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Governo do Estado do Rio de Janeiro

Secretaria de Estado de Ciência e Tecnologia e Inovação


Fundação de Apoio à Escola Técnica – FAETEC
Escola Técnica Estadual República
Filosofia II
Prof. Emmanuel Fraga

Texto 2A02: EPISTEMOLOGIA MEDIEVAL


Seleção de textos: Emmanuel Fraga

I. STO. AGOSTINHO DE HIPONA (354-430)

a) Da relação sujeito-objeto e a verdade


Dessa forma... o corpóreo só pode manifestar-se aos sentidos, e os sentidos são próprios da alma, não
havendo, por outra parte, corpos que não sejam verdadeiros, logo não pode haver corpo senão existir alma.
(...) Mas ao afirmar que uma coisa não é verdadeira por si mesma, não entenderíamos, também, que nada
existe por si mesmo? Ao assumirmos que algo seja uma madeira, o que a tornaria uma verdade face a nossa
percepção dela; nao poderia acontecer dela ser por si mesma, sem relação a um sujeito conhecedor, e
assim ela seria uma madeira e não seria uma verdade. (Solilóquios)
b) A teoria da Iluminação Divina
"Também os ignorantes, quando são bem interrogados, respondem corretamente acerca de algumas
disciplinas, porque está neles presente, na medida em que podem recebê-lo, o lume da razão eterna, no
qual eles vêem as verdades imutáveis". (Retratações)
Que a mesma sabedoria divina, por quem foram criadas todas as coisas, conhecia aquelas primeiras,
divinas, imutáveis e eternas razões de todas as coisas antes de serem criadas, a Sagrada Escritura dá este
testemunho: “No princípio era o Verbo e o Verbo estava junto de Deus e o Verbo era Deus. Todas as coisas
foram feitas pelo Verbo e sem Ele nada foi feito.” Quem seria tão néscio a ponto de afirmar que Deus criou
as coisas sem conhecê-las? E se as conheceu, onde as conheceu senão em si mesmo, junto a quem estava
o Verbo pelo qual tudo foi feito? (Sobre o Gênese)
E onde será que eles as vêem (estas regras)? Não, certamente, em sua própria natureza; pois não há a
menor dúvida de que são vistas pela mente; é evidente, porém, que as mentes são mutáveis, como o sabem
todos quantos são capazes de ler no eterno. Tampouco (vêem-nas) no estado habitual de sua alma, pois
são regras de justiça, e suas almas são manifestamente injustas. Onde, então, se encontram escritas estas
regras? Onde até mesmo o homem injusto conhece o que é justo? Onde vê a necessidade de possuir o que
não possui? Onde hão de estar escritas, senão no livro daquela luz que se chama Verdade? É dali que toda
lei justa é transcrita e depositada no coração do homem que pratica a justiça, não à maneira de uma
transmigração, mas por uma espécie de impressão, assim como a figura do anel se imprime na cera sem
abandonar o anel. Aquele que não obra, embora saiba como deve obrar, aparta-se daquela luz, ainda que
não deixe de ser atingido por ela" (Da Trindade)
c) Do homem interior
No homem interior habita a verdade. <In interiore homine habitat verita.> (Da Trindade)
Quando, pois, se trata das coisas que percebemos pela mente, isto é, através do intelecto e da razão,
estamos falando ainda em coisas que vemos como presentes naquela luz interior da verdade, pela qual é
iluminado e de que frui o homem interior; mas também neste caso quem nos ouve conhece o que eu digo
por sua própria contemplação e não através das minhas palavras, desde que ele também veja por si a
mesma coisa com olhos interiores e simples. Por conseguinte, nem sequer a este, que vê coisas verdadeiras,
ensino algo dizendo-lhe a verdade, porque aprende não pelas minhas palavras, mas pelas próprias coisas,
que a ele interiormente revela Deus; por isso, interrogado sobre elas, sem mais, poderia responder. (De
Magistro).
d) Antecipação do cogito cartesiano
Se eu me engano, eu sou, pois aquele que não é não pode ser enganado. Se, pois, existo porque me engano,
como me enganarei a respeito de minha existência quando tenho a certeza de existir pelo fato de que me
engano? (Cidade de Deus)
II. S. TOMÁS DE AQUINO (1221-1274)

