Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Embora seja bastante popular o emprego da expressão carpe diem, em geral, sua
abordagem restringe-se a uma leitura isolada da expressão, em que o próprio poema e seu
contexto perdem espaço ante a leitura precoce e simplista de uma postura hedonista.
Contudo, diferente do que se tornou viés popular, o poeta Horácio parece oferecer uma
perspectiva diferente. Portanto, em primeiro lugar, este trabalho busca estabelecer u ma
breve reflexão sobre o contexto histórico-filosófico em que o poeta se encontrava para só
então, em seguida, avaliar a ode I,11.
As Odes de Quintus Horatius Flaccus possuem uma forte influência da tradição lírica
grega, representada principalmente nas figuras da poeta Safo e do poeta Alceu, ambos da
ilha de Lesbos. Stephen Harrison, em A companion to Latin literature, escreve:
Contudo, a influência da tradição grega não estava só presente em sua lírica, mas
também em seus posicionamentos filosóficos. Harrison continua:
1 HARRISON, Stephen. Lyric and Iambic: a companion to Latin literature. Oxf ord: Blackwell, 2005. Tradução
de Daniel da Silva Moreira; p. 5.
2 HARRISON, Stephen, op. cit., p. 7.
Página 1 de 6
Vinícius Moraes Tiago (UFJF) viniciusmoraes@eternodevir.com
Por mais que Horácio não possa ter presenciado estas tensões por uma questão
temporal, elas se destacam frente aos acontecimentos que ocorreram posteriormente –
colocando o estoicismo e o epicurismo à margem do pensamento ocidental. Contudo, este
âmbito da vida presente e o homem protagonista de seu próprio destino são dois aspectos
fundamentais para analisarmos a ode I, 11.
Página 2 de 6
Vinícius Moraes Tiago (UFJF) viniciusmoraes@eternodevir.com
Ode I, 11
Página 3 de 6
Vinícius Moraes Tiago (UFJF) viniciusmoraes@eternodevir.com
A ode I, 11 trata-se de um poema curto em 8 versos, em que o poeta parece nos falar
através de aforismos tamanha é a concisão e a densidade semântica. O poema se dirige a
uma mulher, Leuconoe, cujo nome é derivado das palavras gregas λευκóς (branco) e νούς
(mente). O poema, portanto, atinge um caráter universal ao se dirigir a uma mente branca
(vazia). Owen Lee relata que este nome também foi “dado por Higino a uma irmã de Netuno
e esposa de Apolo e, por Ovídio, a uma das irmãs de Mínias” 5. O tema do poema é
desenvolvido em torno da perspectiva de uma vida voltada para o âmbito presente, no carpe
diem, que como Heloisa Penna lembra em sua tese de doutorado, Implicações da métrica
nas Odes de Horácio, texto base para este trabalho, trata-se de um tema recorrente em
muitas outras odes de Horácio. Contudo, nesta é um tema exclusivo, “não um ponto de
partida para um convite amoroso, para uma comemoração ou para um repouso no campo,
nem argumento para uma consolatio”6. Ao longo do poema é notável a forma como o poeta
constrói seu pensamento em busca de persuadir o leitor, para tanto Horácio faz o uso da
estrutura retórica. Primeiro ele adverte, não indagues (é nefasto saber), depois argumenta
com elementos religiosos e naturais, se Júpiter destinou muitos ou o último inverno,
posteriormente cede uma dica da sua visão existencial entre o asceticismo e o hedonismo,
filtres os vinhos, e então indica os perigos da esperança e de não se valorizar o presente,
em um prazo curto abandones a longa esperança / enquanto falamos, já terá fugido o
invejoso tempo, para só então concluir seu poema através do aforismo, colhe o dia, que
sintetiza com maestria seu posicionamento existencial epicurista.
No que diz respeito à métrica, Horácio demonstra todo seu zelo em conciliar forma
e conteúdo. A ode é composta em metro asclepiadeu maior.
5 OWEN LEE, M. Word, Sound, and Image in the Odes of Horace. Ann Arbor: The University of Michingan
Press, 1969; p. 72.
6 PENNA, Heloisa. Implicações da métrica nas Odes de Horácio. São Paulo: Universidade de São Paulo,
2007; p. 300.
7 PENNA, Heloisa, op. cit., p. 296-297.
Página 4 de 6
Vinícius Moraes Tiago (UFJF) viniciusmoraes@eternodevir.com
Para uma análise mais minuciosa de cada conjunto de versos lançarei mão da
tradução realizada pela Heloisa Penna, por manter aspectos sintático-semânticos mais
próximos do texto original. Nos três primeiros versos Horácio inicia a ode com uma
advertência, marcando uma das principais características do poema.
1. Não indagues (é nef asto saber) qual para mim, qual para ti
2. o f im que os deuses tenham reservado, Leuconoe, nem os babilônicos
3. cálculos busques. Que melhor será suportar o que vier!
8 ACHCAR, Francisco. Lírica e Lugar comum: alguns temas de Horácio e sua presença em português. São
Paulo: EDUSP, 1994; p. 89.
9 PENNA, Heloisa, op. cit., p. 302.
Página 5 de 6
Vinícius Moraes Tiago (UFJF) viniciusmoraes@eternodevir.com
No quarto e quinto versos, Horácio introduz dois novos argumentos para embasar
suas afirmações dos primeiros versos. Para reafirmar a ideia de suportar o que vier, o poeta
lança mão de elementos divinos, na figura de Júpiter, e de elementos naturais, na imagem
do mar agitado pelos ventos invernais se chocando contra as rochas – tanto um argumento
religioso como um da ordem da natureza. “Na paisagem marítima, as corrosivas ondas são
elas próprias destruídas nas pedras-pomes, e as três pesadas palavras coriâmbicas
sugerem que sempre será assim”10. Ou seja, o poeta coloca o leitor diante do aspecto de
finitude da vida e do acaso do futuro, afinal, a onda em que determinado momento corrói a
pedra, também é destruída por ela.
Página 6 de 6