ao Brasil a incorporação do Acre em 1903,
bem como de reclamações do Paraguai nos anos 1970 e 1980, com a cultura da soja, a
aquisição de propriedades do outro lado rio Paraná e com a ida dos chamados brasiguaios ao
território guarani. (LAÍNO, 1979: 65-131; WETTSTEIN & CAMPAL, 1975).
Para Laíno (1979, p. 244) no caso latino-americano:

“é possível provar com fatos a aplicação prática e com êxito dos conceitos brasileiros
sobre fronteiras sensíveis ou fronteiras vivas e além disso descobrir amplamente, este
principio geopolítico ligado estreitamente a uma estratégia global de marcha para o
oeste. Todos os países que fazem fronteira com o Brasil sentem os efeitos da expansão
e de alguma maneira se esforçam para neutralizá-lo.”

A maior capacidade econômica do Estado brasileiro, por exemplo, é percebida através


da instalação de postos de saúde, igrejas e escolas ao longo das fronteiras com a Bolívia e outros
vizinhos, fazendo com que populações desses países se locomovam ao Brasil, em busca de
serviços inexistentes em seu território. Isso, por sua vez, tem reflexos na própria segurança
nacional, uma vez que os habitantes dos outros países passam a se identificar com aqueles que
lhes fornecem serviços, fortalecendo o idioma português que passa a ser utilizado com
frequência maior.
Representantes da geopolítica brasileira, como Golbery do Couto e Silva, Carlos de
Meira Mattos e Therezinha de Castro, entre outros, concedem espaço importante ao problema
das fronteiras, que permeia todo o desenvolvimento dessa área de conhecimento no país. Em
um modelo do que chama “Esboço de um plano de pesquisa geopolítica”, o primeiro desses
autores especifica, entre outros itens, que a geopolítica brasileira deve apresentar-se com
características de uma “geopolítica de contenção ao longo das linhas fronteiriças”. (COUTO E
SILVA, 1981, p. 260).
Este e outros geopolíticos, mesmo de anos anteriores, mas que estariam sendo utilizados
pelo governo no período militar, foram identificados como representantes de uma política sub-
imperialista brasileira, cujo objetivo seria exercer na região o mesmo papel jogado pelos
Estados Unidos da América no mundo.
A geopolítica brasileira percebida como expansionista, tentando envolver os demais
vizinhos em seus tentáculos, foi identificada como defensora das chamadas fronteiras
ideológicas, porque se apresentaria com viés interpretativo distorcido dentro do clima de guerra
fria reinante. Este tipo de literatura mostrou-se significativo no Cone Sul nas décadas de 1960
a 1980.
Após considerar as políticas públicas brasileiras do regime militar em diversos setores,
e entender que essas caminhavam todas em direção a um claro objetivo, conhecido autor
conclui que: “Analisando a política latino-americana do Brasil dos últimos anos dos últimos
anos, verifica-se que se desenvolvem de forma rápida e eficiente os planos de incorporar os
países vizinhos à esfera política, à economia, ao modo de viver e pensar brasileiros.”
(SCHILLING, 1974, p.160).
Discursos desse calibre são recorrentes na literatura regional, como se pode, novamente,
comprovar por um dos maiores críticos da política brasileira. Na década de 1970, o criador da
revista argentina Estratégia também concluía que:
“ ... parece oportuno apontar que a atual etapa da política espacial brasileira, cujo início
é sinalizado com a transferência de sua capital para Brasília, tem como objetivos
consolidar a integração territorial com ênfase particular sobre as zonas da Amazônia e
oeste de Mato Grosso, e em manter sua tradicional projeção em direção aos países
vizinhos.” (GUGLIALMELLI, 1974, p. 69)

Em termos formais, pelo Artigo 20 da Constituição Brasileira, as fronteiras são definidas


da seguinte forma: “§ 2º - A faixa de até cento e cinquenta quilômetros de largura, ao longo das
fronteiras terrestres, designada como faixa de fronteira, é considerada fundamental para defesa
do território nacional, e sua ocupação e utilização serão reguladas em lei.” (BRASIL, 2019)

