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PARTE I
Gianni Fresu
Da “marcha da universalidade” à
integral emancipação do homem
Giovanni Semeraro
A práxis “integral” de Gramsci
frente ao atual processo de desinte-
gração
Júlio César Apolinário Maia
Acepção gramsciana da díade con-
senso-coerção: Um esforço inves-
tigativo dos primeiros escritos aos
cadernos especiais
Peter Mayo
Gramsci, colonialismo e seus des-
contentes
Simone Aparecida de Jesus
Aquisição, importância e uso da
língua para Gramsci
Goiânia | 2020
© do texto: Autores, 2020.
© da edição: Editora Scotti, Goiânia, 2020.
ISBN: 978-65-87090-24-5 (papel)
ISBN: 978-65-87090-25-2 (e-book)
CDU: 37.01
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CEP 74125-125 Goiânia/GO
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E-mail: contato@editorascotti.com
Impresso no Brasil
Printed in Brazil
2020
SUMÁRIO
Introdução
Maria Margarida Machado, 7
Parte i
Gianni Fresu — Da “marcha da universalidade” à integral emancipa-
ção do homem, 17
Giovanni Semeraro — A práxis “integral” de Gramsci frente ao atual
processo de desintegração, 49
Júlio César Apolinário Maia — Acepção gramsciana da díade consen-
so-coerção: Um esforço investigativo dos primeiros escritos aos cader-
nos especiais, 65
Peter Mayo — Gramsci, colonialismo e seus descontentes, 95
Simone Aparecida de Jesus — Aquisição, importância e uso da língua
para Gramsci, 119
Parte ii
Gaudêncio Frigotto, Maria Ciavatta e Marise Ramos — Gramsci: A
historicidade da filosofia da práxis e a educação, 155
Cláudia Borges Costa e Maria Emilia de Castro Rodrigues — Subal-
terno e oprimido: Diálogo com Gramsci e Freire, 187
Maria Margarida Machado — Direito à educação e manutenção da
subalternidade, 221
Vera Lúcia Paganini — Entre missais e carabinas: O poder do discurso
ou o discurso de poder?, 245
Adriane Guimarães de Siqueira Lemos — Cartas do cárcere e a edu-
cação da infância, 287
INTRODUÇÃO
7
Ler Gramsci para pensar a política e a educação
8
INTRODUÇÃO
9
Ler Gramsci para pensar a política e a educação
10
INTRODUÇÃO
11
Ler Gramsci para pensar a política e a educação
12
INTRODUÇÃO
13
Ler Gramsci para pensar a política e a educação
14
INTRODUÇÃO
Referências
gramsci, A. Cadernos do cárcere. v. 1. Ed. e trad. Carlos Nelson Coutinho; coed.
Luiz Sérgio Henriques e Marco Aurélio Nogueira. Rio de Janeiro: Civilização Bra-
sileira, 1999.
______. Cadernos do cárcere. v. 3. Ed. e trad. Carlos Nelson Coutinho; coed. Luiz
Sérgio Henriques e Marco Aurélio Nogueira. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira,
2007.
liguori, Guido; voza, Pasquale (Orgs.). Dicionário gramsciano (1926-1937). 1. ed.
Trad. Ana Maria Chiarini, Diego Silveira Coelho Ferreira, Leandro de Oliveira Ca-
lastri e Silvia de Bernardinis. Revisão técnica Marco Aurélio Nogueira. São Paulo:
Boitempo, 2017.
15
CAPÍTULO 1
D a “ marcha da universalidade ” à
integral emancipação do homem
Gianni Fresu
Introdução
Desde o seu aparecimento na cena política mundial, o movi-
mento socialista alicerçou sua perspectiva de radical transformação
da sociedade no princípio de integral emancipação humana, isto é,
não apenas reforma política, mas radical mudança econômico-so-
cial.2 Nesse marco se insere a ideia de “reforma intelectual e moral”
em Gramsci, entendida não apenas como a abolição das contradições
sociais que impedem a igualdade efetiva entre os homens, mas como
a subversão da hierarquia que divide a humanidade em dirigentes e
dirigidos, contrapondo as funções intelectuais às instrumentais.3 Essa
fratura nada tem de natural, mas é o resultado de um longo processo
1 marx, K. “Sulla Comune di Parigi”. In: Musto, M. (Org.). Lavoratori di tutto il mondo uni-
tevi! Risoluzioni, Discorsi, e documenti. Donzelli, Roma, 2014, p. 172. Traduzi ao português
todas as citações de textos italianos.
2 Tratei desse tema nessa publicação: “De Marx a Gramsci: Educação, relações pro-
dutivas e hierarquia social”. In: schlesener, A. H.; oliveira, A. L.; almeida, T.
M. G. (Orgs.). A atualidade da filosofia da práxis e políticas educacionais. Curitiba:
Universidade Tuiuti do Paraná, 2018. p. 19-62.
3 A respeito desse tema, sugiro a leitura de um recente aprofundamento: frosi-
ni, F. “Egemonia borghese ed hegemonia proletaria nei Quaderni del carcere: Una
proposta di riconsiderazione”. In: Francioni, G; Giasi, F. (Orgs.). Un nuovo Grams-
ci. Roma: Viella, 2020. p. 279-300.
17
Gianni Fresu
18
D a “ marcha da universalidade ” à integral emancipação do homem
6 Ibid., p. 1375.
7 MANACORDA, Mario Alighiero.Il principio educativo in Gramsci.. Roma: Edito-
ri Riuniti University Press, 2012, p. 26.
19
Gianni Fresu
8 “A pesquisa de Gramsci está voltada para a análise das formas particulares de hegemonia
burguesa com a clara finalidade de encontrar o caminho para a construção da hegemonia
operária. Daí o seu interesse pela cultura e a história das classes subalternas, não para louvá-
-las, mas para encontrar fragmentos de rebeldia e antagonismo ao poder político-econômi-
co estabelecido e para incorporar essa experiência na frente única anticapitalista. Da rebel-
dia ‘espontânea’ das massas é que se deve partir para a construção de uma nova hegemonia,
mas na passagem de um extremo ao outro — da opressão que fundamenta a rebeldia até a
nova hegemonia operária e socialista — o caminho é longo e muitas são as mediações”. del
roio, M. Gramsci e os subalternos. São Paulo: Editora Unesp, 2018, p. 166.
9 gramsci, A. L’Ordine Nuovo (1919-1929). Turim: Einaudi, 1954, p. 537.
20
D a “ marcha da universalidade ” à integral emancipação do homem
antigo ser, portanto de antagonismo com as disposições do capital, que dará início
à constituição do operário em classe por afirmação própria.10
21
Gianni Fresu
Longe de conceber o homem como um ser genérico, estes direitos, pelo contrário,
fazem da própria vida genérica, da sociedade, um marco exterior aos indivíduos,
uma limitação de sua independência primitiva. O único nexo que os mantém em
12 Relatando sobre esse escrito do jovem Marx, e comentando a questão social não atingida
pela reforma política, Cingoli escreve: “o Estado declara suprimida politicamente a proprie-
dade privada, não apenas abole o censo, isto é, no momento em que não é mais necessário
um mínimo de riqueza para votar; mas isso não elimina em nada a enorme desigualdade
entre ricos e pobres na sociedade civil. Mas, em geral, o Estado tira ‘à sua maneira’ todas as
diferenças, que todavia permanecem na sociedade civil: portanto, nela deve-se agir”. cingo-
li, M. “La formazione del pensiero politico di Marx (1835-43)”, In: petrucciani, S. (Org.).
Il pensiero di Karl Marx: Filosofia, politica, economia. Roma: Carocci, 2018, p. 33.
22
D a “ marcha da universalidade ” à integral emancipação do homem
Mas este fato torna-se ainda mais estranho quando verificamos que os emancipa-
dores políticos rebaixam até mesmo a cidadania, a comunidade política ao papel
de simples meio para a conservação dos chamados direitos humanos; que, por
conseguinte, o citoyen é declarado servo do homem egoísta: degrada-se a esfera
comunitária em que atua o homem em detrimento da esfera em que o homem atua
como ser parcial; que, finalmente, não se considera como homem verdadeiro e
autêntico o homem enquanto cidadão, senão enquanto burguês.15
23
Gianni Fresu
16 Ibid., p. 52.
24
D a “ marcha da universalidade ” à integral emancipação do homem
25
Gianni Fresu
18 Ibid., p. 36.
19 Para aprofundar a importância da filosofia de Benedetto Croce para o desenvolvimento
crítico do pensamento de Gramsci, sugiro a leitura do ótimo trabalho recentemente orga-
nizado por Fabio Frosini: gramsci, A. La “Storia d’Europa” di Benedetto Croce e il fascismo.
Org. F. Frosini. Milão: Unicopli, 2019.
26
D a “ marcha da universalidade ” à integral emancipação do homem
27
Gianni Fresu
nunca pretende de apagar as outras visões do mundo por ter vieses alternativos aos nossos
convencimentos mais profundos. Berlin, I. Libertà. Milão: Feltrinelli, 2002, p. 56-96.
23 gramsci, A. Quaderni del carcere, op. cit., p. 914-15.
24 Para utilizar uma definição concisa e eficaz de Salvatore Veca: “Diríamos então que o
propósito de uma teoria de justiça é a justificação ética das instituições fundamentais que
moldam uma forma estável e duradoura de vida coletiva. Isso é verdade, quer nossa concep-
ção de justiça seja utilitária ou contratualista, libertária ou comunitária. Se uma sociedade é
uma sociedade justa é a questão que a teoria é chamada a responder, definindo os critérios
de justificação e oferecendo-os para serem compartilhados pelos cidadãos dessa sociedade”.
veca, S. “Introduzione”. In: ______ (Org.). Giustizia e liberalismo politico. Milão: Feltrinelli,
1996, p. 5.
28
D a “ marcha da universalidade ” à integral emancipação do homem
29
Gianni Fresu
27 Ibid., p. 291.
28 tocqueville, A. A democracia na América. v. 1. São Paulo: Martins Fontes, 2005, p. 296.
30
D a “ marcha da universalidade ” à integral emancipação do homem
29 Ibid., p. 290.
31
Gianni Fresu
enfim sob o esforço de cada dia e entra no silêncio, como se sentisse remorso por
ter dito a verdade. Grilhões e carrascos são instrumentos grosseiros, que a tirania
empregava outrora; mas em nossos dias a civilização aperfeiçoou até o próprio
despotismo, que parecia, contudo, nada mais ter a aprender.30
O único poder que merece esse nome é o das massas e dos governos que se tornam
agentes de propensões e dos instintos das massas. Isso vale nas relações morais e
32
D a “ marcha da universalidade ” à integral emancipação do homem
sociais da vida privada e nos negócios públicos. Aqueles cuja opiniões são conhe-
cidas como opinião pública nem sempre são o mesmo tipo de público: nos eua são
toda a população branca; na Inglaterra, são, principalmente, a classe média. Mas
são sempre massas, isto é, uma mediocridade coletiva. E o que é uma novidade
ainda maior: nesse momento, as massas não recebem suas opiniões de dignitários
da Igreja ou do Estado, de pretensos líderes ou livros. O pensamento delas é feito
para elas por homens muito parecidos com elas mesmas, dirigindo-se a elas ou
falando em seu nome impulsivamente por meio de jornais.32
32 Ibid., p. 92.
33 Ibid., p. 93.
33
Gianni Fresu
É claro que a mera forma institucional e jurídica, se tem sua importância, não basta
para marcar o grau de liberdade e nem mesmo para garantir a existência real dessa
liberdade, pois existem formas vazias e outras tão pouco ou tão estranhamente
preenchidas que dão origem a um parlamentarismo de aparência [...]. Nem mesmo
o sufrágio mais ou menos amplo ou mesmo universal diz algo sobre a extensão e
a profundidade do liberalismo, já que em alguns casos há sentimentos e costumes
mais liberais e ações liberais em países com sufrágio menos amplo do que em ou-
tros que têm sufrágio muito amplo, já que, como já foi dito, o sufrágio universal é
frequentemente muito caro aos inimigos da liberdade, feudalistas, sacerdotes, reis
e chefes do povo ou aventureiros.35
34
D a “ marcha da universalidade ” à integral emancipação do homem
35
Gianni Fresu
36
D a “ marcha da universalidade ” à integral emancipação do homem
só não assimila novos elementos, mas desassimila uma parte de si mesma (ou,
pelo menos, as desassimilações são muito mais numerosas do que as assimilações).
Uma classe que se ponha a si mesma como passível de assimilar toda a sociedade e,
ao mesmo tempo, seja realmente capaz de exprimir este processo leva à perfeição
esta concepção do Estado e do direito, a ponto de conceber o fim do Estado e
do direito, tornados inúteis por terem esgotado sua missão e sido absorvidos pela
sociedade civil.37
37 Ibid., 937.
37
Gianni Fresu
A partir desse momento, a consciência pode realmente imaginar ser outra coisa
diferente da consciência da práxis existente, representar algo realmente sem repre-
sentar algo real — a partir de então, a consciência está em condições da filosofia,
da moral etc. “puras”. Mas, mesmo que essa teoria, essa teologia, essa filosofia, essa
moral etc. entrem em contradição com as relações existentes, isto só pode se dar
porque as relações sociais existentes estão em contradição com as forças de pro-
dução existentes — o que, aliás, pode se dar também num determinado círculo
nacional de relações [...].39
38 antonini, F. “Gramsci, il materialismo storico e l’antologia russa del 1924”. Studi Storici,
Roma, v. 59, n. 2, pp. 403-35, 2018.
39 marx, K.; engels, F. A ideologia alemã. São Paulo: Boitempo, 2018, p. 35.
40 Ibib, pp. 35-36.
38
D a “ marcha da universalidade ” à integral emancipação do homem
A divisão do trabalho, que já encontramos acima [...] como uma das forças prin-
cipais da história que se deu até aqui, se expressa também na classe dominante
como divisão entre trabalho espiritual e trabalho material, de maneira que, no
interior dessa classe, uma parte aparece como os pensadores dessa classe, como
seus ideólogos ativos, criadores de conceitos, que fazem da atividade de forma-
ção da ilusão dessa classe sobre si mesma o seu meio principal de subsistência,
enquanto os outros se comportam diante dessas ideias e ilusões de forma mais
passiva e receptiva, pois são, na realidade, os membros ativos dessa classe e têm
menos tempo para formar ilusões e ideias sobre si próprios.41
Totalmente ao contrário da filosofia alemã, que desce do céu à terra, aqui se eleva da
terra ao céu. Quer dizer, não se parte daquilo que os homens dizem, imaginam ou
representam, tampouco dos homens pensados, imaginados e representados para,
a partir daí, chegar aos homens de carne e osso; parte-se dos homens realmente
ativos e, a partir de seu processo de vida real, expõe-se também o desenvolvimento
dos reflexos ideológicos e dos ecos desse processo de vida [...]. Não é a consciência
que determina a vida, mas a vida que determina a consciência. No primeiro modo
de considerar as coisas, parte-se da consciência como do indivíduo vivo; no segun-
39
Gianni Fresu
do, que corresponde à vida real, parte-se dos próprios indivíduos reais, vivos, e se
considera a consciência apenas como sua consciência.42
Realmente, toda nova classe que toma o lugar de outra que dominava anterior-
mente é obrigada, para atingir seus fins, a apresentar seu interesse como o interesse
comum de todos os membros da sociedade, quer dizer, expresso de forma ideal:
é obrigada a dar às suas ideias a forma da universalidade, a apresentá-las como
as únicas racionais, universalmente válidas. A classe revolucionária, por já se
defrontar desde o início com uma classe, surge não como classe, mas sim como
representante de toda a sociedade; ela aparece como a massa inteira da sociedade
diante da única classe dominante.43
42 Ibid., p. 94.
43 Ibid., pp. 48-49.
40
D a “ marcha da universalidade ” à integral emancipação do homem
papel sempre mais importante. Por um lado, ela fornece mão de obra
funcional à produção material; por outro, forma intelectualmente os
futuros representantes da classe dominante. A essa distinção corres-
ponde aquela entre dirigentes e dirigidos. Em contraposição a essa
ideia de hierarquia social — geralmente considerada natural e, en-
quanto tal, imutável, mas que, ao contrário, é fruto da divisão espe-
cialização do trabalho —, Gramsci afirmou a necessidade de superar
a fratura historicamente determinada entre funções intelectuais e
manuais, em razão da qual torna-se necessária a existência de um
sacerdócio ou casta de especialistas da política e do saber.
Conclusões
Na visão de Marx, política e educação estão deontologica-
mente entrelaçadas, numa relação de reciprocidade: por um lado, é
essencial uma profunda transformação das condições sociais para
criar um sistema escolar diferente; por outro, é preciso mudar as
condições do sistema de ensino para mudar as condições sociais. A
perspectiva educativa de Marx reside na exigência de tornar possível
o pleno desenvolvimento da personalidade humana, superando as
condições impostas pela divisão de classes e pela especialização do
trabalho dela decorrente. O percurso de Marx junta filosofia e econo-
mia política. Mas, quando os seus estudos abrangem a dimensão eco-
nômica, ele conserva uma visão dialética, ou seja, interpreta o devir
histórico segundo mudanças que acontecem num quadro dominado
por contradições objetivas e subjetivas, onde a tese se converte no
seu oposto, criando no seu próprio seio a sua negação. Isso acontece
também na dimensão da educação e da emancipação integral do ho-
mem, porque se o desenvolvimento técnico da sociedade industrial
produz o máximo da desumanização, ele cria também as condições
— graças à mesma divisão e especialização do trabalho responsável
por aquela negação da humanidade — para o desenvolvimento om-
nilateral do indivíduo.
