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Biodireito

Profª Georgia Fontoura


Profª Liliani Carolini Thiesen

2018
Copyright © UNIASSELVI 2018

Elaboração:
Profª Georgia Fontoura
Profª Liliani Carolini Thiesen

Revisão, Diagramação e Produção:


Centro Universitário Leonardo da Vinci – UNIASSELVI

Ficha catalográfica elaborada na fonte pela Biblioteca Dante Alighieri


UNIASSELVI – Indaial.

340.0202
F677b Fontoura, Georgia
Biodireito / Georgia Fontoura; Liliani Carolini Thiesen.
Indaial: UNIASSELVI, 2018.

187 p. : il.

ISBN 978-85-515-0142-9

1. Direito Público e Privado.


I. Centro Universitário Leonardo da Vinci
Apresentação
Caro acadêmico, vivemos em tempos de rápidas e profundas
transformações geradas pelas inovações tecnocientíficas, que tem colocado a
humanidade frente a inúmeros dilemas éticos e jurídicos.

Você já parou para pensar sobre o impacto da biotecnologia em nossas


vidas? De que forma as relações e a vida em nosso entorno se modificaram
com o avanço tecnológico e científico? Quais os parâmetros éticos e jurídicos
mínimos para a conduta humana frente às inovações tecnológicas? Em que
medida devemos prosseguir com este progresso científico sem conhecer os
possíveis impactos para o ecossistema e as gerações futuras? Os benefícios
oriundos desse avanço científico são igualmente distribuídos?

Bem, estas são algumas questões que iremos aprofundar e refletir


juntos neste Livro de Estudos.

Na Unidade 1, iremos compreender a origem da Bioética, o processo


histórico do desenvolvimento deste conceito no mundo científico e acadêmico,
sua interface com o Biodireito e os Direitos Humanos, bem como os desafios
interpostos pela biotecnologia nos dias atuais.

A Unidade 2 trará informações acerca da evolução da pesquisa em seres


humanos e seus princípios ético-jurídicos, iremos conhecer o projeto genoma
humano, que é um dos maiores e mais ambiciosos projetos científicos de todos
os tempos, vamos explorar o mundo da engenharia genética e biotecnologia, que
com suas extraordinárias descobertas biotecnológicas trouxeram a clonagem
humana e os organismos geneticamente modificados, além de  conhecer a
legislação sobre os dados genéticos humanos e aspectos bioéticos.  

Já a Unidade 3 abordará temas referentes ao ciclo da vida humana,


começando com a reprodução humana assistida e a esterilização humana
artificial, teremos um vislumbre do mercado de tráfico de órgãos, o funcionamento
do transplante de órgãos no Brasil e sua legislação, os conceitos de eutanásia,
distanásia e ortotanásia e o posicionamento do direito brasileiro sobre esse tema.
Por fim, conheceremos a terapia com células-tronco, seu conceito, seu histórico,
aspectos bioéticos e os aspectos legais da utilização de células-tronco. 
 
Está será uma longa jornada de reflexões e aprendizagens sobre temas
polêmicos e contemporâneos, fomentadores de debates éticos e questionamentos
jurídicos. Portanto, à medida que avançar em seus estudos, você poderá constatar
que são de suma importância para sua carreira profissional e humana.

Desejamos a você uma ótima leitura!

Bons estudos!

Profª Georgia Fontoura


Profª Liliani Carolini Thiesen
III
NOTA

Você já me conhece das outras disciplinas? Não? É calouro? Enfim, tanto


para você que está chegando agora à UNIASSELVI quanto para você que já é veterano, há
novidades em nosso material.

Na Educação a Distância, o livro impresso, entregue a todos os acadêmicos desde 2005, é


o material base da disciplina. A partir de 2017, nossos livros estão de visual novo, com um
formato mais prático, que cabe na bolsa e facilita a leitura.

O conteúdo continua na íntegra, mas a estrutura interna foi aperfeiçoada com nova
diagramação no texto, aproveitando ao máximo o espaço da página, o que também
contribui para diminuir a extração de árvores para produção de folhas de papel, por exemplo.

Assim, a UNIASSELVI, preocupando-se com o impacto de nossas ações sobre o ambiente,


apresenta também este livro no formato digital. Assim, você, acadêmico, tem a possibilidade
de estudá-lo com versatilidade nas telas do celular, tablet ou computador.
 
Eu mesmo, UNI, ganhei um novo layout, você me verá frequentemente e surgirei para
apresentar dicas de vídeos e outras fontes de conhecimento que complementam o assunto
em questão.

Todos esses ajustes foram pensados a partir de relatos que recebemos nas pesquisas
institucionais sobre os materiais impressos, para que você, nossa maior prioridade, possa
continuar seus estudos com um material de qualidade.

Aproveito o momento para convidá-lo para um bate-papo sobre o Exame Nacional de


Desempenho de Estudantes – ENADE.
 
Bons estudos!

UNI

Olá acadêmico! Para melhorar a qualidade dos


materiais ofertados a você e dinamizar ainda mais
os seus estudos, a Uniasselvi disponibiliza materiais
que possuem o código QR Code, que é um código
que permite que você acesse um conteúdo interativo
relacionado ao tema que você está estudando. Para
utilizar essa ferramenta, acesse as lojas de aplicativos
e baixe um leitor de QR Code. Depois, é só aproveitar
mais essa facilidade para aprimorar seus estudos!

IV
V
VI
Sumário
UNIDADE 1 - BIOÉTICA, BIODIREITO E BIOTECNOLOGIA..................................................1

TÓPICO 1 - BIOÉTICA E O NASCIMENTO DO BIODIREITO:


EVOLUÇÃO, CONCEITO E PRINCÍPIOS........................................................................................3
1 INTRODUÇÃO....................................................................................................................................3
2 BIOÉTICA.............................................................................................................................................3
2.1 ORIGEM ..........................................................................................................................................4
2.2 CONCEITO......................................................................................................................................9
2.3 PRINCÍPIOS....................................................................................................................................11
2.4 CLASSIFICAÇÃO...........................................................................................................................13
3 BIODIREITO .......................................................................................................................................14
3.1 CONCEITO......................................................................................................................................14
3.2 PRINCÍPIOS....................................................................................................................................16
RESUMO DO TÓPICO 1......................................................................................................................20
AUTOATIVIDADE................................................................................................................................21

TÓPICO 2 - BIOÉTICA À LUZ DOS DIREITOS HUMANOS.....................................................23


1 INTRODUÇÃO....................................................................................................................................23
2 DIREITOS HUMANOS E ASPECTOS BIOÉTICOS....................................................................23
2.1 CONCEITO E EVOLUÇÃO HISTÓRICA DOS DIREITOS HUMANOS ..............................24
2.2 DECLARAÇÃO UNIVERSAL SOBRE BIOÉTICA E DIREITOS HUMANOS......................30
3 PRINCÍPIO DA DIGNIDADE HUMANA COMO FUNDAMENTO
DO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO .............................................................................31
4 BIOÉTICA E O DIREITO DE PERSONALIDADE.......................................................................33
4.1 DIREITO À VIDA...........................................................................................................................35
LEITURA COMPLEMENTAR..............................................................................................................38
RESUMO DO TÓPICO 2......................................................................................................................44
AUTOATIVIDADE................................................................................................................................45

TÓPICO 3 - BIODIREITO E BIOTECNOLOGIA............................................................................47


1 INTRODUÇÃO....................................................................................................................................47
2 BIOTECNOLOGIA..............................................................................................................................47
2.1 ATIVIDADES BIOTECNOLÓGICAS...........................................................................................48
2.2 REGULAÇÃO LEGAL DA BIOTECNOLOGIA.........................................................................49
2.3 IMPACTOS DA BIOTECNOLOGIA............................................................................................50
3 BIOTECNOLOGIA, BIOSSEGURANÇA E BIODIREITO
EM ÂMBITO NACIONAL E INTERNACIONAL........................................................................52
LEITURA COMPLEMENTAR..............................................................................................................55
RESUMO DO TÓPICO 3......................................................................................................................58
AUTOATIVIDADE................................................................................................................................59

UNIDADE 2 - BIODIREITO E EXPERIMENTAÇÕES CIENTÍFICAS


EM SERES HUMANOS E ANIMAIS.................................................................................................61

TÓPICO 1 - PESQUISA COM SERES HUMANOS E


ASPECTOS ÉTICO-JURÍDICOS.........................................................................................................63
1 INTRODUÇÃO....................................................................................................................................63

VII
2 PESQUISA COM SERES HUMANOS............................................................................................63
2.1 HISTÓRICO.....................................................................................................................................64
2.2 PRINCÍPIOS ÉTICO-JURÍDICOS.................................................................................................69
2.3 ASPECTOS LEGAIS NO ÂMBITO NACIONAL E INTERNACIONAL................................71
2.4 RESPONSABILIDADE CIVIL EM FACE DAS PESQUISAS EM SERES HUMANOS:
EFEITOS DO CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO.................................................74
3 MÉTODOS ALTERNATIVOS...........................................................................................................74
4 COMITÊS DE ÉTICA EM PESQUISA.............................................................................................75
RESUMO DO TÓPICO 1......................................................................................................................77
AUTOATIVIDADE................................................................................................................................78

TÓPICO 2 - ENGENHARIA GENÉTICA E PESQUISAS COM GENOMA HUMANO..........79


1 INTRODUÇÃO....................................................................................................................................79
2 ENGENHARIA GENÉTICA E BIOTECNOLOGIA......................................................................79
3 PROJETO GENOMA HUMANO.....................................................................................................83
3.1 HISTÓRICO.....................................................................................................................................85
3.2 LEGISLAÇÃO SOBRE OS DADOS GENÉTICOS HUMANOS...............................................86
4 MANIPULAÇÃO GENÉTICA E SEUS LIMITES: IMPACTOS ÉTICO-JURÍDICOS...........91
RESUMO DO TÓPICO 2......................................................................................................................94
AUTOATIVIDADE................................................................................................................................95

TÓPICO 3 - CLONAGEM E BIODIREITO.......................................................................................97


1 INTRODUÇÃO....................................................................................................................................97
2 CLONAGEM HUMANA....................................................................................................................97
2.1 CONCEITO......................................................................................................................................100
2.2 HISTÓRICO.....................................................................................................................................101
3 CLONAGEM REPRODUTIVA E TERAPÊUTICA........................................................................102
4 ASPECTOS ÉTICO-JURÍDICOS .....................................................................................................104
RESUMO DO TÓPICO 3......................................................................................................................108
AUTOATIVIDADE................................................................................................................................109

TÓPICO 4 - ORGANISMOS GENETICAMENTE MODIFICADOS:


A QUESTÃO DOS ALIMENTOS TRANSGÊNICOS.....................................................................111
1 INTRODUÇÃO....................................................................................................................................111
2 ALIMENTOS TRANSGÊNICOS......................................................................................................111
2.1 CONCEITO......................................................................................................................................112
2.2 HISTÓRICO.....................................................................................................................................113
2.3 IMPACTOS, RISCOS E BIOSSEGURANÇA ..............................................................................115
3 ALIMENTOS TRANSGÊNICOS NO BRASIL..............................................................................118
3.1 EVOLUÇÃO ...................................................................................................................................118
3.2 PERSPECTIVA.................................................................................................................................121
4 DEBATES ATUAIS SOBRE A SEGURANÇA DOS ALIMENTOS
TRANSGÊNICOS E O DIREITO DOS CONSUMIDORES.......................................................121
4.1 ROTULAGEM.................................................................................................................................121
LEITURA COMPLEMENTAR..............................................................................................................123
RESUMO DO TÓPICO 4......................................................................................................................124
AUTOATIVIDADE................................................................................................................................125

UNIDADE 3 - BIODIREITO E O DIREITO À VIDA: NOVAS TÉCNICAS


CIENTÍFICAS E IMPACTOS ÉTICO-JURÍDICOS.........................................................................127

TÓPICO 1 - REPRODUÇÃO HUMANA ASSISTIDA E SUAS


CONSEQUÊNCIAS ÉTICO-JURÍDICAS..........................................................................................129
1 INTRODUÇÃO....................................................................................................................................129

VIII
2 REPRODUÇÃO HUMANA ASSISTIDA.......................................................................................129
2.1 CONCEITO......................................................................................................................................129
2.2 HISTÓRICO ....................................................................................................................................131
2.3 EVOLUÇÃO NO BRASIL..............................................................................................................133
3 ASPECTOS BIOÉTICOS DA REPRODUÇÃO HUMANA ASSISTIDA.................................134
4 ESTERILIZAÇÃO HUMANA ARTIFICIAL..................................................................................137
4.1 TIPOS DE ESTERILIZAÇÃO........................................................................................................137
4.2 QUESTÃO DA PATERNIDADE...................................................................................................139
5 PERSPECTIVAS E DEBATES ATUAIS SOBRE REPRODUÇÃO
HUMANA ASSISTIDA......................................................................................................................141
RESUMO DO TÓPICO 1......................................................................................................................142
AUTOATIVIDADE................................................................................................................................144

TÓPICO 2 - BIODIREITO E OS TRANSPLANTES DE ÓRGÃOS E TECIDOS.......................145


1 INTRODUÇÃO....................................................................................................................................145
2 TRANSPLANTE DE ÓRGÃOS E TECIDOS.................................................................................145
2.1 ESPÉCIES DE TRANSPLANTE....................................................................................................146
2.2 PRESERVAÇÃO DE ÓRGÃOS PARA TRANSPLANTE..........................................................147
3 ASPECTOS BIOÉTICOS E LEGAIS DO TRANSPLANTE
DE ÓRGÃOS E TECIDOS.................................................................................................................148
3.1 MERCADO DE ÓRGÃOS E TECIDOS HUMANOS.................................................................150
RESUMO DO TÓPICO 2......................................................................................................................152
AUTOATIVIDADE................................................................................................................................153

TÓPICO 3 - EUTANÁSIA E DIREITO À MORTE DIGNA...........................................................155


1 INTRODUÇÃO....................................................................................................................................155
2 EUTANÁSIA.........................................................................................................................................155
2.1 CONCEITO......................................................................................................................................156
2.2 HISTÓRICO.....................................................................................................................................157
2.3 EUTANÁSIA E O CÓDIGO PENAL............................................................................................158
3 BIOÉTICA DA EUTANÁSIA............................................................................................................159
3.1 ARGUMENTOS ÉTICOS DA EUTANÁSIA...............................................................................160
RESUMO DO TÓPICO 3......................................................................................................................162
AUTOATIVIDADE................................................................................................................................163

TÓPICO 4 - ASPECTOS BIOÉTICOS DA TERAPIA COM CÉLULAS-TRONCO...................165


1 INTRODUÇÃO....................................................................................................................................165
2 TERAPIA COM CÉLULAS-TRONCO.............................................................................................165
2.1 CONCEITO......................................................................................................................................165
2.2 HISTÓRICO.....................................................................................................................................167
3 ASPECTOS BIOÉTICOS DA TERAPIA GÊNICA DE CÉLULAS GERMINATIVAS...........168
3.1 EXPERIMENTAÇÃO COM CÉLULAS-TRONCO EMBRIONÁRIAS....................................169
3.2 ASPECTOS LEGAIS DA UTILIZAÇÃO DE CÉLULAS-TRONCO.........................................170
LEITURA COMPLEMENTAR..............................................................................................................171
RESUMO DO TÓPICO 4......................................................................................................................173
AUTOATIVIDADE................................................................................................................................174
REFERÊNCIAS........................................................................................................................................175

IX
X
UNIDADE 1

BIOÉTICA, BIODIREITO E
BIOTECNOLOGIA

OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
Esta unidade tem por objetivos:

• compreender o que é Bioética, Biodireito e Biotecnologia;

• identificar os princípios que envolvem a Bioética e o Biodireito;

• estabelecer a interface entre a Bioética e o Direito;

• estimular a reflexão de padrões éticos e potencializar a visão humanística


acerca do Direito;

• refletir acerca dos benefícios, impactos e riscos da biotecnologia e biomedicina;

• apresentar a evolução do conceito de direitos humanos, sua relação e im-


portância para os debates bioéticos.

PLANO DE ESTUDOS
Esta unidade está dividida em três tópicos. No decorrer da unidade você
encontrará autoatividades com o objetivo de reforçar o conteúdo apresentado.

TÓPICO 1 – BIOÉTICA E O NASCIMENTO DO BIODIREITO: EVOLUÇÃO,


CONCEITO E PRINCÍPIOS

TÓPICO 2 – BIOÉTICA À LUZ DOS DIREITOS HUMANOS

TÓPICO 3 – BIODIREITO E BIOTECNOLOGIA

1
2
UNIDADE 1
TÓPICO 1

BIOÉTICA E O NASCIMENTO
DO BIODIREITO: EVOLUÇÃO,
CONCEITO E PRINCÍPIOS

1 INTRODUÇÃO
Caro acadêmico, seja bem-vindo a esta caminhada para estudar
e compreender os principais temas que envolvem os debates bioéticos, o
desenvolvimento do Biodireito face às relações advindas das descobertas
científicas e biotecnológicas, bem como os dilemas contemporâneos acerca dos
impactos e riscos do desenvolvimento tecnológico para a humanidade.

O conhecimento determina o modo de pensar, agir e intervir na vida,


com consequências para os seres humanos e todo ecossistema. Cada vez mais
os avanços da ciência têm afetado as relações e a vida dos seres humanos e das
outras espécies, produzindo novas realidades que permitiram a interferência na
natureza e no próprio indivíduo.

Como você pode perceber, a Bioética e o Biodireito estudam e debatem


temas polêmicos e contemporâneos que envolvem a vida e a tecnologia. Você
já parou para pensar quais seriam os limites éticos que envolvem a manutenção
da vida? Qual o impacto que a tecnologia tem em sua vida? Ou a rapidez das
transformações que tivemos em nossa sociedade no último século devido ao
avanço científico?

Afinal, o que é bioética? O que é e para que serve o biodireito? E quais as


relações entre ambos? Estes são justamente alguns dos pontos que estudaremos
nesta unidade. A partir do próximo tópico você poderá se aprofundar sobre a
origem, definições e princípios bioéticos, bem como o impacto nas relações
humanas e seus decorrentes conflitos jurídicos na sociedade hodierna.

Estão preparados para desbravar e refletir? Então, vamos aos estudos! 

2 BIOÉTICA

O desenvolvimento das ciências biomédicas, da engenharia genética e
da biotecnologia provocou uma série de mudanças nas perspectivas da vida.
Neste sentido, compreende-se que, na medida em que essas tecnologias vêm
avançando, os paradigmas em torno da ética na vida humana, bem como os riscos
ao ecossistema, são questões fundamentais a serem refletidas atualmente.
3
UNIDADE 1 | BIOÉTICA, BIODIREITO E BIOTECNOLOGIA

2.1 ORIGEM
A bioética, enquanto ciência, tem sua origem em meio às profundas
mudanças sociais, políticas e culturais ocorridas principalmente após a Segunda
Guerra Mundial (1939-1945). O desenvolvimento científico e tecnológico, por um
lado, provocou imensos progressos para a época, e por outro, abusos e ações
cruéis, especialmente nas pesquisas envolvendo seres humanos.

Durante a vigência do nazismo, o ordenamento jurídico alemão legitimava


uma política racista pautada nos princípios da eugenia. Dentre os experimentos
realizados nos campos de concentração podem-se citar: o congelamento humano,
para simular as condições de batalha do exército alemão no leste da Europa;
infecção com malária, para teste de medicamentos para imunização da doença;
exposição ao gás mostarda, para testes de tratamentos das feridas causadas
pelo gás; infecção com bactérias que provocavam o tétano, para investigar a
eficácia da sulfonamida – um agente antimicrobiano sintético –; testes dos limites
fisiológicos do consumo de água do mar; exposição à radiação, como método
para esterilização; experimentos com crianças com objetivo de torná-las mais
fortes e com traços mais próximos ao padrão ariano.

Deste modo, em decorrência de tamanhas atrocidades que aconteceram


durante a Segunda Guerra Mundial, foi constituído o Tribunal Militar Internacional
de Nuremberg para julgamento de dirigentes nazistas. Em 19 de agosto de 1947
foram divulgadas as sentenças das 24 pessoas acusadas, sendo 20 médicos, e um
outro documento, que ficou conhecido como Código de Nuremberg.

FIGURA 1 – JULGAMENTO DE NUREMBERG

FONTE: Disponível em: <https://www.ushmm.org/learn/timeline-of-events/1942-1945/


international-military-tribunal>. Acesso em: 25 out. 2017.

4
TÓPICO 1 | BIOÉTICA E O NASCIMENTO DO BIODIREITO: EVOLUÇÃO, CONCEITO E PRINCÍPIOS

DICAS

Se você quiser conhecer mais sobre o Tribunal de


Nuremberg, assista ao filme “O Julgamento de Nuremberg”, que retrata
um dos acontecimentos mais emblemáticos da história, em 1947, na
Alemanha. Nesse julgamento, alguns líderes nazistas reconhecem seus
atos e pedem desculpas à humanidade, outros afirmam que estavam
apenas cumprindo ordens legais, culminando em um marco histórico
na crítica ao positivismo jurídico.

FONTE: Disponível em: <https://culturaeviagem.wordpress.com/2014/04/02/o-


-filme-o-julgamento-de-nuremberg-aula-de-historia-direito-e-filosofia-para-
-a-humanidade-refletir/>. Acesso em: 25 out. 2017.

O Código de Nuremberg é considerado um marco histórico para a bioética,


pois pela primeira vez um documento internacional estabelecia parâmetros
éticos, recomendados internacionalmente, a serem observados nas pesquisas que
envolvam seres humanos. Esse Código estabeleceu as bases do consentimento
informado e alguns princípios basilares que devem ser assegurados:

1. O consentimento voluntário do ser humano é absolutamente


essencial. Isso significa que as pessoas que serão submetidas ao
experimento devem ser legalmente capazes de dar consentimento;
essas pessoas devem exercer o livre direito de escolha sem qualquer
intervenção de elementos de força, fraude, mentira, coação, astúcia
ou outra forma de restrição posterior; devem ter conhecimento
suficiente do assunto em estudo para tomarem uma decisão. Esse
último aspecto exige que sejam explicados às pessoas a natureza, a
duração e o propósito do experimento; os métodos segundo os quais
será conduzido; as inconveniências e os riscos esperados; os efeitos
sobre a saúde ou sobre a pessoa do participante, que eventualmente
possam ocorrer, devido à sua participação no experimento. O dever
e a responsabilidade de garantir a qualidade do consentimento
repousam sobre o pesquisador que inicia ou dirige um experimento
ou se compromete nele. São deveres e responsabilidades pessoais que
não podem ser delegados a outrem impunemente.
2. O experimento deve ser tal que produza resultados vantajosos
para a sociedade, que não possam ser buscados por outros métodos
de estudo, mas não podem ser feitos de maneira casuística ou
desnecessariamente.
3. O experimento deve ser baseado em resultados de experimentação
em animais e no conhecimento da evolução da doença ou outros
problemas em estudo; dessa maneira, os resultados já conhecidos
justificam a condição do experimento.
4. O experimento deve ser conduzido de maneira a evitar todo
sofrimento e danos desnecessários, quer físicos, quer materiais.
5. Não deve ser conduzido qualquer experimento quando existirem
razões para acreditar que pode ocorrer morte ou invalidez permanente;
exceto, talvez, quando o próprio médico pesquisador se submeter ao
experimento.
6. O grau de risco aceitável deve ser limitado pela importância do
problema que o pesquisador se propõe a resolver.

5
UNIDADE 1 | BIOÉTICA, BIODIREITO E BIOTECNOLOGIA

7. Devem ser tomados cuidados especiais para proteger o participante


do experimento de qualquer possibilidade de dano, invalidez ou
morte, mesmo que remota.
8. O experimento deve ser conduzido apenas por pessoas
cientificamente qualificadas.
9. O participante do experimento deve ter a liberdade de se retirar no
decorrer do experimento.
10. O pesquisador deve estar preparado para suspender os
procedimentos experimentais em qualquer estágio, se ele tiver
motivos razoáveis para acreditar que a continuação do experimento
provavelmente causará dano, invalidez ou morte para os participantes
(CÓDIGO DE NUREMBERG, 1949, p. 181-182).

Diante desses acontecimentos, a compreensão de que a relação médico-


paciente sempre será benevolente e de que a ciência sempre estará atuando
em prol da humanidade foi colocada sob questionamento. Para Lopes (2014), o
Julgamento de Nuremberg abala dois grandes paradigmas: o do paternalismo
médico e o da suposta neutralidade científica.

Segundo Pessini e Garrafa (2013), as raízes do neologismo “bioética”


acontecem em dois momentos distintos. Até pouco tempo, o bioquímico Van
Rensselaer Potter era reconhecido como a primeira pessoa a utilizar o neologismo
“bioethics”. Contudo, pesquisas recentes descobrem que, em 1927, o teólogo alemão
Paul Max Fritz Jahr publicou o artigo “Bioética: uma revisão do relacionamento
ético dos humanos em relação aos animais e plantas" na Revista Kosmos.

Até pouco tempo, a divulgação do termo bioética foi atribuída a Van


Rensselaer Potter através do artigo “Bioética: Ciência da Sobrevivência” (1970),
que posteriormente compõe um capítulo de seu livro “Bioética: Ponte entre a
ciências e as humanidades” (1971).

FIGURA 2 – VAN RENSSELAER POTTER E SUA OBRA “BIOETHICS: BRIGET TO THE FUTURE”

FONTE: Disponível em: <https://alchetron.com/Van-Rensselaer-Potter>. Acesso em: 7 ago. 2017.

6
TÓPICO 1 | BIOÉTICA E O NASCIMENTO DO BIODIREITO: EVOLUÇÃO, CONCEITO E PRINCÍPIOS

Potter justificou que a escolha do termo radical bios (vida) se refere aos seres
vivos e às ciências biológicas, e ethos (ética) se refere ao conjunto de valores humanos.
Em sua obra, caracterizou a bioética como uma ponte, estabelecendo uma interface
entre as ciências e a humanidade que garantiria a possibilidade do futuro, considerando
a Bioética como uma “ciência da sobrevivência”. Para ele, a participação do homem
na evolução biológica poderia garantir sua sobrevivência na Terra. “Eu proponho o
termo Bioética como forma de enfatizar os dois componentes mais importantes para
se atingir uma nova sabedoria, que é tão desesperadamente necessária: conhecimento
biológico e valores humanos” (POTTER, 1971, p. 2).

No final da década de 1980, Potter ampliou o conceito da bioética ponte,


enfatizando sua característica interdisciplinar e mais abrangente, denominando-a de
global. Uma ética global para preservar a sobrevivência humana, de modo a relacionar
todos os aspectos do viver, envolvendo a saúde e a questão ecológica. Posteriormente,
em 1998, Potter expõe a ideia de bioética profunda, a qual compreende o planeta como
um grande sistema biológico entrelaçado e interdependente, em que o centro não é o
ser humano, mas a própria vida (PESSINI; GARRAFA, 2013).

Até pouco tempo Potter era reconhecido como o primeiro a utilizar o


neologismo bioética. Contudo, nos anos 1990 foi descoberto pelo professor Rolf
Lother, da Universidade Humboldt de Berlim, um histórico artigo do alemão Fritz
Jahr que já cunhava o termo.

Segundo Goldim (2006), Jahr caracterizou a bioética como o reconhecimento


de obrigações éticas para com todos os seres vivos, não apenas com os seres humanos.
Em seu artigo, desenvolveu a ideia do imperativo bioético que ampliava o imperativo
moral de Kant para todas as formas de vida: “Respeita cada ser vivo em princípio
como uma finalidade em si e trata-o como tal na medida do possível” (JAHR, 1927
apud GOLDIM, 2006, p. 86).

FIGURA 3 – EDIÇÃO DA REVISTA KOSMOS EM QUE FOI


PUBLICADO ARTIGO SOBRE BIOÉTICA DE FRITZ JAHR

FONTE: Disponível em: <https://bioamigo.com.br/category/histo


ria-da-medicina/>. Acesso em: 9 ago. 2017.

7
UNIDADE 1 | BIOÉTICA, BIODIREITO E BIOTECNOLOGIA

Hans-Martin Sass (2011) reúne uma coletânea dos ensaios escritos por
Jahr e apresenta um escrito sobre seu imperativo bioético de forma sistematizada,
apontando sua visão bioética e a expansão das ideias de Kant. Nesse sentido, Sass
(2011, p. 273-275) identifica alguns aspectos sobre o imperativo bioético de Jahr:

1. Uma nova disciplina acadêmica: o imperativo bioético deve ser


“desenvolvido para educar e nortear as atitudes coletivas e individuais
morais e culturais e exige novas responsabilidades e respeito com todas as
formas de vida”.
2. Uma nova Ética de Virtude integradora e fundamental: o Imperativo
Bioético baseia-se nas evidências históricas e outros indícios de que a
compaixão é um fenômeno empírico estabelecido da alma humana.
3. Um novo Princípio da Regra de Ouro: o Imperativo Bioético reforça
e complementa os deveres e o reconhecimento morais com os irmãos no
contexto kantiano e tem de ser seguido em relação à cultura humana e
obrigações morais mútuas entre os seres humanos.
4. Uma nova Regra de Cuidados com a Saúde Pessoal e Ética na Saúde
Pública: o Imperativo Bioético inclui obrigações com o corpo e a alma de
alguém enquanto ser vivo.
5. Uma nova Regra de Cuidados com a Saúde Pública e Ética: Jahr
expressa uma visão crítica e conservadora sobre as questões de saúde
pública, na qual cumprir as obrigações com alguém é também um dever
com os outros e a saúde pública, realçando a estreita interação dos cuidados
com a saúde pessoal e pública.
6. Uma nova Regra de Gestão Global e Ética: Jahr propõe uma regra
universal ética de cuidar positivamente e proativamente da saúde e da
vida deste globo como parte de um cosmos vivo, que resulta no imperativo
bioético “Respeite cada ser vivo por questão de princípios e trate-o, se
possível, como tal!”.
7. Uma nova Regra de Gestão e Ética Corporativa: o Imperativo Bioético
tem de reconhecer, guiar e cultivar a luta pela vida entre as formas de vida
e os ambientes vivos culturais e naturais.
8. Uma nova Regra de Terminologia e Ética Terminológica: Jahr inventou
o termo bioética, pois via a necessidade de uma terminologia clara e
precisa para definir nosso relacionamento com as formas de vida da
realidade como diferente em relação às formas inanimadas e estabelecer
a gestão da ciência e tecnologia mais modernas e suas aplicações de modo
moralmente responsável.
9. Uma nova Regra e Ética de Diferenciação: ao inventar o termo Bioética,
Jahr seguiu a diferenciação da terminologia da ciência mais moderna, para
analisar as formas de natureza viva a partir de outras formas de natureza
inanimada.
10. Uma Nova Regra de Interação e Regra de Integração na Ética: para Jahr,
a ética ao animal e a ética social são campos diferentes, mas se interagem
e se integram, trazendo formas e tons diferentes do Imperativo Bioético e
descrevendo a multiplicidade de obrigações éticas no século XXI.

Como podemos perceber, o conceito desenvolvido por Jahr é mais amplo


que o de Potter, pois estende a visão bioética a todas as formas de vida, atribuindo,
assim, deveres dos seres humanos para com os animais e as plantas.

Garrafa (2006) estabelece quatro etapas do desenvolvimento histórico da


bioética: fundação, momento em que se estabeleceram suas bases conceituais;
expansão e consolidação, relacionada à expansão do conceito na década de 80;
revisão crítica, quando iniciam as críticas ao principialismo e a necessidade de
equidade e universalidade no atendimento sanitário e no acesso aos benefícios do
desenvolvimento científico e tecnológico; ampliação conceitual, com a Declaração

8
TÓPICO 1 | BIOÉTICA E O NASCIMENTO DO BIODIREITO: EVOLUÇÃO, CONCEITO E PRINCÍPIOS

Universal de Bioética e Direitos Humanos ocorre sua ampliação para os campos


social e ambiental.

Em sua origem, a Bioética teria um compromisso com o equilíbrio


e preservação da relação dos seres humanos com o ecossistema e a própria
vida (DINIZ, 2008). Posteriormente, passou a relacionar-se mais às questões
biomédicas, e, com o passar dos anos, teve sua compreensão epistemológica e
sua abrangência ampliadas, envolvendo diversos aspectos relacionados à vida e
ao viver em dignidade.

2.2 CONCEITO
Em especial a partir dos anos 1970, a bioética tomou forma enquanto campo
da ciência. É uma área interdisciplinar, complexa e sistemática, que visa aplicar os
fundamentos éticos à biociência e biomedicina. Trata, essencialmente, dos grandes
dilemas da humanidade, na reflexão de parâmetros mínimos éticos capazes de
garantir a preservação da biodiversidade e da sobrevivência humana digna.

Bioética originou-se para dar respostas concretas aos conflitos oriundos


do avanço tecnológico e científico. Para Barboza (2001, p. 32), “O homem passou a
interferir em processos até então monopolizados pela natureza, inaugurando uma
nova era que poderá se caracterizar pelo controle de determinados fenômenos
que escapavam ao seu domínio”.

NOTA

Etimologicamente, Bioética vem do grego – bios (vida) + ethos (ética), ou seja,


a ética da vida, aquela que se relaciona às condições éticas da vida, ética aplicada à vida.

De acordo com Maria Helena Diniz (2008, p. 11), a Bioética seria, em


sentido amplo:

[...] uma resposta ética às novas situações oriundas da ciência no âmbito


da saúde, ocupando-se não só dos problemas éticos, provocados pelas
tecnociências biomédicas e alusivos ao início e fim da vida humana, às
pesquisas em seres humanos, às formas de eutanásia, à distanásia, às
técnicas de engenharia genética, às terapias gênicas, aos métodos de
reprodução humana assistida, à eugenia, à eleição do sexo do futuro
descendente a ser concebido, à clonagem dos seres humanos, à maternidade
substitutiva, à escolha do tempo para nascer ou morrer, à mudança de sexo
em caso de transexualidade, à esterilização compulsória de deficientes
físicos ou mentais, à utilização da tecnologia do DNA recombinante, às
práticas laboratoriais de manipulação de agentes patogênicos, etc., como
também dos decorrentes da degradação do meio ambiente, da destruição
do equilíbrio ecológico e do uso de armas químicas.

9
UNIDADE 1 | BIOÉTICA, BIODIREITO E BIOTECNOLOGIA

Para Goldim (2006), a Bioética é uma reflexão compartilhada, complexa


e interdisciplinar sobre a adequação das ações que envolvem a vida e o viver.
Um diálogo interdisciplinar, segundo Maluf (2015, p. 8), tem por finalidade “a
compreensão da realidade através de sua complexidade física, biológica, política
e social. Analisa até onde vão os limites da interferência humana em questões que
envolvem os seres vivos [...]”.

Reich (1995, p. 21) define a bioética como o “[...] estudo sistemático das
dimensões morais – incluindo visão moral, decisões, conduta e políticas – das
ciências da vida e atenção à saúde, utilizando uma variedade de metodologias
éticas em um cenário interdisciplinar”.

Maluf (2015) a caracteriza como o estudo transdisciplinar entre biologia,


medicina, filosofia (ética) e direito (biodireito) que investiga as condições necessárias
para uma administração responsável da vida humana, animal e responsabilidade
ambiental. Portanto, considera questões em que não há consenso moral, como a
clonagem, o aborto, os transgênicos, as pesquisas com células-tronco, assim como a
responsabilidade dos cientistas em suas pesquisas e aplicações.

Deste modo, podemos perceber que a bioética trata do campo da moral


que envolve a ética da vida, ou como sintetizam Pessini e Barchifontaine (1996, p.
11), “a bioética estuda a moralidade da conduta humana no campo das ciências
da vida”. Alguns autores a definem como ética aplicada à vida, com o objetivo
de preservar a dignidade humana por meio de princípios basilares para uma
conduta ética em relação à vida.

E
IMPORTANT

Afinal, o que é ética? E qual sua diferença com a moral?


Os termos ética e moral, embora relacio-
nados entre si, possuem conceitos distin-
tos que comumente causam dúvidas. Éti-
ca e moral se complementam, entretanto
possuem origem etimológica e significa-
dos diferentes.

Ética provém do grego ethos, que significa


“morada”, “hábitat”, “modo de ser”, é a par-
te da filosofia que estuda a moral e que visa
questionar e fundamentar as regras morais.
A ética é teórica e reflexiva, implica em uma
reflexão pessoal sobre uma regra moral, de
FONTE: Disponível em: <https://cdn-images-1.
modo racional e crítico, e conduz a forma
medium.com/max/1200/1*uH9yKW8-l7Ip9J4e
como o indivíduo deve se comportar em seu
wWXB1w.jpeg>. Acesso em: 8 ago. 2017.
meio social.
Moral origina do termo do latim Morales, que significa “relativo aos hábitos ou costumes”, é
o conjunto de normas e valores que regem o comportamento do indivíduo na sociedade. A
moral é prática e está relacionada ao agir humano, à sua conduta, e é socialmente definida.

10
TÓPICO 1 | BIOÉTICA E O NASCIMENTO DO BIODIREITO: EVOLUÇÃO, CONCEITO E PRINCÍPIOS

Segundo André Soares e Walter Piñero (2002), a história da bioética pode


ser dividida em três fases:

• de 1960 a 1977: fase em que se originam os primeiros grupos de médicos e


cientistas preocupados com os novos avanços científicos e tecnológicos. É
neste período que se formam os primeiros comitês de bioética no mundo;
• de 1978 a 1997: fase em que é publicado o Relatório de Belmont (1978), que
possui grande impacto na bioética clínica; é realizada a primeira fecundação in
vitro ­bem-sucedida; ocorrem importantes progressos pela engenharia genética;
são criados os grupos de estudo em bioética: Grupo Internacional de Estudo
em Bioética, Associação Europeia de Centros de Ética Médica, Associação
Interdisciplinar José Acosta, Comitê Consultivo Nacional de ética da França e
o Convênio Europeu de Biomedicina e Direitos Humanos.
• de 1998 até hoje: descobertas significativas no campo da biotecnologia e
biomedicina trazem conflitos de valores éticos, como: clonagem humana,
descoberta quase total do genoma humano e a falência dos sistemas de saúde
pública nos países em desenvolvimento.

A bioética, enquanto área de pesquisa complexa, requer estudos por meio


de metodologia interdisciplinar. Isto significa que profissionais de diferentes
áreas devem participar das discussões em torno das questões éticas relacionadas
ao impacto da tecnologia e da ciência em nossas vidas.

O progresso científico é promotor de novos conhecimentos que passaram


por alterações no olhar para a vida humana, tanto do ponto de vista individual
como coletivo. O que até bem pouco tempo atrás eram barreiras intransponíveis,
com o avanço tecnológico passaram a ser elementos dentro de um cotidiano
tangível e imerso em infinitas possibilidades para a humanidade.

Os diálogos em torno da ética e as concepções morais em torno da vida,


do viver, da liberdade e dignidade humana também se alteraram. À medida em
que a ciência expande suas possibilidades, as questões éticas são questionadas
e repensadas por outros prismas. Entretanto, nem tudo que é cientificamente
possível é eticamente aceitável.

2.3 PRINCÍPIOS
Os princípios bioéticos remontam aos fundamentos envolvendo a
pesquisa com seres humanos do Relatório de Belmont. Este relatório, publicado
em 1978, definiu três princípios básicos orientadores para a ética da pesquisa
envolvendo seres humanos: o respeito pelas pessoas, a beneficência e a justiça.
Embora o relatório se refira apenas às pesquisas envolvendo seres humanos, os
estudos desenvolvidos acabaram se aplicando ao conjunto do campo bioético.

11
UNIDADE 1 | BIOÉTICA, BIODIREITO E BIOTECNOLOGIA

Com base nesses estudos, a obra clássica de Beauchamp e Childress, Principles


of Biomedical Ethics, publicada em 1979, estabeleceu princípios éticos para a prática
médica, ampliando os definidos pelo Relatório de Belmont para a pesquisa em seres
humanos. Nessa obra, o princípio de respeito pelas pessoas, tratado pelo Relatório
de Belmont, foi substituído pelo da autonomia, e o princípio da beneficência foi
desdobrado em beneficência e maleficência. A obra consagra o “principialismo”
como um método de raciocínio e decisão em bioética (LOPES, 2014).

Como você pode perceber, os princípios são elementos basilares da


bioética e são construídos historicamente, conjuntamente ao desenvolvimento
da concepção desta área. Então, vamos agora conhecer os principais princípios
bioéticos e suas definições.

Princípio da Autonomia

Este princípio enseja o domínio do paciente sobre a própria vida (corpo e


mente), ou seja: o reconhecimento da capacidade da pessoa para se autogovernar,
de modo livre e sem influências externas, em respeito à capacidade de decisão e
ação do ser humano (SÁ; NAVES, 2011).

Deste modo, pressupõe-se a considerar o paciente como um sujeito


partícipe do processo de tratamento, com liberdade de decisão sobre sua vida.
“Considera o paciente capaz de autogovernar-se, ou seja, de fazer suas opções
e agir sob a orientação dessas deliberações tomadas, devendo, por tal razão, ser
tratado com autonomia” (DINIZ, 2008, p. 14).

Sendo, nesse sentido, necessário o consentimento e a informação acerca


dos processos de intervenção e tratamento. Desse princípio decorre a exigência
de consentimento livre e informado, que se encontra normatizado no Brasil pelo
artigo 15 do Código Civil, Resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde, pelo
Código de Ética Médica, Resolução nº 1.931/09 do Conselho Federal de Medicina,
e demais legislações relacionadas às relações médico-paciente ou atividades
associadas às pesquisas científicas.

Princípio da Beneficência

O profissional da saúde só pode usar o tratamento para o bem do paciente,


ou seja, sua conduta deve primar por auxiliar ou socorrer sem prejudicar ou
causar mal ou dano ao paciente.

Impõe ao profissional da saúde ou biólogo o dever de dirigir esforços


no sentido do benefício do paciente ou ser pesquisado. Deve se abster de
procedimentos duvidosos, que pouco ou nada trazem benefício para o paciente
ou para a espécie envolvida (SÁ; NAVES, 2011).

Segundo Diniz (2008), são regras dos atos de beneficência não causar dano
e maximizar os benefícios, minimizando possíveis agravos. Assim, esse princípio
incute uma obrigação ética de maximizar o benefício e minimizar o prejuízo.

12
TÓPICO 1 | BIOÉTICA E O NASCIMENTO DO BIODIREITO: EVOLUÇÃO, CONCEITO E PRINCÍPIOS

Princípio da Não maleficência

É um desdobramento do princípio da beneficência, ou seja, a obrigação de


não acarretar dano intencional, cuja finalidade é reduzir os efeitos adversos das
ações diagnósticas e terapêuticas no ser humano. Abstenção de procedimentos
duvidosos ou que possibilitem gerar riscos ou danos em todos os âmbitos.

Princípio da Justiça

Estabelece como condição fundamental a equidade, ou seja, a obrigação


ética de tratar cada indivíduo de modo imparcial e de igualdade,  em respeito
às diferenças nos diversos aspectos sociais, culturais, religiosos, financeiros ou
outros que interfiram na relação médico-paciente ou científica.

Envolve a imparcialidade na distribuição dos riscos e benefícios, de modo


que os recursos devem ser proporcionados de forma equitativa, assim como os
benefícios, riscos e encargos, ao que se denomina justiça distributiva. Deste modo,
prevê a igualdade no acesso, nos custos sociais, emocionais e físicos, na garantia
de funcionalidade, eficiência e equidade.

Como prelecionam Sá e Naves (2011, p. 35), “[...] justa é a intervenção que


leva em conta os valores do paciente, bem como sua capacidade de deliberação e
unidade psicofísica”. Desta forma, a justiça prima pela liberdade de pensamento e
de consciência, pela autonomia da vontade, que, no caso da intervenção biomédica,
deve maximizar os benefícios com o menor risco e custo possível. Aos custos
devemos prever não somente os financeiros, mas os emocionais, físicos e sociais.

2.4 CLASSIFICAÇÃO
A bioética pode ser classificada segundo dois campos de atuação: a bioética
das situações emergentes e a bioética das situações persistentes. Volnei Garrafa
(2006) sinaliza que a Cátedra UNESCO de Bioética da Universidade de Brasília
tem utilizado esta classificação como forma de sistematização e compreensão de
seu estudo da seguinte forma:

• Bioética das situações emergentes: se ocupa dos temas mais recentes


relacionados ao desenvolvimento biotecnocientífico e sua relação com a
cidadania, dignidade humana e os direitos humanos, como a engenharia e
manipulação genética, a reprodução humana assistida, doação e transplante
de órgãos e tecidos humanos, questões relacionadas à biossegurança.
• Bioética das situações persistentes: relativa aos temas que existem desde a
Antiguidade, e persistem como dilemas cotidianos, como o aborto, a eutanásia,
o racismo, a exclusão social e discriminação.

Como pudemos perceber, a bioética possui uma pluralidade de conceitos


e definições, e, de acordo com sua temática, tem sido também dividida por alguns
13
UNIDADE 1 | BIOÉTICA, BIODIREITO E BIOTECNOLOGIA

autores em microbioética e macrobioética. Iremos apontar a definição utilizada


por Adriana Caldas Maluf (2015) e Maria Helena Diniz (2008).

A microbioética é o ramo da bioética que trata das relações entre médicos


e pacientes, entre as instituições de saúde pública ou privada e entre estas
instituições e os profissionais de saúde. Cuida mais especificamente das questões
emergentes que surgem dos conflitos entre a evolução científica e os limites da
dignidade da pessoa humana.

A macrobioética é o ramo da bioética que trata das questões envolvendo


a vida no sentido amplo, relacionada ao macrossistema da vida, como o meio
ambiente, a biodiversidade, a sustentabilidade. Tem por objetivo o estudo das
questões ecológicas em busca da preservação da vida e trata, mais especificamente,
das questões persistentes.

3 BIODIREITO
O avanço tecnológico na área da biomedicina e biotecnologia deu origem
ao que chamamos de bioética. Como vimos, a bioética é a ciência que estuda
os aspectos de interação com a vida, seja ela humana ou não, e visa estabelecer
valores e critérios éticos relacionados à sobrevivência e qualidade de vida na
Terra. Os novos aspectos jurídicos decorrentes dessas relações deram origem ao
biodireito, que é o ramo do direito que regula as relações decorrentes da inovação
tecnológica e os aspectos que envolvem a proteção da vida humana e das espécies.

As perspectivas éticas, jurídicas e médicas relacionam-se com o direito à


vida e ao modo de viver, envolvem situações como o nascer, a qualidade de vida,
necessidade de intervenção médica e o morrer. Segundo Sá e Naves (2011), são
acontecimentos naturais ou humanos que trazem consequências jurídicas, fatos
jurídicos que criam, modificam ou extinguem situações e/ou relações jurídicas.

Importa salientar que as normas e princípios da bioética não são coercitivos,
assim, é necessário que o direito regulamente atitudes lícitas, definindo seus
contornos com base no princípio da dignidade da pessoa humana, estabelecendo
regras e limites à investigação (LOUREIRO, 2009).

3.1 CONCEITO
O biodireito é um novo ramo do conhecimento em que se intercruzam a
bioética e o direito, ou seja, a bioética é o estudo dos valores éticos relacionados
à biomedicina e à biotecnologia, e o biodireito é a regulamentação jurídica da
problemática da bioética, a consolidação normativa desses valores. Este ramo
possui como escopo o estudo das relações jurídicas entre o direito e os avanços
tecnológicos conectados à medicina e à biotecnologia; peculiaridades relacionadas
ao corpo e à dignidade da pessoa humana (MALUF, 2015).
14
TÓPICO 1 | BIOÉTICA E O NASCIMENTO DO BIODIREITO: EVOLUÇÃO, CONCEITO E PRINCÍPIOS

Segundo a professora de Direito Jussara Nasser Ferreira (1998-1999, p.


51), o biodireito é o “[...] conjunto de normas esparsas que têm por objeto regular
as atividades e relações desenvolvidas pelas biociências e biotecnologias, com o
fim de manter a integridade e a dignidade humana frente ao progresso, benefício
ou não, das conquistas científicas em favor da vida”.

O biodireito, por ser uma construção recente, não possui suas normas
organizadas ou codificadas, ou mesmo estruturadas em uma única lei. No
ordenamento jurídico brasileiro, o biodireito está disposto de forma esparsa
em diversos princípios constitucionais, códigos e em legislações que abordam
os temas bioéticos e da biociência, tanto em nível nacional quanto internacional,
recepcionados pela legislação brasileira.

