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movimento da etnomatemática
Introdução
O texto que apresentamos é parte de uma pesquisa que tem como objetivo observar o
movimento relativo à discussão em torno da inserção da etnomatemática no contexto
educacional, tendo como corpus de análise os membros de um grupo de pesquisa,
envolvidos com a etnomatemática, e os documentos oficiais que fazem menção à
etnomatemática em seus textos. A partir disso, pretendemos observar como a
etnomatemática se insere na educação, tendo como perspectiva metodológica e de análise a
teoria sociológica proposta por Pierre Bourdieu (1996, 2004, 2008, 2012). Essa inserção da
etnomatemática na educação será considerada ao longo da investigação como um
movimento, que caminha em direção à sala de aula, em suas diferentes possibilidades e
modalidades de ensino.
Essas são questões orientam a análise do nosso corpus, a saber: os membros de um grupo
de pesquisa, envolvidos com a etnomatemática, e dois documentos oficiais que fazem
menção à etnomatemática em seus textos – Parâmetros Curriculares Nacionais e Diretrizes
Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de
História e Cultura Afro-Brasileira e Africana. Nosso “material” de análise será composto
por informações obtidas a partir da (1)produção acadêmica e as (2)atividades profissionais
desenvolvidas por pesquisadores já envolvidos com a etnomatemática, que serão obtidas a
partir de uma análise do Currículo Lattes desses pesquisadores e por meio de entrevistas
semi-estruturadas, bem como os (3)contextos de produção dos documentos mencionados e
a (4)repercussão desses documentos nas produções acadêmicas que estabelecem relações
entre etnomatemática e o contexto educacional. Todo esse material será
“pensado”/”olhado”/”reorganizado” a partir da perspectiva bourdieusiana. Também a
constituição da etnomatemática enquanto área de pesquisa e o seu reconhecimento como
um campo fértil de investigações será pensado a partir da perspectiva bourdieusiana.
Para este texto, trazemos a primeira parte da investigação. Assim, a partir de uma
explicitação em torno do panorama da pesquisa em etnomatemática, no âmbito nacional,
apresentamos nossos objetivos e caminhos a serem seguidos. Pretendemos, a partir dessa
exposição sobre o movimento da etnomatemática, pensar na etnomatemática em
movimento, que possui como direção a sala de aula, em suas diferentes possibilidades e
modalidade de ensino.
O movimento da etnomatemática
O tema etnomatemática é, como muitos outros, bastante amplo. Podem ser estabelecidas
inúmeras relações, tanto entre os diferentes entendimentos para o termo, quanto entre a
etnomatemática e outras áreas do conhecimento. Para elencarmos algumas dessas relações,
trazemos aqui os eixos temáticos utilizados para reunir os trabalhos apresentados no mais
recente encontro de etnomatemática, realizado na Universidade Federal Fluminense entre
os dias 25 e 26 de setembro de 2014: etnomatemática e formação de professores;
etnomatemática, currículo e políticas educacionais; etnomatemática e práticas docentes;
etnomatemática e educação matemática em diferentes contextos; etnomatemática e
aspectos teóricos e/ou metodológicos; etnomatemática, história e cultura; etnomatemática e
o pensamento crítico; etnomatemática e os conceitos de verdade, identidade, cultura e
exclusão.
Essa gama de possibilidades soma-se a tantas outras que passaram a ser elaboradas por
inúmeros pesquisadores que tem se apropriado das ideias d’ambrosianas para construir as
próprias concepções sobre a etnomatemática. Diversidade de enfoques que resulta do
crescimento deste programa, no Brasil especificamente, e também no mundo, e pode ser
percebida quando nos empenhamos em uma pesquisa sobre o assunto na internet. A
simples busca pelo termo “etnomatemática” resulta em mais de 150 mil resultados no
Google sendo, destes, 80 mil resultados em páginas cujo idioma é o português e o restante
em páginas cujo idioma é o inglês. Neste texto, vamos apresentar algumas facetas deste
crescimento, tendo como delimitação o cenário nacional e seguindo uma organização que
destacará: a realização de eventos na área, a publicação de livros e artigos em periódicos,
as teses e dissertações desenvolvidas na área (CONRADO, 2005), os grupos de pesquisa
que, no Brasil, se envolvem continuamente com este campo de investigação e, por fim, as
leis e diretrizes que fazem menção à etnomatemática em seus textos.
Teses 05 17 16
Dissertações 18 50 141
Apenas cinco estados não possuem grupos de pesquisa que incluem a etnomatemática
como tema de interesse, o que indica uma relevância do tema, em relação às inúmeras
possibilidades para a pesquisa em Educação Matemática. Além desta análise mais geral
sobre os grupos de pesquisa, em uma análise mais pontual, seis desses grupos assumem a
etnomatemática como linha de frente de trabalho, visto que possuem este termo no nome
do grupo. Em 2011 o pesquisador Roger Miarka apresentou em sua tese uma análise sobre
os grupos de pesquisa que se envolviam diretamente com a pesquisa em etnomatemática e,
na ocasião, apenas três grupos assumiam o termo etnomatemática em seu nome
(MIARKA, 2011). Observamos, então, em um período de quatro anos (entre 2011 e 2015),
um aumento significativo de três para seis, na quantidade de grupos de pesquisa que
representam essa relação direta com a etnomatemática.
