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O Violão de Baden Powell - Nelson Fernando Caiado
O Violão de Baden Powell - Nelson Fernando Caiado
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Dedicatória
Etelvina Caiado e
Alexandre Caiado,
Agradecimentos
Ao Prof. Dr. Samuel Araújo, pelo incentivo e orientação segura nesse “labirinto” que
por vezes se transforma o fazer uma pesquisa.
Ao amigo Bartholomeu Wiese, pela revisão dos textos e pelas sugestões apresentadas.
Aos músicos:
Afonso Machado,
Álvaro Carrilho,
Arlindo Ferreira (Arlindo Caximbo),
César Faria,
Daudeth de Azevedo (Neco),
Edivar de Almeida Pires,
Ednaldo Lima (Índio do Cavaquinho),
Elton Medeiros,
Horondino Silva (Dino 7 Cordas),
Jorge José da Silva (Jorginho do Pandeiro),
José Meneses França (Zé Meneses),
Luciana Rabello,
Luiz Otávio Braga,
Maurício Carrilho,
Nicanor Teixeira,
Temístocles de Araújo (Araújo) e
Wilson das Neves,
vi
Resumo
Este trabalho levanta e discute possíveis razões que levaram ao aparente fato de
existirem poucas composições no gênero samba que tenham sido concebidas
essencialmente como música instrumental. Buscamos também, exemplos de
compositores e/ou intérpretes que tenham nos seus trabalhos obras no gênero
samba com essa característica específica. Nos detivemos especialmente no
trabalho do compositor/violonista Baden Powell, que acreditamos ser uma das
principais exceções a realidade descrita acima.
Abstract
This study raises and discusses reasons that lead to the possibility that there
seen to be few compositions, in the samba genre, that were conceived essentially
as instrumental works. Our research focuses on composers or players who have
written instrumental samba pieces. We concentrate principally on the musical
production of composer/guitarist Baden Powell, who we believe to be one of the
main exceptions to our hypothesis.
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ABREVIAÇÕES EMPREGADAS:
LP – Long Play
CD – Compact Disk
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Sumário
INTRODUÇÃO ......................................................................................................... 9
CONCLUSÃO .......................................................................................................... 93
INTRODUÇÃO
1
Essa composição também consta no 1° disco: Apresentando Baden Powell e seu Violão (DREYFUS,
1999). Procuramos por esse LP em acervos públicos e particulares, mas não conseguimos localizá-lo.
Vale observar que Baden já havia composto “Samba Triste” antes de conhecer Billy Blanco (DREYFUS,
1999).
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2
São indicados também dois fox-trotes (CABRAL, 1997:215).
3
Conforme indicação na partitura. Encontramos também um sambolero para piano .
4
Indicações de catálogo respectivas: M787-61 I-I-3, M787.619 B-I-3, M787.619 S-I-10.
5
Computamos apenas as peças nas quais havia a indicação de gênero.
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Vide anexo 1.
13
SAMBA
A obra “Pelo telefone”, registrada em 1916 por Donga (Ernesto dos Santos) e
gravada em 1917 por Baiano (Manuel dos Santos), foi cercada de polêmicas. Além das
discussões em relação a sua autoria, também foi considerada durante algum tempo
como a primeira composição registrada em fonograma classificada como samba.
Pesquisadores já encontraram obras anteriores que igualmente receberam essa
classificação (MOURA, 1995). Quanto à autoria, a música não teria sido criação
exclusiva de Donga, mas sim uma composição coletiva. Ele a teria registrado em seu
nome, e preparado toda uma estratégia para lançá-la no carnaval de 1917 (SANDRONI,
1997). Tinhorão vê nisso o desejo do “aproveitamento comercial (...) pelo teatro de
revista, por editores de música e pelos fabricantes de discos” (TINHORÃO,1998:277).
Outro ponto de controvérsias é o fato de tratar-se ou não de um samba. Talvez o
exemplo mais notório desta questão tenha se dado em fins da década de 1960, quando
Ismael Silva, um dos fundadores da “Deixa Falar”, criada em 1928 e considerada como
a 1° Escola de Samba carioca, afirmou diante do próprio Donga, que “Pelo Telefone”
tratava-se de um maxixe (CABRAL,1974). Realmente, ao ouvirmos a gravação de
Baiano somos levados a concordar com Silva, pois o ritmo não corresponde ao que hoje
em dia entendemos por samba. Contudo, é importante levarmos em consideração que a
acepção da palavra foi se modificando ao longo dos anos. Em fins de 1960 significava
basicamente o mesmo que hoje, um gênero musical popular com características rítmicas
próprias. Mas em 1917 o termo se referia a bailes ou festas populares (também
chamados „função') ou podia ser usado como sinônimo de batuque, lundu, tango ou
maxixe.7 Na verdade, esses termos, além de outros, podiam designar uma mesma
prática musical. Daremos a seguir, exemplos que comprovam isso.
7
O termo batuque se refere a uma manifestação musical afro-brasileira com pessoas em círculo e dançarinos ao
centro. Em geral, a música é cantada e no acompanhamento predominam os instrumentos de percussão. Araújo
(1992) cita uma manifestação desse tipo ocorrida no Rio de Janeiro no início do século XIX. Além dos instrumentos
de percussão, havia também marimbas (lamenofones), o que caiu em desuso no Brasil. Tango e maxixe tornaram-se
sinônimos. A dança do maxixe teria sido mencionada pela primeira vez em 1880 (EFEGÊ, 1974). Por volta de 1886 a
palavra maxixe servia para designar “qualquer coisa ruim, de má qualidade” (idem:36). Tinhorão confirma isso,
dizendo que o termo era usado para tudo que fosse considerado de “última categoria” (TINHORÃO, 1978:66).
Segundo a EMB (1998:494, verbete: maxixe) ele surgiu por volta de 1875 nos cabarés da Lapa e nos forrós da Cidade
Nova. Se dançaria ao som de tangos, habaneras, polcas ou, lundús. Andrade indica uma data precisa quando teria
sido dançado pela 1º vez em um palco: 04 de fevereiro de 1876, e acrescenta que em 1907 já era aceito nos salões da
alta-sociedade, quando foi dançado em um baile oferecido a um ex-presidente argentino. Andrade fala também em
“coincidência tradicional” o fato de vários maxixes novos serem lançados no carnaval, que “irão servir pro gasto do
ano”, e que isto “parece provar que o maxixe é eminentemente carnavalesco e proveio do carnaval.” Diz ainda que
inicialmente era música instrumental. O canto teria vindo da habanera (DMB,1989:317-8-9-0, verbete: maxixe).
Kiefer tem opinião contrária. Ele acredita que “a habanera não exerceu influência perceptível sobre o
maxixe” (KIEFER,1983:53).
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8
Extraído do artigo “O Maxixe” publicado na revista Século XX em maio de 1906. Neves (1977) diz que
„assustados‟, „arrasta-pé‟ ou „choros‟ eram nomes dados a certos bailes populares. O mesmo diz Renato
Almeida (1942).
9
Presente em várias danças brasileiras consiste na aproximação dos parceiros que se tocam na altura do
umbigo (DMB,1989:544, verbete: umbigada). Vale ressaltar que essas danças, quando em pares, estes
dançavam separados. Por isso a necessidade de se aproximarem para o movimento da umbigada.