Maria Helena Diniz (2008, p. 7-8) entende o biodireito como o estudo


jurídico que toma por fontes imediatas a bioética e a biogenética e tem a vida
como objeto principal, “[...] salientando que a verdade científica não poderá
sobrepor-se à ética e ao direito, assim como o progresso científico não poderá
acobertar crimes contra a dignidade humana, nem traçar, sem limites jurídicos,
os destinos da humanidade”.

Nesse âmbito, o Biodireito transita na linha tênue entre os limites do


respeito às liberdades individuais e a coibição de abusos contra o indivíduo ou a
espécie humana. Para Maria Celeste Cordeiro Leite dos Santos, “O biodireito face
à Bioética enfrenta hoje dois critérios filosóficos conflitantes: o da santidade da
vida humana e o da qualidade da vida” (1993, p. 94).

Cabe ao biodireito a atribuição de normatizar os efeitos e impactos da


biociência e das atividades biomédicas, de modo a tutelar a dignidade e a vida,
impondo limites às pesquisas científicas e à biotecnologia. Para Meirelles (2008,
p. 6), daí emerge a finalidade do biodireito, “[...] fixar normas coercitivas que
delimitem as atuações biotecnológicas, no sentido de ver respeitada a dignidade,
a identidade e a vida do ser humano”.

As questões de biodireito estão vinculadas aos Direitos Humanos e à


internacionalização de tais direitos, não sendo mais, portanto, preocupações que
se limitam apenas ao âmbito interno do Estado. Deste modo, objetiva a proteção da
dignidade humana frente às constantes inovações biotecnológicas e biomédicas.
Conforme menciona Meirelles (2008, p. 4-5):

A Bioética propõe limites à biotecnologia e à experimentação, com a


finalidade de ver protegidas a dignidade e a vida da pessoa humana
como prius sobre qualquer valor. Porém, a norma moral é insuficiente
porque, ainda que alcance a dimensão social da pessoa humana,
opera apenas no plano interno da consciência, impondo-se, portanto,
um novo ramo do dever ser, mediante o qual se regulem as relações
intersubjetivas à luz dos princípios da Bioética. Necessário, por isso,
que as normas sejam jurídicas, e não somente éticas, pois somente o
caráter coercitivo daquelas impedirá ao científico sucumbir à tentação
experimentalista e à pressão de interesses econômicos.

15
UNIDADE 1 | BIOÉTICA, BIODIREITO E BIOTECNOLOGIA

O estudo dos dilemas bioéticos na seara do direito é importante para que


seja possível verificar em que medida a biotecnologia alcança o bem comum,
assim como quais são seus riscos potenciais e futuros a toda humanidade.

É inegável que alguns avanços na área da biociência foram significativos


na melhoria da qualidade de vida, assim como o acesso tecnológico. Essas novas
realidades produziram transformações significativas na sociedade, modificando
profundamente as relações jurídicas, e é aí que se insere o biodireito. Por exemplo,
pelas técnicas de reprodução humana assistida, pessoas que antes estavam
impossibilitadas por distintas razões, passaram a alcançar a possibilidade de gerar
filhos, entretanto, essa possibilidade trouxe consigo uma série de dilemas éticos e
jurídicos, como a determinação de maternidade e paternidade, o direito sucessório,
a manutenção e utilização de bancos de sêmen pós-morte, entre outros.

O biodireito associa-se principalmente com as seguintes áreas específicas


do Direito: o Direito Constitucional, Direito Civil, Direito Penal, Direito
Ambiental e Direito do Consumidor. Dentre os princípios e direitos fundamentais
assegurados constitucionalmente relacionados ao campo do biodireito, pode-se
destacar: dignidade humana (art. 1º, III), promoção do bem de todos sem qualquer
forma de discriminação (art. 3º, IV), inviolabilidade do direito à vida (art. 5º),
direito à informação (art. 5º, XIV e XXXII), direito à saúde (art. 196), princípio da
igualdade (art. 5º), direito à liberdade e justiça (preâmbulo e em diversos artigos).

Entretanto, é necessário salientar que o rápido avanço tecnológico não


acompanha o desenvolvimento legal. Diante de temas polêmicos e de constantes
transformações no campo da bioética, não é possível regular as temáticas de
modo fechado ou absoluto, caracterizando o biodireito pela ausência de regulação
estruturada, em muitos casos de lacunas normativas. Desse modo, os princípios
e direitos fundamentais possuem a função de suprir a lacuna ou vazio existente
entre a esfera ética e as normas jurídicas constitutivas do biodireito.

Assim, o biodireito consegue determinar caminhos definitivos aos dilemas


bioéticos, ou determina apenas critérios para análise e solução das situações
expostas? Importa ressaltar que os critérios e leituras do biodireito podem ir se
modificando com o passar do tempo, tendo em vista que o avanço tecnológico
pode apresentar respostas a questões éticas polêmicas na sociedade, bem como
apresentar riscos não previstos decorrentes dos mesmos avanços.

3.2 PRINCÍPIOS
Estudamos anteriormente os princípios basilares da bioética, sua definição
e construção histórica. O biodireito, diferentemente da bioética, não possui um
documento que defina seus princípios orientadores, ou mesmo que englobe
temas já pacificados na doutrina ou na jurisprudência. A fonte dos princípios do
biodireito, além dos princípios fundamentais da bioética, deve compor princípios
globais já pacificados em documentos que envolvam a bioética, e também os que
envolvem os direitos humanos.

16
TÓPICO 1 | BIOÉTICA E O NASCIMENTO DO BIODIREITO: EVOLUÇÃO, CONCEITO E PRINCÍPIOS

No Brasil, os conflitos biojurídicos devem ancorar suas soluções em


conformidade com os princípios fundamentais da Constituição Federal de
1988, assim como em documentos internacionais já ratificados pelo país. Desse
modo, pode-se constatar que diversos princípios podem ser aplicados na área do
biodireito. Iremos conhecer e estudar alguns deles na sequência.

Princípio da Precaução

Aplica-se de modo preventivo como forma de proteção a riscos,


mesmo ainda desconhecidos, provenientes de determinada prática médica e/
ou biotecnológicas. Nesse princípio, a ameaça oriunda das incertezas de uma
atividade causar danos às espécies ou ao meio ambiente pode ser irreversível,
portanto, deve ser afastada a prática do ato antes que ocorra, devido ao risco
potencial.

Para Maluf (2015), esse princípio implicaria na necessidade de comprovar


a inexistência de quaisquer consequências maléficas, diretas ou indiretas, ao ser
humano ou ao ecossistema, antes de se efetuar pesquisa ou experimento científico.
Trata-se de uma limitação à ação profissional, na qual impõe ao interessado o
dever de comprovar a inexistência de risco, sob pena de proibição da atividade
científica antes mesmo de sua realização.

O princípio da precaução está previsto de forma implícita no art. 225


da Constituição Federal brasileira, e foi expressamente incorporado ao Direito
Ambiental em decorrência da Eco-92. O texto da Convenção Quadro das Nações
Unidas sobre a Mudança do Clima, estabelecido a partir da Eco-92 e da Agenda-21,
foi aprovado pelo Decreto Legislativo nº 1, de 1994, que trata em seu artigo 3º
sobre a necessidade da adoção de medidas de precaução para prever, evitar ou
minimizar as causas da mudança de clima e mitigar seus efeitos negativos. Dispõe
ainda que, se surgirem ameaças de danos sérios ou irreversíveis, a falta de plena
certeza científica não deve ser motivo para postergar essas medidas, de modo a
assegurar benefícios mundiais seguros e com menor custo possível.

Princípio da Autonomia

O princípio da autonomia está interligado ao da dignidade humana, pois


prima pelo respeito à liberdade de cada ser humano, desde que não afete o outro
ou a coletividade. A autonomia enseja a capacidade de autodeterminação de uma
pessoa, gerenciando sua vida conforme sua vontade, sem influência ou coação de
outras pessoas.

Nas relações biomédicas, deve ser respeitada a capacidade de decisão do


paciente, enquanto sujeito partícipe, sendo assegurado o direito à informação sobre
todo processo de tratamento. O princípio da autonomia está diretamente ligado ao
consentimento prévio do paciente, pois a liberdade de escolha e decisão somente
será plena se a informação for fornecida de modo compreensível, de modo a
viabilizar o conhecimento e consciência das possibilidades terapêuticas.

17
UNIDADE 1 | BIOÉTICA, BIODIREITO E BIOTECNOLOGIA

Assim, o consentimento livre e informado possui a finalidade de incutir


ao pesquisador ou profissional da saúde o dever de informar, de forma clara e
adequada, em nome da proteção da autonomia da escolha individual. Importa
dar ênfase aos casos que envolvem indivíduos com autonomia reduzida ou
incapazes de consentir (art. 3º e 4º Código Civil), situações quando se transfere o
consentimento, total ou parcial, aos responsáveis legais.

Alguns autores, como Bruno Torquato Naves e Maria de Fátima F. de Sá,


preferem a utilização da expressão “autonomia privada” ao invés de “autonomia
da vontade”, segundo entendimento de que a vontade não seria suficiente para
criar Direito, pois não cabe a ele perquirir sobre o conteúdo da consciência de
cada ser. Nesse entendimento hermenêutico substitui-se a carga individualista
da autonomia da vontade, restando ao direito analisar a manifestação concreta da
vontade, conferindo, através da autonomia, concessão de poderes de atuação à
pessoa, determinando o conteúdo, a forma e os efeitos de um ato jurídico. Contudo,
importa ressaltar que a autonomia privada é determinada em conformidade
com o próprio ordenamento jurídico, estabelecendo os “limites” e o conteúdo
dos poderes conferidos aos particulares em caso de tensão principiológica nas
situações fáticas (SÁ; NAVES, 2011).

Princípio da Responsabilidade

Este princípio relaciona-se ao da precaução, pois ambos tratam dos


malefícios que as intervenções biomédicas ou biotecnológicas podem causar,
sendo que a responsabilidade ocorre quando a lesão ou dano já se concretizou.
Assim, ocorre após o ato ou fato e visa minimizar ou reparar os malefícios
causados por determinada ação.

Princípio da Dignidade

Refere-se à proteção da vida humana em todos seus aspectos, seja físico,


psíquico ou espiritual. Está relacionado ao princípio da sacralidade da vida,
na garantia do desenvolvimento pleno do ser humano, de modo individual e
interligado a toda coletividade. Iremos tratar mais profundamente sobre este
princípio no próximo tópico desta unidade.

Princípio da Sacralidade da vida

Como apontamos, este princípio está diretamente interligado ao princípio


da dignidade humana. Encontra-se positivado no art. 5ª da Constituição Federal
brasileira, e refere-se à inviolabilidade da vida humana, bem como a importância
de sua proteção.

Princípio da Justiça

Tal qual o princípio bioético da justiça, este princípio incute o dever de


garantir a equidade e a universalidade na distribuição justa dos benefícios dos
serviços de saúde, partindo do pressuposto de que o direito à saúde e à vida é
um direito fundamental e humano. Em sentido amplo, relaciona-se ao dever da

18
TÓPICO 1 | BIOÉTICA E O NASCIMENTO DO BIODIREITO: EVOLUÇÃO, CONCEITO E PRINCÍPIOS

administração pública de garantir o acesso à saúde e à vida em dignidade, fazendo-


se uma obrigação sua execução através de programas sociais e políticas públicas.

O sociólogo português Boaventura de Sousa Santos (2003, p. 56) sintetiza de


modo célebre essa questão ao afirmar que “temos o direito a ser iguais quando a nossa
diferença nos inferioriza; e temos o direito a ser diferentes quando a nossa igualdade
nos descaracteriza. Daí a necessidade de uma igualdade que reconheça as diferenças
e de uma diferença que não produza, alimente ou reproduza as desigualdades”.
Nestes termos estão incutidas a justiça, a equidade, a igualdade e a diferença.

Na prática, na distribuição dos riscos e benefícios, assim como na relação


médico-paciente, deve-se observar o princípio da igualdade, atuando sem
distinção de cor, nacionalidade, opção política ou sexual, crença e condição social
ou financeira. Entretanto, deve garantir o direito à diferença, em respeito aos
aspectos sociais, culturais e religiosos. Como exemplo, podemos citar o direito
à recusa no tratamento médico, como no caso da transfusão de sangue para
determinados grupos religiosos, em respeito à vontade do paciente. Entretanto,
o direito ao tratamento médico não pode sofrer qualquer forma de discriminação
ou seletividade em relação à sua cor, nacionalidade ou condição social.

Princípio da Ubiquidade

Decorre da necessidade de proteção global de experimentos e ações que


podem colocar em risco a vida humana e todas as espécies. Envolve o direito
ao patrimônio genético humano, incutindo o dever de preservar a manutenção
das características essenciais da espécie humana, em nome dos riscos às futuras
gerações e ao planeta.

Relaciona-se ao Direito Ambiental, na visão de que o bem ambiental


é onipresente, assim como a integridade genética, em interligação com toda
biodiversidade. Afinal, os impactos ambientais negativos refletem não somente
para a localidade, mas para toda vida no planeta.

Assim, toda vez que uma política for elaborada ou uma atividade realizada
neste sentido, deverá levar em consideração esse princípio, bem como a proteção
constitucional da vida e da qualidade de vida e o direito das futuras gerações.

Princípio da Cooperação entre os povos

Este princípio decorre da solidariedade entre as nações em prol do bem


comum. Envolve o livre intercâmbio de experiências científicas e de mútuo auxílio
tecnológico e financeiro entre os países, tendo em vista a preservação ambiental
e das espécies. Essa conduta não abala a soberania ou autodeterminação dos
povos e nações.

O âmbito do biodireito está vinculado ao princípio da ubiquidade e ao


princípio da justiça, ao prever a proteção da espécie humana e da biodiversidade,
assim como na repartição dos benefícios e ônus decorrentes das pesquisas
científicas (MALUF, 2015).
19
RESUMO DO TÓPICO 1
Neste tópico, você aprendeu que:

• A bioética, enquanto ciência, tem sua origem em meio às profundas mudanças


sociais, políticas e culturais ocorridas principalmente após a Segunda Guerra
Mundial.

• As raízes do neologismo “bioética” acontecem em dois momentos distintos:


com o bioquímico Van Rensselaer Potter, em 1970, e com o teólogo alemão
Paul Max Fritz Jahr, em 1927.

• A bioética originou-se para dar respostas concretas aos conflitos oriundos do


avanço tecnológico e científico.

• Bioética é o estudo complexo, interdisciplinar e sistemático sobre a conduta,


os conflitos e controvérsias morais em torno da vida e do viver, a ética das
ciências da vida.

• A bioética pode ser dividida entre macrobioética e microbioética. E seus temas


classificados por situações persistentes e emergentes.

• São princípios bioéticos a autonomia, a beneficência, a não maleficência e a


justiça.

• O biodireito é um novo ramo do estudo jurídico que intercruza a Bioética e o


Direito.

• Pode-se citar como os princípios basilares do biodireito, decorrentes de


diversos estudos e legislações nacionais e internacionais: precaução, dignidade,
autonomia, sacralidade da vida, responsabilidade, justiça, ubiquidade,
cooperação entre os povos.

20
AUTOATIVIDADE

1 Cite e explique três princípios bioéticos.

2 No que se relaciona às formas de classificação da bioética, a


doutrina divide seus temas por dois diferentes campos de
atuação: a macrobioética e a microbioética. Descreva cada um
desses campos e identifique seus temas de atuação.

3 Biodireito é o ramo do direito que regula as relações decorrentes da inovação


tecnológica e os aspectos que envolvem a proteção da vida humana e das
espécies. Assinale a alternativa que não constitui um princípio do biodireito:

a) ( ) justiça
b) ( ) razoabilidade
c) ( ) precaução
d) ( ) autonomia

21
22
UNIDADE 1
TÓPICO 2

BIOÉTICA À LUZ DOS


DIREITOS HUMANOS

1 INTRODUÇÃO
Estudaremos, neste tópico, a bioética e os direitos humanos, a importância
da inter-relação entre essas duas áreas como fundamento e parâmetro para
solução de conflitos bioéticos, assim como a ampliação do conceito de bioética a
partir de uma leitura dos direitos humanos.

As complexas realidades vividas em diferentes contextos no globo trazem


desafios emergentes para a pauta da bioética. Como pensar na ética da/e na vida
nessas distintas realidades? Se a bioética trata das questões concernentes ao
direito à vida, como pensá-la em realidades com gritantes desigualdades sociais
e populações em extrema vulnerabilidade?

O processo de globalização, o veloz desenvolvimento tecnológico, o


impacto ecológico das atividades humanas, a gritante desigualdade social em
diferentes escalas e lugares, todas essas questões emergem debates éticos e
contestam valores sociais, culturais e econômicos.

Nesse sentido, estudar a bioética remete compreender as relações humanas


na atualidade, assim como seus dilemas éticos e sociais. Para tanto, é necessário
compreender a construção histórica dos direitos essenciais ao ser humano, os
valores morais e éticos incutidos na sociedade, e adentrar em um universo de
ruptura de paradigmas e de reflexões sobre o horizonte futuro da humanidade.

2 DIREITOS HUMANOS E ASPECTOS BIOÉTICOS


É incontestável a inter-relação entre os direitos humanos e a bioética.
Podemos começar pela condição basilar para a existência humana: a vida. Sem
ela, não há direitos ou quaisquer dilemas em torno da existência humana.

A bioética, ao tratar os dilemas do termo bios, da vida, e do modo de
atuação do homem em relação a ela, possui vinculação direta com a construção
dos direitos mínimos para a existência humana, ou seja, os direitos humanos.
Estes direitos são construídos historicamente pelo homem para traçar parâmetros
mínimos da existência e das relações humanas, seja com o meio onde vive ou
entre si. Conforme instrui Dalmo Dallari (s.d., s.p.):
23
UNIDADE 1 | BIOÉTICA, BIODIREITO E BIOTECNOLOGIA

A consciência dos direitos humanos é uma conquista fundamental da


humanidade. A bioética está inserida nessa conquista e, longe de se
opor a ela ou de existir numa área autônoma que não a considera, é
instrumento valioso para dar efetividade aos seus preceitos numa esfera
dos conhecimentos e das ações humanas diretamente relacionada com
a vida, valor e direito fundamental da pessoa humana.

Neste âmbito, os dilemas biojurídicos possuem como ancoradouro os


princípios fundamentais dos direitos humanos, bem como os valores morais e
éticos de determinada sociedade, positivados ou não em sua Constituição.

2.1 CONCEITO E EVOLUÇÃO


HISTÓRICA DOS DIREITOS HUMANOS
Os direitos humanos são fruto de um longo processo histórico de lutas
por necessidades básicas essenciais para a condição de ser humano. Desse modo,
conforme Hanna Arendt (1979), os direitos humanos não são um dado, mas
um elemento construído, uma invenção humana em constantes processos de
construção e reconstrução. Portanto, uma criação podendo contar com avanços,
mas também retrocessos. Uma batalha, conceitual, teórica, mas também travada
no campo prático.

Ao longo de toda a história da humanidade, a luta pela sobrevivência


levou os seres humanos a construírem formas de adaptabilidade ao meio que
envolvem as dinâmicas das estruturas vigentes. Nesse sentido, as lutas e batalhas
em torno dos aspectos essenciais da sobrevivência levaram os seres humanos a
constantes embates que dizimaram civilizações inteiras em incontáveis guerras
e massacres. Esses acontecimentos levaram também diversos sujeitos a pensar
e construir mecanismos para evitá-los, de modo a possibilitar uma vida digna e
pacífica entre todos os seres.

Nessa perspectiva, foram incontáveis os pensadores que atuaram


buscando esforços centrados em um bem comum. Um desses exemplos que traz
no cerne de seu pensamento o amálgama desse objetivo é Confúcio (551 a.C.-479
a.C.), com sua célebre frase: “Não faça aos outros o que não quer que seja feito a
você”.

No entanto, foi reconhecido pela Organização das Nações Unidas um


evento ocorrido seis séculos antes de Cristo como o precursor da Declaração
dos Diretos Humanos. Quando Ciro, rei da antiga Pérsia, conquista a Babilônia
e cria ações até então inovadoras e impensadas, liberta os escravos, declarando
liberdade de escolha para as religiões. Estas definições foram transcritas em um
cilindro de argila, e é conhecido como o Cilindro de Ciro. E por tal importância,
sendo traduzido para os seis idiomas oficiais da ONU.

24
TÓPICO 2 | BIOÉTICA À LUZ DOS DIREITOS HUMANOS

FIGURA 4 – CILINDRO DE CIRO, RECONHECIDO COMO A PRIMEIRA DECLARAÇÃO


DOS DIREITOS HUMANOS

FONTE: Disponível em: <http://imperiopersaaquemenida.blogspot.com.br/2011/10/


el-cilindro-de-ciro-traduccion.html>. Acesso em: 11 out. 2017.

Nesse sentido, acredita-se que os feitos de Ciro tenham sido difundidos


integral ou parcialmente e as suas civilizações contemporâneas e as posteriores,
como na China, na Índia e chegando à Europa por Grécia, tenham tido inspirações
nesta declaração para buscar balizas de convivência. Consequentes documentos
afirmam tal assertiva, como a Carta Magna (1215), a Constituição dos Estados
Unidos (1787) e a Declaração Francesa dos Direitos do Homem e do Cidadão (1789).

Sendo assim, convencionou-se estabelecer que os direitos humanos


possuem um processo de constante adaptação aos desafios do momento presente,
consolidando-se como um elemento em vívida disputa. Assim, alguns autores
estabelecem os direitos humanos como portadores de dimensões ou gerações,
marcados pelo processo histórico e possuindo características de cada período.

Diversos autores tratam sobre a classificação linear da construção e


evolução dos direitos em “gerações” ou “dimensões”. Há divergência nesse
entendimento, devido à compreensão da não linearidade desses direitos ou
hierarquização, mas sim o processo histórico que o determinou e que o recria
através do tempo. Trataremos deste assunto a partir do entendimento do jurista
Antonio Carlos Wolkmer (2013).

Direitos de primeira dimensão: direitos civis e políticos, são os


direitos individuais vinculados à liberdade, igualdade, propriedade,
segurança e resistência às diversas formas de opressão. Estes direitos
são entendidos como atributos naturais, inalienáveis e imprescritíveis.
Surgem no contexto do constitucionalismo político clássico, com marco
na declaração de independência dos Estados Unidos (1776) e Revolução
Francesa (1789). Este período esteve associado às lutas por independência,
e busca por liberdade e demais valores que derivam desta, resultando na
efetivação da liberdade.

25
UNIDADE 1 | BIOÉTICA, BIODIREITO E BIOTECNOLOGIA

Direitos de segunda dimensão: direitos sociais, econômicos e


culturais, com caráter positivo por exigir atuações do Estado. Surgem entre
meados do século XIX e início do século XX em meio às tensões pelos graves
impasses socioeconômicos provocados pelo processo de industrialização e
os decorrentes problemas sociais ocasionados. Esses processos possibilitam
o nascimento do Estado de Bem-Estar Social. Naquele período, as
transformações advindas da Revolução Industrial (consolidada no século
XIX na Europa e se expandindo por territórios que possuíam vínculos com
a Europa) levaram a sociedade a buscar direitos vinculados com as novas
demandas, relacionados à educação, à saúde etc.

Direitos de terceira dimensão: direitos metaindividuais, direitos


coletivos e difusos. Possuem como característica a titularidade do coletivo,
a proteção de categorias ou grupos de pessoas, e a indivisibilidade, pois não
podem ser satisfeitos ou lesionados de forma fracionada, mas atingem a toda
a coletividade. Nas últimas décadas, as transformações sociais ampliaram os
sujeitos desses direitos coletivos, passando a ser incluídos nesta dimensão,
como: os direitos de gênero, os direitos da criança, os direitos do idoso, os
direitos dos deficientes físicos e mentais, os direitos das minorias (étnicas,
religiosas, sexuais); e os novos direitos da personalidade (a intimidade, a
honra, a imagem). Já no século XX esses direitos coletivos expõem uma ótica
que tem no direito valores expansivos e de alcance global, dando assim um
enfoque mundial e universal, como a paz, o meio ambiente etc.

Direitos de quarta dimensão: são os “novos” direitos referentes


à biotecnologia, à bioética e à regulação da engenharia genética. São
direitos que possuem a especificidade de tratar sobre a vida humana,
como a reprodução humana assistida, o aborto, a eutanásia, transplantes
de órgãos, a clonagem humana e outros. Resultam das preocupações
com a regulamentação ética diante dos avanços das ciências biomédicas e
biotecnológicas, e também os riscos advindos dessas ciências.

E, ainda, os direitos de quinta dimensão: os “novos” direitos


advindos das tecnologias de informação, do ciberespaço e da realidade
virtual em geral. Estes direitos emergem das transformações sociais
produzidas pela evolução tecnológica e seu impacto na construção de novas
realidades e relações jurídicas.

Essas dimensões são uma escala de compreensão dos diretos humanos,


e sobretudo explicam a forma como são construídos na sociedade. Demonstram
a ótica da humanidade na busca de perceber e assimilar o conceito de direitos
humanos. Isto não significa uma hierarquia ou traçado linear pelas gerações dos
direitos, mas diferentes dimensões que devem ser discutidas, revisitadas em
constantes criações e desconstruções. Essas dimensões compõem uma forma de
compreensão da humanidade em criar mecanismos para a efetivação de diretos
inalienáveis entre os seres humanos sob os medos e desejos de cada época.

26
TÓPICO 2 | BIOÉTICA À LUZ DOS DIREITOS HUMANOS

O processo histórico na construção de parâmetros básicos e universais


para a efetivação de diretos humanos culminou em um momento crucial que se
deu em 1945. Em decorrência do fim da Segunda Guerra Mundial e a abertura dos
portões do campo de concentração de Auschwitz, a humanidade pôde observar
as mais duras faces da possibilidade da crueldade da humanidade. A construção
de câmaras de gás para a morte sistematizada de judeus trouxe uma questão
muito importante: de quais elementos o ser humano não poderia ser privado sob
pena de perder sua dignidade?

O evento em 1945 fez a humanidade pensar de forma prática, criando


ações que assegurassem a dignidade do sujeito não só na fronteira entre a vida e
a morte, mas garantindo elementos básicos para uma vida com e em dignidade.
Este esforço culminou, três anos depois, na Declaração Universal dos Direitos
Humanos – DUDH, em 1948.

Importante destacar que a publicação dessa carta e a sua expansão em


número de signatários é um esforço para erradicação das mazelas que atentam
contra a dignidade humana. Todavia, a declaração e a assinatura por seus
signatários não garantem por si a efetivação dos direitos, haja vista constantes
acusações de trabalho escravo, fome, submoradia, entre outras, enquanto há
flagrantes ataques à dignidade humana ao redor do mundo.

É fundamental salientar que políticas construídas com pretensões


mundiais possuem diversas formas de ser interpretadas, tendo em vista que cada
país e sociedade entende um conceito de alimentação, de moradia, de educação,
de vida e, consequentemente, de direitos humanos de uma forma específica.
Nesse sentido, é fundamental ter em mente que a Carta dos Direitos Humanos
possui interpretação universalista, assim, pode ser interpretada por diferentes
olhares, a depender do lugar, do tempo e da sociedade em que se encontra. Esta
proposição universalista também encontra barreiras, sendo mais um elemento
desafiador tanto na construção dos direitos humanos como na sua efetivação.

O universalismo é questionado quando se evidencia que a diversidade


humana, em suas diferentes formas de ser, ver, estar e viver no mundo, não
compactua com uma única moral para explicar a vida. Uma única perspectiva
de pensar os desafios da humanidade e de compreender a sua dignidade. Paulo
Henrique Portela (2013, p. 833) descreve relativismo como:

[...] o universalismo é contestado por parte da doutrina, que


fundamentalmente defende que os diferentes povos do mundo
possuem valores distintos e que, por isso, não seria possível estabelecer
uma moral universal única, válida indistintamente para todas as
pessoas humanas e sociedades. É a noção de relativismo cultural, ou
simplesmente relativismo, que defende, ademais, que o universalismo
implicaria imposição de ideias e concepções que, na realidade,
pertenceriam ao universo da cultura ocidental.

A Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948, é um marco


histórico para a humanidade, construída como uma resposta para as atrocidades
que aconteceram durante a Segunda Guerra Mundial. O comprometimento das

27
UNIDADE 1 | BIOÉTICA, BIODIREITO E BIOTECNOLOGIA

nações iniciou o desenvolvimento do Direito Internacional dos Direitos Humanos


sob a criação de um sistema internacional de proteção desses, submetendo os
Estados Membros à adoção de medidas para tal.

A temática dos direitos humanos passou a ganhar espaço no discurso


hegemônico no século XX, diante da sua violação sistemática pelos governos
totalitários, momento em que houve um dilaceramento da dignidade humana,
“colocando a humanidade no limite de sua sobrevivência” (VIOLA, 2010, p. 23).

Diante desses rumos, num novo contexto cultural, social e econômico


marcado pela globalização, impacto das novas tecnologias, construção de novas
subjetividades, mentalidades e os direitos humanos muitas vezes percebidos
como direitos exclusivamente individuais e fundamentalmente civis e políticos,
amplia-se e afirma-se a importância dos direitos coletivos, culturais e ambientais
(CANDAU, 2008).

Afinal, o que são direitos humanos? São um construto axiológico, fruto


da história humana, direitos que possuímos pelo simples fato de que somos
humanos, intimamente ligado à dignidade humana. Conforme o ilustre jurista
João Baptista Herkenhoff (1994, p. 30-31):

por direitos humanos ou direitos do homem são, modernamente,


entendidos aqueles direitos fundamentais que o homem possui pelo
fato de ser homem, por sua própria natureza humana, pela dignidade
que a ela é inerente. São direitos que não resultam de uma concessão da
sociedade política. Pelo contrário, são direitos que a sociedade política
tem o dever de consagrar e garantir. Este conceito não é absolutamente
unânime nas diversas culturas. Contudo, no seu núcleo central, a ideia
alcança uma real universalidade no mundo contemporâneo [...].

A Organização das Nações Unidas define os direitos humanos como as


“garantias jurídicas universais que protegem indivíduos e grupos contra ações
ou omissões dos governos que atentem contra a dignidade humana” (TAVARES,
2015, p. 22). Os direitos humanos são universais, inalienáveis, indivisíveis
e juridicamente protegidos por um sistema de valores comuns, garantidos
internacionalmente de forma política e jurídica, impondo aos Estados e a todas as
pessoas o dever de respeitá-los e garanti-los.

São direitos universais inerentes a todos os seres humanos, ou seja, devem


ser reconhecidos e garantidos independentemente de raça, sexo, nacionalidade,
etnia, idioma, religião ou qualquer outra condição. Os direitos humanos são
fundados no respeito à dignidade humana e no valor de cada pessoa, incluem
o direito à vida e à liberdade, à liberdade de opinião e de expressão, o direito ao
trabalho e à educação, entre muitos outros (ONU, 2017).

A partir de 1945, o processo de universalização dos direitos humanos


proporcionou a formação de um sistema de proteção desses direitos, no âmbito
das Nações Unidas. Deste modo, na esfera do Direito Internacional, passou a
ser delineado um sistema normativo internacional de proteção dos direitos

28
TÓPICO 2 | BIOÉTICA À LUZ DOS DIREITOS HUMANOS

humanos, vocacionado a proteger direitos fundamentais e limitar o poder do


Estado (PIOVESAN, 2006).

Em sua expressão formal, as normas internacionais de direitos


humanos são compostas por tratados internacionais, pelo direito internacional
consuetudinário, e outros instrumentos a nível global ou regional como
declarações, resoluções, diretrizes, princípios, entre outros, “que refletem,
sobretudo, a consciência ética contemporânea compartilhada pelos Estados, na
medida em que invocam o consenso internacional acerca de temas centrais aos
direitos humanos” (PIOVESAN, 2006, p. 9).

DICAS

Para aprofundar seus conhecimentos, conheça o livro “A Invenção dos


Direitos Humanos: uma história”, da historiadora Lynn Hunt. Nesta obra, a autora analisa
três documentos históricos: A Declaração da Independência dos Estados Unidos (1776),
a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão da Revolução Francesa (1789) e a
Declaração Universal dos Direitos Humanos das Nações Unidas (1948), através da qual traça
a gênese e o desenvolvimento das ideias e concepções em torno dos direitos humanos
em distintos eventos políticos e na história da humanidade. Por fim, concebe que o meio
de efetivação dos direitos humanos é através, primordialmente, da construção da empatia.

São direitos humanos fundamentais consagrados pelo sistema jurídico


brasileiro: direito à vida, direito à privacidade, direito de igualdade, direito de
liberdade, direito de propriedade, direito à saúde, direito à educação, direito à
cultura, direito à moradia, direito ao lazer, direito ao meio ambiente e direito à
segurança.

Após análise das declarações internacionais relacionadas à bioética,


Letícia Ludwig Moller (2007) entende que é possível afirmar que um conteúdo
do biodireito mínimo universal já se encontra bem delineado, especialmente na
Declaração Universal de Bioética e Direitos Humanos. Neste documento foram
fixados princípios de caráter universal para nortear a atuação dos Estados,
indivíduos e grupos frente aos avanços científicos e biotecnológicos.

Os avanços nos conhecimentos tecnocientíficos no domínio da genética


e da tecnologia médica trouxeram à pauta mundial a necessidade da construção
de instrumentos normativos de proteção e respeito à vida. Neste sentido, frente
aos constantes e rápidos avanços biotecnológicos, pergunta-se: Como determinar
parâmetros éticos mínimos? Quais os limites éticos da intervenção humana na
vida?

29
UNIDADE 1 | BIOÉTICA, BIODIREITO E BIOTECNOLOGIA

2.2 DECLARAÇÃO UNIVERSAL SOBRE


BIOÉTICA E DIREITOS HUMANOS
Nos últimos anos, o enfoque da Bioética foi consideravelmente ampliado,
especialmente a partir de 2005, com a Declaração Universal sobre Bioética e Direitos
Humanos. Anteriormente era uma área destinada preferencialmente para as práticas
biomédicas e biotecnológicas, passando a incluir o campo social e ecológico.

Segundo Volnei Garrafa (2011, p. 131), a bioética passou a ser reconhecida


como um espaço acadêmico e político “[...] capaz de contribuir concretamente na
discussão de temas da cotidianidade das pessoas, povos e nações, tais como a exclusão
social, a vulnerabilidade, a guerra e a paz, o racismo, a saúde pública e outros”.

O documento oriundo da Declaração Universal sobre Bioética e Direitos


Humanos foi resultado de um longo período de discussões e diferentes versões,
resultado de posições antagônicas dos diferentes países acerca de questões
semelhantes. Sendo que em outubro de 2005, a Conferência Geral da Organização
das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura – UNESCO aprovou
seu teor final.

DICAS

Conheça na íntegra a Declaração Universal sobre


Bioética e Direitos Humanos. Disponível em: <http://unesdoc.
unesco.org/images/0014/001461/146180por.pdf>. Acesso em:
20 dez. 2017.

No processo de sua construção, evidenciou-se dois posicionamentos


marcantes. Os países “ricos”, liderados pelos Estados Unidos, Alemanha e Canadá,
deveriam reduzir a agenda bioética a questões vinculadas exclusivamente à área
médica, ou seja, a biotecnologia e biomedicina. Por outro lado, os países entendidos
como periféricos, conduzidos pelos países latino-americanos (com participação
política fundamental da delegação brasileira), países africanos, árabes e Índia,
trouxeram à pauta discussões sobre aspectos sociais e ambientais, envolvendo
a bioética sanitária, social e bioética ambiental, até então ignorados (GARRAFA,
2005). Segundo Volnei Garrafa (2011, p. 132), a partir dessa Declaração:

[...] a bioética passou a se configurar como uma disciplina que não


mais se furta à análise das questões sanitárias e ambientais e não
mais se omite frente à responsabilidade do Estado na garantia dos
direitos aos cidadãos; nem frente à preservação da biodiversidade
e ecossistema, patrimônios que devem ser preservados de modo
sustentado para as gerações futuras.

30
TÓPICO 2 | BIOÉTICA À LUZ DOS DIREITOS HUMANOS

DICAS

Assista ao vídeo lançado para comemorar os 10 anos da adoção da Declaração


Internacional sobre Bioética e Direitos Humanos. Nele, o Dr. Volnei Garrafa, professor da
UnB e coordenador da cátedra de Bioética da UNESCO no Brasil, fala sobre o papel da
Organização na promoção de valores éticos e humanos na pesquisa científica: <https://
www.youtube.com/watch?v=j2886GvznHc>.

3 PRINCÍPIO DA DIGNIDADE HUMANA


COMO FUNDAMENTO DO ESTADO
DEMOCRÁTICO DE DIREITO
A dignidade humana é fundamento ético basilar do Estado Democrático
de Direito, disposto no artigo 1º, inciso III, da Constituição Federal de 1988.
Assim, importa reconhecer que “a interpretação das normas jurídicas, ainda que
importe sempre na sua recriação pelo juiz, não resta submetida ao livre-arbítrio do
magistrado ou dependente de sua exclusiva bagagem ético-cultural, encontrando-
se definitivamente vinculada aos valores primordiais do ordenamento jurídico”
(TEPEDINO, 1993, p. 29).

A Bioética se baseia no princípio da dignidade da pessoa humana e na
inviolabilidade do direito à vida. Para Junqueira (2004, p.14), a dignidade é o
valor humano, a sua projeção, pressuposto à intangibilidade da vida humana
“Sem vida, não há pessoa e, sem pessoa, não há dignidade”. Eduardo Bittar (2005,
p. 302) preleciona que a dignidade humana só é possível:

[...] quando a própria condição humana é entendida, compreendida e


respeitada, em suas diversas dimensões, o que impõe, necessariamente,
a expansão da consciência ética como prática diuturna de respeito à
pessoa humana. [...] é a meta social de qualquer ordenamento que vise
a alcançar e fornecer, por meio de estruturas jurídico-político-sociais, a
plena satisfação de necessidades físicas, morais, psíquicas e espirituais
da pessoa humana.

A dignidade é condição inerente do ser humano, vinculado à sua essência,


originada do nascimento humano, ou de sua potencialidade no ventre materno,
e não do ordenamento jurídico. Neste sentido, “para a bioética e o biodireito, a
vida humana não pode ser uma questão de mera sobrevivência física, mas sim
de ‘vida com dignidade’” (DINIZ, 2008, p. 17). A dignidade humana pode ser
definida como:

31
UNIDADE 1 | BIOÉTICA, BIODIREITO E BIOTECNOLOGIA

[...] a qualidade intrínseca e distintiva reconhecida em cada ser


humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por
parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um
complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa
tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano,
como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para
uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação
ativa e corresponsável nos destinos da própria existência e da vida em
comunhão com os demais seres humanos, mediante o devido respeito
aos demais seres que integram a rede de vida (SARLET, 2011, p. 73).

De acordo com Sarlet (2011, p. 84-85), a dignidade humana “[...] não


contém apenas uma declaração de conteúdo ético e moral, mas constitui norma
jurídica-positiva, dotada, em sua plenitude, de status constitucional formal e
material, e como tal, inequivocamente carregado de eficácia, alcançando, portanto,
a condição de valor jurídico fundamental da comunidade”.

Barroso (2015) entende que a visão de um conceito operacional da


dignidade deve primar: pela laicidade, neutralidade política e universalidade. O
que não significa a ausência de respeito e reconhecimento das diversidades e das
diferenças.

Segundo Luis Roberto Barroso (2015), três elementos integram o conteúdo


mínimo da dignidade:

• Valor intrínseco da pessoa humana – que está na origem dos direitos


fundamentais: o direito à vida, à igualdade, à integridade física, à integridade
moral e/ou psíquica.
• Autonomia, enquanto autodeterminação do indivíduo: Autonomia
privada (direitos individuais, liberdades públicas, liberdade de consciência,
expressão, de trabalho); Autonomia pública no direito de participação no
processo democrático (direitos políticos, participação da coisa pública);
Mínimo existencial (núcleo dos direitos fundamentais sociais – satisfação das
necessidades indispensáveis à existência física e psíquica).
• Valor comunitário – a proteção dos direitos de terceiros: a autonomia
individual deve respeitar a autonomia das demais pessoas; a proteção do
indivíduo contra si próprio. O Estado tem o direito, em algumas circunstâncias,
de proteger a pessoa contra atos suscetíveis de lhe causar lesão; a proteção dos
valores sociais – moral social compartilhada.

Para Barroso (2015), a dignidade como autonomia, com caráter individual,


é a concepção subjacente dos grandes documentos sobre direitos humanos do
século XX. Esta noção serve como fundamento e justificativa para os direitos
humanos e fundamentais e possui quatro aspectos essenciais: a) a capacidade
de autodeterminação; b) as condições para o exercício da autodeterminação; c) a
universalidade; e d) a inerência da dignidade ao ser humano.

A dignidade como autonomia, desta forma, envolve a capacidade de um


sujeito moral capaz de se autodeterminar e realizar as escolhas morais sobre

32
TÓPICO 2 | BIOÉTICA À LUZ DOS DIREITOS HUMANOS

os próprios rumos de sua vida, assumindo a responsabilidade pelas decisões


tomadas. As escolhas existenciais do indivíduo, desde que não violem direito de
terceiros, não podem ser violadas, sob pena de violar sua dignidade. Um exemplo
bioético é o caso da morte com dignidade, como é chamada por alguns autores a
eutanásia ou mesmo em casos de ortotanásia.

Dignidade como heteronomia, esta concepção não compreende a


dignidade na perspectiva do indivíduo, mas a traduz conforme os valores morais
compartilhados pela sociedade. Este conceito trata a dignidade como uma
constrição à liberdade individual.

E
IMPORTANT

Uma das decisões mais emblemáticas envolvendo a visão de dignidade como


heteronomia é o caso do arremesso dos anões.

Na cidade Morsang-sur-Orge, na França, o Poder Executivo municipal, fazendo uso de


seus poderes, interditou algumas casas noturnas devido à prática de arremesso de anões
– lancer nain.

Esta prática consistia no arremesso de anão como um projétil de um lado ao outro


do estabelecimento. A casa noturna e a própria pessoa com nanismo recorreram da
decisão. Posteriormente, o Conselho de Estado Francês reformou a decisão: “o respeito à
dignidade da pessoa humana é um dos componentes da ordem pública; que a autoridade
investida do poder de polícia municipal pode, mesmo na ausência de circunstâncias
locais particulares, interditar uma atração atentatória à dignidade da pessoa humana”.
Os defensores da atividade, considerada em alguns locais como um esporte, partem
do fundamento de que a pessoa com nanismo, assim como qualquer outra, é livre para
escolher sua profissão, e que não poderia haver violação da sua dignidade, pois parte de
sua decisão. Sob estes argumentos, a proibição da realização dessa atividade impediria seu
sustento, já que recebia por essa atividade, e devido às poucas condições de trabalho, a
decisão acabaria promovendo a supressão de condições mínimas de viver

4 BIOÉTICA E O DIREITO DE PERSONALIDADE


Os direitos de personalidade estão dispostos do artigo 11 ao 21 do
Código Civil brasileiro, o primeiro instrumento legislativo brasileiro que trouxe a
terminologia direitos da personalidade. Todavia, o rol elencado no Código Civil
não é taxativo, devendo ser relacionados aos direitos fundamentais previstos na
Constituição Federal.

Esses direitos estão elencados expressamente no artº 5 da Constituição


Federal e, entre eles, o direito à vida. Os direitos de personalidade são essenciais
para a condição de vida digna, que designa a satisfação das necessidades basilares
para se ser humano. Deste modo, os direitos de personalidade constituem o
núcleo da personalidade individual, reconhecidos à pessoa.

33
UNIDADE 1 | BIOÉTICA, BIODIREITO E BIOTECNOLOGIA

De acordo com Farias e Rosenvald (2013, p. 177), são “os direitos essenciais
ao desenvolvimento da pessoa humana, em que se convertem as projeções
físicas, psíquicas e intelectuais do seu titular, individualizando-o de modo a lhe
emprestar segura e avançada tutela jurídica”.

NOTA

Os direitos de personalidade estão intrinsecamente ligados à dignidade da


pessoa humana, de tal forma que os demais direitos são reconhecidos como bens da vida.

Constituem-se enquanto direitos da personalidade a vida, a intimidade,


a integridade física, a integridade psíquica, o nome, a honra, a imagem, os dados
genéticos e todos seus demais aspectos que projetam a sua personalidade no
mundo. Os direitos da personalidade caracterizam-se por serem: a) absolutos; b)
necessários; c) vitalícios; d) intransmissíveis; e) irrenunciáveis; f) extrapatrimoniais;
g) imprescritíveis; h) impenhoráveis (SÁ; NAVES, 2011).

QUADRO 1 – CARACTERÍSTICAS DOS DIREITOS DE PERSONALIDADE

Caráter absoluto Os direitos de personalidade são oponíveis porque erga


omnes, o que não os faz desprovidos de limites, como todo
direito. Impõe à coletividade indistintamente o dever de
respeitá-los.
Necessários São direitos essenciais à constituição e manutenção da
dignidade do ser humano. Deste modo, são outorgados
a todas as pessoas, pois não são possíveis na ausência do
indivíduo.
Vitalícios Os direitos da personalidade, em razão de sua essencialidade
para uma vida digna, portanto inextinguíveis, acompanhando
a pessoa desde seu nascimento até sua morte.
Intransmissíveis A transmissão pressupõe que uma pessoa ocupe o lugar de
outra. Os direitos de personalidade não são transmitidos
sequer por ato causa mortis, embora desfrutem de algum
resguardo após a morte.
Irrenunciáveis Indisponibilidade de renúncia a estes direitos,
independente da vontade própria do titular. Os direitos de
personalidade podem ser, em alguns casos, renunciados
quando no exercício da autonomia privada, contudo não
se pode renunciar à sua titularidade, ao direito em si.

34
TÓPICO 2 | BIOÉTICA À LUZ DOS DIREITOS HUMANOS

Extrapatrimoniais Os direitos da personalidade não possuem conteúdo


patrimonial direto, aferível objetivamente, sendo
insuscetíveis de avaliação econômica.
Imprescritíveis Inexiste um prazo para seu exercício, mesmo o titular
permanecendo inerte em sua defesa, haverá continuidade
dos seus direitos de personalidade.
Impenhoráveis Estes direitos não são passíveis de penhora, não sendo
possível admitir qualquer execução judicial sobre os
mesmos.
FONTE: Adaptado de Sá e Naves (2011)

4.1 DIREITO À VIDA


Um conceito importante para construir uma reflexão bioética é o da
vida. O direito à vida é um direito primário, personalíssimo, essencial, absoluto,
irrenunciável, inviolável, imprescritível, indisponível e intangível. Deste modo,
podemos afirmar que o direito à vida embasa os demais direitos de personalidade.

À vida integram-se os elementos materiais (físicos) e os elementos


psíquicos (imateriais), que abrangem toda a gama de direitos de personalidade e
de direitos humanos. Segundo Chaves (1982, p. 145 apud DINIZ, 2008, p. 21), “a
vida é um direito personalíssimo, e o respeito a ela e aos demais direitos correlatos
decorre de um direito absoluto erga omnes, por sua própria natureza, ao qual a
ninguém é lícito desobedecer”.

À vida humana cabe a proteção legal desde o momento da fecundação


natural ou artificial do óvulo pelo espermatozoide, conforme dispõe: Art. 2º
Código Civil, Art. 6º, III; 24, 25, 27, IV; da Lei nº 11.105/05 – Lei de Biossegurança
e art. 124 a 128 do Código Penal.

O nascituro é aquele que ainda vai nascer, após a nidação, ou seja, a


instalação do ovo, fruto da fertilização de um óvulo pelo espermatozoide, no
útero ou trompas de falópio da mulher. Até esse momento não há personalidade
civil, entretanto, desde a concepção a lei põe a salvo seus direitos.

Nesse sentido, a personalidade jurídica advém com a vida. No entanto,


no caso dos embriões, entende-se que estes são vida em potencial, na qual há o
resguardo da expectativa de vida contida neles, de modo que se pode tratá-los
como nascituro ou uma pessoa plena, sendo assegurados seus direitos.

35
UNIDADE 1 | BIOÉTICA, BIODIREITO E BIOTECNOLOGIA

FIGURA 5 – CHARGE QUE RETRATA AS POLÊMICAS RELACIONADAS AO DIREITO


DO NASCITURO E A VIDA EM POTENCIAL, COMO O CASO DAS CÉLULAS-TRONCO

FONTE: Disponível em: <http://www.ivancabral.com/2008/03/>. Acesso em: 20 set. 2017.

