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38 economia & história: crônicas de história econômica

eh

O “Partido Negro” na Independência do Brasil: Realidade ou


Fantasia?
José Flávio Motta (*)
Luciana Suarez Lopes (**)

OFÍCIO DO GOVERNO PROVISÓRIO DA BAHIA AO DE PERNAMBUCO

“Ilmos. e Exmos. Srs. – O Governo Provisório da Província da Bahia tem a satis-


fação de comunicar a VV. Exas. que no dia 2 do corrente mês evacuaram os ini-
migos esta cidade, e passando-se vergonhosa e precipitadamente para bordo das
embarcações de guerra e transportes, sendo por todos oitenta e quatro vasos,
saíram à barra no mesmo dia levando consigo negociantes desta praça.
(...)
Por tão faustíssimos acontecimentos que firmam cada vez mais a nossa in-
dependência e consolidam o Império constitucional do Brasil este governo se
congratula com VV. Exas. a cujos desvelos se deve a grande parte de um tão feliz
resultado (...).
(...)
Deus guarde a VV. Exas.
Palácio do Governo da Bahia, 21 de Julho de 1823.
Apud Amaral (1957, p. 470-471).

Como afirmado no ofício parcialmente transcrito na conquista de nossa independência política. Decerto, é
epígrafe desta crônica, aos 2 de julho de 1823 as for- pertinente o questionamento acerca da relevância de
ças portuguesas foram afinal expulsas da cidade de uma datação mais precisa, para além da óbvia oportu-
Salvador. A data, para muitos, teria sido uma escolha nidade da seleção de um dia, declarado feriado, para
mais adequada do que o 7 de setembro para marcar a as devidas comemorações. Não obstante, subjacente

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à escolha desta ou daquela data veu o rompimento de laços colo- (…) os vários sentidos da escravi-
específica encontraremos sempre, niais. Iniciava-se a última década dão tornaram-se inescapavelmente
entre outras causas, o privilégio do século XVIII na colônia francesa emaranhados ao serem confronta-
atribuído por quem escolhe a uma de São Domingos quando eclodiu dos às contradições fundamentais
dada perspectiva. a revolução, e os revolucionários entre os eventos revolucionários
compunham sua população de ca- na França e o que ocorria nas co-
Ilustremos este último comentário tivos. Para dar forma a essa sucinta lônias francesas. (...) Apesar de a
com o próprio tema da emancipa- menção à revolução haitiana, será abolição da escravatura ser a única
ção política. Se o recorte contem- suficiente recorrermos ao prefácio consequência logicamente possível
plado fosse o rompimento com a à primeira edição, de 1938, do clás- da ideia de liberdade universal, ela
política mercantilista da metrópole sico livro intitulado The Black Jaco- não se realizou por meio das ideias
portuguesa, a negação do pacto co- bins, de Cyril Lionel Robert James: ou mesmo das ações revolucioná-
lonial por suas variadas restrições
rias dos franceses; ela se realizou
e obrigações prejudiciais aos inte- In August 1791, after two years
graças às ações dos próprios es-
resses da colônia, talvez o melhor of the French Revolution and its
cravos. O epicentro dessa luta foi
marco fosse não o 7 de setembro, repercussions in San Domingo,
tampouco o 2 de julho, mas sim o a colônia de Saint-Domingue. Em
the slaves revolted. The struggle
24 ou, sobretudo, o 28 de janeiro. 1791, enquanto mesmo os mais
lasted for twelve years. The slaves
Pois aos 24 de janeiro de 1808, a ardentes opositores da escravidão
defeated in turn the local whites
comitiva real desembarcava no na França esperavam passivamen-
and the soldiers of the French mon-
Brasil, em Salvador, após viagem te por mudanças, o meio milhão
archy, a Spanish invasion, a British
de pouco menos de dois meses de escravos em Saint-Domingue
expedition of some 60,000 men,
desde Lisboa, em decorrência da (...) tomava nas próprias mãos as
and a French expedition of similar
invasão de Portugal pelas tropas rédeas da luta pela liberdade, não
de Napoleão; e, quatro dias depois, size under Bonaparte’s brother-
através de petições, mas por meio
o regente D. João, ainda na Bahia, in-law. The defeat of Bonaparte’s de uma revolta violenta e organi-
assinava o decreto da abertura dos expedition in 1803 resulted in the zada. (BUCK-MORSS, 2011, p. 138).
portos da colônia.1 establishment of the Negro state of
Haiti, which has lasted to this day. E seria difícil exagerarmos o quão
No nosso caso, tendo em vista o (JAMES, 2001).3 significativo foi o impacto da re-
direcionamento da análise para o volução haitiana nas sociedades
tema do “partido negro”, há mesmo Sim, essa luta dos escravos de São escravistas então existentes. De
que destacar a luta pela indepen- Domingos não foi pouca coisa! Não fato, sua repercussão pode ser
dência na Bahia, pois nela identi- temos dúvida de que a ela se ajusta apreendida pelo próprio silêncio
ficaremos com maior facilidade a com muita propriedade o rótulo de que muitas vezes se fez atroador
presença do referido conjunto de “revolução”. Também não temos acerca daqueles eventos. O Correio
pessoas integrado não apenas por dúvida de que algo do brilho ema- Braziliense, jornal publicado por
escravos, mas também por eles. 2 nado pelo ideário da Revolução Hipólito José da Costa em Londres
Porém, antes de avançarmos por Francesa perdeu-se em meio às entre 1808 e 1822, exemplifica
esse caminho, faz-se opor tuna sombras da escravidão vigente nas esse silêncio. No exemplar de ja-
breve menção a uma outra luta, colônias francesas. Nas palavras neiro de 1815, na seção “Miscella-
ocorrida décadas antes daquele 2 de Susan Buck-Morss, no caso da nea”, em uma curta notícia sobre
de julho, e que igualmente envol- Revolução Francesa, a França encontramos uma das