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O PARADIGMA DO ESTÁCIO
10
Além de uma estrutura rítmica própria, que será vista mais adiante, outras duas características desses
“sambistas do Estácio” são o uso freqüente da malandragem como tema de suas letras e a utilização dos
instrumentos da batucada: surdo, cuíca e tamborim (SANDRONI, 1997:321).
um dois um ou ui ou ui ou ui ou ui ou ui ou ui ou ui ou ui ou ui o e o e a e a e a e a e a e a e a e a e a e a e
aeae
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11
Várias publicações indicam o ano de 1928 como o da criação da 1° Escola de Samba, a Deixa Falar,
fundada por Ismael Silva e outros companheiros do bairro do Estácio. No verbete “Escola de Samba” do
DMB e do Grove (edição concisa-1998) o ano indicado é 1922. Alvarenga, ao falar do samba urbano
carioca, diz: “Cultivam-no especialmente as Escolas de Samba, em que „por volta de 1922‟ começaram a
se organizar os ranchos carnavalescos” (ALVARENGA,1950:293). Candeia e Isnard dizem que a
formação das primeiras escolas se deu entre 1923 e 1930 e citam a Deixa Falar (Estácio), Fique-Firme
(Favela), Mangueira, Vai Como Pode (Portela), Vizinha Faladeira entre outras que teriam começado
como blocos-carnavalescos. Acrescentam que os ranchos inspiraram a organização e a criação das
escolas, de onde teriam herdado o mestre-sala, a porta bandeira e os passistas (CANDEIA e ISNARD,
1978).
12
Do sec. XVIII são os manuscritos Ms. 1596, encontrados por Béhague na Biblioteca da Ajuda em
Lisboa, e que têm o título Modinhas do Brasil. Segundo Béhague, o autor dos mesmos é Caldas Barbosa
(SANDRONI,1997).
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REPRESSÃO E ADMIRAÇÃO
Os exemplos de repressão, defesa e admiração às práticas musicais afro-
brasileiras por parte das elites são inúmeros, e vêm de longa data. Samuel Araújo fala de
“negociação simbólica” entre as classes dominantes e os negros “através do
voyeurismo, bricolage, mimetismo e apropriação” (ARAÚJO,1992:53-4). Segundo
Alvarenga, o documento mais antigo sobre “danças de negros no Brasil” data de 1780.
Essas danças, identificadas por ela como lundus, foram denunciadas ao Tribunal da
Inquisição. Nesse documento, são comparadas aos fandangos em Castela e fôfas em
13
Com a abolição, tem início um grande movimento migratório de negros habitantes de zonas rurais para
as cidades, sendo o Rio de Janeiro o principal centro de convergência (TINHORÃO, 1998).
22
14
A fôfa era considerada sensual, “negróide” e semelhante ao lundu. Muitos estrangeiros acharam que fosse a dança
característica de Portugal no século XVIII (ALVARENGA, 1950:149).
15
Tinhorão (1978) descreve o entrudo como uma festa de escravos que saíam pelas ruas, sujando-se uns aos outros
com farinha de trigo e polvilho. As famílias brancas ficavam nas casas atirando água suja nos passantes. Isto teria
sido assim do início do século XVIII até meados do século seguinte.
23
(MOURA, 1995).16 Já os blocos e cordões eram vistos com desconfiança (ARAÚJO, 1987).17
As festas em casas de negros onde houvesse um samba podiam sofrer intervenções policiais.
Para que isso não ocorresse, uma licença deveria ser solicitada na chefatura de polícia
(MOURA, 1995). Tinhorão (1998) diz que nem com essa medida garantiam seu direito. Donga
relata que nas festas da Penha, durante o mês de outubro, os pandeiros eram apreendidos pela
polícia como medida de precaução. Por outro lado, quando estavam de serviço os piquetes do
1° ou 9° Regimentos da Cavalaria não havia problema, pois estes faziam “vista grossa” (apud
MOURA, 1995:111). João da Baiana, em depoimento ao Museu da Imagem e do Som em 1966,
contou que teve o seu pandeiro apreendido durante a Festa da Penha em 1908. Por isso não teria
comparecido a uma festa na casa do senador Pinheiro Machado. Sabendo disso, o senador deu-
lhe um outro pandeiro de presente, e com dedicatória (DONGA, PIXINGUINHA e JOÃO DA
BAIANA, 1970). A Festa da Penha recebia críticas de certos setores da imprensa. Olavo Bilac
publicou em 1906 uma crônica classificando-a como “ignóbil” onde aconteceriam “as cenas
tristes das velhas saturnais romanas, transbordamentos tumultuosos e alucinados dos instintos
da gentalha” (MOURA, 1995:111). Para Bilac, a festa daquele ano “foi tão brutal e
desordenada” (...) que não parecia um folguedo da Idade Moderna no seio de uma cidade
civilizada”(idem).18 Em 1914, Nair de Teffé, esposa do então presidente Hermes da Fonseca,
executou o “Corta-Jaca” de Chiquinha Gonzaga ao violão, isto em cerimônia oficial no Palácio
do Catete. Rui Barbosa fez um pronunciamento no Senado criticando duramente o ocorrido e
classificando a música como:
16
Vale observar que o rancho carnavalesco carioca “Rei de Ouro”, formado em 1893, se apresentou em
1894, no Itamarati, onde estava presente o presidente Floriano Peixoto (VIANNA,1999).
17
Os cordões, bastante numerosos, eram formados por negros, mestiços e brancos pobres. Os ranchos
eram formados pela “elite dessa mesma gente” (TINHORÃO, 1998:274 e 277). Essa “elite” seria
constituída por funcionários públicos (que ocupavam postos mais baixos), militares de baixa patente, e
profissionais liberais como, por exemplo: marceneiros, lustradores, alfaiates e músicos .
18
Em 1920, o chefe da polícia proibiu que blocos, cordões e rodas de batucadas estivessem presentes à
festa. Nos anos subsequentes, a proibição não ocorreu, mas a repressão policial continuou (MOURA,
1999).
19
Com relação a este episódio, vale lembrar que Rui Barbosa fazia oposição a Hermes da Fonseca;
inclusive ambos concorreram à presidência nas eleições de 1910. Talvez Rui Barbosa não pensasse
exatamente assim, mas tenha aproveitado o fato para criticar o adversário político.
24
(CABRAL, 1997). O maestro Júlio Reis criticou o fato e declarou em jornal que a
música nacional era inadequada “aos educados ouvidos da aristocrática freqüência dos
cinemas” (SILVA e OLIVEIRA FILHO, 1979:39) O jornalista Xavier Pinheiro retrucou
que aquela música dos “rapazes morenos” é que realmente agradava à nossa sociedade”
(idem). Benjamim Costallat, outro jornalista, lembrando em 1922 o ocorrido, disse que
“foi um verdadeiro escândalo (...). Segundo os descontentes era uma desmoralização
para o Brasil ter na principal artéria de sua capital uma orquestra de negros”
(ibidem:45). Em contrapartida, escritores como Afonso Arinos defendiam e elogiavam o
grupo. Na verdade, ele fazia parte de um movimento nacionalista que defendia a cultura
popular do país. Essas pessoas não só escreviam artigos em jornais; também promoviam
eventos com músicos populares, manifestações folclóricas etc (CABRAL, 1997).
Alguns tiveram laços mais estreitos com esses músicos. Afonso Arinos, por exemplo,
freqüentou a casa onde moravam Pixinguinha, Donga e Heitor dos Prazeres no início da
década de 1910 (VIANNA,1999). A despeito das críticas negativas, os “Oito Batutas”
se apresentaram oficialmente aos reis da Bélgica, eram admirados por pessoas como Rui
Barbosa, Ernesto Nazareth, e Arnaldo Guinle, foram convidados a se apresentar no
pavilhão da General Motors e na embaixada norte-americana durante as comemorações
do centenário da independência e excursionaram pelo Brasil e pela França financiados
por Guinle (VIANNA, 1999).20
Os exemplos são inúmeros, e sempre temos os dois pólos: repressão/proteção,
críticas/admiração. Outros fatores que certamente fomentaram perseguições, foram as
associações que a sociedade fazia entre samba e “religiões negras” (que sempre foram
mal vistas pela igreja católica) e “samba <=> música de malandros e vagabundos”. De
todo modo, o samba torna-se a partir dos anos trinta o maior símbolo de identidade
musical do povo brasileiro. Vianna considera que isto foi fruto de um processo secular
de contatos “entre vários grupos sociais na tentativa de inventar a identidade e a cultura
popular brasileiras” (VIANNA,1999:34).