Para a doutrina, o direito à vida divide-se em algumas teorias conhecidas


como:

• Teoria natalista: A personalidade civil do ser humano inicia a partir do


nascimento com vida. Desde 1916 o direito civil brasileiro adotou a teoria
nativista ou natalista.
• Teoria concepcionista: Esta teoria é oriunda do direito francês e foi adotada
pelo direito português. Nela, o nascituro adquire personalidade civil desde o
momento de sua concepção. Deste modo, não necessita nascer com vida, mas
é preciso ter ocorrido a concepção. Mesmo que se torne natimorto, haverá
garantia de alguns direitos da personalidade.
• A Teoria concepcionista condicional ou mista: É a compreensão doutrinária
que prevalece, na qual os direitos patrimoniais ficam resguardados até o
nascimento com vida, mas os direitos da personalidade são tutelados desde
a concepção.

Segundo Maria Helena Diniz (2008) e outros doutrinadores, a extensão


dos direitos do natimorto dos direitos de personalidade gerou questionamentos
à teoria natalista. Assim, a práxis demonstrou algumas incongruências, como:

• Direito ao reconhecimento de paternidade: O art. 1.609, § único do Código


Civil, permite ao nascituro demandar voluntariamente o seu reconhecimento.
• Direito à curatela: O art. 1.779 do Código Civil reconhece o direito da
personalidade do nascituro, para que tenha um curador, caso ainda no ventre
materno seu pai venha a falecer ou sua mãe esteja destituída do poder familiar.
36
TÓPICO 2 | BIOÉTICA À LUZ DOS DIREITOS HUMANOS

• Direito à relação contratual: Nascituro poderá ser donatário. Conforme o


art. 542 do Código Civil, não precisa atingir a maioridade para o exercício de
seu direito.
• Direito à herança: Os direitos sucessórios do nascituro estão garantidos pelo
art. 1.798 do Código Civil, pois há evidência de que esteja vivo, ainda no
ventre materno (vida intrauterina).
• Os direitos da personalidade do nascituro: Os direitos reconhecidos
ao natimorto são analogamente a evidência da existência de direitos da
personalidade ao nascituro. O Superior Tribunal de Justiça, ao julgar o
REsp nº 931.556/RS, quando a relatora Ministra Nancy Andrighi, 3ª Turma,
entendeu procedente o pedido indenizatório por danos morais de nascituro
que reclamava o fato de ter perdido o pai. Caso julgado em 17.06.2008,
publicado no Dje em 05/08/2008.
• Direito aos alimentos: A Lei nº 11.804, de 2008, em seu art. 6º, trata do direito
do nascituro em receber alimentos e possibilita que a sua fixação se converta,
nascendo com vida em pensão alimentícia.
• Proteção à vida do nascituro: O autoaborto é conduta típica, criminalizada,
elencada entre os crimes contra a pessoa, sendo o sujeito passivo deste crime
o feto. O crime é uma interrupção da vida humana, que viria a existir, não
fosse a conduta criminosa do agente.
• Responsabilidade Civil: O nascituro tem proteção legal contra os danos
causados enquanto estiver no útero materno. Ex.: Caso do nascituro que teve
o reconhecimento do direito de receber indenização pela morte de seu pai, e
de deformidade dos fetos por ingestão de talidomida pela genitora.

DICAS

Você já assistiu ao filme “De quem é a vida, afinal?” (1981)? Nele é retratado
o debate ético sobre o direito à vida e a morte com dignidade, na qual propõe reflexões
acerca dos limites da interferência do Estado nas decisões e na liberdade humana.
Há um pequeno trecho extraído do filme que retrata bem esses dilemas, e você pode
assistir em: <https://www.youtube.com/watch?v=aEaevgKjitQ>.

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UNIDADE 1 | BIOÉTICA, BIODIREITO E BIOTECNOLOGIA

LEITURA COMPLEMENTAR

Bioética, Biodireito e Direitos Humanos

Vicente de Paulo Barretto

Da bioética aos direitos humanos

A bioética, portanto, não se identifica com a "ética" médica, como esta


foi entendida durante séculos, nem se constitui em um  corpus  de princípios,
interpretados de forma uniforme, por diferentes correntes do pensamento
social; trata-se de uma área de conhecimento, cujas raízes encontram-se nos
dados fornecidos pelas ciências biológicas, que fornecem o material empírico
necessário para a reflexão propriamente filosófica. Desde a definição de Potter,
que pretendia construir um projeto para garantir a humanização das ciências
biológicas com vistas à melhoria da qualidade de vida, o conceito sofreu profundas
modificações. A evolução da bioética processou-se em função da necessidade
de pensar-se o avanço científico, levando-se em conta como a intervenção do
homem na natureza exige a construção de uma ética filosófica, que possa ter a
pretensão de universalidade, mas que responda às ameaças reais ou imaginadas
à humanidade, consequência de novas descobertas e tecnologias; essa evolução
caminhou, também, no sentido da construção de um discurso ético, dentro do
qual possam encaminhar-se, e achar solução, os conflitos que ocorrem em virtude
das novas relações sociais e econômicas, nascidas dessas descobertas e até então
desconhecidas pelo ser humano.

Na atualidade, o campo da bioética extrapola do âmbito restrito das


ciências da saúde e apresenta uma dupla face. De um lado, incorpora as novas
formas da responsabilidade, principalmente a responsabilidade com as gerações
futuras, como foram vistas por Hans Jonas; mas também aceita a ideia kantiana do
respeito à pessoa e do respeito ao conhecimento. A bioética surge, assim, como o
mais novo e complexo ramo da ética filosófica, pois trata da responsabilidade em
relação à humanidade do futuro e, ao mesmo tempo, considera a pessoa humana
como detentora de direitos inalienáveis. Contribuem, assim, para estabelecer
os seus fundamentos duas linhas do pensamento contemporâneo: a primeira,
peculiar à tradição liberal, onde se proclamam e afirmam os direitos da pessoa
humana, como limites à ação do Estado e dos demais indivíduos; a segunda,
socorre-se de uma nova linha do pensamento filosófico, originária da primeira,
mas que passa a pensar a ação do indivíduo, não somente no quadro de suas
consequências imediatas, mas principalmente em função de suas repercussões
futuras. Trata-se, portanto, de construir uma ética que irá materializar-se em
novas responsabilidades.

Dentre os diferentes objetos da regulação jurídica, o problema nodal


do direito – a questão da responsabilidade –, por exemplo, deverá sofrer uma
profunda reavaliação, quando lida sob essa perspectiva ética, pois irá ultrapassar a
concepção restrita e ineficiente da responsabilidade civil e penal do direito liberal.
Nesse sentido, torna-se necessário abandonar o conceito de uma responsabilidade

38
TÓPICO 2 | BIOÉTICA À LUZ DOS DIREITOS HUMANOS

jurídica, comprometida em determinar uma compensação ex post facto, e procurar


construir uma nova responsabilidade, a ser formalizada juridicamente, fundada
no conceito mais abrangente de responsabilidade moral. Nas palavras de Hans
Jonas, a civilização tecnocientífica, que tem na engenharia genética uma de suas
mais importantes realizações, encontra-se eticamente à deriva, sendo que a
sobrevivência do ser humano depende da construção de uma nova ética. Essa
"ética do futuro", escreve Jonas, "não designa a ética no futuro – uma ética futura
concebida na atualidade para os nossos descendentes futuros –, mas sim uma
ética da atualidade que se preocupa com o futuro e pretende protegê-lo, para os
nossos descendentes, das consequências de nossa ação presente" (JONAS, 1998,
p. 69). Essa responsabilidade moral, núcleo da ética do futuro, não é, portanto,
a responsabilidade civil clássica, determinada pelo cálculo do que foi feito, mas
pela "determinação daquilo que se irá fazer; um conceito em virtude do qual eu
me sinto responsável, portanto, não em primeiro lugar por meu comportamento
e suas consequências, mas da  coisa  que reivindica o meu agir" (JONAS, 1995,
p. 132). Essa é a ideia fundante das novas responsabilidades, que se torna
característica quando referidas às coisas a que se destinam o agir humano, seja o
corpo humano, os animais ou o equilíbrio ecológico.

Por ambas as razões, o tema da bioética extrapolou da área restrita dos


hospitais e da própria profissão médica e tornou-se tema a ser analisado no
espaço público democrático. Tratando de tema essencial para a sobrevivência
da humanidade, e que envolve liberdades, direitos e deveres da pessoa, da
sociedade e do Estado, a bioética transformou-se na mais recente fonte de direitos
humanos.  Esse trânsito da bioética para o biodireito, a nível internacional,
materializou-se através da Declaração Universal do Genoma Humano e dos Direitos
Humanos, elaborada pelo Comitê de Especialistas Governamentais da UNESCO,
tornada pública em 11 de novembro de 1997. O texto, assinado por 186 países
membros da UNESCO – portanto, fonte legitimadora do documento –, estabelece
os limites éticos a serem obedecidos nas pesquisas genéticas, especificamente as
pesquisas relativas à intervenção sobre o patrimônio genético do ser humano. A
natureza ética e jurídica do citado documento, como veremos adiante, remete-nos
à constatação de que é necessário, para que ocorra a passagem da ordem ética
para a ordem jurídica, a explicitação de uma norma, mas que tenha características
de universalidade, próprias do discurso ético. Não se trata, portanto, de uma
simples formalização jurídica de princípios, estabelecidos por um grupo de
sábios ou mesmo proclamados por um legislador religioso ou moral. O biodireito
pressupõe a elaboração de uma categoria intermediária, que se materializa nos
direitos humanos, assegurando os seus fundamentos racionais e legitimadores.

A formulação de uma nova categoria de direitos humanos – a dos direitos


do ser humano no campo da biologia e da genética – responde à indagação central
do pensamento social contemporâneo: a possibilidade da universalização de
direitos morais, fundados numa concepção ética do Direito e do Estado, vale dizer,
na construção de uma ordem normativa construída através do diálogo racional
entre pessoas livres. Neste contexto, a possibilidade da bioética depende, como
sustentam os pensadores liberais, da existência de uma sociedade democrática,
pois se assim não for, os valores e princípios bioéticos irão expressar a vontade
dos cientistas, ou do Estado, e não de indivíduos livres e autônomos. Essa

39
UNIDADE 1 | BIOÉTICA, BIODIREITO E BIOTECNOLOGIA

sociedade, entretanto, necessita de mecanismos institucionais que assegurem a


manifestação de diferentes concepções religiosas, políticas e sociais, sem as quais
torna-se inviável o discurso ético.

Como verificamos acima, os princípios provocam na sua aplicação


antinomias, que somente podem ser racionalmente resolvidas na medida em
que se puder integrar os três princípios e não privilegiar um deles. A formulação
canônica, pela própria comunidade científica, desses princípios, e a sua aplicação
sem que haja uma intermediação entre o patamar ético e a prática social, termina
por consagrar uma interpretação subjetiva e, portanto, relativista do sentido e
alcance dos  principia.  Esses princípios, entretanto, serviram como inspiração
na implementação de uma nova categoria de direito humano, que procura,
precisamente, suprir essa lacuna ou vazio existente entre a esfera ética e as normas
jurídicas constitutivas do biodireito. Em outras palavras, o biodireito deixado à
mercê do subjetivismo procura amparar-se em princípios bioéticos, que como tal
necessitam de uma objetivação com características de universalidade. Estamos
tratando de uma forma de direito que se legitima racionalmente e pela expressão
livre de autonomias numa sociedade democrática, o que pode ser identificado
como um direito construído em função do exercício livre da razão, portanto, o
que Kant chamou de "direito cosmopolita". Os princípios da bioética deixam,
então, de representar determinações canônicas e passam a constituir uma forma
de direito cosmopolita, que serão objetivados, através dos direitos humanos. A
formulação encontrada na  Declaração  de 1997 permite comprovar a viabilidade
desse trânsito entre a ética e o direito. O documento da UNESCO permite que se
superem as dificuldades para a implementação de princípios éticos e de direitos
que têm uma natureza específica, pois pretendem estabelecer limites universais
às legislações nacionais e políticas públicas de estados soberanos. Mantendo a
necessária vocação universalista, a  Declaração de 1997  estabelece, também, uma
série de medidas, visando à promoção dos princípios expressos e às exigências a
que se submetem os estados signatários, para a sua implementação.

A Declaração da UNESCO divide-se em grandes eixos temáticos. O tema da


dignidade humana constitui o fundamento ético de todas as normas estabelecidas
e do exercício dos direitos delas decorrentes (arts. 1º - 4º). A Declaração situa os
direitos das pessoas envolvidas como referencial obrigatório para as pesquisas e
suas aplicações tecnológicas (arts. 5º - 8º). O ser humano, em função dessa dignidade
natural compartilhada por todos os seres humanos, independentemente de suas
características genéticas, tem o direito de ser respeitado em sua singularidade e
diversidade (art. 2º, "a"). Outra consequência da identificação e materialização da
dignidade humana, no respeito ao genoma, encontra-se na proibição de utilizá-lo
para ganhos financeiros (art. 4º).

A regulação da pesquisa científica é tratada sob dois aspectos correlatos: o


documento estabelece, como decorrência dos princípios e direitos anteriormente
definidos, que a pesquisa e aplicações tecnológicas não poderão desrespeitar
os direitos humanos, as liberdades fundamentais, a dignidade humana dos
indivíduos e de grupos de pessoas. O documento não se restringe a determinar os
parâmetros legais que visam proteger diretamente a pessoa humana nas pesquisas
relacionadas com o genoma humano, mas avança procurando estabelecer as

40
TÓPICO 2 | BIOÉTICA À LUZ DOS DIREITOS HUMANOS

condições para o exercício da atividade científica ao prever responsabilidades,


tanto dos cientistas e pesquisadores envolvidos nessas pesquisas, como dos
Estados (arts. 10 - 16).

Os deveres de solidariedade e cooperação internacional, no contexto


da internacionalização crescente do conhecimento científico, tornam-se
tema necessário na medida em que os princípios éticos e direitos afirmados
pela  Declaração tornar-se-ão vazios de conteúdo prático caso não exista um
compromisso dos Estados em promover a solidariedade entre indivíduos e
grupos populacionais. A cooperação internacional é prevista na  Declaração  sob
quatro formas: através da avaliação dos riscos e benefícios das pesquisas com o
genoma humano, da promoção de pesquisas sobre biologia e genética humana,
levando-se em conta os problemas específicos dos diferentes países, da utilização
dessas pesquisas em favor do progresso econômico e social e assegurando-se o
livre intercâmbio de conhecimentos e informações nas áreas de biologia, genética
e medicina (art. 19).

Os eixos temáticos são desenvolvidos na Declaração através, em primeiro


lugar, da explicitação de princípios éticos, e em segundo, prevendo instrumentos
capazes de assegurar a observância desses princípios e dos direitos deles
decorrentes pela comunidade internacional, pelos estados e pela comunidade
científica. A originalidade do ponto de vista da teoria do direito encontrada
na Declaração do Genoma Humano reside, assim, na reunião, em um só texto,
de princípios bioéticos e normas de regulação, que obrigam o sistema jurídico
internacional e nacional.

O objetivo principal da Declaração consiste em estabelecer princípios


e prever mecanismos que resguardem o genoma humano, considerado como
fundamento da "unidade fundamental de todos os membros da família humana"
(art. 1º). O genoma é elevado, portanto, a uma categoria universal, definidora da
própria humanidade. Essa definição, entretanto, responde à necessidade de se
estabelecer um padrão que possa garantir a natureza comum para homens de
diferentes credos, etnias e convicções, tornando-os iguais e, portanto, sujeitos de
um mesmo conjunto de direitos. Encontra-se, assim, um referencial seguro para
que se possa elaborar uma normatização com características universais e capaz,
portanto, de ser definida como um direito de toda a humanidade.

Os direitos da pessoa são encarados pela Declaração como repercutindo no


biodireito a ideia mais geral dos direitos humanos. O texto da UNESCO propõe
uma série de medidas que têm por objetivo preservar a autonomia e a saúde
do indivíduo. Encontram-se nesses casos o princípio da dignidade do indivíduo,
que se encontra no princípio bioético da autonomia, independentemente de suas
características genéticas; e o princípio da irredutibilidade do ser humano ao
determinismo genético, o que desmente as falácias dos diferentes argumentos
racistas. O segundo princípio é exemplificado no documento da UNESCO, como
instrumento de garantia da necessidade de permissão prévia para pesquisas,
tratamento ou diagnóstico, e, também, da proteção contra a discriminação

41
UNIDADE 1 | BIOÉTICA, BIODIREITO E BIOTECNOLOGIA

fundada em características genéticas. A preservação do caráter confidencial


dos dados genéticos de uma pessoa representa uma outra face da aplicação do
princípio bioético da autonomia, pois atribui à esfera dos direitos personalíssimos
informações e dados que possam ser usados para a prática da discriminação
social e política. O ponto nevrálgico do documento da UNESCO reside, assim,
na defesa do patrimônio genético dos indivíduos como constitutivo de uma base
empírica na qual se pode construir uma ética e um direito cosmopolita, como
previra Kant.

A  Declaração Universal da UNESCO,  de 1997, estabeleceu, assim, uma


nova categoria de direitos humanos, o direito ao patrimônio genético e a todos os
aspectos de sua manifestação. A concordância dos países signatários, através dos
mecanismos próprios da sociedade democrática, legitima limites aos cidadãos,
grupos sociais e ao próprio Estado, que se obriga em função de normas da
comunidade internacional. Esse documento internacional representa, também,
uma tentativa de criar uma ordem ético-jurídica intermediária entre os princípios
da bioética e a ordem jurídica positiva, o que irá obrigar os países signatários,
como no caso o Brasil, a incorporar as suas disposições no corpo do direito
nacional (Constituição brasileira de 1988, art. 5 º, § 2º).

A questão, portanto, da necessária complementaridade entre os princípios


éticos e as normas jurídicas torna-se explícita, no caso da legislação sobre a
genética, em virtude da incorporação ao direito nacional, por força da norma
constitucional, de normas internacionais, que refletem valores éticos e que se
destinam a todos os povos. A caracterização dos direitos relativos ao genoma
humano como direitos humanos torna, ainda mais evidente, como o documento
da UNESCO vem preencher um vácuo normativo no contexto do direito nacional.
Isso significa que a legislação brasileira sobre engenharia genética – Lei nº 8.501,
de 30 de novembro de 1992; Lei nº 8.974, de 05 de janeiro de 1995 e Lei nº 9.434, de
04 de fevereiro de 1997, complementadas por decretos, regulamentos e resoluções
do Conselho Nacional de Saúde e do Conselho Federal de Medicina, inclusive o
Código de Ética Médica – dependerá para o seu aperfeiçoamento de uma análise
e um amplo debate sobre os princípios e os direitos estabelecidos na Declaração
Universal do Genoma Humano e dos Direitos Humanos. Fará parte integrante desse
processo de aperfeiçoamento legislativo o entendimento, tanto pelo legislador,
como pelo magistrado, de que existe uma complementaridade entre a ética e
o direito. A prática social acha-se, progressivamente, modificada pelas novas
tecnologias, ocupando lugar de destaque nesse processo o papel da ética, que
obriga a revisão de conceitos da doutrina jurídica clássica e a consequente
revolução paradigmática na teoria do direito.

As questões suscitadas pela ciência biológica tornaram evidentes as


relações necessárias, que acontecem no seio de uma sociedade democrática
e pluralista, entre os valores morais e o biodireito. O campo de conhecimento
aberto abrange uma vasta gama de possibilidades. Os problemas suscitados não
se referem somente à questão da vida e suas condições, mas também aqueles
relativos ao fim da vida, que encontra nas diversas legislações relativas à morte

42
TÓPICO 2 | BIOÉTICA À LUZ DOS DIREITOS HUMANOS

assistida e à eutanásia motivo de sérias e inquietantes indagações morais. Essas


interrogações tornam-se matéria a ser julgada pelos tribunais e debatida pela
sociedade civil, sendo necessária a utilização de critérios éticos comuns, vale dizer
racionais, para a busca de soluções. Nesse quadro, a identificação dos direitos
do genoma humano, como sendo uma forma de direitos humanos, constituiu
um progresso, pois forneceu conteúdos jurídicos a princípios éticos, e, por outro
lado, assegurou, também, uma fundamentação moral para a ordem jurídica
do biodireito. Essa relação de complementaridade, entretanto, somente poderá
efetivar-se na medida em que se utilize uma ideia como a do direito cosmopolita,
considerado não como uma forma sofisticada de direito das gentes, mas sim como
um modelo jurídico, que apresenta um conteúdo ético original, característica
que se encontrava implícita na concepção do seu primeiro formulador. Os
direitos humanos, assim entendidos, constituem a formalização desse direito
cosmopolita, primeira manifestação de uma leitura ética do direito e do Estado.
Verifica-se, então, como a aplicação da ideia do direito cosmopolita permite que
se recupere o sentido ético original da ordem jurídica no pensamento kantiano.
A ideia do direito cosmopolita serve, portanto, de categoria racional, para que se
possa realizar um enxerto propriamente ético nos direitos humanos. O desafio
da ética no campo das ciências e tecnologias biológicas representou, em última
análise, um momento privilegiado, em que a hipótese da complementaridade
entre a ética e o direito pôde ser testada e provada, através da explicitação dos
princípios bioéticos sob a forma de direitos humanos.

FONTE: Trecho do artigo: BARRETO, Vicente de Paulo. Bioética, Biodireito e Direitos Humanos.
Disponível na íntegra em: <http://www.dhnet.org.br/direitos/direitosglobais/paradigmas_textos/v_
barreto.html#8>. Acesso em: 12 set. 2017.

43
RESUMO DO TÓPICO 2
Neste tópico, você aprendeu que:

• Os direitos humanos não são somente um dado ou um compilado de normas,


mas direitos construídos historicamente como meio de resguardar a vida em
dignidade. Estão em constante reorganização e reconfiguração, acompanhando
as mudanças sociais e as novas realidades e necessidades emergidas.

• A dignidade humana é fundamento ético basilar do Estado Democrático de


Direito, disposto no artigo 1º, inciso III, da Constituição Federal de 1988. A
dignidade é condição inerente ao ser humano, vinculado à sua essência, e,
desta forma, princípio basilar da bioética.

• Os direitos de personalidade são essenciais para a condição de vida digna


e devem ser assegurados desde o nascimento até sua morte. Possuem como
características: o caráter absoluto; necessários; vitalícios; intransmissíveis;
irrenunciáveis; extrapatrimoniais; imprescritíveis; impenhoráveis.

• Os direitos de personalidade estão intrinsecamente ligados à dignidade da


pessoa humana, de tal forma que os demais direitos são reconhecidos como
bens da vida.

• O Direito à vida é um direito primário, personalíssimo, essencial, absoluto,


irrenunciável, inviolável, imprescritível, indisponível e intangível.

• A Declaração de Bioética e Direitos Humanos é reconhecida como um marco


para a bioética, trata das questões pertinentes relacionadas à biomedicina,
biotecnologia e das questões sanitárias relacionadas à preservação da
biodiversidade e ecossistemas.

44
AUTOATIVIDADE

1 Considere a tira em quadrinhos da Mafalda a seguir:

FONTE: Disponível em: <http://wp.clicrbs.com.br/intercambiando/files/2013/05/mafaldatira.jpg>.


Acesso em: 18 out. 2017.

Com base no que estudamos neste tópico, como você a relaciona com os
acontecimentos históricos e atuais em torno dos direitos humanos e a bioética?

2 Historicamente, a bioética esteve voltada para as práticas


biomédicas e biotecnológicas. Com a homologação da Declaração
Universal sobre Bioética e Direitos Humanos da Unesco, em
2005, a Bioética, segundo Volnei Garrafa (2011), passou a ser
reconhecida como um espaço acadêmico e político, capaz de contribuir
concretamente na discussão de temas da cotidianidade das pessoas, povos e
nações. Foi um passo decisivo para uma ampliação conceitual, incorporando
aspectos anteriormente ignorados no campo da bioética. Discorra sobre a
importância desta Declaração e quais aspectos estão contidos na ampliação
conceitual que dá novas perspectivas à bioética.

45
46
UNIDADE 1
TÓPICO 3

BIODIREITO E
BIOTECNOLOGIA

1 INTRODUÇÃO
A finalidade deste estudo é discutir o impacto da biotecnologia nos dias
atuais, e os principais desafios bioéticos e do biodireito decorrentes dos avanços
tecnológicos e seu impacto sobre a vida.

A revolução tecnológica na agricultura, o desenvolvimento de


medicamentos e técnicas cirúrgicas, descobertas pela pesquisa genética da
cura de doenças, as plantas e animais transgênicos, a clonagem, são alguns dos
conhecimentos e descobertas tecnocientíficas que a Era da Biotecnologia trouxe
para a humanidade.

Essas novas realidades alteraram as relações sociais, familiares e


trabalhistas, ocasionando implicações éticas e jurídicas, e a necessidade de
regulação para que o uso da tecnologia proveniente dessas pesquisas seja benéfico
para a sociedade.

2 BIOTECNOLOGIA
A Organização das Nações Unidas definiu biotecnologia como “qualquer
aplicação tecnológica que utilize sistemas biológicos, organismos vivos, ou seus
derivados, para fabricar ou modificar produtos ou processos para utilização
específica” (ONU, 1992, p. 9).

NOTA

BIOTECNOLOGIA = bio (vida) + tecno (uso prático da tecnologia) + logia


(conhecimento).

47
UNIDADE 1 | BIOÉTICA, BIODIREITO E BIOTECNOLOGIA

Para Maluf (2015, p. 27), a biotecnologia:

[...] é uma ciência tecnológica aplicada no ramo da biologia capaz


de produzir, ou modificar organismos vivos ou derivado destes,
para uso específico, transferir genes de um organismo para o outro,
sendo esta transferência genética uma de suas principais ferramentas,
proporcionando, desta feita, a melhoria dos métodos de produção e
comercialização de produtos contendo processos biotecnológicos.

A biotecnologia envolve a aplicação de processos biológicos para a


produção de materiais e substâncias para uso industrial, medicinal e farmacológico.
Apesar de seus inúmeros benefícios, a biotecnologia tem gerado uma série de
preocupações envolvendo os riscos e impactos das alterações genéticas.

As possibilidades, antes inimagináveis, alcançadas pelo avanço na tecnologia


trazem a necessidade de buscarmos outros paradigmas políticos, sociais, jurídicos e
ambientais capazes de acompanhar as novas demandas e dilemas sociais e o papel da
ciência (MALUF, 2015). Há a premência no estabelecimento de limites procedimentais
éticos e jurídicos à pesquisa tecnológica, de modo que não a inviabilize, mas tratem
da responsabilidade, dos meios e do cuidado para com a vida.

2.1 ATIVIDADES BIOTECNOLÓGICAS


Para compreender melhor a amplitude da área da biotecnologia, iremos
conhecer algumas de suas principais atividades.

A criação da vida artificial

Uma descoberta da célula artificial, a primeira forma de vida sintética,


representou um marco na biotecnologia mundial. Essas pesquisas possibilitaram
o mapeamento do genoma total das espécies. A criação de uma célula sintética
com um código genético sintético autônomo trouxe grande expectativa na
comunidade científica internacional, mas também gerou inúmeras preocupações,
uma vez que pode produzir amplos benefícios para a humanidade, com sua
aplicação na indústria, na medicina, alimentos, combustíveis alternativos, mas
pode ter efeitos nocivos se utilizada de forma indevida.

A engenharia genética

Refere-se à utilização das estruturas e conhecimentos científicos frente à


alteração da constituição genética de células/organismos, através da manipulação
de genes. Atuando sobre outro organismo nova característica genética. As
informações obtidas com o mapeamento do genoma humano podem proporcionar
conhecimentos capazes de compreender o funcionamento do corpo humano,
e o desenvolvimento de mecanismos para tratamentos de doenças. Entretanto,
esse desenvolvimento tem promovido vários questionamentos sobre os riscos à
integridade do ser humano.
48
TÓPICO 3 | BIODIREITO E BIOTECNOLOGIA

Biopirataria e a bioviolência

A biopirataria se caracteriza por uma atividade que utiliza de determinado


recurso vivo (genético) de um Estado para outro, ou mesmo pela iniciativa privada.
Seria a exploração indevida, de forma clandestina, do patrimônio genético de um
país, sem qualquer consentimento ou pagamento ao mesmo.

Bioviolência é a criação de uma estrutura de violência criada


premeditadamente através de micro-organismos vivos tendo em vista objetivo
de destruição. Podem causar gripes, febres etc., também são desta categoria as
bioarmas, como o antraz, o ebola etc. Assim como existem vários tratados para
regulamentar conflitos bélicos, urge atenção para ações que coíbam a bioviolência.

A bionanotecnologia

Concentra-se na elaboração e manipulação de propriedades físicas na


dimensão nano. Devido ao seu desenvolvimento e importância, a biotecnologia
está em várias áreas, que vão da computação à física quântica. As pesquisas recentes
têm proporcionado um elevado sucesso da bionanotecnologia, propiciando
avanços para a medicina, a farmácia e/ou mesmo a indústria automobilística. A
bionanotecnologia, difundida no mundo inteiro, acaba por despertar interesses
diversos, importando na discussão da segurança biológica devido às implicações
de suas aplicações na área da medicina, do meio ambiente e também pelo seu uso
para o militarismo.

2.2 REGULAÇÃO LEGAL DA BIOTECNOLOGIA


A Lei nº 11.105, de 24 de março de 2005, conhecida como Lei de
Biossegurança, estabelece normas de segurança e mecanismos de fiscalização
de atividades que envolvam organismos geneticamente modificados – OGM e
seus derivados, cria o Conselho Nacional de Biossegurança – CNBS, reestrutura a
Comissão Técnica Nacional de Biossegurança – CTNBio e dispõe sobre a Política
Nacional de Biossegurança – PNB.

A Lei de Biossegurança regulamenta os incisos II, IV e V do § 1º do art.


225 da Constituição Federal, no que concerne à preservação da diversidade e
integridade do patrimônio genético do país, bem como introduz mecanismos
de fiscalização às entidades dedicadas à pesquisa e manipulação de material
genético. Envolve também meio de controle da produção, comercialização e
emprego de técnicas, métodos e substâncias que comportem risco para a vida,
qualidade de vida e o meio ambiente.

49
UNIDADE 1 | BIOÉTICA, BIODIREITO E BIOTECNOLOGIA

FIGURA 6 – CHARGE SOBRE OS DILEMAS DA PESQUISA COM CÉLULAS-TRONCO

FONTE: Disponível em: <http://embriaoeconomistask.blogspot.com.br/2010/08/charge-


biologia.html>. Acesso em: 25 out. 2017.

O fundamento da biossegurança é compreender e normatizar medidas


para prevenir e mitigar os efeitos adversos da biotecnologia, com prioridade na
proteção da saúde humana, animal e do meio ambiente, a fim de assegurar o
avanço dos processos tecnológicos com menor risco (MALUF, 2015).

O conteúdo desse instrumento provocou tensões na comunidade científica


e na sociedade, por regulamentar dois temas bem polêmicos: a produção e
comercialização de organismos geneticamente modificados e a pesquisa com
células-tronco.

2.3 IMPACTOS DA BIOTECNOLOGIA


O desenvolvimento da biotecnologia traz sérias consequências, como “o
risco de desastre ambiental; a construção de armas bacteriológicas; a alteração da
biodiversidade; a criação de seres artificiais que jamais existiriam naturalmente.
Representa, nesse sentido, ‘uma faca de dois gumes’” (MALUF, 2015, p. 34).

A biotecnologia também acaba por gerar uma série de impactos ao meio


ambiente provocados pela engenharia genética. Com o desenvolvimento de
diversos produtos da flora e fauna com alteração em sua composição genética,
estes são introduzidos no meio ambiente, sem que se possa dimensionar os reais
impactos e consequências futuras.

Constituem-se enquanto impactos a criação dos novos direitos oriundos


das descobertas biotecnológicas, a biologização do ser humano e a ausência de
limites biológicos, o desequilíbrio ecológico das espécies, a transformação de

50
TÓPICO 3 | BIODIREITO E BIOTECNOLOGIA

valores, os novos ramos da experimentação científica, as novas relações advindas


das tecnologias, a busca de meios para ausência de enfermidades, risco de padrões
de eugenia com a manipulação genética, entre outros.

FIGURA 7 – TIRA DE QUADRINHOS SATIRIZA OS AVANÇOS DA BIOLOGIA MOLECULAR POR


MEIO DA MANIPULAÇÃO GENÉTICA EM DIVERSOS SERES

FONTE: Disponível em: <http://docplayer.com.br/docs-images/27/11283605/images/24-0.png>.


Acesso em: 14 nov. 2017.

Maria Helena Diniz (2008) aponta os riscos inerentes à prática


biotecnocientífica, os riscos biológicos e os ecológicos, conforme sistematização
no quadro a seguir:

QUADRO 2 - RISCOS INERENTES À PRÁTICA BIOTECNOCIENTÍFICA

FONTE: Adaptado de Diniz (2008, p. 11)

51
UNIDADE 1 | BIOÉTICA, BIODIREITO E BIOTECNOLOGIA

3 BIOTECNOLOGIA, BIOSSEGURANÇA E BIODIREITO EM


ÂMBITO NACIONAL E INTERNACIONAL
As descobertas nas pesquisas na área da biotecnologia despertaram
a necessidade de regulação dessas atividades, amparada por instrumentos
normativos de proteção e respeito à vida. Nos últimos anos, diversos documentos
internacionais relacionados à bioética e aos direitos humanos foram elaborados.
Analisaremos a seguir alguns deles devido à relevância do tema.

Declaração Universal dos Direitos Humanos (1945)

É um dos documentos internacionais mais importantes para a bioética, por


sua relevância política e social. Prevê em seu preâmbulo a dignidade da pessoa
humana como fundamento da liberdade, justiça e da paz, e para a determinação
de todos os direitos humanos decorrentes dessa premissa. Não há direito humano
que exista sem a defesa da dignidade e do valor da pessoa humana.

Retoma em seu texto todo o contexto histórico de sua criação, considerando


necessária e premente a garantia dos direitos essenciais para o ser humano, e sua
proteção das opressões e tiranias ocorridas em tempos de guerra. Deste modo,
impõe aos Estados o comprometimento para promoção do respeito aos direitos
humanos e a garantia da paz.

Trata dos direitos civis e políticos, da liberdade do ser humano, da


proteção ao direito à vida, a não submissão a tratamentos cruéis e de tortura,
e dos direitos individuais basilares humanos relacionados à sua personalidade
jurídica. Assegura direitos humanos básicos e essenciais ao ser humano de modo
universal e em plena relação de igualdade, liberdade e equidade.

Convenção das Nações Unidas sobre a Diversidade Biológica (1992)

O texto oriundo desta Convenção foi assinado durante a Conferência das


Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, realizada na cidade do
Rio de Janeiro, em 1992. O documento objetiva o compromisso entre os Estados
signatários na conservação da diversidade biológica, a utilização sustentável
de seus componentes e a repartição justa e equitativa dos benefícios derivados
da utilização dos recursos genéticos, mediante o acesso adequado aos recursos
genéticos e a transferência adequada de tecnologias pertinentes, levando em
consideração os direitos sobre tais recursos e tecnologias.

Assim, sustenta a obrigação dos Estados pela conservação de sua


diversidade biológica e pela utilização sustentável de seus recursos biológicos.
Prima, também, pela importância da diversidade biológica para a evolução
e para a manutenção dos sistemas necessários à vida da biosfera. E evidencia
o compromisso coletivo pela consciência do valor intrínseco da diversidade
biológica e dos valores ecológico, genético, social, econômico, científico,
educacional, cultural, recreativo e estético da diversidade biológica e de seus
componentes.

52
TÓPICO 3 | BIODIREITO E BIOTECNOLOGIA

Convenção sobre Direitos do Homem e a Biomedicina (1996)

Este instrumento jurídico, considerando diversos documentos anteriores,


teve como objetivo a proteção do ser humano. Adverte que o mau uso da biologia
e da medicina pode colocar em risco a dignidade humana, e prescreve em seu
artigo 2º que “o interesse e o bem-estar do ser humano devem prevalecer sobre o
interesse único da sociedade ou da ciência”.

Declaração Universal sobre o Genoma Humano e os Direitos Humanos (1997)

Diante das questões suscitadas pelo Projeto Genoma Humano, foi


elaborado pela Unesco um documento que estabelece diretrizes para as pesquisas
genéticas respeitando os direitos e garantias individuais.

O Projeto Genoma Humano iniciou em 1990, por meio de um consórcio


internacional, com o objetivo de mapear e descrever o genoma humano, descobrir
os genes da sequência do DNA, como meio de desenvolver estudos da biologia
e medicina. Esse projeto foi alvo de questionamentos, tornando necessária a
normatização jurídica dos dados genéticos.

Essa declaração visa à defesa dos direitos do homem, de forma universal,


independente das características genéticas de cada ser humano – Dignidade
Humana e o Genoma Humano, ao proibir discriminações que sejam fundadas
em dados genéticos.

Defende o tratamento igualitário de todos os indivíduos e dá ênfase à


necessidade de proteção da integridade física, para que o fundamento legal da
dignidade da pessoa humana seja respeitado, acima de qualquer possível desejo
de avanço científico. Aborda sobre a responsabilidade dos pesquisadores e sobre
a sua conduta ética.

Estabelece que o genoma humano não pode ser objeto de lucro financeiro
e ampara o respeito aos direitos humanos daqueles envolvidos na pesquisa
científica. Resguarda a autonomia do indivíduo de poder optar por participar ou
não da pesquisa científica, com a imputação da obrigatoriedade da obtenção do
consentimento livre e esclarecido da pessoa.

Os princípios bioéticos da beneficência e da não maleficência são


observados, quando determina que pesquisas envolvendo o genoma humano
só sejam realizadas após uma análise dos benefícios e riscos que o experimento
poderá imputar ao indivíduo.

Declaração Internacional sobre os Dados Genéticos Humanos (2003)

Esta declaração originou-se da necessidade de elaboração de um documento


específico, para tratar sobre as questões que envolvem os dados genéticos humanos.
Seu principal objetivo foi de reforçar a importância da observância da bioética e da
biotecnologia, pelo Direito Internacional. Portanto, complemento necessário para o
esclarecimento de questões cruciais e específicas, não especificadas pela Declaração
Universal sobre Genoma Humano e Direitos Humanos (1997).

53
UNIDADE 1 | BIOÉTICA, BIODIREITO E BIOTECNOLOGIA

No que concerne à manipulação de material genético humano, é taxativa


na obrigação de sua realização em conformidade com o Direito Internacional
relativo aos direitos humanos. Compreende que o indivíduo não se reduz apenas
às suas características genéticas específicas, sendo determinado por diversos
fatores, dentre os quais suas características pessoais, sua educação, ambiente em
que vive, relações afetivas, sociais, espirituais e culturais.

Seu conteúdo reitera o interesse em proteger os direitos humanos e


as liberdades fundamentais dos indivíduos. Os princípios da autonomia e a
necessidade de expressão do consentimento livre e esclarecido também são
abordados por essa Declaração.

Declaração Universal sobre Bioética e Direitos Humanos (2005)

Instrumento normativo internacional adotado pela UNESCO para tratar


das questões éticas suscitadas pela medicina, ciências da vida e tecnologias
associadas na sua aplicação aos seres humanos. Em 19 de outubro de 2005,
foi adotada por aclamação pela unanimidade dos 191 Estados membros da
Organização, em sua 33ª Conferência Geral.

Promoveu a discussão da bioética mais democrática e preocupada com


a atuação da ciência em prol de uma igualdade social. Com conceito da bioética
menos restritivo, ampliando ao campo da saúde e das questões ecológicas.
Determina como um dos seus principais objetivos a facilitação de acesso igualitário
a todos os países e indivíduos, em especial os países em desenvolvimento, que são
mais carentes de ajuda, aos novos avanços científicos, médicos e biotecnológicos.

Esta declaração tutela: a dignidade humana e direitos humanos, beneficência


e a não maleficência, a autonomia e responsabilidade individual, o consentimento
livre e esclarecido, o respeito pela vulnerabilidade humana e pela integridade
individual, a privacidade e confidencialidade, a igualdade formal e material,
a justiça e a equidade, a não discriminação e a não estigmatização, o respeito
pela diversidade cultural e pelo pluralismo, a solidariedade e a cooperação, a
responsabilidade social e a saúde, o compartilhamento de benefícios, a proteção das
gerações futuras e a proteção do meio ambiente, da biosfera e da biodiversidade.

54
TÓPICO 3 | BIODIREITO E BIOTECNOLOGIA

LEITURA COMPLEMENTAR

Ética e Genética de mãos dadas

Preocupação com biossegurança na engenharia genética cresceu junto


com o desenvolvimento das técnicas de modificação do DNA

Ao longo das últimas décadas, foram desenvolvidas várias técnicas que


permitiram aos pesquisadores modificar o DNA de seres vivos para alterar
suas características. O avanço no uso desses métodos em laboratório suscitou a
ampliação do debate sobre os potenciais riscos biológicos e os aspectos éticos
desse tipo de pesquisa.

União da biologia molecular com a genética revelou um novo mundo


para os pesquisadores da área ao permitir a realização de modificações no
genoma de um ser vivo. A possibilidade de ‘editar’ (ou modificar) o DNA surgiu
em 1974, com um método conhecido como TALEN (Transcription Activator­ Like
Effector Nucleases). Nele, as chamadas enzimas de restrição funcionavam como
‘tesouras genéticas’, permitindo separar o DNA em locais específicos. Era o início
da engenharia genética.

As repercussões sobre a possibilidade de alterar a sequência do DNA, em


vez de apenas descrevê-la, inquietaram os próprios cientistas. Alguns deles, como
o químico Paul Berg, o microbiologista David Baltimore e o geneticista James
Watson, todos norte­-americanos e ganhadores do Prêmio Nobel, encaminharam,
ainda em 1974, uma carta às três mais representativas revistas científicas da
época –  Science,  Nature  e  Proceedings of National Academy of Sciences  – alertando
sobre os potenciais riscos biológicos associados a essa nova técnica. Os autores
propuseram uma moratória voluntária das pesquisas – acatada amplamente nas
universidades e indústrias –, alegando que os riscos desconhecidos mereciam
grande discussão entre cientistas e sociedade.

As repercussões sobre a possibilidade de alterar a sequência do DNA,


em vez de apenas descrevê­-la, inquietaram os próprios cientistas

Em 1975, esse mesmo grupo de pesquisadores, com o apoio de órgãos


do governo norte­americano e de fundações privadas, realizou o Congresso
Internacional sobre Mo­léculas de DNA Recombinante, em Asilomar, na
Califórnia (EUA). No documento final do encontro, foram propostas normas de
biossegurança para a realização de pesquisas que envolvessem modificações no
DNA, especificando cuidados com instalações, vestimentas e procedimentos.
Além disso, os projetos foram divididos de acordo com os materiais biológicos
en­volvidos: bactérias, vírus ou células provenientes de plantas e animais.

A grande questão presente naquela época era a pouca precisão que a


técnica TALEN tinha. Os fragmentos de DNA eram separados e, posteriormente,
reorganizados, sem uma garantia de qual segmento específico estava sendo retirado
ou recolocado na sequência. Daí surgiu a necessidade de se usar o ‘princípio da
precaução’, que estabelece que, quando uma situação pode ter algum resultado
prejudicial, devem ser previstas as medidas para impedir ou minimizar a sua
55
UNIDADE 1 | BIOÉTICA, BIODIREITO E BIOTECNOLOGIA

ocorrência. No ano seguinte, em 1976, com base no documento de Asilomar, o governo


norte­americano estabeleceu normas para a pesquisa com DNA recombinante, ou
seja, que resulta na combinação de diferentes sequências de DNA.
 
Novas técnicas, novos dilemas

A busca por aperfeiçoar a edição de DNA levou ao desenvolvimento de


uma nova técnica, denominada ZFN (sigla em inglês para Nucleases de Dedos de
Zinco), que melhorou a precisão com que as sequências de DNA eram manipuladas
em laboratório. Essa técnica não teve maiores repercussões éticas e, portanto, não
alterou as regras de biossegurança estabelecidas em documentos oficiais.

O passo seguinte foi a técnica CRISPR (sigla em inglês para Repetições


Palindrômicas Curtas Regularmente Interespaçadas), mais simples e precisa
para editar sequências de DNA (ver ‘Edição de genomas: arma para o controle
de insetos transmissores de doenças’, nesta edição). Por essa maior precisão, as
antigas ‘tesouras genéticas’ passaram a ser chamadas de ‘bisturis genéticos’.

A principal questão colocada é se os cientistas têm o direito de gerar


intencionalmente linhagens de animais portadores de doenças tão graves

Assim como a ZNF, a CRISPR não gerou qualquer intranquilidade.


Antes de uma ampla discussão sobre seus usos e efeitos, muitas aplicações já
estavam incorporadas à indústria. Mas, no início de 2014, mais de 10 anos após
o surgimento dessa técnica, a divulgação de que pesquisadores chineses haviam
alterado, com sucesso, sequências específicas de DNA em macacos utilizando
CRISPR afligiu a comunidade científica. Isso possibilitaria a geração de macacos
com doenças humanas, como os males de Parkinson e Alzheimer, para servir
de modelo para pesquisa – algo que já é feito com outras espécies animais,
como ratos e camundongos. A reação inicial favorável a essas pesquisas foi
acompanhada por questionamentos sobre sua adequação a espécies com tão alto
grau de desenvolvimento. A principal questão colocada é se os cientistas têm o
direito de gerar intencionalmente linhagens de animais portadores de doenças
tão graves. Outro ponto de debate é a possibilidade de patenteamento dessas
linhagens e a consequente apropriação desse patrimônio genético por algumas
companhias ou pessoas.

Em seguida, houve a publicação de artigos relatando o uso da técnica


CRISPR em células germinativas humanas, que dão origem a espermatozoides
e óvulos, capazes de transmitir as novas características derivadas do genoma
modificado às futuras gerações. Então, um grupo de cientistas, liderado por
David Baltimore e Paul Berg, publicou, em 2015, uma nova carta na revista
Science, apresentando quatro propostas para reflexão sobre o uso de CRISPR. A
primeira delas era justamente a de desencorajar a realização de pesquisas com
linhagens germinativas.

Sem barreiras regulatórias

Caso algum pesquisador brasileiro desejasse fazer pesquisa usando


essa técnica em embriões humanos, não encontraria barreiras regulatórias. Na
ausência de uma legislação específica sobre pesquisa em seres humanos e sobre
56
TÓPICO 3 | BIODIREITO E BIOTECNOLOGIA

reprodução assistida, os documentos que orientam essas práticas são as resoluções


do Conselho Nacional de Saúde (CNS), para a pesquisa em seres humanos, e do
Conselho Federal de Medicina (CFM), para a reprodução assistida.

Quanto à pesquisa com embriões, a Resolução CNS 466/2012 não menciona


qualquer referência específica, salvo a necessidade de avaliação pelo Comitê de
Ética em Pesquisa (CEP) e pela Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (Conep).
Essa avaliação deveria ser baseada em aspectos éticos, e não de cunho legal ou
regulatório.

Por outro lado, a recente Resolução CFM 2.121/2015 permite que, nos
procedimentos de reprodução assistida, “embriões submetidos a diagnóstico de
alterações genéticas causadoras de doenças” podem ser doados para pesquisa.
A mesma resolução estabelece que o tempo máximo de desenvolvimento de
embriões in vitro é de 14 dias. Antes disso, a Lei de Biossegurança já havia aberto
a possibilidade de que embriões congelados em 2005, ou que já estivessem
congelados há três anos quando da aprovação da lei, em março de 2005, pudessem
ser doados à pesquisa.

A questão de fundo é aceitar ou não a possibilidade de manipular


embriões humanos para fins exclusivos de pesquisa, tenham eles ou não a
possibilidade de se desenvolverem em estágios mais avançados.

O debate está aberto e as respostas são múltiplas. Já existem inúmeras


propostas para a realização de encontros visando discutir o tema, entre elas, a
de uma reunião entre as principais sociedades científicas dos Estados Unidos, do
Reino Unido e da China. A lição de Asilomar ainda é útil e adequada. A própria
carta publicada na Science em 2015 sugere a criação de fóruns de discussão
específicos sobre o tema, mas com ampla representatividade.