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pouco frequentes referências à re- Esses rumores quase sempre se Finalmente: todos os brasileiros, e
volução; tratou-se do comentário a manifestavam em momentos de sobretudo os brancos, não perce-
uma proposição de um Comissário tensão, de desacordo entre os bem suficientemente, que é tempo
Francês dirigida aos haitianos. O brancos, como na Bahia da Inde- de se fechar a porta aos debates
início da notícia do Correio é re- pendência. O fantasma do Haiti políticos, às discussões constitu-
velador: “Temos, por óbvias razões, ficava por ali rondando. (REIS, cionais? Se se continua a falar dos
omitido falar das colônias francesas direitos dos homens, de igualdade,
2003, p. 95-96, negrito nosso).
em S. Domingos.” 4 terminar-se-á por pronunciar a
Em inícios da década de 1970, Luiz palavra fatal: liberdade, palavra
Não obstante o tanto que se pro- terrível e que tem muito mais força
Mott publicou, como apêndice a
curava não dizer, não se conse-
uma coletânea sobre a Indepen- num país de escravos do que em
guiu evitar a difusão da informa-
dência do Brasil, um pequeno texto qualquer outra parte. Então, toda a
ção sobre a revolução ocorrida no
intitulado “Um documento inédito revolução acabará no Brasil com o
Haiti, e ela eventualmente alcançou
para a história da Independência”. levante dos escravos, que quebran-
os ouvidos e estimulou revoltas de
Esse texto, escrito em francês, “(...) do suas algemas, incendiarão as
cativos em outras paragens; muito
traz o título ‘APERÇU’. Consta de cidades, os campos e as plantações,
menos se conseguiu evitar que se
13 páginas manuscritas, tamanho massacrando os brancos, e fazendo
espalhasse o medo inspirado pelos
ofício, não trazendo nem data nem deste magnífico império do Brasil
eventos de São Domingos em quem 5
não era escravo. Uma e outra coisa assinatura.” (MOTT, 1986, p. 466). uma deplorável réplica da brilhante
se fizeram presentes, no decurso O conteúdo permite sugerir ter colônia de São Domingos. (MOTT,
das primeiras décadas do Oitocen- o documento sido produzido por 1986, p. 482).
tos, entre outros lugares, na Bahia, volta de 1824. É o relato de um
6
alimentando rumores e semean- observador a serviço de D. João VI. Esses fragmentos de autoria do
do a intranquilidade. Em inícios A referência a um “partido dos ne- espião português, redigidos ao
de 1822, por exemplo, circulou gros e das pessoas de cor” foi feita que tudo indica em meio às turbu-
entre os cativos na província baia- pelo espião francês, e a preocupa- lências do período que se seguiu
ção suscitada com relação às pos- imediat amente à emancipação
na o boato de que o rei os libertara,
sibilidades abertas pela existência política brasileira, são para nós
porém os senhores não haviam
de uma tal fração da sociedade relevantes também por emprestar
acatado a disposição do monarca.
defendendo interesses próprios significado à pergunta explicitada
De acordo com João José Reis,
mereceu no relato a lembrança ví- no título desta crônica. Vale dizer,
vida da revolução no Haiti: existiria realmente esse “partido
Rumores semelhantes percorriam
negro” ou seria ele tão-somente
de vez em quando as sociedades
uma construção do imaginário
escravistas das Américas, levando (...) embora havendo no Brasil
branco e escravista? Em sendo uma
os escravos a se levantar em defesa aparentemente só dois partidos
construção ideológica, o “partido
de direitos que eles já tinham como [o dos portugueses e o dos brasi-
negro” desempenharia, digamos
certos. Foi assim em Barbados leiros-JFM/LSL], existe também assim, o papel de uma espécie de
em 1816, em Demerara em 1823, um terceiro: o partido dos negros bicho-papão, alimentado pela reali-
e na Jamaica em 1831. (...) Entre e das pessoas de cor, que é o mais dade assustadora da revolução hai-
nós, em Campinas em 1832, e em perigoso, pois trata-se do mais forte tiana. Pois uma revolução similar
Queimado, Espírito Santo, em 1849. numericamente falando. (...) àquela estaria, decerto, posta como