A TESE DO BRANQUEAMENTO
20
Guinle era membro de uma das famílias mais ricas da época. Foi mecenas musical, apoiando também
Villa-Lobos (SANDRONI, 1997).
25
sobretudo a França. Esta, em fins do século XIX e início do XX, era a nossa principal
referência de país adiantado. Parte da elite intelectual brasileira da época considerava o
negro e a sua cultura atrasados ou inferiores aos brancos.21 Uma solução para isto seria
o “embranquecimento” da nação, o que só poderia ocorrer com a miscigenação entre
brasileiros e imigrantes europeus. Um dos principais defensores dessa tese foi Sílvio
Romero (1851-1914). Suas teorias combinavam idéias racistas e evolucionistas. Ele
acreditava que a miscigenação faria com que houvesse uma predominância natural das
características dos brancos, que ele acreditava serem superiores, sobre as dos negros:
“na mestiçagem a seleção natural, ao cabo de algumas gerações, faz prevalecer o tipo de
raça mais numerosa, e entre nós das raças puras a mais numerosa, pela imigração
européia, tem sido, e tende ainda mais a sê-lo a branca” (ROMERO, 1960:101). Sílvio
Romero previa um total “branqueamento da população do país em três ou quatro
séculos”(VENTURA, 1991:51). Opiniões afins foram expressas por Nina Rodrigues,
Oliveira Viana e Arthur Ramos. O primeiro dizia que “a raça negra no Brasil (...) há de
constituir sempre um dos fatores de nossa inferioridade como povo” (RODRIGUES,
1982:7). O segundo acreditava que alguns mestiços (os negros jamais) poderiam, no
máximo, imitar a cultura ariana: “(...) há porém mulatos superiores, arianos pelo caráter
e pela inteligência ou, pelo menos suscetíveis de arianização, capazes de colaborar com
os brancos na organização e civilização do país” (VIANA, 1973:108). O terceiro não
considerava a raça negra inferior, mas a cultura negra seria atrasada (apud LEITE,
1983). Joaquim Nabuco, Afrânio Peixoto e João Batista de Lacerda foram outros
intelectuais que compartilharam dessas idéias (VIANNA, 1999). Sílvio Romero
criticava os imigrantes europeus que formavam colônias (principalmente no sul do país)
e que não se misturavam com os brasileiros, porque o “branqueamento” tão desejado
não aconteceria. Para ele, o Brasil precisava de brancos, mas brancos que se
misturassem (idem). Sem dúvida, são opiniões bastante racistas, mas denotam uma
preocupação com a criação de uma cultura nacional.
21
Talvez fosse o pensamento dominante, mas havia exceções. Vianna (1999) considera o sucesso de
Catulo da Paixão Cearense junto às elites como um exemplo. Sobre esse sucesso, Tinhorão afirmou que o
folclórico virou moda desde a primeira década do século XX” (TINHORÃO,1978:33). Ao que parece, as
práticas afro-brasileiras mais ligadas aos batuques religiosos não entraram nessa moda.
26
OS MODERNISTAS
Um outro grupo que tinha a mesma preocupação e que ganhou força a partir de
meados da década de 1910, foi o dos modernistas. Mário de Andrade talvez seja o nome
mais expressivo, mas podemos destacar também Renato Almeida, Oswald de Andrade,
Manuel Bandeira, Luciano Gallet, Villa-Lobos, Camargo Guarnieri, Lorenzo
Fernandez, Jaime Ovalle dentre outros. No que diz respeito à música, o movimento
modernista não rejeitava as manifestações populares afro-brasileiras, pelo contrário.
Andrade achava que “A música popular brasileira é a mais completa, mais totalmente
nacional, mais forte criação da nossa raça até agora” (ANDRADE, 1972:24).22 Por
outro lado, suas preocupações são principalmente com o desenvolvimento de uma
“música artística” brasileira (leia-se erudita) que utilizaria elementos da música popular.
Isto fica bem claro em afirmações como:
Esse ponto de vista é defendido com tal ardor, que ele chega a fazer afirmações
bastante radicais:
22
O termo “música popular” é usado por ele principalmente como sinônimo do que chamamos “música
folclórica".
27
música popular, ele cita o choro e a modinha como manifestações de “música popular
brasileira(...) especificamente urbanas” (idem:167). Acrescenta que cabe ao estudioso
“discernir no folclore urbano (...) o que é tradicionalmente nacional, (...) essencialmente
popular, (...) do que é popularesco, feito à feição do popular, ou influenciado pelas
modas internacionais” (ibidem).23 O termo “popularesco” parece ter aqui uma conotação
depreciativa, mas em outro trabalho ele refere-se à modinha, ao maxixe e ao samba
urbano como “as manifestações popularescas que tiveram maior e mais geral
desenvolvimento” (idem ibidem: 182). Como figuras mais representativas, são citados
Xisto Baia, Ernesto Nazareth, Marcelo Tupinambá, Catulo da Paixão Cearense,
Chiquinha Gonzaga, Donga, Sinhô e Noel Rosa. Para ele, as danças e cantigas de
Chiquinha Gonzaga, “mereciam maior atenção e respeito”(idem ibidem). Sobre Catulo,
diz que: “inventou algumas das mais admiráveis criações da poesia cantada
popularesca” (idem ibidem).24
Apesar dos modernistas valorizarem a arte popular, uma declaração como a
que fez Roquete Pinto - quando doou sua emissora para o governo, em 07/09/36 -
denota que nem tudo era visto sem preconceito: “É certo que não fundamos a Rádio
Sociedade para só irradiar o que o público deseja. Nós a fundamos principalmente
para transmitir aquilo que o povo precisa” (CABRAL, 1990:37).25 Renato Murce afirma
23
Escrito em trabalho denominado A Música e a Canção Populares no Brasil, em janeiro de 1936.
24
Vasco Mariz após mencionar a palestra intitulada “A música popular e a música erudita”, proferida por Mário de
Andrade na Sociedade de Cultura Artística (SP), em 1934, destaca o que o musicólogo chamaria de música
popularesca. Andrade consideraria esta como “uma espécie de submúsica, carne para alimento de rádios e discos,
elemento de namoro e interesse comercial com que fábricas, empresas e cantores se sustentam, atucanando a
sensualidade fácil em um público em via de transe” (apud MARIZ,1983:43). Com poucas exceções, essa música seria
“chata”, “plagiária”, “falsa”, “uma espécie de arte de consumo (...)” (idem). Tudo isto teria sido dito pelo próprio
musicólogo naquela palestra. Verificamos que a mesma foi publicada na edição de 30/10/1934 do jornal O Estado de
São Paulo, e constatamos que nenhuma das afirmações atribuídas a Andrade constava ali. O último artigo para o
jornal Folha da Manhã datado de 08/02/1945 (Andrade faleceria em 25/02/1945), e intitulado “Do Meu Diário” trata
justamente da diferença entre popular e popularesco. O autor classifica como “popular” tudo o que é
“verdadeiramente folclórico” e cita como exemplos o Tutu Marambá, um canto de Xangô, melodia de Bumba-meu-
boi, côco de praia, samba rural e os maracatus do Recife. Já o popularesco “tem por sua própria natureza, a condição
de se sujeitar à moda” (apud COLI, 1998:178-9). O primeiro gênero citado é o samba carioca. A marchinha de
carnaval, o fox-trot e os tangos de Nazareth (na época já executados em concertos) também são classificados como
popularescos (idem). A não ser pelo fato de ser modismo, o conceito de popularesco aparece aqui sem maiores
conotações negativas. Também, a contar pelos exemplos, o número de músicas popularescas consideradas como boa
música não era tão pequeno assim. Continuando nossas pesquisas, constatamos que, aparentemente, as afirmações às
quais Mariz se refere fizeram parte de um artigo publicado em jornal em 15/01/1939, posteriormente incorporado à
edição de 1963 de Música Doce Música (p. 281). Porém o contexto em que tais afirmações são feitas é
completamente diferente daquele a que se refere Mariz. Tratava-se da votação popular de um concurso realizado no
Rio de Janeiro para lançamento de músicas de carnaval daquele ano (1939). Andrade lamentava que “interesses de
prestígio de cantores e até financeiros, se intrometessem na frágil perfeição da verdade” e tinha por opinião que
aquelas composições não seriam “sambas de morro”, nem “coisa nativa”, “muito menos instintiva”(ANDRADE,
1963:279-80). A essas músicas, especificamente, ele fazia aquelas considerações. Vale ressaltar que o termo
“popularesco/a” em nenhum momento aparece no artigo.