Como escreveu Manacorda, a simples emancipação política
não é suficiente para a plena libertação humana, porque o capitalista
41
Gianni Fresu
Para concluir, retomando brevemente o que pudemos ver nesta resenha sumária
sobre a concepção que Marx tem do trabalho e da sua função no fazer-se do ho-
mem, podemos dizer que o homem é homem na medida em que deixa de iden-
tificar-se, à maneira dos animais, com a própria atividade vital na natureza; na
medida em que começa a produzir as condições de uma vida humana sua, isto
é, os meios de subsistência e as relações que estabelece com outros homens ao
produzi-la na divisão do trabalho; como uma relação não limitada a apenas uma
parte da natureza, mas pelo menos potencialmente, como uma relação universal
ou omnilateral com toda a natureza como seu corpo orgânico; e na medida, afinal,
em que humaniza a natureza, fazendo da história natural e da história humana um
só processo e, ao assim fazer, modifica-se a si mesmo, cria o homem da sociedade
humana [...]. Num determinado momento desse desenvolvimento, a criação de
42
D a “ marcha da universalidade ” à integral emancipação do homem
44 manacorda, M. A. Marx e a pedagogia moderna. São Paulo: Cortez, 1991, pp. 63-64.
43
Gianni Fresu
45 Ibid., p. 66.
46 Ibid.
47 Ao longo da sua vida intelectual, Marx escreveu uma enorme quantidade de cadernos
onde anotou estudos, comentários às leituras, rascunhos e reflexões nos diferentes temas por
ele abordados (sobretudo filosofia, política, economia e história). Nesses cadernos, Marx
guardava essencialmente os materiais que depois utilizava para artigos e livros, sem voltar
novamente à leitura das obras citadas. Ao mesmo tempo, todavia, nesses cadernos Marx es-
crevia conceitos, raciocínios e projetos que planejava desenvolver. No período em que Marx
viveu em Paris (entre outubro de 1843 e fevereiro de 1845), ele escreveu os que os estudiosos
de Marx chamam de Cadernos parisienses, onde se encontram os estudos que fundamentam
a Crítica da filosofia do direito, a Questão judaica, a Sagrada família e vários artigos que ele
publicou naqueles anos. É a partir desses materiais que, entre 1927 e 1932, os organizadores
extraíram os chamados Manuscritos econômico-filosóficos de 1844, publicados na União so-
viética e na Alemanha. Portanto, esse trabalho, que virou uma obra muito conhecida e estu-
dada de Marx, não é um verdadeiro livro, mas o resultado da transcrição dos três cadernos
que ele realizou entre maio e agosto de 1844. A publicação desses materiais definidos como
“ensaios fragmentários”, e também de outros inéditos, foi o resultado dos trabalhos feitos
nos arquivos pelo diretor do Instituto Marx-Engels de Moscou, David, Borisovič Rjazanov.
donaggio, E. “I manoscritti economico-filosofici del 1844”. In: petrucciani, S. Il pensiero
di Marx, op. cit., pp. 43-71.
44
D a “ marcha da universalidade ” à integral emancipação do homem
Por isso, trata-se de retorno pleno, tornado consciente e interior a toda riqueza do
desenvolvimento até aqui realizado, retorno do homem para si enquanto homem
social, isto é, humano. Este comunismo é a verdadeira dissolução do antagonismo
do homem com a natureza e com o homem; a verdadeira resolução do conflito
entre existência e essência, entre objetivação e autoconfirmação, entre liberdade e
necessidade, entre indivíduo e gênero. É o enigma resolvido da história e se sabe
com esta solução.49
45
Gianni Fresu
50 Ibid., p. 109.
46
D a “ marcha da universalidade ” à integral emancipação do homem
como forma efetivadora do ser social é realmente exposta e desenvolvida, algo que,
até então, mesmo em Marx, não havia sido feito.51
47
CAPÍTULO 2
A práxis “ integral ” de G ramsci frente
ao atual processo de desintegração 52
Giovanni Semeraro
52 Texto veiculado, inicialmente, em 2017 pelo site da igs Brasil: http://igsbrasil.org/, que
para este livro foi revisado e sofreu diversas modificações em relação ao original.
53 gramsci, A. Quaderni del carcere, a cura di V. Gerratana, 4 v. Turim: Einaudi, 1975. No
corpo do texto, esta obra é citada com o símbolo Q, seguido pelo número do caderno, pelo
número do parágrafo e da página da edição italiana, dados que permitem a localização na
edição brasileira.
49
dência por diversos autores, o aprofundamento das “contradições do
capital”54 gera cada vez mais um insustentável quadro de “desordem
mundial”.55 A destruição de nações inteiras pela indústria da guerra,
as gigantescas ondas migratórias, a desestabilização e o retrocesso
social impostos na América Latina provam amplamente a instala-
ção do “império do caos” desencadeado no mundo. Um dos sinto-
mas dessa situação é o pavoroso aparato bélico e policial que cresce
em proporção inversa à destruição das conquistas civilizatórias e ao
esvaziamento das instituições públicas. Conforme Marx havia ob-
servado ao afirmar que “a classe que dispõe dos meios de produção
material dispõe também dos meios de produção intelectual”,56 hoje
podemos verificar que a “guerra híbrida” e a sofisticação das armas
midiáticas e tecnológicas estão sendo utilizadas para desencadear a
indignação popular contra inimigos artificialmente construídos e
manipular medos e emoções das massas em função dos interesses
dos países mais poderosos.57
Um número crescente de pesquisadores mostra com dados im-
pressionantes que ingressamos em uma era que tende a se prolongar
pelo século xxi, controlada por plutocratas e corporações transna-
cionais que aprofundam a absurda disparidade entre riqueza privada
e dívida pública que compromete a liberdade política.58 Nestas últi-
mas décadas, de fato, assistimos não só ao desmoronamento do assim
chamado “socialismo real”, mas também das tentativas da “Terceira
Via”, das versões de socialdemocracia, das experiências de “governos
progressistas” e dos próprios modelos de “democracia liberal”.
Um clima generalizado de decepção e ceticismo está semeando
descrédito na política e na democracia, que afeta não só as camba-
leantes regiões periféricas do sistema, mas os próprios países consi-
50
A práxis “ integral ” de G ramsci frente ao atual processo de desintegração
51
Giovanni Semeraro
52
A práxis “ integral ” de G ramsci frente ao atual processo de desintegração
53
Giovanni Semeraro
54
A práxis “ integral ” de G ramsci frente ao atual processo de desintegração
55
Giovanni Semeraro
65 engels, F. “L. Feuerbach e o fim da filosofia clássica alemã”. In: marx, K.; engels, F.
Obras escolhidas. São Paulo: Alfa-Ômega, s.d., p. 177.
56
A práxis “ integral ” de G ramsci frente ao atual processo de desintegração
66 semeraro, G. Gramsci e os novos embates da filosofia da práxis. 3. ed. São Paulo: Ideias e
Letras, 2015, pp. 237-57.
57
Giovanni Semeraro
58
A práxis “ integral ” de G ramsci frente ao atual processo de desintegração
59
Giovanni Semeraro
60
A práxis “ integral ” de G ramsci frente ao atual processo de desintegração
61
Giovanni Semeraro
71 lukács, G. História e consciência de classe: Estudo sobre a dialética marxista. São Paulo:
Martins Fontes, 2012, p. 79.
62
A práxis “ integral ” de G ramsci frente ao atual processo de desintegração
63
CAPÍTULO 3
A cepção gramsciana da díade
consenso - coerção :
Considerações iniciais
Antonio Gramsci (1891-1937), no transcorrer do conjunto
epistolário, jornalístico e científico de seus textos, depara-se com
uma questão central: a consolidação de processos hegemônicos.
Dessa indagação passa, paulatinamente, a presumir a elaboração de
um “sujeito coletivo”, isto é, um tipo novo de civilização que intelec-
tual e moralmente oriente-se às necessidades contínuas de um pro-
jeto produtivo e econômico de desenvolvimento. A consolidação de
processos hegemônicos, assim, assume proporcionalidade direta em
relação à elaboração desse “sujeito coletivo”.
No entanto, ao intencionar esse raciocínio, não deixa de se in-
terrogar: como fazer com que cada indivíduo singular incorpore o
“sujeito coletivo”? Nos termos das proposições evidenciadas no âm-
bito do prefácio da Contribuição à crítica da economia política72 de
Karl Marx (1818-83), haja vista a notória conformidade do sardo
65
Júlio César Apolinário Maia
para com a filosofia da práxis, cabe a paráfrase: como fazer com que
as forças produtivas de uma determinada formação social encon-
trem-se, ainda que preliminarmente, consolidadas?
A resposta encontrada por Gramsci a esse questionamento se
articula, a priori, à noção de consenso, isto é, ao princípio educativo.
É possível, a partir da reflexão sugerida na altura das notas intro-
dutórias de seu estudo sobre os intelectuais,73 entender como suas
funções, quando conectadas aos grupos de maior relevância social
(dominantes/governantes), possuem maior capacidade de cooptação
moral e intelectual.
Isso se deve à fácil assimilação ideológica por parte desses gru-
pos, transposta aos grupos sociais de menor relevância (dominados/
governados). Portanto, caberia a formulação de uma nova pergunta:
como educar cada indivíduo singular para a obtenção de um consen-
so, ou seja, para a incorporação do “sujeito coletivo”? Ou ainda, nos
termos de Marx: como avançar sobre o consenso de classe e, conse-
quentemente, tornar precisa a consolidação das forças produtivas de
uma nova formação social? Tal é o desafio a partir do qual se posicio-
na, preliminarmente, a consolidação hegemônica.
Na medida em que é ambicionada tal consolidação, no entanto,
também a regulamentação, isto é, a reivindicação do controle ou do
exercício coercitivo, deve caminhar ao lado da organização da cul-
tura. O sardo, ainda na altura de seu estudo sobre a função dos inte-
lectuais, destaca uma característica nuclear da garantia do exercício
ideológico dos grupos sociais dominantes sobre os grupos sociais do-
minados: a adequação e/ou manutenção de um aparelho coercitivo
capacitado a assegurar a legalidade do consenso (inicialmente pro-
jetado e firmado entre os diversos grupos sociais); noutras palavras,
a função de anexação do consenso ao campo da legitimidade, o que
73 Tal reflexão assegura que todo trabalho, por mais que seja demasiadamente instrumental,
também é intelectual, logo “todos os homens são intelectuais”. Entretanto, “nem todos têm
função de intelectuais na sociedade”, o que evidencia a existência de distintas (e até diver-
gentes) funções intelectuais: de um lado encontram-se aquelas cuja importância na socieda-
de é ilustre, e, em contramedida, de outro lado veem-se aquelas que não possuem nenhuma
(ou pouca) influência social. Para aprofundamento, cf. Gramsci, 2001.
66
A cepção gramsciana da díade consenso - coerção :
A título de sistematização
O objetivo que deve ser aqui exposto assinala-se pela inves-
tigação das categorias consenso e coerção na amplitude da obra de
Gramsci. Para fins de identificação tanto do percurso de elaboração
como da opção de exposição deste capítulo, vale identificar que: i) a
edição utilizada para consulta dos textos de Gramsci, passível de ve-
rificação na seção de referências bibliográficas, refere-se ao conjunto
do projeto de edição crítica da obra gramsciana realizado pela Civi-
lização Brasileira (cb), cujo percurso consolidativo pode ser apreen-
dido de forma emblemática através de Carlos Nelson Coutinho;74 ii)
a disposição analítica deste capítulo adota como critério a cronologia
da publicação dos textos de Gramsci e, para tanto, distingue sete di-
ferentes seções (1910-1926; 1929; 1930; 1931; 1932; 1933; e 1934) a
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75 Destarte, a seção “1929...” é composta por lc alusivas ao ano de 1929 e pelo cc mis-
celâneo 1 (1929-30); a seção “1930...” apreende o conjunto das lc do ano de 1930 e os cc
miscelâneos 7 (1930-31), 5 (1930-32) e 6 (1930-32); a seção “1931...” contempla lc do ano de
1931, como também o cc miscelâneo 8 (1931-32); a seção “1932...” aborda lc referentes ao
ano de 1932 e os cc especiais 12 (1932), 11 (1932-33), 13 (1932-34) e 10 (1932-35); a seção
“1933...” se dedica à investigação do cc miscelâneo 15 (1933) e do cc especial 16 (1933-34)
e; a seção “1934...” trata dos cc especiais 22 (1934) e 19 (1934-35).
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78 Ver, por exemplo, o ep “Mensagem aos anarquistas”, onde Gramsci (2004a) desenvolve
o entendimento de que o anarquismo não se caracteriza por um movimento que encarne o
estímulo revolucionário aos grupos governados, inviabilizando o papel do partido e, conse-
guintemente, o consenso. Para aprofundamento, cf. Gramsci, 2004a.
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79 Para Gramsci (2004a e b), os conselhos de fábrica, ainda que apreendidos num forma-
to primitivo, representam um novo tipo de organização proletária, a partir dos operários
fabris. Um tipo de organização que ocorre na produção fabril, na fábrica, na unidade de
produção, baseado em um novo tipo de organização com novas hierarquias delineadas se-
gundo os fundamentos do Estado socialista. Conflui-se aqui a democracia operária, onde a
partir de comissões internas a economia e a política se aparelham e a soberania se identifica
com a produção. A experiência aqui destacada diz respeito ao conselho de fábrica instau-
rado na fábrica da Fiat em Turim, em setembro de 1929, a partir do qual previam-se: i) a
reconstrução da classe trabalhadora em prol de uma finalidade que historicamente lhe era
imposta; ii) a necessidade de a classe operária cumprir pleno e efetivo domínio de si mesma
para ter autonomia, liberdade e espontaneidade no contexto da fábrica; iii) o reflexo do
melhoramento da produção (para isso, Gramsci expõe a tese de que, livre e emancipada da
escravidão, a força de trabalho humana é mais bem empregada, o que sinaliza que a domi-
nação dos capitalistas encontra-se em estado de esgotamento); iv) o controle e o respeito às
regras de trabalho; e v) a atualização dos regulamentos, a promoção de seções de instrução
etc. Para mais informações, cf. Gramsci, 2004a e 2004b.
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80 Este conceito, para Gramsci (2014), culmina com a noção de uma sociedade ausente do
papel coercitivo, isto é, da sociedade política. Significa, assim, o estado pleno da sociedade
civil, o alcance de um Estado onde a ética e a moral coletiva se ascendam e os indivíduos, em
sociedade civil organizada, acatem espontaneamente a lei (espontaneamente não significa
passivamente, mas livres de todo e qualquer tipo de coerção, outrora exercida pela socieda-
de política). Para aprofundamento, cf. Gramsci, 2014.
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Considerações finais
Cumpre notar que o avanço sobre as diferentes seções dispostas
neste arrazoado notabiliza o protagonismo dado aos temas consenso
e coerção no conjunto dos textos de Gramsci. É curioso notar como,
progressivamente, esses temas: i) deixam de assumir influências in-
diretas, como nos casos dos ep, das conjunturas inicial e intermé-
dia das lc e parcialmente dos primeiros cc, isto é, destituem-se de
um formato de sustentáculo de reflexões difusas, onde tão somente
postam-se como coadjuvantes ante um sentido mais amplo e pro-
tagonístico no texto (vale mencionar, vide exemplo, os diversos ep
onde o próprio termo coerção é aproximado de vários outros, como
“ditadura do proletariado”, “controle operário” etc.); ii) atravessam
um segundo instante, localizado também (e sobretudo) na primeira
altura dos cc, onde prevalece um esforço investigativo que passa a
atribuir condição protagonística a esses termos, ou seja, um instan-
te onde Gramsci se dedica a estudá-los propriamente (o cc especial
13, assim como as diversas notas espalhadas nos demais cc sobre a
consolidação hegemônica de um aparelho estatal, é exemplo notório
desse instante); e iii) passam a assumir, ao fim e ao cabo, na altura
dos últimos cc, não somente um papel protagonístico, mas o próprio
alvo investigativo de Gramsci. Em outras palavras, os temas consen-
so e coerção tornam-se mais que o objeto de sua investigação, mas o
próprio subsídio que ampara sua investigação (os destaques apreen-
didos nos cc 19 e 22, para além de notas dispersas em miscelâneos,
são exemplos disso: neles Gramsci dedica-se a investigar o consenso
aplicado a uma experiência real ⸺ na particularidade citada, o Risor-
gimento italiano e o Americanismo, respectivamente).
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Vale reiterar, por fim, que o juízo dos conceitos aqui investiga-
dos seguramente pode ser encarado qual chave de leitura do modo
de organização da sociedade moderna, isto é, a formação e a atri-
buição de sentido ao “sujeito coletivo” moderno tem implicações
diretas sobre a consolidação de um processo hegemônico, ou seja,
sobre o estabelecimento de uma relação entre o elemento consen-
so, característico do território estrutural da sociedade civil, de seu
elemento econômico-corporativo, e do elemento coerção, designati-
vo do território superestrutural da sociedade política, seu elemento
ético-político.
Não por acaso, despertou Gramsci, de forma cada vez mais
enfática, para a implicação da conciliação entre ambos os temas no
transcorrer das diversas consolidações (ou prospectivas) hegemôni-
cas de seu tempo. A perpetuação de seu esforço, logo, posta-se qual
desafio à hodiernidade, o que significa a atualização daquela mesma
indagação que outrora o instigou (“como fazer com que cada indiví-
duo singular incorpore o ‘sujeito coletivo’”?) sob a arguição e o res-
paldo de todo o legado de seu esforço de síntese.
Referências
gramsci, A. Cadernos do cárcere. Os intelectuais; O princípio educativo; Jornalismo.
v. 2. 2. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2001a.
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CAPÍTULO 4
G ramsci , colonialismo e seus
descontentes
Peter Mayo
Introdução
O trabalho de Antonio Gramsci na prisão, focado na “Filosofia
da Práxis”, serve como fonte de ideias para ações políticas estratégi-
cas em vários campos, incluindo a descolonização da educação. A
“Filosofia da Práxis” não é, portanto, simplesmente uma palavra-có-
digo para contornar o censor da prisão, mas está no coração do pen-
samento de Gramsci e da exploração de áreas de investigação para
entender as condições históricas e geográficas que levaram à situação
da Itália em seu tempo, e contemplar direções futuras que o país po-
dia tomar. Cada situação é vista de uma perspectiva glocal, onde o
particular é visto e refletido em um contexto global mais amplo e vi-
ce-versa. Os escritos de Gramsci são particularmente relevantes para
discussões em torno do colonialismo, o foco temático deste capítulo.