As pesquisas não devem ser banidas, o método não deve ter seu uso
impedido, mas é fundamental e necessária uma reflexão para verificar a sua
adequação às diferentes situações de pesquisa que estão sendo propostas.
Estabelecer uma moratória para as pesquisas envolvendo edição de DNA em
linhagens celulares germinativas é uma alternativa prudente para que sejam
estabelecidos critérios mínimos e comuns de adequação. Esses critérios deverão
ser utilizados internacionalmente, para evitar que a realização das pesquisas seja
direcionada para países com menor rigor na avaliação ética.

Finalmente, outra questão importante que deve ser levantada é a da


submissão de pesquisas consideradas inadequadas eticamente para publicação
em periódicos. Nesses casos, os editores deveriam não apenas rejeitar a publicação,
mas também relatar a situação a um órgão internacional capaz de avaliar o
caso em profundidade e tomar as medidas cabíveis, quando a inadequação for
comprovada. Com essa avaliação prévia, as consequências da publicação de um
artigo inadequado do ponto de vista ético podem ser evitadas. Essa transparência
beneficiaria não apenas os periódicos, mas também a comunidade científica e a
própria sociedade.
 
FONTE: Disponível em: <http://www.cienciahoje.org.br/revista/materia/id/1100/n/etica_e_geneti
ca:_de_maos_dadas>. Acesso em: 26 out. 2017.

57
RESUMO DO TÓPICO 3
Neste tópico, você aprendeu que:

• A biotecnologia é definida pela Organização das Nações Unidas como


qualquer aplicação tecnológica que utilize sistemas biológicos, organismos
vivos, ou seus derivados para fabricar ou modificar produtos ou processos
para utilização específica.

• A Lei de Biossegurança regulamenta os incisos II, IV e V do § 1º do art. 225


da Constituição Federal, a preservação da diversidade e integridade do
patrimônio genético do país introduz mecanismos de fiscalização às entidades
dedicadas à pesquisa e manipulação de material genético.

• São atividades e descobertas biotecnológicas: a criação da vida artificial, a


engenharia genética, a biopirataria e a bioviolência, a bionanotecnologia.

• Os riscos inerentes às práticas biotecnológicas podem ser classificados em:


riscos biológicos e ecológicos.

58
AUTOATIVIDADE

1 Defina o que é biotecnologia:

2 É notória a importância da biotecnologia na cura de doenças e na


melhoria da vida. Entretanto, as descobertas científicas nesta área
e a expansão de aplicações indevidas trouxeram preocupações
quanto aos seus impactos. Frente a isso, com base em seus
estudos, descreva alguns dos principais impactos e riscos da biotecnologia.

59
60
UNIDADE 2

BIODIREITO E EXPERIMENTAÇÕES
CIENTÍFICAS EM SERES
HUMANOS E ANIMAIS

OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
A partir desta unidade, você será capaz de:

• conhecer sobre a pesquisa em seres humanos;

• compreender os princípios ético-jurídicos;

• conhecer sobre métodos alternativos;

• diferenciar engenharia genética e biotecnologia;

• conhecer o projeto genoma humano;

• explorar a legislação sobre os dados genéticos humanos;

• aprender sobre clonagem humana;

• estudar sobre alimentos transgênicos;

• saber sobre os impactos, riscos e segurança alimentar;

• compreender a biossegurança de plantas transgênicas.

PLANO DE ESTUDOS
Esta unidade está dividida em quatro tópicos. No decorrer da unidade você
encontrará autoatividades com o objetivo de reforçar o conteúdo apresentado.

TÓPICO 1 – PESQUISA COM SERES HUMANOS E ASPECTOS ÉTICO-


JURÍDICOS

TÓPICO 2 – ENGENHARIA GENÉTICA E PESQUISAS COM GENOMA


HUMANO

TÓPICO 3 – CLONAGEM E BIODIREITO

TÓPICO 4 – ORGANISMOS GENETICAMENTE MODIFICADOS: A QUESTÃO


DOS ALIMENTOS TRANSGÊNICOS

61
62
UNIDADE 2
TÓPICO 1

PESQUISA COM SERES HUMANOS E


ASPECTOS ÉTICO-JURÍDICOS

1 INTRODUÇÃO
Caro acadêmico, seja bem-vindo a esta caminhada para estudar e
compreender questões relacionadas com a pesquisa com seres humanos e
aspectos ético-jurídicos.  

A finalidade deste estudo é para que você receba as informações e construa


seu próprio conhecimento referente ao tema central, para que consiga discutir
o significado de Biodireito e experimentações científicas em seres humanos
e animais, dentro do novo mundo moderno e rico em pesquisas, visando o
desenvolvimento na sua trajetória profissional.

O termo pesquisa se refere a um tipo de atividade estruturada para


desenvolver ou contribuir para o conhecimento propagável. Esse conhecimento
consiste em teorias, princípios ou acúmulos de informações que podem ser
corroborados por métodos científicos. No presente contexto, a palavra pesquisa
inclui os estudos médicos e de comportamentos relativos à saúde humana.

Os conteúdos que trataremos neste tópico dizem respeito à evolução da


pesquisa com seres humanos, seu histórico, aspectos legais no âmbito nacional e
internacional, responsabilidade civil em face das pesquisas em seres humanos:
efeitos do consentimento livre e esclarecido, métodos alternativos e, por fim, o
comitê de ética em pesquisa.

Vamos aos estudos!

2 PESQUISA COM SERES HUMANOS


O Homem, no intuito de aprofundar seus conhecimentos e comprovar
teorias, gradativamente foi pesquisando e instituindo novos métodos, e ao fazer isso
rompeu as barreiras do senso comum e criou a ciência (OLIVEIRA; NUNES, 2006).

A pesquisa ocorre de forma constante e acelerada, diversas áreas utilizam


esse mecanismo para melhorar e obter maior rapidez nos resultados, dentre essas
áreas, destacam-se a biomédica ou ciências biológicas, as quais proporcionaram e
vêm proporcionando grandes descobertas sobre a fisiologia humana e os processos
63
UNIDADE 2 | BIODIREITO E EXPERIMENTAÇÕES CIENTÍFICAS EM SERES HUMANOS E ANIMAIS

patológicos, estes últimos responsáveis pelas doenças. Segundo Almeida (2009,


p. 14): “Além do conhecimento sobre as causas das doenças e sua evolução, essas
pesquisas trouxeram a perspectiva do desenvolvimento de novas tecnologias
biomédicas para o controle ou até mesmo a cura dessas doenças”.

A industrialização trouxe consigo, além da modernização, o avanço


tecnológico e a valorização da ciência em detrimento do homem e de seus valores.
Os avanços tecnológicos também ocorreram na área da saúde, com a introdução
da informática e do aparecimento de aparelhos modernos e sofisticados que
trouxeram muitos benefícios e rapidez na luta contra as doenças. Essa tecnologia
moderna, criada pelo homem a serviço do homem, tem contribuído em larga
escala para a solução de problemas antes sem solução, e pode resultar em
melhores condições de vida e saúde para o paciente (BARRA et al., 2006).

A realização dos experimentos em seres humanos pode expor a saúde


individual e coletiva de pessoas que indiretamente não serão beneficiadas pelos
resultados da pesquisa. Nesse contexto, as discussões da ética nos ensaios clínicos
despertam o interesse de pesquisadores e ocasionam grandes debates. A pesquisa
clínica é fundamental para a melhoria da qualidade de vida das populações, mas
a questão que emerge é: Até que ponto pode-se permitir a participação de pessoas
em estudos dessa natureza, em função dos avanços da Medicina? Visto que o
limite ético das investigações e experimentos em seres humanos está entre a real
necessidade da experimentação científica e a violação do direito à saúde (MORO;
MATTOS; SARTOLI, 2011).

Caro acadêmico, para que haja o desenvolvimento constante da ciência e,


consequentemente, qualidade de vida na sociedade, faz-se necessária a realização de
pesquisas com humanos, porém, muitas vezes, estas pesquisas podem ser maléficas e/
ou trazer algum risco para os sujeitos participantes das pesquisas. Dessa forma, outra
problemática precisa ser discutida e estudada: a ética na realização das pesquisas.
Assim, a ética se aprofunda nos mais complexos questionamentos que surgiram
desde as primeiras pesquisas realizadas em humanos e ultrapassa as barreiras no
decorrer da trajetória profissional dos pesquisadores, até o fim de suas carreiras.

2.1 HISTÓRICO
A partir de agora, entraremos na história da ética em pesquisa com
seres humanos. Veremos que a história da pesquisa envolvendo seres humanos
percorreu diversos caminhos, sendo muitas vezes perversos e duvidosos,
apresentando episódios cercados de misticismo e crueldade. Ainda assim, houve
momentos de consciência e justiça humanitária, em que se tentou estabelecer
padrões adequados para o estudo em humanos.

Desde a Grécia antiga já havia relatos de pesquisas em seres humanos


e animais, porém não eram científicas e sim por questões morais e religiosas.
Hipócrates modificou isso, separou a medicina da religião e da magia, afastou as
64
TÓPICO 1 | PESQUISA COM SERES HUMANOS E ASPECTOS ÉTICO-JURÍDICOS

crenças sobre as doenças e fundou os alicerces da medicina racional e científica.


E se fez presente a preocupação com a ética médica, como visto no Juramento de
Hipócrates (PUCCI, 2009).

DICAS

Para conhecer o Juramento de Hipócrates, você pode acessar: <http://books.


scielo.org/id/8kf92/pdf/rezende-9788561673635-04.pdf>. Acesso em: 15 jan. 2018.

A história também reconheceu os estudos em cadáveres. André Vesálio


(1514-1564) foi um dos primeiros a quebrar o tabu teológico e moral de estudar
a anatomia humana por meio de cadáveres, o que na época era considerado um
sacrilégio, a menos que se tratasse de um homem criminoso. Em 1537, Clemente
VII oficializou a autorização da dissecação anatômica em cadáveres humanos
(KOTTOW, 2008).

FIGURA 8 – ANDRÉ VESÁLIO (1514-1564) DISSECANDO CADÁVER DE UMA MULHER, PARTE


DA CAPA DE SEU LIVRO “DE HUMANI CORPORIS FABRICA”

FONTE: Disponível em: <https://www.terra.com.br/noticias/ciencia/livro-de-1543-ensina-


anatomia-em-ilustracoes-exuberantes,0f916346a0c0a410VgnVCM4000009bcceb0aRCRD.
html>. Acesso em: 20 dez. 2017.

65
UNIDADE 2 | BIODIREITO E EXPERIMENTAÇÕES CIENTÍFICAS EM SERES HUMANOS E ANIMAIS

A partir de então se deu o início da ciência experimental, para muitos


autores tem início no século XVI com Galileu Galilei (1564-1642) como pioneiro,
o qual clamava sempre que a verdade deveria ser buscada na experimentação e
na observação, e não aceita como algo imposto por escolásticos (HOSSNE, 2006).

Max Weber (1864-1920) defendeu a ideia de que a ciência ganha da


sociedade o encargo de solucionar alguns problemas, sendo esses resultados
aplicados como prioridades também sociais, sendo a ciência então regulada
por estes dois momentos sociais, eminentemente éticos, por lidar com valores
(KOTTOW, 2008).

Observa-se, caro acadêmico, que as questões éticas advindas e/ou


relacionadas aos novos conhecimentos que surgiam a todo instante nesse período
da história até as primeiras décadas do século XX eram tratadas principalmente
de acordo com a ética e virtude do próprio pesquisador (HOSSNE, 2006). Como
é o caso do médico inglês Edmund Jenner (1796), que ao estudar uma vacina
contra a varíola, coordenou seus estudos em seus filhos e nas crianças vizinhas,
colocando-os em risco. Todavia, publicou seus resultados após 20 anos, devido a
seus deslizes ético-morais (KIPPER, 2010).

Existiu também o caso do Dr. Albert Neisser (1900), cientista que estudou
e teve papel relevante no diagnóstico diferencial entre a sífilis e a gonorreia, foi
autor do mais abrangente trabalho experimental sobre sífilis publicado na história.
Relatam que ele injetou soro de um paciente com sífilis por via subcutânea em
quatro pacientes do gênero feminino com idade entre 10 a 24 anos. E também
injetou por via endovenosa em quatro prostitutas de idades entre 17 a 20 anos.
Todas desenvolveram sífilis, entretanto a metodologia adotada por ele é citada
como infração à bioética (LIGON, 2005).

Na época também ocorreu autoexperimentação, Sertürner estuda em si


mesmo os efeitos da morfina; Hunter se autoinoculou material extraído de um
cancro luético; para conhecer as propriedades do óxido nitroso, Davy inalou;
Eusébio Valli injetou uma mistura de pus variólico; Lazzaro Spallanzani estudou
o mecanismo da digestão, ingerindo repetidamente tubinhos com alimentos;
Pettenkoffer ingeriu bacilos de cólera; e Lindermann injetou em si mesmo a
espiroqueta da sífilis (SGRECCIA, 2009).

Em 1901, Walter Reed já apontava alguns requisitos para haver um mínimo


de ética em pesquisa, principalmente com o consentimento dos participantes, bem
como o pagamento em dinheiro pela participação deles nos estudos (GUILHEM;
DINIZ, 2005). Sugeria, ainda, que em casos de publicação dos resultados deveria
constar a frase “com total consentimento do sujeito”. No entanto, essas exigências
foram desconsideradas por longo período (KIPPER, 2010).

Pierre-Charles Bongrand demonstrou, em 1905, uma extensa lista de


experimentos e autoexperimentos biomédicos em seres humanos, chegando à
conclusão de que, em prol da ciência, esses estudos, ainda que “imorais”, eram

66
TÓPICO 1 | PESQUISA COM SERES HUMANOS E ASPECTOS ÉTICO-JURÍDICOS

“ocasionalmente necessários”. As pesquisas eram realizadas com os moribundos,


os prisioneiros e os condenados à morte, mas não as pessoas vulneráveis, como
os pobres, as crianças e as mulheres grávidas. Mencionando o consentimento
voluntário e a necessidade de compensações (KIPPER, 2010).

Em 1914, a Alemanha possuía um regulamento sobre procedimentos


terapêuticos de experimentação humana, sendo este estabelecido pelo Ministério
do Interior Germânico, visando controlar o abuso e o desrespeito à dignidade
humana nas pesquisas. Porém, na Segunda Guerra Mundial, esse regulamento foi
esquecido, nos campos de concentração nazista os prisioneiros judeus, poloneses,
russos e italianos eram submetidos a cruéis experimentações de fármacos, gases
e venenos. Experimentos foram realizados com câmaras de descompressão
para estudar os efeitos do voo a grandes alturas; para analisar os efeitos do
congelamento, prisioneiros nus ou vestidos foram submetidos a temperaturas
polares produzidas artificialmente e experiências de queimaduras com gás
mostarda foram feitas nos campos de concentração. Ainda, eram realizados
experimentos de cortes de ossos, de músculos e de nervos, injeção de vacinas
contendo soros anticancerígenos, hormônios e doenças (SGRECCIA, 2009).

FIGURA 9 – PRISONEIRA NAZISTA SENDO FORÇADA DENTRO DE UM RECIPIENTE


COM ÁGUA QUASE CONGELADA NO CAMPO DE CONCENTRAÇÃO DE DACHAU.
ALEMANHA, 1942

FONTE: Disponível em: <https://www.ushmm.org/wlc/ptbr/article.php?Modul


eId=10005168>. Acesso em: 20 dez. 2017.

67
UNIDADE 2 | BIODIREITO E EXPERIMENTAÇÕES CIENTÍFICAS EM SERES HUMANOS E ANIMAIS

Com a propagação das perversidades envolvendo médicos e pesquisadores


alemães da Segunda Guerra Mundial, a comunidade organizou-se para julgá-los
como criminosos de guerra, no Tribunal de Nuremberg, em 1947, julgamento
promovido pelos Estados Unidos da América (KIPPER, 2010).

Caro acadêmico, perceba que as atrocidades cometidas durante a Segunda


Guerra Mundial impuseram o desenvolvimento de normas éticas para a realização
de pesquisas com seres humanos. Após esse julgamento, foi elaborado o primeiro
documento internacional sobre ética em pesquisa, o Código de Nuremberg, que
englobava recomendações sobre os aspectos que deveriam guiar a realização de
investigações com seres humanos (PUCCI, 2009).

DICAS

Para conhecer o Código de Nuremberg, você pode acessar: <https://www.


ufrgs.br/bioetica/nuremcod.htm>.

O código demonstrou a necessidade de uma fase pré-clínica em animais


antes de se efetuar testes em seres humanos, com possibilidade de se conseguir
resultados vantajosos a partir dos estudos e avaliar cuidadosamente os riscos e
benefícios do estudo. Outro avanço foi apontar a importância do consentimento
voluntário, tornando-se elemento absolutamente essencial para a inclusão do
indivíduo na pesquisa e de responsabilidade do pesquisador (COSTA; GARRAFA;
OSELKA, 1998).

Henry Beecher, na década de 1960, publicou um artigo intitulado “Ética e


Pesquisa Clínica”, chamando a atenção de 22 casos de pesquisas impróprias que
haviam sido divulgadas por periódicos médicos de grande prestígio internacional.
As pesquisas relatadas haviam sido financiadas por instituições governamentais,
universidades e companhias farmacêuticas e utilizavam nos estudos pessoas
debilitadas, como soldados, idosos, pacientes psiquiátricos, adultos e crianças
com deficiência mental e pessoas internadas em hospitais (COSTA; GARRAFA;
OSELKA, 1998; KIPPER, 2010).

Veremos agora alguns exemplos desses casos de pesquisa imprópria, o


Estudo de Tugeskee, experimento financiado e conduzido pelo Serviço de Saúde
Pública dos Estados Unidos, que durou aproximadamente 40 anos, período entre
1932 e 1972. No estudo foram utilizados cerca de 400 homens negros portadores
de sífilis, deixados sem tratamento com o objetivo de estudar a evolução natural
da doença. Para eles era oferecido somente placebo, mesmo após a descoberta
da penicilina, que era o medicamento utilizado para o tratamento da doença.
Outro estudo inoculou o vírus da hepatite em crianças com deficiência mental,

68
TÓPICO 1 | PESQUISA COM SERES HUMANOS E ASPECTOS ÉTICO-JURÍDICOS

internadas na Escola Estatal de Willowbrook, e o da injeção de células cancerígenas


em pacientes gravemente doentes, hospitalizados no Hospital Judeu de Doenças
Crônicas de Brooklyn (KOTTOW, 2005).

Após esses eventos no mundo da pesquisa, em 1964, na 18ª Assembleia


da Associação Médica Mundial, foi revisto o Código de Nuremberg e aprovada a
Declaração de Helsinque. Essa declaração é aprovada pela Organização Mundial
da Saúde (OMS) e reconhece os experimentos em seres humanos em benefício
do paciente e da ciência, estabelecendo regras éticas que devem ser cumpridas.
Também, se atém aos riscos dos participantes, reforçando a necessidade do
consentimento livre e esclarecido e a indicação do melhor tratamento, diagnóstico
comprovado, incluindo aqueles do grupo de controle (KOTTOW, 2008).

Na década de 1980, o Council for International Organizations of Medical Sciences


(CIOMS) e a Organização Mundial da Saúde (OMS) elaboraram um documento
mais detalhado sobre o assunto, estabelecendo as "Diretrizes internacionais para
a pesquisa biomédica em seres humanos", traduzida para a língua portuguesa
pelo Ministério da Saúde (COSTA; GARRAFA; OSELKA, 1998).

ATENCAO

Você acabou de ver como foi a evolução da história da pesquisa em seres


humanos e como foi a implementação da regulamentação dentro desse meio. A partir de
agora, veremos os princípios ético-jurídicos.

2.2 PRINCÍPIOS ÉTICO-JURÍDICOS


A partir do artigo 22 da Declaração Universal dos Direitos Humanos (2009,
a seguridade social é um direito de todos, por garantir uma vida condigna. Logo,
todos os profissionais da saúde devem zelar pelos seus pacientes. Diante dessa
obrigação ético-jurídica passa a existir a necessidade de criar regulamentações,
nacionais e internacionais, como meio de manter a eticidade dos procedimentos,
a privacidade e proteção das informações geradas e o consentimento livre e
esclarecido dos participantes das pesquisas (VIEIRA, 2003).

69
UNIDADE 2 | BIODIREITO E EXPERIMENTAÇÕES CIENTÍFICAS EM SERES HUMANOS E ANIMAIS
E
IMPORTANT

Você já viu o que diz o art. 22 da Declaração Universal dos Direitos Humanos?
O art. 22 da Declaração Universal dos Direitos Humanos diz: “Todo ser humano, como
membro da sociedade, tem direito à segurança social, à realização pelo esforço nacional,
pela cooperação internacional e de acordo com a organização e recursos de cada Estado,
dos direitos econômicos, sociais e culturais indispensáveis à sua dignidade e ao livre
desenvolvimento da sua personalidade”.

Você ainda pode acessar o link: <http://www.onu.org.br/img/2014/09/DUDH.pdf> e


conhecer esse e todos os outros direitos contidos na Declaração Universal dos Direitos
Humanos.

O Termo de Consentimento Livre Esclarecido (TCLE) consiste na aceitação


livre do envolvido manifestar seu consentimento à participação na pesquisa após
uma explicação clara, acessível e minuciosa sobre os procedimentos a serem
realizados na pesquisa, os possíveis riscos e benefícios esperados, a assistência,
a indenização de danos, a garantia do sigilo à sua privacidade e a liberdade de
recusar sua participação em qualquer fase da experiência (DINIZ, 2009).

Além disso, toda pesquisa em seres humanos deve ser realizada de


acordo com três princípios éticos básicos: respeito à autonomia, beneficência
e justiça. O respeito à autonomia estende-se aos indivíduos, abrangendo os
direitos de liberdade, privacidade, escolha individual e liberdade da vontade.
Portanto, a pesquisa envolvendo seres humanos deve sempre tratá-los em sua
dignidade, respeitá-los em sua autonomia e defendê-los em sua vulnerabilidade
(MARSICANO et al., 2008).

A beneficência se refere à obrigação ética de maximizar os benefícios e


minimizar os prejuízos. O princípio da beneficência em pesquisa deve ser visto
de modo que inclua todas as formas de ação que tenham o propósito de beneficiar
outras pessoas. Além disso, esse aspecto da beneficência, às vezes, se exprime
como um princípio separado, o de não maleficência (não causar dano) (PESSINI;
BARCHIFONTAINE, 2014).

Já a justiça é um princípio que engloba equidade, merecimento e


prerrogatividade. De acordo com esse princípio, uma pesquisa deve ter relevância
social com vantagens significativas para os sujeitos da pesquisa e minimização do
dever para os sujeitos vulneráveis, garantindo igual consideração dos interesses
envolvidos e não perdendo o sentido de sua destinação sócio-humanitária
(MARSICANO et al., 2008).

Assim, a pesquisa envolvendo seres humanos deverá prever procedimentos


que assegurem a confidencialidade e a privacidade dos indivíduos pesquisados,
garantindo a sua proteção de imagem, a sua não censura e a não utilização das
informações em prejuízo dos indivíduos e/ou das comunidades (VIEIRA, 2003).
A pesquisa deve respeitar os valores culturais, sociais, morais, étnicos, religiosos
e éticos (SARDENBERG et al., 1999).

70
TÓPICO 1 | PESQUISA COM SERES HUMANOS E ASPECTOS ÉTICO-JURÍDICOS

A pesquisa em qualquer área do conhecimento abrangendo seres


humanos deverá ser adequada aos princípios científicos que a justifiquem e
com probabilidades concretas de responder às incertezas que a antecederam,
prevalecendo sempre as possibilidades dos benefícios esperados sobre os riscos
previsíveis, e assegurar aos sujeitos da pesquisa os seus benefícios (VIEIRA, 2003).

Portanto, toda pesquisa que se propõe a trabalhar com seres humanos


apresenta implicações éticas que necessitam ser discutidas e adequadas para sua
execução. No Brasil, essas implicações éticas devem cumprir rigorosamente as
recomendações contidas na Resolução do Conselho Nacional de Saúde (CNS) nº
196, de 10 de outubro de 1996, que estabelece padrões de conduta para proteger
a integridade física e psíquica, a saúde, a dignidade, a liberdade, o bem-estar, a
vida e os direitos dos envolvidos em experiências científicas (BRASIL, 1996).

Você sabe como funcionam as publicações em revistas científicas


atualmente? As revistas científicas nacionais e internacionais só aprovam a
publicação de artigos científicos que já foram analisados previamente por um
Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) e impossibilitam a publicação de pesquisas
que não estão de acordo com a Resolução nº 196/96 e a ética.

2.3 ASPECTOS LEGAIS NO ÂMBITO NACIONAL E


INTERNACIONAL
Como vimos anteriormente, na história da pesquisa em seres humanos,
as experiências nazistas puderam determinar o surgimento de normas no
campo internacional e nacional. No âmbito internacional, primeiramente temos
o Código de Nuremberg, que representou a base de partida para as próximas
regulamentações.

A organização internacional pioneira nas discussões sobre o conteúdo ético


de experimentos e de intervenções em seres humanos foi a Associação Médica
Mundial. Esta organização estabeleceu o código de ética para guiar a ação dos
médicos e também é de sua responsabilidade a Declaração de Helsinque (última
atualização realizada em 2008). A Declaração de Helsinque foi considerada mais
útil e ampla, principalmente por sua preocupação com o consentimento informado
dos participantes ou de seus representantes legais, no caso de pessoas incapazes,
e com a distinção entre ensaios terapêuticos e não terapêuticos, reforça o caráter
do consentimento livre e esclarecido, institui a necessidade de criar comitês de
ética em pesquisa e aconselha não publicar trabalhos de proveniência não ética
(BARZA; ANJOS, s.d.).

A Organização Mundial de Saúde (OMS), organização vinculada à


Organização das Nações Unidas (ONU), compartilhou das preocupações
com aspectos éticos, tomando como ponto de partida temas de saúde pública,
para, em conjunto com o Conselho de Organizações Internacionais de Ciências
Médicas (CIOMS), editar declarações, como a de Manila (1981 e 1993), centrada na

71
UNIDADE 2 | BIODIREITO E EXPERIMENTAÇÕES CIENTÍFICAS EM SERES HUMANOS E ANIMAIS

constatação de que experimentos eram realizados sem controle algum em países


subdesenvolvidos. A principal contribuição do CIOMS é no campo da ética de
pesquisa biomédica, com ação sobre programas de saúde e pesquisa em campo
de saúde (HOSSNE; VIEIRA, 2002).

O CIOMS publicou, em 1993, as “Linhas-guia éticas internacionais para a


pesquisa biomédica realizada com sujeitos humanos”. Nessas linhas-guia inclui
o consentimento esclarecido dos sujeitos, a seleção dos sujeitos para a pesquisa,
a indenização, processo de revisão e pesquisa patrocinada de fora (DINIZ, 2009).

Na Europa, o Conselho Europeu criou, em 1985, um Comitê Diretor para


a Bioética. Sua função era estudar questões relativas à bioética, que em forma de
recomendações propunham a criação de normas comuns, a tarefa cabia a uma
equipe formada por um cientista, um jurista e um especialista em ética. Muitas
conjecturas deram origem às normas, sendo a mais relevante a “Convenção
para proteção dos direitos humanos e da dignidade do ser humano a respeito
das aplicações da biologia e da medicina: conhecida como Convenção sobre os
direitos do homem e a biomedicina”, a qual aborda os temas da pesquisa em
seres humanos (DINIZ, 2009).

A contribuição europeia não termina por aqui, pois ao menos quatro


associações batalham com a bioética e tratam das discussões sobre os limites
éticos e jurídicos de experimentos e intervenções em seres humanos. Existe a
Associação Europeia dos Centros de Ética Médica, a Associação Internacional de
Direito, Ética e a Sociedade Europeia para a Filosofia da Medicina e cuidados
de saúde, e a Sociedade Europeia para Pesquisa em Ética. Todas as associações
citadas promovem discussões, encontros e publicam suas reflexões em artigos
(LOUZAO, 2002).

Também merece destaque o Relatório Belmont, resultado das deliberações


da Comissão Nacional para Proteção de Sujeitos Humanos em Pesquisas Biomédicas
e Comportamentais, que estabeleceram os princípios éticos norteadores para a
condução de pesquisas em seres humanos como uma forma de reduzir condutas
abusivas. O Relatório de Belmont estabeleceu padrões para pesquisas com seres
humanos, tais como o princípio da autonomia, da beneficência e da justiça, já
ditos anteriormente (PUCCI, 2009).

Em 2005, foi aprovada a Declaração Universal sobre Bioética e Direitos


Humanos da UNESCO, consagrando o referencial teórico baseado nos Direitos
Humanos.

A partir de documentos internacionais, tais como: Código de Nuremberg,


a Declaração dos Direitos do Homem, a Declaração de Helsinque, o Acordo
Internacional sobre Direitos Civis e Políticos (ONU, 1966, aprovado pelo Congresso
Nacional Brasileiro em 1992), as Propostas de Diretrizes Éticas Internacionais para
Pesquisas Biomédicas Envolvendo Seres Humanos (CIOMS/OMS) e as Diretrizes
Internacionais para Revisão Ética de Estudos Epidemiológicos (CIOMS); e dos
nacionais, como a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, Código
de Direitos do Consumidor, Código Civil e Código Penal, Estatuto da Criança e

72
TÓPICO 1 | PESQUISA COM SERES HUMANOS E ASPECTOS ÉTICO-JURÍDICOS

do Adolescente, Lei Orgânica da Saúde 8.080, de 19/09/90, Lei 8.142, de 28/12/90


(participação da comunidade na gestão do Sistema Único de Saúde), Decreto
99.438, de 07/08/90 (organização e atribuições do Conselho Nacional de Saúde),
Decreto 98.830, de 15/01/90 (coleta por estrangeiros de dados e materiais científicos
no Brasil), Lei 8.489, de 18/11/92, e Decreto 879, de 22/07/93 (dispõem sobre retirada
de tecidos, órgãos e outras partes do corpo humano com fins humanitários e
científicos), Lei 8.501, de 30/11/92 (utilização de cadáver), Lei 8.974, de 05/01/95 (uso
das técnicas de engenharia genética e liberação no meio ambiente de organismos
geneticamente modificados), Lei 9.279, de 14/05/96 (regula direitos e obrigações
relativos à propriedade industrial), entre outros, é que teve origem a Resolução
196/96 do Conselho Nacional de Saúde (BRASIL, 1996).

DICAS

Para conhecer a Resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde você pode


acessar: <http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/cns/1996/res0196_10_10_1996.html>.

Segundo a Resolução do Conselho Nacional de Saúde 196/96, qualquer


pesquisa em seres humanos deve ser submetida à avaliação por um comitê de
ética, independentemente de sua natureza, atendendo a quesitos como: benefícios
superando riscos; justificação para uso de placebos; obtenção de consentimento
livre e esclarecido; garantia de recursos humanos e materiais para o bem-estar
do sujeito da pesquisa; indivíduos envolvidos com autonomia plena, evitando
alguma vulnerabilidade; respeito aos valores culturais, sociais, morais, religiosos,
éticos e costumes em pesquisa com comunidades e alguns outros. Em relação a
danos sofridos pelos sujeitos da pesquisa, se ocorrerem, são de responsabilidade
do pesquisador e da instituição. Neste caso, os sujeitos devem receber assistência
integral, tendo direito a uma indenização. Sendo assim, toda instituição deveria
criar, organizar e manter um CEP (Comitê de Ética em Pesquisa), e toda pesquisa
envolvendo seres humanos deveria ser submetida à aprovação desse comitê. A
instância superior aos CEP é o CONEP (Comissão Nacional de Ética em Pesquisa)
(BRASIL, 1996).

Caro acadêmico, a Resolução do Conselho Nacional de Saúde 196/96


foi considerada um marco no cenário das pesquisas no Brasil e representa um
precursor no que se refere à legislação específica para essa área.

73
UNIDADE 2 | BIODIREITO E EXPERIMENTAÇÕES CIENTÍFICAS EM SERES HUMANOS E ANIMAIS

2.4 RESPONSABILIDADE CIVIL EM FACE DAS


PESQUISAS EM SERES HUMANOS: EFEITOS
DO CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO
No Brasil, a pesquisa com seres humanos é regulamentada por resolução,
que é um ato infralegal, ou seja, os participantes estão desamparados em caso
de danos advindos de ações ou omissões. Entretanto, é preciso saber que os
ordenamentos jurídicos têm leis que são suficientes para a proteção da pessoa
humana que participa de pesquisas e que estabelecem deveres e responsabilidades
para os pesquisadores. No caso do Brasil, a principal lei do ordenamento jurídico é
o Código Civil (Lei nº 10.406/200237) (TOMASEVICIUS FILHO, 2015).

Além disso, o principal aspecto a ser analisado em uma pesquisa com


seres humanos é a manifestação da vontade para a participação nela, referente
ao TCLE (Termo de Consentimento Livre Esclarecido), documento pelo qual se
registra a vontade livre de uma pessoa que recebeu todas as informações peculiares
possíveis acerca dos riscos e benefícios da pesquisa a que se submeterá, pode-se
pensar que se trata de uma espécie de contrato, já que há duas partes, pesquisador
e participante. Entretanto, não é um contrato, porque seu objeto aborda sobre
assuntos de natureza não patrimonial, como a vida e a integridade física e psíquica
do participante da pesquisa. Porém, é um negócio jurídico, tal como o contrato, o
testamento e o casamento: uma vez assinado, cria obrigações ao pesquisador de
proteger o participante da pesquisa (TOMASEVICIUS FILHO, 2015).

O artigo 104 do Código Civil brasileiro elenca as condições de validade de


um negócio jurídico, que são aplicáveis a um TCLE:

Art. 104. A validade do negócio jurídico requer:


I – agente capaz;
II – objeto lícito, possível, determinado ou determinável;
III – forma prescrita ou não defesa em lei.

3 MÉTODOS ALTERNATIVOS
O Código de Nuremberg demonstrou a necessidade de uma fase pré-
clínica em animais antes de se efetuar testes em seres humanos, a partir disso
começou-se a utilizar animais na pesquisa, os principais candidatos para as
pesquisas aplicadas à saúde humana são os roedores (ratos, camundongos),
devido à sua semelhança no funcionamento do organismo.

No Brasil, em 1979, foi elaborada a Lei nº 6.638, revogada pela Lei nº 11.794,
de 2008, conhecida como a Lei Arouca, que regulamenta o uso de animais na
área científica. A partir disso, foi criado o Conselho Nacional de Experimentação
Animal (CONCEA), que é responsável por credenciar as instituições que utilizam
animais em seus trabalhos, além de fixar as normas brasileiras de criação e uso de
74
TÓPICO 1 | PESQUISA COM SERES HUMANOS E ASPECTOS ÉTICO-JURÍDICOS

animais de laboratório. Ainda, dentre suas responsabilidades, está a de monitorar


e avaliar a introdução de técnicas alternativas que substituam o uso de animais no
ensino e na experimentação.

DICAS

Para conhecer a Lei nº 11.794, de 2008, você pode acessar: <http://www.


planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2008/lei/l11794.htm>.

Devido à ausência de iniciativas relacionadas a métodos alternativos no


Brasil, em 2011 foi criada a Rede Nacional de Métodos Alternativos (RENAMA)
e assegurada pela Portaria MCTI nº 491/2012, com o objetivo de estimular a
implantação de ensaios alternativos ao uso de animais por meio do auxílio e do
treinamento técnico nas metodologias necessárias; monitorar periodicamente
o desempenho dos laboratórios através de comparações interlaboratoriais;
promover a qualidade dos ensaios a partir do desenvolvimento de materiais
químicos e biológicos certificados, quando aplicável; incentivar a implementação
do sistema de qualidade laboratorial e dos princípios das boas práticas de
laboratório e promover o desenvolvimento, a validação e a certificação de novos
métodos alternativos ao uso de animais. Atualmente, a Portaria SEPED/MCTIC
n° 3.586, de 30 de junho de 2017, renovou por mais três anos a Rede Nacional de
Métodos Alternativos ao uso de animais (RENAMA, 2017).

O Brasil também possui o Centro Brasileiro de Validação de Métodos


Alternativos (BraCVAM), uma parceria entre a Fiocruz e a Agência Nacional
de Vigilância Sanitária (Anvisa), criada em 2012 com o objetivo de organizar a
expertise e a demanda nacional por métodos que substituam ou reduzam o uso
de animais em pesquisas, junto com o Conselho Nacional de Experimentação
Animal (CONCEA) e Renama. É o primeiro centro da América Latina a validar
e coordenar estudos de substituição, redução ou refinamento do emprego de
cobaias em testes de laboratório (FIOCRUZ, s.d.).

4 COMITÊS DE ÉTICA EM PESQUISA


Após a Resolução 196/96 foram criados os Comitês de Ética em Pesquisa
(CEP) em todo o país, com o objetivo de examinar as questões éticas em pesquisas
com seres humanos.

75
UNIDADE 2 | BIODIREITO E EXPERIMENTAÇÕES CIENTÍFICAS EM SERES HUMANOS E ANIMAIS

ATENCAO

O que é um Comitê de Ética em Pesquisa, qual seu papel com relação às


pesquisas envolvendo seres humanos?

O Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) é um colegiado interdisciplinar e


independente, com múnus público. O mesmo deve existir nas instituições em que
são realizadas pesquisas que envolvam direta ou indiretamente seres humanos
ou animais. O mesmo foi criado com o objetivo de defender os direitos dos
sujeitos da pesquisa em sua integridade e dignidade, a fim de colaborar para
o desenvolvimento da pesquisa dentro de padrões éticos (Normas e Diretrizes
Regulamentadoras da Pesquisa envolvendo seres humanos – Res. CNS 196/96).

Cada CEP vincula-se diretamente à Comissão Nacional de Ética em


Pesquisa (CONEP). A CONEP é uma instância colegiada, de natureza consultiva,
deliberativa, normativa, educativa, independente e vinculada ao Conselho
Nacional de Saúde. A CONEP é composta por 13 membros titulares e os suplentes
são selecionados a partir de uma lista elaborada pelo conjunto dos CEPs registrados
na CONEP. Cinco dos 13 membros titulares devem ser pessoas importantes no
campo da ética na pesquisa e na saúde, e oito devem ser de destaque na atuação
nos campos teológico, jurídico e outros (CONEP, s.d.).

Entre as funções da CONEP estão as de registrar os CEPs, trabalhar como


instância final de recursos, elaborar e rever normas sobre ética em pesquisa,
aprovar protocolos de pesquisa de áreas temáticas especiais e compor um sistema
de informação e acompanhamento dos aspectos éticos das pesquisas envolvendo
seres humanos. Fornece, ainda, assessoria ao Ministério da Saúde, ao Sistema
Único de Saúde e ao Conselho Nacional de Saúde, assim como ao governo e à
sociedade sobre as questões de pesquisa em pessoas (CONEP, s.d.).

A criação e a consolidação do sistema CEP/CONEP no Brasil marcaram


uma nova era no campo da bioética. A Resolução nº 196/96 apresenta dois
aspectos fundamentais: é aplicável a toda e qualquer pesquisa que envolva o ser
humano e apresenta estrutura com caráter multi e transdisciplinar. O CEP tem
total autonomia para exercer sua função, avaliando cada caso para proceder à
reflexão ética, e não só seguindo um código ou regimento. A resolução é usada
como um referencial ético pelos membros do comitê na avaliação dos protocolos,
e ainda que tenha caráter legal, não se trata de um decreto ou de uma portaria
(PUCCI, 2009).

76
RESUMO DO TÓPICO 1
Neste tópico, você aprendeu que:

• A pesquisa em seres humanos é imprescindível para o desenvolvimento da


ciência e para aumentar a qualidade de vida da sociedade.

• Em sua maioria, as pesquisas médicas, até parte do século XX, foram antiéticas.
Pesquisadores utilizavam entes da própria família, vizinhos, crianças,
prisioneiros da Segunda Guerra Mundial, prostitutas, pessoas com deficiência
mental para realizar as pesquisas, muitas vezes sem o consentimento dos
mesmos.

• Os trágicos acontecimentos durante a Segunda Guerra Mundial (1939-


1945), envolvendo práticas abusivas adotadas por médicos alemães em
campos de concentração em grupos étnicos e raciais, levaram ao surgimento
do primeiro documento sobre ética em pesquisa com seres humanos, o
Código de Nuremberg. Esse código foi a base de partida para as próximas
regulamentações.

• A Declaração de Helsinque reconhece os experimentos em seres humanos


em benefício do paciente e da ciência, estabelecendo regras éticas que devem
ser cumpridas. Também se atém aos riscos dos participantes, reforçando a
necessidade do consentimento livre e esclarecido e a indicação do melhor
tratamento, diagnóstico comprovado, incluindo aqueles do grupo de controle.

• No Brasil, em 1996, foi criada a Resolução 196/96 do Conselho Nacional de


Saúde, que determina que qualquer pesquisa em seres humanos deve ser
submetida a uma avaliação por um comitê de ética.

• Toda instituição que trabalha com pesquisa em seres humanos e animais


deve criar, organizar e manter um CEP (Comitê de Ética em Pesquisa), e toda
pesquisa envolvendo seres humanos deve ser submetida à aprovação desse
comitê. A instância superior aos CEP é a CONEP (Comissão Nacional de Ética
em Pesquisa).

77
AUTOATIVIDADE

1 Sobre a pesquisa médica com seres humanos, assinale V para as alternativas


verdadeiras e F para as alternativas falsas:

( ) Necessita de uma avaliação de comissões responsáveis por pesquisa e


ética médicas.
( ) Necessita de um termo de consentimento livre e esclarecido.
( ) O principal aspecto a não ser analisado em uma pesquisa com seres
humanos é a manifestação da vontade para a participação nela.

2 Toda pesquisa em seres humanos deve ser realizada de acordo com três
princípios éticos básicos, assinale a alternativa que não apresenta um desses
princípios:

a) ( ) Autonomia.
b) ( ) Beneficência.
c) ( ) Justiça.
d) ( ) Igualdade.

3 Explique qual é o objetivo do Comitê de Ética de Pesquisa.

4 Descreva sobre a Resolução 196/96.

78
UNIDADE 2 TÓPICO 2

ENGENHARIA GENÉTICA E PESQUISAS


COM GENOMA HUMANO

1 INTRODUÇÃO
Vivemos numa época de transição e incertezas. A possibilidade da eugenia,
clonagem de seres humanos, a cura de doenças de origem genética e patentes de
genes humanos são questionamentos que surgiram à tona com a revolução das
técnicas de engenharia genética, tendo seu ápice com o Projeto Genoma Humano.

O Projeto Genoma Humano é um dos maiores e mais ambiciosos projetos


científicos de todos os tempos. E teve como principal objetivo identificar e mapear
todos os genes humanos e sequenciar os 3 bilhões de pares de base. Criando
controvérsias sobre as possíveis implicações desse mapeamento genético.

Veremos que a descoberta do genoma humano reside na possibilidade de


se personalizar a medicina, já que podemos realizar tratamentos específicos com
o próprio código genético da pessoa. Entretanto, as esperanças de cura vinculam-
se um biopoder incomensurável, decorrente das possibilidades de métodos
tecnológicos aprimorados da restrição da liberdade e aumento da opressão racial
e ética, além do biopoder implícito ao saber manipular a vida via transgenicidade,
hibridismo e clonagem.

Agora, vamos aprimorar nosso conhecimento e assim compreendermos o


mundo da engenharia genética e pesquisas com genoma humano.

Bons estudos!

2 ENGENHARIA GENÉTICA E BIOTECNOLOGIA


Segundo Nascimento Silva (1995), a biotecnologia é a ciência da engenharia
genética que visa o uso de sistemas e organismos biológicos para aplicações
medicinais, industriais, ambientais, científicas e agrícolas. Com o seu advento,
os organismos vivos começaram a ser manipulados geneticamente, permitindo-
se a criação de organismos transgênicos ou geneticamente modificados (Lei nº
11.105/2005, art. 3º, IV e V) (FIORILLO; DIAFÉRIA, 1999).

Na engenharia genética estão incluídas as noções de manipulação genética,


como também de reprodução humana assistida, terapia gênica, diagnose genética

79
UNIDADE 2 | BIODIREITO E EXPERIMENTAÇÕES CIENTÍFICAS EM SERES HUMANOS E ANIMAIS

e clonagem, pois tem a tendência de modificar o patrimônio hereditário humano


(MANTOVANI, 1986). É uma tecnologia utilizada em nível laboratorial, pela
qual o cientista poderá alterar o genoma de uma célula viva para a produção de
produtos químicos ou até de organismos geneticamente modificados (OGM) (Lei
nº 11.105/2005, art. 3º, IV e V) (FIORILLO; ABELHA RODRIGUES, 1996).

É um ramo da ciência genética que emprega procedimentos técnicos


para a transferência de informações genéticas para as células de um organismo
(SGRECCIA, 1990). Tais informações são oriundas de diferentes fontes da
carga genética da célula em que foram inseridas e são responsáveis pelas novas
características nesta ou no indivíduo receptor (ESPINOSA, 1998).

Esse conjunto de informações contidas nos cromossomos de uma célula


denomina-se genoma, e o ácido desoxirribonucleico (DNA) é o portador da
mensagem genética, podendo ser imaginado como uma longa fita onde estão
escritas em letras químicas (T= timina, A= adenina, G= guanina e C= citosina)
denominadas nucleotídeos (DINIZ, 2009).

E
IMPORTANT

A molécula de DNA
A célula: unidade básica de todas as formas de vida. Em seu núcleo ficam os cromossomos,
contendo o conjunto completo de todos os nossos genes (o chamado genoma). Cada
célula do nosso corpo carrega essa coleção genética, que é hereditária.
O cromossomo: É como um pacote de DNA todo enrolado, que, se esticado, estender-
se-ia por mais de 1,8 metro. Cada célula do organismo humano contém 23 pares de
cromossomos.
O Gene: É um trecho do DNA que contêm as informações necessárias para sintetizar
proteínas ou moléculas que formam o organismo e controlam o seu funcionamento. São
os genes que controlam a transmissão de características hereditárias.
A dupla hélice: Esse é o nome que se dá à estrutura do DNA, feito de tiras de moléculas de
açúcar e fosfato, com base de nucleotídeos unidas por ligações de hidrogênio. As bases
nitrogenadas: adenina (A), timina (T), citosina (C) e guanina (G) são as “letras” do código
genético, ou genoma.
As bases: Os pares de bases se formam sempre da mesma maneira: A com T e G com C.
As sequências de pares ao longo da molécula variam para codificar diferentes informações
genéticas.
Códons: São formados por uma trinca de bases (ex.: GCA) e traduzidos no ribossomo
das células em aminoácidos. As diferentes sequências de códons traduzidos formam
diferentes cadeias de aminoácidos, dessa forma fazendo a síntese de proteínas que
formam o organismo e controlam seu funcionamento. Chamamos isso de expressão
gênica (NUSSBAUM; MCINNES; WILLARD, 2008).

80
TÓPICO 2 | ENGENHARIA GENÉTICA E PESQUISAS COM GENOMA HUMANO

FIGURA 10 – DNA E SEUS NUCLEOTÍDEOS

FONTE: Disponível em: <https://dagenetica.wordpress.com/2016/11/10/estrutura-e-


organizacao-do-dna/>. Acesso em: 26 dez. 2017.

Com o advento do Projeto Genoma Humano (PGH), passamos a ter


a capacidade de “mapear” todo o código genético humano, reconhecer suas
alterações e assim identificar quais sequências são responsáveis por expressar
determinadas proteínas. Essas alterações nas sequências de nucleotídeos, quando
ocorrem, as denominamos mutações e são a causa de quatro mil moléstias
hereditárias. Por exemplo, já se identificou os genes que são responsáveis pela
hereditariedade do câncer de mama e doença de Alzheimer (NUSSBAUM;
MCINNES; WILLARD, 2008).

Descobriu-se também a tecnologia do “DNA recombinante” ou


“transgênico”, que é um conjunto de técnicas para localizar, isolar, alterar e estudar
segmentos de DNA. O processo geral baseia-se em três enfoques experimentais
principais: Produção de fragmentos de DNA de fontes diversas que contenham as
sequências gênicas de interesse; Reunião desses segmentos em uma molécula de
DNA com capacidade de replicar-se, geralmente em um plasmídeo bacteriano ou
em um vírus, que atuarão como vetor; Transformação de células bacterianas com
a molécula recombinante de modo que elas se repliquem e então se expressem.
Com isso podem ser usadas bactérias munidas de genes humanos responsáveis
pela expressão de insulina, fazendo com que essas bactérias sintetizem o hormônio
que falta aos diabéticos (JUNQUEIRA; CARNEIRO, 2012).

