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A Filosofia Política de Michel de Montaigne

Henrique Tonin e Luísa Pogozelski

Michel Eyquem de Montaigne (Saint-Michel-de-Montaigne, 1533 - Saint-


Michel-de-Montaigne, 1592), considerado inventor do ensaio pessoal, teve uma
educação muito rígida (seu tutor apenas conversava com ele em latim). Cedo estudou
direito e chegou a ser magistrado de Périgueux e Bordéus, onde conheceu La Boétie.
Aos 34 anos, abastado como era, pôde retirar-se em seu castelo e também viajar
por vários países europeus afim de dedicar-se apenas aos seus estudos e à reflexão.
Escreverá então sua única obra, os Ensaios, onde revelará um pensamento humanista,
que se debruça sobre as mais diversas peculiaridades da natureza humana através de
uma espécie de autorreflexão na qual Montaigne por vez irá expor a si mesmo sem
pudor, sempre se utilizando dos mais diversos pensadores, filósofos e poetas da
antiguidade, entre os quais, os mais citados: Plutarco, Cícero, Virgílio, Sêneca,
Lucrécio, Lucano, Ovídio, Horácio.
Apesar de ser um erudito do pensamento clássico, não é “saudosista” desse
passado, utilizando-se do pensamento destes antigos para complexificar as questões de
seus ensaios que, para algum leitor despreparado, podem parecer relativizadas por conta
de seu ceticismo de fundo, mas que em uma leitura atenta revelam uma direção de
conduta que se preocupa com os reais aspectos da vida cotidiana e da natureza humana
da forma mais crua e franca possível. É o precursor dos chamados “moralistas
franceses”, assim intitulados pelo caráter do tema de suas reflexões justamente críticas
da moral de suas épocas.

Ceticismo
O ponto do qual Montaigne parte é o do cético, numa crítica destrutiva dos
ídolos da razão errante, das “verdades”, das instituições, do costume, da lei, do Estado,
etc. A partir daí aparecem duas vias sempre em curso na obra do autor: a renúncia aos
julgamentos absolutos, pois para ele a razão é incapaz de resolver problemas políticos,
religiosos e metafísicos (CONCEIÇÃO, p.8); e a insistência em uma perspectiva
centrada na subjetividade, a partir da qual poderemos nos posicionar virtuosamente
frente aos acontecimentos.
Seu ceticismo é, essencialmente, aceso pela revolta contra as aparências, aos
equívocos. É nessa recusa das “máscaras” que Montaigne encontrará o que podemos
timidamente intitular como “verdadeiro” para ele, evidenciando então que sua
investigação se dá em uma busca negativa, o que se mostra indissociável da experiência
intelectual vivida.
Liberdade
Para ele, a necessidade e o acaso atuam num mesmo plano. Então entendemos
como não haverá um “partido” capaz de portar a verdade, e a unidade se dará na soma
dos fragmentos. Sem uma regra universal, as normas sociais são relativizadas e ninguém
pode provar ter o costume mais “correto”. No entanto, o ceticismo de Montaigne acaba
quando inicia seu enfoque fortemente prático, onde ele admite que é necessário “tomar
partido na vida (lato sensu)”, fazendo com que as ideias mesmas dos partidos sejam
“mundos possíveis”. Ser, portanto, é escolher.
Moral
Montaigne vê a história e a política como extensão da subjetividade. (CONCEIÇÃO,
p.3) Esta subjetividade, no entanto, não deve ser uma prisão: da frequentação da
sociedade tira-se clarividência para julgar os atos dos homens, e constata-se a existência
de diferentes interesses na vida.
(Obs.: estou desenvolvendo isso melhor, mas para a apresentação, acho que deixaria o
resumo extenso demais. O que acha?)
Poder
Todavia, não encontramos nos Ensaios nenhuma exposição teórica da concepção de
poder, à parte, mas esta concepção existe e seu tom não é neutro. Ele toma partido,
salientando, porém, que: “É por minha experiência que assinalo a humana ignorância
que é, em minha opinião, o partido mais seguro da escola da vida” (III, XIII).
(CONCEIÇÃO, p. 4)
O certo é que, para Montaigne, nem o poder nem as leis tem um fundamento natural ou
sobrenatural: são construções históricas e sua autoridade baseia-se em sua antiguidade.
Sobre o poder das leis, ele escreve que não se baseia na sua justeza mas no fato de
serem leis, não importando se seus autores foram tolos: o que importa é a conveniência
de que sejam conhecidas de todos e obedecidas. O sábio deve preservar sua liberdade de
julgar as coisas, sem preocupar-se com a opinião pública, mas quanto ao seu trabalho
suas ações e sua vida, deve colocá-los a serviço da coletividade.
Montaigne admite, ao mesmo tempo, um elevado grau de liberdade de juízo para o
indivíduo e a conveniência de que os costumes e as leis não sejam modificados por
sublevações. Considera que as primeiras vítimas destas são os que provocam-nas e que
é insensato querer que as instituições e os costumes públicos (que tem alguma fixidez)
sejam submetidos às nossas opiniões variáveis.