Nas palavras de Stuart Hall, um dos principais estudiosos ins-
pirados em Gramsci, que fez muito para reinventar alguns dos con-
ceitos do sardo para uma análise de preocupações mais recentes so-
bre políticas, estratégias de raça e descolonização do Reino Unido:
Seus conceitos são “épicos” no seu alcance e referência. No entanto, Gramsci en-
tendeu que, quando esses conceitos precisam ser aplicados a formações sociais
históricas específicas, a sociedades particulares como estágios específicos no de-
senvolvimento do capitalismo, o teórico é obrigado a passar do nível de “modo de
produção” para um nível de aplicação inferior, mais concreto (Hall, 1996, p. 414).
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Mentalidade de conquistador
Essa situação se aplica aos países ocidentais que desenvolvem sua
economia com mão-de-obra imigrante e, ao mesmo tempo, são luga-
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85 Ver http://www.scomunicando.it/notizie/storia-cultura-01-marzo-del-1968-gli-scontri-
-alla-facolta-architettura-valle-giulia-roma-pasolini-scriveva/. Acesso em: 2 jun. 2020.
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86 É preciso ter cautela em fornecer binários aqui, pois os dois se cruzam, por exemplo,
usando as ferramentas da globalização hegemônica, como a internet, para obter a interação
de diferentes ativistas na construção de eventos como protestos de rua ou fóruns sociais
mundiais.
87 Ata escrita pelo Hon. T. B. Macaulay, datada de 2 de fevereiro de 1835. Disponível em:
http://www.mssu.edu/projectsouthasia/history/primarydocs/education/Macaulay001.htm.
Acesso em: 30 maio 2020.
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Peter Mayo
88 O alerta dado por Gandhi a esse respeito, como Guha (2009, p. 38) indicou, foi ignorado
porque a elite nacionalista que reuniu apoio popular na sua busca por independência não
conseguiu manter esse apoio depois de conquistar o Estado, permanecendo tão distante do
resto da população como o Raj colonial tinha sido. A nova elite governante na Índia, por-
tanto, não conseguiu atingir domínio hegemônico.
89 “Powellism” tem significados diferentes, principalmente o de visões associadas às ideias
conservadoras de Enoch Powell. Ele tem sido frequentemente usado com relação a seus
pontos de vista sobre imigração e, portanto, o legado e as sombras desse discurso de “rios de
sangue” de 1968, assim chamado por causa de um verso que ele citou da Eneida de Virgílio.
A palavra “shadows” aparece no título de uma peça contemporânea muito absorvente sobre
o assunto, de Chris Hannan - What Shadows -, que foi muito bem recebida nos dois lados
do Atlântico, ganhando os prêmios Tony e Olivier.
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G ramsci , colonialismo e seus descontentes
Medo da liberdade
Para os anteriormente colonizados diretamente que perma-
necem em seu país de origem, outras questões abundam. Ecoando
Fromm, Paulo Freire sustenta que, sob condições coloniais de pres-
crição e invasão/dependência cultural, a liberdade pode se tornar
uma coisa assustadora para os oprimidos. As pessoas podem ser tão
domesticadas que qualquer atividade que implique criatividade pode
parecer uma jornada para o desconhecido. Isso também afeta as pes-
soas, especialmente os migrantes de primeira geração, em países de
assentamento onde a contenção e a guetização constituem uma op-
ção de sobrevivência (Borg; Mayo, 1994).
Como Freire argumentou, a criatividade envolve assumir ris-
cos (Freire; Macedo, 1987, p. 57), com as conotações imediatas aqui
sendo diferentes daquelas ligadas ao conceito de Ulrich Beck de uma
sociedade contemporânea de “risco”. Assumir riscos é algo a que
muitas pessoas, anteriormente oprimidas, relutam a entregar-se, ten-
do sido imergidas na “cultura do silêncio”. “O país pode sobreviver
como uma nação independente?” foi a pergunta frequente com que
me deparei na preparação para a retirada das forças armadas do Rei-
no Unido de Malta em 1979. Muitas vezes ouvimos o mesmo pensa-
mento entre os escoceses à luz do Brexit e da possibilidade de outro
referendo sobre se a Escócia deve permanecer na União (Reino Uni-
do), e isso em um país que tem muito mais recursos naturais do que
Malta. Atualmente, este último desfruta de uma economia dinâmica
e de um bom padrão de vida.
De maneira mais geral, o medo da “libertação” e do desconhe-
cido faz parte da forma colonial da educação bancária, um dos con-
ceitos mais famosos de Freire, ecoando o “despejo” de Dewey, onde
a prescrição é a ordem do dia e onde as culturas e os espíritos cria-
tivos dos colonizados são denegridos e construídos como inferiores
aos dos colonizadores e de suas elites compradoras. É por essa razão,
para dar um exemplo, que o governo da “Nova Jóia” na Granada re-
volucionária insistiu em uma política destinada a “granadizar os gra-
nadinos”. Isso pretendia não desenvolver um nacionalismo insular,
mas instigar valor e orgulho entre os que eram antes pessoas direta-
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A questão da linguagem
É claro que há outro aspecto dos escritos de Gramsci que seria
particularmente preocupante para ativistas/educadores de adultos
envolvidos na política pós-colonial. Trata-se do problema do idioma.
Ao abordar a questão do colonialismo em termos de um contexto
colonial Norte-Sul na mesma península, Gramsci criticou a imposi-
ção hegemônica do idioma florentino “burguês” da época contem-
109
Peter Mayo
porânea como idioma nacional, dado que era uma “gramática nor-
matizada” imposta, sem nenhuma base popular nacional. Embora
ele tenha visto o valor das gramáticas espontâneas de diferentes re-
giões da península italiana, Gramsci incentivou o estudo da língua
nacional padrão, sem deixar de lado a primeira língua, pois pode
ajudar o subalterno a não permanecer à margem da vida política e
econômica. Ele também criticou fortemente a ideia de uma língua
franca artificialmente construída na forma do esperanto, uma vez
que não estava enraizada em autênticas relações sociais vivas e não
emergia “de baixo para cima” (Gramsci, 1985, p. 30).
Esse ponto referente à aprendizagem da língua padrão (impos-
ta de cima como uma espécie de “revolução passiva” não enraizada
na consciência popular) se torna ainda mais válido quando se con-
sidera que, como indicado, a hibridação continua sendo uma expe-
riência característica da experiência de resistência colonial ao poder.
Uma “guerra de posição” gramsciana, caracterizada por avan-
ços e recuos, envolvendo apropriação crítica, ocorre em diferentes
frentes. Evidentemente, a questão da linguagem nas antigas colônias
diretas permanece complexa, pois a linguagem padrão colonizado-
ra se torna uma fonte de diferenciação social entre grupos e classes,
embora, em pequenos Estados, sirva como linguagem da moeda in-
ternacional, sendo, portanto, um ativo econômico. Eu alegaria, no
entanto, que o idioma precisa ser ensinado de maneira diferente de
como foi ensinado em condições de colonialismo direto. Nas ex-co-
lônias britânicas, a ênfase não seria mais colocada na “anglicização”
e no ensino da língua inglesa como uma “missão civilizadora” (até
se fala em “línguas inglesas” hoje), com sua conotação de construir
aquilo que é nativo como “não civilizado”, mas no aprendizado de
idiomas como uma experiência libertadora. Neste último caso, pode
ser um meio de, como Said coloca na mesma entrevista citada, se
libertar da guetização.
As políticas de ensino de idiomas incluiriam, em um contexto
pós-colonial, o ensino/aprendizagem de línguas e alfabetizações na-
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G ramsci , colonialismo e seus descontentes
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Conclusão
As questões de linguagem nas antigas colônias diretas, como
na maioria das questões pós-coloniais em geral, permanecem com-
plexas. Antonio Gramsci nos ajuda a seguir uma rota por essa com-
plexidade. É por isso que suas ideias continuam a inspirar escritores,
ativistas sociais e inúmeros outros trabalhadores da cultura hoje.
Edward Said, por exemplo, reconheceu isso quando, acostumado ao
inglês em seu trabalho acadêmico e escolar, voltou ao Oriente Médio
para reaprender o árabe, um idioma que havia “deixado de lado”, um
argumento que destaca na citada entrevista na televisão holandesa.
Ao fazê-lo, obteve a combinação perfeita, como um intelectual ára-
be, que lhe permitiu atravessar dois meios de comunicação, cada um
refletindo uma visão de mundo específica (Weltanschauung). Cada
idioma se mostrou importante na busca de articular as lutas de seu
próprio povo em diferentes domínios políticos e culturais – o próprio
mundo árabe e o domínio ocidental, este último fornecendo espaços
para desafiar o que ele considerava deturpações e “orientalizações”
de pessoas do Oriente Médio. A aprendizagem bicultural é funda-
mental para contestar a opressão em diferentes locais de luta. Na vi-
são de Gramsci, serve para transcender as margens da vida política.
112
G ramsci , colonialismo e seus descontentes
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Peter Mayo
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116
CAPÍTULO 5
A quisição , importância e uso da
língua para G ramsci
Introdução
No Brasil, as obras de Gramsci foram traduzidas pela edito-
ra Civilização Brasileira, e compõem uma coleção de dez volumes,
sendo dois Escritos políticos, seis Cadernos do cárcere e dois volumes
de coletâneas das Cartas do cárcere. É o material pesquisado para
a elaboração deste capítulo. Na introdução ao primeiro volume dos
Cadernos do cárcere, na versão brasileira, assinada por Carlos Nelson
Coutinho, que é também o responsável pela tradução de todos os vo-
lumes utilizados nesta pesquisa e disponíveis em língua portuguesa,
há uma passagem, nas páginas 17 e 18, que chama a atenção ao fato
de Gramsci sempre ter pretensões de estudo e escrita sobre linguís-
tica. Mas é feita uma consideração de que a menção recorrente de
um retorno a esse tema seria uma maneira encontrada por ele para
homenagear seus interesses dos tempos de juventude, de quando in-
gressou no curso de letras na universidade, conforme se verifica a
seguir:
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A quisição , importância e uso da língua para G ramsci
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[...] a literatura não é nacional porque não é popular. Paradoxo da época atual.
De resto, não há uma hierarquia no mundo literário, isto é, não existe uma per-
sonalidade eminente que exerça uma hegemonia cultural. Questão de por quê e
como uma literatura é popular. A “beleza” não basta: é necessário um determinado
conteúdo intelectual e moral que seja a expressão elaborada e completa das aspira-
ções mais profundas de um determinado público, isto é, da nação povo numa certa
fase de seu desenvolvimento histórico. A literatura deve ser, ao mesmo tempo,
elemento efetivo de civilização e obra de arte; se não for assim, a literatura artística
cederá lugar à literatura de folhetim, que, a seu modo, é um elemento efetivo de
cultura, de uma cultura certamente degradada, mas vivamente sentida (Gramsci,
2002b, p. 39).
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Simone Aparecida de Jesus
[...] somente a partir dos leitores da literatura de folhetim é que será possível sele-
cionar o público suficiente e necessário para criar a base cultural da nova literatura.
Parece-me que o problema é este: como criar um corpo de literatos que esteja artis-
ticamente para a literatura de folhetim como Dostoievski estava para Sue e Soulié,
ou como, no romance policial, Chesterton está para Conan Doyle e para Wallace,
etc. Para isto, é preciso abandonar muitos preconceitos, mas sobretudo cabe pensar
que não apenas é impossível ter o monopólio, como também se deve enfrentar
uma formidável organização de interesses editoriais. O preconceito mais comum
é o de que a nova literatura deva se identificar com uma escola artística de origem
intelectual, como foi o caso do futurismo. A premissa da nova literatura não pode
deixar de ser histórico-política, popular: deve ter como objetivo elaborar o que já
existe, não importa se de modo polêmico ou de outro modo; o que importa é que
aprofunde suas raízes no húmus da cultura popular tal como ela é, com seus gostos,
suas tendências, etc., com seu mundo moral e intelectual, ainda que atrasado e
convencional (Gramsci, 2002b, p. 264).
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ta na única forma que lhe é adequada”, ou seja, que toda língua é uma concepção
do mundo integral, e não só uma veste que sirva indiferentemente como forma a
qualquer conteúdo (Gramsci, 2002b, p. 229).
na realidade, toda corrente cultural cria uma sua linguagem, isto é, participa do
desenvolvimento geral de uma determinada língua nacional, introduzindo termos
novos, enriquecendo de conteúdo novos termos já em uso, criando metáforas,
servindo-se de nomes históricos para facilitar a compreensão e o julgamento de
determinadas situações atuais, etc. (2000a, p. 202).
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A quisição , importância e uso da língua para G ramsci
Também na língua não há partenogênese, isto é, língua que produza outra lín-
gua, mas há inovação por interferências de culturas diversas, etc., o que ocorre
sob formas muito diferentes: ocorre com massas inteiras de elementos linguísticos
e ocorre molecularmente (o latim inovou o céltico das Gálias em “massa” e, ao
contrário, influenciou o germânico “molecularmente”, isto é, emprestando-lhe pa-
lavras ou formas singulares, etc.). A interferência e a influência “molecular” podem
ocorrer no próprio seio de uma nação, entre diversos estratos, etc.; uma nova classe
que se torna dirigente inova em “massa”; o jargão das profissões, etc., isto é, das
sociedades particulares, inova molecularmente (Gramsci, 2002b, p. 198).
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A quisição , importância e uso da língua para G ramsci
[...] além da “gramática imanente” a toda língua, existe também, de fato, ou seja,
ainda que não escrita, uma (ou mais) gramática “normativa”, constituída pelo con-
trole recíproco, pelo ensinamento recíproco, pela “censura” recíproca, que se mani-
festam nas perguntas: “O que você entendeu ou quer dizer?”, “Explique-se melhor”,
etc., com a caricatura e a ironia, etc. Todo este conjunto de ações e reações conflui
no sentido de determinar um conformismo gramatical, isto é, de estabelecer “nor-
mas” e juízos de correção e de incorreção, etc. Mas esta manifestação “espontânea”
de um conformismo gramatical é necessariamente desconexa, descontínua, limi-
tada a estratos sociais locais ou a centros locais, etc. (Um camponês que vai para a
cidade termina, graças à pressão do ambiente urbano, por conformar-se ao modo
de falar da cidade; no campo, busca-se imitar o modo de falar da cidade; as classes
subalternas buscam falar como as classes dominantes e os intelectuais, etc.). Poder-
-se-ia esboçar um quadro da “gramática normativa” que opera espontaneamente
em toda sociedade determinada, na medida em que esta tende a unificar-se seja
como território, seja como cultura, isto é, na medida em que existe nesta sociedade
uma camada dirigente cuja função é reconhecida e seguida (Gramsci, 2002b, p.
142).
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[...] cabe, ao contrário, uma colaboração de fato e uma cuidadosa acolhida de tudo
o que possa servir para criar uma língua comum nacional, cuja inexistência deter-
mina atritos sobretudo nas massas populares, entre as quais são mais tenazes do
que se crê os particularismos locais e os fenômenos de psicologia restrita e pro-
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bilidade, por certo, não é “perfeita” em todos os detalhes, até mesmo importantes
(mas que língua é exatamente tradutível em outra? que palavra singular é exata-
mente tradutível em outra língua?), mas o é em seu “fundo” essencial. É possível,
também, que uma seja realmente superior à outra, mas quase nunca o é naquilo
que os seus representantes e defensores fanáticos pretendem e, sobretudo, quase
nunca em seu conjunto: o progresso real da civilização ocorre graças à colaboração
de todos os povos, graças a “impulsos” nacionais, mas tais impulsos quase sem-
pre dizem respeito a determinadas atividades culturais ou grupos de problemas
(Gramsci, 2004a, p. 187).
140
A quisição , importância e uso da língua para G ramsci
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Simone Aparecida de Jesus
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A quisição , importância e uso da língua para G ramsci
De cara, o sardo não é um dialeto, mas uma língua em si mesma, ainda que não
tenha uma grande literatura, e é bom que as crianças aprendam várias línguas, se
possível. Além disso, o italiano que vocês lhe ensinarem será uma língua pobre,
truncada, feita só com aquelas poucas frases e palavras de suas conversas com ele,
puramente infantil; ele não terá contato com o ambiente geral e terminará por
aprender dois jargões e nenhuma língua: um jargão italiano para a conversa oficial
com vocês e um jargão sardo, aprendido aqui e ali, para falar com as outras crian-
ças e com as pessoas que encontra na rua ou na praça (Gramsci, 2005a, p. 134).
Veja Delio, por exemplo: começou falando a língua da mãe, como era natural e
necessário, mas rapidamente foi aprendendo também o italiano e ainda cantava
algumas pequenas canções em francês, sem por isso se confundir ou confundir as
palavras de uma língua e de outra. Eu queria também lhe ensinar a cantar: Lassa
sa figu, puzone, mas as tias, especialmente, se opuseram energicamente (Gramsci,
2005a, p. 134, grifos no original).
143
Simone Aparecida de Jesus
Nas escolas dos vilarejos sardos, acontece que uma menina, ou um menino, que
em casa foi habituado a falar o italiano (ainda que pouco e mal), só por este fato se
encontra num nível superior a seus colegas, que só conhecem o sardo e, portanto,
aprendem a ler e a escrever, a falar, a redigir numa língua completamente nova.