25
A Rádio Sociedade do Rio de Janeiro foi fundada em 1923. A doação a que se refere Pinto aconteceu porque a
legislação rezava que, em caso de dissolução, os bens deveriam ser entregues ao governo. Isso ocorreu porque
Roquette Pinto não dispôs de capital suficiente para “aumentar a potência da estação”, conforme exigia o governo
(EMB:659 verbete: rádio).
28
Em 1930, Luciano Gallet faz críticas às rádios sociedades. Críticas essas que, na
opinião de muitos, caberiam perfeitamente à realidade atual: “(...) entram pelas portas
do Brasil inteiro e espalham música ruim, sem o menor critério de seleção”; os
editores de música: “(...) as rádios lançaram ainda os „artistas populares‟:
compositores de assobio, executantes de ouvido, cantores-ignorantes”; e os editores
de discos: “(...) só vê que o Samba-tal garante uma tiragem imediata de 70 mil discos
26
O samba só passou a ser veiculado pelo rádio a partir da década de 1930 (MATOS, 1982:28).
27
Francisco Mignone, era “Chico Bororó” (TRAVASSOS, 2000:10); Radamés Gnattali era “Vero”
(BARBOSA E DEVOS, 1985:33). Guerra-Peixe, segundo o que nos foi informado pelo professor
Antônio Guerreiro, que defendeu tese de mestrado sobre este compositor, ora assinava “Célio Rocha” ora
“Jean Kelson”. Elizabeth Travassos afirma que esses compositores utilizavam pseudônimos para qualquer
obra considerada por eles mesmos como “popularesca, comercial e transitória, cuja qualidade artística e
técnica não os satisfazia” (TRAVASSOS, 2000:12). A autora aponta também para um outro motivo, que
acreditamos ser o principal: o receio que a associação de seus nomes com a música popular, os
desqualificasse “no meio restrito e exigente da música de concerto (...)” (idem). Segundo José Maria
Neves, Radamés Gnattali não teria escapado disso, já que o compositor “encontra-se em posição
incômoda, pois é considerado demasiadamente erudito pelos compositores de música popular (...) e
demasiadamente popular pelo público de música erudita” (NEVES, 1981:73).
29
Como foi dito anteriormente, Tinhorão (1978) afirma que o folclórico virou moda
entre as elites, logo na primeira década do século vinte. Naves diz que “esse gosto
pelo sertanejo teria continuidade na década de vinte, dando o tom para a maioria dos
conjuntos musicais que se constituíram no período” (NAVES, 1998:148). Como
exemplos, a autora cita os grupos “Oito Batutas”, “Flor do Tempo” e “Bando de
Tangarás”. Os “Turunas Pernambucanos” e os “Turunas da Mauricéia” seriam outros
dois grupos que poderiam ser citados.29 Um compositor que se notabilizou nessa
década como “O Rei do Samba” foi Sinhô.30 Em fins dos anos 20, ocorreram dois
fatos fundamentais para a disseminação em massa da música popular urbana: as
melhorias das condições técnicas das gravações em discos (sistema elétrico de
gravação introduzido no Brasil pela Odeon em 1927) e a transmissão pelas ondas de
rádio, juntamente com o barateamento dos respectivos aparelhos de reprodução e
recepção.31 Com os avanços tecnológicos e o estabelecimento de outras
multinacionais da indústria fonográfica tornou-se relativamente fácil realizar uma
gravação na época, pois essas indústrias precisavam e estavam a procura de artistas.32
Sérgio Cabral diz que: “A facilidade para gravar (...) podia ser medida pelo fato de um
funcionário de uma ótica ter poderes (...) para levar um grupo de jovens
desconhecidos [O Bando dos Tangarás] para fazerem um disco”(CABRAL,1990:51).
28
CONTIER, Arnaldo. Modernismo e brasilidade: música, utopia, e tradição. In: Tempo e história. São
Paulo: Cia das Letras, Secretaria Municipal de Cultura, 1992:280.
29
Formados em Recife, o primeiro em 1918, o segundo em 1926 se apresentaram no Rio com muito
sucesso. (EMB,1998:790, verbetes: Turunas da Mauricéia e Turunas Pernambucanos ).
30
Vale lembrar que Alvarenga diz que as composições de Sinhô não se diferenciam dos “maxixes
cantados” (ALVARENGA, 1950).
31
O comércio ficou abarrotado de discos, vitrolas e aparelhos de Rádio” (CABRAL, 1990:50). Um outro
veículo que ajudou a divulgação do samba por todo o país foi o cinema, a partir de 1933, com o musical
“Voz do Carnaval” (MATOS, 1982).
32
A Casa Edison, de 1902, formou sociedade em 1904 com a Odeon, recém fundada na Alemanha.
(EMB,1998:244, verbete: disco fonográfico no Brasil). Cabral (1990) diz que pouco depois de 1927,
outras quatro multinacionais chegaram ao Brasil, a Parlophon, a Columbia, a Brunswick e a Victor.
30
33
Os termos “blocos” e “Escolas” eram usados indistintamente até cerca de 1934 (TINHORÃO, 1978).
Vasconcelos (1964) diz que após a criação da „Deixa falar‟ surgiram as seguintes escolas: „Cada ano sai
melhor‟, „Estação primeira‟, „Vai como pode‟, „Para o ano sai melhor‟. Respectivamente originaram as
Escolas: S. Carlos, Mangueira, Portela e Estácio. Em 1932, ano da 1° competição patrocinada pelo jornal
O Mundo Sportivo, 19 Escolas participaram.
31
34
As razões que levaram a isso foram principalmente a crise mundial de 1929, o movimento tenentista,
iniciado em 1922 e a “quebra” na “política do café com leite” (em que Minas e São Paulo se alternavam
no poder). Nas eleições presidenciais de 1929/1930, “a vez” era de Minas, mas Washington Luís indicou
Júlio Prestes, presidente do Estado de São Paulo. As oligarquias dissidentes (MG, RS e PB) apoiaram o
candidato do Rio Grande do Sul, Getúlio Vargas. Ganhou Prestes, em eleições fraudulentas. O assassinato
de João Pessoa (vice na chapa de Getúlio) foi o estopim para a revolução.
35
O enredo da “Deixa Falar” em 1932 foi a revolução brasileira de 1930 (VIANNA, 1995).
32
SILVA, 1979).36 O ministro Oswaldo Aranha (também em 1932) disse que “(...) sou
dos que sempre acreditaram na verdadeira música nacional. (...) somos um povo novo.
