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[…] A muda, ela só podia ser muda, quem nem gemido dava,
puxou o peito para fora e fez como que ia dar de mamar. O
tempo parecia se encompridar como meu corpo naquela hora,
se estender para um nunca acabar de horas, e de repente
parou nas cigarras cantando. E o calor amornando meu
pescoço. A mulher fedia. A blusa toda aberta, um peito pulando
quente em minha boca, fornido, preto de carvão aqui e ali, até
no bico de um rosado triste. Levou minha mão com jeito e a
dela se encaminhou para onde nenhuma outra tinha se
encaminhado ainda, a não ser a minha. Escolado no saber dos
pastos, nem me assustei com o molhado de suas entrepernas.
Deixei que fosse até onde quisesse e quando arrebentou a saia
já era outra mulher, mais ainda pintalgada de carvão, mas com
força igual a de égua quando entestava de ir beber no poço.
Sentada em meu colo, se ajeitou inteira e poderosa, eu magro
demais para sustentar seu corpo e minhas pernas parecia que
iam estalar se ela fizesse movimentos bruscos, se ajeitando
toda, eu como a me perder no sumidouro do mundo.
Escanchou-se que nem eu correndo em cima do cavalo de seu
Zé do Adobe pelo pasto estorricado. Agora era tudo nos
descaminhos e pela primeira vez adivinhei o que era uma
campina verde, devia ser assim, diferente de tudo que eu tinha
visto até então. Adeus, pai, adeus mãe, foi o que me veio a
cabeça, como se fosse uma despedida de viagem, que eu
nunca que fosse ser o mesmo quando fosse pedir a benção no
outro dia à minha mãe.
“Ana Frágua” é o conto que abre Aberto está o inferno. O relata narra a
história de um menino que economiza dinheiro para realizar sua primeira
relação sexual com Ana Frágua, uma puta que iniciou seus irmãos. O
personagem vai num dia em que ela arrancara três dentes, mesmo assim
solidariza-se com o menino e realiza sua experiência. A primeira diferença em
relação à narrativa anterior é que este menino não relata sua história, ele
precisa de alguém que lhe empreste a voz. A segunda é que ele tem
consciência do que vai fazer. O ambiente também já não é o ermo sertanejo,
mas um povoado de características urbanas. É um ambiente mais degradado,
talvez por isso, o personagem precise de alguém que lhe empreste a voz.
5. Nos três livros que formam essa trilogia possível aventada por nós, o
erotismo é explorado ao extremo. Temos a impressão de que autor e obra
chegaram ao limite da criação e de sentido. Neste sentido, este aspecto
humano metaforiza o processo de criação ficcional do autor. Esse aspecto
instaura um tumultuoso processo de criação ficcional, levando o autor a, como
suas personagens, um momento extremo em que o real é desvelado em todo o
seu horror.
A maior objeção a este trabalho é que o autor está no auge de seu
processo criativo. Um próximo livro, e essa suposta trilogia iria por água abaixo.
Mas o que postulamos é que Cinê privê fechou um ciclo em torno de um
sentido de erotismo perseguido pelo autor. Um novo livro talvez abra uma nova
perspectiva em sua obra. A ficção como toda a literatura é o laboratório do
possível. Cabe-nos esperar. Talvez o novo livro seja um irmão que guarde mais
diferenças do que semelhanças com anteriores.