81
UNIDADE 2 | BIODIREITO E EXPERIMENTAÇÕES CIENTÍFICAS EM SERES HUMANOS E ANIMAIS

Outro segmento da engenharia genética é a farmacogenômica, uma


mistura de farmacologia e genômica que consiste em correlacionar variações
na sequência do DNA à identificação de subgrupos de pacientes, a respostas a
tratamentos médicos e ao desenvolvimento de drogas especialmente projetadas
para essa população (ZATZ, 2009).

Há ainda a terapia gênica, que consiste no uso de genes para obter efeitos
terapêuticos. É conhecida a capacidade que os vírus possuem para infectar
as células humanas. A terapia gênica tira bom proveito disso ao modificar a
composição genética desses agentes, removendo seus genes patológicos e inserindo
neles o gene humano terapêutico. Dessa maneira, o vírus atua como vetor,
transportando o material genético de que o indivíduo necessita. “As pesquisas
também procuram garantir que os vetores virais não sejam replicativos”, explica
Maurício Rodrigues (ano, p. 5), do Centro Interdisciplinar em Terapia Gênica
da Universidade Federal de São Paulo. Isso deve ser feito para que, assim que
for introduzido no organismo humano, o vírus não readquira a habilidade de se
replicar e causar infecção (CIB, 2017).

Tais técnicas de engenharia genética permitem identificar pessoas


portadoras de genes patológicos e retirar genes que possuem alguma anomalia
para serem reparados e reinseridos no organismo, possibilitando a correção do
mal pela substituição do gene anômalo por outro normal, assim, impedindo a
transmissão desse gene mutado para sua descendência (ESPINOSA, 1998).

Antes de encararmos mais de perto os problemas éticos, elencamos as


tecnologias de engenharia genética agrupadas de acordo com suas finalidades:

• Mapeamento: Intenciona localizar nos cromossomos os genes cujos produtos


ou efeitos já são conhecidos. As técnicas utilizadas vão desde a hibridação
celular até o uso de “sondas” específicas capazes de identificar a posição de
fragmentos de DNA correspondentes a um determinado gene.
• Isolamento: Pode-se alcançar esse objetivo por meio do uso de uma série de
“tesouras” biológicas, as chamadas enzimas de restrição (endonuclease de
restrição), capazes de “cortar” em pontos específicos a cadeia do DNA, dessa
maneira isolando os genes compreendidos na sequência de base entre os dois
pontos de corte.
• Clonagem: Trata-se de uma forma de “multiplicação” biológica de cada um
dos genes com o objetivo de poder ter à disposição uma grande quantidade
a ser analisada ou utilizada para diversos fins. A clonagem é possível por
meio da “inserção” de um gene exógeno conhecido no patrimônio genético de
micro-organismos por meio dos chamados vetores (plasmídeos, bacteriófagos,
vírus) através da técnica do DNA recombinante. Quando os micro-organismos
se replicam, multiplicam também os genes inseridos no seu genoma.
• Sequenciamento: Tem por finalidade estabelecer a estrutura molecular dos
genes, definindo precisamente a sucessão ordenada das bases de que eles
são compostos, havendo assim a possibilidade de melhor compreensão dos
mecanismos de sua atividade e de suas alterações.

82
TÓPICO 2 | ENGENHARIA GENÉTICA E PESQUISAS COM GENOMA HUMANO

• Transferência: É o objetivo mais interessante, que pretende analisar o


comportamento dos genes quando inseridos em células e tecidos diferentes
daqueles em que normalmente atuam (SERRA, 1987).

Haveria, nessas técnicas, verdadeira melhoria na qualidade de vida?


Seriam elas, realmente, garantia de uma existência digna às futuras gerações? Ao
fazer uso da biotecnologia, o ser humano não estaria assumindo um risco para
sua saúde e sobrevivência? Estaria se respeitando a dignidade humana ao realizar
experimentos com material genético humano? Acaso não estariam elas ferindo a
inviolabilidade do direito de todo humano ser único e irrepetível se a clonagem
humana se tornar uma realidade? Se houver violação de um patrimônio genético,
como garantir a preservação de sua privacidade? (ESER, 1986).

Nunca na história humana a ética foi tão imprescindível na medicina, na


biologia e na sociedade: as descobertas científicas fizeram com que a moral se
tornasse de interesse para todos, problema da mais alta importância e prioridade
na sociedade, e da sociedade em nível mundial. Tal imprescindibilidade se
tornará mais evidente e documentada se recordarmos brevemente o rápido
progresso das ciências biológicas, as possibilidades que elas reservam para o
futuro da humanidade e as questões éticas que apresentam a responsabilidade
dos cientistas e comunidade civil (SGRECCIA, 2009).

3 PROJETO GENOMA HUMANO


O Projeto Genoma Humano (PGH) é um consórcio internacional de
pesquisas liderado pelos Estados Unidos da América (EUA). Iniciado formalmente
em 1990, o PGH foi coordenado por 13 anos pelo Departamento de Energia
(DOE) do Instituto Nacional de Saúde dos Estados Unidos (NIH). A princípio, o
projeto foi planejado para ser completado em 15 anos, mas o avanço da tecnologia
acelerou seu final para 2003 (ZATZ, 2009).

Segundo Zatz (2009, p. 1), as principais metas do Projeto Genoma


Humano foram:

• identificar todos os genes humanos;


• determinar a sequência dos cerca de 3,2 bilhões de pares de bases que
compõem o genoma humano;
• armazenar a informação em bancos de dados;
• desenvolver ferramentas de análise dos dados;
• transferir a tecnologia relacionada ao Projeto para o setor privado;
• colocar em discussão os problemas éticos, legais e sociais que pudessem
surgir com o Projeto.

83
UNIDADE 2 | BIODIREITO E EXPERIMENTAÇÕES CIENTÍFICAS EM SERES HUMANOS E ANIMAIS

Essa primeira visão do genoma humano gerou uma grande


quantidade de informação e revelou algumas surpresas. Muito ainda
permanece para ser entendido nessa imensidão de informação. Como
constatado pelos cientistas envolvidos nesses estudos, quanto mais
aprendemos sobre o genoma humano, mais há para ser explorado. Alguns
resultados obtidos na primeira publicação da sequência são:

• o genoma humano contém 3,2 bilhões de nucleotídeos;


• o tamanho médio dos genes é de 3.000 bases, mas varia muito, sendo o
maior deles o gene da distrofina, com 2,4 milhões de pares de bases;
• a função de cerca de 50% dos genes descobertos é desconhecida;
• a sequência do genoma humano é 99,9% exatamente a mesma em todas
as pessoas;
• cerca de 2% do genoma codifica instruções para a síntese de proteínas;
• sequências repetidas que não codificam proteínas constituem mais do
que 50% do genoma humano;
• não são conhecidas as funções para as sequências repetidas, mas elas
ajudam a entender a estrutura e a dinâmica dos cromossomos. Através
dos anos essas repetições reformulam o genoma rearranjando-o,
criando desse modo genes inteiramente novos ou modificando genes já
existentes;
• o genoma humano possui mais sequências repetidas (50%) do que
Arabdopsis thaliana (planta) (11%), o verme C. elegans (7%), e Drosophila
(mosca) (3%);
• mais do que 40% das proteínas humanas preditas compartilham
similaridade com as proteínas de moscas e de vermes;
• genes estão concentrados em áreas, ao acaso, ao longo do genoma, com
vastas sequências sem código para proteínas entre eles;
• algumas sequências gênicas específicas foram associadas com numerosas
doenças e disfunções, incluindo câncer de mama, doenças musculares,
surdez e cegueira;
• os cientistas localizaram, no genoma humano, milhares de locais nos
quais há diferença de apenas uma base. Essa informação promete
revolucionar o processo de encontrar sequências de DNA associadas
com doenças muito comuns, tais como disfunções cardiovasculares,
diabetes, artrite e câncer.

Caro acadêmico, temos como benefícios potenciais, do conhecimento do


genoma humano como um todo, uma mudança na prática médica: a prevenção
à doença foi ressaltada. Surgiram novas terapias e medicamentos a partir do
diagnóstico preciso do DNA, além da possibilidade da substituição de genes
anômalos por meio da terapia gênica. Fora do âmbito da medicina, os novos
conhecimentos da genética possibilitaram outros estudos mais detalhados,
por exemplo, da migração humana mediante precisa comparação genética dos
indivíduos (SANTOS, 2001).
84
TÓPICO 2 | ENGENHARIA GENÉTICA E PESQUISAS COM GENOMA HUMANO

Todavia, as problemáticas são a segregação dos deficientes, a premeditada


seleção dos homens por escopo de aperfeiçoamento da espécie e a busca da inteligência
melhorada, que não são fatos novos na história humana. Estudos científicos baseados
nas pesquisas de Charles Darwin e as atrocidades racistas perpetradas na Segunda
Guerra Mundial são exemplos dessas práticas (SANTOS, 2001).

O conhecimento completo do genoma humano nos mostrou quem


geneticamente somos, possibilitando a caracterização exata do indivíduo,
sua propensão a doenças, fraquezas e virtudes genéticas. É a possibilidade da
segregação com base científica, no entanto ele não causará, por si só, a produção
de clones ou transgênicos. É a genética aplicada que, com o novo estímulo e
utilizando-se dos conhecimentos adquiridos, desencadeará uma frenética e
perigosa busca de novos produtos (SANTOS, 2001).

3.1 HISTÓRICO
O grupo que se propôs a sequenciar o genoma humano consistiu em
um consórcio público internacional, liderado pelo National Human Genome
Research Institute (NHGRI), subordinado ao National Institute of Health (NIH) dos
Estados Unidos. Reunindo equipes de pesquisa e laboratórios de vários países,
seu principal objetivo era o sequenciamento completo do genoma humano. Um
dos projetos mais ambiciosos no campo das ciências biomédicas, sua proposta
foi lançada pelo Department of Energy (DOE) na década de 1980, estimulada
por um ímpeto de investimento em pesquisas genéticas, a fomentar pesquisas
relacionadas à Biologia molecular. No caso do sequenciamento, a meta era
construir uma base informacional que contribuísse para a medicina no campo
das síndromes relacionadas à exposição e à radiação (GOES; OLIVEIRA, 2014).

Resultado de discussões ocorridas em vários encontros de Biologia


Molecular, em 1990, o PGH foi oficialmente iniciado sob a direção de um dos
responsáveis pela descrição da estrutura da molécula de DNA, James Watson,
então diretor do NHGRI. Em 1992, Watson foi substituído por Francis Collins
(LEITE, 2006). Dentro do país, o DOE era um importante colaborador. Fora do
país, a fundação da Human Genome Organization (HuGO) garantiu a coordenação
internacional do projeto. A estimativa inicial de custo era de um dólar por base
de DNA sequenciada (PENA, 2010), um percentual de 5% da verba foi destinado
às questões éticas, sociais e legais, abordadas através do programa ELSI (aspectos
éticos, legais e sociais), o que projetava uma pesquisa onerosa; e a imensa
quantidade de informação a ser gerada sugeria, no mínimo, 15 anos para a sua
conclusão (GOES; OLIVEIRA, 2014).

A possibilidade de lucro com o patenteamento de regiões do genoma


humano atraiu o interesse do cientista e empresário em biotecnologia John Craig
Venter, que, em maio de 1998, anunciou a criação da empresa privada Celera
Genomics. Uma joint-venture formada mediante o apoio capital da empresa
de equipamentos e suprimentos Perkin Elmer, a Celera se comprometeu em
85
UNIDADE 2 | BIODIREITO E EXPERIMENTAÇÕES CIENTÍFICAS EM SERES HUMANOS E ANIMAIS

sequenciar todo o genoma humano até 2001, contra o final então previsto pelo
consórcio público para 2003 (PORCIONATTO, 2007). Com uma tecnologia
inovadora, a whole genome shotgun, empregada com sucesso no sequenciamento
do genoma da mosca Drosophila melanogaster, a Celera realizou o procedimento
com o genoma humano em aproximadamente 13 meses (VENTER et al., 2001).

O investimento da Celera trazia preocupações ao consórcio internacional.


Iniciava-se, assim, uma rivalidade que alavancou o PGH. Movidos pelo temor de
um possível “loteamento” do genoma humano pela Celera, o PGH estabeleceu
como meta terminar seu trabalho antes da empresa privada. Segundo o geneticista
Sérgio Pena (2010, p. 65), “Estima-se que o projeto público tenha usado 600
sequenciadores de DNA espalhados em laboratórios de vários países. Por outro
lado, a Celera utilizou cerca de 300 sequenciadores, todos sob o mesmo teto”.

A disputa entre os dois grupos terminou com a apresentação, em rede


mundial, do rascunho do genoma, na cerimônia do ano 2000 na Casa Branca.
“Os diretores dos dois grupos rivais, Francis Collins e J. Craig Venter, declararam
uma vitória conjunta, e anunciaram uma trégua implícita, em suas corridas para
decifrar o livro da vida” (PORCIONATTO, 2007, p. 54).

No entanto, a publicação desse rascunho só aconteceu em fevereiro de


2001, dias 15 e 16, respectivamente pelas revistas Nature e Science. A conclusão
oficial do projeto aconteceu em abril de 2003, junto às comemorações dos 50 anos
de descrição da estrutura molecular do DNA (GOES; OLIVEIRA, 2014).

3.2 LEGISLAÇÃO SOBRE OS


DADOS GENÉTICOS HUMANOS
Nota-se que o aparecimento de novas tecnologias genéticas tem causado
conflitos e dúvidas no âmbito jurídico que não encontram respaldo no aparato
legislativo para sua resolução. Não há legislação específica no Brasil que aborde
o tema dos dados genéticos. Por esse motivo, o estudo partiu de documentos
internacionais – em especial a Declaração Universal sobre o Genoma Humano
e os Direitos Humanos, aprovada na 29ª Conferência Geral da UNESCO, em 11
de novembro de 1997; e a Declaração Internacional sobre os Dados Genéticos
Humanos, aprovada na 32ª Conferência Geral da UNESCO, em 16 de outubro de
2003 – e, em seguida, analisou de forma sucinta algumas legislações sobre o tema
(NAVES; NAVES, 2008).

Conforme fora abordado em tópicos anteriores, o Código de Nuremberg,


em 1947, tratou das experiências com seres humanos, estabelecendo as bases
do consentimento informado, embora também tenha sido enfatizado que os
resultados da pesquisa devem ser “vantajosos para a sociedade” (NAVES;
NAVES, 2008; SANTOS, 2001).

86
TÓPICO 2 | ENGENHARIA GENÉTICA E PESQUISAS COM GENOMA HUMANO

A Declaração de Helsinque V, aprovada na 18ª Assembleia Geral da


Associação Médica Mundial (WMA) e emendada em outras assembleias da
Associação até seu texto atual. Essa declaração, mais detalhada que o Código
de Nuremberg, volta-se para a relação ser humano e médico-pesquisador,
também se dedica ao consentimento e ao procedimento investigativo envolvendo
seres humanos, mas reconhece a vulnerabilidade dos pesquisados (art. 8) e a
indispensabilidade de avaliação da pesquisa por um comitê independente de ética
(art. 13); regula a pesquisa com incapazes (art. 24, 25 e 26); e estipula cuidados
médicos complementares, que, independentemente dos resultados da pesquisa,
devem ser empregados para prevenção, diagnóstico e terapia (art. 28 a 32) (NAVES;
NAVES, 2008). O ponto de vista individual também superou o coletivo, pois foi
categoricamente declarado como princípio básico que “os interesses do indivíduo
devem prevalecer sobre os interesses da ciência e da sociedade”. Na introdução,
foi declarado ser “essencial que os resultados de experiências de laboratório
sejam aplicados aos seres humanos para maior conhecimento científico” e terem
as recomendações o “fim de amenizar o sofrimento da humanidade” (SANTOS,
2001, p. 218).

O Relatório Belmont, publicado em 1978, considerou importantes três


princípios básicos: respeito às pessoas, beneficência e justiça. O relatório teve grande
importância, pois a comissão norte-americana, criada em 1974, definitivamente
adotou e apresentou como princípios éticos básicos e significativos para a ética na
pesquisa, que envolve seres humanos e cujo objeto é o ser humano, os princípios
do respeito às pessoas, beneficência e justiça (SANTOS, 2001).

A declaração de Valência sobre Ética e o Projeto Genoma Humano, de


1990, explicitou a apreensão com o respeito à variedade genética e dignidade
humana, num momento em que tinha início o projeto. Foi declarada a permissão
da terapia gênica das células somáticas, para tratamentos de doenças humanas
específicas, e os numerosos entraves e falta de consenso ético geral sobre a terapia
gênica de células germinativas (SANTOS, 2001).

Há de citar-se, ainda, a Declaração de Inuyama, aprovada em 1990, no


Japão, pelo Conselho da Organização Internacional de Ciências Médicas, sobre
mapeamento genético, experimentação genética e terapia gênica; e a Declaração
de Bilbao sobre o Direito ante o Projeto Genoma Humano, de 1993. Esta última
nomeia a intimidade como patrimônio pessoal e refuta o emprego dos dados
genéticos com fins discriminatórios. A Declaração de Bilbao lidou, de forma
sucinta e adequada, com a relação do Direito e o avanço científico, sendo
aconselhável sua leitura integral (NAVES; NAVES, 2008).

O Convênio do Conselho da Europa para a Proteção do Direitos Humanos


e a Dignidade do Ser Humano em relação às Aplicações da Biologia e da
Medicina – Convênio sobre Direitos Humanos e Biomedicina, de abril de 1997 –,
o qual teve lugar em Astúrias, em vigor desde 1º de dezembro de 1999, discorre
de quaisquer intervenções na área de saúde, incluindo tratamentos e pesquisas
científicas. Vários artigos são dedicados à manifestação do consentimento para

87
UNIDADE 2 | BIODIREITO E EXPERIMENTAÇÕES CIENTÍFICAS EM SERES HUMANOS E ANIMAIS

as intervenções. Com textos em inglês e francês, em seu capítulo IV, arts. 11 a 14,
dissertou a respeito do genoma humano. Ficou proibida qualquer discriminação
da pessoa em virtude de seu patrimônio genético (art. 11º); condicionou os testes
preditivos de doenças genéticas ou propensão a elas, ao propósito da saúde ou da
pesquisa ligada a essa finalidade e com assessoramento genético adequado (art.
12º); intervenções no genoma humano foram permitidas somente para finalidades
terapêuticas, de prevenção ou de diagnóstico, desde que não alterem o genoma
de qualquer descendente (art. 13º). A escolha do sexo das futuras crianças só
foi consentida nos casos em que há riscos de transmissão de graves doenças
hereditárias ligadas ao sexo (art. 14º) (NAVES; NAVES, 2008; SANTOS, 2001).

Na Declaração Universal sobre o Genoma Humano e os Direitos Humanos


da Unesco, de 1997, foi admitido que o genoma humano está associado à dignidade
humana, sendo o genoma humano, por um lado, o alicerce dessa dignidade (art.
1.º) e, por outro lado, não podendo essa dignidade ser desrespeitada, em virtude
das características desse genoma, uma vez que essa mesma dignidade institui que
os indivíduos não podem ser reduzidos às suas características genéticas (arts. 2º e
6º). No mesmo sentido, essa dignidade não pode ser desrespeitada pela pesquisa
e aplicação genéticas (arts. 10, 11, 15 e 21) (SANTOS, 2001).

Houve explícita preocupação com a garantia dos direitos e liberdades


elementares (arts. 6º, 9º, 10 e 25) e de outros direitos humanos individuais, como:

• o respeito ao caráter singular de cada pessoa (arts. 2º e 11);


• a obrigatoriedade de anuência prévia, livre e informada para pessoa submetida
a uma pesquisa, tratamento ou diagnóstico genéticos, consideradas as
disposições legais quando a pessoa não tem condições de se manifestar;
• a alternativa de a pessoa decidir ser ou não informada dos resultados de um
exame genético e suas implicações;
• a confidencialidade de dados genéticos de pessoa identificada;
• o direito à pessoa de indenização por avaria causada por intervenção em seu
genoma;
• o acesso aos progressos no campo do genoma humano (arts. 5º, 7º, 8º e 12)
(SANTOS, 2001).

Ainda sobre o acesso, mas baseando-se em outros Estados, preocupa-se,


a Declaração, em suscitar a cooperação internacional quanto ao tratamento de
pessoas portadoras de doenças genéticas, incentivos às pesquisas referentes ao
genoma humano. O “Capítulo E” ressalta a imprescindibilidade da cooperação
dos países desenvolvidos àqueles que estão em desenvolvimento, no que se refere
a estudos e resultados (NAVES; NAVES, 2008).

Sob a perspectiva da espécie humana, foi declarado que a diversidade


humana (arts. 1º, 2º e 18) deve prevalecer sobre as características, investigações
e aplicações genéticas. Foi reconhecida a liberdade de investigação (art. 12). Essa
liberdade, entretanto, deve atender aos parâmetros acima expostos, bem como os
pesquisadores e responsáveis por políticas científicas, públicas e privadas devem
atuar com responsabilidade (art. 13), solidariedade, difusão do conhecimento
científico sobre o genoma humano, servindo para aliviar o sofrimento da

88
TÓPICO 2 | ENGENHARIA GENÉTICA E PESQUISAS COM GENOMA HUMANO

humanidade, melhorar a saúde pública e beneficiar a todos, excluídos os fins não


pacíficos (arts. 12, 15 e 19) (SANTOS, 2001).

Na declaração foi salientado o caráter interdisciplinar da investigação


do genoma humano, suas aplicações e consequências, razão pela qual todas as
medidas devem ser tomadas levando em consideração especialmente os campos
ético, educacional, jurídico, social e econômico (arts. 14,16 e 20) (SANTOS,
2001). Por fim, incentiva os Estados a adotarem os princípios estabelecidos e a
promoverem sua divulgação.

As disposições da Declaração Internacional sobre os Dados Genéticos


Humanos de 2003 aplicam-se: à recolha, ao tratamento, à utilização e à conservação
dos dados genéticos humanos, dos dados proteômicos humanos e das amostras
biológicas, exceto na investigação, detecção e julgamento de casos de delito penal,
e de testes de paternidade, que se regem pelas leis internas em conformidade com
o direito internacional relativo aos direitos humanos.

DICAS

Para conhecer a Declaração Internacional sobre os Dados Genéticos Humanos,


acesse o site: <http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/declaracao_inter_dados_
genericos.pdf>.

No Brasil, no que tange a dados genéticos humanos, a Constituição da


República estabelece:

Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente


equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de
vida, impondo-se ao poder público e à coletividade o dever de defendê-lo e
preservá-lo para as presentes e futuras gerações.

§ 1º Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao poder público:

II- preservar a diversidade e a integridade do patrimônio genético do País e


fiscalizar as entidades dedicadas à pesquisa e manipulação de material
genético;
V- controlar a produção, a comercialização e o emprego de técnicas,
métodos e substâncias que comportem risco para a vida, a qualidade de
vida e o meio ambiente.

A já revogada Lei 8.974/95, que regulamentava os incs. II e V do


primeiro parágrafo da Constituição da República, dispõe:

89
UNIDADE 2 | BIODIREITO E EXPERIMENTAÇÕES CIENTÍFICAS EM SERES HUMANOS E ANIMAIS

Art. 1º Esta Lei estabelece normas de segurança e mecanismos de


fiscalização no uso das técnicas de engenharia genética na construção, cultivo,
manipulação, transporte, comercialização, consumo, liberação e descarte de
organismo geneticamente modificado (OGM), visando proteger a vida e a
saúde do homem, dos animais e das plantas, bem como o meio ambiente.

Art. 8º É vedado, nas atividades relacionadas a OGM:

I- qualquer manipulação genética de organismos vivos ou o manejo in


vitro de ADN/ARN natural ou recombinante, realizados em desacordo
com as normas previstas nesta lei;
II- a manipulação genética de células germinais humanas;
[...]

Art. 13. Constituem crimes:

I - a manipulação genética de células germinais humanas;


II - a intervenção em material genético humano in vivo, exceto para o
tratamento de defeitos genéticos, respeitando-se princípios éticos, tais
como o princípio de autonomia e o princípio de beneficência, e com a
aprovação prévia da CTNBio.

Pena - detenção de três meses a um ano.

A Lei 9.279/96, sobre propriedade industrial, dispõe:

Art. 10. Não se considera invenção nem modelo de utilidade:

IX- o todo ou parte de seres vivos naturais e materiais biológicos


encontrados na natureza, ou ainda que dela isolados, inclusive o
genoma ou germoplasma de qualquer ser vivo natural e os processos
biológicos naturais.

[...]
Art. 18. Não são patenteáveis:
[...]
III- o todo ou parte dos seres vivos, exceto os micro-organismos transgênicos
que atendam aos três requisitos de patenteabilidade – novidade,
atividade inventiva e aplicação industrial – previstos no art. 8º e que
não sejam mera descoberta.

Parágrafo único. Para os fins desta lei, micro-organismos


transgênicos são organismos, exceto o todo ou parte de plantas ou de
animais, que expressem, mediante intervenção humana direta em sua
composição genética, uma característica normalmente não alcançável pela
espécie em condições naturais.

FONTE: Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/>. Acesso em: 5 dez. 2017.

90
TÓPICO 2 | ENGENHARIA GENÉTICA E PESQUISAS COM GENOMA HUMANO

Há, ainda, as Instruções Normativas da Comissão Técnica Nacional de


Biossegurança 8 e 9, ambas de 1997, que cuidam de manipulação ou intervenção
genética e clonagem em seres humanos (SANTOS, 2001).

4 MANIPULAÇÃO GENÉTICA E SEUS


LIMITES: IMPACTOS ÉTICO-JURÍDICOS
A manipulação genética é uma técnica de engenharia genética que
realiza experiências para modificar o patrimônio genético, transferir partes
do patrimônio hereditário de um organismo vivo a outro ou efetuar novas
combinações de genes para conseguir, na reprodução assistida, a concepção de
uma pessoa com caracteres diferentes ou superar alguma doença congênita. É
um conjunto de atividades que possibilita atuar sobre a informação presente
no material hereditário ou manipular o genoma humano no todo ou em partes,
isoladamente, ou como parte de compartimentos artificiais ou naturais (por
exemplo: transferência nuclear), excluindo-se os processos citados nos arts. 4º
I a IV, e 6º II, III e IV, da já revogada Lei nº 8.974/95 (Instrução Normativa nº
8/97 da CTNBio, art. 1º), tais como: mutagênese, formação e emprego de células
somáticas de hibridoma animal l, fusão celular, autoclonagem de organismos
não patogênicos que se processe de maneira natural, manipulação de moléculas
ADN/ARN recombinante etc. (DINIZ, 2009).

A manipulação genética envolve riscos e uma séria afronta à dignidade


humana (CF, art.1º, III), que podem levar a humanidade a percorrer um caminho
sem retorno, por trazer a possibilidade de:

a) obtenção, por meio da clonagem, da partenogênese ou da fissão gemelar de


uma pessoa geneticamente idêntica a outra;
b) produção de quimeras, pela fusão de embriões, ou, ainda, de seres híbridos,
mediante utilização de material genético de espécies diferentes, ou seja, de
homens e de outros animais, formando, por exemplo, centauros e minotauros,
tornando as ficções da mitologia grega uma realidade, pois já se conseguiu
camundongo com orelhas humanas;
c) seleção de caracteres de um indivíduo por nascer, definindo-lhe o sexo, a cor
dos olhos, a contextura física etc.;
d) criação de bancos de óvulos, sêmens, embriões ou conglomerados de tecidos
vivos destinados a servir como eventuais bancos de órgãos, geneticamente
idênticos ao patrimônio celular do doador do esquema cromossômico a clonar;
e) produção de substância embrionária humana para fins de experimentação;
f) transferência de substância embrionária animal ao útero da mulher e vice-
versa para efetuar experiências;
g) implantação de embrião manipulado geneticamente no útero de uma mulher,
sem qualquer objetivo terapêutico;
h) criação de seres transgênicos, ou seja, de animais cujo DNA contenha genes
humanos, para que possam produzir hormônios ou proteínas humanas a
serem utilizadas como remédio para certas moléstias;

91
UNIDADE 2 | BIODIREITO E EXPERIMENTAÇÕES CIENTÍFICAS EM SERES HUMANOS E ANIMAIS

i) introdução de informação genética animal para tornar a pessoa mais resistente


aos rigores climáticos;
j) produção e armazenamento de armas bacteriológicas etc. (DINIZ, 2009).

Tudo isso poderá significar, como já dissemos outrora, a abertura de uma


caixa de Pandora, trazendo agouros imprevisíveis às futuras gerações.

Trata-se de desvios indesejáveis e altamente repreensíveis juridicamente


por serem atentatórios à dignidade humana (CF, art. 1º, III). Em virtude disso,
no Brasil são vedadas: a) a manipulação genética de células germinais humanas
(Lei nº 11.105/2005, arts. 6º, III, e 25) e totipotentes, que são células embrionárias
ou não com qualquer grau de ploidia, possuindo a capacidade de formar células
germinais ou diferenciar-se em um indivíduo (IN nº 8/97, arts. 1º, III, e 2º, I);
b) qualquer interferência em material genético humano in vitro e in vivo, salvo
para tratamento de anomalias genéticas, respeitando-se princípios éticos como
os da autonomia e da beneficência e com aprovação prévia da Comissão Técnica
Nacional de Biossegurança (Lei nº 11.105/2005, arts. 6º, II, e 10); c) a produção,
o armazenamento ou a manipulação de embriões humanos designados a servir
como material biológico disponível (arts. 5º, 6º, III, e 24, da Lei nº 11.105/2005);
d) a atividade com humanos envolvendo experimentos de clonagem radical por
meio de qualquer técnica (IN CTNBio nº 8/97, art. 2º, II; Lei nº 11.105/2005, art. 6º,
IV). A Lei nº 11.105/2005 chega a considerar tais atos como crimes, consignando
uma série de agravantes e impondo em alguns casos pena de reclusão (arts. 24 a
26, parágrafo 2º) (DINIZ, 2009).

Lícita será a análise molecular do genoma humano para sequenciação


total ou mapeamento genético com o objetivo de identificar a função dos genes
que integram o cromossomo humano, atendendo a um programa específico em
saúde e diagnóstico genético que garanta o direito à identidade, elucide contendas
relativas à filiação, reconstruindo laços parentais alicerçados em técnicas de
identificação pessoal através de DNA, e solucione delitos, podendo até mesmo
levar à criação de um banco de dados genéticos. Admitidas serão também, se
feitas com prudência, cuidado e bom senso, sem caráter especulativo, não só
a inclusão de genes humanos no cromossomo de organismos animais, desde
que se tenha por finalidade a síntese de substância essencial para o ser humano
(MARTINEZ, 1998), mas também, havendo fim terapêutico conducente a melhorar
o estado de saúde de um paciente, a manipulação de células somáticas, por não
serem responsáveis pelo processo de reprodução humana e de transferência do
patrimônio genético (DINIZ, 2009).

O Parlamento Europeu proíbe, veementemente, qualquer tentativa de


reformulação do patrimônio genético de seres humanos, exigindo a penalização de
toda transferência de genes a células germinais humanas, e propõe a definição de
um estatuto jurídico do embrião humano para assegurar sua identidade genética,
consignando que uma alteração, ainda que parcial, da informação hereditária
configura falsificação da identidade da pessoa (MARTINEZ, 1998). Constituem
atos atentatórios ao patrimônio genético da humanidade e à dignidade do ser

92
TÓPICO 2 | ENGENHARIA GENÉTICA E PESQUISAS COM GENOMA HUMANO

humano não somente as manipulações em embriões humanos sem qualquer


finalidade terapêutica, tendo por fim o desenvolvimento de investigações ou
experimentações ou a eugenia negativa, como também as investidas de modificar
patrimônio genético de importantes grupos sociais, como os de deficientes, negros,
indígenas etc., para adquirir “aperfeiçoamento” em seu acervo genético, por meio
de seleção negativa de traços geneticamente indesejáveis, com redução artificial
dos genes deletérios, visando a criação de um suposto genoma perfeito, mediante
técnicas de depuração genética, e a solução de determinados problemas sociais.
Não seria isso uma modalidade de genocídio? Tal técnica de depuração genética
para estigmatizar um determinado grupo populacional estaria fadada ao fracasso
científico e careceria de qualquer embasamento jurídico e ético, tampouco seria
admissível a seleção de trabalhadores segundo critérios genéticos. As companhias
de seguro não possuem nenhum direito de demandar a realização de análise
genética, antes ou depois de efetuar o contrato com o assegurado, nem que lhes
sejam comunicados os resultados daquele exame, pois não possuem direito de
adquirir informação sobre os seus dados genéticos (MARTINEZ, 1998).

Indispensável será a elaboração de normas que tutelem a inviolabilidade


da herança genética contra qualquer manipulação artificial, impondo limites para
salvaguardar a pessoa humana e sua dignidade contra aplicação não terapêutica
de algum ato e para preservar os interesses da saúde pública e o meio ambiente em
face de uma possível contaminação ocasionada por experiências biotecnológicas.
Por conseguinte, o diagnóstico genético pré-natal limitar-se-á a casos em que
haja suspeita de doença hereditária severa que coloque em risco a vida, a saúde
ou a integridade física do embrião, para retificá-la e não para proceder ao aborto
eugênico. Quando se efetuarem exames epidemiológicos sobre lesões genéticas ou
diagnósticos genéticos, deverá sempre se ter em vista uma finalidade terapêutica,
sendo que a informação genética obtida terá de ser salvaguardada contra qualquer
uso indevido, para assegurar o direito à privacidade do seu titular e proibir
discriminação ilegal para fins trabalhistas ou securitários. Não obstante, deverá
proibir-se a transferência gênica em células germinais humanas, permitindo-se,
somente para objetivos terapêuticos, a manipulação de células somáticas. Será
mister ainda tipificar penalmente a clonagem em seres humanos (como fez a Lei
nº 11.105/2005, art. 26) e a produção de seres híbridos ou de ilusórias misturas de
células germinais humanas com as de animais. O teste em hamster consiste na
fertilização de seu óvulo com sêmen humano para analisar a fecundidade, hipótese
em que o ovo não poderá desenvolver-se além das duas células. Só se poderia
admitir juridicamente uma experiência cujos resultados não pusessem em risco
o patrimônio genético da humanidade, nem lesassem a integridade física, mas
buscassem trazer um benefício para o paciente ou atender a um fim terapêutico.
Qualquer dano moral e/ou patrimonial causado por manipulação genética deverá
originar o direito à indenização em favor do lesado, que, para tanto, deverá intentar
ação de responsabilidade civil contra o lesante (DINIZ, 2009).

93
RESUMO DO TÓPICO 2
Neste tópico, você aprendeu que:

• A engenharia genética é um ramo da ciência genética que emprega


procedimentos técnicos para a transferência de informações genéticas para as
células de um organismo.

• A biotecnologia é a ciência da engenharia genética que visa o uso de sistemas


e organismos biológicos para aplicações medicinais, industriais, ambientais,
científicas e agrícolas.

• O PGH tem por objetivo mapear e identificar todos os genes humanos, além de
sequenciar os cerca de 3 bilhões de pares de base.

• Não há legislação específica no Brasil que aborde o tema dos dados genéticos.
Por esse motivo, a Declaração Universal sobre o Genoma Humano e os Direitos
Humanos, e a Declaração Internacional sobre os Dados Genéticos Humanos
são as mais importantes regulamentações no âmbito internacional.

• A manipulação genética é uma técnica de engenharia genética que realiza


experiências para modificar o patrimônio genético, transferir partes do
patrimônio hereditário de um organismo vivo a outro ou efetuar novas
combinações de genes.

• A manipulação genética envolve riscos e uma séria afronta à dignidade


humana.

94
AUTOATIVIDADE

1 Sobre a engenharia genética e a biotecnologia, assinale V para a alternativa


verdadeira e F para falsa:

( ) A biotecnologia é a ciência da engenharia genética que visa o uso de


sistemas e organismos biológicos para aplicações medicinais, industriais,
ambientais, científicas e agrícolas.
( ) Na engenharia genética estão incluídas as noções de manipulação
genética, como também de reprodução humana assistida, terapia gênica,
diagnose genética e clonagem.
( ) Cada célula do organismo humano contém 46 pares de cromossomos.
( ) Outro segmento da engenharia genética é a farmacogenômica, uma
mistura de farmacologia e a genética.

2 Descreva as principais metas do Projeto Genoma Humano.

3 Quais as legislações que regem os dados genéticos humanos?

95
96
UNIDADE 2
TÓPICO 3

CLONAGEM E BIODIREITO

1 INTRODUÇÃO
As extraordinárias descobertas biotecnológicas no campo da engenharia
genética, estudadas no tópico anterior, colocam um fato apreciável e
completamente avançado na história da humanidade: a clonagem humana.

A clonagem humana permite a criação de seres vivos a partir de uma


única célula de um ser semelhante, a qual traz consigo questionamentos morais,
éticos, jurídicos, científicos, religiosos e sociais, além da recorrente discussão
sobre os padrões e normas que serão aplicáveis às pesquisas biotecnológicas.

Em meio a tantos paradoxos, o Biodireito vem estudar e mediar as relações


jurídicas entre o direito e os avanços da biotecnologia, numa visão que engloba o
resultado presente e futuro na preservação da dignidade humana.

A partir disso, este tópico irá abordar subsídios sobre o complexo tema
da possibilidade da clonagem humana, a partir do histórico, conceitos, aspectos
ético-jurídicos e princípios constitucionais e de normativas internacionais que
visam assegurar a proteção da dignidade, inviolabilidade e identidade do ser
humano.

Agora, vamos aos estudos!!

2 CLONAGEM HUMANA
Caro acadêmico, você já ouviu falar de uma ovelha chamada Dolly?
Dolly foi símbolo tanto de destaque como de controvérsias, pois foi o primeiro
mamífero a ser clonado. Em 1996, o escocês Ian Wilmut, do Instituto Roslin, de
Edimburgo, com a colaboração da empresa de biotecnologia PPL Therapeutics,
conseguiu mostrar ao mundo que era possível, a partir de uma célula somática
diferenciada, clonar um mamífero (LEITE, s.d.).

97
UNIDADE 2 | BIODIREITO E EXPERIMENTAÇÕES CIENTÍFICAS EM SERES HUMANOS E ANIMAIS

FIGURA 11 – OVELHA DOLLY

FONTE: Disponível em: <https://istoe.com.br/161917_CLONAGEM+DA


+OVELHA+DOLLY/>. Acesso em: 26 dez. 2017.

Eles isolaram uma célula mamária congelada de uma ovelha da raça Finn
Dorset de seis anos de idade. Foi retirado o ovócito de uma outra ovelha, da
raça Scottish Blackface, desse ovócito foi retirado o núcleo, transformando-o em
ovócito sem núcleo. A partir de um processo de eletrofusão ocorreu a união do
núcleo da ovelha da raça Finn Dorset com o ovócito sem núcleo da ovelha da raça
Scottish Blackface, dando início à divisão celular. O blastocisto então foi colocado
no útero de uma outra ovelha da raça Scottish Blackface, que funcionou como
"barriga de aluguel". Dolly nasceu idêntica ao primeiro animal citado, porém,
foram necessárias 277 tentativas desse processo para obter-se com sucesso a
clonagem (LEITE, s.d.).

98
TÓPICO 3 | CLONAGEM E BIODIREITO

FIGURA 12 – ESQUEMA DE CLONAGEM DA OVELHA DOLLY

FONTE: Disponível em: <http://www.ghente.org/temas/clonagem/index_dolly.htm>.


Acesso em: 26 dez. 2017.

DICAS

Você pode assistir à reportagem do Jornal Nacional sobre a clonagem da


ovelha Dolly acessando: <https://www.youtube.com/watch?v=IxxSSgg9JwU>.

Com o passar do tempo foi percebido que Dolly apresentava telômeros


diminuídos, causando envelhecimento celular precoce. Sugere-se que isso ocorra
pelo fato de que ela tenha sido criada a partir de uma célula adulta de seis anos
(idade da ovelha doadora do núcleo), e não de um embrião (LEITE, s.d.).

99
UNIDADE 2 | BIODIREITO E EXPERIMENTAÇÕES CIENTÍFICAS EM SERES HUMANOS E ANIMAIS

NOTA

Telômeros são estruturas constituídas por


fileiras repetitivas de proteínas e DNA não codificante
que formam as extremidades dos cromossomos. Sua
principal função é impedir o desgaste do material
genético e manter a estabilidade estrutural do
cromossoma. A cada divisão celular, os telêmetros
dos cromossomos diminuem. Portanto, são eles uma
espécie de marcador de tempo para células, pois,
ao perderem um pedaço das suas últimas porções,
provocam morte celular.

FONTE: Disponível em: <https://conceito.de/telomero>. Acesso em: 26 dez. 2017.

Essa técnica de clonagem representou um enorme e ousado avanço na


ciência, possibilitando a clonagem em seres humanos. No entanto, anos mais
tarde, Ian Wilmut (1998, p. 2), criador da ovelha Dolly, em entrevista declarou:

Não conheço nenhuma razão aceitável para justificar a clonagem de


uma pessoa que já existe. Vamos pensar na seguinte hipótese: eu e
minha mulher não podemos ter filho e decidimos fazer uma cópia de
mim mesmo, que será como um irmão gêmeo meu, só que nascido
em outra época. Uma pessoa muito parecida comigo fisicamente, mas
que terá outra personalidade... pois uma cópia nunca terá a mesma
personalidade do original [...].

Demonstrando ao mundo que o tema é muito mais complexo do que se


poderia supor. Logo após a clonagem de Dolly apareceram discussões sobre a ética
na engenharia genética e as possíveis aplicações e consequências da clonagem de
seres humanos, que serão abordadas posteriormente nos aspectos ético-jurídicos.

2.1 CONCEITO
De acordo com Webber (1903 apud ZATZ, 2004), um clone é um conjunto
de células, moléculas ou organismos descendentes de uma célula e que são
geneticamente idênticos à célula original. Desta forma, a clonagem humana é um
processo de reprodução assexuada, em que são obtidos indivíduos geneticamente
iguais a partir de uma célula ou um conjunto de células, geneticamente
manipuladas ou não.

100
TÓPICO 3 | CLONAGEM E BIODIREITO

2.2 HISTÓRICO
A ideia de clonagem é antiga, essa técnica de reprodução assexuada
mediante transplante nuclear de célula vem sendo utilizada na área de agronomia
desde a década de 60 (DINIZ, 2009).

A primeira clonagem foi realizada em 1894 pelo zoólogo alemão Hans


Dreisch, que trabalhando com ouriços-do-mar pegou um embrião com duas
células e sacudindo dentro de um béquer cheio de água do mar fez com que as
células se separassem, dando origem a dois ouriços adultos (LEITE, s.d.).

Com animais, as primeiras experiências foram feitas em 1962 por Gudorn,


com sapos, retirando-se o núcleo do ovócito de uma célula do intestino de um
girino, para obtenção de embriões. Na década de 80, tentou-se inseminar vacas
com embriões clonados, porém um a cada cinco bezerros era maior que o normal
e um a cada 20 era gigante. Outras tentativas foram realizadas, mas o resultado foi
a produção de monstros genéticos que não conseguiram sobreviver (DINIZ, 2009).

Em 1984, os embriologistas americanos Davor Solter e James McGrath


realizam uma série de tentativas para clonar embriões de ratos transferindo os
seus genes para dentro de um ovócito (LEITE, s.d.).

Até a criação de Dolly, em 1996, não se tinha conseguido, de forma


assexuada e artificialmente, uma cópia idêntica de um mamífero adulto usando
núcleo, ou carga genética de uma célula somática e sem participação de gameta
masculino ou espermatozoide. Com isso, passou-se a ter certeza de que células
somáticas adultas ou diferenciadas são totipotentes e retêm a capacidade de
expressar a totalidade da informação genética que caracteriza um indivíduo
(DINIZ, 2009).

Em 1997, foi clonada uma ovelha transgênica, Polly, recebendo genes


humanos em suas células, para que viesse a produzir leite com proteínas
humanas, como alpha-1-antitripsina usada no tratamento de fibrose cística. Na
Polly foram utilizadas duas tecnologias: a manipulação genética e a clonagem.
A técnica de clonagem da Polly permitiu o uso de animais transgênicos,
possibilitando a produção de pele para tratamentos de queimadura, de neurônios
para recuperação da capacidade mental, de órgãos para transplante em humanos,
entre outros (DINIZ, 2009).

No Brasil, em 2001, nasce a bezerra Vitória, primeiro animal clonado no


Brasil a partir de embriões, dos 15 embriões utilizados na experiência, apenas
um sobreviveu. Em julho de 2002, nasce a bezerra Penta, o primeiro clone de um
animal adulto produzido no Brasil (LEITE, s.d.).

Em 2013, uma equipe de cientistas de Oregon, nos EUA, divulgou que


conseguiu reprogramar células da pele humana para que atuassem como células-
tronco, abrindo caminho para a clonagem com fins terapêuticos de órgãos
humanos. Os cientistas acreditam que as células-tronco poderiam ser usadas para
substituir as células danificadas por doenças ou lesões, e para tratar males como

101
UNIDADE 2 | BIODIREITO E EXPERIMENTAÇÕES CIENTÍFICAS EM SERES HUMANOS E ANIMAIS

o Parkinson, a esclerose múltipla, as doenças cardíacas e as lesões na medula


espinhal (LEITE, s.d.).

O histórico da clonagem humana comprova que as pesquisas não param


e evoluem a cada dia, demonstrando a rapidez da biotecnologia e o aparecimento
de difíceis questões ético-jurídicas.

3 CLONAGEM REPRODUTIVA E TERAPÊUTICA


Como vimos anteriormente, a clonagem humana constitui-se de um
processo de reprodução assexuada de um ser humano a partir de uma célula
ou um conjunto de células geneticamente manipuladas ou não. Na qual irá
se diferenciar na aplicação da técnica em clonagem reprodutiva e clonagem
terapêutica (DINIZ, 2009).

A clonagem reprodutiva consiste na retirada de um núcleo de uma célula


somática, que teoricamente poderia ser de qualquer tecido de uma criança ou
adulto, inserindo esse núcleo em um ovócito sem núcleo e implantado em um
útero de aluguel. Se este óvulo se desenvolver, teremos um novo ser com as
mesmas características físicas da criança ou adulto de quem foi retirada a célula
somática. Seria como um gêmeo idêntico nascido posteriormente (ZATZ, 2004).

FIGURA 13 – ILUSTRAÇÃO DA CLONAGEM REPRODUTIVA

FONTE: Adaptado de: <http://www.ghente.org/temas/clonagem/index_txr.htm>.

102
TÓPICO 3 | CLONAGEM E BIODIREITO

A clonagem terapêutica é um procedimento cujos estágios iniciais são


idênticos à clonagem para fins reprodutivos, diferenciando-se apenas pelo fato do
blastocisto não ser inserido em um útero. O blastocisto é utilizado em laboratório
para a produção de células-tronco (totipotentes), que são células imaturas com
capacidade de autorregenerarão e diferenciação, para reparação de tecidos e
órgãos danificados (ZATZ, 2004).

Uma das vantagens da clonagem terapêutica seria a de evitar a rejeição


se o doador fosse a própria pessoa. Seria o caso, por exemplo, de reconstituir a
medula em alguém que se tornou paraplégico após um acidente ou de substituir o
tecido cardíaco em uma pessoa que sofreu de infarto. Entretanto, há uma grande
discussão em relação à clonagem terapêutica envolvendo a questão da vida.
Para se extrair as células-tronco embrionárias é necessário destruir o embrião,
para algumas pessoas isso significa destruir uma vida, e por isso é inaceitável.
Esta é uma questão delicada, que envolve aspectos morais, culturais e religiosos
(PEREIRA, 2002; DINIZ, 2009).

FIGURA 14 – CLONAGEM TERAPÊUTICA

FONTE: Adaptado de: <http://www.ghente.org/temas/clonagem/index_txr.htm>

103
UNIDADE 2 | BIODIREITO E EXPERIMENTAÇÕES CIENTÍFICAS EM SERES HUMANOS E ANIMAIS

4 ASPECTOS ÉTICO-JURÍDICOS
Conforme abordamos em itens anteriores, a Clonagem Humana
Terapêutica apresenta vantagens através da obtenção de células-tronco visando
à produção de tecidos e órgãos. Todavia, na Clonagem Humana Reprodutiva,
segundo a declaração do próprio Ian Wilmut, criador da ovelha Dolly, não há
nenhum tipo de vantagem.