(...) a praxe é que os povos novos vençam os antigos. O Brasil, com a sua música
nova e própria, há de vencer”(CABRAL, s/d). O governo, em 1934, baixa um decreto
determinando o valor que um compositor deveria receber das rádios quando transmitissem
uma música sua. O valor é aumentado de 90.000 para 500.000 réis (MATOS, 1982). O desfile
das Escolas de Samba passa a fazer parte do programa oficial do carnaval carioca em 1935
(VIANNA, 1999). Villa-Lobos, que a partir de 1932 ocupou o cargo de diretor da
Superintendência de Educação Musical e Artística, ia a ensaios de blocos e Escolas de Samba
(idem). Um samba da Mangueira foi transmitido pela Rádio Nacional para a Alemanha
Nazista em 1936 (ibidem). Em contrapartida, há um aumento da censura e controle da
produção popular. Como exemplos podemos citar o decreto de 1937 que determinava que os
enredos das Escolas de Samba deveriam ser de cunho “histórico, didático e patriótico”
(MATOS, 1982:88); e as pressões para que os sambistas não mais fizessem apologia à
malandragem nas suas composições. Assim surgia o “malandro regenerado” movido, segundo
Cláudia Matos, pela “preocupação de escapar à polícia” (idem:54-5). Edigar de Alencar,
comentando o carnaval de 1938, diz que: “A censura agora mais do que nunca se faz sentir,” e
acrescenta que os compositores “fugindo aos comentários políticos, buscam no folclore e
na fantasia motivo para suas produções” (ALENCAR, 1979:26).
36
O regulamento proibia o uso de instrumentos de sopro (SANTOS e SILVA, 1979).
37
O DIP foi a institucionalização de um órgão de censura, mas ela já existia há muito tempo (CABRAL,
1993)
33
A VALORIZAÇÃO DO MESTIÇO
Giralda Seyferth diz que o Estado Novo não havia abandonado as idéias de Sílvio
Romero, o branqueamento pela miscigenação, mas que estavam disfarçadas na tese da
“democracia racial” (apud VIANNA, 1995:73).39 Paralelamente a isto, havia uma
outra corrente que não advogava o branqueamento, nem a superioridade das
características da raça branca na “mistura final”. Para essa corrente, o Brasil era
mestiço, e isso deveria ser encarado não mais como “causa do nosso atraso”, e sim
como algo positivo, até mesmo motivo de “orgulho nacional”. A partir dessa
mestiçagem, o povo brasileiro deveria criar uma identidade cultural própria, daí a
valorização de símbolos como o samba, culinária afro-brasileira, etc. O principal
defensor dessas idéias foi Gilberto Freyre, a partir da publicação do seu livro Casa-
grande e senzala em 1933 (VIANNA, 1995). Esse livro teve enorme repercussão e
tornou-se imediatamente “um grande acontecimento intelectual dos anos 30”
(idem:75). Roberto da Matta diz que “foi a obra de Gilberto Freyre a que
primeiro articulou com êxito essa história brasileira que todo brasileiro gosta (...) de
contar para ele mesmo: que somos uma cultura „mestiça e misturada” (apud VIANNA,
1995:76).40 Apesar disso, sabemos que os preconceitos ainda existem, e é possível que
as idéias defendidas por Romero ainda não tenham se extinguido totalmente.
38
Esta obra entrou para a história como o primeiro samba a receber uma “roupagem” orquestral. O
arranjo é de Radamés Gnattali. Segundo Sérgio Cabral, aquela “era a época das grandes orquestras norte-
americanas e havia, de fato, uma certa frustração pela ausência de um som tão vigoroso em nossa música”
(CABRAL, 1990:187). O próprio Radamés declarou que “A Nacional tinha orquestra de jazz dirigida por
Gaó, Patané dirigia a de tangos, onde eu era pianista. Naquele tempo não se tocava música brasileira com
orquestra, só com regional. As orquestras de salão tocavam música ligeira, operetas, valsas, por aí” (apud
SAROLDI E MOREIRA, 1988:19). David Nasser afirma que se um cantor ia gravar um fox, uma valsa,
ou rumba, ganhava uma orquestra. Se era samba, o acompanhamento era feito por regional (NASSER,
1983). Essa “roupagem” orquestral, além de paradigma, tornou-se motivo de orgulho nacional, como
constata-se pelo “boletim informativo” da Rádio Nacional de novembro de 1943: “O samba vestia-se pelo
figurino dos regionais simplórios (...) ou pelo porte das escolas (...) Radamés Gnattali deu uma orquestra
ao samba, (...). Nunca o samba chegara a sonhar com uma orquestra assim. (...) Agora o samba já possui o
seu lugar definitivo entre as músicas populares dos povos civilizados, digno e elegante representante do
espírito musical de nossa gente (...) (apud SAROLDI E MOREIRA, 1988:49).
39
SEYFERTH, Giralda. Os Paradoxos da Miscigenação. Estudos Afro-Asiáticos, n°20.
Junho/1991:171.
40
DA MATTA: A hora e a vez de Gilberto Freyre, Folha de São Paulo, Folhetim, 24/07/87: B-4/B-5.
34
CHORO
“Naquele tempo (...) existiam a milhares, pois não havia lar que fazendo
um batizado, aniversário, casamento etc, não desse um baile puxado ao
leitão, ao peru, galinhas, muitas bebidas, (...) cervejas, vinhos, licores
etc. De forma que os chorões daquela época não passavam necessidades,
comendo bem e bebendo melhor” (PINTO, 1978:38).
41
Trabalhadores em indústrias e funcionários de empresas públicas e particulares, surgidos a partir do
processo de crescimento econômico na época (divisas obtidas com a exportação de café), industrialização
e crescimento urbano. (TINHORÃO, 1998).
42
Sete religiosas e uma profana: Ano Novo, Reis, São Sebastião, Carnaval, Domingo de Ramos, Páscoa,
N.Sª. Conceição e Natal (PINTO, 1978).
43
O DMB indica, em princípio, que serenata e seresta têm o mesmo sentido. Mário de Andrade diz que
seresta também é gênero musical, sendo Nazareth autor de algumas. Porém, não cita quais obras
pertenceriam ao gênero. Para Luciano Gallet, “a „seresta‟ (serenata) é o choro, com a mesma formação
instrumental, ou diversa; - acompanhando um cantor solista popular (...)” (DMB, 1989:471 verbetes:
serenata e seresta). Neves (1977) diz que seresta e choro são dois gêneros musicais próximos e que teriam
se influenciado mutuamente. Enquanto o choro é um gênero instrumental puro; na seresta, a voz tem
função mais importante. Luiz Edmundo (1987) fala em dois tipos de serenatas: a serenata de cantigas
onde eram entoadas canções com acompanhamento de instrumentos harmônicos, e a que se denomina
choro, composta de músicas de dança: polcas, valsas etc. Pinto relata que as serenatas “eram feitas em
plena rua, pois naquele tempo eram permitidas, não havendo intervenção da polícia” (PINTO, 1978:11).
44
Segundo Tinhorão (1998) esta afirmação teria sido feita na década de 1870. Efegê (1974) indica uma
data precisa 23/03/1885.
45
Gêneros citados no livro de Pinto; com exceção da habanera, citada por Edinha Diniz (1991) e José
Maria Neves (1977).
35
Tinhorão não contesta a importância de Calado, mas acha que seria reduzir
demais “o processo de criação da música do choro a um único músico” (TINHORÃO,
1978:104). Por outro lado, afirma que os conjuntos formados pelo flautista foram os
mais importantes dessa fase de fixação do choro e acrescenta que naqueles grupos
46
Segundo Sandroni (1997) termo cunhado por Basílio Itiberê.
47
Outros instrumentos citados são piano, bombardino, bombardão, saxofone, violino, trompete (chamado
por ele de piston), clarinete, bandolim, cítara, harmônica, requinta, pandeiro e ocarina. (SÁ, 1999).
37
participaram alguns dos mais competentes músicos daquele tempo (idem). Alvarenga
(1950) diz que nos conjuntos de choro predominam violões, cavaquinhos e
instrumentos de sopro (flauta, clarineta, oficleide e saxofone).
