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CINEMA E HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO: FILME COMO RECURSO

DIDÁTICO E FONTE DE PESQSUISA

Betânia de Oliveira Laterza Ribeiro (FACIP/UFU)


betania@pontal.com.br
APOIO FAPEMIG

Palavras-chave: Pedagogia da Imagem; Ensino da História da Educação; Recurso Didático

Considerações iniciais

Este texto busca problematizar o uso didático do cinema e sua a importância para a
disciplina História da Educação. A problematização permeia as relações entre cinema
educativo e Escola Nova, uso do cinema pelo governo de Getúlio Vargas e ascensão atual do
cinema como fonte histórica e recurso metodológico-didático para desenvolver a disciplina.
Também se apoia em dados levantados, em 2010, no Congresso Luso-brasileiro de História
da Educação em São Luís, Maranhão, para uma pesquisa que objetivou verificar a
metodologia de trabalho de docentes de História da Educação em sala de aula. A discussão
desses tópicos associada com o levantamento partiu da indagação a seguir e por ela se guia:
professores e professoras da disciplina História da Educação usam o cinema como fonte
histórica para construir o conhecimento histórico em educação? A pergunta se mostra
pertinente como problematização porque o cinema está na sala de aula universitária do
presente como recurso didático.

Cinema na pedagogia da Escola Nova

A presença do filme na sala de aula remete às relações entre educação e cinema no


passado, sobretudo na primeira república (1889–1930), quando foram objeto da reflexão
pedagógica, ao menos de alguns que se dedicaram a refletir teoricamente sobre a educação e
lhe propor, por exemplo, metodologias e modelos. Nas décadas de 20 e 30, as relações entre
cinema e educação se projetaram no debate pedagógico. Naquele momento, a pedagogia
idealizava uma ordem social fundada numa sociedade livre e democrática; e esse ideal
supunha uma educação que inculcasse regras de civilidade nas crianças e impusesse um
padrão de hábitos e comportamentos a que deveriam se condicionar e que sintetizavam um
ideal de homem projetado na infância. (E não por acaso! Afinal, não é a infância uma etapa-
chave da formação da personalidade? Do caráter, da conduta pessoal e social, dos valores

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morais e éticos?) Além disso, ideais positivistas demarcaram as políticas educacionais como
mola propulsora do progresso e ideias liberais predominaram, em consonância com a
expansão do capital industrial e a luta interna pela unidade nacional.
Também nos anos 20 e 30 as reformas educacionais ganharam força, embasadas no
ideário do movimento escola nova. Mais que promover um novo modelo escolar, esse
movimento apresentou metodologias para educar nas escolas públicas da primeira metade do
século passado, sob os princípios elementares da valorização de manifestações cívicas e
patrióticas, da alfabetização e da difusão da escola pública. Segundo Carvalho (1998), a
escola nova associava a pedagogia com a ideia de eficiência; e isso fica patente em passagens
dos textos das reformas, por exemplo, a de Fernando de Azevedo, que deixa entrever não só
certa ênfase no caráter técnico, mas também certo desejo de educar integralmente a criança —
cuja educabilidade seria desenvolvida respeitando-se a natureza infantil.
Ainda na compreensão de Carvalho (1998, p. 32), um entusiasmo pela educação
caracterizou esse momento histórico. E mesmo que a falta da educação fosse

[...] constituída como o maior dos problemas nacionais, problema de cuja


solução adviria todos os outros. [...] os ―pioneiros‖ buscavam não qualquer
tipo de educação, [mas] enfatizavam a importância da ―nova‖ pedagogia na
formação do homem novo.

Contextualizados, então, pelo paradigma positivista, os princípios norteadores da


escola nova previam uma escola moldada pela racionalização técnica e pragmática da
instrução popular; e a essa escola Carvalho (2003, p. 52) se refere como espaço da educação
―[...] rápida, precisa, com perdas mínimas de energia e pessoal‖.
Nesse contexto, algumas concepções mudaram. Por exemplo, o professor passou a ser
visto como responsável por uma atividade educativa que supunha usar o método científico
mediante o trabalho, em sala de aula, com experiências do campo pedagógico inspiradas na
biologia educacional, na psicologia da aprendizagem e do desenvolvimento e na sociologia. (É
claro: também mudaram as noções de aluno e trabalho pedagógico, assim como os conteúdos,
as formas de avaliação e as relações entre educando e processo de ensino e aprendizagem etc.)
A base filosófica dessas ideias se valia do pensamento de John Dewey, a exemplo da noção de
experiência reflexiva, que ele — diria Valdemarin (2004, p. 185) — apresenta