Parece que os primeiros são mais inteligentes e espertos, quando algumas vezes
não é assim, e por isso, na família e na escola, não se tem o cuidado de habituá-los
ao trabalho metódico e disciplinado, pensando que superam todas as dificuldades
com a “inteligência”, etc. (Gramsci, 2005a, p. 308).
sempre que aflora, de um modo ou de outro, a questão da língua, isto significa que
uma série de outros problemas está se impondo: a formação e a ampliação da classe
dirigente, a necessidade de estabelecer relações mais íntimas e seguras entre os
144
A quisição , importância e uso da língua para G ramsci
145
Simone Aparecida de Jesus
Seria possível explicar observando que tanto o Partido quanto a Religião são formas
de concepção do mundo e que a unidade religiosa é aparente, como é aparente a
unidade política: a unidade religiosa oculta uma multiplicidade real de concepções
do mundo que encontram expressão nos partidos, porque existe “indiferentismo”
religioso, assim como a unidade política oculta uma multiplicidade de tendências
que encontram expressão nas seitas religiosas, etc. Todo homem tende a ter uma só
concepção do mundo orgânica e sistemática, mas, como as diferenciações culturais
são muitas e profundas, a sociedade assume uma bizarra variedade de correntes
que apresentam um colorido religioso ou um colorido político, de acordo com a
tradição histórica (Gramsci, 2000b, pp. 280-81).
146
A quisição , importância e uso da língua para G ramsci
ti mesmo” como produto do processo histórico até hoje desenvolvido, que deixou
em ti uma infinidade de traços acolhidos sem análise crítica. Deve-se fazer, inicial-
mente, essa análise (Gramsci, 1999, p. 94).
com efeito, não existe filosofia em geral: existem diversas filosofias ou concepções
do mundo, e sempre se faz uma escolha entre elas. [...] Qual será, então, a verdadeira
concepção do mundo: a que é logicamente afirmada como fato intelectual, ou a que
resulta da atividade real de cada um, que está implícita na sua ação? E, já que a ação
é sempre uma ação política, não se pode dizer que a verdadeira filosofia de cada um
se acha inteiramente contida na sua política? Este contraste entre o pensar e o agir,
isto é, a coexistência de duas concepções do mundo, uma afirmada por palavras e a
outra manifestando-se na ação efetiva, nem sempre se deve à má-fé. [...] um grupo
social, que tem sua própria concepção do mundo, ainda que embrionária, que se
manifesta na ação e, portanto, de modo descontínuo e ocasional — isto é, quando
tal grupo se movimenta como um conjunto orgânico —, toma emprestado a outro
grupo social, por razões de submissão e subordinação intelectual, uma concepção
que não é a sua, e a afirma verbalmente, e também acredita segui-la, já que a segue
em “épocas normais”, ou seja, quando a conduta não é independente e autônoma,
mas sim submissa e subordinada. É por isso, portanto, que não se pode separar a
filosofia da política; ao contrário, pode-se demonstrar que a escolha e a crítica de
uma concepção do mundo são, também elas, fatos políticos (Gramsci, 1999, pp.
96-97).
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A quisição , importância e uso da língua para G ramsci
94 Neolalismo, segundo o dicionário italiano, significa “lo stesso, ma meno comune, che neo-
lalia” (Disponível em: https://www.dizionario-italiano.it/dizionario-italiano.php?lemma=-
NEOLALISMO100. Acesso em: 2 dez. 2019). Em língua portuguesa se traduz comumente
por neolalia, que significa “desequilíbrio mental que leva ao emprego frequente de neologis-
mos e formas estranhas de linguagem”, segundo o Dicionário Online da Língua Portuguesa
(Disponível em: https://www.dicio.com.br/neolalia/. Acesso em: 2 dez. 2019). Já o “neolo-
149
Simone Aparecida de Jesus
que nasce da questão colocada por Pareto e pelos pragmatistas sobre a “lingua-
gem como causa de erro”. Pareto, como os pragmatistas — na medida em que
acreditam ter dado origem a uma nova concepção do mundo ou, pelo menos, ter
inovado uma determinada ciência (e ter, consequentemente, dado às palavras um
novo significado ou, pelo menos, um novo matiz, ou ter criado novos conceitos)
—, encontram-se diante do fato de que as palavras tradicionais, sobretudo no
uso comum, mas também no uso da classe culta (e mesmo no uso da seção de
especialistas que trabalham com a própria ciência), continuam a manter o velho
significado, não obstante a inovação de conteúdo, e reagem contra isso. [...] Mas é
possível afastar da linguagem as suas significações metafóricas e extensivas? Não,
não é possível. A linguagem se transforma com a transformação de toda a civi-
lização, com o florescimento de novas classes para a cultura, com a hegemonia
exercida por uma língua nacional sobre as outras, etc., assumindo precisamente,
de modo metafórico, as palavras das civilizações e das culturas precedentes [...] O
novo significado metafórico se amplia com a ampliação da nova cultura, que, de
resto, cria palavras totalmente novas e as toma emprestadas de outras línguas, com
um significado preciso, isto é, sem a aura extensiva que tinham na língua original
(Gramsci, 1999, p. 145).
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A quisição , importância e uso da língua para G ramsci
Considerações finais
Diante de toda a pesquisa realizada nos Cadernos, Cartas e Es-
critos políticos deixados por Gramsci, com tradução para o português,
apura-se que a preocupação do autor com a língua, expressa num
texto específico, muito mais que uma homenagem aos tempos da ju-
ventude seria um destaque à importância desse tema, que já vinha,
até por sua formação, permeando toda a sua obra. Ele fala de linguís-
tica no sentido de uma preocupação com a alfabetização, em todos
os momentos que expõe sua preocupação com a língua nacional e
com o uso de dialetos, quando expõe sobre a literatura e suas preocu-
pações quanto aos interesses de leitura do povo italiano e como isso
poderia influenciar a formação desse povo, o gosto popular e como
se posiciona, relacionando a linguística a questões políticas todo o
tempo, chamando, inclusive, para o partido a responsabilidade pela
formação de seus adeptos; e também a questões jurídicas, quando
trata, por exemplo, dos juramentos. Faz relação também entre a lin-
guística e a cultura. “Já que assim ocorre, revela-se a importância da
questão linguística geral, isto é, da conquista coletiva de um mesmo
‘clima’ cultural” (Gramsci, 1999, p. 399).
151
Simone Aparecida de Jesus
Referências
carlucci, Alessandro. Gramsci and Languages. Leiden: Brill, 2013.
______. Cadernos do cárcere. v. 1. Ed. e trad. Carlos Nelson Coutinho; coed. Luiz
Sérgio Henriques e Marco Aurélio Nogueira. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira,
1999.
______. Cadernos do cárcere. v. 2. Ed. e trad. Carlos Nelson Coutinho; coed. Luiz
Sérgio Henriques e Marco Aurélio Nogueira. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira,
2000a.
______. Cadernos do cárcere. v. 3. Ed. e trad. Carlos Nelson Coutinho; coed. Luiz
Sérgio Henriques e Marco Aurélio Nogueira. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira,
2000b.
______. Cadernos do cárcere. v. 4. Ed. e trad. Carlos Nelson Coutinho; coed. Luiz
Sérgio Henriques e Marco Aurélio Nogueira. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira,
2001.
______. Cadernos do cárcere. v. 5. Ed. e trad. Luiz Sérgio Henriques; coed. Carlos
Nelson Coutinho e Marco Aurélio Nogueira. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira,
2002a.
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A quisição , importância e uso da língua para G ramsci
______. Cadernos do cárcere. v. 6. Trad., org. e ed. Carlos Nelson Coutinho, Marco
Aurélio Nogueira e Luiz Sérgio Henriques. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira,
2002b.
______. Escritos políticos. v. 1. Org. e trad. Carlos Nelson Coutinho. Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 2004a.
______. Escritos políticos. v. 2. Org. e trad. Carlos Nelson Coutinho. Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 2004b
______. Cartas do cárcere. v. 1. Trad. Luiz Sérgio Henriques; org. Carlos Nelson
Coutinho e Luiz Sérgio Henriques. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2005a.
______. Cartas do cárcere. v. 2. Trad. Luiz Sérgio Henriques; org. Carlos Nelson
Coutinho e Luiz Sérgio Henriques. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2005b.
153
CAPÍTULO 6
G ramsci : A historicidade da filosofia
da práxis e a educação
Gaudêncio Frigotto,
Maria Ciavatta,
Marise Ramos
Introdução
Gramsci é o original pensador da filosofia da práxis, com base
no materialismo histórico, no seu duplo fundamento: a crítica à eco-
nomia política clássica, a análise do modo de produção capitalista e a
história como produção social da existência dos sujeitos, dos grupos
e das classes sociais. Gramsci95 se orienta pela filosofia da práxis para
a análise de correlações de forças que atuam nas lutas dos trabalha-
dores, no papel dos intelectuais e dos partidos, na hegemonia para a
obtenção do consenso e nos processos revolucionários.
A questão da historicidade da vida social não tem sido um
objeto de destaque nos estudos marxistas, mesmo os gramscianos.
Muitas são as razões históricas que ajudam a compreender por que,
embora Marx e Gramsci tenham trabalhado intensamente sobre a
empiria e a documentação dos fenômenos e sujeitos sociais de seu
tempo, a questão histórica está esparsamente presente nos estudos
derivados de suas teorias.
Sem sombra de dúvida, alguns conceitos são indispensáveis
nos estudos com base conceitual em Marx e na crítica à economia
política: a análise do capital, a teoria do mais valor, alienação, ideo-
logia, totalidade, mediação, contradição, concreto e abstrato. Outros
são conceitos básicos na teoria gramsciana: filosofia da práxis, his-
155
Gaudêncio Frigotto, Maria Ciavatta, Marise Ramos
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G ramsci : A historicidade da filosofia da práxis e a educação
97 Das 119 páginas indicadas no “Índice dos principais conceitos”, “história” aparece em
81 páginas, sendo 41 páginas no 1º Caderno; “historicismo” é citado e argumentado por
Gramsci em trinta páginas, sendo 17 páginas no 1º Caderno; “anti-história” aparece em oito
páginas, sendo seis páginas no 1º. Caderno. Devido aos limites desta seção e deste texto,
nossa análise não é exaustiva. No entanto, ficou clara, primeiro, a reiteração do materialis-
mo histórico como fundamento dos três conceitos, incluindo historicidade, que não consta
do Índice; segundo, outros conceitos, de que não nos ocupamos, são tratados no 1º e nos
Cadernos 2 a 6, através de extensa argumentação crítica aos pensadores, literatos e políticos
de seu tempo.
98 Um exemplo recente que ilustra o pensamento que discrimina segundo a classe social é
“dos mais restritos grupos dirigentes”, a declaração do Ministro da Economia, Paulo Guedes,
157
Gaudêncio Frigotto, Maria Ciavatta, Marise Ramos
justificando a alta do dólar: “Não tem negócio de câmbio a R$ 1,80. Todo mundo indo para
a Disneylândia, empregada doméstica, indo para a Disneylândia, uma festa danada” (ven-
tura; martins, 2020).
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G ramsci : A historicidade da filosofia da práxis e a educação
[...] contém elementos que podem ser interpretados tanto num sentido positivista
ou cientificista, presentes em algumas das formas mais “ortodoxas” do marxismo,
quanto de uma forma “historista” ou historicista, especialmente, a partir de Lukács
e Gramsci (p. 30).
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Gaudêncio Frigotto, Maria Ciavatta, Marise Ramos
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G ramsci : A historicidade da filosofia da práxis e a educação
Sua crítica ao grande intelectual que foi Croce tem como alvo
a política conservadora de seus opositores: “Mas este historicismo
próprio de moderados e reformistas não é de modo algum uma teo-
ria científica, o ‘verdadeiro’ historicismo; é somente o reflexo de uma
tendência prático-política, uma ideologia no sentido pejorativo”
(Ibid., p. 293).
101 Antonio Labriola (1843-1904), filósofo italiano que “justificava a ação italiana na Líbia,
afirmando que ela contribuía para levar a civilização a um povo atrasado”. Notas ao texto,
apud Gramsci, 2006, p. 457.
102 Giovanni Gentile (1876-1944), ministro da Instrução Pública no regime fascista, “jus-
tificou o ensino religioso obrigatório na escola primária alegando que a religião ela algo
próprio da ‘infância da humanidade’”. Notas ao texto, apud Gramsci, 2006, p. 457.
103 marx, K. “Crítica da filosofia do direito de Hegel – Introdução [1844]”. Temas de Ciên-
cias Humanas, São Paulo, Grijalbo, v. 2, p. 3, 1977, apud Gramsci, 2006, p. 458.
104 Benedetto Croce (1866-1952), filósofo, historiador e político de família rica e conser-
vadora, exerceu grande influência sobre muitos intelectuais italianos; no princípio apoiou o
fascismo e, depois, foi opositor.
163
Gaudêncio Frigotto, Maria Ciavatta, Marise Ramos
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G ramsci : A historicidade da filosofia da práxis e a educação
105 Dois textos de Giovanni Semeraro aprofundam, de forma concisa, clara e densa, o que
trazemos de forma indicativa nos limites deste item e do texto no seu conjunto. O primeiro,
referido na citação acima, que trata da “Filosofia da práxis e as práticas político-pedagógicas
populares” e, o segundo, “Anotações para uma teoria do conhecimento em Gramsci” (Se-
meraro, 2001).
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Gaudêncio Frigotto, Maria Ciavatta, Marise Ramos
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G ramsci : A historicidade da filosofia da práxis e a educação
Mas deste ponto de vista não se pode confundir a atitude da filosofia da práxis com
a do catolicismo. Enquanto aquela mantém um contato dinâmico e tende erguer
continuamente novos estratos de massa a uma vida cultural superior, este último
tende a manter um contato meramente mecânico, uma unidade exterior, baseada
especialmente na liturgia e no culto mais aparatosamente sugestivo sobre as gran-
des multidões (2007, pp. 38-39).
167
Gaudêncio Frigotto, Maria Ciavatta, Marise Ramos
107 Dermeval Saviani (1996) capta com acuidade a perspectiva de Gramsci sobre o papel
de elevação intelectual e moral das massas para que desenvolvam um pensamento crítico
autônomo. Uma obra, nesse sentido, de referência para os educadores vinculados à luta da
classe trabalhadora.
108 É importante registrar que a classe dominante brasileira, ao longo de toda a nossa his-
tória, teve como projeto manter a maioria da população sem acesso ao conhecimento ela-
borado, mas mascara isso com um discurso cínico sobre a importância da educação. Além
disso, em todos os momentos em que as lutas sociais conseguem estabelecer avanços, os
mesmos são interrompidos por ditaduras ou golpes. Assim foi com a ditadura de Getúlio
Vargas, posteriormente com a ditadura empresarial-militar de 1964 e as manobras e golpes
após a Constituição de 1988. Mas com golpe de Estado de 2016 e o bloco de poder de ex-
trema-direita que assumiu o país, a regressão é sem precedentes. A Emenda Constitucional
95, as contrarreformas do trabalho, da educação básica e superior e da Previdência têm
como corolário o desmanche da esfera pública. Vale dizer, dos direitos universais. Mas com
o governo de extrema-direita o ataque é no plano da disputa ideológica. Um bloco de poder
que se guia pelo fundamentalismo econômico, sob o signo ideológico da meritocracia; pelo
fundamentalismo político, que se pauta pela pedagogia do ódio, da violência, da anulação
ou eliminação do adversário ou dos que pensam criticamente; e, por fim, o fundamenta-
lismo religioso que regride à Idade Média, tendo como foco a subordinação da ciência à
religião. A regressão, nesse particular, revisita as pautas e as práticas fascistas das quais An-
tonio Gramsci foi um ferrenho opositor, o que lhe valeu o cárcere até o fim da vida. Por isso,
revistar sua obra é fundamental. Não é casual que ele seja entendido pelo bloco de poder de
extrema-direita do Brasil como ícone do “marxismo cultural”.
168
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G ramsci : A historicidade da filosofia da práxis e a educação
É o problema das relações entre estrutura e superestrutura que deve ser posto com
exatidão para que se possa chegar a uma justa análise das forças que atuam na
história de um determinado período e determinar a relação entre elas. É necessário
mover-se no âmbito de dois princípios: 1) o de que nenhuma sociedade se põe
tarefas para cuja solução ainda não existam as condições necessárias e suficientes,
ou que pelo menos não estejam em via de aparecer e se desenvolver; 2) e o de que
nenhuma sociedade se dissolve e pode ser substituída antes que se tenham desen-
volvido todas as formas de vida implícitas em suas relações (Gramsci, 2011, p. 36).
109 Ver no “Índice dos principais conceitos” (v. 6) os temas: Estado, Sociedade civil, Guerra
de movimento ou manobrada, Guerra de posição.
110 Ver “Prefácio”. In: Marx, 1983, p. 25.
111 Para a caracterização específica de cada um desses momentos e suas imbricações, ver:
“Gramsci”. In: Coutinho; Nogueira; Henriques, 2002, pp. 42-46.
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112 Gramsci dedica esse caderno a “apontamentos e notas dispersas para um grupo de en-
saios sobre a história dos intelectuais” (Gramsci, 2006), em que a abordagem da educação e
da escola é privilegiada. São esses estudos que tomaremos como referência neste item, tendo
como apoio, porém, a edição da Civilização Brasileira, que recebeu o título “Os intelectuais
e a organização da cultura” na 8ª edição (Gramsci, 1991), tradução de Carlos Nelson Couti-
nho do original publicado na Itália.
173
Gaudêncio Frigotto, Maria Ciavatta, Marise Ramos
[…] escola única inicial de cultura geral, humanista, formativa. Que equilibre
equanimemente o desenvolvimento da capacidade de trabalhar manualmente
(tecnicamente, industrialmente) e o desenvolvimento das capacidades de trabalho
intelectual. Deste tipo de escola única, através de repetidas experiências de orien-
tação profissional, passar-se-á a uma das escolas especializadas ou ao trabalho
produtivo.
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Gaudêncio Frigotto, Maria Ciavatta, Marise Ramos
ráter social, posto que títulos e diplomas produzem relações de identidade que
implicam formas intersubjetivas de enfrentamento da questão social sob a crise
capitalista contemporânea; c) de caráter cultural, pois a dualidade da educação
brasileira e a correspondente desvalorização da cultura do trabalho pelas elites e
pelos segmentos médios da sociedade, torna a escola refratária a essa cultura e suas
práticas (Ramos, 2014, p. 210).