Outra afirmação comum entre pesquisadores é que o termo choro teria vindo da
maneira de tocar dos músicos. Mozart de Araújo acredita que a palavra “derive
diretamente da expressão dolente, chorosa da música que aqueles grupos executavam”
(apud NEVES, 1977:18).48 Kiefer tem a mesma opinião “um modo típico e muito nosso
(carioca, mais propriamente) de tocar polcas, modinhas, schottisches, valsas etc”
(KIEFER, 1983:23). Diniz (1984) também menciona uma forma chorosa de tocar essas
danças, e dá como exemplo a composição “Só no choro” de Chiquinha Gonzaga (cuja
indicação de gênero é tango). A autora diz que o título da obra tem relação com o modo
de tocar, de “chorar” a música. Siqueira (1970) acha que o nome viria de colisões
culturais. Expressões como „chorar no pinho‟ ou „lundu chorado‟ dariam a idéia de
„cordas que choram‟. Isto, somado a palavra latina chorus viria a dar no termo “chôro”.
Curt Lange (1966) sugere que derive de “choromeleiros”, nome dado às corporações de
músicos nas Minas Gerais dos século XVIII, que atuavam nas ruas e fazendas. Opinião
idêntica tem Ary Vasconcelos (1984). Alvarenga (1950) não faz qualquer menção a
etimologia da palavra nem a suposta “forma chorosa” de execução. Sequer menciona as
danças européias da época. Acrescenta que os conjuntos tocam em bailes e
acompanham cantores, podendo nesse caso não haver instrumento solista. Chama a
atenção para dois pontos que considera significativos, a maneira como foram agrupados
os instrumentos de origem européia, e os contrapontos executados. Tinhorão também
acredita que o nome tenha vindo da forma de tocar dos instrumentistas, um estilo
próprio que os músicos “imprimiam à execução das polcas”(TINHORÃO,1978:103).49
Esse estilo seria a “impressão de melancolia” provocada pelo movimento dos baixos nas
cordas mais graves do violão, as chamadas baixarias (idem).50 Essa “maneira lânguida
de tocar” teria vindo dos “músicos-barbeiros” (TINHORÃO,1998:202). Para o autor, a
música destes últimos seria “mãe do choro, avó do regional (...), e bisavó dos conjuntos
de bossa-nova” (TINHORÃO, 1997:129). Pelo menos em um ponto todos os
pesquisadores concordam, o termo choro não se referia a um gênero musical nas
primeiras décadas do século XX.
48
Neves cita Araújo baseado em depoimentos autorizados.
49
Considerada por vários autores como a dança européia que mais influenciou na formação do gênero
choro.
50
Neves (1977) fala em “utilização dos baixos melódicos” exigidos por Calado aos seus acompanhantes
38
MÚSICOS-BARBEIROS
51
Diniz (1984) afirma que, a partir de meados do século XIX, parte desse ganho ficava com o próprio
escravo. Isso possibilitava, depois de algum tempo, comprar sua alforria.
52
Tratam-se dos “choromeleiros” mencionados por Curt Lange.
53
As Bandas Militares não podiam fazer isso devido à disciplina (Vieira Fazenda, Antiqualhas e
memórias do Rio de Janeiro, apud Tinhorão, 1997:130). Tinhorão menciona uma “empresária” na Bahia
que formou uma banda comprando escravos-músicos. O objetivo era comercial, pois o autor afirma que
ela “passou quase a monopolizar os contratos para fornecimento de música em festas públicas de
Salvador” (TINHORÃO, 1997:142).
54
Segundo Tinhorão (1997:) os únicos instrumentos fabricados no Brasil até fins do século XIX foram
violas.
39
Debret, que morou no Rio de Janeiro entre 1816 e 1831, relata que esses
músicos executavam no clarinete ou no violão “valsas e contradanças francesas (...)
arranjadas a seu modo” (DEBRET, 1940, vol.1:151). Talvez essa última observação do
pintor já indique uma maneira peculiar de execução. A pesquisadora Marisa Lira afirma
que os músicos barbeiros “imprimiam a tudo o que tocavam, um ritmo estranho,
chamado “ritmo de senzala”, que seria o ritmo afro-negro” (apud TINHORÃO,
1998:203).55 A partir de meados do século XIX, na medida em que a sociedade do Rio
de Janeiro tornava-se mais complexa e dinâmica, os músicos-barbeiros foram se
extinguindo pouco a pouco, sendo substituídos pelas bandas e pelos conjuntos de choro
na função de fornecedores de música, fosse em locais públicos ou não. Tinhorão (1998)
afirma que, no Rio de Janeiro, a decadência dos músicos-barbeiros coincide com o
aparecimento dos grupos de choro. Na verdade estes últimos seriam seus herdeiros, pois
receberiam o legado do “ritmo de senzala”. A formação camerística violão, cavaquinho,
flauta e oficleide (conforme chamou atenção Alvarenga) seria outra herança. O
musicólogo Ayres de Andrade, refere-se aos músicos-barbeiros, como “grupos
instrumentais que pareciam profetizar os futuros e inconfundíveis choros cariocas”
(ANDRADE, 1967, vol.1:10).
BANDAS DE MÚSICA
55
Publicado no jornal Diário de Notícias, na coluna Brasil Sonoro, em 04/08/1957.
40
56
Eram milícias compostas por fazendeiros que reprimiam os movimentos políticos oposicionistas,
reforçando o poder dos latifundiários a nível local. O poder dos “coronéis” teria aí sua origem
(ALENCAR, CARPI E RIBEIRO 1979).
57
Levando em consideração esse grande número de bandas, e no fato de que seus instrumentistas
provinham das classes populares, levantamos a hipótese de que muitos dos músicos citados por Pinto
cujas profissões não foram determinadas, trabalhassem nessas instituições, sendo então, músicos
profissionais. Tinhorão (1998:198) identificou 122 funcionários públicos, sendo que o maior contingente
de músicos, trabalhava nos Correios e Telégrafos. Chamamos a atenção ao fato de que o livro de Pinto é
constituído de pequenas recordações, não se propondo a nenhum estudo profundo, e que o autor era
carteiro. Nada mais natural que seus amigos e colegas de repartição e de diversão fossem lembrados e
citados em número mais expressivo.
41
“Os pares enlaçam-se pelas pernas e pelos braços, apoiam-se pela testa
num quanto possível gracioso movimento de marrar e, assim unidos, dão
a um tempo três passos para diante e três para trás, com lentidão. Súbito,
circunvolunteiam, guardando sempre o mesmo abraço, e, nesse rápido
movimento, dobram os corpos para a frente e para trás, tanto quanto o
permite a solidez dos seus rins; tornam a volutir com rapidez e força,
tornam a dobrar-se , e, sempre lentamente, três passos à frente, três
passos atrás , vão avançando e retrocedendo, como a quererem possuir-
se” (apud EFEGÊ, 1974:51).
Efegê diz que Chagas descreve a dança em uma época (ca 1897) em que ainda
não possuía nenhum “refinamento coreográfico, em pleno furor rebolante e agitado
de origem” (idem). Já a dança que se praticaria nos salões das elites no início do
século XX não seria essa. Seria uma dança de “movimentos graciosos (...), isenta de
rebolamentos lúbricos, de pernadas e de agitação coreógrafo-malabarística”
(ibidem:56). Renato Almeida confirma isso ao afirmar que a dança só foi aceita nos
salões [aristocráticos] após seus passos terem sido “modificados naturalmente (...)
para lhe tirar o cunho obscuro” (ALMEIDA, 1926:45-6). Mas o autor também afirma
que mesmo tendo se civilizado, tornando-se uma dança “comum quanto aos passes”
(...) guardou a música o mesmo calor e sensualidade” (idem:46). Os gêneros musicais
aos quais se dançava o maxixe seriam habaneras, lundus, polcas, polcas-lundus e
tangos (também chamado tango brasileiro). Para Baptista Siqueira não existia a
forma musical do maxixe. Havia um gênero de dança que “ utilizava o ritmo
binário da polca, do tango e de suas derivantes muitas” (apud EFEGÊ,
58
Em 1872 era o bairro mais populoso da cidade, e também o bairro dos divertimentos de má fama
(SANDRONI, 1997).