[...] com o objetivo de desencadear práticas pedagógicas situadas num


novo referencial, e o faz a partir da crítica elaborada sobre outras
propostas. Segundo o autor, a experiência reflexiva poderia evitar o
dualismo espírito/corpo sempre presente e com abordagens distintas nas

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correntes pedagógicas, além de outros como interesse/disciplina e
ação/pensamento.
É provável que o desejo de buscar outro referencial pedagógico que pudesse evitar a
dualidade espírito–corpo — marcante na pedagogia — tenha motivado a política educacional
do país nos anos 20 a prever uma pedagogia auxiliada por técnicas novas, por exemplo, o uso
didático do cinema. Conforme Morettin (1995, p. 13),

O cinema educativo, entendido como um importante auxiliar do professor no


ensino e um poderoso instrumento de atuação sobre o social, foi debatido e
defendido por muitos pedagogos e intelectuais paulistas e cariocas nos anos
20 e 30, como Manuel Bergstrom Lourenço Filho, Fernando de Azevedo,
Edgar Roquete Pinto e Jonathas Serrano, entre outros, que também estavam
preocupados com a introdução dos princípios da chamada Escola Nova nos
currículos.

Todavia, se houve quem defendesse a projeção educacional do cinema nas primeiras


décadas da República, também houve quem o visse como perigoso aos valores morais dos
alunos. Segundo Morettin (1995), Lourenço Filho foi um dos primeiros a se preocupar com
uma fiscalização do cinema e a manutenção da moral na mente e no caráter infantil. Já em
1927 ele abordou a relação entre cinema e moral e o cinema como interferência negativa na
formação da juventude.

Para ele [Lourenço filho], o ―problema moral‖ — ―o alpha e o omega de


todo labor educativo‖ — é uma questão social, na medida em que as
influências negativas podem romper o equilíbrio estável existente na
conciliação entre os interesses particulares — campo de incidência moral —
e os gerais. Assim, os abalos na formação do indivíduo poderiam
desestruturar o tecido social. É com preocupação que o educador, futuro
diretor da Instrução Pública do Estado de São Paulo, nota o surgimento de
―pequenas organizações criminosas de meninos, de São Paulo como no
interior do Estado, todas ellas inspiradas no exemplo vivo do
cinematographo‖. (MORETTIN, 1995, p. 14).

Nessa lógica, os educadores deveriam escolher o filme de modo a evitar


manifestações físicas descontroladas à moda das matinês infantis, conforme afirma Morettin.
Com isso, o emprego didático do cinema se associava com a disciplina do corpo e da conduta
como valor que se vinculava à prática de escolarizar pela exibição de filmes. Essa associação
ganharia mais força legal depois: no momento mesmo de uma ―[...] fermentação de um forte
nacionalismo em construção e por políticas públicas que visavam criar uma unidade nacional
[...]‖; como se sabe, a educação havia se tornado alvo central para o governo Vargas, que ―[...]
enxergava o cinema como instrumento divulgador da cultura e unificador do Estado‖
(NASCIMENTO, 2008, p. 3). Não por acaso Vargas sancionou, em 1937, a lei 378, que