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114 Gramsci critica nas reformas educacionais italianas, de um lado, a proliferação das esco-
las profissionais e, de outro, a adesão ao modelo da escola ativa, como meios de se contrapor
à escola tradicional, jesuítica. Para ele, na Itália de seu tempo, esse projeto se encontrava
numa fase “romântica”, “na qual os elementos da luta contra a escola mecânica e jesuítica se
dilataram morbidamente por causa do contraste e da polêmica: é necessário entrar na fase
‘clássica’, racional, encontrando nos fins a atingir a fonte natural para elaborar os métodos e
as formas” (Gramsci, 1991, p. 124). Isso não significa que ele negasse a participação ativa dos
jovens no processo educativo. O que ele rejeitava era o espontaneísmo e o não diretivismo
do projeto educativo, o que pode ser visto na complementação da citação anterior: “é ne-
cessário entrar na fase ‘clássica’, racional, encontrando nos fins a atingir a fonte natural para
elaborar os métodos e as formas”. Por isso, Gramsci vai além da ideia de atividade e enuncia
que a escola unitária é também criadora. Princípios da escola ativa baseados no pensamento
de John Dewey chegaram ao Brasil por meio dos “Pioneiros da Educação Nova”, entre os
quais Anísio Teixeira. Demerval Saviani (2000) explica que esse educador, entretanto, não
encarava de forma romântica esses princípios, reconhecendo a importância de organizar o
ensino na forma de um sistema articulado que envolvesse órgãos centralizados, especial-
mente em países pouco desenvolvidos. Esse mesmo autor explica o quanto a discussão da
primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, iniciada em 1946, foi influencia-
da pelos “escolanovistas”. Ao lado dos liberais, a Igreja Católica também tentou se renovar
metodologicamente na mesma linha, com as ideias de Lubienska, associadas a Montessori,
sendo que as perspectivas litúrgicas da primeira se adequavam ao projeto não laico (Saviani,
1991). O caráter progressista da Pedagogia Nova no Brasil, que tem Anísio Teixeira como
representante, acabou dando lugar a perspectivas educacionais não críticas. Isso porque,
de um lado, seu caráter inovador ficou restrito a escolas de elite; por outro, porque acabou
ajudando a colocar na escola, mais do que na estrutura econômico-social, as razões das
desigualdades educacionais e sociais dos estudantes.
180
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Gaudêncio Frigotto, Maria Ciavatta, Marise Ramos
Considerações finais
Tratando de história, anti-história, historicismo e historicida-
de, Gramsci se dirige a outros pensadores de seu tempo, em polê-
mica, muitas vezes, sobre as discussões clássicas sobre natureza, ser
humano e história. Ele situa sua crítica em questões teórico-práticas
fundamentais para o tratamento histórico dos acontecimentos: teo-
ria e prática, filosofia e política, ética e ação. Gramsci reitera que “este
é o nexo central da filosofia da práxis”. O pensamento vai além dos
115 É interessante tomar novamente do próprio Gramsci a crítica de que a existência de uma
concepção educativa que orienta o projeto escolar não necessariamente envolve e compro-
mete organicamente todos os docentes. Diz ele ao falar do princípio educativo do trabalho
na escola elementar: “É este o fundamento da escola elementar; que ele tenha dado todos
os seus frutos, que no corpo de professores tenha existido a consciência de seu dever e do
conteúdo filosófico deste dever, é outro problema, ligado à crítica do grau de consciência
civil de toda a nação, da qual o corpo docente é tão somente uma expressão, ainda que
amesquinhada, e não certamente uma vanguarda (Gramsci, 1991, p. 131).
182
G ramsci : A historicidade da filosofia da práxis e a educação
Referências
barata-moura, José. Totalidade e a contradição: Acerca da dialética. Lisboa: Edi-
ções Avante, 2012.
183
Gaudêncio Frigotto, Maria Ciavatta, Marise Ramos
______. Cadernos do cárcere. v. 1. Ed. e trad. Carlos Nelson Coutinho; coed. Luiz
Sérgio Henriques e Marco Aurélio Nogueira. Rio de Janeiro: Civilização Brasilei-
ra, 2006.
______. Cadernos do cárcere. v. 3. 5. ed. Ed. e trad. Carlos Nelson Coutinho; coed.
Luiz Sérgio Henriques e Marco Aurélio Nogueira. Rio de Janeiro: Civilização Bra-
sileira, 2012.
______. Cadernos do cárcere. v. 4. 2 ed. Ed. e trad. Carlos Nelson Coutinho; coed.
Luiz Sérgio Henriques e Marco Aurélio Nogueira. Rio de Janeiro: Civilização Bra-
sileira, 2007.
marx, Karl. Teses sobre Feuerbach. In: Marx e Engels: Obras escolhidas. Moscou:
Edições Avante, 1982, p. XX-XX.
______. Introdução. In: ______. Crítica da filosofia do direito em Hegel. São Paulo,
Expressão Popular, 2012. p. XX-XX.
nosella, Paolo. A Escola de Gramsci. Porto Alegre: Artes Médicas Sul, 1992.
184
G ramsci : A historicidade da filosofia da práxis e a educação
185
CAPÍTULO 7
S ubalterno e oprimido : D iálogo com
G ramsci e F reire
Primeiras palavras
187
Cláudia Borges Costa, Maria Emilia de Castro Rodrigues
188
S ubalterno e oprimido : D iálogo com G ramsci e F reire
189
Cláudia Borges Costa, Maria Emilia de Castro Rodrigues
190
S ubalterno e oprimido : D iálogo com G ramsci e F reire
191
Cláudia Borges Costa, Maria Emilia de Castro Rodrigues
192
S ubalterno e oprimido : D iálogo com G ramsci e F reire
116 Conforme a cronologia da vida de Antonio Gramsci, ele era “filho de Francesco e Giu-
seppina Marcias, quarto de sete filhos (Genaro, Grazietta, Emma, Antonio, Mario, Teresina,
Carlo). O pai, filho de um coronel da polícia militar, nascera em Gaeta em 1860, descenden-
te de uma família de origem albanesa. Concluído o ginásio, Francesco passou a trabalhar
no cartório de Ghilarza, 1881. Em 1883, casa-se com Giuseppina Marcias e, pouco tempo
depois, transfere-se para Ales. A mãe, nascida em Ghilarza em 1861, era sarda, por parte de
pai e mãe e tinha parentesco com famílias ricas de sua cidade” (Gramsci, 2004, p. 49).
117 De acordo com Beisiegel (2010, p. 13), Paulo Reglus Neves Freire, filho de Joaquim
Temístocles Freire e Edeltrudes Neves Freire, nasceu no Recife, no estado de Pernambuco,
em 19 de setembro de 1921. Viveu ali pouco tempo após a morte do pai, um capitão da
Polícia Militar de Pernambuco. Sua família era de classe média, mas, após a morte do pai,
Paulo Freire vivenciou a pobreza e a fome durante a depressão de 1929, o que o levaria a se
preocupar com os mais pobres. Estudou o primário em Jaboatão, e concluiu o estudo secun-
dário em Recife, no Colégio Oswaldo Cruz (devido a sua mãe ter conseguido uma bolsa de
estudos). Casou-se, ainda estudante do ensino superior, com Elza Maria Costa de Oliveira,
tiveram cinco filhos, e, após o falecimento da primeira esposa, em 1986, casou-se com Ana
Maria Araújo. Diplomou-se na Escola de Direito do Recife, em 1946, mas atuou em apenas
um caso, sem concluí-lo. Optou por continuar na profissão de professor. Freire atuou no Sesi
e no Movimento de Cultura Popular, onde teve origem o processo de alfabetização viven-
ciado e sistematizado por ele. Em 1962, Freire assumiu o Serviço de Extensão Cultural da
Universidade do Recife, que possibilitou aprimorar sua proposta educativa, que o levou para
o exílio. Faleceu em 2 de maio de 1997, em São Paulo (Freire; Guimarães, 1987).
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descobrem que, não sendo livres, não chegam a ser autenticamente. Querem ser,
mas temem ser. São eles e ao mesmo tempo são o outro introjetado neles, como
consciência opressora. Sua luta se trava entre serem eles mesmos ou serem duplos.
Entre expulsarem ou não ao opressor de “dentro” de si. Entre se desalienarem ou
se manterem alienados. Entre seguirem prescrições ou terem opções. Entre serem
espectadores ou atores. Entre atuarem ou terem a ilusão de que atuam, na atuação
dos opressores. Entre dizerem a palavra ou não terem voz, castrados no seu poder
de criar e recriar, no seu poder de transformar o mundo. Este é o trágico dilema
dos oprimidos, que a sua pedagogia tem de enfrentar. A libertação, por isto, é um
parto. E um parto doloroso. O homem que nasce deste parto é um homem novo
que só é viável na e pela superação da contradição opressores-oprimidos, que é a
libertação de todos. A superação da contradição é o parto que traz ao mundo este
homem novo não mais opressor; não mais oprimido, mas homem libertando-se
(Freire, 1987, p. 19).
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S ubalterno e oprimido : D iálogo com G ramsci e F reire
O importante, por isto mesmo, é que a luta dos oprimidos se faça para superar
a contradição em que se acham. Que esta superação seja o surgimento do ho-
mem novo – não mais opressor, não mais oprimido, mas homem libertando-se.
Precisamente porque, se sua luta é no sentido de fazer-se Homem, que estavam
sendo proibidos de ser, não o conseguirão se apenas invertem os termos da contra-
dição. Isto é, se apenas mudam de lugar, nos polos da contradição.
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sua atividade e de sua iniciativa, mas também em outras esferas, pelo menos nas
mais próximas da produção econômica [...] deve possuir a capacidade de organizar
a sociedade em geral, em todo o seu complexo organismo de serviços, até o orga-
nismo estatal, tendo em vista a necessidade de criar as condições mais favoráveis à
expansão da própria classe (p. 15, acréscimo nosso).
[...] um movimento filosófico só merece este nome na medida em que [...] no traba-
lho de elaboração de um pensamento superior ao senso comum e cientificamente
coerente, jamais se esquece de permanecer em contato com os “simples” e, melhor
dizendo, encontra neste contato a fonte dos problemas que devem ser estudados e
resolvidos. Só através deste contato é que uma filosofia se torna “histórica”, depura-
-se dos elementos intelectualistas de natureza individual e se transforma em “vida”.
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Só através da práxis autêntica que, não sendo “blábláblá”, nem ativismo, mas ação e
reflexão, é possível fazê-lo. [...] A práxis, porém, é reflexão e ação dos homens sobre
o mundo para transformá-lo. Sem ela, é impossível a superação da contradição
opressor-oprimidos. [...] A Pedagogia do Oprimido, como pedagogia humanista
e libertadora, terá dois momentos distintos. O primeiro, em que os oprimidos vão
desvelando o mundo da opressão e vão comprometendo-se, na práxis, com a sua
transformação; o segundo, em que, transformada a realidade opressora, esta peda-
gogia deixa de ser do oprimido e passa a ser a pedagogia dos homens em processo
de permanente libertação.
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Durante sua breve permanência na ilha, mora numa casa particular, em com-
panhia de Bordiga e de outros confinados. Com alguns companheiros e amigos,
organiza uma escola para os confinados: Gramsci dirige a seção histórico-literária,
enquanto Bordiga se encarrega da seção científica.
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Algumas considerações
A opção de traçar o percurso histórico refletindo sobre a espe-
cificidade do capitalismo no Brasil e a constituição das desigualdades
sociais nas suas mais diversas dimensões, sejam políticas, econômi-
cas, raciais, regionais ou culturais, teve o propósito de seguir a con-
cepção de Paulo Freire e Gramsci: do reconhecimento da realidade
para a tomada da consciência da situação de oprimido ou subalterno.
Desde o período colonial brasileiro, vivemos sob o jugo do modelo
escravocrata. Os pretos eram a principal mão de obra e não partici-
pavam da renda que produziam, assim como os demais trabalhado-
res pobres excluídos da posse das terras. A desigualdade social criou
um grande grupo de subalternos ou oprimidos, que reafirma o capi-
talismo como sistema de exploração e opressão.
Paulo Freire, no segundo capítulo de Educação como prática
de liberdade (1967), retoma a história do Brasil Colônia e do Impé-
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Referências
beisiegel, C. R. Paulo Freire. Recife: Fundação Joaquim Nabuco; Massangana,
2010.
freire, P. Educação como prática da liberdade. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1967.
______. Educação como prática da liberdade. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1976.
______. Ação cultural para a liberdade e outros escritos. 2. ed. Rio de Janeiro: Paz
e Terra, 1977.
______. Educação e mudança. 12. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979.
______. Pedagogia do oprimido. 30. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.
216
S ubalterno e oprimido : D iálogo com G ramsci e F reire
______. Cadernos do cárcere. v. 1. Trad. Carlos Nelson Coutinho; coed. Luiz Sérgio
Henriques e Marco Aurélio Nogueira. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2004a.
______. Cadernos do cárcere. v. 2. Trad. Carlos Nelson Coutinho; coed. Luiz Sérgio
Henriques e Marco Aurélio Nogueira. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2004b.
______. Cadernos do cárcere. v. 3. Trad. Carlos Nelson Coutinho; coed. Luiz Sérgio
Henriques e Marco Aurélio Nogueira. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2007.
______. Cadernos do cárcere. v. 5. Trad. Carlos Nelson Coutinho; coed. Luiz Sergio
Henriques e Marco Aurélio Nogueira. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2002.
______. Escritos políticos. v. 1. Trad. Carlos Nelson Coutinho. Rio de Janeiro: Civi-
lização Brasileira, 2004c.
______. Escritos políticos. v. 2. Trad. Carlos Nelson Coutinho. Rio de Janeiro: Civi-
lização Brasileira, 2004d.
liguori, G.; voza, P. (Orgs.). Dicionário gramsciano (1926-1937). São Paulo: Boi-
tempo, 2017.
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Cláudia Borges Costa, Maria Emilia de Castro Rodrigues
218
CAPÍTULO 8
D ireito à educação e manutenção da
subalternidade
221
Maria Margarida Machado
Fui direto ao Box 1, pois não tínhamos sala de aula, me apresentei à professora de
português, a senhora Jasmim, uma das mais antigas da casa (dizia: “não vejo a hora
de me aposentar”). A pró Jasmim foi direta; “estes são os conteúdos, olhe aí! Co-
nhece? Estude e volte daqui a oito dias, se tiver dúvidas irei tirá-las e depois fará a
prova”. Assim eu fiz... [...] Com oito dias voltei cheio de dúvidas, pois não entendia
nada, falei que não sabia nada, então a pró disse, o que se trava os assuntos e me
deu a prova, cheio de medo e dúvidas respondi a prova, após entregá-la, a mesma
corrigiu e me deu a nota dizendo: “vá estudar! você tirou 2,3, volte com 15 dias!
Assim o fiz e minha nota foi 2,3... Fiz esse trajeto com um mês, depois três e depois
seis meses sem conseguir sair da primeira unidade, num conjunto de dez. Ela nem
anotava mais no meu “Cartão de Atendimento/Aluno”, no sexto mês, ao realizar
a avaliação, ela me disse: “Você não tem jeito! Não sabe nem ler e nem escrever...
Não vai pra lugar nenhum... Você faz o quê, meu filho?” Eu disse: “Vendo sapatos,
pró...”. Voltou a rebater: “Então se dedique a isso, é melhor, pois você não vai conse-
guir nada com os estudos. Você não é pra estudos!” Saí dali chorando e revoltado,
pois ninguém na escola sabia e nem eu mesmo que todas as minhas dificuldades
eram frutos da perda de minha mãe, que não havia superado, além do cansaço de
trabalhar na feira das 5:00 às 18:00 (exceto no dia que ia à escola) (Depoimento de
Amilton, doutorando da ufba).
119 Um dos espaços onde esta produção tem sido socializada e debatida são as reuniões
nacionais e regionais da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa (Anped), em
especial no Grupo de Trabalho 18 ⸺ Educação de Pessoas Jovens, Adultas e Idosos.
222
D ireito à educação e manutenção da subalternidade
223
Maria Margarida Machado
como ideal comum a atingir por todos os povos e todas as nações, a fim de que
todos os indivíduos e todos os órgãos da sociedade, tendo-a constantemente no es-
pírito, se esforcem, pelo ensino e pela educação, por desenvolver o respeito desses
direitos e liberdades e por promover, por medidas progressivas de ordem nacional
e internacional, o seu reconhecimento e a sua aplicação, universais e efetivos tanto,
entre as populações dos próprios Estados-membros, como entre as dos territórios
colocados sob a sua jurisdição (onu, 1948, p. 1).
Artigo 26°
1. Toda a pessoa tem direito à educação. A educação deve ser gratuita, pelo menos
a correspondente ao ensino elementar fundamental. O ensino elementar é obriga-
tório. O ensino técnico e profissional dever ser generalizado; o acesso aos estudos
superiores deve estar aberto a todos em plena igualdade, em função do seu mérito
(onu, 1948).
224
D ireito à educação e manutenção da subalternidade
uma grande parcela da população adulta não concluiu a escola primária em países
de renda baixa e média. Mesmo assim, é improvável que eles retornem à escola
primária para concluir sua educação básica. No Quênia, somente um a cada dois
adultos completou a escola primária, mas a parcela de adultos nas matrículas da
escola primária é de apenas 3% (Ibid., p. 43).