As fronteiras e o espaço brasileiro


Desde o Tratado de Tordesilhas, firmado em 1494 entre Portugal e Espanha, os países
sul-americanos passaram por inúmeras transformações, principalmente no que se refere ao seu
espaço territorial. (MACEDO SOARES, 1939)
Ao longo dos anos, os países da região enfrentaram-se em diversas oportunidades por
questões de limites, inclusive em período mais recente. Em certas ocasiões, as discordâncias
foram resolvidas através de negociações e arbitradas por instâncias internacionais. Vezes
outras, o uso da força se fez valer.
Todavia, apesar de, em momentos distintos, os países sul-americanos não terem
conseguido chegar a bom termo em suas negociações, por outro lado, pode-se dizer que,
atualmente, as chances de alterações das fronteiras com o uso das armas são bem mais restritas
do que em períodos anteriores, como ocorridos até o século XIX. O que não significa que
hipóteses nessa direção devam ser completamente descartadas.
Mas isso não é uma particularidade sul-americana. Pelo contrário. A história do Velho
Continente é recheada de exemplos sobre os conflitos que terminaram por definir o mapa atual
da União Europeia.
A Polônia localizada no centro do continente é prova das alterações sofridas ao longo
de sua trajetória. Israel nos anos 1960 ampliou significativamente seu território, enquanto no
sudeste da Ásia e em partes do continente africano mudanças foram observadas todas no século
XX, ou seja, ainda em tempos bastante próximos, quando os impérios coloniais foram
praticamente varridos de suas possessões.
No entorno brasileiro pendências inúmeras persistem ainda sobre as linhas fronteiriças,
sendo o caso boliviano o mais emblemático já que esse país se viu alijado de saída para o mar
ao ser derrotado na Guerra do Pacífico (1879-1883), constituindo-se tal reivindicação em sua
bandeira permanente nos diversos foros internacionais.
O Brasil, como membro maior da comunidade sul-americana, foi o mais beneficiado
com as políticas de ampliação de seu território desde o início da historia regional. Sob a coroa
lusitana, o Império e o início da República, o país mais do que duplicou seu espaço, de cerca de
3 milhões de quilômetros quadrados originais para os atuais 8,5 milhões de quilômetros
quadrados.
Se posturas atualmente consideradas inadequadas foram utilizadas para ultrapassar as
fronteiras localizadas a 370 léguas das ilhas de Cabo Verde, se à custa ou não de recursos
humanos de vizinhos, ou mesmo pela aquisição de territórios, essas modalidades de política
prescindem de discussões maiores porque são episódios que fazem parte da História regional.
Sob essa perspectiva, não podem nem devem ser julgadas com padrões distintos das
épocas em que ocorreram. Caso contrário, teríamos que repensar a história da Humanidade
conceituando o que seriam comportamentos corretos ou errados segundo parâmetros amparados
em nossas atuais concepções de mundo. Nesse caso, de forma semelhante, deveríamos arcar
com o risco de sermos julgados sob padrões diferentes dos nossos no próximo milênio, sobre
as políticas atuais relacionadas com a preservação do meio ambiente, desigualdades sociais e
de gênero, guerras, genocídios, exploração da força de trabalho, crimes, etc.
Com fronteiras terrestres de 16.886 quilômetros e litoral de 7.367 quilômetros, cercado
por 9 países e a Guiana Francesa, esse tema sempre fez parte da agenda permanente de
preocupação por parte de autoridades e entidades ligadas ao campo econômico e de
planejamento, político e diplomático, além do agente maior responsável pela sua proteção, no
caso as Forças Armadas.
Pelo menos é isso que estabelece a própria Constituição Federal de 1988 no Art. 142 ao
mencionar que
“As Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são
instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e
na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República, e destinam-se à
defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer
destes, da lei e da ordem. § 1º Lei complementar estabelecerá as normas gerais a serem
adotadas na organização, no preparo e no emprego das Forças Armadas”. (BRASIL,
2019 )