a) Razão Natural x Razão Divina


Consideremos primeiramente o que se entende por "sabedoria". Um homem pode ser sábio em
determinada ocupação, como, por exemplo, a construção de casas; isto implica que conhece os meios que
conduzem a determinado fim. Mas todos os fins determinados estão subordinados à finalidade do universo,
e a sabedoria per se se ocupa da finalidade do universo. Ora, a finalidade do universo é o bem do intelecto,
isto é, a verdade. A busca da sabedoria, nesse sentido, é a mais perfeita, sublime, proveitosa e deliciosa das
buscas. Tudo isto se prova apelando para a autoridade do Filósofo, isto é, Aristóteles.
Meu propósito é declarar a verdade que a Igreja Católica professa. Mas, aqui, devo recorrer à razão natural,
já que os gentios não aceitam a autoridade da Escritura. A razão natural, porém, é deficiente nas coisas de
Deus; pode provar algumas partes da fé, mas outras não. Pode provar a existência de Deus e a imortalidade
da alma, mas não a Trindade, a Encarnação ou o Juízo Final. Tudo o que é demonstrável está, até esse ponto,
de acordo com a fé cristã, e nada na revelação é contrário à razão. Mas é importante separar as partes da
fé que podem ser provadas pela razão daquelas que não o podem...
É importante recordar que as verdades religiosas que podem ser provadas podem também ser reconhecidas
pela fé. As provas são difíceis, e só as pessoas cultas as podem compreender; mas a fé é também necessária
aos ignorantes, aos jovens e aos que, devido a preocupações de ordem prática, não têm tempo para estudar
filosofia. Para eles, a revelação é suficiente. (Summa contra Gentiles)

III. GUILHERME DE OCKHAM (1229-1350)

a) Sobre os Universais
(...) o conceito e todo o universal é uma qualidade existente subjetivamente na alma, que por sua natureza
é como um sinal de uma coisa fora da alma, assim como a palavra é um sinal das coisas pela instituição
voluntária..(L. Sent.)
É evidente que nenhum universal é uma substância extramental. (...)
Os conceitos são universais apenas por serem sinais atribuíveis a muitas coisas. Se considerados em si
mesmo são singulares na medida em que são uma só coisa, e não muitas, pois todo universal é, na verdade,
uma coisa singular. (Summa Totius Logicae)
É que, vendo alguma coisa fora da alma, o intelecto fabrica mentalmente uma coisa semelhante, de modo
que, se tivesse o poder de produzí-la, assim como tem a força para imaginá-la, faria esta coisa
exteriormente, distinta numericamente da anterior. Assim como um arquiteto, vendo exteriormente uma
casa ou edifício, cria em sua mente uma casa semelhante e depois a produz fora, idêntica, só
numericamente distinta da primeira, assim também no nosso caso aquela representação da mente pela
visão de alguma coisa exterior age como um modelo que representa muitas coisas semelhantes.
É isto o que pode se denominar universal, é um modelo que se refere indiferentemente a todas as coisas
singulares que existem fora; por causa dessa semelhança pode representar na inteligência coisas que têm
um ser parecido fora da alma". (In I Sententiarum Q.8 E)
Assim como por convenção a palavra Sócrates representa a coisa que significa, de modo que, ao ouvir a
frase “Sócrates corre” não se concebe que seja a palavra Sócrates que corre, mas sim que o indivíduo
significado pela palavra é que corre, assim como a palavra convencionalrepresenta a própria coisa, assim
também (a inteligência tem os seus sinais que) por sua própria natureza, sem convenção alguma, significa
a coisa a que se refere. Alguns destes (sinais) não pertencem mais a um indivíduo do que a outro, assim
como a palavra “homem“ não significa mais Sócrates do que Platão. (Expositio super Librum
Perihermeneias)
b) A Navalha
<Pluralitas non est ponenda sine neccesitate> Não se deve recorrer à pluralidade sem necessidade.
(Quodlibeta)

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