225
Maria Margarida Machado
a linguagem dos direitos tem indubitavelmente uma grande função prática, que é
emprestar uma força particular às reivindicações dos movimentos que demandam
para si e para os outros a satisfação de novos carecimentos materiais e morais; mas
ela se torna enganadora se obscurecer ou ocultar a diferença entre o direito reivin-
dicado e o direito reconhecido e protegido. Não se poderia explicar a contradição
entre a literatura que faz a apologia da era dos direitos e aquela que denuncia a
massa dos “sem-direitos”. Mas os direitos de que fala a primeira são somente os
proclamados nas instituições internacionais e nos congressos, enquanto os direitos
de que fala a segunda são aqueles que a esmagadora maioria da humanidade não
possui de fato (ainda que sejam solene e repetidamente proclamados) (Bobbio,
2004, p. 11).
Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida
e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento
226
D ireito à educação e manutenção da subalternidade
da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o tra-
balho. [...] Art. 208. O dever do Estado com a educação será efetivado mediante
a garantia de: [...] i. educação básica obrigatória e gratuita dos 4 (quatro) aos 17
(dezessete) anos de idade, assegurada inclusive sua oferta gratuita para todos os que
a ela não tiveram acesso na idade própria; (Redação dada pela Emenda Constitucio-
nal nº 59, de 2009) [...] ii. progressiva universalização do ensino médio gratuito;
(Redação dada pela Emenda Constitucional nº 14, de 1996) [...] iii. atendimento
educacional especializado aos portadores de deficiência, preferencialmente na rede
regular de ensino; [...] iv. educação infantil, em creche e pré-escola, às crianças até
5 (cinco) anos de idade; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 53, de 2006)
[...] v. acesso aos níveis mais elevados do ensino, da pesquisa e da criação artística,
segundo a capacidade de cada um; vi. oferta de ensino noturno regular, adequado
às condições do educando; vii. atendimento ao educando, em todas as etapas da
educação básica, por meio de programas suplementares de material didático-es-
colar, transporte, alimentação e assistência à saúde. (Redação dada pela Emenda
Constitucional nº 59, de 2009) [...] § 1º O acesso ao ensino obrigatório e gratuito é
direito público subjetivo. [...] § 2º O não oferecimento do ensino obrigatório pelo
Poder Público, ou sua oferta irregular, importa responsabilidade da autoridade
competente. [...]; 3º Compete ao Poder Público recensear os educandos no ensino
fundamental, fazer-lhes a chamada e zelar, junto aos pais ou responsáveis, pela
frequência à escola (Brasil, 1988, grifos nossos).
227
Maria Margarida Machado
sabilizar o poder público, caso ele não garanta a oferta, conforme de-
terminam os parágrafos primeiro e segundo; cabe a esse mesmo po-
der público reconhecer que a demanda de alunos para a eja precisa
ser mobilizada; por isso, o parágrafo terceiro trata de recenseamento
e zelo pela permanência dos alunos nos processos de escolarização.
Tais mecanismos expressam a tentativa de efetivação do direito e da
propalada democracia, conforme defendida por Teixeira (1936) e
Lemme (2004).
Tomando como referência essa questão das garantias de direi-
to previstas na cf/1988, que se desdobraram em outras leis, porta-
rias, decretos e resoluções, a eja acompanha um movimento de am-
pliação da sua presença nesses aparatos, principalmente, a partir da
ldb/1996, quando passa a ser considerada modalidade da educação
básica. Há diferentes posições entre os pesquisadores do campo a
respeito desse cenário. Há quem considere que essa medida distan-
ciou a eja da sua matriz histórica da educação popular, como expres-
sa Arroyo (2005; 2007) em algumas de suas publicações; e há quem
perceba nesse processo uma conquista do ponto de vista da formali-
zação da oferta escolar para jovens e adultos trabalhadores, como o
faz Haddad (2007).
Em publicação recente, Costa e Machado (2017) analisam as
principais iniciativas legais que envolveram o campo da eja, desta-
cando sua presença na cf/1988 (p. 62-63); na ldb/1996 (p. 65- 69);
no Parecer cne/ceb nº 11/2000, que orienta as diretrizes curriculares
para a eja (p. 55-56, 58-61, 73-74); na Resolução cne/ceb nº 01/2000
(p. 70); nas minutas de pareceres para as Diretrizes Operacionais para
a eja, que resultaram na aprovação da Resolução cne/ceb nº 03/2010
(p. 76-81); e nos documentos finais das conferências nacionais de
educação de 2010 e 2014, que influenciaram a Lei nº 13.005/2014, do
Plano Nacional de Educação 2014-2024 (p. 82-91).
Para a reflexão deste capítulo, não cabem reiterações acerca
da presença da eja no espaço da normatização das políticas educa-
cionais. Há análises que as apresentam como potencial para o reco-
nhecimento da escolarização de jovens e adultos trabalhadores, mas
também há as que revelam o que há de contraditório entre o propa-
228
D ireito à educação e manutenção da subalternidade
120 Beisiegel, 2003; Paiva, 2005; Di Pierro, 2005; Machado, 2009; Ireland, 2009.
121 Informações a partir do site do mec: http://portal.mec.gov.br/secretaria-de-educacao-
-continuada-alfabetizacao-diversidade-e-inclusao/quem-e-quem. Acesso em: 2 jun. 2020.
Essa secretaria foi extinta no governo Bolsonaro.
229
Maria Margarida Machado
122 A publicação organizada por Ireland e Spezia (2012) apresenta uma importante retros-
pectiva dessas conferências coordenadas pela Unesco, desde a primeira, em 1949, à última,
em 2009. Além de situar a contribuição dessas conferências para a política de educação de
adultos entre os países-membros da onu, a publicação traz no anexo todas as declarações
resultantes das seis conferências (várias delas traduzidas pela primeira vez para o portu-
guês).
123 O referido relatório consiste num registro histórico de avaliação da política de eja no
Brasil, elaborado por uma comissão intersetorial e com representação da sociedade política
e civil, contendo, além de diagnóstico da realidade, indicações importantes para a revisão
dessa política. A produção na íntegra pode ser acessada no endereço http://confinteabrasil-
mais6.mec.gov.br/. Acesso em: 2 jun. 2020.
230
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Maria Margarida Machado
232
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233
Maria Margarida Machado
125 O registro de toda a participação dos Fóruns de eja nesse debate, bem como os docu-
mentos elaborados para subsidiar essa discussão nas três audiências públicas que foram
promovidas pelo Conselho Nacional de Educação, pode ser encontrado em http://forumeja.
org.br/node/2224.
234
D ireito à educação e manutenção da subalternidade
235
Maria Margarida Machado
236
D ireito à educação e manutenção da subalternidade
Sobre o Encceja, antecipamos que temos apenas os dados relativos aos anos de
2010, 2014, 2015, 2016 e 2017. Convém salientar ainda que em 2015 e 2016 foi
realizado somente o Encceja Exterior. Os microdados dos anos 2014, 2015 e 2016
já estão divulgados no portal do Inep. No caso específico do ensino médio, lem-
bramos que o Enem foi utilizado como exame de certificação do ensino médio no
período de 2009 a 2016. Os microdados do Enem de todas essas edições estão dis-
poníveis no portal do Inep. (Resposta enviada em 20 ago. 2018 pelo e-mail micro-
dados.daeb@inep.gov.br. Assinam: Equipe Microdados daeb. Coordenação-Geral
de Instrumentos e Medidas (cgim)/ Diretoria de Avaliação da Educação Básica
(daeb)/ Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira).
237
Maria Margarida Machado
2.1.1 Construir uma referência nacional de autoavaliação para jovens e adultos por
meio de avaliação de competências, habilidades e saberes adquiridos em processo
escolar ou extraescolar.
2.1.2 Estruturar uma avaliação direcionada a jovens e adultos que sirva às secreta-
rias de educação, para que estabeleçam o processo de certificação dos participan-
tes, em nível de conclusão do Ensino Fundamental ou Ensino Médio, por meio da
utilização dos resultados do Exame, de acordo com a legislação vigente, nos termos
do art. 38, §§ 1º e 2º, da Lei n° 9.394, de 20 de dezembro de 1996.
2.1.3 Oferecer uma avaliação para fins de correção do fluxo escolar, nos termos do
art. 24, inc. ii, alínea c, da Lei n° 9.394, de 20 de dezembro de 1996.
2.1.4 Construir, consolidar e divulgar seus resultados para que possam ser utili-
zados na melhoria da qualidade na oferta da educação de jovens e adultos e no
processo de certificação.
238
D ireito à educação e manutenção da subalternidade
Considerações parciais
À expressão, repetidas vezes dita por Freire, de que a educa-
ção sozinha não transforma a realidade, mas sem ela, essa realidade
tampouco poderá ser transformada, eu acrescentaria que é preciso
dizer, ainda, de que tipo de educação estamos falando. Consideran-
do a história da educação brasileira, com a ajuda de Anísio Teixei-
ra e Paschoal Lemme, entre outros, é inegável o reconhecimento da
expansão do acesso à escola, sobretudo nestes últimos trinta anos.
Porém, os dados aqui apresentados nas pesquisas sobre eja revelam
que o acesso não garantiu permanência nem aprendizado; por isso,
239
Maria Margarida Machado
240
D ireito à educação e manutenção da subalternidade
Referências
arroyo, M. “Balanço da eja: O que mudou nos modos de vida dos jovens-adultos
populares?” REVEJ@: Revista Brasileira de Educação de Jovens e Adultos, Salvador,
v. 1, n. 0, p. 1-108, ago. 2007.
bobbio, N. A era dos direitos. Trad. Carlos Nelson Coutinho. Rio de Janeiro: Else-
vier, 2004.
______. Câmara dos Deputados. Lei nº 5.692, de 11 de agosto de 1971. Fixa di-
retrizes e bases para o ensino de 1º e 2º graus e dá outras providências. Brasília:
Câmara dos Deputados, 1971. Disponível em: http://www.pedagogiaemfoco.pro.
br/l5692_71.htm. Acesso em: 2 jun. 2020.
241
Maria Margarida Machado
______. Cadernos do cárcere. v. 3. Ed. e trad. Carlos Nelson Coutinho; coed. Luiz
Sérgio Henriques e Marco Aurélio Nogueira. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira,
2007.
haddad, S. Ensino supletivo no Brasil: O estado da arte. Brasília: Inep; Reduc, 1987.
242
D ireito à educação e manutenção da subalternidade
______. Estado da arte sobre educação de jovens e adultos. Brasília: Inep, 2000.
ireland, Timothy. “A eja tem agora objetivos maiores que a alfabetização”. Nova
Escola, São Paulo, n. 223, pp. 36-40, 2009.
onu. Declaração Universal dos Direitos Humanos, 1948. Disponível em: <https://
nacoesunidas.org/wp-content/uploads/2018/10/DUDH.pdf>. Acesso em: 2 jun.
2020.
243
CAPÍTULO 9
128 Quantitativamente falando, o arquivo da prelazia de São Félix do Araguaia ocupa apro-
ximadamente 30 m/l (metros lineares). Porém, o seu conteúdo supera amplamente aquilo
que se considera estritamente um “arquivo”: A sua composição se encaixa dentro dos três
tipos de patrimônio documental diferenciados jurídica e tecnicamente: biblioteca, centro de
documentação e arquivo. São aproximadamente 280 mil documentos, divididos em grandes
setores. Há desde informes paroquiais a documentos de relevância histórica. Documentos
que contam a áspera luta pela terra no Brasil, falam da repressão militar e de governos,
revelam a marcação cerrada do Vaticano sobre um religioso que veio em missão evangeli-
zadora para o Brasil e enveredou pela teologia da libertação. Há mais de 50 mil cartas, entre
as enviadas a Pedro e as respondidas por ele. Cartas de gente simples e de poderosos. Cartas
públicas e de teor sigiloso à época. E imagens, fitas, objetos, incluindo prêmios e títulos que
o bispo acumulou e agora repassa ao arquivo. Na base dos Arquivos sem Fronteiras dez
anos atrás, e atualizado em função das coisas mais recentes, foi um levantamento feito pelos
arquivistas sem fronteiras antes da digitalização, em 2006 (Zilda, 24 jul. 2018).
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E ntre missais e carabinas : O poder do discurso ou o discurso de poder ?
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Vera Lúcia Paganini
[...] Significa que não só devem ser superadas as distinções existentes entre as di-
versas profissões, como também é necessário, para que se conquistem o consenso
e a confiança dos camponeses e de algumas categorias semiproletárias da cidade,
superar alguns preconceitos e vencer certos egoísmos, que podem substituir, e
substituem, na classe operária como tal, mesmo quando já desapareceram do seu
seio os particularismos de profissão (Chiarante, 2006, p. 649).
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E ntre missais e carabinas : O poder do discurso ou o discurso de poder ?
249
Vera Lúcia Paganini
[...] gente, será que eu não posso ir? Eles riram, mas eu disse, não, tô falando sério!
Aí ela falou assim: Olha, tem uma agente de pastoral, mas que também é professora,
250
E ntre missais e carabinas : O poder do discurso ou o discurso de poder ?
e que agora vai pra prefeitura, a Lucinha, e ela tá aqui justamente acertando com
professores. Eu falei assim, não então eu vou topar, sim, fazer uma experiência de um
ano. Eu vou topar de ir. Fui atrás da Lucinha. [...] tinha um grupo que era daqui, o
Juarez que também era agente de pastoral [...] foi treze dias e daí, vim. Minha mãe
achou um absurdo essa coisa de vir pro Mato Grosso, pro meio dos índios, né? E
eu com uma curiosidade incrível. Imagine. Gastei quatro dias de Belo Horizonte a
Cascalheira (Águeda, 8 set. 2017).
251
Vera Lúcia Paganini
252
E ntre missais e carabinas : O poder do discurso ou o discurso de poder ?
§ 104. História dos intelectuais. Luta entre Estado e Igreja. Esta luta teve caráter
diverso nos diversos períodos históricos. Na fase moderna, é luta pela hegemonia
na educação popular; pelo menos, é este o traço mais característico, ao qual todos
os outros se subordinam. Portanto, é luta entre duas categorias de intelectuais,
luta para subordinar o clero, como típica categoria de intelectuais, às diretivas do
Estado, isto é, da classe dominante (liberdade de ensino — organizações juvenis —
organizações femininas — organizações profissionais).
253
Vera Lúcia Paganini
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E ntre missais e carabinas : O poder do discurso ou o discurso de poder ?
Mesmo não sendo de autoria dela o decreto que criou a reserva Marãiwatsédé,
dos índios xavantes, a presidenta poderia receber o Silval e revogar o decreto. O
deputado observa ainda em sua palavra que o decreto que homologou a reserva
foi assinado pelo ex-presidente fhc, que “mal assessorado” permitiu a criação, de
forma fraudulenta, da reserva indígena na área da Suiá-Missú. (Guimarães, 2013,
p. 151).
255
Vera Lúcia Paganini
Olha, eu sempre digo que a Prelazia foi um mal necessário. Acho que até te falei isso
já, no telefone. Porque ela tem assim, porque ela tem esse lado. Ela nunca fez cem por
cento de nada que ela começa. Ela dá início, recua e você é que tem que dar conti-
nuidade. Os professores, nós tivemos professor aqui, tinha os de lá, eu fui diretor de
escola. Fui diretor, criei a escola José Fragelli, fui eu que criei, segundo grau aqui fui
eu e Gaspar que criamos, Tancredo Neves, Severiano Neves fui eu que construí aqui
junto com o Governo, foi. A Tancredo já foi na época do Pontim, a José Fragelli que
hoje é Ilda Rocha fomos nós... então, nós sempre corremos atrás, eu sempre corri atrás
de... da educação aqui. E o lado da Prelazia na época, inclusive tive problemas com
a Erotildes. Hoje em dia ela é minha amiga mas tive problema. Porque a Erotildes
obedecia só a eles. Da Prelazia (Filemon, 29 mar. 2018).
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E ntre missais e carabinas : O poder do discurso ou o discurso de poder ?
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E ntre missais e carabinas : O poder do discurso ou o discurso de poder ?
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Era grupo escolar padrão. Todos eram do mesmo jeito. Do Aragarças ao Pará. Tinha
o mesmo tamanho, o mesmo tipo de construção, cabia uns cinquenta alunos. Eram
duas salas... uma mais adiantada e uma mais atrasada. Tinha uma do primeiro ano
pra alfabetizar e a outra do segundo e terceiro ano... não tinha quarta série não
(Erotildes, 13 set. 2017).
Só com o Admissão e cinco meses de primeiro ano ginasial. Aí o Lúcio da Luz chegou
lá em casa. O dono da cidade de Luciara. Ele gostava de cantar serenata, fazer festa.
Ele falou: — O que você tá fazendo chorando aí? Você agora vai ser professora! Eu
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E ntre missais e carabinas : O poder do discurso ou o discurso de poder ?
falei: — Eu não dou conta! Eu só comecei estudar o ginásio lá. Ele disse: — Dá sim.
Você sabe mais do que todo mundo que tá aqui. Até do que eu. Ele não tinha estudo,
sabia muita coisa, mas não tinha estudo, só rabiscava o nome, não sabia nem ler
direito. Era ele e o Severiano. Eles eram líderes, pessoas educadas, gente que sabia
tudo mas não sabia ler e escrever. Isso aí não fazia falta para eles. Aí eu falei assim,
tá bom, então eu vou (Erotildes, 13 set. 2017).
E aí nesse meio tempo, já tinha muita gente lá discutindo, tinha bastante gente lá em
Santo Antônio... muitas crianças, adolescentes... aí decidiram botar uma aula, né?
botar uma escolinha. E seu Guilherme tinha uma sobrinha que já tinha terminado
o ginásio em Barra do Garças, aí ele falou que ia conseguir levar a sobrinha pra
lá. [...] Aí, com a Mariinha ir pra lá, e precisava de ajudante, eu comecei a ajudar
ela, né. Comecei a ajudar ela lá na sala de aula. Era sala mista. Desde os pequenos
até os meninos de doze anos, treze anos, né? Aí eu comecei a ajudar ela. E nisso eu
fui pegando prática na sala de aula, e fui gostando, e ela também gostando do meu
trabalho, aí eu fui aprendendo, né? Sei que quando ela saiu de lá, aí ela falou pro seu
Guilherme que eu podia muito bem substituir ela, né? (Eva Mendes, 8 set. 2017).