Cinco estados (São Paulo, Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro, Mato Grosso e Pará) estão
representados nesta relação direta com a etnomatemática. O primeiro grupo de
etnomatemática brasileiro cadastrado no CNPQ foi o Grupo de Estudos e Pesquisas em
Etnomatemática – GEPEM – com sede na Universidade de São Paulo (USP). A partir desse
grupo, cujo cadastro no CNPQ foi realizado em 1999, outros cinco grupos de pesquisas
foram cadastrados no CNPQ, como é possível observar na tabela a seguir:
Tabela 2: Grupos de Pesquisa que possuem a etnomatemática como principal tema de interesse
1999 2004 2008 2012 2013
Nome e Grupo de Grupo de Estudo Grupo de Estudos Grupo de Estudos Grupo de Estudos Grupo de
Sigla do Estudos e e Pesquisa em e Pesquisas em e Pesquisa em e Pesquisas das Etnomatemática
Pesquisas em Etnomatemática Etnomatemáticas Etnomatemática Práticas da UFF –
Grupo Etnomatemática – GEPEtno Negras e – GEPEPUCRS Etnomatemáticas GETUFF
– GEPEM Indígenas – na Amazônia –
GEPENI GETNOMA
A etnomatemática em movimento
Como foi possível observar a partir do tópico anterior, uma investigação que aborde a
etnomatemática como tema principal pode seguir caminhos diferenciados. O caminho que
pretendemos seguir para a nossa investigação de doutorado que está em andamento, junto
ao Programa de Pós-Graduação da Universidade de São Carlos, possui como objetivo final
a sala de aula. Mas não um estudo sobre as formas pelas quais a etnomatemática se faz
presente na sala de aula. Em vez disso, vamos analisar os caminhos percorridos para que
essa presença se efetivasse, os agentes mobilizados nesse processo e as articulações
necessárias para que essa movimentação ocorresse.
Este será o foco da presente investigação, que tem como objetivo observar o movimento
relativo à discussão em torno da inserção da etnomatemática no contexto educacional e
difere das pesquisas que se debruçam sobre o estado da arte. Conrado (2005), a fim de
construir uma compreensão de etnomatemática, desenvolveu uma pesquisa sobre o estado
da arte da pesquisa brasileira em etnomatemática. As categorias de investigação escolhidas
para encaminhar o trabalho da pesquisadora foram: Objetivos/Problema de pesquisa;
Objeto/Sujeito estudado; Concepção de etnomatemática; e Temáticas abordadas. Em suas
considerações finais, a pesquisadora destaca a etnomatemática como um campo fértil de
estudos.
Em uma busca por pesquisas que estabelecessem essa associação, encontramos a tese
desenvolvida por Amâncio (2004), em que o pesquisador encaminha uma investigação
sobre a perspectiva sociológica do conhecimento matemático. Em sua pesquisa, Amâncio
(2004) destaca o século XVII como um início, a partir dos estudos das Ciências Sociais,
sobre o pensar a matemática a partir de um ponto de vista sociológico. Especialmente na
década de 90 a pesquisa em Sociologia começa a se dedicar mais frequentemente ao ensino
de matemática (AMÂNCIO, 2004).
Tendo como objeto de estudo o tema “perspectiva”, e suas relações com as matemáticas, a
pesquisa desenvolvida por Amâncio (2004) nos aponta uma primeira investida em relação
aos aspectos sociológicos da etnomatemática. O pesquisador nos mostra que existem
evidências de que o pensamento em perspectiva envolve uma parcela considerável de
“aspectos sociais” e, por isso, pode ser variável conforme a abordagem. Embora tais
aspectos sociais existam, a sistematização desse pensamento os desconsidera. Isso, porque
o pensamento de Descartes deixa rastros profundos no pensamento projetivo, o que resulta
em uma sistematização rígida, tendo em vista a elaboração de teorias matemáticas.
Na presente investigação, assim como Amâncio (2004), também vamos destacar os
“aspectos sociais” envolvidos, e relacionando-os com a etnomatemática. Tais aspectos
serão procurados nas relações a serem estabelecidas a partir da estrutura de funcionamento
da etnomatemática e suas relações com os condicionantes sociais, lembrando que
delimitaremos o contexto escolar como o principal espaço social a ser analisado. As
articulações teóricas nessas duas pesquisas serão diferenciadas. Enquanto Amâncio (2004)
dialogou com Durkheim, C. Wright Mills e outros analistas sociais clássicos, pretendemos
dialogar com Pierre Bourdieu em nossa caminhada.
Assim, para estabelecermos esse diálogo, vamos adotar como fio condutor para essa
análise dois caminhos diferenciados: uma análise sobre as práticas de pesquisadores já
envolvidos com a etnomatemática e, neste caso, escolhemos para fazer parte de nossa
investigação os membros da primeira formação do Grupo de Estudos e Pesquisas em
Etnomatemática da USP; e uma discussão sobre a inserção da etnomatemática nos
documentos oficiais mencionados, que orientam as práticas de muitos professores das
escolas de diferentes níveis de ensino do país. Observem que esses dois caminhos possuem
como ponto de chegada, ou objetivo de “atuação”, a sala de aula, em seus diferentes níveis
e modalidades de ensino. Acreditamos que esta consiste em uma forma, dentre os espaços
de possíveis que se apresentam, de observar o movimento percorrido pela etnomatemática
em direção ao contexto educacional.