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criou o Instituto Nacional do Cinema Educativo (INCE), órgão ligado ao Ministério da
Educação e Saúde Pública. O instituto produzia filmes com temáticas do meio rural, do
folclore e das riquezas naturais, assim como biografias e outros estilos para distribuir nas
escolas.
Morettin (1995) esclarece que o INCE contratou, como diretor-técnico, Humberto
Mauro: cineasta então bem conceituado que fez filmes educativos populares para exibição
pública. Contudo, mais que produzir filmes, ―O Instituto se propunha a manter-se
informado sobre os filmes educativos existentes e disponíveis e as escolas que mantinham
projetores‖; assim como a sistematizar informações dispersas — mediante a ―[...]
formação biblioteca especializada e publicação de uma revista [...] e coordenar o
movimento‖ (MORETTIN, 1995, p. 17). O INCE deu lugar, em 1967, ao Instituto Nacional
de Cinema, que ―[...] abandona a proposta de produzir e distribuir filmes educativos‖
(NASCIMENTO, 2008, p. 4).
Essa paralisação do uso do cinema como ferramenta didático-escolar não esfriou o
animo no meio acadêmico quanto ao uso educacional do filme. No fim da década de 80,
talvez por ―[...] influência da historiografia francesa, em especial, e pelo alargamento dos
meios de comunicação de massa no país [...]‖, conforme afirma Nascimento (2008, p. 5), o
cinema passou a ser objeto da reflexão pedagógico; e tal reflexão foi verbalizada em eventos
acadêmicos, em livros, em revistas científicas e em ações e programas de órgãos públicos
ligados à educação. Além de o cinema se firmar no debate teórico-epistemológico sobre
procedimentos didáticos para ensinar história da educação, as transformações e os avanços na
tecnologia midiática ampliaram a discussão sobre o uso educativo do cinema; a ponto de
estendê-la a novos espaços para tal ensino, a exemplo da escola fundamental e média, regida
pelos Parâmetros Curriculares Nacionais/PCN (BRASIL, 1998).
Esse documento ressalta a relevância da linguagem midiática para ensinar História e
trabalhar com temas transversais como possibilidade de integrar saber escolar com memória e
raciocínio, imaginação e estética etc. Nesse caso, ao ser uma mediação pedagógica, o cinema
criaria condições para promover a reflexão discente mediante uma leitura histórica do filme
que possibilitasse produzir conhecimentos à luz de culturas diversificadas, conforme o tempo
e o espaço de dada época e num processo de construção e reconstrução de conceitos. Na
história escolar, o uso didático do cinema poderia se aliar aos temas transversais para oferecer
aos alunos uma realidade — a fílmica — que lhes proporcionasse parâmetros para refletir
sobre sua realidade social e se preparar para eventuais transformações que afetam a vida em
sociedade. O cinema como recurso didático tem de ―[...] levar à superação da compreensão

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do documento como prova do real, para entendê-lo como documento figurado, como ponto
de partida do fazer histórico na sala de aula‖, como postula Schmidt (1998, p. 62). Nas
palavras dessa autora (SCHMIDT, 2005, p. 225):

Assim como a fotografia (imagem imóvel), o cinema (imagem móvel) é uma


linguagem contemporânea que exige cuidados especiais no seu uso na sala
de aula. Alguns aspectos precisam ser mencionados como: a necessidade do
conhecimento da historiografia do cinema; estudos sobre a presença da
história no cinema; da presença do historiador no cinema; a questão dos
documentários históricos e a construção da memória (ou da memória em
ruínas); o cinema e a formação da consciência história e, finalmente, os
aspectos que envolvem a especificidade do uso do filme no ensino de
História.

Se assim o for, então a análise histórica do filme supõe buscar subsídios em estudos
e outras fontes para construir um conhecimento do passado que seja útil como parâmetro
para compreender o presente; sobretudo o presente resultante de transformações do passado
que a produção humana registrou e daquelas cujos registros resultam mais da ação da
natureza — que o homem interpreta. Além disso, o uso didático do cinema — assim como de
outros recursos — exige planejamento e preparação. É preciso que as atividades sejam
desenvolvidas de modo que o filme seja analisado em relação ao conteúdo curricular e sem
perder de vista o valor documental duplo do filme: o olhar do diretor e o olhar do espectador
com base em sua experiência social.

As representações elaboradas pelos filmes só têm significado quando ligadas


a uma prática social, não só porque são produzidas socialmente, mas porque
sua existência só pode ser concebida dentro das relações sociais de uma dada
época. Isto porque existe um terreno comum para a fertilidade das produções
fílmicas: a experiência social comum de viver, de lutar, de sentir, de pensar,
própria de uma sociedade. (NOMA, 1998, p. 22).