Nada de diferente do adotado pelos demais países que, da mesma forma, tem em suas
Forças Armadas o instrumento entendido como necessário para proteção de seus territórios e
de suas instituições. Daí os investimentos considerados imprescindíveis para que as mesmas
possam estar preparadas no momento em que se fizerem necessárias.
No Brasil, o tema das fronteiras esteve sempre ligado à geopolítica e aos militares
umbilicalmente. Nem poderia ser de maneira diferente. Assim como ocorre nos demais países
do mundo, excetuando a possibilidade de um conflito nuclear, ou de ataques aéreos de grande
altitude, as fronteiras sempre se constituíram na barreira primeira para tentar impedir a entrada
de inimigos. Mesmo quando o termo geopolítica não havia sido criado, a evolução da história
nacional mostra a importância do uso dos elementos geográficos na configuração do território
brasileiro e os acordos realizados para manter as áreas conquistadas.
Se a ampliação do espaço brasileiro nem sempre contou com a presença militar, é
patente, por outro, a perspectiva geopolítica para a conquista de mais e mais áreas. Nos tempos
recentes, as duas instâncias responsáveis por problemas relativos à fronteira, como os
diplomatas e os militares, estiveram sempre na linha de frente para assegurar as conquistas
obtidas ao longo dos anos.
Após a consolidação das linhas fronteiriças nacionais, diplomatas e militares passaram
a desempenhar papéis diferenciados. De um lado, o discurso de respeito às normas do Direito
Internacional e o uso de instrumentos apoiados no diálogo e nas negociações. De outro lado, na
visão castrense, a necessidade de proteção das fronteiras é pensada sob o prisma da necessidade
de instrumentos bélicos capazes de persuadir potenciais inimigos e de lhes fazer frente, se
necessário, na defesa do território, começando pelas fronteiras, ou seja trata-se de raciocínio
que leva em conta a visão conspirativa da História.