Organização Política/ Formas de Governo


Nos Ensaios, Montaigne fala de três tipos de partidos, que na verdade são partidos
“filosóficos”. O primeiro seria o dos dogmáticos, aqueles que se creem possuidores da
verdade. Aqui ele situam os estoicos, os epicuristas e os peripatéticos. Em seguida, o
segundo partido é o dos ditos acadêmicos, que julgam saber não poderem conhecer por
conta da limitação dos meios humanos. Em terceiro lugar os céticos, que Montaigne
curiosamente associa a Pirro como o partido dos que “permanecem na busca pela
verdade” e ao qual se “associa”.
Em consequência, não haverá para ele um príncipe “eclético” o bastante para dar conta
da multiplicidade. A política é constituída de ações rudimentares, “é quase uma rotina e
em geral mais coisa de uso e de exemplo que de razão” (II, XX) (CONCEIÇÃO, p.4).
Ao mesmo tempo, dado o caráter inseguro do intelecto humano, que não permite
reconhecer a verdade absoluta nas partes em conflito, os partidos são reconhecidos por
Montaigne como as frações do todo que podem alcançar o mais alto grau de
institucionalização. No ato de governar é necessário fazer escolhas e tomar partido, e a
epoké cética deve levar ao respeito por tudo aquilo que é variável nas partes.

Leis
Montaigne com o seu radicalismo habitual formulou o problema do valor das leis
morais: se há apenas opiniões e costumes, uns contrários aos outros, as condutas se
equivalem. Entretanto, formulado o problema, ele mesmo buscou a resposta: a dúvida
acerca do valor do dictamen da consciência fundamenta-se em considerações exteriores.
Considerando-se que a veracidade, a boa-fé e o respeito às promessas etc, são afirmados
como valores fundamentais na existência da sociedade, o que decorre é não apenas uma
vida moral, mas uma política moral, visto que Montaigne almeja cumprir bem seu dever
com o bem público e viver para si. (CONCEIÇÃO, p.6)

O triunfo de um tipo de “virtude”


De acordo com Montaigne as virtudes do filósofo e do político são “sagesse et
prudence”. A sabedoria (la sophia) é a virtude principal, seguida pela prudência17 (la
phronèsis), que é o conhecimento das coisas a serem procuradas e das coisas a serem
evitadas. Ele pensa a identidade como conformidade móvel consigo mesmo porque
reflete, como um espelho partido, a paisagem na qual se movimenta por inteiro. Por
isso, Montaigne age sem abandonar o eu, que é origem e fim. É preciso “escutar” a
própria experiência, pois sabedoria é atentar para os ensinamentos de nossa experiência.
(CONCEIÇÃO, p.11)
“Quanto a mim, confio facilmente nos outros, mas não confiaria se viessem a supor
tratar-se de um ato de fraqueza ou covardia e não por eu ser franco e acreditar na
lealdade de meu adversário” (I, V). Inspirando-se nos antigos, Montaigne escreve que é
belo morrer de armas nas mãos. (III, XIII) e que a firmeza de ânimo somente depende
de nós. (CONCEIÇÃO, p.12)
“... quem se embriaga de violência e obstinação fatalmente incorre em faltas graves e
comete imprudências; a impetuosidade do desejo torna-o temerário; e se a sorte não o
ajuda amplamente, pouco consegue. A filosofia quer que eliminemos a cólera nos
castigos que impomos aos que nos ofendem; não para que a vingança seja menor, mas,
ao contrário, para que pese mais e marque mais profundamente, porquanto o
arrebatamento a perturba. A cólera cansa o braço de quem pune; esgota-lhe as forças e a
precipitação como que a entrava.” (MONTAIGNE, p.457)
O ser humano virtuoso se volta para dentro de si e a virtude passa a não depender tanto
dos sistemas políticos ou das instituições, como era na perspectiva socrática, quando
ética era o comportamento virtuoso na sociedade e não no recolhimento. Assim
encontramos no ensaísta uma forma aberta de pensamento, em oposição à forma
sistemática do tratado: uma consciência que se abre a diferentes Estados, povos,
costumes e religiões. (MONTAIGNE, p.13)

Tudo no imenso sistema implícito aos Ensaios converge para algo que se identifica com
a noção de virtude de Montaigne. O autor é essencialmente filosófico na medida em que
seu ceticismo não é exatamente pirrônico, não esbarrando numa impossibilidade de
ação. Ele se utiliza da dúvida e a "recheia" de erudição; e numa espécie de casuística
resolve os problemas que julga importantes a partir dessa noção de virtude que nada
mais é do que a busca pelo autoconhecimento e a incessante e necessária reflexão.

Referências Bibliográficas:
MONTAIGNE, Michel. Ensaios. São Paulo: Abril Cultural, 1972.
MONTAIGNE, Michel. Ensaios.
CONCEIÇÃO, Gilmar Henrique da. Montaigne e a Filosofia Prática: renúncia aos
julgamentos absolutos em Política. (Em: Revista Redescrições – Revista on line do
GT de Pragmatismo e Filosofia Norte-americana. Ano I, Número 3, 2009).

ONFRAY, Michel. Contra-história da filosofia – Vol 2: o cristianismo hedonista. São


Paulo: Martins Fontes, 2008.

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