Neste subtópico elencaremos as possíveis aplicações, além de discutir as


implicações e aspectos ético-jurídicos, da clonagem humana.

Sobre suas possíveis aplicações e as razões que a justificariam, podemos


citar, de acordo com Diniz (2009):

• O desejo de uma pessoa de se eternizar.


• A vontade de reproduzir um ente querido já falecido.
• A ambição de repetir genótipo de pessoas valorizadas, famosas.
• Produzir grupos de sujeitos idênticos para desempenhar funções especiais.
• A obtenção de um clone humano como repositor de tecido e de órgãos a serem
utilizados em transplantes.
• Proporcionar um filho a um casal estéril.
• A cura de certas doenças.

Porém, essas possíveis aplicações para a clonagem humana seriam


uma ameaça para o futuro da humanidade, por serem atentatórias à dignidade
humana, mediando-se que:

• O ser humano tem o direito a ser geneticamente único e irrepetível. O clonado


perderia esse direito, por ser o clone uma cópia física idêntica do clonado no
que atina à sua informação genética nuclear. O clone não se reduz à informação
contida no DNA, pois seu desenvolvimento psicológico, sua cultura, o ambiente
que o cerca, as experiências por que passa farão com que tenha uma personalidade
diferente da do original. Seria, portanto, tão somente uma espécie de sósia.
Então, para que clonar humanos, se o ser humano é o produto da interação do
genótipo com o ambiente? Se a pessoa humana é única, o clone também o será.
Por isso, caro acadêmico, para que desejar obter um clone de si mesmo, de um
ente querido ou de pessoa famosa? Se cada um possui o direito de ser quem é,
tendo personalidade própria e um patrimônio genético, para que a clonagem,
se o clone seria mera reduplicação física do clonado? Se essa especificidade
deverá ser respeitada, para que clonar, se a clonagem não traz garantia alguma
de cópia idêntica, assim como não o são os gêmeos univitelinos? (PESSINI;
BARCHIFONTAINE, 2014; DINIZ, 2009; MACHADO NETO, 1963).

• O ser humano tem o direito de não ser programado geneticamente. Donum Vittae
já retrata que “A origem de uma pessoa humana, na realidade, é o resultado de
uma doação. O concebido deverá ser fruto do amor de seus pais. Não pode ser
querido e concebido como produto de uma intervenção de técnicas médicas e

104
TÓPICO 3 | CLONAGEM E BIODIREITO

biológicas: isso equivaleria a reduzi-lo a objeto de uma tecnologia científica”.


Donum Vitae também alerta que as tentativas destinadas a obter um ser humano
sem conexão alguma com a sexualidade, mediante a clonagem, devem ser
consideradas contrárias à moral, por se oporem à dignidade tanto da procriação
humana como da união conjugal, pois os clones precisam apenas de ovócitos e
úteros para se desenvolver, dispensando a função reprodutora masculina. Isso
seria ético? Além do mais, o clone se sentiria descartável, podendo apresentar
problemas psicológicos sérios e graves, que originariam uma personalidade
traumatizada (ESPINOSA, 1998).

• O ser humano é responsável pela sua carga genética e ninguém poderia passá-
la a outra pessoa sem seu consentimento. Se houver esse consentimento, quem
se responsabilizará pelo clone e por seus atos enquanto for menor de idade? O
próprio clone? O cientista? O doador do gene? O poder público? O fato de o
portador do patrimônio genético duplicável ter dado seu consentimento para
a manipulação genética que conduzira à clonagem tornaria, por si só, lícita a
conduta do cientista? (DINIZ, 2009).

• As relações de parentesco dos clones seriam um grande problema jurídico. Se o


clone é pessoa e não objeto, quem seriam seus pais? O clone seria filho dos pais
do doador da célula, de quem seria um irmão gêmeo? Sua mãe legal seria a que
lhe deu à luz, por ter cedido o útero durante sua gestação, aquela que concedeu a
célula somática de onde o DNA foi retirado, ou ainda, aquela que cedeu o ovócito
cujo núcleo foi retirado e substituído pela célula somática? (ESPINOSA, 1998).

• O ser humano é um fim em si mesmo, não podendo ser considerado um meio,


por isso inaceitável seria uma criação de um banco de órgãos ou de tecidos
de reposição fornecidos por clones humanos. Isso contradiz toda a concepção
ocidental do direito, que remete ao fundamento ético, isto é, ao princípio kantiano
segundo o qual o homem é um fim e não pode ser considerado apenas um meio.
O homem não é um objeto, é um sujeito no sentido pleno do direito (LENOIR,
1996). Como tal não poderia ser utilizado como meio, sob a perspectiva dos
direitos humanos proclamados pela ONU. Utilizar clones para a produção em
grande escala de órgãos e tecidos para transplante seria o mesmo que aceitar o
retorno das experiências médicas do nazismo, vistas no Tópico 1 desta unidade.
Além disso, vale lembrar que o clone levaria nove meses para nascer e pelo
menos 18 anos para poder ceder seus órgãos a quem necessitar. O clonado para
essa finalidade seria um objeto para ser utilizado a qualquer momento ou uma
pessoa? (FREITAS; HOSSNE, 1998).

• O material genético de um clone é típico de uma pessoa mais velha, por ser
impossível existir um doador e clone num mesmo estágio da vida. Qual efeito
ocorre na longevidade de uma pessoa que se desenvolveu a parir de uma célula
cujo núcleo inicial já estava com seu telômero diminuído, ou seja, com seu
marcador de tempo adiantado? O clone estará propenso ao desenvolvimento
de câncer, degeneração de órgãos e até mesmo ao envelhecimento precoce.
Devido a essas características, não seria uma irresponsabilidade realizar a
clonagem de um ser humano? (DINIZ, 2009).

105
UNIDADE 2 | BIODIREITO E EXPERIMENTAÇÕES CIENTÍFICAS EM SERES HUMANOS E ANIMAIS

• A baixa eficiência da técnica de clonagem não recomendaria seu emprego em


seres humanos, pois no caso da ovelha Dolly foram necessárias 277 tentativas,
não havendo segurança nas técnicas de clonagem. Deste modo, não seria
um risco enorme clonar seres humanos? Não obstante, não está descartada a
hipótese de que tenha ocorrido contaminação de células indiferenciadas que são
muito similares às células embrionárias, o resultado obtido não teria sido similar
aos dos experimentos realizados com manipulação de embriões? Seria justa ou
lícita a destruição de um grande número de embriões humanos para conseguir
um só clone? (CAMPBELL, 1998; DINIZ, 2009).

• A discriminação surgiria, pois a clonagem poderia ser empregada para


conseguir cópias de pessoas portadoras de certos caracteres físicos, favorecendo
a reprodução de pessoas mais talentosas, belas, saudáveis, ferindo assim os
princípios da não discriminação (CF/88, arts 3º, IV, e 5º) (DINIZ, 2009).

Do ponto de vista científico, a clonagem de animais representa um grande


avanço, mas obrigará a humanidade a enfrentar o problema da possibilidade de
clonar seres humanos, impondo-lhe limites que na verdade não serão técnicos e
sim éticos e jurídicos. Com isso, a tutela da dignidade humana suscitou várias
manifestações documentais, no âmbito nacional e internacional, evidenciando a
preocupação com a clonagem humana e proibindo-a, evitando assim o risco da
sua utilização (DINIZ, 2009).

Muitas pessoas de importância internacional providenciaram a tomada de


medidas urgentes, inclusive legislativas, para vetar o uso da técnica de clonagem
humana em seres humanos. Um exemplo disso foi Bill Clinton, na época presidente
dos Estados Unidos, que solicitou à Nacional Bioethics Advisory Commission
informações sobre as consequências ético-jurídicas da clonagem humana, para
obtenção de dados para sua regulamentação, e enviou ao Congresso projeto de lei
proibindo-a e vetando fundos federais para a pesquisa direcionada para formação
de clones humanos. Outros governos, como Japão, Argentina e França tomaram
providências proibindo pesquisas e clonagem em seres humanos (DINIZ, 2009).

A Declaração Universal do Genoma Humano e dos Direitos do Homem,


no art. 11, considera a clonagem reprodutiva de seres humanos como prática
contrária à dignidade humana. E a Assembleia Parlamentar do Conselho da
Europa proíbe a criação de seres humanos por clonagem (Recomendação nº
1.046/86, nº 14, IV, e Resolução de 16.3.1989, nº 41).

Nem a Europa nem a América querem a produção de seres humanos em


série por meio da clonagem, mas essa rejeição não é universal, há quem discurse
em prol do avanço científico. Um Comitê de ética norte-americano propôs ao
Congresso que legisle em favor da clonagem para finalidade científica, desde que
não sejam implantados no útero (DINIZ, 2009).

Em dezembro de 2001, a ONU decidiu elaborar uma Convenção


Internacional Contra a Clonagem Reprodutiva de Seres Humanos, deixando claro
que a clonagem como forma de reprodução de seres humanos é internacionalmente

106
TÓPICO 3 | CLONAGEM E BIODIREITO

repudiada e constitui-se uma ameaça à dignidade humana, da mesma forma


que a tortura, a discriminação racial e o terrorismo. Durante as reuniões para a
elaboração desse tratado internacional, com a participação de mais de 80 países,
ficou clara a existência de um único consenso internacional: a clonagem não deve
ser utilizada como forma de reprodução assistida em seres humanos (LEITE, s.d.).

No Brasil, o projeto da nova Lei de Biossegurança (Lei nº 11.105/2005, arts.


6º, III, 24 e 25), aprovado pela Câmara dos Deputados no início de fevereiro de
2004, e que substituiu a lei de 1995, proíbe a manipulação genética de células
germinais humanas, de zigotos e de embriões humanos, considerando-a como
crime; permite a intervenção em material genético humano in vivo apenas para
terapia de enfermidades genéticas, condicionando-a ao respeito aos princípios
éticos da autonomia e da beneficência. Permite a clonagem terapêutica com a
utilização de células-tronco embrionárias obtidas a partir de embriões inviáveis
ou congelados há três anos ou mais. E proíbe a clonagem para fins reprodutivos,
com a finalidade de obtenção de um indivíduo. A Lei de Patentes (Lei nº 9.279/96,
art. 10 e 18, III) descreve que o clone não seria patenteável, bem como qualquer
matéria viva. E a Constituição Federal resguarda o direito da imagem e impõe ao
poder público a preservação de patrimônio genético (DINIZ, 2009).

DICAS

Para conhecer a Lei de Biossegurança nº 11.105, de 2005, você pode acessar:


<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2005/lei/l11105.htm>.

Caro acadêmico, a regulamentação no âmbito nacional e internacional


sobre clonagem e manipulação genética, em geral, não resolverá a questão, por
ser insuficiente para garantir condutas apropriadas, nada impedirá que em
alguma localidade do planeta aconteçam manipulações genéticas ilegais e até
mesmo a clonagem humana. Segundo Vieira (1998, p. 33), “Somente o tempo dirá
se prevalecerá a ciência ou a consciência”.

107
RESUMO DO TÓPICO 3
Neste tópico, você aprendeu que:

• A ovelha Dolly foi o primeiro mamífero a ser clonado a partir de uma célula
somática diferenciada e essa descoberta representou um enorme e ousado
avanço na ciência, possibilitando a clonagem de seres humanos.

• O conceito de clonagem e a diferença entre clonagem reprodutiva e clonagem


terapêutica são distintos.

• Existem possíveis aplicações, implicações e aspectos ético-jurídicos da


clonagem humana.

• Muitas pessoas de importância internacional providenciaram a tomada


de medidas, inclusive legislativas, para vetar o uso da técnica de clonagem
humana em seres humanos. Porém, há quem discurse em prol do avanço
científico.

• A Declaração Universal do Genoma Humano e dos Direitos do Homem


considera a clonagem reprodutiva de seres humanos como prática contrária à
dignidade humana.

• A Lei de Biossegurança (Lei nº 11.105/2005) veta a manipulação genética de


células germinais humanas, de zigotos e de embriões humanos, considerando-a
como crime. Permite a clonagem terapêutica com a utilização de células-tronco
embrionárias obtidas a partir de embriões inviáveis ou congelados há três
anos ou mais. E proíbe a clonagem para fins reprodutivos, com a finalidade de
obtenção de um indivíduo.

108
AUTOATIVIDADE

1 Em 1996, o escocês Ian Wilmut, do Instituto Roslin, de Edimburgo, com a


colaboração da empresa de biotecnologia PPL Therapeutics, conseguiu mostrar
ao mundo que era possível, a partir de uma célula somática diferenciada,
clonar um mamífero, o qual representou um enorme e ousado avanço na
ciência. Qual foi o mamífero clonado?

a) ( ) Cachorro
b) ( ) Ovelha
c) ( ) Gato
d) ( ) Vaca

2 A técnica de clonagem terapêutica no Brasil é permitida?


Justifique.

3 Descreva sobre a Lei de Biossegurança (Lei nº 11.105/2005):

109
110
UNIDADE 2
TÓPICO 4

ORGANISMOS GENETICAMENTE
MODIFICADOS: A QUESTÃO DOS
ALIMENTOS TRANSGÊNICOS

1 INTRODUÇÃO
O uso da biotecnologia, como abordamos nos tópicos anteriores, vem
sendo empregada em várias áreas da atividade humana, como sua utilização na
medicina, na área farmacêutica e agora teremos como enfoque sua aplicabilidade
no setor da agricultura via alimentos transgênicos.

A entrada dessa tecnologia nos alimentos transgênicos tem, no entanto,


gerado muita controvérsia. Se, por um lado, oferece um grande leque de
potenciais aplicações na procura de melhoria da qualidade de vida do ser
humano, os produtos até o momento disponibilizados também representam, na
atual conjuntura dos fatos, a possibilidade de riscos à saúde e ao ambiente.

Neste tópico, estudaremos sobre os alimentos transgênicos, seu conceito,
histórico, impactos, riscos e segurança alimentar, alimentos transgênicos no
Brasil, sua evolução e perspectiva, debates atuais sobre a segurança dos alimentos
transgênicos e o direito dos consumidores; e por último, a rotulagem.

Vamos aos estudos!

2 ALIMENTOS TRANSGÊNICOS
Caro acadêmico, todos nós já ouvimos falar sobre alimentos transgênicos
e suas controvérsias. As controvérsias que cercam os alimentos transgênicos
apresentam viés econômico, social e ambiental. Seus defensores alegam que
a biotecnologia aumenta a produção de alimentos, enquanto que os críticos
argumentam que seu impacto na saúde e no meio ambiente é desconhecido.
Grupos de defesa dos consumidores, entre os países da União Europeia, exigem
a rotulagem dos produtos e colocam na mão da população a decisão de consumir
ou não os alimentos transgênicos.

111
UNIDADE 2 | BIODIREITO E EXPERIMENTAÇÕES CIENTÍFICAS EM SERES HUMANOS E ANIMAIS

2.1 CONCEITO
Os alimentos transgênicos, também conhecidos por Organismos Gene-
ticamente Modificados (OGM), ocorrem através do processo de modificação
do código genético de uma espécie pela inserção de uma ou mais sequências
de genes oriundos de outra espécie, mediante o emprego de técnicas de enge-
nharia genética.

E
IMPORTANT

Lembrando que todo transgênico é um Organismo Geneticamente Modificado,


mas nem todo organismo geneticamente modificado é um transgênico.

Os genes inseridos não pertenciam ao genoma original da espécie


modificada e vão propiciar-lhe novas características, como a resistência a
herbicidas ou a produção de toxinas contra pragas, fazendo também com que
essa espécie possa expressar substâncias de interesse para o homem, como
aumentando sua qualidade nutritiva.

Segundo o artigo 3º, inciso V da Lei de Biossegurança nº 11105/05,


considera-se organismo geneticamente modificado aquele cujo material genético
– ADN/ARN – tenha sido modificado por qualquer técnica de engenharia
genética. Porém, o mesmo artigo, em seu §1º estabelece que não se inclui na
categoria de OGM o resultante de técnicas que impliquem a introdução direta,
num organismo de material hereditário, desde que não envolvam a utilização de
moléculas de ADN/ARN recombinante ou OGM, inclusive fecundação in vitro,
conjugação, transdução, transformação, indução poliploide e qualquer outro
processo natural.

112
TÓPICO 4 | ORGANISMOS GENETICAMENTE MODIFICADOS: A QUESTÃO DOS ALIMENTOS TRANSGÊNICOS

FIGURA 15 – MÉTODOS DE MELHORAMENTO VEGETAL

FONTE: Disponível em: <https://pratofundo.com/4212/alimentos-transgenicos/>. Acesso em: 3 jan. 2018.

2.2 HISTÓRICO
As primeiras plantas geneticamente modificadas foram desenvolvidas
a partir de 1983, quando um gene codificante para resistência a
um antibiótico foi introduzido em plantas de fumo. As primeiras
autorizações para plantio experimental de culturas GMs ocorreram na
China, em 1990, e se referiam ao tabaco e ao tomate resistentes a vírus.
Entre os países desenvolvidos, no entanto, a primeira aprovação para
uso comercial de plantas geneticamente modificadas só ocorreu em
1992, nos Estados Unidos, com o tomate Flavr Savr e, posteriormente,
em 1994 com a soja Roundup ready (GUERRANTE, 2003, p. 47).

Segundo registros, o tomate Flavr Sarv apresentava característica de


amadurecer mais lentamente que os tomates convencionais, foi o primeiro
produto em campos norte-americanos, chegando no mercado em 1994.

113
UNIDADE 2 | BIODIREITO E EXPERIMENTAÇÕES CIENTÍFICAS EM SERES HUMANOS E ANIMAIS

Já em 1995, os Estados Unidos inseriram outros produtos geneticamente


modificados no mercado, tais como milho, canola, algodão, soja e a batata. Em 1997,
já eram mais de 18 produtos aprovados pela manipulação genética. E desenvolveram
o “arroz dourado” rico em beta caroteno em 1999 (ORENSTEIN, 2017).

No Brasil, os primeiros testes com plantas transgênicas ocorreram na década


de 80, quando a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (EMBRAPA) monta
seu primeiro laboratório de pesquisa em engenharia genética. A primeira planta
transgênica brasileira tratava-se da inserção de um gene da castanha-do-pará no
feijão, em 1986.

Em 1998, com um pedido da empresa de biotecnologia agrária Monsanto


para plantar comercialmente a soja roundup ready, que apresentava a característica
de resistir ao herbicida, foi autorizado pelo governo, sendo a aprovação do plantio
experimental de transgênicos em 48 áreas de São Paulo, Minas Gerais, Paraná e Rio
Grande do Sul. Contudo, a liminar concedida pela 11ª Vara da Justiça Federal de São
Paulo proibiu a liberação do produto para consumo antes de impacto ambiental.

Atualmente, há 26 países que plantam alimentos transgênicos. Os principais


produtores são os Estados Unidos, Brasil e Argentina (ORENSTEIN, 2017).

FIGURA 16 – PAÍSES COM A MAIOR ÁREA PLANTADA DE ALIMENTOS TRANSGÊNICOS EM 2016

FONTE: Disponível em: <https://www12.senado.leg.br/noticias/especiais/especial-cidadania/projeto-


reacende-debate-sobre-alimentos-transgenicos>. Acesso em: 3 jan. 2018.

114
TÓPICO 4 | ORGANISMOS GENETICAMENTE MODIFICADOS: A QUESTÃO DOS ALIMENTOS TRANSGÊNICOS

Dados do Serviço Internacional para Aquisição de Aplicações


Agrobiotécnicas demonstram que em julho de 2017 havia 490 cultivos de
transgênicos aprovados em todo o mundo, incluindo alimentos como milho,
soja, algodão. A empresa acompanha os números de transgênicos desde que eles
começaram a ser comercializados, em 1996 (ORENSTEIN, 2017).

GRÁFICO 1 – CULTIVO DE ALIMENTOS TRANSGÊNICOS NO MUNDO DE 1996 A 2016

FONTE: Disponível em: <https://www.nexojornal.com.br/explicado/2017/08/05/Transg%C3%


AAnicos-uma-tecnologia-em-constante-disputa>. Acesso em: 3 jan. 2018.

A engenharia genética proporcionou um enorme alento para o


aperfeiçoamento genético de plantas, por possibilitar a sobreposição da barreira
do isolamento reprodutivo dentre e entre os reinos, além de elucidar que o código
genético é universal. A transferência desse conhecimento de engenharia genética
para a produção de alimentos permitiu a produção de sementes em laboratório
e mecanização dos meios de produção, fomentando a modernização da cadeia
produtiva com o viés de aumentar a quantidade de alimentos, com o enfoque de
erradicar a fome mundial. Obviamente, como consequência lógica, expandir o
desenvolvimento econômico daqueles envolvidos no processo (GRAZIANO, 2000).

2.3 IMPACTOS, RISCOS E BIOSSEGURANÇA


O cultivo de plantas transgênicas, tal como o consumo humano e animal
de seus derivados, envolve interesses, impactos e conflitos, instituindo um tema
sobre o qual predominam as discussões científicas, éticas, econômicas e políticas.
115
UNIDADE 2 | BIODIREITO E EXPERIMENTAÇÕES CIENTÍFICAS EM SERES HUMANOS E ANIMAIS

Mundialmente, há um debate sobre os impactos dos Organismos Geneticamente


Modificados (OGM) na saúde humana, animal e no meio ambiente, e sobre uma
possível reformulação nos modelos de exploração agrícola em vigência no mundo
(NODARI; GUERRA, 2003).

As preocupações referentes à utilização dos alimentos transgênicos são


os efeitos adversos decorrentes do uso desses alimentos, que estão relacionados
com a possibilidade de transferência ao homem da resistência a antibióticos, do
potencial alergênico e de toxicidade desses produtos (PESSOA, 2007).

Já houve relatos de que no Japão 5.000 pessoas ficaram doentes, 37


morreram e 1.500 ficaram inválidas, provavelmente após consumirem triptofano
(aminoácido) produzido a partir de uma bactéria modificada geneticamente.
Também foram notificadas ocorrências de fortes reações alérgicas em consumidores
de feijões, nos quais havia sido inserido o gene da castanha (SANTOS, 2001).

No ano de 2000, o Comitê Científico, atuando como parte do Federal


Insecticide, Fungicide, and Rodenticide Act (FIFRA), reunido pela Environmental
Protection Agency (EPA, EUA), avaliou 34 casos e constatou que entre sete e 14
pessoas provavelmente manifestaram reações alérgicas a alimentos contendo
derivados do milho Bt StarLink. No entanto, a comprovação definitiva dependeria
da identificação de anticorpos IgE nessas pessoas, resultante da presença da
toxina Cry9C sintetizada por esse tipo de milho, bem como da sensibilização de
outras pessoas. Nos Estados Unidos e em outros países foi permitido apenas para
consumo animal, devido ao seu potencial alergênico (NADORI; GUERRA, 2003).

No aspecto ambiental, o impacto da introdução dos OGMs no meio


ambiente é outro ponto questionado. A ameaça à diversidade biológica pode
proceder das propriedades intrínsecas do OGM ou de sua potencial transferência
a outras espécies. A adição de novo genótipo em uma comunidade de plantas
pode ocasionar efeitos indesejáveis, como o deslocamento ou eliminação de
espécies não domesticadas, a exposição de espécies a novos patógenos ou agentes
tóxicos, a poluição genética, a erosão da diversidade genética e a interrupção da
reciclagem de nutrientes e energia (NADORI; GUERRA, 2003).

A inserção em plantas de genes de resistência a insetos e a herbicidas


isolados de bactérias ou outras fontes suscita questões relativas à probabilidade
e às implicações desses genes serem transferidos pela polinização cruzada a
espécies aparentadas, principalmente plantas daninhas que competem com as
variedades cultivadas (NADORI; GUERRA, 2003).

Cruzamentos interespecíficos envolvendo plantas transgênicas resistentes


a herbicidas e plantas daninhas aparentadas já foram averiguados com canola,
trigo, sorgo e beterraba (ARRIOLA; ELLSTRAND, 1996; STEVEN et al., 1999).

116
TÓPICO 4 | ORGANISMOS GENETICAMENTE MODIFICADOS: A QUESTÃO DOS ALIMENTOS TRANSGÊNICOS

No estudo do cruzamento entre canola e mostarda silvestre, o número de


sementes da segunda geração do híbrido foi dez vezes maior em relação à primeira.
Nas gerações seguintes, as plantas produziram grande quantidade de sementes
viáveis contendo o gene de resistência ao herbicida. Isso confirma a possibilidade
de transferência de genes proporcionadores de resistência acontecer com maior
intensidade e facilidade do que se poderia supor (NADORI; GUERRA, 2003).

A determinação de riscos de plantas transgênicas resistentes a insetos


também é complexa. Além disso, os poucos estudos sobre pássaros ou outros
animais cuja alimentação inclui insetos que se alimentam de plantas transgênicas
não são conclusivos. Um trabalho realizado constatou o efeito do pólen de milho
transgênico possuidor de um gene de Bacillus thuringiensis (Bt), o qual codifica
para uma toxina que afeta vários insetos. A taxa de mortalidade de lagartas da
borboleta monarca atingiu 44% quando foi adicionado pólen de milho Bt ao seu
alimento natural. Entretanto, todas as lagartas alimentadas com pólen de milho
não transgênico sobreviveram (LOSEY; RAYOR; CARTER, 1999).

Estudos com o solo de plantações de transgênicos e não transgênicos


identificaram impactos significativos nos micro-organismos e no solo no que se
refere às plantações transgênicas. Um dos principais propiciadores de um solo
rico e saudável é a quantidade de micro-organismos existente no solo, com o
uso de transgênicos com função de diminuir e eliminar pragas e insetos, acabou-
se atingindo além das espécies que são de interesse dessa tecnologia, outras
espécies existentes naquele local também foram afetadas, consequentemente
empobrecendo o solo. É possível também que o mesmo motivo possa influenciar
na absorção e liberação de gases pelo solo, ou seja, a nutrição das plantas que
dependem primordialmente desses gases pode ser comprometida (LOPES, 2017).

A FAO (2010) – a Organização Nacional das Nações Unidas para a


Alimentação e a Agricultura – é o órgão responsável por garantir uma segurança
alimentar adequada e pela democratização do direito fundamental a se alimentar.
A biossegurança representa procedimentos necessários para garantir a segurança
aos riscos inerentes à biotecnologia em termos de meio ambiente e da saúde
humana, não deixando de lado o âmbito econômico e as demandas sociais.

Dessa forma, a biossegurança é o meio de proteção utilizado para


regulamentar, observar e coibir ações referentes aos estudos e ao emprego da
engenharia genética na sociedade, estando diretamente ligada aos OGMs, mais
especificamente aos transgênicos, nos quais irá normatizar como esses estudos
deverão ocorrer, se esses organismos podem ou não ser permitidos, como deverão
ser cultivados, colhidos, armazenados, comercializados, ou seja, do início ao fim,
a biossegurança será o escopo de controle e defesa referente aos riscos inerentes à
Biotecnologia (ANTUNES, 2014).

117
UNIDADE 2 | BIODIREITO E EXPERIMENTAÇÕES CIENTÍFICAS EM SERES HUMANOS E ANIMAIS

O primeiro marco regulatório internacional em relação à biossegurança


dos Organismos Geneticamente Modificados foi o Protocolo de Cartagena. No
qual o seu propósito está descrito em seu art. 1º, que diz:

[...] o objetivo do presente protocolo é de contribuir para assegurar


um nível adequado de proteção no campo da transferência, da
manipulação e do uso seguros dos organismos vivos modificados
resultantes da biotecnologia moderna que possam ter efeitos adversos
na conservação e no uso sustentável da diversidade biológica, levando
em conta os riscos para a saúde humana, e enfocando especificamente
os movimentos transfronteiriços (2001, s.p.).

No Brasil, em 1995, foi aprovada a Lei 8.974, que estabeleceu normas


para o uso das técnicas de engenharia genética e liberação no meio ambiente
de organismos geneticamente modificados, além da criação da instituição
de biossegurança, a Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio),
revogada pela Lei nº 11.105, de 2005.

NOTA

A CTNBio é uma instância colegiada multidisciplinar, cuja finalidade é prestar


apoio técnico consultivo e assessoramento ao Governo Federal na formulação, atualização
e implementação da Política Nacional de Biossegurança relativa a OGM, bem como no
estabelecimento de normas técnicas de segurança e pareceres técnicos referentes à
proteção da saúde humana, dos organismos vivos e do meio ambiente, para atividades que
envolvam a construção, experimentação, cultivo, manipulação, transporte, comercialização,
consumo, armazenamento, liberação e descarte de OGM e derivados.
Para saber mais sobre a CTNbio, acesse o site: <http://ctnbio.mcti.gov.br/a-ctnbio>.

3 ALIMENTOS TRANSGÊNICOS NO BRASIL


Caro acadêmico, agora que você já viu o conceito, histórico, impactos,
riscos e segurança alimentar dos transgênicos, discorreremos sobre alimentos
transgênicos no Brasil, acompanhando sua evolução e perspectiva.

3.1 EVOLUÇÃO
Como visto anteriormente, as pesquisas com plantas transgênicas
chegaram no Brasil na década de 80, quando foi montada a Empresa Brasileira
de Pesquisa Agropecuária (EMBRAPA). Porém, só em 1995 foi criada a Lei de
Biossegurança e criada a CTNBio (Comissão Técnica Nacional de Biossegurança),
órgão do Ministério da Ciência e Tecnologia com a função de examinar a segurança
dos organismos geneticamente modificados (MASCARIN, 2006).

118
TÓPICO 4 | ORGANISMOS GENETICAMENTE MODIFICADOS: A QUESTÃO DOS ALIMENTOS TRANSGÊNICOS

No mesmo ano, uma polêmica se alojou por todos os segmentos da


sociedade brasileira com o pedido da Monsanto, para plantar comercialmente a
soja roundup ready. Entretanto, segundo os agricultores, a soja transgênica já era
plantada clandestinamente no país por meio de sementes trazidas da Argentina
(ORENSTEIN, 2017).

Em 1998 foi aprovado o plantio experimental de transgênicos em 48 áreas


de SP, MG, PR e RS e a Monsanto obtém autorização para o plantio comercial
da soja roundup ready. No entanto, foi imediatamente suspensa por liminar na
Justiça Federal a comercialização final. A soja transgênica continuou ilegal e longe
do consumidor (ORENSTEIN, 2017; MASCARIN, 2006).

Em 2001, o Decreto nº 3.871, de 18/07/01, determinou a obrigatoriedade da


rotulagem de alimentos transgênicos, informando em sua composição quando a
presença de OGM ultrapassar o percentual de 4%.

Em 2003, o Decreto nº 4.680 revogou o Decreto nº 3.871/01, passando


a determinar o percentual para 1% para qualquer ingrediente utilizado na
composição do produto.

Em 24 de março de 2005 entra em vigor a nova lei de biossegurança, nº


11.105. Na safra de 2005/2006 pela primeira vez a soja transgênica foi colhida e
vendida legalmente no Brasil (ORENSTEIN, 2017).

Em 2010, o Brasil passa a ser o segundo maior produtor de transgênicos do


mundo, passando a Argentina. E em 2013 começou a produzir soja para exportação,
depois que a China autorizou entrada de produto da Monsanto (ORENSTEIN, 2017).

Em 2015, o Brasil cultivou 44,2 milhões de hectares (ha) de plantas


transgênicas, um crescimento de 5% em relação a 2014 ou o equivalente a dois
milhões de ha. Nenhum outro país do mundo apresentou um crescimento tão
expressivo. No ranking mundial, a agricultura brasileira está apenas atrás dos
Estados Unidos (70,9 milhões de ha). Ainda em 2015, a CTNBio aprovou 14 plantas
transgênicas, um número recorde de novos produtos aplicáveis à agricultura
(CIB, 2016).

Adriana Brondani, diretora-executiva do Conselho de Informações sobre


Biotecnologia (CIB), destaca os fatores que contribuíram para esse desempenho.
“A competitividade do agronegócio brasileiro é resultado de uma forte sinergia
entre as necessidades do campo, adoção da biotecnologia agrícola e critério
científico em avaliações de biossegurança”, afirma. Entre as aprovações, cabe
ressaltar o primeiro eucalipto transgênico do mundo, liberado comercialmente
em abril de 2014 (CIB, 2016, s.p.).

119
UNIDADE 2 | BIODIREITO E EXPERIMENTAÇÕES CIENTÍFICAS EM SERES HUMANOS E ANIMAIS

FIGURA 17 – APROVAÇÃO DAS PLANTAS TRANSGÊNICAS NO BRASIL

FONTE: Disponível em: <http://cib.org.br/brasil-lidera-crescimento-mundial-da-adocao-de-


transgenicos/>. Acesso em: 4 jan. 2018.

Após 20 anos de plantio, os transgênicos se consolidaram como a


tecnologia agrícola mais rapidamente adotada na história recente da agricultura.
No Brasil, já são 17 anos de uso dessa tecnologia. “Ao longo desse período de uso
de organismos geneticamente modificados (OGM), não há um só estudo científico
que tenha concluído que eles causam danos à saúde humana, animal ou ao meio
ambiente”, revela (CIB, 2016, s.p.).

Em 2015, a taxa média de adoção para as três plantas GM já disponíveis foi


de 91%. No caso da soja foi de 94%, para o milho a taxa foi de 84%, e o algodão
foi de 73%. Em 2016, o Brasil novamente apresentou um crescimento expressivo, de
11%, e cultivou 49,1 milhões de hectares com plantas transgênicas (AGRO, 2017).
Atualmente, há 67 plantas transgênicas aprovadas pela CTNbio (ORENSTEIN, 2017).

FIGURA 18 – TAXA MÉDIA DE ADOÇÃO PARA AS TRÊS PLANTAS GM COMERCIALIZADAS NO BRASIL

FONTE: Disponível em: <http://cib.org.br/brasil-lidera-crescimento-mundial-da-adocao-de-transge


nicos/>. Acesso em: 4 jan. 2018.

120
TÓPICO 4 | ORGANISMOS GENETICAMENTE MODIFICADOS: A QUESTÃO DOS ALIMENTOS TRANSGÊNICOS

3.2 PERSPECTIVA
As altas taxas de adoção nos maiores mercados do mundo para a
biotecnologia agrícola indicam que, nos próximos anos, haverá pouco espaço para
crescimento. Esse cenário representa uma oportunidade para o Brasil. “Dentre os
países em que a biotecnologia está mais presente, o Brasil é o único que consegue
expandir área sem avançar sobre áreas de preservação, por meio da recuperação
de áreas degradadas” (CIB, 2016, s.p.).

Outra perspectiva é na área de pesquisas de transgênicos no Brasil,


podemos esperar novas variedades (cana-de-açúcar, citros, eucalipto) e
características (tolerância a outros herbicidas, a estresses hídricos e solos salinos).
Se permanecer investindo em inovação, adoção e diversificação, o país poderá
exercer o papel estratégico de provedor global de gêneros agrícolas de maneira
sustentável (GRAVINA, 2014).

4 DEBATES ATUAIS SOBRE A SEGURANÇA DOS ALIMENTOS


TRANSGÊNICOS E O DIREITO DOS CONSUMIDORES
Atualmente, têm sido objeto de debate dois projetos de lei que englobam
a rotulagem dos alimentos transgênicos, a PLC 34/2015 e a PLC 4908/16. Os
dois projetos de lei reacenderam a polêmica sobre os alimentos transgênicos,
mais especificamente sobre o direito dos consumidores de saber se os produtos
ofertados nas prateleiras dos supermercados contêm ou não organismos
geneticamente modificados.

O PCL 34/2015 altera a Lei de Biossegurança para liberar os produtores


de alimentos de informar ao consumidor sobre a presença de componentes
transgênicos quando esta se der em porcentagem inferior a 1% da composição
total do produto alimentício. Já o PLC 4908/16 altera a Lei de Biossegurança
para obrigar a inserção de imagem indicativa nos rótulos de todos os alimentos
transgênicos, com alerta sobre possíveis danos que esses produtos podem causar
à saúde. Ambas estão em tramitação no Poder Legislativo.

4.1 ROTULAGEM
Caro acadêmico, você sabe identificar no rótulo de uma embalagem se o
produto possui alimentos transgênicos?

121
UNIDADE 2 | BIODIREITO E EXPERIMENTAÇÕES CIENTÍFICAS EM SERES HUMANOS E ANIMAIS

FIGURA 19 – SÍMBOLO DO TRANSGÊNICO

FONTE: Disponível em: <https://www.cornucopia.org/2016/01/gmo-


labeling-requirements-brazil-fines-nestle-pepsico-for-failing-to-disclose-
genetically-modified-ingredients/>. Acesso em: 4 jan. 2017.

O Decreto nº 4.680/2003 regulamenta o direito à informação, assegurado


pela Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990, quanto aos alimentos e ingredientes
alimentares destinados ao consumo humano ou animal que contenham ou sejam
produzidos a partir de organismos geneticamente modificados. De acordo com o
decreto (s.p.):

Art. 2 Na comercialização de alimentos e ingredientes alimentares


destinados ao consumo humano ou animal que contenham ou sejam
produzidos a partir de organismos geneticamente modificados, com
presença acima do limite de um por cento do produto, o consumidor
deverá ser informado da natureza transgênica desse produto.
§ 1º Tanto nos produtos embalados como nos vendidos a granel ou in
natura, o rótulo da embalagem ou do recipiente em que estão contidos
deverá constar, em destaque, no painel principal e em conjunto com
o símbolo a ser definido mediante ato do Ministério da Justiça, uma
das seguintes expressões, dependendo do caso: "(nome do produto)
transgênico", "contém (nome do ingrediente ou ingredientes)
transgênico(s)" ou "produto produzido a partir de (nome do produto)
transgênico".
§ 2º O consumidor deverá ser informado sobre a espécie doadora do
gene no local reservado para a identificação dos ingredientes.
§ 3º A informação determinada no § 1º deste artigo também deverá
constar do documento fiscal, de modo que essa informação acompanhe
o produto ou ingrediente em todas as etapas da cadeia produtiva.

Ou seja, no rótulo constará a presença do símbolo de transgênicos no painel


principal. A presença da frase “Produto produzido a partir de soja transgênica”
ou “Soja transgênica” e “Contém soja transgênica”. E a presença do nome da
espécie doadora do gene no local reservado para a identificação dos ingredientes.

122
TÓPICO 4 | ORGANISMOS GENETICAMENTE MODIFICADOS: A QUESTÃO DOS ALIMENTOS TRANSGÊNICOS

LEITURA COMPLEMENTAR

Transgenia está presente no dia a dia

Enquanto os parlamentares discutem a aprovação da atual safra


brasileira de soja transgênica ou a liberação de futuros alimentos geneticamente
modificados (GMs), Argentina, Canadá, Estados Unidos e alguns países europeus
têm supermercados com prateleiras forradas de comida transgênica e derivados.
Os norte-americanos encontram óleo de soja com alto teor de ácido oleico, que
permite menor ingestão de gorduras saturadas e maior ingestão de gorduras mono
e poli-insaturadas, sendo ainda mais saudável em relação ao risco de doenças
cardiovasculares. Os consumidores dos Estados Unidos podem também levar para
casa óleo de canola com maior teor de ácido esteárico, que diminui a necessidade
de hidrogenação e facilita a ingestão de ácidos graxos trans, tão prejudiciais à
saúde quanto as gorduras saturadas; sem falar na batata com alto conteúdo de
amido, que reduz a absorção de óleo durante a fritura. Isso só para citar alguns.
As quitandas canadenses têm, entre outros, milho, batata, tomate, abobrinha e
papaia geneticamente melhorados. Estima-se que, nos EUA, 70% dos alimentos
comercializados em supermercados contenham um ingrediente derivado de
organismo GM. Vale lembrar que derivados da soja (como a lecitina, usada como
emulsificante) ou do milho (farinha, amido e xarope de glicose) quase sempre estão
presentes em alimentos processados. Se contarmos o tomate transgênico, a lista
aumenta mais ainda: sucos, molhos, ketchup, massas, purês de tomate e pratos
prontos resfriados ou congelados. “Se importarmos biscoitos argentinos, por
exemplo, muito provavelmente eles conterão um ingrediente GM”, explica Edson
Watanabe, engenheiro de alimentos da Embrapa Agroindústria de Alimentos.

Antes das sementes, a biotecnologia tem trabalhado há anos com


microrganismos geneticamente modificados (MGMs), que otimizam direta
ou indiretamente a produção industrial para escalas nunca vistas. “A primeira
bactéria láctica GM foi posta no mercado em 1985”, conta Alda Lerayer, engenheira
agrônoma e Ph.D. em Genética do Instituto Tecnológico de Alimentos (Ital). Ela
explica que os MGMs produzem substâncias quimicamente definidas utilizadas
de forma corriqueira em um grande número de alimentos industrializados. São
enzimas, aminoácidos, vitaminas, ácidos orgânicos, proteínas, corantes, saborizantes
ou realçadores de sabor, polissacarídeos e açúcares, entre outros. Tais organismos
são cultivados sob regras estritas das Boas Práticas de Fabricação (BPF) e altamente
controlados em fermentadores ou reatores. Suas condições ideais de crescimento são
bem conhecidas e seguras, pois já foram testadas. “Tanto os microrganismos como
as substâncias quimicamente definidas por eles produzidas devem ser considerados
Generally Recognized as Safe (GRAS), ou seja, totalmente seguros para o homem
e animais”, diz Alda. Dessa forma, ainda que a transgenia não esteja devidamente
legalizada no país, a biotecnologia faz parte da vida cotidiana do brasileiro muito
mais do que se imagina. Portanto, são grandes as chances de encontrarmos nos
mercados itens com uma ou mais substâncias geradas por MGMs.

FONTE: Revista Biotecnologia II, p. 7. Disponível em: <file:///C:/Users/User/Downloads/Artigo%20


DNA%20tecnologia%20recombinante.pdf>. Acesso em: 2 jan. 2018.

123
RESUMO DO TÓPICO 4
Neste tópico, você aprendeu que:

• Os alimentos transgênicos sofrem o processo de modificação do código


genético de uma espécie pela inserção de uma ou mais sequências de genes
oriundos de outra espécie, mediante o emprego de técnicas de engenharia
genética.

• A China foi um dos primeiros países a plantar culturas de GM e a primeira


comercialização só ocorreu em 1992, nos Estados Unidos, com o tomate Flavr
savr e, posteriormente, em 1994 com a soja roundup ready.

• Atualmente, há 26 países que plantam alimentos transgênicos. Os principais


produtores são os Estados Unidos, Brasil e Argentina, e os principais produtos
cultivados são a soja, milho e algodão.

• Os impactos dos Organismos Geneticamente Modificados na saúde humana,


animal e no meio ambiente são vários.

• Os produtos transgênicos no Brasil são regidos por leis e existem debates que
englobam a rotulagem dos alimentos transgênicos na PLC 34/2015 e a PLC
4908/16.

• Na rotulagem dos alimentos transgênicos consta a presença do símbolo de


transgênicos, e a frase “Produto produzido a partir de soja transgênica” ou “Soja
transgênica” e “Contém soja transgênica”. E a presença do nome da espécie
doadora do gene no local reservado para a identificação dos ingredientes.

124
AUTOATIVIDADE

1 Mundialmente há um debate sobre os impactos dos Organismos


Geneticamente Modificados (OGM) na saúde humana, animal e no meio
ambiente. Diante dessa afirmativa, assinale V para as alternativas verdadeiras
e F para as falsas:

( ) Os efeitos adversos decorrentes do uso de alimentos transgênicos estão


relacionadas à possibilidade de transferência ao homem da resistência a
antibióticos, do potencial alergênico e de toxicidade desses produtos.
( ) A utilização de culturas modificadas provocaria um grande desequilíbrio
nos ecossistemas agrícolas. Além de livrar as plantas de pragas, as modificações
também abalariam toda uma delicada cadeia de outros animais benéficos ao
ambiente e ao solo.
( ) Uma das desvantagens do uso dos OGM é reduzir ao máximo o uso de
agrotóxicos.

2 O decreto que determinou a obrigatoriedade da rotulagem de alimentos


transgênicos, informando em sua composição quando a presença de OGM
ultrapassar o percentual de 1% é:

a) ( ) Decreto 4.898/16
b) ( ) Decreto 4.680/03
c) ( ) Decreto 3871/01
d) ( ) Lei 8.574/95

3 Descreva as características que o rótulo de um produto transgênico


precisa ter:

4 Qual é o símbolo dos transgênicos?

125
126
UNIDADE 3

BIODIREITO E O DIREITO À VIDA:


NOVAS TÉCNICAS CIENTÍFICAS E
IMPACTOS ÉTICO-JURÍDICOS

OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
A partir desta unidade, você será capaz de:

• conhecer sobre reprodução humana assistida;

• entender aspectos bioéticos sobre reprodução humana assistida;

• conhecer esterilização humana artificial;

• aprender sobre transplante de órgãos e tecidos;

• saber sobre o mercado de órgãos e a bioética;

• estudar a eutanásia e direito à morte digna;

• conhecer a terapia com células-tronco;

• compreender aspectos bioéticos da terapia gênica de células germinativas.

PLANO DE ESTUDOS
Esta unidade está dividida em quatro tópicos. No decorrer da unidade você
encontrará autoatividades com o objetivo de reforçar o conteúdo apresentado.

TÓPICO 1 – REPRODUÇÃO HUMANA ASSISTIDA E SUAS CONSEQUÊN-


CIAS ÉTICO-JURÍDICAS

TÓPICO 2 – BIODIREITO E OS TRANSPLANTES DE ÓRGÃOS E TECIDOS

TÓPICO 3 – EUTANÁSIA E DIREITO À MORTE DIGNA

TÓPICO 4 – ASPECTOS BIOÉTICOS DA TERAPIA COM CÉLULAS-TRONCO

127
128
UNIDADE 3
TÓPICO 1

REPRODUÇÃO HUMANA ASSISTIDA E SUAS


CONSEQUÊNCIAS ÉTICO-JURÍDICAS

1 INTRODUÇÃO
Caro acadêmico, seja bem-vindo a esta caminhada para estudar e entender
o contexto da reprodução humana assistida e suas consequências ético-jurídicas.

Atualmente, é possível criar um novo ser utilizando-se dos mais diversos


métodos artificiais de reprodução. Deste modo, a reprodução que era até bem
pouco tempo realizada somente de forma natural, passou a ser possível através
de métodos artificiais.

A Reprodução Humana Assistida é um tema polêmico e atual, que


desencadeia debates éticos e questionamentos jurídicos, visto que interfere no
processo de procriação natural do homem, gerando situações que desafiam o
direito, principalmente no que tange às relações de parentesco, fazendo com que
o conceito de filiação seja repensado.

Então, agora, vamos aprimorar nosso conhecimento compreendendo a


reprodução humana assistida.

Bons estudos!

2 REPRODUÇÃO HUMANA ASSISTIDA


Caro acadêmico, a esterilidade humana sempre foi vista como um grande
problema e, por outro lado, a fertilidade sempre foi considerada como uma
bênção, como uma forma de “imortalidade” (GIMENES, 2009). Assim, iremos ver
o conceito, o histórico, a evolução no Brasil e aspectos bioéticos da Reprodução
Humana Assistida.

2.1 CONCEITO
Segundo Genival Veloso de França (2001, p. 225), a reprodução humana
assistida é o: “[...] conjunto de procedimentos tendentes a contribuir na resolução
dos problemas da infertilidade humana, facilitando o processo de procriação
129
UNIDADE 3 | BIODIREITO E O DIREITO À VIDA: NOVAS TÉCNICAS CIENTÍFICAS E IMPACTOS ÉTICO-JURÍDICOS

quando outras terapêuticas ou condutas tenham sido ineficazes para a solução e


obtenção da gravidez desejada”.

As técnicas de reprodução humana assistida são o método de escolha


para o tratamento da infertilidade e compreendem a manipulação dos gametas
masculinos e/ou femininos fora do corpo humano, com o objetivo de obter uma
gravidez. Dessas técnicas fazem parte a inseminação intrauterina, a fertilização in
vitro, a microinjeção intracitoplasmática de espermatozoides, a transferência de
embriões a fresco ou criopreservados, a criopreservação de embriões e gametas e
os ciclos de tratamento com gametas de doadores (SILVA, 2018).