Defesa e Segurança Nacionais


Nos anos 1980 quando bradava constantemente em alto e bom som que não havia
dinheiro algum no mundo que pudesse comprar sequer um palmo de terra da Amazônia, o então
presidente José Sarney nada mais estava fazendo do que defender o que considerava
indiscutível. Nesse caso, a inviolabilidade e a soberania brasileira sobre seus recursos naturais
dentro das fronteiras nacionais.
Além-fronteiras tratar-se-ia de problemas concernentes aos demais países, mas no
território brasileiro tal discussão não se colocava. Nas reuniões realizadas no âmbito da Bacia
Amazônica defendia-se a região como patrimônio dos seus membros e não como bem comum
da Humanidade.
A questão ambiental trouxe problemas que até a década de 1970 mereceram pouca
atenção dos governos de todo o mundo, principalmente daqueles em estágios de
desenvolvimento menos avançados que faziam uso extensivo de seus recursos.
As pressões decorrentes dos países altamente industrializados, de organizações
internacionais e de organizações não governamentais obrigaram os governos, no caso que mais
nos interessa, sul-americanos a adotar medidas mais consistentes para proteger seus recursos e,
por extensão, seus domínios territoriais.
Políticas direcionadas para a proteção das fronteiras foram adotadas quando começaram
a se tornar mais insistentes as críticas dirigidas aos países que não estariam se preocupando com
a conservação do meio ambiente, colocando em risco não apenas suas populações mas a todos
de forma conjunta, já que as consequências não obedecem aos limites geográficos fixados pelos
governos.
Embora apenas nas duas últimas gerações a questão ambiental tenha se convertido em
tema de segurança, obrigando os países a assumirem políticas mais consistentes de defesa
nacional, a proteção das fronteiras ocupou parte expressiva da agenda brasileira.
Até a década de 1970 na agenda da política externa brasileira as divergências se
concentravam no Cone Sul, basicamente com a Argentina, por isso, parte expressiva dos
contingentes se localizava nas partes Sul e Sudeste do país, com o III e II Exércitos, em Porto
Alegre e São Paulo, respectivamente. Os I o IV Exércitos baseados no Rio de Janeiro e Recife
completavam as forças terrestres.
Em 1966 o próprio Ministério das Relações Exteriores chamava atenção para o
revigoramento das fronteiras, elaborando dois projetos intitulados Itamaraty I e II, voltados para
os problemas fronteiriços do Sul e da Amazônia respectivamente. Tais projetos consistiam em
adensamento populacional nessas localidades, sem mencionar porém a necessidade de reforços
militares (MRE, 1968). Se as fronteiras do Sul perdiam sua dimensão estratégica como pensadas
até os anos 1970, o mesmo não pode ser dito em relação às fronteiras do Norte. No Sul, as
tradicionais divergências com a Argentina foram em grande parte resolvidas após a construção
da barragem de Itaipu.
Adquire importância nessa parte do continente a tríplice fronteira entre Argentina,
Paraguai e Brasil basicamente nas duas últimas décadas, em face do contrabando de produtos e
armas, além de denúncias sobre a existência de grupos terroristas em Foz do Iguaçu. Todavia,
tais problemas têm ficado mais sob a alçada da Polícia Federal, embora o Ministério da Defesa
e seus comandos militares tenham ampliado, por legislações específicas, sua presença em tais
eventos.
A Amazônia por sua dimensão e pela importância de seus recursos naturais, com baixa
densidade demográfica e extensas fronteiras, ao serem alvo de interesses estrangeiros passou,
então, a partir da década de 1970 a receber atenção prioritária do governo em termos
diplomáticos e militares. No primeiro nível, através de entidades como o Tratado de Cooperação
Amazônica, firmado em 1978 com sete vizinhos e depois transformado na Organização do
Tratado de Cooperação Amazônica em 1998.
Em termos estratégico-militares iniciativas posteriores priorizaram sempre a região das
grandes florestas. A Amazônia tornou-se alvo de atenção como se pode ver pelo Projeto Calha
Norte (1985), Política de Defesa Nacional (1996 e 2005), Estratégia Nacional de Defesa (2008)
e Livro Branco de Defesa (2012). No Projeto Calha Norte, cujo nome original é
Desenvolvimento e segurança na região ao norte das calhas dos rios Solimões e Amazonas
elaborado no início do governo de Jose Sarney em 1985, ainda se verificam aspectos
relacionados com a Guerra Fria. Em carta encaminhada ao Presidente da República o general
Rubem Bayma Denys, Secretário Geral do Conselho de Segurança Nacional (SG/CSN),
chamava a atenção para a necessidade do programa para a proteção da região amazônica,
considerando o fato de que:

“trata-se de área praticamente inexplorada, correspondendo a 14% do Território


Nacional e delimitada por uma extensa faixa de fronteira praticamente habitada por
indígenas. Este último aspecto, por si só, vem acrescendo nova magnitude geral da
área, uma vez que a conhecida possibilidade de conflitos fronteiriços entre alguns países
vizinhos aliada à presente conjuntura no Caribe, podem tornar possível a projeção do
antagonismo Leste-Oeste na parte Norte da América do Sul.” (SG/CSN,1985).

