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O caso que virou Wall Street do

avesso
Se você acompanha o mundo das finanças, talvez tenha se
deparado nas últimas duas semanas com o caso da GameStop
– uma loja de jogos americana que virou personagem principal em
uma espécie de guerra na bolsa de valores americana.

No meio do economiquês e dos termos super técnicos do mercado


de ações, muita gente até ouviu falar desse caso, mas não entendeu
totalmente o que aconteceu.

A gente explica em português claro a seguir.

Tempo de leitura: 6 minutos

Era uma vez uma empresa


chamada GameStop
Ela era uma loja de videogames muito famosa nos anos 90. Com o
avanço do mercado online, no entanto, acabou ficando pra trás. Nos
últimos anos, vinha registrando prejuízo e anunciou o fechamento de
várias lojas físicas.

Só que, do nada, o preço das suas ações começou a aumentar. E não


foi pouco: só em janeiro, foi mais de 1500% de valorização. As ações da
GameStop saltaram de cerca de 19 dólares pra quase 400 dólares.

Daí você pode estar pensando: “Ah, essa empresa deve ter feito um
anúncio grande, mudou o negócio, fez o mercado ficar otimista”.
A resposta é não. Essa valorização insana da GameStop aconteceu
sem que ela tenha feito nenhum movimento específico – ela foi
arquitetada por um grupo de investidores dentro de um fórum online que
resolveu apostar na direção contrária de alguns fundos bilionários.

O que aconteceu, exatamente?


Para entender essa história, é preciso saber que existem duas
principais formas de negociar ativos na Bolsa. Elas se chamam long e
short.

 Operar em long é quando você compra uma ação apostando que


ela vai subir. Ou seja, você compra por um preço e pretende
vender por um preço mais alto. Outro termo pra isso é “operar
comprado”.
 Operar em short é justamente o contrário: você negocia uma
ação apostando que ela vai cair. Isso também é chamado de
“operar vendido”.

O primeiro caso é fácil de entender. Mas o segundo é um pouco mais


complicado. Afinal, por que alguém negociaria uma ação apostando que
ela vai se desvalorizar?

Basicamente, essas ações em short estão sendo alugadas. Um


fundo pega ações emprestadas de outros investidores. Esse fundo
vende essas ações pelo preço de hoje, já planejando comprar
novamente no futuro por mais barato e devolver pro dono original. Os
fundos que fazem previsões de que essas ações vão cair e que eles
poderão lucrar se operarem elas em short.

E a GameStop nisso tudo? Lembra que ela vinha tendo resultados


fracos já há algum tempo? Isso a tornou um dos alvos favoritos dos
fundos pra operar em short. De forma simples, alguns fundos tinham
ações da GameStop aos montes nessa situação de "aluguel". Como a
empresa andava mal das pernas, a expectativa é que as ações iam cair
e os fundos lucrariam.
Nisso entram aqueles investidores que resolveram subverter o
sistema. Eles se organizaram dentro de uma comunidade do Reddit,
um dos maiores fóruns online do mundo, pra comprar em massa as
ações da GameStop.

O que aconteceu foi o efeito clássico da oferta e demanda. Quando


muita gente começa a comprar um produto (nesse caso, as ações da
GameStop), o preço sobe. E todos aqueles fundos que apostavam na
queda passaram a ver sinais de prejuízo – afinal, se as ações se
valorizam, eles se tornam obrigados a comprá-las por mais caro do que
haviam vendido.

A partir disso, começou uma espécie de bola de neve. Alguns fundos


começaram a recomprar as ações antes que elas subissem ainda mais,
o caso ganhou atenção da mídia e os papéis da GameStop
dispararam. Muitos investidores que tinham alugado suas ações para os
fundos pediram elas de volta, obrigando quem estava em posição
vendida a recomprar os ativos muito mais caros.

Esse fenômeno todo tem um nome: short squeeze. Esse é o nome


que se dá quando uma empresa com muitas ações shorteadas começa
a se valorizar. Basicamente, a aposta dos fundos sai pela culatra e eles
são obrigados a assumir o prejuízo.

Tem ainda mais um fator pra complicar a história. Pelas regras da


bolsa americana, os fundos que estavam operando essas ações em
short precisavam ter uma espécie de garantia proporcional ao valor das
ações. Como o preço disparou, os fundos foram obrigados a
desembolsar mais dinheiro pra essa garantia. Segundo a S3, uma
empresa de análises, as perdas chegaram à marca de US$ 20 bilhões.

Quais são as consequências disso


tudo?
A resposta mais simples é que ainda é cedo pra dizer. Esse caso
fascinou muita gente. Tem algo de romântico na ideia de pessoas
comuns que se uniram para apostar contra fundos bilionários.

Só que nem tudo são flores. O fato é que não só os fundos perderam
dinheiro: as ações da GameStop caíram depois da alta e, nessa
"brincadeira", ja começaram a surgir relatos nos Estados Unidos de
pequenos investidores que perderam muito dinheiro.

Ou seja: antes de achar que é a sua oportunidade de entrar numa


dessas e sair milionário, pense muito bem: bolsa de valores é coisa
séria e as pessoas ganham, mas também perdem muito dinheiro.
Investir com cautela e ir aprendendo com o tempo é muito melhor do
que fazer apostas arriscadas.

E agora? Pode ser que os fundos precisem modificar a estratégia que


usam no mercado. Pode ser que tudo volte ao normal. Mas o caso da
GameStop deve entrar para a história como uma das situações mais
inusitadas que a bolsa já viveu.

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