FIGURA 20 – PROCESSO DE COMO FUNCIONA A FERTILIZAÇÂO IN VITRO

FONTE: Disponível em: <http://cebes.org.br/2014/11/infertilidade-deve-ser-tratada-como-doenca-


diz-medico/>. Acesso em: 14 jan. 2018.

130
TÓPICO 1 | REPRODUÇÃO HUMANA ASSISTIDA E SUAS CONSEQUÊNCIAS ÉTICO-JURÍDICAS

As técnicas mais comuns realizadas no país são a inseminação artificial e


a fertilização in vitro. A inseminação artificial consiste basicamente em ajudar o
espermatozoide a fecundar o óvulo. Isto é, através de exames, verificam os dias
prováveis de maior ovulação e, com prévia coleta de material seminal, injetam o
esperma na mulher para que ocorra naturalmente a gravidez. Já na fertilização
in vitro, tanto os óvulos quanto os espermatozoides são coletados e fecundados
fora do corpo humano, após ocorrer a fecundação e a divisão celular é que são
colocados no útero materno. Esta última técnica apresenta algumas desvantagens,
inicialmente pelo elevado custo e pelos embriões excedentes, pois ao induzir a
ovulação, os médicos não têm controle sobre a quantidade de óvulos que serão
produzidos pela mulher. Sendo estes coletados, serão fertilizados e analisados e
os melhores implantados. Os embriões restantes serão criopreservados durante
um lapso de tempo (SANTOS; NUNES, 2007).

Além disso, a inseminação artificial se divide em dois tipos, sendo uma


denominada de homóloga e a outra heteróloga. A primeira se dá com a utilização
do próprio material genético do casal; e na segunda o sêmen utilizado é de um
terceiro doador, que diante do anonimato, doa seus gametas a um Banco de
Sêmen (RESENDE, 2018).

2.2 HISTÓRICO
Até o final do século XV, apenas a mulher era considerada estéril, sendo
inconcebível a admissão de esterilidade do homem. Somente no século XVII foi
admitido que o homem também pudesse ser estéril (GIMENES, 2009).

No final do século XIX, pesquisadores concluíram que a fertilização


ocorria através da união de um espermatozoide com um óvulo por meio da
relação sexual (GIMENES, 2009).

Em 1870, John Hunter descreveu a inseminação artificial como técnica


terapêutica em um casal cujo marido apresentava hipospádia (ABDELMASSIH,
2001).

Somente no século XX, com o avanço da medicina, é que foram realizadas


grandes descobertas no campo da genética e a década de 70 foi decisiva para o
desenvolvimento da reprodução artificial (GIMENES, 2009).

No final da década de 1970, a técnica de fertilização in vitro (FIV) logrou


seus primeiros resultados com o grupo de Bourn Hall, na Inglaterra, chefiado
pelos pesquisadores Patrick Steptoe e Robert Edwards (ABDELMASSIH, 2001).

Entre 1970 e 1975, vários cientistas realizaram estudos sobre a fertilização


in vitro com óvulos humanos (GIMENES, 2009). Em 1976, obteve-se uma gestação
ectópica após a fertilização in vitro e transferência de um embrião (TE). Em 1978,

131
UNIDADE 3 | BIODIREITO E O DIREITO À VIDA: NOVAS TÉCNICAS CIENTÍFICAS E IMPACTOS ÉTICO-JURÍDICOS

o mesmo grupo relatou a primeira gestação que empregando esta tecnologia


obteve sucesso (ABDELMASSIH, 2001). Após numerosos estudos, o cientista R.
G. Edwards e sua equipe viram nascer, em 1978, no Oldham General Hospital,
em Manchester, Louise Brown, o primeiro bebê de proveta a vir à luz na história
da humanidade (GIMENES, 2009).

FIGURA 21 – NOTÍCIA DO NASCIMENTO DE LOUISE BROWN

FONTE: Disponível em: <http://operamundi.uol.com.br/conteudo/noti-


cias/13783/hoje+na+historia+1978++na+inglarerra+nasce+o+primeiro+be-
be+de+proveta.shtml>. Acesso em: 5 jan. 2018.

A paciente apresentava obstrução tubária bilateral, e a coleta do óvulo foi


realizada em um ciclo natural, mediante laparoscopia. O embrião foi fecundado
em laboratório e transferido ao útero 76 horas após sua coleta, com obtenção de
gestação. A primeira gestação obtida por meio dessa técnica nos EUA aconteceu
no ano de 1982; no Brasil, em 1984. Em 1989, os procedimentos passaram a ocorrer
no nível totalmente ambulatorial, o que levou a uma redução no custo do processo,
mantendo os mesmos resultados obtidos outrora (ABDELMASSIH, 2001).

No início da década de 90, o grupo de Van Steirteghem descreveu


os primeiros estudos pré-clínicos em humanos com a utilização da injeção
intracitoplasmática de espermatozoide (ICSI). Em 1992, Palermo e colaboradores
descreveram as primeiras gestações humanas e nascimentos com a transferência
de embriões após a ICSI, método que atualmente resulta na produção de
132
TÓPICO 1 | REPRODUÇÃO HUMANA ASSISTIDA E SUAS CONSEQUÊNCIAS ÉTICO-JURÍDICAS

mais embriões com melhores taxas de implantação. A consequência desse


fato é que a ICSI tem sido mundialmente utilizada com sucesso nos casos de
tratamento da infertilidade masculina resultante de oligoastenospermia severa,
teratozoospermia e, mesmo, a zoospermia (ABDELMASSIH, 2001).

NOTA

Oligoastenospermia – reduzido número de espermatozoides (menos de 20


milhões por ml) e que apresentam pouca mobilidade e vitalidade (astenospermia).
Teratozoospermia – grande porcentagem de espermatozoides em formato anormal
(defeito de morfologia).
Azoospermia – ausência total de espermatozoides do fluido ejaculado (sêmen).

Ainda sobre o casal que teve o primeiro bebê de proveta, após alguns
anos, o casal Brown teve uma segunda filha, Natalie, também por meio da
fertilização in vitro. E em maio de 1999, Natalie tornou-se o primeiro bebê de
proveta a ter um filho por meios tradicionais. A concepção da criança foi natural,
tranquilizando certas preocupações de que bebês de proveta femininos seriam
incapazes de engravidar normalmente. Em dezembro de 2006, Louise Brown, o
bebê de proveta pioneiro, deu à luz um menino, Cameron John Mullinder, que
também foi concebido naturalmente (OPERAMUNDI, 2011).

2.3 EVOLUÇÃO NO BRASIL


As primeiras usuárias brasileiras de FIV, incluídas em experimentos
desta inovação, ditas “voluntárias”, residiam em sua maioria na cidade de São
Paulo, onde se encontravam em maior número os primeiros especialistas de
Reprodução Assistida (RA). A integração dessa biotecnologia se deu através da
organização privada de pequenos seminários, para obtenção de know-how. O
convite era realizado por grupos de clínicas e especialistas nacionais a renomados
especialistas estrangeiros, que custeavam a vinda e o trabalho dos pesquisadores
no Brasil para ensinar aqui como utilizar as tecnologias que compõem a FIV:
medicamentos, doses e formas de aplicar concebidas como mais favoráveis à
época, meios de cultura a escolher etc.

O trabalho desses médicos estendia-se inclusive ao acompanhamento à


distância do desenvolvimento das gestações de mulheres brasileiras. De fato, muitas
daquelas mulheres “voluntárias” admitiram submeter-se aos procedimentos em tais
condições de aprendizado dos especialistas por não poderem custear o tratamento.
O primeiro nascimento de um bebê FIV brasileiro foi em 1984. Na época, tais
condições foram denunciadas nacional e internacionalmente na literatura feminista

133
UNIDADE 3 | BIODIREITO E O DIREITO À VIDA: NOVAS TÉCNICAS CIENTÍFICAS E IMPACTOS ÉTICO-JURÍDICOS

e de cunho sociológico sobre a mulher, inclusive o caso de morte de uma voluntária


(REIS, 1985; COREA, 1985; ROWLAND, 1987; SCUTT 1990).

A despeito de contradições sanitárias, éticas, legais e mesmo de controvérsias


científicas que cercaram a história das Técnicas de Reprodução Assistida (TRA),
o valor social conferido à reprodução (maternidade e paternidade), à família
geneticamente vinculada, à vida doméstica de base familiar sob os mais diferentes
tipos de arranjo e relações biogenéticas, o valor conferido ao desenvolvimento
pessoal através da reprodução são fatores a acentuar o desejo de filhos como
algo imensamente bem-vindo e socialmente legítimo, a justificar o clamor pelo
“acesso às TRA a qualquer custo”. Desta forma, a revolução reprogenética foi
rapidamente naturalizada e normalizada como uma prática médica comum,
como um “simples” tratamento, o que viabilizou as TRA serem dissociadas da
ideia de experimentos ou de pesquisas com seres humanos, ainda que a medicina
reprodutiva perdure em campo híbrido, entre clínica e experimentação, já que
há ininterrupta incorporação de novas tecnologias no campo. Essa naturalização
da tecnologia alcançou tal ponto que a linguagem social da reprodução e a
linguagem médica das infertilidades vão terminar por se associar no bordão: “as
pessoas trazem os desejos e a medicina, as técnicas” – utilizado pelos especialistas
e também por usuários em entrevistas.

3 ASPECTOS BIOÉTICOS DA REPRODUÇÃO HUMANA


ASSISTIDA
A ciência é poderosa auxiliar para que a vida humana seja cada vez mais
digna de ser vivida. De fato, não se pode negar que a ciência, fundamentada em
dados naturais, melhora a vida do homem na descoberta de medicamentos, nos
transplantes de órgãos, na extirpação de tumores, nas cirurgias cardiovasculares
etc., mas, quanto a gerar vida humana em laboratório, é mister muita precaução,
em razão de estar em questão a dignidade do homem; por haver coisificação do ser
humano; por atingir o embrião psicologicamente, deixando marcas permanentes,
causando traumas, reações de ordem psíquica e por possibilitar a degeneração
da espécie humana, ante a possibilidade, no futuro, de relações incestuosas com
o doador do material genético ou com sua prole etc. A ciência contemporânea
não refuta que o reconhecimento da vida se exerce a partir da concepção. Com
a fecundação, o ser humano já existe biologicamente, sendo capaz de sensações,
sentimentos, de respostas intuitivas a estímulos sensoriais externos etc. Logo,
seres geneticamente aperfeiçoados, criados em laboratórios, poderão desenvolver
graves distúrbios mentais ou sérios desvios psicológicos, sendo desaconselháveis
tais atos, que promovem incontáveis efeitos negativos à prole. Afinal, nem tudo
que é cientificamente tangível é moral e juridicamente aceitável (DINIZ, 2009).

É necessário que se tome consciência de que aqueles procedimentos de


fertilização humana assistida não trazem em si cura alguma à esterilidade, pois
quem é estéril continuará a sê-lo, uma vez que, na realidade, o partícipe da criação

134
TÓPICO 1 | REPRODUÇÃO HUMANA ASSISTIDA E SUAS CONSEQUÊNCIAS ÉTICO-JURÍDICAS

é o doador, um desconhecido ao casal, que tão-somente coloca à disposição seu


material fecundante. Como se vê, a solução da esterilidade encontrar-se-á somente
na fecundação do consorte, por meio da utilização de esperma ou de oócito de
uma pessoa que permanecerá anônima. A opção pelas técnicas de reprodução
assistida não é natural, nem é opção pelo amor, por evidenciar uma entrega
condicionada à obtenção de um filho artificialmente, nem mesmo é opção pela
dignidade da pessoa humana, por considerar o filho como objeto de manipulação
instrumental ou de experimentação em laboratório, com interferência de terceiros
que não são os genitores, sejam eles os doadores do material fecundante, as que
forneceram o útero para procriação alheia ou os membros constituintes da equipe
médica que efetua tais procedimentos (MARTINEZ, 1998).

A título ilustrativo, esclarecemos que a Congregação para a Doutrina


da Fé da Santa Sé, sob a presidência do Cardeal Joseph Ratzinger (hoje
Papa emérito Bento XVI), publicou, no dia 22 de fevereiro de 1987, as
“Instruções sobre o respeito à vida humana nascente e dignidade da
procriação. Respostas a algumas questões da atualidade”, assumindo
uma postura restritiva quanto à viabilidade ética dos seguintes tópicos:
as intervenções terapêuticas e os métodos de observação do embrião
que pressuponham um grave risco para a sua saúde; a experimentação
com embriões vivos com fins não especificamente terapêuticos; a
conservação com vida de embriões humanos com fins comerciais ou
experimentais; o uso de fetos mortos com fins comerciais e a mutilação
desnecessária de embriões e fetos humanos mortos; a destruição
voluntária de embriões humanos obtidos por fecundação in vitro
com fins de investigação ou procriação; a fertilização entre gametas
humanos e animais; a gestação de um ser humano no útero de um
animal ou em útero artificial; a obtenção de um ser humano através
de clonação; a partenogênese; a fissão de embriões; o congelamento
de embriões (crioconservação), ainda que com o objetivo de preservar-
lhes a vida; a modificação da herança por motivos extraterapêuticos; a
fecundação in vitro; o aluguel de ventres; o armazenamento de esperma
mediante masturbação; todo método de fertilização cujo destinatário
seja um “casal não casado” e a fertilização artificial de toda mulher
solteira ou viúva. Esse documento é uma exortação aos governos para
que façam parar as experiências de tecnologia genética, e estimula a
urgente sanção de uma legislação restritiva (DINIZ, 2009, p. 603-604).

Ao final desta nossa efêmera reflexão, deixamos no ar os questionamentos:


será que o direito à descendência ou o desejo humano de procriar poderão
sobrepor-se à dignidade do homem e da vida? Não seria melhor a adoção, que
preencheria a satisfação de ter e criar filhos, resguardando, em certa medida, o
direito à descendência? Será que a coisificação do ser humano mereceria aplausos?
Seria possível, em prol da pesquisa científica, permitir uma radical mutação
dos valores da vida humana? Seria lícito tudo que for possível cientificamente?
(CLOTET, 1997).

Oficialmente, sabemos que a moral católica se opõe à fecundação in vitro


ou em laboratório, mas a reflexão em busca da verdade e do bem perdura, não é
questão encerrada. Notamos que a fecundação in vitro recebe crescente aceitação
nos meios científicos, que a submetem, todavia, a condições e restrições éticas, ora
no âmbito clínico, ora no científico. Essas condições foram expressas pelo Comitê

135
UNIDADE 3 | BIODIREITO E O DIREITO À VIDA: NOVAS TÉCNICAS CIENTÍFICAS E IMPACTOS ÉTICO-JURÍDICOS

Federal de Ética norte-americano e obtiveram aprovação de moralistas católicos


e participantes do 1º Congresso Internacional de Transferência de Embriões.
Colocando de lado a validade estritamente científica das experimentações, três
condições fundamentais são exigidas para que o procedimento aconteça: 1. A
inseminação artificial deve ser intraconjugal; 2. Que ela tenha a finalidade de
contornar um caso de esterilidade; 3. Que ela tenha a finalidade de almejar uma
criança que o casal quer assumir e criar (PESSINI; BARCHIFONTAINE, 2014).

Fecundação significa e consiste no fato de gerar um novo ser, um novo


indivíduo; quando se atina ao homem, a fecundação é sinônimo de procriação.
Ora, uma espécie de intervenção biomédica ou técnica na procriação não pode ser
analisada do mesmo modo que qualquer ato fisiológico ou técnico, como poderia
ser, por exemplo, a função renal, que, se não pode ocorrer dentro do organismo
de maneira orgânica, por conta de uma patologia, pode ser realizada do lado de
fora, artificialmente, por meio de hemodiálise, sem que esse fato, em si, traga
problemas éticos (SGRECCIA, 2009).

A fecundação ou procriação humana é ato pessoal do casal e tem como


resultado um indivíduo humano; isso abrange a responsabilidade dos cônjuges,
o próprio arcabouço da vida conjugal, bem como o destino da pessoa que é
chamada a nascer (SGRECCIA, 2009).

O tema é tratado no âmbito médico por um motivo: o tratamento da


infertilidade, feminina ou masculina. O problema ético a ser elucidado é o
seguinte: até que ponto o ato médico, a interferência do médico ou mesmo do
biólogo tem uma conotação de auxílio terapêutico ou se torna um ato substitutivo
e manipulatório? Tratar significa remover os entraves, simplificar os processos;
não quer dizer substituir a responsabilidade das pessoas, do casal neste caso,
naquilo que é próprio dele, de modo exclusivo e inalienável (SGRECCIA, 2009).

Deveremos, portanto, nos questionar, a partir do conhecimento das


possibilidades promovidas pela ciência e pela técnica, até que ponto a fecundação
artificial no útero ou in vitro faz parte da atividade lícita do biólogo ou do médico:
isso comporta uma referência central aos valores humanos (a pessoa do nascituro,
a natureza do matrimônio) envolvidos nessa questão. A solução ética elucidará
também o problema social e jurídico suscitado por esse tipo de interferência médico-
biológica. A evocação da bioética é aqui plena e legítima (SGRECCIA, 2009).

É mister dizer também que os valores humanos avocados no problema


que examinamos são de um alcance cultural muito mais profundo do que possa
parecer à primeira vista. Entram em voga as relações de harmonia e de equilíbrio
entre “amor” e “vida” no matrimônio, entre liberdade e responsabilidade na
profissão médica, entre natureza e pessoa no aspecto da vida humana, entre a
técnica e a moral na medicina e na biologia (SGRECCIA, 2009).

Encontramo-nos num ponto crítico das aplicações científicas e técnicas


do homem, em que é mais do que nunca imprescindível distinguir entre o que é
tecnicamente tangível e também útil e o que é moralmente lícito.

136
TÓPICO 1 | REPRODUÇÃO HUMANA ASSISTIDA E SUAS CONSEQUÊNCIAS ÉTICO-JURÍDICAS

4 ESTERILIZAÇÃO HUMANA ARTIFICIAL


A esterilização humana artificial consiste num conjunto de técnicas
especiais, cirúrgicas ou não, com o objetivo de impedir a fecundação, tornando
o indivíduo submetido incapaz para a reprodução da espécie, entretanto não
perde sua capacidade de praticar o ato sexual. Ela pode ser realizada através de
mecanismos que, por exemplo, retirem as funções das trompas de falópio nas
mulheres (ligadura de trompas ou laqueadura), ou ainda que retirem as funções
dos canais seminais nos homens (vasectomia). Cabe observar que, no Brasil, é
vedada a retirada do útero (histerectomia) ou ablação dos ovários (oforectomia)
com a finalidade de método contraceptivo (Lei nº 9.263/96, art. 10, parágrafo 4º e
15) (DINIZ, 2009).

FIGURA 22 – LAQUEADURA E VASECTOMIA

FONTE: Disponível em: <https://pt.slideshare.net/rhbagatini/reproduo-humana-2-8060318>. Acesso


em: 14 jan. 2018.

4.1 TIPOS DE ESTERILIZAÇÃO


A esterilização humana artificial pode ser eugênica, terapêutica,
cosmetológica, por motivos econômicos ou para limitação da natalidade.

A esterilização eugênica tem por finalidade impedir a transmissão de


doenças hereditárias indesejáveis, a fim de evitar prole inválida ou inútil, bem
como para prevenir a reincidência de pessoas que cometeram crimes sexuais. Ela
foi utilizada em larga escala no século XX, sendo que alguns países lançam mão
de tal procedimento até hoje. Para se ter um exemplo, na província chinesa de
Gansu foi adotada uma lei em 1988 que somente admite casamento de mulheres
com problemas mentais se elas forem esterilizadas, obrigando-as, se ficarem
grávidas, a praticar o aborto. No Brasil, não é permitida a esterilização eugênica,
diante do disposto no art. 5º, XLVIII, e da Constituição, que veda a imposição de
penas cruéis, tornando inadmissível a castração e a esterilização, mesmo que o
criminoso tenha cometido delito por um desvio de sexualidade (DINIZ, 2009).

137
UNIDADE 3 | BIODIREITO E O DIREITO À VIDA: NOVAS TÉCNICAS CIENTÍFICAS E IMPACTOS ÉTICO-JURÍDICOS

Apesar de no Brasil não ser permitida, o deputado federal Wigberto


Tartuce (PPB/DF) apostou numa tentativa. Em 20/6/2002 ele apresentou projeto de
lei que modificaria as penas dos crimes de estupro e atentado violento ao pudor
(artigos 213 e 214 do Código Penal). Ao invés da pena restritiva de liberdade, o
parlamentar propôs a adoção da pena de castração com a utilização de recursos
químicos, cuja duração é temporária. No entanto, após apreciação pela Comissão
de Constituição, Justiça e Cidadania da Câmara dos Deputados, o projeto de lei
foi arquivado, sob o argumento de que a Constituição Federal veda a aplicação de
penas cruéis (art. 5º, inciso XLVII, alínea e) (HENTZ, 2005).

A esterilização terapêutica é excluída de antijuridicidade, por ser feita para


salvar a vida de uma mulher portadora de cardiopatia, câncer, diabete, tuberculose
severa, surto mental ligado ao puerpério etc., visto que há impossibilidade clínica
de ter filhos. Para tanto será necessário que se faça uma análise criteriosa dos riscos
reprodutivos e obstétricos, averiguando se permanentes ou transitórios, daí a
responsabilidade civil médica em diagnosticar as injunções clínicas determinantes
da esterilização feminina. Nada impede que o homem faça vasectomia para
proteger a vida e a saúde de sua mulher. Basta o consenso de um dos cônjuges
para a realização dessa modalidade de esterilização. Essa esterilização profilática
deve ser aceita sempre que houver risco de um grave dano para a saúde ou para a
vida da paciente, bem como do futuro bebê. No Brasil, a esterilização terapêutica
é aceita, mas deve ser precedida de relatório escrito e assinado por dois médicos,
conforme preconizam a Lei nº 9.263/96 e a Portaria nº 144/97 da Secretaria de
Assistência à Saúde (DINIZ, 2009).

Já a esterilização cosmetológica destina-se apenas a evitar a gravidez,


considerando-se que não é precedida de nenhuma indicação médica relacionada
à saúde. É o tipo de esterilização que somente leva em conta a estética. Esta prática
não é permitida pelo nosso ordenamento jurídico (HENTZ, 2005).

A esterilização por motivo econômico-social é uma esterilização feita para


atender a razões econômicas ou justificar condição social. Como não encontra
nenhum respaldo jurídico, deve ser evitada, mesmo havendo o consentimento
expresso da paciente, em regra multípara (DINIZ, 2009).

Por fim, a esterilização para a limitação da natalidade visa restringir a


prole das famílias, em virtude das condições socioeconômicas de um dado país.
Poucos países a utilizam, merecendo destaque a China, que adotou a campanha
"um casal – um filho", dada a sua imensa população. Nossa Constituição Federal
veda expressamente qualquer forma coercitiva de esterilização tanto por parte de
instituições oficiais como privadas. Tanto é assim que o parágrafo único do art. 2º
da Lei nº 9.263/96 é enfático ao proibir a utilização do planejamento familiar para
qualquer tipo de controle demográfico (HENTZ, 2005).

Existe, ainda, a esterilização voluntária, masculina e feminina, que vem


sendo aceita em vários países como meio contraceptivo de planejamento familiar.
No Brasil, pela Lei nº 9.263/96, art. 10, I, e pela Portaria nº 144/97 da Secretaria de
Assistência à Saúde, é permitida a esterilização voluntária, para planejamento

138
TÓPICO 1 | REPRODUÇÃO HUMANA ASSISTIDA E SUAS CONSEQUÊNCIAS ÉTICO-JURÍDICAS

familiar, em mulheres com capacidade civil plena, desde que maiores de 25 anos
de idade ou que tenham pelo menos dois filhos vivos, observando-se o prazo
mínimo de 60 dias entre a manifestação da vontade e o ato cirúrgico, período
no qual será propiciado à pessoa interessada acesso ao serviço de regulação da
fecundidade, incluindo aconselhamento por equipe multidisciplinar, visando
desencorajar a esterilização precoce. As secretarias estaduais e municipais de Saúde
deverão credenciar hospitais para realização de laqueadura tubária e vasectomia
ou de outro método cientificamente aceito, sendo vedadas a histerectomia e a
ooforectomia (DINIZ, 2009).

Para que se opere a esterilização é preciso que conste no prontuário


médico o registro de expressa manifestação da vontade de ambos os cônjuges, se
vigente a sociedade conjugal, em documento escrito e firmado, após a informação
dos riscos da cirurgia, possíveis efeitos colaterais e dificuldades de reversão. Se
houver comprometimento na capacidade de discernimento por influência de
álcool, drogas, estado emocional alterado ou incapacidade mental temporária
ou permanente, não se poderá considerar válida a manifestação de vontade
do paciente. E se este for absolutamente incapaz, imprescindível será, para sua
esterilização, autorização judicial. Essa esterilização cirúrgica não pode ser feita
em mulher durante período de parto ou aborto, salvo no caso de necessidade por
cesarianas sucessivas anteriores (DINIZ, 2009).

Mesmo que haja anuência expressa, a esterilização voluntária para fins


de planejamento familiar não pode dar-se pelo emprego de método que fira a
dignidade humana, ou seja, que venha a causar mutilação, como cirurgia ablativa
das gônadas ou amputações imotivadas. Há responsabilidade civil por danos
morais e materiais decorrentes de esterilização não autorizada na forma legal
(CC, arts. 186, 927, 932 e 942; Lei nº 9.423/96, art. 21; CF, art. 5º, V e X; STJ, Súmula
37) ou exigida pela empresa, ao obrigar a laqueadura das trompas, para que a
funcionária possa permanecer no emprego (DINIZ, 2009).

4.2 QUESTÃO DA PATERNIDADE


Caro acadêmico, como foi visto anteriormente, o avanço científico
proporcionou o surgimento de técnicas de reprodução assistida, consentindo que
casais que não pudessem ter filhos tivessem a possibilidade de tê-los.

A partir disso, com a utilização dessas técnicas, surgiram questionamentos


ligadas à filiação, por exemplo, questões ligadas à investigação da parentalidade
genética; paternidade e maternidade biológicas e a relação socioafetiva; a questão
que envolve as mães de substituição (utilização de ventre de terceira doadora);
os direitos dos nascituros e sua proteção; questões que envolvem as presunções
de paternidade e as técnicas de reprodução assistida (inseminação artificial
homóloga e heteróloga); esterilização humana; eugenia e terapia gênica (escolha
de sexo dos bebês, cor dos olhos etc.), transexualismo, eutanásia e clonagem
humana (BOTTEGA, s.d.).

139
UNIDADE 3 | BIODIREITO E O DIREITO À VIDA: NOVAS TÉCNICAS CIENTÍFICAS E IMPACTOS ÉTICO-JURÍDICOS

Entretanto, o Direito brasileiro não acompanhou tal evolução e


simplesmente não previu soluções jurídicas para esses tipos de casos. Com o
surgimento do Código Civil de 2002, esperava-se soluções, todavia, elas não
vieram. O seu art. 1597, que trata sobre o estabelecimento da filiação, novamente
não resolveu efetivamente o problema e fez com que as reproduções, chamadas
heterólogas (quando há material genético de pessoa diferente do casal), ficassem
novamente sem regulamentação. Igualmente ocorreu com as chamadas mães de
substituição ou barriga de aluguel, a fertilização post mortem e inúmeros outros
casos (SANTOS; NUNES, 2007).

A filiação é um direito previsto a todos, sendo assim a investigação de


paternidade é o caminho adotado por aqueles que ainda não têm a sua filiação
firmada. Quando se trata de casos como o de reprodução assistida heteróloga,
em que temos, além da intervenção médica, material genético de outrem, fora
da relação familiar, a investigação de paternidade se torna meio ineficaz para tal
fim, considerando-se que o doador do gameta tem sua identidade protegida, com
base na resolução do CFM nº 1.957/2010 (ENEIAS; SILVA, 2004).

Caro acadêmico, diante disso, a criança, fruto da reprodução assistida


heteróloga, com base no princípio fundamental da dignidade da pessoa humana e
do direito de filiação, não teria o direito ao reconhecimento de sua origem genética?
Surge então esse polêmico questionamento, este tema ainda não está legislado,
não havendo, portanto, uma norma que determine qual o procedimento correto
em situações como esta, em que de um lado temos o direito do reconhecimento
da origem genética e, do outro, o direito do doador ao anonimato, um direito
que não podemos esquecer lhe foi garantido no momento da doação do sêmen
(ENEIAS; SILVA, 2004).

Além disso, o direito à busca pela identidade genética não está de forma
expressa na Constituição Federal, não obstante dele ser um direito fundamental, já
que o direito à origem genética se insere no grupo dos direitos da personalidade,
além de ser fundamentado na dignidade do ser humano (ENEIAS; SILVA, 2004).

Também é possível observar uma enorme mudança no conceito de família


e filiação no ordenamento jurídico brasileiro, alterando-se antigas concepções, tais
como a exclusividade e primazia da verdade biológica para fins de constatação
de estado de filiação. Na atualidade, o vínculo familiar se dá pela afetividade e a
figura de pai e mãe vem sendo cada vez mais determinada não pela genética ou
por presunção legal, mas pela convivência afetiva (LOPES, 2014).

Segundo Paulo Lôbo (2009, p. 52), a convivência familiar se define como


sendo: “A relação afetiva diuturna e duradoura entretecida pelas pessoas que
compõem o grupo familiar, em virtude de laços de parentesco ou não, no ambiente
comum. É o ninho no qual as pessoas se sentem recíproca e solidariamente
acolhidas e protegidas, especialmente as crianças”.

No art. 227 da Constituição Federal, como o art. 4º do Estatuto da Criança


e do Adolescente, fazem alusão ao direito à convivência familiar saudável que a
criança, o adolescente e o jovem possuem, sendo este um direito fundamental.

140
TÓPICO 1 | REPRODUÇÃO HUMANA ASSISTIDA E SUAS CONSEQUÊNCIAS ÉTICO-JURÍDICAS

No art. 227, § 6º também não se admite discriminações ou adjetivações


com relação à filiação, sendo a mesma biológica ou não biológica, mas sempre
de conceito único, não havendo diferença entre os filhos independentemente de
sua origem. A Carta Magna também apresentou o princípio da igualdade entre
os filhos, proibindo qualquer discriminação aos filhos, qualquer que seja sua
origem, confirmando, desta forma, o princípio da proteção integral da criança e
do direito à convivência familiar (ENEIAS; SILVA, 2004).

No § 6º do art. 227 se observa de forma clara, também no art. 1.596 do


Código Civil, in verbis, que determina: “os filhos, havidos ou não da relação de
casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas
quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação”. Apesar do artigo não
mencionar a reprodução assistida heteróloga, por analogia aplica-se a mesma,
visto que é mencionada no art. 1.597, V do Código Civil.

5 PERSPECTIVAS E DEBATES ATUAIS SOBRE REPRODUÇÃO


HUMANA ASSISTIDA
A reprodução biológica, antes impedida pelas “infertilidades”, agora
é viabilizada pelas técnicas de reprodução humana assistida. Nesse modelo, o
desejo de reprodução pode reescrever um mundo novo e já vem provocando vários
debates dos problemas propriamente ditos, como na proposição da categoria
da ausência involuntária de filhos e a demanda de filhos por homossexuais. As
técnicas de reprodução assistida podem também promover a seleção sexual, pela
escolha predeterminada do sexo, o que por si só traz uma profunda alteração do
sistema de regulação da vida e da reprodução, em que cada um pode e deve gerir
o capital da saúde própria e de sua descendência, seus sucessos, riscos e revezes,
escolhas das quais devem estar conscientes.

Outra perspectiva e debate atual é com proposta de ampliação do acesso às


técnicas de reprodução assistida na rede pública e no setor de saúde suplementar
(planos e seguros de saúde). Em 2017, teve repercussão devido aos planos de saúde
estarem sendo obrigados a fornecer tratamento de reprodução assistida por força
de decisões jurídicas, uma vez que a Lei 9.656/98 prevê expressamente que planos
de saúde são obrigados a cobrir atendimentos nos casos de planejamento familiar,
cabe assim aos planos custear também tratamentos de fertilização in vitro.

141
RESUMO DO TÓPICO 1

Neste tópico, você aprendeu que:

• As técnicas de reprodução humana assistida são o método de escolha para


o tratamento da infertilidade e compreendem a manipulação dos gametas
masculinos e/ou femininos fora do corpo humano, com o objetivo de obter
uma gravidez.

• As técnicas mais comuns realizadas no país são a inseminação artificial e a


fertilização in vitro.

• A inseminação artificial se divide em dois tipos, sendo uma denominada de


homóloga e a outra heteróloga. A primeira se dá com a utilização do próprio
material genético do casal; e na segunda o sêmen utilizado é de um terceiro
doador, que diante do anonimato doa seus gametas a um Banco de Sêmen.

• Posicionamento contrário da Igreja Católica sobre a fecundação in vitro ou em


laboratório.

• A esterilização humana artificial consiste num conjunto de técnicas especiais,


cirúrgicas ou não, com o objetivo de impedir a fecundação.

• A esterilização humana artificial pode ser eugênica, terapêutica, cosmetológica,


por motivos econômicos ou para limitação da natalidade.

• A utilização das técnicas de reprodução trouxe questionamentos ligados


à filiação, por exemplo, questões ligadas à investigação da parentalidade
genética; paternidade e maternidade biológicas e a relação socioafetiva; a
questão que envolve as mães de substituição (utilização de ventre de terceira
doadora); os direitos dos nascituros e sua proteção; questões que envolvem as
presunções de paternidade e as técnicas de reprodução assistida (inseminação
artificial homóloga e heteróloga); esterilização humana; eugenia e terapia
gênica (escolha de sexo dos bebês, cor dos olhos etc.), transexualismo, eutanásia
e clonagem humana.

• O Direito brasileiro não acompanhou tal evolução e simplesmente não previu


soluções jurídicas para os casos de reprodução humana artificial.

• Com o surgimento do Código Civil de 2002, esperava-se soluções para filiação,


todavia, elas não vieram.

142
• O art. 227 da Constituição Federal, como o art. 4º do Estatuto da Criança e do
Adolescente, fazem alusão ao direito à convivência familiar saudável que a
criança, o adolescente e o jovem possuem, sendo este um direito fundamental.

• No art. 227, § 6º também não se admite discriminações ou adjetivações com


relação à filiação, sendo a mesma biológica ou não biológica.

• Outra perspectiva e debate atual é a proposta de ampliação do acesso às técnicas


de reprodução assistida na rede pública e no setor de saúde suplementar
(planos e seguros de saúde).

143
AUTOATIVIDADE

1 No Brasil não é permitida, diante do disposto no art. 5º, XLVIII, da Constituição


Federal, que veda a imposição de penas cruéis, tornando inadmissível a
castração e a esterilização, mesmo que o criminoso tenha cometido delito
por um desvio de sexualidade. Diante do anunciado, assinale a alternativa
CORRETA quanto ao tipo de esterilização.

a) ( ) Esterilização eugênica.
b) ( ) Esterilização cosmetológica.
c) ( ) Esterilização terapêutica.
d) ( ) Esterilização por motivo socioeconômico.

2 Descreva a diferença de inseminação artificial homóloga e a


heteróloga.

3 Quais são as questões ligados à filiação?

4 Como funciona a esterilização voluntária no Brasil, é regida por


qual lei?

144
UNIDADE 3
TÓPICO 2

BIODIREITO E OS TRANSPLANTES
DE ÓRGÃOS E TECIDOS

1 INTRODUÇÃO
O transplante de órgãos e tecidos é tema de importantíssima relevância
nos dias atuais, sendo uma das mais notáveis conquistas científicas, apesar de
ainda existirem muitos obstáculos a serem vencidos pelos enormes problemas de
natureza ético-jurídica (BITTENCOURT; TORMIN, 2016).

No Brasil, a remoção de órgãos, tecidos e partes do corpo humano para


fins de transplante e tratamento é regulamentada por leis, as quais devem ser
conhecidas e cumpridas pelas equipes médicas.

Neste tópico, iremos estudar o conceito e os tipos de transplante de órgãos


e tecido, aspectos bioéticos e legais e o mercado de transplante de órgãos e tecido.

Agora, vamos aos estudos!!

2 TRANSPLANTE DE ÓRGÃOS E TECIDOS


O conceito de transplante é a transferência efetuada por meio de
intervenção cirúrgica de um órgão, células ou tecido de uma pessoa denominada
doador, para outra, designada receptor, podendo doador e receptor ser a mesma
pessoa (RAMOS, 2015).

O processo de transplante é de grande importância para nossa sociedade,


por viabilizar o retorno do paciente às atividades pessoais e ao mercado de trabalho
e também pelo aumento da sobrevida daqueles com doenças que comprometem
o funcionamento de algum órgão específico. O transplante de órgãos tem como
objetivo salvar ou melhorar a qualidade de vida (GARGIA; PEREIRA; GARCIA,
2015).

As cirurgias de transplantes mais realizadas são as de coração, pulmões,


fígado, pâncreas, intestino, rins, córnea, vasos, pele, ossos e tendões (BRASIL,
2016).

145
UNIDADE 3 | BIODIREITO E O DIREITO À VIDA: NOVAS TÉCNICAS CIENTÍFICAS E IMPACTOS ÉTICO-JURÍDICOS

FIGURA 23 – ÓRGÃOS QUE PODEM SER TRANSPLANTADOS

Transplante de órgãos
Partes do corpo Córnea
humano que podem
ser transplantadas Rosto

Pulmão
Válvulas
Coração do coração
Rins Veias e
Fígado artérias

Pâncreas Mão e
antebraço
Intestino

Tendão
Osso

Células
(medula
espinhal etc.)
Pele

FONTE: Disponível em: <http://www.dsvc.com.br/2014/09/rejeicao-dos-baianos-


a-doacao-de-orgaos-e-de-70/>. Acesso em: 10 jan. 2018.

2.1 ESPÉCIES DE TRANSPLANTE


Caro acadêmico, podemos classificar o transplante de acordo com a
origem do tecido a ser transplantado, podendo ser classificado em autoenxerto
ou autotransplante, isoenxerto, aloenxerto e xenoenxerto.

No autotransplante há transferência de órgão ou tecido de uma parte do


corpo para outra, sendo doador e receptor a mesma pessoa, aquele em que o tecido
é retirado do próprio paciente. Já o isotransplante se dá em caso de transplante de
tecidos ou órgãos provenientes de um irmão gêmeo univitelino. Nesses casos, o
tratamento é definitivo e não há risco de rejeição (DINIZ, 2009).

O aloenxerto é quando o doador (vivo ou morto) e o receptor não são


a mesma pessoa, não possuem características genéticas idênticas, mas são da
mesma espécie. E o xenoenxerto ocorre com a transferência de órgãos e tecidos
de animal para um ser humano. Nesse caso, o transplante é apenas temporário e
o risco de rejeição é altíssimo (DINIZ, 2009).

146
TÓPICO 2 | BIODIREITO E OS TRANSPLANTES DE ÓRGÃOS E TECIDOS

2.2 PRESERVAÇÃO DE ÓRGÃOS PARA TRANSPLANTE


Você sabe como se preserva um órgão para transplante?

Para preservar as características dos órgãos são necessárias condições


adequadas de acondicionamento. O procedimento utilizado pela equipe médica
responsável pelo acondicionamento é conforme a Resolução nº 66, de 2009, e deve
ser padronizado da seguinte forma, para evitar danos ao enxerto:

Art. 27 O acondicionamento deve se dar de forma asséptica que


mantenha a integridade do órgão e evite a contaminação durante
o transporte, e de forma a impedir a exposição dos profissionais que
participam de todo o processo.
Art. 28 Para o acondicionamento, devem ser utilizadas uma embalagem
primária, duas secundárias e uma terciária.
Parágrafo único. Devem ser empregadas embalagens conforme
as especificidades do órgão humano transportado, utilizadas
exclusivamente para finalidade de transporte e constituídas de material
apropriado, conforme o disposto neste regulamento, em normas
específicas e, subsidiariamente, nas instruções do fabricante.
Art. 29 As embalagens primárias e secundárias devem ser estéreis,
transparentes, resistentes, impermeáveis, e não oferecer risco de
citotoxidade ou liberação de pirogênios para o órgão.
Art. 37 A embalagem terciária será constituída de caixa isotérmica
confeccionada de material rígido, resistente e impermeável, deverá
promover isolamento térmico, ser revestida internamente com material
liso, durável, impermeável, lavável e resistente a soluções desinfetantes
e conter um dispositivo de segurança que impeça sua abertura acidental.

Cada órgão possui suas especificações e cautelas para o devido


acondicionamento, como temperatura ideal, solução fisiológica e embalagem
adequada, descritas na Lei nº 9.434/97.

QUADRO 3 – TEMPO DE RETIRADA DE ORGÃOS E TECIDOS

Órgãos/ Tecidos Tempo para retirada Tempo de Preservação


Coração Antes da PC Até 4 a 6 h
Pulmão Antes da PC Até 4 a 6 h
Rins Até 30min pós-PC Até 48 h
Fígado Antes da PC Até 12 a 24h
Pâncreas Antes da PC Até 12 a 24h
Córneas Até 6h pós-PC Até 7 dias
Ossos Até 6h pós-PC Até 5 anos
Pele Até 6h pós-PC Até 5 anos
Valva cardíaca Até 10h pós-PC Até 5 anos
*PC = Parada cardíaca

FONTE: Disponível em: <file:///C:/Users/User/Downloads/Aula%20transplantes%20-%20Profes


sor%20Alexandre%20-%20GRadua%C3%A7%C3%A3o.pdf>. Acesso em: 10 jan. 2018.

147
UNIDADE 3 | BIODIREITO E O DIREITO À VIDA: NOVAS TÉCNICAS CIENTÍFICAS E IMPACTOS ÉTICO-JURÍDICOS

Além disso, conforme indicação realizada pela ANVISA (2009), na


embalagem terciária deve conter: símbolo de risco biológico; identificação da
doação: Registro da Central de Transplante –RGCT; nome do serviço de origem e
do remetente; nome do serviço de destino e do destinatário; horário de início de
isquemia fria; tempo máximo de entrega do órgão ao destinatário; identificação
da carga; telefone das CNT/CNCDO para contato em casos de emergência.

3 ASPECTOS BIOÉTICOS E LEGAIS DO TRANSPLANTE DE


ÓRGÃOS E TECIDOS
Integra a personalidade humana o direito das partes separadas do corpo
vivo ou morto. Deste modo, as partes separadas não podem ser cedidas a título
oneroso, por força da Constituição Federal art. 199 e da Lei nº 9.434/97, art. 1º.
Como as partes separadas acidentalmente ou voluntariamente do corpo são
consideradas objetos, passam a ser propriedade da pessoa da qual se destacaram,
que delas poderá dispor gratuitamente, desde que não afete sua vida, não cause
nenhum dano irreversível à sua integridade física e que tenha em vista fim
terapêutico ou humanitário. A pessoa pode anuir na ablação de partes enfermas,
para restaurar a saúde ou preservar a vida, dispor de partes regeneráveis, desde
que não atinja sua vida ou saúde, para salvar outra pessoa, e doar seus órgãos e
tecidos para fins altruísticos (DINIZ, 2009).

Em vista disso, é possível juridicamente a disposição gratuita de partes


separáveis do corpo humano, renováveis (leite, sangue, medula óssea, pele, óvulo,
esperma, fígado) ou não para salvar a vida ou preservar a saúde do interessado,
ou para fins terapêuticos ou científicos com o cerceamento imposto por normas
de ordem pública, o direito da personalidade ao corpo vivo ou morto poderá ser
disponível, tão somente, a título gratuito (DINIZ, 2009).

O transplante de órgãos e tecidos, apesar de ter sido uma das mais notáveis
conquistas científicas, apresenta muitos obstáculos a serem vencidos, pelos
enormes problemas ético-jurídicos que causa, não obstante, constitui uma técnica
de suma relevância para salvar miríades de vidas humanas e restaurar a saúde
de incontáveis pessoas. Em virtude disso, não se pode desconhecer ou diminuir
sua relevância, devendo-se repensar as questões ético-jurídicas desencadeadas
pelo extraordinário impacto que essa intervenção cirúrgica causou na realidade
social, para uma futura revisão das disposições legais que o contemplam, pois
há necessidade de adequarem-se as normas à evolução dessa modalidade de
investigação (DINIZ, 2009).

Algumas indicações, almejando uma segurança para os transplantes de


órgãos e tecidos, a respeito da dignidade humana, serão descritas a seguir:

• Os transplantes, por serem intervenções cirúrgicas que envolvem grande


risco, deverão ser realizados apenas quando forem a única alternativa para o
paciente, em caso de morte iminente, não havendo nenhuma possibilidade de
tratamento clínico ou cirúrgico convencionais.
148
TÓPICO 2 | BIODIREITO E OS TRANSPLANTES DE ÓRGÃOS E TECIDOS

• Para evitar a rejeição dos órgãos ou tecido, a equipe médico-cirúrgica deverá


ter grande experiência e conhecimento não só dos problemas e limitações
dessas intervenções, mas também no emprego da terapêutica imunológica.
• Formação de equipes especializadas que possam cuidar com eficiência e
apropriadamente o paciente antes e depois da cirurgia.
• O diagnóstico da morte do paciente deverá ser seguro e certo.
• O bem-estar do paciente deverá ser a principal finalidade do transplante.
• A escolha do doador fundamentar-se-á nas condições perfeitas do órgão ou
tecido doado e na análise imunológica da sua compatibilidade com o receptor.
• Na escolha do receptor a discriminação deverá ser inexistente.
• Obtenção do consentimento do doador ou de seu representante legal se for
incapaz.
• Consentimento livre e esclarecido do receptor, pois será impossível dispor
da sua vida, impelindo-o a aceitar uma terapêutica sem informá-lo dos
riscos operatórios das possibilidades de êxito e da possível duração de sua
sobrevivência. Sendo o receptor incapaz, seu representante legal deverá anuir
no procedimento cirúrgico.
• Preparo psicológico adequado do receptor e do doador, tratando-se de
transplantes de órgãos e tecidos inter vivos.
• Doação de órgãos e tecidos a título gratuito para que não ocorra a
comercialização de órgãos e tecidos humanos, pois o tráfico de órgãos é crime.
Será punido tanto o comprador como vendedor que negociou seu órgão, por
serem partícipes conscientes desse comércio.
• Garantia de sigilo, sendo indicado, em certos casos, que se preserve o
anonimato do doador, mantendo a sua privacidade.
• Imposição de uma responsabilidade civil e penal da equipe médico-cirúrgica
pelas injúrias advindas ao doador e ao receptor, mesmo que tenha havido
consentimento destes (CALDEIRA, 2014; DINIZ, 2009).

Atualmente, a Lei nº 9.434, de 4 de fevereiro de 1997, rege a remoção de


órgãos, tecidos e partes do corpo humano para fins de transplante e tratamento.
Esta doação pode ser feita tanto no post mortem, quanto em vida, desde que
obedeça aos requisitos estabelecidos em lei. Os requisitos apresentados são:

Post mortem:
Art. 3º Deverá ser precedida de diagnóstico de morte encefálica,
constatada e registrada por dois médicos não participantes das equipes
de remoção e transplante, mediante a utilização de critérios clínicos e
tecnológicos definidos pela Resolução nº 1.480/97 do Conselho Federal
de Medicina (CFM).
Art. 6º É vedada a remoção post mortem de tecidos, órgãos ou partes do
corpo de pessoas não identificadas.
Em vida:
Art. 9º É permitida à pessoa juridicamente capaz dispor gratuitamente
de tecidos, órgãos e partes do próprio corpo vivo, para fins terapêuticos
ou para transplantes em cônjuge ou parentes consanguíneos até o
quarto grau, inclusive, na forma do § 4º deste artigo, ou em qualquer
outra pessoa, mediante autorização judicial, dispensada esta em
relação à medula óssea.
§ 4º O doador deverá autorizar, preferencialmente por escrito e diante
de testemunhas, especificamente o tecido, órgão ou parte do corpo
objeto da retirada.

149
UNIDADE 3 | BIODIREITO E O DIREITO À VIDA: NOVAS TÉCNICAS CIENTÍFICAS E IMPACTOS ÉTICO-JURÍDICOS

Art. 9º, § 3º Só é permitida a doação quando se tratar de órgãos


duplos, de partes de órgãos, tecidos ou partes do corpo cuja retirada
não impeça o organismo do doador de continuar vivendo sem risco
para a sua integridade e não represente grave comprometimento
de suas aptidões vitais e saúde mental e não cause mutilação ou
deformação inaceitável, e corresponda a uma necessidade terapêutica
comprovadamente indispensável à pessoa receptora (BRASIL, 1997).