261
Vera Lúcia Paganini
Trabalhava nesse hotel e à noite a gente estudava pra fechar a admissão. Para fechar
o primário naquela época a gente fazia admissão. Aí eu estudei admissão. Quem
era diretora do grupo naquela época era irmã Noêmia, irmã Irena era enfermeira
da Prelazia. E a irmã Irene foi diretora do gea. Quando eu vim pra cá os padres e
as freiras já tinham chegado. Aí eu fiz a admissão, terminamos, eu e meus colegas
formamos, teve uma formatura muito bonita, né? Foi no Cine Samira, né? Encheu
de gente o Cine, foi um sucesso e aquilo pra nós foi uma das melhores festas. Foi em
1971. Em 70 eu vim pra cá... (Eva Mendes, 8 set. 2017).
Aí, eu vim para aqui, eu cheguei no ano que o bispo chegou aqui, ainda era padre.
Aí o bispo foi lá em casa. Porque eu era a chefa. Eles tinham me nomeado como
diretora. O Severiano foi lá na escola e disse: — Agora você vai ser a diretora. Porque
essas professoras daqui também era igual às da Luciara, sabe? Não sabiam muito.
Do grupo escolar. Elas não sabiam muito. Aí eu cheguei e ele falou que eu ia ser a
diretora, o senhor Severiano das Neves. Eu te conheço, você é filha do meu compadre,
eu sei que você já foi professora em Luciara. Então vai ser diretora aqui agora. Era o
subprefeito. [...] Aí eu fui meter a cara pra fazer no que precisasse; aí o bispo pergun-
tou: — O que a cidade mais precisa? Eu falei: — A escola. Precisa de escola. Aí eu já
tinha formado uma turma de quarta série. Aí fizemos a maior festa para os alunos.
Tinha muita gente. Eles de uniforme, de quepe assim, aqueles enfrentantes assim das
coisas... (Erotildes, 13 set. 2017).
262
E ntre missais e carabinas : O poder do discurso ou o discurso de poder ?
Então aí juntou essa turma, o bispo mandou buscar mais gente. Mais professores lá
de São Paulo. O Vaine, o João Reis, o Pedro Mario Sola (Pedrito), o padre José Maria
Garcia Gil, o Elmo Amado Malagodi, o Canuto... o Canuto tá aí (eu — sim falei
com ele), a Eunice, o Luiz. Aí eles foram ajudando, né, dar aulas de ginásio. [...] Não
eles começaram a lecionar assim, sem o Ginásio. Na escolinha, eu também fui aluna
porque eu não tinha feito o ginásio. Tudo lá na escolinha. A gente lecionava de dia na
primeira, segunda, terceira e quarta série e de noite todo mundo estudando. Quando
os alunos falavam que não iam estudar eu ia lá na casa deles, aí eu falava, gente, nós
é que fundamos o ginásio, não tem escola aqui, vocês são os precursores. Faz isso não,
não sai da escola não, vamos estudar, gente! Que é isso!? Aí todo mundo voltava. Eu
ia lá na casa, pelejava e eles voltavam. E não foi só uma vez isso não, heim? Até que
quando chegou no final do ano, o Elmo foi lá em Cuiabá já registrou o ginásio, para
263
Vera Lúcia Paganini
fazer a formatura... aí mandou já fazer uniforme. Foi bonito demais, sabe? [...] Aí
tinha dia que eles brigavam tudo, saía da escola, e o povo da rua também falava que
mulher casada não era pra estudar, mulher casada que fosse estudar, tava indo pra
namorar com os padre. E começou a me atingir, né? muita gente começou a me atin-
gir... porque não queriam que eu lecionasse aqui não. As outras professoras falavam
que o Severiano me apoiava, que eu cheguei depois que elas já estavam e eu queria
mandar em tudo. Eu ia mesmo, sabe? O que era preciso fazer eu fazia (Erotildes, 13
set. 2017).
Aí chegou a tia Irene. A tia Irene, a tia Irene era a secretária. Aí ela falou: — Vamos
começar a construir um prédio. Em 1969. Todo mundo foi fazer o ginásio, ajudar...
o povo da rua todinho. Aí foi outra coisa. Nós fomos estudar, no final do ano de
1972 fizemos a formatura no final do curso. Nós fizemos uma festa tão grande. Esse
prédio aqui do museu era um cinema. Da dona Olindina. Ela e o marido era uns que
mandava aqui (Erotildes, 13 set. 2017).
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E ntre missais e carabinas : O poder do discurso ou o discurso de poder ?
dão atuante e que diz ter amor à própria terra e não pretender sair
dela, temos também registros de dois escritores/ jornalistas que de-
nunciam a igreja como responsável pelo atraso econômico da região.
Um deles enfatizou o seu repúdio ao bispo dom Pedro Casaldáliga e
à Prelazia, no prefácio da obra do já citado Kalixto Guimarães:
[...] Hoje a conjuntura tá tão diferente, tão diferente. Olha, às vezes quando eu saio
por aí, vejo os companheiros daquela época, estão tudo numa outra condição. Penso:
como é que pode o pensamento da gente mudar tanto assim? Que eu queira mudar de
situação econômica, social, isso é normal. Todos nós queremos. Agora eu não posso
deixar, se eu alcanço isso, se eu alcanço essa minha vontade, eu não posso fechar meus
olhos como se não existisse mais nada à minha volta. A região hoje mudou. Tá bem
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Vera Lúcia Paganini
melhor, tá. Existem problemas? Existem, e mais complexos que daquela época. Então
eu não posso fechar os meus olhos. Os sindicatos estão voltados para si. Acabou. E vi-
rou mesmo uma coisa burocrática. Tem mais papel do que trabalho. Estão pelegando
para os poderosos (Maria José, 25 jul. 2017).
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E ntre missais e carabinas : O poder do discurso ou o discurso de poder ?
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Vera Lúcia Paganini
Que todos eles participavam da luta da terra. Estavam brigando pela terra. Defen-
dendo o que era deles, né? E eles, a maioria deles, eram membros dessa cooperativa.
A maioria analfabeta. Alguns sabiam vagamente desenhar o nome, ne´? Mas leitura
não tinham. Uma coisa que eu me lembro, é que a gente fazia essa aula de alfabetiza-
ção à noite. E que a gente, não era muito longe, mas a gente tinha que se deslocar, do
povoado ali, para a área rural, das posses, né? (Tadeu, 12 set. 2017).
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E ntre missais e carabinas : O poder do discurso ou o discurso de poder ?
130 Os nomes citados acima são dos ditos “prefeitos da Prelazia”, que ocuparam as prefeitu-
ras dos municípios emancipados entre as décadas de 1980 e 1990, e, alinhados ao governo
do estado do Mato Grosso (que na década de 1980 era oposição ao federal), empreenderam
um projeto social relevante e trouxeram melhores condições sociais e qualidade de vida aos
menos favorecidos da região.
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E ntre missais e carabinas : O poder do discurso ou o discurso de poder ?
131 É considerado posseiro por invasão, de acordo com o entrevistado, aquele que se
apropria de terras que não consideradas produtivas e constituem o que denominam áreas
brancas que, segundo o Dicionário Ambiental são terras devolutas: “Terras devolutas são
terras públicas sem destinação pelo Poder Público e que em nenhum momento integraram
o patrimônio de um particular, ainda que estejam irregularmente sob sua posse. O termo
‘devoluta’ relaciona-se ao conceito de terra devolvida ou a ser devolvida ao Estado” Disponí-
271
Vera Lúcia Paganini
Existe aqui dois tipos de posseiros, um assentado pelo Incra e outros por invasão em
áreas brancas ou nunca procuradas pelos legítimos donos. Os conflitos não existem
mais. Antes os mais espertos grilavam, colocavam pistoleiros, hoje não tem mais
invasão. [...] Eu cheguei em Mato Grosso em 1984, aqui estava em fase de desenvolvi-
mento, terras baratas, muitas dificuldades. Mas deu tudo certo e estou até hoje (José
Eurípedes, 17 ago. 2017).
A introdução da soja para além dos estados da região Sul só foi possível devido ao
desenvolvimento de cultivares adaptados ao clima mais quente. A adoção de téc-
nicas de plantio direto também contribuiu para a inserção do grão na agricultura
das regiões, Centro Oeste, Nordeste e Norte. O fato de que a soja permite a fixação
no solo de nutrientes essenciais para o plantio de outras culturas, como o feijão
e o milho, foi um aspecto positivo para a sua expansão no Brasil, pois permitiu a
adoção de uma entressafra produtiva. O desenvolvimento de cultivares tolerantes
a herbicidas chega ao Brasil em 1995, quando o Governo Federal aprova a lei de
biossegurança permitindo então o cultivo de plantas de soja transgênicas em ca-
ráter experimental. A lei é atualizada em 2005, regulamentando definitivamente o
plantio e a comercialização de cultivares transgênicas no Brasil (Aprosoja Brasil,
2018).
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E ntre missais e carabinas : O poder do discurso ou o discurso de poder ?
A migração maciça do Sul, aqui na nossa região começa em Querência né, Vila Rica,
foi no, começou em 82. A entrada mesmo. Mas se firmou na segunda metade dos anos
80. E a organização como cidades foi no final dos anos 80. Então na década de 90 é
que houve esta presença efetiva do pessoal do Sul que mudou o perfil. [...] O modo
de ver a experiência religiosa do povo do Sul é muito mais estruturada, e muito mais
independente e nem sempre casa com o estilo da Prelazia. Eles traziam os próprios
padres... (Dom Adriano, 21 jul. 2017).
273
Vera Lúcia Paganini
do bispo, ele afirma que está tudo mudado e que gostaria que o tra-
balho fosse como antes, em comunidade. Antes, todos planejavam
juntos e depois iam às comunidades, onde ficavam por algum tempo
prestando assistência de evangelização, mas também de educação e
saúde, e procuravam ajudar na resolução dos conflitos. Atualmente,
as comunidades estão se transformando em paróquias. Ele diz que as
paróquias são pequenos núcleos independentes que não se relacio-
nam, necessariamente, entre si. Assim, o trabalho comunitário vai
ficando de certa forma fragmentado:
No início você falava assim, Vera, um sujeito, né, que impulsionou essa região. Então,
eu voltaria, queria voltar assim, esse coletivo, esse sujeito coletivo que impulsionou
essa região, que desencadeou um processo de construção da sociedade civil, chama-se
Prelazia de São Félix do Araguaia. Porque na instalação da Prelazia aqui, e anterior-
mente com a chegada de Pedro em 30 de junho de 1968, a Prelazia assumiu até então,
até meados da década de 1980, o papel de suplência de um Estado falido, porque
desde a saúde, a educação, a organização do povo, tudo era Prelazia. A educação
teve papel fundamental, na perspectiva freiriana. Vamos pegar como base a “Peda-
gogia do oprimido”, vamos pegar então para abrir os olhos do povo, não é? Nesse
entrelaçamento de educação e evangelização. Mas uma evangelização, não com uma
conotação intimista de uma igreja voltada para dentro dela mesma, mas uma igreja
aculturada, abraçando os rostos dessa igreja, que submergiam. Que era o rosto do
negro, do indígena, o rosto da mulher marginalizada, a mulher que era trazida assim
como o peão, né? Os peões para trabalhar nas fazendas e a mulher para trabalhar nos
bordéis (Zecão, 25jul. 2017).
A participação da igreja? Ela num é muito boa não. Mudou muito. Tem dia que tem
muita gente, mas tem dia que tem três quatro pessoa. O que nós espera é que ela
274
E ntre missais e carabinas : O poder do discurso ou o discurso de poder ?
melhora. Nós tá trabalhano, batalhano pra vê se um dia bota ela melhor, né? É assim,
não adianta a pessoa dizer: eu sou católico, mas num é assim. Se você não vai na
igreja, se num faz uma oração, cê num é católico. Cê é daqueles ateu à toa.[...] todo
dia que cê fala: fulano, vamo pra igreja e num vai, num adianta. [...] Por que isso
acontece? Os gaúcho e os evangélico (risos) (Juliana Oliveira, 21 jul. 2017).
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[...] então, se pensava nessa ansa como mola propulsora da formação da educação
popular, e essa ansa que hoje tá aí, né, fomentando a formação da agricultura fa-
miliar, enfim, são n coisas que a gente sabe que tem um trabalho de perspectiva de
perpetuar esse trabalho que foi. Então, com emoção eu lembro da mulher visionária
que foi a Tia Irene, e hoje contemplando aí na apresentação do pessoal a gente vê
assim, tanta coisa em cada setor, o caminhar da história (Zecão, 24 ago. 2017).
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134 Levantamento Pastoral, elaborado pelo Instituto de Estudos da Religião, Rio de Janeiro,
1990.
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Em sua tese, ela destaca o papel desse sujeito coletivo que consegue
dar visibilidade aos excluídos da chamada história oficial:
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Referências
ALVORADA. Impresso da Prelazia de São Félix do Araguaia-MT. Arquivo do Cen-
tro Pastoral de São Félix do Araguaia “Tia Irene”, 1970-2013.
283
Vera Lúcia Paganini
______. Constituição da República Federativa do Brasil, 1988. 35. ed. Brasília: Câ-
mara dos Deputados, 2012. Disponível em: http://bd.camara.gov.br/bd/. Acesso
em: 1 jun. 2020.
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E ntre missais e carabinas : O poder do discurso ou o discurso de poder ?
Entrevistas
21 jul. 2017 – Bispo dom Adriano Vasino.
17 ago. 2017 – José Eurípedes Alcântara, político da região – Roteiro enviado pelo
correio.
8 set. 2017 – Professora Águeda Borges e professora Eva Mendes, São Félix do
Araguaia.
29 mar. 2018 – Eva Mendes (segunda parte) e Filemon Limoeiro, São Félix do
Araguaia
21 jul. 2017 – Bispo dom Adriano Vasino e dona Juliana Barbosa de Oliveira, agen-
te pastoral.
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CAPÍTULO 10
C artas do cárcere e a educação da
infância
Introdução
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Adriane Guimarães de Siqueira Lemos
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C artas do cárcere e a educação da infância
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Adriane Guimarães de Siqueira Lemos
Leio muito, livros e revistas; muito, em relação à vida intelectual que se pode ter
numa prisão. Mas perdi muito do gosto pela leitura. Os livros e as revistas dão só
ideias gerais, esboços de correntes gerais da vida do mundo (mais ou menos bem
realizados), mas não podem dar a impressão imediata, direta, viva, da vida de Pe-
dro, de Paulo, de João, de indivíduos reais, sem compreender os quais não se pode
nem compreender o que se universalizou e generalizou. Faz muitos anos, em 1919
e em 1920, conhecia um jovem operário, muito ingênuo e muito simpático. Todo
sábado de tarde, depois da saída do trabalho, vinha a meu escritório para estar
entre os primeiros a ler a publicação que eu organizava. Ele me dizia muitas vezes:
“Não pude dormir, preocupado com esta ideia: o que é que o Japão vai fazer?” O
Japão, de fato, o obcecava, porque nos jornais italianos só se fala do Japão quando
morre o Micado ou um terremoto mata pelo menos dez mil pessoas. O Japão lhe
escapava; por isso, não conseguia ter um quadro sistemático das forças do mundo
e achava que não compreendia nada de nada. Eu, então, ria de um tal estado de
ânimo e zombava de meu amigo. Hoje o compreendo. Também tenho meu Japão:
é a vida de Pedro, de Paulo e também de Giulia, de Delio, de Giuliano. Sinto falta,
realmente, da sensação molecular: como poderia, mesmo sumariamente, perceber
a vida do todo complexo?
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C artas do cárcere e a educação da infância
136 Gramsci se pronuncia sobre a situação: “Recebi vários de seus cartões por estes dias e a
longa carta na qual me transcreveu a carta de Genia sobre Delio. Você quer que lhe escreva
minha opinião a este respeito. É difícil escrever. Minha impressão é pouco lisonjeira, devo
confessar. Ela só é atenuada pela certeza de que não se trata certamente de Delio, mas de
Genia, porque me parece absurdo que um menino de pouco mais de oito anos seja infantil
e infantilizado de modo tão falso e mórbido, artificioso e bizantino. Só uma coisa parece
verossímil e causa angústia: que essa atmosfera falsa, adocicada, artificiosa possa influir de
modo sinistro sobre a educação de Delio e prejudicar sua vitalidade e força de caráter. Esta
é minha opinião franca. Não sei se pode lhe parecer muito dura. De resto, lamento imen-
samente quando penso que não tenho nenhum meio capaz de impedir que as coisas conti-
nuem assim” (Gramsci, 2005b).
291
Adriane Guimarães de Siqueira Lemos
De resto, você tem razão quanto ao fato de que em nosso mundo, meu e seu, toda
fraqueza é dolorosa e toda força é uma ajuda. Penso que nossa maior desgraça foi
a de termos estado juntos muito pouco, e sempre em condições gerais anormais,
separadas da vida real e concreta de todos os dias. Devemos agora, nas condições
de força maior em que nos encontramos, remediar estas falhas do passado, de
modo a resguardar todo o vigor moral de nossa união e salvar da crise o que de
belo também houve em nosso passado e vive em nossos filhos. Você não concor-
da? Eu quero ajudá-la, em minhas condições, a superar sua atual depressão, mas
também é preciso que me ajude um pouco e me ensine o melhor modo de ajudá-la
eficazmente, orientando sua vontade, arrancando todas as teias de falsas represen-
tações do passado que podem travá-la, ajudando-me a conhecer cada vez melhor
os dois meninos e a participar de suas vidas, de sua formação, da afirmação de suas
personalidades, de modo que minha “paternidade” se torne mais concreta e seja
sempre efetiva e, assim, se torne uma paternidade viva e não só um fato do passado
cada vez mais remoto. Ajudando-me assim também a conhecer melhor a Iulca de
hoje, que é Iulca + Delio + Giuliano, soma na qual o sinal de mais não indica só um
fato quantitativo, mas sobretudo uma nova pessoa qualitativa (Gramsci, 2005b, p.