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possibilidade sempre latente em Afinal, como seria possível evitar fosse, algum movimento no sentido
uma sociedade como a nossa, com que a luta para libertar a colônia, já da libertação dos cativos.
expressivo contingente de pessoas então elevada à categoria de Reino
“de cor” e, sobretudo, de escravos. Unido, do jugo metropolitano, não Não à toa, no artigo intitulado “In-
Realçar a pretensa ameaça desse acabasse por catalisar outros an- trodução ao estudo da emancipa-
bicho-papão poderia ser uma boa seios de liberdade aqui existentes? ção política do Brasil”, Emília Viotti
É ainda João Reis, entre outros, da Costa fez menção às “explosões
estratégia com vistas a atingir o
quem ilumina essa questão com de igualdade insultuosa” decorren-
objetivo do relato, assim entendido
muita clareza: tes das diferentes leituras da revol-
por Luiz Mott: “A razão deste ‘Aper-
ta realizadas por distintos segmen-
çu’ é mostrar ao Rei D. João VI a im- tos sociais. A autora transcreve
portância e os meios de unir de novo Na metáfora predileta dos pe-
e comenta trechos de uma carta,
(‘rattacher’ – ‘attacher de nouveau’) riodistas e oradores patrióticos,
escrita por João Lopes Cardoso e
o Brasil à Metrópole, depois que D. representava-se o Brasil como
datada aos 15 de junho de 1817; na
Pedro chefiara a ‘Revolução’ (Inde- escravo de Portugal. Os escravos
missiva, João Cardoso,
pendência).” (MOTT, 1986, p. 468).
7 parecem haver compreendido a
hipocrisia do discurso patriótico. Se (...) comentando a situação no Re-
Perf ilharemos a interpret ação era para libertar o país da figurada cife, durante a revolução, observa
dada por João José Reis em seu arti- escravidão portuguesa, por que que “os cabras, mulatos e crioulos
go sobre a independência na Bahia não libertá-los também da autên- andavam tão atrevidos que diziam
(“O jogo duro do dois de julho”). Se tica escravidão brasileira? (REIS, que éramos todos iguais e não ha-
a faceta ideológica se fez então pre- 1989, p. 93) viam de casar senão com brancas
sente, sua base concreta não esteve das melhores.” (...) Pior ainda lhe
apenas no longínquo Haiti, ainda Em verdade, uma apropr iação pareciam os modos livres e pouco
que a revolução naquela ilha cari- como esta da luta pela superação respeitosos dos “cabras”. – “Vossa
benha possa ter inspirado os cati- do estatuto colonial havia já se Mercê não suportava chegasse a
vos na Bahia e em outras partes: evidenciado, e sem deixar mar- Vossa Mercê um cabra, com o cha-
gens para a mínima dúvida, no péu na cabeça e bater-lhe no ombro
O “partido negro” era ao mesmo período anterior à independência, e dizer-lhe: ─ Adeus Patriota, como
tempo uma construção ideológica na revolução pernambucana de estais, dá cá tabaco, ora tomais
da elite e um fenômeno absoluta- 1817. Muito embora esse movi- do meu, como fez um cativo do
mente real. Neste último sentido
mento tenha sido capitaneado por Brederodes ao Ouvidor Afonso.”
integrantes do escol da sociedade Felizmente, concluía satisfeito, o
ele significava os vários grupos
de Pernambuco, 8 sua realização cabra recebera o justo castigo: “já
negro-mestiços de escravos, liber-
não prescindiu da participação se regalara com 500 açoites.” (COS-
tos ou homens livres que, cada qual
de outros segmentos sociais. Esse TA, 1981, p. 96).
à sua maneira, tentaram negociar
alargamento decerto tornou difícil
uma participação no movimento o controle mais estrito dos limites Nesse mesmo artigo, Emília Viotti
da Independência, ou subverter do que se queria romper. Em outras da Costa evidenciou com inequí-
a própria ordem escravocrata no palavras, desnecessário enfatizar voca propriedade o nó da questão:
calor do conflito luso-brasileiro. o desinteresse da nata daquela so- “A escravidão constituía o limite do
(REIS, 1989, p. 80). ciedade em promover, o menos que liberalismo no Brasil” (COSTA, 1981,