De acordo com a lei, os infratores das normas que regem a doação de


órgãos e tecidos e transplantes terão sanções penais e administrativas, além da
responsabilidade civil por dano moral ou patrimonial (DINIZ, 2009).

3.1 MERCADO DE ÓRGÃOS E TECIDOS HUMANOS


Assim como o tráfico de drogas, o comércio clandestino de órgãos
humanos para fins de transplantação é uma prática ilícita. A Organização Mundial
de Saúde já constatou que cerca de 5% dos órgãos usados nas intervenções são
oriundos do mercado negro, e a incidência maior prevalece nas comunidades
mundiais mais pobres, cujos cidadãos são obrigados a vender seus órgãos, como
no caso dos iranianos ou indianos (CALDEIRA, 2014).

FIGURA 24 – GRUPO DE IRANIANOS QUE VENDERAM SEUS RINS

FONTE: Disponível em: <https://ogusmao.com/2014/07/22/o-deficit-de-orgaos-no-mundo-


enquanto-nao-temos-nanotecnologia-por-que-nao-seguimos-o-exemplo-do-ira/comment-
page-1/>. Acesso em: 5 jan. 2018.

O tráfico de órgãos acontece, em sua maioria, em meio ao crime


organizado, o que atrapalha a fiscalização, que muitas vezes envolve outros
crimes e atividades ilegais. O que mais espanta é que o tráfico de órgãos e tecidos
é uma das atividades mais lucrativas do mundo, o que aflige mais de 20 milhões
de pessoas, além de movimentar um montante de até 13 bilhões de dólares em
todo o mundo. Por exemplo, uma córnea é vendida por mil dólares, ossos a 5

150
TÓPICO 2 | BIODIREITO E OS TRANSPLANTES DE ÓRGÃOS E TECIDOS

mil e os rins não são vendidos a menos de 20 mil dólares. Várias crianças são
sequestradas nos shoppings centers e devolvidas a seus familiares sem um dos
órgãos (CALDEIRAS, 2014).

No Brasil, a Lei nº 9.434/97, art. 1º, e a Constituição Federal, art. 199,


requerem gratuitamente na disposição de órgãos e tecidos em vida ou post mortem
para fins de transplante e tratamento, no mesmo sentido os Estados Unidos,
os países europeus, parte dos africanos, das regiões do Mediterrâneo Oriental,
Pacífico Ocidental e Ásia, que tomaram medidas proibitivas da comercialização
de órgãos e tecidos e também da publicidade que envolva financiamento (DINIZ,
2009).

Perigosa, autêntica e ilícita é essa comercialização de órgãos e tecidos


humanos, por trazer em seu bojo a possibilidade de manipulação financeira
do campo da alocação de órgãos, menosprezando os indispensáveis fatores
genéticos, médicos e psicossociais, estabelecimento de uma “tabela de preços”
por órgão ou tecido; classificação do doador conforme a possível duração de
sua vida; introdução de incentivos financeiros para a doação e transformação
das guerras num proveitoso negócio, pois pela grande quantidade de cadáveres
haverá grande quantidade de órgãos (DINIZ, 2009).

Caro acadêmico, diante dessa situação, será que o mercado de órgãos e


tecidos humanos iria salvar vidas? Suas consequências morais, éticas e jurídicas
não serão mais negativas do que benéficas? A comercialização de órgãos e tecidos
humanos não seria um desrespeito à dignidade humana?

151
RESUMO DO TÓPICO 2

Neste tópico, você aprendeu que:

• O transplante é a transferência efetuada por meio de processo cirúrgico de


um órgão, células ou tecido de uma pessoa denominada doador, para outra,
designada receptor, podendo doador e receptor ser a mesma pessoa.

• Os conceitos de autoenxerto ou autotransplante, isoenxerto, aloenxerto e


xenoenxerto.

• A preservação de cada órgão, suas especificações e cautelas para o devido


acondicionamento e transporte, conforme a Resolução 66, de 2009.

• A Lei nº 9.434, de 4 de fevereiro de 1997, que retrata sobre a remoção de órgãos,


tecidos e partes do corpo humano para fins de transplante e tratamento e dá
outras providências.

• No Brasil, a Lei nº 9.434/97, art. 1º, e a Constituição Federal, art. 199, requerem
gratuitamente na disposição de órgãos e tecidos em vida ou post mortem para
fins de transplante e tratamento.

• Algumas indicações quanto à segurança dos transplantes de órgãos e tecidos,


a respeito da dignidade humana.

152
AUTOATIVIDADE

1 Atualmente, existe uma lei que rege a remoção de órgãos, tecidos


e partes do corpo humano para fins de transplante e tratamento.
Assinale a alternativa CORRETA que apresente essa lei:

a) ( ) Lei nº 9.434/97
b) ( ) Lei nº 11.045/05
c) ( ) Lei nº 1.480/97
d) ( ) Lei nº 466/96

2 Para preservar as características dos órgãos são necessárias condições


adequadas de acondicionamento e transporte. Qual resolução descreve tais
procedimentos?

a) ( ) Resolução nº 66, de 2009


b) ( ) Resolução nº 55, de 2005
c) ( ) Resolução nº 203, de 3003
d) ( ) Resolução nº 45, de 2000

3 De acordo com a Lei nº 9.434, de 4 de fevereiro de 1997, a doação de órgãos


e tecidos pode ser feita tanto no post mortem quanto em vida, disserte sobre os
requisitos estabelecidos para a doação:

153
154
UNIDADE 3
TÓPICO 3

EUTANÁSIA E DIREITO À MORTE DIGNA

1 INTRODUÇÃO
O avanço da medicina quanto às tecnologias ao dispor do médico é um
acontecimento que tem provocado não apenas benefícios à saúde das pessoas,
mas, não obstante, em alguns momentos, toda essa tecnologia pode acabar
afetando a dignidade humana, como é o caso da eutanásia (BORGES, 2001).

A eutanásia trata-se de um problema que vem há milhares de anos


causando discussões de juristas, classe médica e sociedade civil, tendo sempre
como maior objetivo em sua defesa a humanização da etapa final da vida do
indivíduo, que é a morte.

Nesse sentido, algumas questões são levantadas, tais como: a eutanásia


pode ser considerada como uma forma de homicídio assistido ou uma antecipação
do inevitável, poupando o enfermo de um sofrimento desnecessário? Quais as
formas de eutanásia e qual o posicionamento do direito brasileiro sobre o tema?
Considerando o princípio da dignidade da pessoa humana e o princípio da
autonomia, a eutanásia poderia ser considerada como morte digna, assegurando
o direito de escolha do paciente?
Caro acadêmico, serão esses questionamentos que serão abordadas no
decorrer deste tópico.

Agora, vamos aos estudos!!

2 EUTANÁSIA
A morte pode significar, para algumas pessoas, o término da vida. A
diferença entre a vida e a morte tornou-se mais tênue, havendo divergência de
opiniões. Cada indivíduo é provido de um padrão moral intrínseco, formando
a própria visão da morte e do corpo humano. Há também quem acredite que a
morte seja o cessar de todas as atividades fisiológicas. No entanto, há pessoas
que, em virtude do estado de saúde em que se encontram, acreditam não ter
mais vida, a despeito da persistência de sua dinâmica fisiológica, muitas vezes
assegurada com auxílio de medicamentos e aparelhos, pois estão impedidas de
desfrutá-la de uma forma crida digna (OLIVEIRA, 2012).

Vamos agora compreender melhor sobre o conceito e histórico da


Eutanásia.
155
UNIDADE 3 | BIODIREITO E O DIREITO À VIDA: NOVAS TÉCNICAS CIENTÍFICAS E IMPACTOS ÉTICO-JURÍDICOS

2.1 CONCEITO
A palavra eutanásia foi criada no século XVII, pelo filósofo inglês Francis
Bacon, derivada dos vocábulos gregos eu, que literalmente significa bem, bom,
belo, e thanasia, equivalente à morte, significando boa morte, morte tranquila,
sem dor nem sofrimento (SANTOS, 2001).

Segundo Antônio Fernandez Rodriguez (1990, p. 59): “A eutanásia


propriamente dita, chamada de morte misericordiosa ou piedosa, é a que é dada
a uma pessoa que sofre de uma enfermidade incurável ou muito penosa, para
suprimir a agonia demasiado longa e dolorosa”.

FIGURA 25 – CHARGE SOBRE EUTANÁSIA

FONTE: Disponível em: <http://dinamicagramatical.blogspot.com.br/2015/04/


legalizacao-da-eutanasia-no-brasil.html>. Acesso em: 5 jan. 2008.

Sob outra perspectiva, a eutanásia seria uma forma de intervenção no


prolongar natural da vida com uma morte serena para cessar com o intenso
sofrimento. Não obstante, para a medicina a eutanásia consiste em diminuir os
sofrimentos de uma pessoa doente, de prognóstico fatal ou em estado de coma
irreversível, sem possibilidade de sobrevivência, apressando-lhe a morte ou
proporcionando-lhe os meios para consegui-la (DANGUI; SANDRI, 2013).

Além disso, é importante saber diferenciar as mais variadas classificações


da eutanásia, bem como não confundi-la com distanásia, ortotanásia e suicídio
assistido. A distanásia é o prolongamento artificial do processo da morte, de um
paciente já agonizante, sem esperanças de cura ou melhora pelo conhecimento
médico. Na ortotanásia o doente já se encontra em processo natural de morte, que
consiste na morte encefálica, processo este que o médico deixa seguir o seu curso
natural, sem nenhuma intervenção de prolongar a morte do paciente, por meio

156
TÓPICO 3 | EUTANÁSIA E DIREITO À MORTE DIGNA

artificial. Apenas o médico pode cometer a ortotanásia. E o suicídio assistido ocorre


quando a pessoa não sofre de doença incurável ou não se encontra com alguma
doença degenerativa e não está submetida a forte sofrimento físico ou mental, e
recebe auxílio material de outrem para causar a própria morte (SANTOS, 2001).

2.2 HISTÓRICO
A partir de agora abordaremos um pouco da história da eutanásia.

Na Bíblia Sagrada está presente o primeiro relato sobre a prática da


eutanásia. O Rei Saul, de Israel, gravemente ferido em uma batalha contra os
filisteus, não queria sofrer e cair vivo nas mãos dos seus inimigos. Ele apressou
sua própria morte ao se atirar sobre as mãos de Amalecida para que sua espada
transpassasse seu corpo (BERTACO, s.d.).

Em Esparta, era comum arremessar pessoas deformadas, moribundos e


os imprestáveis para a vida em sociedade do alto do monte Taijeto. Essa eutanásia
tinha o objetivo de eliminar pessoas consideradas como fora do padrão de beleza
ou social, evitando assim a depreciação da espécie. Também era praticado com
os recém-nascidos disformes. Tal prática foi apoiada por Aristóteles, pois a seu
ver era de fundamental importância ao Estado que a sua população não fosse
impedida de crescer por causa dos prejuízos causados pelo sustento de um ser
inútil. Platão tinha uma visão mais ampla desse conceito, incluindo os adultos.
Em Roma, a prática do rejeito dos recém-nascidos disformes foi um costume
que durou até o tempo dos imperadores. Os imperadores também autorizavam
a eutanásia nos gladiadores mortalmente feridos nos combates, abreviando o
sofrimento deles, por compaixão real. Na Grécia, as pessoas fartas de viver com
doenças graves procuravam os médicos para que eles lhe dessem um tóxico que
os libertasse da vida (CARVALHO, s.d.; BERTACO, s.d.).

No período nazista na Alemanha, por volta de 1939, foi instituído o


programa nazista de eutanásia, regulado pelo Código “Aktion T4”. O seu escopo
era exterminar as pessoas que tinham uma vida que “não merecia ser vivida”. O
princípio aplicado pelos nazistas ao institucionalizar a eutanásia se concentrava
especialmente no conceito de pureza racial, mas tinha a finalidade econômica de
cortar despesas médicas (CARVALHO, s.d.)

Em 1968, a Associação Mundial de Medicina adotou uma resolução


contrária à eutanásia, considerando como um procedimento inadequado. Mais
recentemente, alguns países têm aceitado a prática da eutanásia, de acordo com
alguns critérios, como é o caso da Holanda, Bélgica, Luxemburgo e Israel. Não há
uma autorização para a realização da eutanásia, mas sim uma possibilidade do
indivíduo que não for o agente do procedimento ficar impune (BERTACO, s.d.).

157
UNIDADE 3 | BIODIREITO E O DIREITO À VIDA: NOVAS TÉCNICAS CIENTÍFICAS E IMPACTOS ÉTICO-JURÍDICOS

FIGURA 26 – PAÍSES QUE ADMITEM A EUTANÁSIA

FONTE: Disponível em: <http://armando-cabreira.blogspot.com.br/2016/03/eutanasia-


eutanasia-legalizada-em.html>. Acesso em: 12 jan. 2018.

2.3 EUTANÁSIA E O CÓDIGO PENAL


No Brasil, o atual Código Penal não classifica a eutanásia como crime,
não faz referência à eutanásia. Entretanto, o médico que mata seu paciente será
punido pelo crime de homicídio, previsto no Código Penal Brasileiro, em seu
artigo 121, com pena de 6 (seis) a 20 (vinte) anos de reclusão, com possibilidade
de redução de um sexto a um terço conforme § 1º: “Se o agente comete o crime
impelido por motivo de relevante valor social ou moral, ou sob o domínio de
violenta emoção”, tal redução tem espaço, pois entende-se que estamos diante de
um homicídio privilegiado, em que o privilégio aparece em razão de relevante
valor moral, a piedade que aflora em razão do sofrimento alheio.

A lei penal brasileira não escolhe, portanto, o chamado “homicídio


piedoso”, como no caso do Uruguai. Isso porque a vida é um direito indisponível,
conforme assegura o art. 5º, “caput”, da Constituição Federal, ao qual não se pode
renunciar, não sendo conferido às pessoas o direito de morrer, sendo inclusive
previsto o uso de violência para impedir que uma pessoa se suicide (CP. artigo
146, parágrafo 3º, II).

158
TÓPICO 3 | EUTANÁSIA E DIREITO À MORTE DIGNA

O suicídio assistido ou auxílio suicídio também é crime. E é previsto no


Código Penal no Art. 122. “Induzir ou instigar alguém a suicidar-se ou prestar-
lhe auxílio para que o faça. Pena – reclusão, de dois a seis anos, se o suicídio se
consuma; ou reclusão, de um a três anos, se da tentativa de suicídio resulta lesão
corporal de natureza grave”.

Somente a ortotanásia não configura ilícito penal.

O único projeto de lei sobre a legalização da eutanásia no Brasil foi o


Projeto de Lei nº 125/96, que tramitou no Congresso Nacional, porém jamais foi
colocado em votação. O projeto propõe que a eutanásia seja permitida, desde que
cinco médicos atestem a inutilidade do sofrimento físico ou psíquico do doente.
O próprio paciente deveria requisitar a eutanásia. Caso não estivesse consciente,
a decisão caberia a seus parentes próximos (BERTACO, s.d.; SANTOS, 2001).

No Anteprojeto do Código Penal de 1998 foram introduzidos dois novos


parágrafos ao artigo 121 do Código Penal. Estes tipificam a eutanásia ativa, no §
3º, e excluem a ilicitude da eutanásia passiva ou ortotanásia, § 4º. O Anteprojeto,
entretanto, não entrou em vigor, revelando assim a despreocupação com a vida
humana (BERTACO, s.d.; SANTOS, 2001).

DICAS

Para acessar o Código Penal, visite: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/


decreto-lei/Del2848compilado.htm>. Acesso em: 5 jan. 2018.

3 BIOÉTICA DA EUTANÁSIA
O desenvolvimento da medicina possibilitou a cura de várias enfermidades
e um prolongamento da vida. Não obstante, este desenvolvimento pode levar
a um impasse quando se trata da busca da cura e de salvar vidas, com todo o
empenho possível, num contexto de missão impossível: manter uma vida na qual
a morte já está presente. Esta atitude de tentar preservar a vida a todo custo é
responsável por um dos maiores temores da humanidade, que é o de ter a sua
vida prolongada às custas de muito suplício, solitário num quarto de hospital,
tendo por companhia somente tubos e máquinas (KOVÁCS, 2003).

Além disso, é necessário levar em consideração, hoje, a recusa ante uma


moral não autônoma que traz questões como estas: que direito temos de prolongar
a vida de um paciente que não deseja continuar a viver e solicita que se ponha um
fim à sua existência? Não é coerente reconhecer à pessoa não apenas um direito
à vida, mas também um direito à morte e a decidir quando chegou o momento
em que não tem mais sentido continuar a viver? Nessa perspectiva, foi proposto,

159
UNIDADE 3 | BIODIREITO E O DIREITO À VIDA: NOVAS TÉCNICAS CIENTÍFICAS E IMPACTOS ÉTICO-JURÍDICOS

pela Euthanasian Society of America, que a Declaração Universal dos Direitos do


Homem inclua, entre os direitos da pessoa, não apenas o direito indiscutível à
vida, mas também o direito à morte (PESSINI; BARCHIFONTAINE, 2014).

Outro argumento que influencia o atual debate sobre eutanásia é o


desenvolvimento da medicina, que não apenas aumentou extraordinariamente a
expectativa de vida do ser humano, mas que também pode prolongar um longo
e penoso processo de morrer. Um indivíduo anencefálico, sem córtex cerebral,
que outrora tinha uma expectativa de vida de somente horas ou poucos dias,
hoje pode-se mantê-lo em estado de vida vegetativa, como se fosse uma planta,
durante um longo período. Por conseguinte, há de se considerar que a mesma
tecnologia que prolonga a vida de uma pessoa pode simplesmente prolongar o
processo de morrer da outra (PESSINI; BARCHIFONTAINE, 2014).

Segundo Jean Ziegler (1977): “O médico constatava a morte, diagnosticava


uma ocorrência indiscutível da natureza. Era testemunha, não ator. Agora
o médico já não constata a morte, provoca-a. É senhor da morte. Não mais
registra a hora final de uma vida, fixa-a segundo sua escolha” (apud PESSINI;
BARCHIFONTAINE, 2014, p. 403).

Desta maneira, a bioética vem evidenciando a necessidade da discussão


dessas questões com base em alguns princípios que são de suma importância:
beneficência, dignidade, competência e autonomia (KOVÁCS, 2003).

Caro acadêmico, entre as grandes indagações sobre o fim da vida,


destacam-se as seguintes: Tem a pessoa o direito de decidir sobre sua própria morte,
almejando dignidade? Pode-se premeditar a própria morte? Os profissionais de
saúde, que têm o dever de cuidar das necessidades dos pacientes, podem atender
um pedido para morrer?

Nesse novo contexto, enfrentamos sérias questões éticas, tais como: deve
a vida humana, independentemente de sua qualidade, ser sempre preservada? É
dever do médico manter, indefinidamente, a vida de uma pessoa com encéfalo
irreversivelmente lesado através de respiração artificial e alimentação parenteral?
Até quando será admitido sedar a dor, ainda que isso signifique um abreviamento
de vida? Devem-se utilizar todos os aparelhos da medicina atual para acrescer
umas poucas semanas, dias ou mesmo horas à vida de um paciente terminal,
ou se deve interromper o tratamento? Deve um tratamento ativo ser empregado
em crianças nascidas com graves defeitos congênitos, para as quais o futuro será
um contínuo suplício ou uma mera existência vegetativa? Essas questões nos
inquietam. À medida que se podem sustentar vidas nessas circunstâncias, devem
tais vidas ser mantidas? E, se não, por quê? (PESSINI; BARCHIFONTAINE, 2014).

3.1 ARGUMENTOS ÉTICOS DA EUTANÁSIA


A Igreja Católica representa a maior oposição à eutanásia, posicionando-
se contra a morte dos deficientes físicos e mentais e dos que são afetados por
enfermidades hereditárias, como se estes fossem um incômodo para a sociedade,

160
TÓPICO 3 | EUTANÁSIA E DIREITO À MORTE DIGNA

em virtude disso contradizer a lei natural e divina, pois a vida humana não é
um objeto, mas sim uma criação de Deus. A Igreja Católica também se opõe à
distanásia, o Papa Paulo VI defende que o dever do médico consiste em atenuar
o sofrimento e não em prolongar o máximo possível, por qualquer meio que seja,
sob qualquer condição, uma vida que se dirige naturalmente para o seu término
(SGRECCIA, 2009).

Já os argumentos a favor da eutanásia, em sua grande maioria, carecem


de fundamento jurídico, pelo simples fato de que, na atualidade, são contrários à
moral geral e devem ser apresentados, tanto os argumentos pouco fundamentados
como os bem-fundamentados (CARVALHO, s.d.).

Entre os argumentos estão que o homem é “senhor” de sua vida e, portanto,


também de sua morte. Como foi salientado pelos argumentos contrários, a vida
não é propriedade e, além disso, é errôneo colocá-la como direito, pelo simples
fato de que está além da própria concepção de direito subjetivo (CARVALHO,
s.d.).

Há também aqueles que afirmam que se existe um direito à vida, existe


em forma de equidade um direito à morte. Como foi visto, a vida, apesar das
impropriedades que a afirmam como tal, não é direito, o que, por consequência,
invalida o argumento.

O mais poderoso argumento encontrado está numa construção


interpretativa dos princípios da liberdade de consciência, construção essa chamada
de princípio da autodeterminação moral do indivíduo. Segundo esse princípio,
só é possível alguém exercer verdadeiramente o direito de sua consciência se ele
puder se determinar, ou seja, agir conforme sua crença (CARVALHO, s.d.).

O princípio da autodeterminação é o direito abstrato que temos prima


facie. Ele sustenta uma razão fortíssima. A eutanásia envolve uma questão de
alta relevância ético-filosófica e, assim sendo, possui uma conexão íntima com
o princípio. Envolve a questão de sabermos qual o verdadeiro significado da
vida, se ela é o que é apenas pelo simples fato de estarmos respirando nesse
momento ou se envolve algo mais, como poder abraçar uma pessoa que amamos
ou conversar normalmente com os amigos numa mesa de bar, ou, como no caso
de Ramón Sampedro, poder dar um mergulho na praia. Se reconhecemos esse
respeito à autodeterminação de uma pessoa, devemos, portanto, respeitar sua
decisão nessa questão que envolve o significado da vida, da morte e do sofrimento
(FREDERICO JÚNIOR, 2006).

Esse argumento tem como escopo a autodeterminação humana em que


cada um deve ter o direito de decidir os rumos de sua vida, sendo que o princípio
da tolerância seria sua zona limítrofe para que o indevido exercício desse direito
não provoque ofensa aos outros. Todavia, a autodeterminação humana não
pode arbitrar sobre a vida ou a morte de ninguém, pois aqueles que padecem
de alguma deficiência teriam, por sua autodeterminação, o direito de serem
auxiliados a morrer por sua insatisfação com a sua condição, tratando, assim, os
seres humanos como verdadeiros objetos na mão do homem, culminando nos
infelizes resultados cometidos pelos nazistas (CARVALHO, s.d.).

161
RESUMO DO TÓPICO 3

Neste tópico, você aprendeu que:

• A eutanásia consiste em diminuir os sofrimentos de uma pessoa doente, de


prognóstico fatal ou em estado de coma irreversível, sem possibilidade de
sobrevivência, apressando-lhe ou proporcionando-lhe a morte.

• A distanásia é o prolongamento artificial do processo da morte.

• A ortotanásia é o processo natural de morte, sem nenhuma intervenção de


prolongar a morte do paciente, por meio artificial.

• No Brasil, o atual Código Penal não classifica a eutanásia como crime, não faz
referência à eutanásia. Entretanto, o médico que mata seu paciente é punido
pelo crime de homicídio, previsto no Código Penal Brasileiro, em seu artigo
121. O suicídio assistido também é crime. E é previsto no Código Penal no Art.
122. Apenas a ortotanásia não configura ilícito penal.

• A Igreja Católica representa a maior oposição à eutanásia, posicionando-se


contra a morte dos deficientes físicos e mentais e dos que são afetados por
enfermidades hereditárias.

• O mais poderoso argumento a favor é o da autodeterminação moral do


indivíduo, no qual cada um deve ter o direito de decidir os rumos de sua vida.

162
AUTOATIVIDADE

1 Diferencie eutanásia, distanásia e ortotanásia.

2 Alguns países têm aceitado a prática da eutanásia, de acordo com alguns


critérios. Assinale a alternativa que apresenta o país que já legalizou a
eutanásia.

a) ( ) Brasil
b) ( ) Argentina
c) ( ) Bélgica
d) ( ) Estados Unidos

3 Disserte sobre a eutanásia e o Código Penal.

4 O suicídio assistido ocorre quando a pessoa não sofre de uma doença


incurável ou não se encontra com alguma doença degenerativa e não está
submetida a forte sofrimento físico ou mental, e recebe auxílio material de
outrem para causar a própria morte. No Código Penal Brasileiro está previsto
o suicídio assistido, em qual artigo ele se encontra? Assinale a alternativa
CORRETA:

a) ( ) art. 121
b) ( ) art. 122
c) ( ) art. 123
d) ( ) art. 124

163
164
UNIDADE 3
TÓPICO 4

ASPECTOS BIOÉTICOS DA TERAPIA


COM CÉLULAS-TRONCO

1 INTRODUÇÃO
Com o progresso da biotecnologia, descobriu-se a capacidade de
transformação das células-tronco adultas e embrionárias, as quais podem ser
usadas para a regeneração de órgãos e tecidos lesionados. As possibilidades de se
usar embriões criopreservados em laboratórios suscitaram indagações de ordens
ética, moral e religiosa mundialmente, com o desenvolvimento de pesquisas e a
constatação de que enfermidades que afligem milhares de pessoas poderão ser
sanadas utilizando a terapia de células-tronco.

Apesar de as pesquisas em andamento trazerem expectativas de tratamento


de diversas enfermidades consideradas incuráveis, se discute atualmente quais
os limites que devem ser impostos à ciência e como a bioética avalia o tema. A
análise de aspectos bioéticos na utilização de células-tronco embrionárias para a
pesquisa científica justifica-se na medida em que pode colaborar na objetivação e
desmistificação do tema.

Assim, neste tópico será abordada a terapia com células-tronco, seu


conceito, seu histórico, aspectos bioéticos, a experimentação com células-tronco
embrionárias e os aspectos legais da utilização de células-tronco.

Bons estudos!

2 TERAPIA COM CÉLULAS-TRONCO


Caro acadêmico, as células-tronco são células indiferenciadas, sendo assim,
apresentam uma série de características que as tornam candidatas à utilização
terapêutica, vamos agora estudar o conceito e histórico das células-tronco.

2.1 CONCEITO
O termo célula-tronco, do inglês stem cell, compreende as células precursoras
que possuem a capacidade de diferenciação e autorrenovação, podendo então se
dividir e originar uma variedade de tecidos (células nervosas, células cardíacas
165
UNIDADE 3 | BIODIREITO E O DIREITO À VIDA: NOVAS TÉCNICAS CIENTÍFICAS E IMPACTOS ÉTICO-JURÍDICOS

etc.). Elas podem ser designadas para desenvolver funções específicas, uma vez
que se encontram em um estágio em que ainda não estão totalmente especializadas
(SOUZA et al., 2003).

FIGURA 27 – POSSIBILIDADES DE DIFERENCIÇÃO DE CÉLULAS-TRONCO

Células-Tronco

FONTE: Disponível em: <https://planetabiologia.com/o-que-sao-celulas-tronco-tipos-


resumo/>. Acesso em: 15 jan. 2018.

Existem três tipos de células-tronco: as embrionárias, as adultas e as


obtidas em laboratório.

As células-tronco embrionárias, conhecidas também como células


pluripotentes, são encontradas no embrião, somente no estágio de blastocisto, e
possuem a capacidade de se transformar em qualquer tipo de célula adulta. As
células-tronco adultas, conhecidas também por células multipotentes, encontram-
se, mormente, na medula óssea e no sangue do cordão umbilical, mas cada órgão
do nosso corpo possui um pouco de células-tronco para poder renovar as células
ao longo da nossa vida. As células-tronco obtidas em laboratório, chamadas
também de pluripotentes induzidas, têm por característica a possibilidade de
serem reprogramadas através da tecnologia do DNA recombinante, que neste
caso consiste em utilizar um vetor viral para inserir genes no DNA celular, que
reprogramarão a célula adulta fazendo com que volte ao estágio de célula-tronco
embrionária, e possuem a capacidade de autorrenovação e de se diferenciarem
em qualquer tecido (IPCT, 2013).

166
TÓPICO 4 | ASPECTOS BIOÉTICOS DA TERAPIA COM CÉLULAS-TRONCO

FIGURA 28 – ESQUEMA DA REPROGRAMAÇÃO DE CÉLULAS PLURIPOTENTES INDUZIDAS


MEDIANTE TÉCNICA DE DNA RECOMBINANTE

Célula somática

pele

induced pluripotent
Biópsia stem cells IPS.

Paciente
músculo cardíaco
células
Oct4 Sox2 neurônios sanguíneas

fígado
Kif4 c-Myc

ilhotas células
pancreáticas intestinais

FONTE: Disponível em: <http://celulastroncors.org.br/celulas-tronco-2/>. Acesso em: 14 jan. 2018.

2.2 HISTÓRICO
No início de 1900, pesquisadores europeus constataram a existência
de vários tipos de células do sangue, por exemplo, glóbulos brancos, glóbulos
vermelhos e plaquetas, todas originavam de uma célula-mãe "célula-tronco"
(CÉLULAS-TRONCO, s.d.).

Na década de 1950 foram realizados os primeiros transplantes de medula


óssea em pacientes humanos, e que na verdade é um transplante de células-tronco
adultas (CÉLULAS-TRONCO, s.d.).

Em 1970, as células-tronco foram inicialmente descritas em camundongos.


Estudos em roedores progrediram, revelando a grande diversidade e plasticidade
dessas células pluripotentes (OLIVEIRA; FERNANDES, 2016).

Entre os anos de 1980 a 1990 ocorreu o desenvolvimento da biotecnologia,


com a introdução de técnicas de segmentação e alteração do material genético e
métodos para o crescimento de células humanas em laboratório. Esses avanços
abriram as portas para a investigação e cultivo de células-tronco humanas em
laboratório (CÉLULAS-TRONCO, s.d.).

Em 1992, foram identificadas no cérebro humano adulto células-tronco


neurais. Em 1993, foi demonstrada a pluripotência das células-tronco embrionárias
por meio da geração de células-tronco embrionárias derivadas de células de ratos.
Em 1994, obtém-se o isolamento das células-tronco do câncer da maioria das

167
UNIDADE 3 | BIODIREITO E O DIREITO À VIDA: NOVAS TÉCNICAS CIENTÍFICAS E IMPACTOS ÉTICO-JURÍDICOS

células de um câncer. Em Taiwan, pacientes com córneas danificadas são tratados


com sucesso com células-tronco da córnea (MUNDO ESTÉTICA, 2017).

Em 1998, as células-tronco foram isoladas pela primeira vez no homem,


pelos pesquisadores James Thomson (Universidade de Wisconsin) e John
Gearhart (Universidade Johns Hopkins), nos EUA e, a partir dessas pesquisas, os
conhecimentos a respeito do assunto têm crescido com velocidade extraordinária
(OLIVEIRA; FERNANDES, 2016).

Em 2000 foram identificadas células-tronco da retina em camundongos.


Em 2001, no Canadá, foi formada pela primeira vez uma organização para
a colaboração na pesquisa de células-tronco: a rede de células-tronco. E são
identificadas no tecido da pele de adultos células-tronco da derme. Em 2002
foi realizada a purificação completa dos ratos com células-tronco pluripotentes
da medula óssea, com capacidade de regeneração da medula óssea in vivo.
Foi formada a Sociedade Internacional para Investigação de Células-tronco.
E a criação do Fórum Internacional de Células-tronco (ISCF) para promover a
cooperação internacional e com o objetivo de promover as boas práticas globais e
acelerar o progresso em ciências biomédicas (MUNDO ESTÉTICA, 2017).

Em 2004, derivação de células dopaminérgicas, pela primeira vez, desde


células-tronco embrionárias humanas, uma esperança para o tratamento da
doença de Parkinson. E se iniciou o Consórcio Internacional de Redes de Células-
tronco (ICSCN), que tem por objetivo unificar os esforços internacionais para
criar terapias com células-tronco. Em 2006 foram geradas as primeiras células-
tronco pluripotentes induzidas pela reprogramação de células adultas de pele de
rato (MUNDO ESTÉTICA, 2017).

Em 2007, Mario Capecchi, Martin Evans e Oliver Smithies ganharam o


Prêmio Nobel em Medicina por suas descobertas que possibilitam a alteração
genética da linha germinal em ratos. E são identificadas células intestinais de
mamíferos. Em 2008, Sam Weiss recebe o Prêmio Gairdner pela descoberta de
células-tronco neurais. Em 2009, John Gurdon e Shinya Yamanaka ganharam
o Prêmio Lasker pelas suas descobertas na reprogramação nuclear. Yamanaka
também recebeu o Prêmio Gairdner. E em 2010 as células adultas reprogramadas
diretamente para os neurônios, músculo cardíaco e as células do sangue. Criadas
células-tronco induzidas por transfecção de Ácido Ribonucleico mensageiro
(ARNm). Foi realizado o primeiro ensaio clínico de células-tronco embrionárias
humanas derivadas para a terapia de lesões da medula espinhal. E foi realizado
isolamento de células-tronco pluripotentes do sangue humano capaz de constituir
todas as células do tecido sanguíneo (MUNDO ESTÉTICA, 2017).

3 ASPECTOS BIOÉTICOS DA TERAPIA GÊNICA DE CÉLULAS


GERMINATIVAS
A terapia genética de células germinativas (TGCT) é realizada na fase pré-
implantatória, quando o zigoto possui algumas células, ou antes da fertilização,
atuando sobre o espermatozoide, o ovócito ou o pré-embrião, com a finalidade de
168
TÓPICO 4 | ASPECTOS BIOÉTICOS DA TERAPIA COM CÉLULAS-TRONCO

reparar o defeito genético que neles esteja configurado, alterando definitivamente


o genoma. Por conseguinte, tal técnica terapêutica poderá afetar o embrião ou
aquele que provir dessas células, assim como sua descendência, pois haverá
risco de se originar anomalias hereditárias ou cancerígenas. Por tal razão, não
tem sido aconselhada pela Associação Médica Mundial, nem admitida pela
legislação de alguns países, mesmo porque a interferência técnico-genética sobre
o óvulo fecundado constitui modificação em sua identidade e eliminação radical
da pessoa humana em potencial, e não uma terapia, eugenização, por almejar o
aperfeiçoamento genético da espécie humana (DINIZ, 2009).

Caro acadêmico, seria isso admissível juridicamente ou eticamente? Como


aceitar a mutação do genoma humano? A quem concerne o patrimônio genético
da pessoa? Sem dúvida, é de propriedade privada dela própria, no entanto, o
genoma humano não é propriedade de cada ser humano ou do embrião, tampouco
pertence aos doadores das células germinativas, mas a toda humanidade, logo, é
esta que se coloca em risco quando o modifica, mesmo para atender a objetivos
terapêuticos, com o enfoque de intervir na linha germinal. Se o conjunto gênico
que aparece no embrião é único no mundo, pois dessa unicidade origina-se
uma pessoa que também será única, a quem cabe a decisão de modificá-lo? Tal
incumbência seria do geneticista, dos doadores dos gametas ou do Estado? Quem
possuiria responsabilidade civil por dado moral se resultasse fracasso dessa
alteração, que, além de irreversível, será transmissível à hereditariedade desse
ser humano por nascer? (DINIZ, 2009).

Como permitir essa “terapia” pelas alterações que efetua no código


genético do embrião em seus primeiros estágios da evolução, atingindo-o em
sua identidade e a toda sua eventual descendência, acarretando consequências
imprevisíveis no patrimônio hereditário da humanidade? Se o genoma humano
é patrimônio comum da humanidade, como seria possível admitir qualquer
alteração sem que isso constitua uma séria e grave ameaça à identidade da espécie
humana? (DINIZ, 2009).

Por essa razão, no Brasil somente é lícita a terapia gênica para corrigir
defeitos físicos graves, vedando-se a manipulação genética de células germinativas
humanas, a intervenção de material genético humano in vivo e o manejo in vitro
de ADN/ARN natural ou recombinante, salvo para fins terapêuticos (Lei nº
11.105/2005, art. 6º, II e III).

3.1 EXPERIMENTAÇÃO COM CÉLULAS-


TRONCO EMBRIONÁRIAS
O uso de células-tronco embrionárias para tratamento de enfermidades
crônico-degenerativas tem sido muito debatido mundialmente, provocando ações
e reações variadas, a depender das leis de cada país, da religiosidade da população
e da tecnologia disponível. Em alguns países em que o aborto é permitido, como
a Suécia, pacientes com mal de Parkinson favoreceram-se desta terapia, em que
células embrionárias adquiridas de fetos foram injetadas intracerebralmente, com
resultados muito satisfatórios. No entanto, esta mesma metodologia não originou

169
UNIDADE 3 | BIODIREITO E O DIREITO À VIDA: NOVAS TÉCNICAS CIENTÍFICAS E IMPACTOS ÉTICO-JURÍDICOS

nenhum benefício para pacientes com mal de Alzheimer. A ciência ainda não
conhece completamente as propriedades das células-tronco embrionárias, tanto
em relação à sua capacidade regenerativa de tecidos lesados, quanto ao seu
potencial em causar teratocarcinomas (SOARES; SANTOS, 2002).

No estado atual das pesquisas, as células-tronco embrionárias vêm


sendo vistas como mais promissoras para fins de terapia. Dentre as formas de
obtenção, as células-tronco podem advir de embriões excedentes do processo de
fecundação in vitro. Surgindo a problemática dos embriões excedentários, que
coloca a própria técnica de reprodução humana assistida em debate: o que fazer
com esses embriões supranumerários, que não são implantados no útero? No
Brasil, esses embriões são congelados, ou criopreservados, sendo vedado o seu
descarte. Ocorre que, na maioria das vezes, os casais não mais desejam ter filhos,
de forma que esses embriões permanecem congelados por anos; estudos apontam
para o fato de que a técnica de congelamento degrada os embriões, provocando,
com o passar do tempo, sua inviabilidade (CATÃO, 2017).

A discussão gira em torno de decidir entre duas alternativas possíveis:


deixar morrer por congelamento o embrião, ou provocar sua morte por meio
da sua utilização em pesquisas, numa expectativa de desenvolvimento de
técnicas terapêuticas para uma variedade de enfermidades degenerativas. Nessa
perspectiva, a segunda opção não vem sendo tida como de todo incompatível com
o respeito que deve ser dado ao embrião humano, sendo possível verificar uma
considerável aceitação da utilização dessas sobras embrionárias em pesquisas
(CATÃO, 2017).

3.2 ASPECTOS LEGAIS DA UTILIZAÇÃO DE


CÉLULAS-TRONCO
Em relação à legislação internacional, países como Estados Unidos e
Reino Unido permitem a pesquisa com células-tronco embrionárias, assim como
também permitem a clonagem terapêutica. Outros países, como a França, Holanda,
Espanha, Portugal, Suíça e Austrália, permitem a pesquisa com células-tronco
embrionárias, mas não permitem a clonagem terapêutica. Na Itália, o debate
para liberação das pesquisas continua sob forte pressão da Igreja Católica, e na
Alemanha a pesquisa é permitida, mas somente com células-tronco importadas
de outro país (GOMES, 2007).

No Brasil, a Lei da Biossegurança nº 11.105/2005 permite, em seu artigo


5º, “para fins de pesquisa e terapia, a utilização de células-tronco embrionárias
obtidas de embriões humanos produzidos por fertilização in vitro e não utilizados
no respectivo procedimento”, atendidas as condições de que sejam embriões
inviáveis ou congelados por mais de três anos, sendo também necessário o
consentimento dos genitores, e ficando vedada qualquer comercialização.

170
TÓPICO 4 | ASPECTOS BIOÉTICOS DA TERAPIA COM CÉLULAS-TRONCO

LEITURA COMPLEMENTAR

O que a história da primeira terapia gênica nacional pode ensinar sobre o


futuro da terapia gênica no Brasil

Ana Teixeira

A aprovação das primeiras terapias gênicas nos EUA e Europa trouxe


muita expectativa para médicos e pacientes, mas também trouxe preocupação.
Do ponto de vista científico, essas terapias são uma vitória: cem anos atrás não
existiam antibióticos, hoje nós conseguimos corrigir o DNA de uma pessoa. Em
termos práticos, no entanto, a situação é bem menos impressionante. Uma das
terapias era tão cara que foi retirada do mercado, outra está sendo posta à venda
pela farmacêutica que a desenvolveu. Se os países ricos estão tendo dificuldades de
pagar a conta desses tratamentos, o que será de países emergentes como o Brasil?

A verdade é que o Brasil tem sua própria história de pesquisa e inovação


em terapia gênica, e desenvolver pelo menos algumas terapias aqui pode ser
economicamente bem interessante. Falar de investimento em terapia gênica
em plena crise econômica pode soar absurdo, mas investir em ciência ainda faz
sentido. “Para uma série de doenças, o tratamento pago pelo SUS já possui um
custo bastante alto”, explica o Prof. Guilherme Baldo, da Universidade Federal do
Rio Grande do Sul (UFRGS). “O tratamento de doenças em que se faz reposição de
alguma proteína – caso por exemplo da hemofilia e algumas doenças metabólicas
– pode chegar a 1 milhão de reais por paciente por ano”, conta o professor. Além
disso, apesar de cara, a terapia gênica é realizada uma única vez, o que poderia
tornar o tratamento de certas doenças genéticas mais barato do que é atualmente.

E se desenvolver uma terapia gênica 100% brasileira parece improvável,


saiba que não só isso é possível, como já aconteceu. Fruto do trabalho da pioneira
Rede de Terapia Gênica, foi o primeiro vetor de terapia gênica da América do Sul
produzido com tecnologia local. A Rede, formada por universidades e centros
de pesquisa no Rio de Janeiro, São Paulo e Rio Grande do Sul, desenvolveu um
tratamento para isquemia cardíaca utilizando o gene do fator de crescimento
endotelial vascular (VEGF). Esse gene, que induz a geração de novos vasos
sanguíneos, foi o escolhido para enfrentar a isquemia, doença caracterizada pelo
bloqueio da irrigação sanguínea em um tecido. Os resultados em animais foram
encorajadores e levaram a terapia ao próximo nível – os ensaios clínicos.

Vitórias (e percalços) made in Brazil

Para chegar ao ensaio clínico, no entanto, havia um obstáculo a ser


superado. Um dos requisitos para a aprovação do ensaio clínico pelas agências
regulatórias do país é que o vetor contendo o gene fosse produzido em instalações
conhecidas como GMP. GMP é a sigla de good manufacturing practices, ou boas
práticas de fabricação, que é o padrão estabelecido para a manufatura de produtos

171
UNIDADE 3 | BIODIREITO E O DIREITO À VIDA: NOVAS TÉCNICAS CIENTÍFICAS E IMPACTOS ÉTICO-JURÍDICOS

medicinais. O sistema GMP envolve desde os insumos e treinamento de pessoal


até a qualidade do ar onde certos equipamentos são utilizados, tudo a fim de
garantir que todos os medicamentos sejam produzidos consistentemente dentro
dos padrões de qualidade exigidos. Para isso, é preciso uma infraestrutura muito
mais complexa do que um laboratório de universidade pode oferecer.

O que era preciso era um parceiro industrial, uma empresa de


biotecnologia brasileira com know-how para produzir esses vetores gênicos em
escala industrial. E aí estava o problema: esse parceiro não existia. O jeito, então,
foi criá-lo. O Prof. Han e o Prof. Radovan Borojevic, da Universidade Federal
do Rio de Janeiro (UFRJ), juntaram-se a um hospital privado e fundaram uma
empresa de biotecnologia, até hoje situada na Fundação Parque de Alta Tecnologia
de Petrópolis, no Rio de Janeiro. Lá, entre os jardins e montanhas da tranquila
cidade imperial se produziu o primeiro vetor de terapia gênica 100% brasileiro.
Em fevereiro de 2009, em Porto Alegre, finalmente teve início o primeiro ensaio
clínico de terapia gênica desenvolvida na América do Sul. O vetor foi um sucesso
e o ensaio clínico bem-sucedido, mas ficou por aí. Sem interesse do setor privado
pela terapia, ela não continuou a ser desenvolvida e a tecnologia foi abandonada.

Perspectivas para o futuro

Hoje, em 2017, a terapia gênica no Brasil ainda vive majoritariamente de


financiamento público. Por isso, a atual crise econômica representa um grave
choque para a área. A Rede de Terapia Gênica (que hoje tem o nome de Instituto
Nacional de Ciência e Tecnologia de Terapia Gênica, INTERGEN) teve um projeto
recentemente aprovado para financiamento, mas por causa da crise, a aprovação
ficou só no papel: o dinheiro ainda não foi entregue. Para o Prof. Han, isso é
preocupante, porque o setor público é imprescindível para a continuidade da
pesquisa básica e para as primeiras incursões na pesquisa clínica. “Depois, são
os empresários brasileiros que vão possibilitar o salto na tecnologia de terapia
gênica”.

Agora seria o momento de o país investir pesado nessas tecnologias


emergentes. Mas enquanto os EUA e Europa comemoram as suas primeiras
terapias gênicas, o Brasil amarga o investimento mais baixo em ciência e tecnologia
dos últimos 12 anos – com previsão de ainda mais cortes. Diversos centros de
pesquisa brasileiros ameaçam fechar em 2018 por falta de verbas. Isso não quer
dizer que as terapias gênicas não vão chegar aqui; elas virão, mas importadas.
“Infelizmente isso é o que temos visto: empresas farmacêuticas multinacionais
vindo ao Brasil para fazer ensaios clínicos aqui, mas não a partir de tecnologia
brasileira, e sim, de fora”, lamenta o professor Baldo. No entanto, se a história
da primeira terapia gênica no Brasil oferece alguma lição para o futuro, é essa:
com investimento e definição regulatória, o futuro não precisa ser importado;
podemos desenvolvê-lo aqui mesmo.

FONTE: Disponível em: <http://tudosobrecelulastronco.com.br/terapia-genica-2-terapia-genica-


no-brasil/>. Acesso em: 15 jan. 2018.

172
RESUMO DO TÓPICO 4

Neste tópico, você aprendeu que:

• O termo célula-tronco compreende as células precursoras que possuem a


capacidade de diferenciação e autorrenovação, podendo então se dividir e
originar uma variedade de tecidos (células nervosas, células cardíacas etc.).

• Existem três tipos de células-tronco: as embrionárias, as adultas e as obtidas


em laboratório.

• O uso de células-tronco embrionárias para tratamento de enfermidades


crônico-degenerativas tem sido muito debatido mundialmente, provocando
ações e reações variadas, a depender das leis de cada país, da religiosidade da
população e da tecnologia disponível.

• No Brasil, a lei que rege células-tronco é a Lei da Biossegurança nº 11.105/2005.

• Países como Estados Unidos e Reino Unido, França, Holanda, Espanha,


Portugal, Suíça e Austrália aprovam a pesquisa com células-tronco.

173
AUTOATIVIDADE

1 Possuem a capacidade de diferenciação e autorrenovação, podendo então


se dividir e originar uma variedade de tecidos (células nervosas, células
cardíacas etc.). De qual célula estamos falando:

a) ( ) Células-tronco
b) ( ) Células cancerígenas
c) ( ) Células L929
d) ( ) Células hepatócitos

2 No Brasil, a lei que rege a utilização de células-tronco embrionárias para


pesquisa e fins terapêuticos é:

3 Existem três tipos de células-tronco: as embrionárias, as adultas e as obtidas


em laboratório. Diante disso, assinale V para as alternativas verdadeiras e F
para as falsas.

( ) As células-tronco embrionárias são encontradas no embrião, somente


no estágio de blastocisto, e possuem a capacidade de se transformar em
qualquer tipo de célula adulta.
( ) As células-tronco adultas, conhecidas também por células totipotentes,
encontram-se, somente, na medula óssea, mas cada órgão do nosso
corpo possui um pouco de células-tronco para poder renovar as células
ao longo da nossa vida.
( ) As células-tronco obtidas em laboratório, chamadas também de
pluripotentes induzidas, têm por característica a possibilidade de serem
reprogramadas através da tecnologia do DNA recombinante.

174
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