Pode-se inferir que explorar o cinema como recurso didático-pedagógico e fonte para
a história da educação requer abordagens e métodos; logo, se o cinema se projetou na didática
de professores universitários, então convém verificar seus métodos. Com esse intuito, em
2010 propusemo-nos, com o pesquisador Sauloéber Tarso de Souza, a compreender mais a
metodologia e os recursos usados para lecionar História da Educação mediante levantamento
de dados no congresso de história da educação. Tal proposta se alinha a investigações afins do
grupo de estudos e pesquisa sobre a disciplina História da Educação na Universidade Federal
de Uberlândia, cujo objetivo é promover e estimular reflexões sobre o perfil do professor e
sua metodologia de trabalho.

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Os professores que responderam às perguntas de tal pesquisa somam quase 33
pessoas que lecionam História da Educação em 15 estados através das cinco regiões. A
distribuição aleatória dos questionários mostrou proporcionalidade numérica de Instituições
de Ensino Superior: Sudeste, Nordeste e Sul, regiões mais populosas, foram mais
representativas. A pesquisa considerou ainda o critério idade — média de 45 anos — e o
tempo de docência superior — duas décadas. No caso de História da Educação I, a
disciplina reflete um aspecto geral da História da Educação: experiência docente de quase
oito anos para 88% dos entrevistados que a ministraram.

Cinema como recurso didático na disciplina História da Educação

Lecionar História da Educação — afirma Magalhães (2011, p. 9–10) — pressupõe


uma reflexão teórica ―[...] aberta à interdisciplinaridade e a uma reconceptualização que
emana das circunstâncias e dos objectos históricos‖. Se assim o for, os docentes dessa
disciplina precisam exercitar a interdisciplinaridade para fortalecer uma formação pelo filme
que se oriente pela análise conjuntural: para estimular a apreensão coerente e significativa da
linguagem visual, reconstruir o contexto histórico e reconhecer modos e modelos de relações
pessoais e sociais, além de valores morais, éticos e educacionais implícitos e explícitos na
imagem do cinema. Fazer isso seria um passo importante para ultrapassar a perspectiva de uso
ilustrativo do filme, ou seja, seria usá-lo com fonte da pesquisa histórica (acadêmica).
Convém esclarecer a noção de fonte com que trabalhamos com as palavras de
Saviani (2006, p. 28), para quem a fonte histórica seria, dentre outras coisas, ―[...] o ponto de
apoio, o repositório dos elementos que definem os fenômenos cujas características se busca
compreender [...]‖; e um objeto construído artificialmente. Em história da educação, fontes
seriam, então, produções humanas que possibilitam recompor o passado mediante o escrutínio
e a análise do historiador cujo produto — a historiografia — vale-se do conhecimento
produzido pela pesquisa história. Saviani (2006, p. 30) explica que não cabe considerar como
fontes os ―[...] papéis que se acumulam nas bibliotecas e nos arquivos públicos ou privados,
as miríades de peças guardadas nos museus e todos os múltiplos objetos categorizados como
novas fontes pela corrente da ‗nova história‘‖.
Documentos, vestígios, indícios que se acumulam em vários tipos de acervos e sob
formas diferentes se tornam fontes quando tomadas para ―[...] compreender determinado
fenômeno‖. No caso da investigação histórica, a rigor, dado objeto que registra o passado e a
passagem do tempo só ―[...] adquire estatuto de fonte diante do historiador que, ao formular
o seu problema de pesquisa delimitará aqueles elementos a partir dos quais serão buscadas as

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respostas às questões levantadas‖ (SAVIANI, 2006, p. 30). Daí ―[...] o empenho em
preservar os materiais de que nos servimos, seja como educadores, seja como pesquisadores,
tendo em vista sua possível importância para estudos futuros [...]‖, quando tais objetos
poderão ser, eventualmente, vistos como fontes úteis a quem quer ―[...] compreender o
passado e o presente‖ (SAVIANI, 2006, p. 31).
Se as ponderações de Saviani (2006) apontam as fontes como possibilidades de
construir o conhecimento da História da Educação, também permitem enquadrar o cinema
porque, como produção humana que registra a vida em dado momento, o filme é passível do
exame do historiador. Mais que isso, o uso do cinema como fonte na história da educação
avança de uma perspectiva metodológica tradicional para uma visão dialética. Aceitar o ―[...]
cinema como fonte histórica indica uma mudança de estatuto do historiador na sociedade,
assim como mostra a nova utilidade que certas fontes passam a ter em função de sua nova
missão‖, conforme afirma Morettin (2003, p. 21).
A pesquisa aqui relatada, cujos dados advêm de respostas de professores
participantes de um congresso de História da Educação, detectou que os docentes que
recorrem ao filme como recurso didático têm uma formação diversa — a saber, Filosofia,
Psicologia, Ciências Sociais, Letras, Direto, Física e Educação Física; mais que isso,
mostra que têm usado o filme mais como ilustração, e menos para problematizar
historicamente a educação. Exemplificam isso certas falas sobre os objetivos do emprego
do cinema nas aulas de História da Educação, as quais revelam uma tendência geral a usar
o filme com o:

[...] objetivo de contextualização ou ilustração de determinado período


histórico: ―contextualizar a educação‖, ―diálogo com os textos escritos‖,
―debates, ilustração, identificação conceitual‖, [...] ―apresentar a época‖,
―relacionar as teorias e afirmações sobre a história com as imagens‖, ―a
representação de outra época‖, ―auxiliar na compreensão do texto, por conta
da linguagem imagética‖, ―[...] ilustrar os temas‖, ―contextualizar o
período‖. (SOUZA; RIBEIRO, 2012, p. 83).

Parece-nos que os objetivos para uso do filme precisam ir além da ilustração


numa disciplina como História da Educação. Mas isso demanda do professor ―reeducar‖
seu olhar de modo a se capacitar a ―ler‖ imagens cinematográficas antes de usar o cinema
como recurso didático; para escolher o tema e a abordagem segundo ―[...] a maturidade da
classe e a natureza da matéria‖. Cada professor tem autoridade em sua matéria e em seu
saber docente; mas integrar recursos audiovisuais a essa autoridade supõe dominar certos
procedimentos, para reconhecer mais sentidos na linguagem visual, que são mais comuns

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na pesquisa sobre artes visuais e na história da arte. Munir-se de tais procedimentos
permite ao docente buscar ―[...] compreender determinado fenômeno [...]‖ recorrendo a
filmes que vão ser ―[...] mais adequados [...]‖ à medida que proporcionar mais discussões
(FRANCO, 1993, p. 29).

Últimas considerações

Como se viu, as relações entre cinema e educação remontam aos anos 1920 e se
mantêm vivas. Através dos anos, o uso pedagógico do filme compôs propostas de mudança
na educação como uma inovação metodológica — sugerida por estudiosos que refletiram
sobre a educação escolar segundo princípios da chamada escola nova. Igualmente, entre
aquela década e o presente o cinema permeou as políticas educacionais do governo
autoritário de Getúlio Vargas como instrumento para incutir valores morais, patrióticos e
disciplinadores do corpo e da alma de crianças mediante a distribuição escolar de filmes
produzidos com fins pedagógicos. Tais relações se fortaleceram — é provável — com os
postulados da historiografia francesa, mais aberta ao uso de fontes que não as oficiais para a
pesquisa histórica; daí a projeção do cinema na educação — elementar e superior.
Essa influência teórica se nota nas justificativas dos PCN para recomendar o uso
didático de objetos audiovisuais para construir o conhecimento histórico na educação de nível
fundamental e médio. Todavia, na educação superior a influência parece se dissipar um
pouco. Quando usado didaticamente na construção do conhecimento histórico acadêmico por
professores (de História da Educação), o filme serve mais a fins ilustrativo-contextuais, e
menos à problematização histórica do passado. Isso vale para a prática docente de professores
de regiões distintas e formação variada.
Ao permear a didática de docentes com formação diversa, o filme ajuda a renovar
a metodologia do ensino de História da Educação. Inversamente, a heterogeneidade pode
fragilizá-la ao secundarizá-la aos poucos no currículo dos cursos de Pedagogia. Mais
instigante, porém, é a tendência a usar o filme só ilustrativa e contextualmente. De fato,
esse emprego tem valor didático-cognitivo — porque se adapta bem a objetivos de
aprendizagem e procedimentos metodológicos de ensino; mas esse valor nos parece pouco
no campo dos estudos histórico-acadêmicos, porque a historiografia (da educação) se
constrói não só pelo uso do filme como ilustração, mas também — e sobretudo — pela sua
problematização como fonte: pela leitura crítica, pela análise teórico-metodológica e pela
interpretação contextualizada.

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