20-21).
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C artas do cárcere e a educação da infância
Você deve se tornar ativa como no passado (não no sentido físico, pois, me pa-
rece, você nunca foi ativa neste sentido, mas no sentido intelectual) para poder
orientar bem as crianças fora da escola e não deixá-las abandonadas a si mesmas,
como muitas vezes ocorre especialmente nas famílias ditas “respeitáveis” (Gramsci,
2005a, p. 455).
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Adriane Guimarães de Siqueira Lemos
137 Gramsci se refere a Charles Fulpius (1847-1916), fundador da Libre Pensée Suisse, asso-
ciação dedicada à defesa da separação entre igreja e Estado, sustentando a visão de mundo
baseada na ciência e na ética livre de dogmas. Fulpius envolveu-se em publicações de jor-
nais, revistas e livros relacionados ao darwinismo. Entre suas obras se destacam um manual
para a educação de crianças e um curso de ética social para adolescentes, ambos funda-
mentados no evolucionismo social. Ver http://worldcat.org/identities/viaf-249625437/ ht-
tps://hls-dhs-dss.ch/de/articles/011396/2012-11-13/ e https://frei-denken.ch/geschichte/
2008-100-jahre-fvs (acesso em: 2 jun. 2020). Gramsci se posiciona acerca do evolucionismo
aplicado ao conhecimento histórico-social-cultural segundo o modelo das ciências naturais
(Liguori; Voza, 2017). Para Gramsci, trata-se de “problemas teóricos” de uma “filosofia dos
não filósofos”, resultando em um evolucionismo vulgar (Gramsci, 2017, p. 150-151). A rela-
ção entre evolucionismo e educação da infância demanda aprofundamento. Ainda assim, a
294
C artas do cárcere e a educação da infância
Também aquilo que escreve sobre Delio e Giuliano e suas inclinações me fez
recordar que, há alguns anos, você acreditava que Delio tivesse muita inclinação
para a engenharia de construção, enquanto parece que hoje esta é a inclinação de
Giuliano e, ao contrário, Delio se volta mais para a literatura e a construção [...]
poética. Na verdade, devo dizer que não acredito nestas inclinações genéricas tão
precoces e confio pouco em sua capacidade de observar as tendências de ambos
para uma orientação profissional. Acredito que, em cada um deles, coexistam to-
das as tendências, tal como em todas as crianças, tanto para a prática quanto para
a teoria ou a fantasia, e que, de fato, seria correto guiá-los neste sentido, para um
ajuste harmonioso de todas as faculdades intelectuais e práticas, que podem se
especializar no tempo apropriado, com base numa personalidade vigorosamente
formada em sentido total e integral (Ibid., p. 224-25).
chamada psicologia diferencial (estudo das diferenças entre indivíduos ou grupos) e a noção
de adaptação do organismo ao meio da psicologia funcionalista são princípios associados
ao evolucionismo que influenciaram a discussão sobre a educação da criança (Jacó-Vilela
et al., 2013). Também é importante lembrar que o evolucionismo social está na base das
perspectivas eugenistas e higienistas.
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geração educa a nova geração, isto é, forma-a; e a educação é uma luta contra os
instintos ligados às funções biológicas elementares, uma luta contra a natureza, a
fim de dominá-la e de criar o homem “atual” à sua época (Gramsci, 2001, p. 62).
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Adriane Guimarães de Siqueira Lemos
Dentro de alguns dias Delio completará sete anos e, no fim do mês, Giuliano
completará cinco anos. Para Delio, a data é importante, porque comumente os
sete anos são considerados uma etapa importante no desenvolvimento de uma
personalidade. A Igreja Católica, que indiscutivelmente é o organismo mundial
que possui a maior acumulação de experiências organizativas e propagandísticas,
estabeleceu aos sete anos a entrada solene na comunidade religiosa, com a primei-
ra comunhão, e pressupõe na criança a primeira responsabilidade pela escolha de
300
C artas do cárcere e a educação da infância
uma ideologia que deve imprimir uma recordação indelével por toda a vida. Não
sei se você vai dar a este aniversário de Delio um caráter particular, que deixe em
sua memória um traço mais profundo e duradouro do que os outros aniversários
(Gramsci, 2005b, p. 63-64).
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302
C artas do cárcere e a educação da infância
Mais do que todas estas coisas me parece importante a “força de vontade”, o amor
pela disciplina e pelo trabalho, a constância nos objetivos, e neste juízo levo em
conta, mais do que a criança, aqueles que a orientam e têm o dever de fazer com
que adquira tais hábitos, sem sacrificar sua espontaneidade. A opinião que formei,
pelas palavras de Nannaro e de Cario, é precisamente esta: no caso de Mea, todos
vocês se descuidam de estimular a obtenção destas qualidades sólidas e fundamen-
tais para seu futuro, não pensando que, mais tarde, a tarefa será mais difícil e talvez
impossível. Vocês me parecem esquecer que hoje, em nosso país, as atividades
femininas enfrentam condições muito desfavoráveis desde os primeiros anos de
escola, como, por exemplo, a exclusão das meninas de muitas bolsas de estudo, etc.,
de modo que é necessário, na concorrência, que as mulheres tenham qualidades
superiores àquelas requeridas dos homens e uma dose maior de tenacidade e de
perseverança. É evidente que minhas observações se dirigiam não a Mea, mas a
quem a educa e dirige; neste caso, mais do que nunca, me parece que o educador é
que deve ser educado (Ibid., p. 32).
Sobre Mea, você não me parece que tem razão. Como a questão é importante e pode
decidir todo o futuro da garota, faço ainda algumas observações. Eu levei em conta o
ambiente no qual ela vive, naturalmente, mas o ambiente não justifica nada: me pare-
ce que toda a nossa vida é uma luta para nos adaptarmos ao ambiente, mas também,
e especialmente, para dominá-lo e não nos deixarmos esmagar por ele. O ambiente
de Mea, antes de tudo, são vocês aí de casa, depois seus amigos, a escola, e depois
todo o vilarejo, com seus Cozzoncus, com suas tias Tane e Zuanna Culemantigu,
etc., etc. De quais partes deste ambiente Mea vai receber os estímulos para formar
seus hábitos, seus modos de pensar, seus juízos morais? Se vocês renunciarem a in-
tervir e a guiá-la, usando a autoridade que vem do afeto e da convivência familiar,
303
Adriane Guimarães de Siqueira Lemos
fazendo pressão sobre ela de modo afetuoso e amoroso, mas inflexivelmente rígido
e firme, acontecerá, sem dúvida nenhuma, que a formação espiritual de Mea vai ser
o resultado mecânico da influência casual de todos os estímulos deste ambiente [...].
Um erro que se comete habitualmente na criação dos meninos e meninas me parece
o seguinte (pense em você mesmo e depois julgue se estou certo): não se percebe
que, na vida deles, existem duas fases muito distintas, antes e depois da puberdade.
Antes da puberdade, a personalidade da criança ainda não se formou e é mais fácil
guiar sua vida e fazê-la adquirir determinados hábitos de ordem, de disciplina, de
trabalho: depois da puberdade, a personalidade se forma de modo impetuoso e toda
intervenção alheia se torna odiosa, tirânica, insuportável. Na verdade, o que acon-
tece é que os pais sentem a responsabilidade em relação aos filhos exatamente neste
segundo período, quando é tarde: então, naturalmente, entra em cena o porrete e
a violência, que, no fim das contas, dão bem poucos frutos. Em vez disso, por que
não se ocupar da criança no primeiro período? Parece pouco, mas o hábito de ficar
sentado de cinco a oito horas por dia é uma coisa importante, que pode ser inculcada
até os quatorze anos sem sofrimento, mas em seguida não se pode mais. [...] Tenho a
impressão de que as gerações mais velhas renunciaram a educar as gerações jovens e
estas cometem o mesmo erro; o fracasso gritante das velhas gerações se reproduz tal
e qual na geração que agora parece dominar. Pense um pouco no que escrevi e reflita
se não é necessário educar os educadores! (Gramsci, 2005a, p. 439-440).
304
C artas do cárcere e a educação da infância
138 Há um grande investimento de Gramsci na formação literária dos filhos. Nesse sentido,
envia livros para Delio, conversa com o filho sobre as histórias lidas, realiza críticas a
determinadas obras e autores, envia histórias nas cartas para serem lidas para os filhos,
conta histórias em suas cartas e coloca questões para os meninos refletirem. As cartas n. 233,
287, 314, 341, 385, 393, 397, 408, 409, 410, 435, 439 e 447 (Gramsci, 2005b), entre outras, são
emblemáticas dessa questão.
305
Adriane Guimarães de Siqueira Lemos
Ainda não lhe havia escrito que nasceu meu outro menino: chama-se Giuliano, e
me escrevem que é forte e se desenvolve bem. No entanto, Delio, nestas últimas
semanas, teve escarlatina, se bem que na forma branda, mas neste momento não
sei de suas condições de saúde: sei que já tinha superado a fase crítica e que estava
se recuperando. Você não deve se preocupar com os netinhos: a mãe deles é muito
forte e com seu trabalho os criará muito bem (Gramsci, 2017, p. 76).
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C artas do cárcere e a educação da infância
Não consigo fazer uma comparação entre a “cultura” escolar dos meninos e a dos
países ocidentais: não posso fazer comparações, nem se pensar em minhas lem-
branças. Entretanto: recebi carta de meu sobrinho, que é mais jovem do que Delio
e, neste ano, vai para o ginásio. Parece-me que não tem a riqueza de sentimentos
e a amplitude de interesses e pontos de vista de Delio, mas é mais organizado in-
telectualmente e sabe o que quer (deve-se levar em conta que, até agora, viveu
a vida mesquinha e estreita de um vilarejo da Sardenha, não comparável a uma
cidade mundial para a qual convergem enormes correntes de cultura, interesses
e sentimentos, que alcançam até os vendedores de cigarro nas ruas!) (Gramsci,
2005b, p. 416).
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Adriane Guimarães de Siqueira Lemos
139 Não há aqui qualquer referência à superação das contradições sociais pela via da
cultura. Para Gramsci, a relação estrutura-superestrutura deve ser compreendida em sua
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C artas do cárcere e a educação da infância
Com seu quinto ano primário, Mea, numa escola de Milão, poderia no máximo ficar
no terceiro primário: em geral, um menino de cidade, só pelo fato de viver na cidade,
está pelo menos um ano mais adiantado do que um menino de aldeia (e não falemos
de uma aldeia sarda); no caso de Mea, o fato se agrava por causa de seu desleixo e
aquilo que hoje, em Ghilarza, faz com que a julguem inteligente seria motivo de riso
pelas costas em Milão, iria torná-la ridícula na escola. Ela dependeria, em grande
parte, de sua própria iniciativa e boa vontade (Gramsci, 2005b, p. 32-33).
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Adriane Guimarães de Siqueira Lemos
De quais partes deste ambiente Mea vai receber os estímulos para formar seus hábitos,
seus modos de pensar, seus juízos morais? Se vocês renunciarem a intervir e a guiá-la,
[...] acontecerá, sem dúvida nenhuma, que a formação espiritual de vai ser o resultado
mecânico da influência casual de todos os estímulos deste ambiente (Ibid., p. 439).
140 Em uma nota na carta n. 211, destinada a Tatiana, há a seguinte observação: “Delio e
Giuliano não foram informados da prisão do pai nos termos aqui defendidos”. Na intro-
dução às cartas de Tatiana aos familiares, Giuliano afirma: “Só soube que meu pai estava
na prisão pouco antes da sua morte. A verdade me foi revelada por um vizinho” (Gramsci,
2005a, p. 464).
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C artas do cárcere e a educação da infância
Não consigo imaginar por que esconderam de Delio que estou na prisão, sem re-
fletir que ele poderia descobrir indiretamente, isto é, da forma mais amarga para
um menino, que começa a duvidar da credibilidade de seus educadores e começa
a pensar por conta própria e a ter vida autônoma. [...] que não é correto nem útil,
em última análise, esconder dos meninos que estou no cárcere: é possível que a
primeira notícia provoque neles reações desagradáveis, mas o modo de informá-
los deve ser escolhido com critério. Eu penso que é conveniente tratar as crianças
como seres já razoáveis e com os quais se fala seriamente até das coisas mais sérias;
isto lhes causa uma impressão muito profunda, reforça o caráter, mas especial-
mente evita que a formação da criança seja deixada ao acaso das impressões do
ambiente e à mecanicidade dos encontros fortuitos (Ibid., p. 463).
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Adriane Guimarães de Siqueira Lemos
Como Edmea também deve seguir seu próprio caminho, é preciso pensar em for-
talecê-la moralmente, impedir que ela vá crescendo cercada só pelos elementos da
vida fossilizada do vilarejo. Penso que vocês devem lhe explicar, com muito tato,
naturalmente, por que Nannaro não se ocupa muito dela e parece deixá-la de lado.
Devem lhe explicar que seu pai hoje não pode voltar do exterior e isto se deve ao
fato de que Nannaro, tal como eu e muitos outros, pensamos que as muitas Edmeas
que vivem neste mundo deveriam ter uma infância melhor do que a que tivemos e
ela mesma tem. E devem lhe dizer, sem nenhum subterfúgio, que estou na prisão,
assim como o pai dela está no exterior. Certamente, devem levar em conta sua idade
e seu temperamento, bem como evitar que a pobrezinha se aflija excessivamente,
mas devem também dizer a verdade e, assim, acumular nela lembranças de força, de
coragem, de resistência às dores e às adversidades da vida (Ibid., p. 121-22).
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C artas do cárcere e a educação da infância
Acreditam que, um dia, Edmea não possa vir a saber muitas coisas e sentir que
hoje tenha falseado seus sentimentos? Escrevo estas coisas porque eu mesmo sofri,
quando criança, por ter feito maus julgamentos e alguns destes sofrimentos deixa-
ram cicatrizes em minha consciência (Ibid., p. 293).
Algumas considerações
O recorte aqui escolhido expressa a potencialidade da obra de
Antonio Gramsci. A partir da investigação do epistolário do cárcere,
com uma amostra de 165 cartas, tornou-se possível uma aproxima-
ção à concepção gramsciana de educação da infância, que revela uma
fértil discussão sobre o desenvolvimento humano e os processos de
ensino-aprendizagem da criança.
No diálogo de Gramsci com Giulia e com a família na Sarde-
nha, evidencia-se a tese de que “a natureza humana é o conjunto das
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Adriane Guimarães de Siqueira Lemos
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C artas do cárcere e a educação da infância
Referências
charlot, B. A mistificação pedagógica: Realidades sociais e processos ideológicos
na teoria da educação. Ed. rev. e amp. São Paulo: Cortez, 2013.
liguori, G.; voza, P. (Orgs.). Dicionário gramsciano: 1926-1937. 1. ed. São Paulo:
Boitempo, 2017.
315
S obre os autores
Lattes: http://lattes.cnpq.br/1823263991104670.
E-mail: adrianegsiqueira@hotmail.com
Lattes: http://lattes.cnpq.br/5189182534267867
E-mail: cbc2111@gmail.com
Gaudêncio Frigotto
Graduado e bacharel em Filosofia; graduado em Pedagogia; mestre em Adminis-
tração de Sistemas Educacionais e doutor em Educação: História, Política, Socie-
dade. Professor associado na Universidade do Estado do Rio de Janeiro e professor
titular (aposentado) da Universidade Federal Fluminense.
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E-mail: gfrigotto@globo.com
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S obre os autores
Gianni Fresu
Professor de filosofia política na Universidade Federal de Uberlândia. Doutor em
pesquisa filosófica pela Università degli Studi “Carlo Bo” de Urbino e presidente da
International Gramsci Society Brasil.
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E-mail: giannifresu@ufu.br
Giovanni Semeraro
Graduado em Filosofia. Mestre em Teologia e Filosofia da Educação. Doutor em
Educação. Professor titular na Universidade Federal Fluminense. Coordenador do
Núcleo de Estudos e Pesquisas em Filosofia Política e Educação (NUFIPE).
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E-mail: jcesarm@outlook.com
Maria Ciavatta
Licenciada em Filosofia e em Letras Clássicas, mestre em Educação e doutorado
em Educação. Professora titular de Trabalho e Educação na Universidade Federal
Fluminense. Atualmente é associada ao Programa de Pós-Graduação em Educação
- Mestrado e Doutorado – da Universidade Federal Fluminense.
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E-mail: maria.ciavatta@gmail.com
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Maria Emilia de Castro Rodrigues
Licenciada em Pedagogia. Mestre e doutora em Educação. Professora aposentada
da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Goiás. Participante do
Projeto de Pesquisa Centro Memória Viva — Documentação e Referência em EJA,
Educação Popular e Movimentos Sociais (FE/UFG). Membro do Fórum Goiano
de EJA.
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E-mail: me.castrorodrigues@gmail.com
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E-mail: mmm2404@gmail.com
Marise Ramos
Licenciada em Química, mestre e doutora em Educação. Especialista em Ciên-
cia, Tecnologia, Produção e Inovação em Saúde Pública da Escola Politécnica de
Saúde Joaquim Venâncio da Fundação Oswaldo Cruz (EPSJV/Fiocruz). Professora
associada da Faculdade de Educação da UERJ. Docente credenciada no quadro
permanente dos Programas de Pós-Graduação em Políticas Públicas e Formação
Humana (PPFH/UERJ) e de Educação Profissional em Saúde (EPSJV/Fiocruz).
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318
S obre os autores
Peter Mayo
Professor de Artes, comunidades abertas e educação de adultos da Faculdade de
Educação da Universidade de Malta.
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SOBRE O LIVRO
Formato: 16x24 cm
Tipologia: Off-Set 75g
Papel de capa: Triplex 250g
Número de páginas: 319
Tiragem: 150
Suporte do livro: Impresso / E-book
Impressão: Bartira
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2020
Impresso no Brasil | Printed in Brazil
PARTE II