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p. 92). E outro comentário seu, um melhor papel no palco político Diferentemente da Ilha de São Do-
uma vez mais sobre a revolução de em via de ser montado com a vitó- mingos, no entanto, esse ingredien-
1817, iluminou a oportunidade que ria baiana. Os sinais desse projeto te não foi o principal no caldeirão
significou o apoio de D. Pedro para dos negros são claros. (REIS, 1989, da independência brasileira, o que
a concretização da ruptura política p. 92). não significa que seu sabor e aroma
com Portugal: não pudessem ser percebidos. Tal-
O exemplo desses sinais, fornecido vez outras receitas nas quais esse
A principal fraqueza dos movi- por João Reis, é outra carta, esta ingrediente tivesse maior destaque
mentos revolucionários ocorridos datada aos 13 de abril de 1823. pudessem ter apresentado resulta-
antes da Independência residia Quem a escreveu foi dona Maria 12
dos bem diferentes. Mas foi o que
no profundo receio que os líderes Bárbara Garcez Pinto, senhora do foi! De forma inegável, com muita
dos movimentos experimentavam engenho Aramaré. O destinatário força, percebemos a similaridade
em relação às massas. Tollenare, era seu marido, então em Portugal. entre os destinos do “cativo do
contemporâneo da revolução per- Maria Bárbara comentou: “A criou- Brederodes”, na revolução pernam-
nambucana de 1817, comentava lada da Cachoeira fez requerimentos bucana de 1817, e da “crioulada da
10
que os revolucionários discorriam para serem livres”. Em seguida, Cachoeira”, no engenho baiano de
sobre a doutrina dos direitos do expressou-se de modo a deixar Aramaré, em 1823. Aqui não foi o
homem, apenas com os iniciados, bem claro o que a classe senhorial Haiti!
parecendo temer que ela não fos- baiana pensava desses projetos
se compreendida pela “canalha”. dos negros, bem como da fórmula
Referências
Melhor seria dizer que o que os para reagir a eles: “Estão tolos, mas
revolucionários temiam é que ela a chicote tratam-se!” (REIS, 1989,
fosse compreendida pelas massas. pp. 92-93). AMARAL, Braz do. História da Independência
na Bahia. 2.ed. Salvador, BA: Livraria Pro-
(COSTA, 1981, p. 95).
gresso Editora, 1957. (Coleção de estudos
Em suma, o contexto da emanci-
brasileiros. Série Marajoara, n. 19).
Voltemos ao caso baiano. Se a inde- pação política, assim nos parece,
BUCK-MORSS, Susan. Hegel e Haiti. Novos
pendência capitaneada pelo prín- tornou-se como que um caldeirão
estudos – CEBRAP, São Paulo, n. 90,
cipe evitou turbulências mais in- onde se pôs um caldo na fervura. p. 131-171, julho 2011. Disponível
9
tensas, foi mais difícil controlar a Na receita desse caldo, os ingre- em: <http://www.scielo.br/pdf/nec/
aludida “apropriação” do movimen- dientes foram diversos. Havia, sim, n90/10.pdf>. Acesso em: 01 jul. 2015.
to pelos escravos lá onde a reação um interesse “brasileiro”, anticolo- http://dx.doi.org/10.1590/S0101-
33002011000200010.
portuguesa foi maior, e, portanto, nialista por excelência, avesso aos
também maior a luta. Tal o caso da CARDOSO, José Luís. A transferência da
privilégios mercantis e, no tocante
Corte e a Abertura dos Portos: Portugal
Bahia: a este aspecto, reforçado por inte- e Brasil entre a ilustração e o liberalismo
resses ingleses; e havia as deman- econômico. In: OLIVEIRA, Luís Valente de;
Com efeito, os escravos, sobretudo das mercantilistas emanadas da RICUPERO, Rubens (Org.). A abertura dos
os crioulos e os pardos nascidos no velha metrópole. Mas havia mais.
11 portos. São Paulo: Editora Senac São Paulo,
2007, p. 166-195.
Brasil, mas também os africanos, Nesse mais estavam os “vários gru-
não testemunharam passivamente pos negro-mestiços”, na expressão COSTA, Emília Viotti da. Introdução ao es-
tudo da emancipação política do Brasil.
o drama da Independência. Muitos de João Reis, e entre eles os escra-
In: MOTA, Carlos Guilherme (org.). Brasil
chegaram a acreditar, às vezes de vos, afinal também protagonistas em perspectiva. São Paulo: DIFEL, 1981,
maneira organizada, que lhes cabia naquela sociedade. p. 75-139.