42
1974:48).59 Sandroni também tem esta opinião, já que para ele o maxixe poderia ser
dançado por “quase tudo enfim, que fosse escrito em compasso binário, tivesse
andamento vivo, e estimulasse o requebro dos dançarinos através da chamada
sincopação” (SANDRONI, 1997:153). João Chagas diz que a música “é a música
dos tangos, com um ritmo novo, introduzido no Brasil por compositores
brasileiros; mas, na realidade, dança-se ao som de todas as músicas, de valsas, como
de polcas, como de marchas, árias ou canções (...)” (apud EFEGÊ, 1974:51).
Acreditamos que esse “ritmo novo” tratava-se da figura chamada por Mário de
Andrade “síncope característica”:
59
Vale observar alguns comentários que Siqueira faz sobre a música e dança do maxixe: “Era dança
plebéia, e não propriamente música do povo” (SIQUEIRA,1967:36). “Ainda em 1928 ao chegarmos ao
Rio de Janeiro era (...) música de gafieira, (...) para dançar, numa promiscuidade ilimitada”(idem).
“Nesses antros, de marcada sensualidade, não havia coreografia alguma, mas libido desenfreada”
(ibidem). O autor diz que em 1927, ano em que saiu do sertão, o maxixe ainda não havia chegado lá, mas
já era conhecida a dança carioca corta-jaca. Comparando esta última com o maxixe, ele conclui que
musicalmente (...) ainda não conseguimos diferenciação nenhuma. Todas essas coisas miúdas, são fases
evolutivas do lundu” (idem ibidem).
60
Ao buscarmos em Pinto o sentido da palavra, verificamos que significava tanto dança como baile. (PINTO, 1978).
61
Renato Almeida (1926:55) refere-se à compositora como autora de sambas e de choros.
43
62
Lembramos aqui que Andrade considerava Chiquinha Gonzaga como uma compositora “popularesca”.
63
As principais mudanças foram: modernização do porto e melhor acesso a ele, com abertura de via
pública em toda a extensão (avenidas Central e do Mangue), demolição dos cortiços e casas populares
localizadas no centro do Rio de Janeiro (o que deslocou milhares de pessoas para os subúrbios e fomentou
o aparecimento de favelas), alargamento e abertura de ruas e avenidas: Mem de Sá, Salvador de Sá,
Gomes Freire, Passos, Beira Mar, N.Sª de Copacabana, Atlântica; alargamento das ruas Treze de Maio,
Carioca, Assembléia, Sete de Setembro, Marechal Floriano, Visconde de Inhaúma, Acre, Visconde de Rio
Branco, Frei Caneca, Camerino, Catete, Laranjeiras, bulevar 28° de Setembro; construção ou
reconstrução dos largos da Glória, do Machado, de São Domingos, do Paço e do Campo de São
Cristóvão; abaixamento dos morros do Castelo e do Senado. (SILVA e CARNEIRO, 1998 e MOURA,
1995). Tudo isso só pôde ser feito porque o governo anterior, Campos Sales, renegociou dívidas e
contraiu empréstimos externos (MOURA, 1995).
64
Entre 09 e 14 de novembro de 1903, populares destruíram a iluminação pública e enfrentaram a polícia
(SILVA e CARNEIRO, 1998).
65
Segundo o inquérito, o movimento teria âmbito nacional, com repercussões na Bahia e Pernambuco
(SILVA e CARNEIRO, 1998).
66
O cinema chegou ao Brasil em 1896. Já em 1907, foram abertos mais de vinte salas em torno da
Avenida Central (Rio Branco), devido às melhorias no fornecimento de energia elétrica à cidade. Era
comum em anúncios da época ressaltar-se o acompanhamento de músicos às fitas (MOURA, 1987:30-1).
44
indústria fonográfica brasileira.67 Com isto, os músicos têm o seu mercado de trabalho
ampliado um pouco mais. Os gêneros americanos cake-walk, two-step, one-step, e fox-
trot chegaram ao Brasil ao longo das duas primeiras décadas via fonogramas, mas a
maior parte da produção musical comercializada pela incipiente indústria do disco
consistia de modinhas, lundus, chulas, tangos, duetos e canções gravadas aqui mesmo
(TINHORÃO, 1998). É nesse contexto que é gravado “Pelo Telefone”. Esta obra
pertence à série Odeon 121.000 da Casa Edison. Entre 1917 e 1921 (quando a série
termina) foram lançadas 74 composições classificadas como sambas, gravadas em três
tipos de versões, uma cantada e duas instrumentais (SANDRONI, 1997). 68 As versões
instrumentais eram feitas por pequenos grupos de choro e por bandas de música. 69 As
versões cantadas tinham por acompanhamento também um grupo de choro (idem).70
Sandroni afirma ainda que: “do ponto de vista dos intérpretes, os sambas da série
121.000 não apresentam nenhuma ruptura em relação aos gêneros musicais e formações
instrumentais que já eram praticados antes” (ibidem:341).
Ainda sobre as relações entre samba e choro nas primeiras décadas do século
XX, achamos importante mencionar as práticas musicais que ocorriam nas festas das
“tias baianas”.71 Vários depoimentos confirmam que naquelas casas o baile (onde
tocavam os grupos de choro) era na sala de visitas, o samba na sala de jantar e, no
terreiro, se fazia batucada.72 Velloso considera isso uma forma de resistência cultural
daquelas comunidades frente aos órgãos repressores:
67
Segundo a EMB (1998:244, verbete:disco) em 1904 é adotada a marca “Odeon”, recém fundada em
Berlim. Até 1912, os discos eram gravados aqui e fabricados na Alemanha. A primeira música gravada
em disco no Brasil foi o lundu “Isto é bom” interpretado pelo cantor Baiano. O acompanhamento,
provavelmente, ficou por conta de músicos da Banda da Casa Edison, fundada em fins do século XIX,
ainda na época dos gramofones de cilindros (TINHORÃO, 1998). Toda essa nova tecnologia era muito
cara para a grande maioria da população (idem).
68
Sandroni teve à sua disposição 41 gravações da coleção particular de Ary Vasconcelos.
69
Há sambas gravados pela Banda da Casa Edison, do Corpo de Bombeiros, do Batalhão Naval e do 1°
Batalhão da Polícia da Bahia (SANDRONI, 1997)
70
O acompanhamento em “Pelo Telefone” foi feito por violão, cavaquinho e clarineta (idem).
71
A mais famosa é Tia Ciata, mas muitas outras são citadas por Moura no seu livro.
72
Ver MOURA, 1995:83, 101, 158, 160. João da Baiana, em entrevista a revista Veja (28/07/1971),
afirmou que, durante as festas, quem ficava na sala da frente eram os velhos “cantando partido alto”, e as
mulheres dançando “o miudinho”. Os novos ficavam nos quartos cantando samba-corrido, e no quintal o
pessoal que gostava de batucada (apud TINHORÃO, 1998:285). Moura (1995:83) cita outra entrevista
em que o mesmo João da Baiana fala em “baile na sala de visitas, samba de partido-alto nos fundos (...) e
batucada no terreiro”.
45
73
Sandroni indica a obra Cartola os tempos idos (SILVA e OLIVEIRA FILHO, 1989:32 a 36) onde
encontra-se uma boa descrição do termo no sentido de “jogo de destreza”. O jornalista Francisco
Guimarães (Vagalume) também menciona essa prática (GUIMARÃES, 1978). Candeia e Isnard
(1978:57) dizem que essa manifestação era chamada de “samba – duro” ou “rodas de batuqueiros”.