Daí a necessidade das providências para proteger a região. Na Política de Defesa


Nacional de 2005, após considerar as dificuldades para proteger convenientemente as fronteiras
amazônicas, considerou-se que “o adensamento da presença do Estado, e em particular das
Forças Armadas, ao longo das nossas fronteiras, é condição necessária para conquista dos
objetivos de estabilização e desenvolvido integrado da Amazônia.” (MINISTÉRIO DA
DEFESA, 2005, p. 10-11). Repetia o que estava estipulado nas Diretrizes do Documento de
1996, quando esse mencionava que se devia “priorizar ações para desenvolver e vivificar a faixa
de fronteiras, em especial nas regiões Norte e Centro-Oeste.” (PRESIDÊNCIA DA
REPÚBLICA, 1996, p. 10)

Na Estratégia Nacional de Defesa de 2008, na estruturação das Forças Armadas devia-


se considerar “o aumento da participação de órgãos governamentais, militares e civis, no plano
de vivificação e desenvolvimento da faixa de fronteira amazônica, empregando a estratégia da
presença.” (MINISTÉRIO DA DEFESA, 2012, p. 124)

No Livro Branco de Defesa repete-se o que se observa nos Decretos sobre os


Programas de Fronteira. O Decreto 8.903 (Programa de Proteção Integrada das Fronteiras) de
16 de novembro de 2016, que substituiu o Decreto 7496 de 8 de junho de 2011 (Plano
Estratégico de Fronteiras) é bastante amplo, tendo como um dos objetivos “ integrar e articular
ações de segurança pública da União, de inteligência, de controle aduaneiro e das Forças
Armadas com as ações dos Estados e Municípios situados na faixa de fronteira, incluídas suas
águas interiores, e na costa marítima”. (PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA, 2016)

Considerações finais
Os conceitos geopolíticos apregoados pelos adeptos do determinismo que entendem o
domínio dos fatores geográficos como fundamentais para a vitória em conflitos tem validade
limitada, diante dos avanços das novas tecnologias que cotidianamente são disponibilizadas.
É certo, entretanto, que elementos geográficos são importantes na formulação e
implementação de políticas de defesa de um país. Exemplos podem ser mencionados
envolvendo a Rússia, mesmo quando essa não tinha ainda tal designação: a derrota dos
invasores germânicos em 1294 diante de Alexander Nevsky; o fracasso de Napoleão Bonaparte
em 1812 e a invasão mal sucedida feita pelo III Reich após romper o tratado Ribbentrop-
Molotov firmado em 1939. Em todos esses casos, as condições climáticas foram importantes
para o insucesso dos estrangeiros.
Mas não se pode creditar à geopolítica a vitória em todas as ocasiões. A geopolítica
sempre foi pensada e utilizada para auxiliar na formulação de uma grande estratégia nacional.
De acordo com tal perspectiva, o governo brasileiro procurou lançar mão de condições
favoráveis para planejar a defesa do território brasileiro, principalmente no que diz respeito à
questão amazônica.
O problema mais agudo que se coloca é que as dificuldades enfrentadas pelo país há
vários anos tem impossibilitado que os resultados sejam alcançados, uma vez que não dispõe
dos vetores necessários como equipamentos e armamentos modernos, além de flutuações
orçamentárias que afetam sobremaneira qualquer tipo de planejamento de médio e longo prazo.
Mesmo em curto prazo as atividades têm sido frequentemente prejudicadas.
Preocupação primeira dos militares, as fronteiras não têm sido protegidas com a devida
atenção. Em muitas ocasiões, as Forças Armadas tem sido chamadas a atividades outras para
as quais não estão devidamente preparadas, ainda que tais atividades estejam respaldadas pelo
texto constitucional sobre o seu papel e os momentos em que podem ser mobilizadas.

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ANAIS DO IV SIMPÓSIO NACIONAL DE
HISTÓRIA MILITAR

ISBN XXXX-XXXX
2019

LONDRINA

2019
IV Simpósio Nacional de História Militar

Anais / IV Simpósio Nacional de História Militar: gênero,


forças armadas e guerra; Organização: José Miguel Arias
Neto; Londrina: Universidade Estadual de Londrina, 2019.

Texto em português

ISBN XXXX-XXXX
1. História Militar. 2. Teoria e Metodologia. 3.
Historiografia. 4. Política e Sociedade.

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