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COSTA, Hipólito José da. Correio Braziliense, Brasil. Cadernos Cedes, Campinas, v. 22, aquilombarem. Ressalte-se, então, que muitos
Londres, n. 80, janeiro de 1815. Disponível n. 58, p. 21-45, dez. 2002. escravos tinham esta esperança de forma
em: <http://www.brasiliana.usp.br/bbd/ efetiva, uma vez que alguns cativos baianos
VIANA, Luiz Werneck. Prefácio. In: COSER, tinham conseguido a liberdade na luta con-
handle/1918/060000-080#page/1/
Ivo. Visconde do Uruguai: centralização tra os ‘portugueses’.” (RIBEIRO, 2002, p. 38)
mode/1up>. Acesso em: 01 jul. 2015.
e federalismo no Brasil, 1823-1866. Belo Convém reproduzirmos a seguinte ressalva
FREITAS, Soraya Matos de. Nas entrelinhas Horizonte: Editora UFMG; Rio de Janeiro: feita pela autora citada: “Acredito que não
da revolução: o dito e o não dito nas pági- IUPERJ, 2008, p. 9-12. devamos igualmente descartar a hipótese
nas do Correio Braziliense e na Gazeta do de que pudesse passar pela imaginação dos
Rio de Janeiro sobre a Revolução Haitiana escravos que, estando em regiões fronteiriças
(1808-1817). Dissertação (Mestrado em ― forte e quilombos —, pudessem também
auxiliar os portugueses, ganhando em troca
História Social). São Gonçalo, RJ: Univer-
a alforria.” (RIBEIRO, 2002, p. 42)
sidade do Estado do Rio de Janeiro, 2010.
3 Como seria de esperar, a historiografia, des-
GEGGUS, David Patrick (Ed.). The Haitian de a década de 1930, muito avançou no es-
Revolution: a documentary history. [kindle tudo sobre a revolução haitiana. Na recente
edition] Indianapolis: Hackett Publishing 1 Em coletânea publicada há alguns anos, edição de uma rica coleção de documentos,
Company, Inc., 2014. vários estudiosos enfatizaram a relevância por exemplo, os organizadores permitem
desse episódio, a exemplo de Carlos Gui- vislumbrar um arcabouço interpretativo
JAMES, Cyril Lionel Robert. The Black Ja- lherme Mota e José Luís Cardoso. O primeiro mais complexo, que reproduzimos com o in-
cobins: Toussaint L’Ouverture and the escreveu: “O ‘longo século XIX’ brasileiro tuito de eventualmente estimular o interesse
San Domingo Revolution. [kindle edition] teve início, de fato, em 1808, com a chegada dos leitores: “The key to understanding the
London: Penguin Books, 2001. de dom João VI, da corte e da família real Haitian Revolution’s complicated narrative
portuguesa, fugindo das tropas de Napoleão, is to think of it as the pursuit of three politi-
MELLO, Evaldo Cabral de. A outra indepen- quando se abriram os portos ‘às nações ami- cal goals (freedom, equality, Independence),
dência: o federalismo pernambucano de gas’, dando-se estatuto privilegiado à sua
by three social groups (slaves, free coloreds,
1817 a 1824. São Paulo: Editora 34, 2004. protetora Inglaterra e aparelhando-se no
whites), in a colony whose North, West, and
Rio de Janeiro a nova capital do Império luso-
MOTA, Carlos Guilherme. Da ordem impe- South provinces produced three regional
afro-brasileiro. Com enormes dificuldades,
rial pombalina à fundação do Império variants of the revolution. Its chronology also
tenta-se liquidar o passado da Colônia e criar
um Estado-nação moderno.” (MOTA, 2007, p. might be fitted into a tripartite structure.
brasileiro (1750-1831): o significado da
62-63) O segundo, por seu turno, afirmou: The first two years (1789-1791), before the
abertura dos portos (1808). In: OLIVEIRA,
“(...) ao impor uma quebra na situação de slaves became involved, and the last two years
Luís Valente de; RICUPERO, Rubens (1802-1803), the War of Independence, form
exclusivo e, por conseguinte, das vantagens
(orgs.). A abertura dos portos. São Paulo: distinct units separated by a long middle
que a metrópole detinha na balança co-
Editora Senac São Paulo, 2007, p. 60-99. mercial com a sua mais importante colônia, section. This middle period (1791-1801) can
a Abertura dos Portos brasileiros aos navios be similarly subdivided, with the abolition of
MOTT, Luiz. Um documento inédito para
e negociantes britânicos (...) consolida um slavery (1793) and the expulsion of foreign
a história da Independência. In: MOTA,
movimento irreversível de transição de um invaders (1798) serving as major turning
Carlos Guilherme (Org.). 1822 Dimen- points.” (GEGGUS, 2014).
sistema de comércio internacional prote-
sões. 2.ed. São Paulo: Perspectiva, 1986, gido pelo regime de pacto colonial para um
p. 465-483. 4 O comentário é o seguinte: “FRANÇA. Temos,
sistema de comércio livre sem exclusivos.”
por óbvias razões, omitido falar das colônias
(CARDOSO, 2007, p. 182)
REIS, João José. O jogo duro do dois de julho: francesas em S. Domingos; mas o agente de
o “partido negro” na independência da 2 O que não significa que devamos descon- um dos chefes daquela ilha, publicou em Lon-
Bahia. In: REIS, João José; SILVA, Eduardo. siderar o comentário seguinte, de Gladys dres todos os documentos oficiais, relativos
Negociação e conflito: a resistência negra Ribeiro: “Lutar na Guerra da Independência à proposição que fez um Comissário francês,
no Brasil escravista. São Paulo: Companhia não foi privilégio dos escravos baianos. No para que os habitantes daquela ilha, se tor-
das Letras, 1989, p. 79-98. Rio de Janeiro, de 1822 a 1824, sobretudo nassem a submeter aos franceses. Que! Dizer
entre junho e setembro de 1824, fortes foram a uns homens livres, que tornem a reduzir-
______. Rebelião escrava no Brasil: a história construídos para a defesa da cidade contra se à condição de escravos! Não desejamos
do levante dos malês em 1835. Edição re- uma possível invasão portuguesa. (...) Para os demorar-nos nesta desgostosa controvérsia,
vista e ampliada. São Paulo: Companhia escravos, trabalhar nas obras dessas fortifi- que nada podia fazer mais absurda, do que o
das Letras, 2003. cações, situadas em regiões fronteiriças, po- comportamento e caráter do indivíduo, que
deria significar a possibilidade da liberdade os franceses ali mandaram a negociar este
RIBEIRO, Gladys Sabina. O desejo da liber- e de uma vida melhor: fugia-se na calada da rendimento. Basta dizermos, que na opinião
dade e a participação de homens livres noite para o serviço nos fortes e, das obras de todos os homens sensatos, S. Domingos
pobres e “de cor” na Independência do dos fortes e dos serviços públicos para se está para sempre perdida aos franceses.”

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(COSTA, 1815, p. 128; nesta citação man- José Martins, rico comerciante, Cruz Cabugá, 11 Por exemplo, poderíamos tornar esse
tivemos a pontuação original e atualizamos homens de posses em Pernambuco e outras caldo muito mais encorpado com a dis-
a ortografia) A essa questão da repercussão figuras ilustres, descendentes da ‘melhor no- cussão acerca da questão federalista,
da revolução haitiana (e do silêncio sobre breza’ e que ocupavam situação de destaque outro tema relevante que deixaremos
ela) dedicou-se, por exemplo, Soraya Matos na sociedade colonial.” (COSTA, 1981, p. 89) para uma crônica futura (Ver, a respeito,
de Freitas (2010), mediante o exame de dois com destaque entre outros, MELLO,
periódicos brasileiros: o Correio Braziliense 9 “O novo Estado, portanto, surge de uma re-
2004).
e a Gazeta do Rio de Janeiro. volução sem revolução, conformado por elites
políticas portadoras dos ideais da civilização 12 Melhores ou piores? Repassaremos para
5 Esse “RESUMO”, OU “SUMÁRIO”, foi lo-
e com a missão auto-atribuída de forjar, ao os leitores que quiserem empreendê-la a
calizado por Luiz Mott no Arquivo Histórico
longo do tempo, uma nação. Essa solução tarefa eventual de conjecturarem acerca
Ultramarino de Lisboa; sua transcrição na
aborta uma revolução nacional-libertadora, da avaliação do exercício contrafatual
íntegra, em francês e em português, pode
que germinava desde as últimas décadas do sugerido.
ser lida no apêndice mencionado.
século XVIII, mas não retira de cena nem seus
6 “Trata-se de um observador (espião?) a personagens nem os princípios liberais que os
serviço do rei D. João VI, que presta conta das animavam.” (VIANA, 2008, p. 10)
informações que dispõe a respeito da situação
política do Brasil por volta de 1824. (...) Por
mais de uma vez o Autor deste Aperçu se 10 “Em outras palavras, os escravos negros
refere a seus agentes, o que faz-nos pensar nascidos no Brasil (crioulos) ousavam
na existência de uma rede bem organizada de
pedir, organizadamente, a liberdade! (...).
coleta de informações a serviço do próprio Rei
É importante notar que, aparentemente,
D. João VI, tendo como chefe, provavelmente,
os escravos crioulos não pediam liberdade
o referido francês.” (MOTT, 1986, p. 466)
para os de origem africana, o que refletia a
7 ’L’importance pour le Portugal, de rattacher tradicional inimizade entre os dois grupos.”
à la Métropole ses vastes et riches posséssions (REIS, 1989, p. 92). A discussão dessa
du Brésil, autant pour ses interets particuli- questão da “tradicional inimizade” entre
ers, que pour as politique extérieure, est asses escravos africanos e crioulos, apontada na
connue...’” (MOTT, 1986, p. 468) análise feita por João Reis acerca da carta (*) Professor Livre-Docente da FEA/USP.
8 “A revolução de 1817 reuniu entre outros de dona Maria Bárbara, não obstante sua (E-mail: jflaviom@usp.br).
o ouvidor Antônio Carlos, cujo pai era uma relevância, será por nós adiada para uma (**) Professora Doutora da FEA/USP.
das maiores fortunas de Santos, Domingos oportunidade futura. (E-mail: lslopes@usp.br).

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