46
predominar.74 Ary Vasconcelos refere-se a uma “idade de ouro do choro” entre 1870 e
1919, antes das bandas de jazz irromperem “no cenário musical”
(VASCONCELOS,1984:21).75 Tinhorão diz que os conjuntos de choro tiveram uma
época de esplendor, enquanto foram os principais responsáveis pelos entretenimentos da
classe média baixa da sociedade carioca ao animarem bailes e serenatas. Na medida em
que houve uma diversificação maior dessas diversões (teatros de revistas, cinema, rádio
e disco) e outros gêneros musicais passaram a se impor (“jazz e samba”), a era
“sentimental dos chorões” chegou ao fim:
Paulo Sá pondera que esses autores chamam de “idade áurea” a época em que
o choro teria surgido - como maneira de interpretar certas danças européias, sobretudo a
polca - e o “posterior desaparecimento do grande modismo que as envolveu” (SÁ,
1999:83). Este “desaparecimento” teria acontecido pela ascensão de outros modismos
musicais (inclusive americanos) e também devido ao falecimento de um grande número
de músicos representantes dessa época.77 O autor acha ainda que determinar esse
período como áureo é desconsiderar a “capacidade criadora” de um “Pixinguinha, Jacob
do Bandolim, Abel Ferreira e tantos outros” (SÁ, 1999:83). Não cremos que esses
pesquisadores desconsiderem isso, mas, a partir dos anos vinte, o cenário musical no
74
Citado por Ilmar de Carvalho no jornal Correio da Manhã em 02/11/1969, sem referência a obra.
75
A partir da 1° Guerra Mundial (1914-1918) a música americana passa a entrar no país de forma mais
intensa. Se entre 1903 e 1914 foram lançadas sete gravações de músicas americanas, entre 1915 e 1927 a
indústria fonográfica lançaria cento e oitenta e duas (TINHORÃO, 1998:252).Também sobre isto,
Severiano e Mello dizem que no Brasil cai o número de gravações de bandas e conjuntos de choro e
proliferam as gravações de jazz-bands brasileiras (SEVERIANO e MELLO, 1997). Em 1922, já existem
três bandas de jazz formadas por músicos brasileiros gravando discos para a Casa Edison
(TINHORÃO,1998). Tinhorão cita um número considerável de bandas de jazz surgidas no Brasil na
década de 1920 (idem). Pinto queixa-se de um flautista que passou a tocar saxofone “muito a contragosto
dos seus admiradores, porque o saxofone é (...) o instrumento da moda (...) nos fox-americanos”
(PINTO,1978:64-5). Queremos observar que Pinto cita, com admiração, vários saxofonistas no seu livro,
inclusive Anacleto de Medeiros, falecido em 1907. Assim, nos parece que a queixa se deve ao provável
fato desse músico estar executando mais o gênero americano que os brasileiros.
76
Tinhorão (1998) critica inclusive Pixinguinha pela adoção gradativa do saxofone. Lembramos
novamente que esse instrumento já era conhecido no Rio de Janeiro desde o século XIX.
77
Realmente, Pinto fala de várias pessoas que já teriam falecido, ou se retirado dos choros devido à idade.
47
Rio de Janeiro começa a mudar. Ary Vasconcelos (1984) afirma que nessa década o
foxtrote torna-se moda. Acreditamos que, por conseqüência disso, os músicos dos
choros tiveram de se reestruturar. Por isso surge um número tão grande de “jazz-bands”
e “orquestras de salão” (também denominadas “jazz-bands”). Vasconcelos (1984)
afirma também que, ainda na década de vinte, o choro “só tem vez em festejos
populares como a Festa da Penha e em reuniões privadas nas casas e quintais dos seus
cultores. Para ele, a partir da década de trinta, quando se inicia uma fase na música
popular brasileira em que predomina a música vocal, o papel dos músicos praticamente
fica reduzido ao de simples acompanhadores, na forma de conjuntos regionais (idem).
Segundo Tinhorão, os violonistas desses conjuntos regionais teriam adotado o
acompanhamento rítmico da percussão do novo tipo de samba, ao qual chamou “samba
batucado” (TINHORÃO, 1978:105).78 Dessa fusão (conjuntos regionais com ritmistas
das camadas mais baixas) teria surgido o que foi chamado de samba-choro (idem).
Tinhorão conclui que, de todas essas experiências, surgiu um novo gênero na música
popular brasileira, “nascido do estilo chorado de tocar” (ibidem:110).79 Sá (1999:32)
endossa essa afirmação, quando diz que a compreensão que temos hoje do que é choro
começou a fixar-se por volta de 1930. Finalizamos esta etapa de nossas pesquisas
citando Cláudia Matos, que faz uma comparação entre samba e choro que consideramos
.pertinente:
78
Segundo Márcia Taborda (1995:38) a fixação do termo regional se deu a partir de 1932, e cita um
anúncio publicado em 03/01/32 em jornal que anunciava o “Conjunto Regional da Rádio Clube”. Os
integrantes seriam Pixinguinha, Tute e Luperce Miranda.
79
Na mesma obra o autor se contradiz, quando afirma que o choro “não constitui um gênero, mas uma
maneira de tocar” (TINHORÃO, 1978:223).
48
“Ninguém queria perder tempo de fazer uma música para não gravar,
então punha-se uma letra” (Edivar Pires);
“Era o lado comercial da coisa. Instrumental eram choros e valsas,
samba não” (Temístocles de Araújo);
49
“Naquela época, o mais comum era que se fizesse uma música já com
o sentido da letra. Música para ser apenas tocada não era o comum.
Mesmo que o compositor fizesse só a parte musical, uma outra pessoa
fazia uma letra. (...) Podia ser samba, valsa, fox etc” (Ednaldo Lima)
Isto está em perfeito acordo com o que afirmam Jairo Severiano e Zuza H.
Mello. Segundo eles, a partir dos anos trinta, devido às novas tecnologias de
gravação e transmissão radiofônica, inicia-se a fase do “culto à voz”, estabelecendo-
se assim um padrão na música popular brasileira que vigoraria por todo o século.
Acrescentam que entre 1931 e 1940, o samba foi o gênero musical mais gravado,
totalizando 32,45 % do repertório registrado em disco. A “marchinha” ocupa o
segundo lugar com 18,26 % (SEVERIANO e MELLO, 1997:50, 85-6). Ary
Vasconcelos afirma que a partir da década de trinta “O choro – como, aliás, toda a
música instrumental – tornara-se uma música de público restrito, geralmente feito
para uso interno dos seus criadores” (VASCONCELOS, 1984:28). Sobre isto, um
dos entrevistados fez uma observação que consideramos relevante:
A hipótese por nós levantada, de uma possível associação do gênero samba com
“música de negros” ou “música das camadas mais humildes” e um suposto
preconceito por parte dos músicos que poderia advir desse fato não se confirmou.
Todos os que atuaram profissionalmente nas décadas de quarenta/cinqüenta negaram
que isso tenha ocorrido, inclusive alguns dos entrevistados são negros.
Com respeito à diferenciação entre os gêneros choro e samba, vale nos determos
um pouco sobre as respostas. Quase todos os entrevistados das gerações mais velhas
consideraram o choro como um gênero „mais difícil‟, quando não „mais valoroso‟,
que o samba:
“Você não precisa ser músico para fazer um samba, você pode ser
só cantor. No choro não, tem que saber tocar, isso é uma diferença
importante, aliás, fundamental. (...) é mais fácil um chorão tocar
samba que um sambista tocar choro, sem a menor dúvida. Choro é
uma música muito difícil” (Álvaro Carrilho);
50
“O choro é mais difícil de ser tocado. Para você tocar direito, com
aquelas coisas todas... é muita nota. E depois, tem o
acompanhamento, os baixos... é muito difícil de ser tocado. Eu
considero o choro quase um clássico. Não só pelo número de
notas, também pela harmonização” (César Faria);
“O choro foi sempre considerado mais nobre por ser uma música
difícil. O choro é mais elaborado, é mais difícil. Dentro dele tem
tanta coisa para um músico... o samba é muito bonito, mas... ainda
hoje é assim” (Ednaldo Lima);
“Choro é tão difícil quanto o clássico. Você tem que estudar para
tocar, você tem que ter escola” (José Meneses);
Opiniões afins foram dadas por Radamés Gnattali e Baden Powell. O primeiro
afirmou que “O Choro é o gênero mais evoluído da música brasileira” (DIDIER,
1996:58). O segundo declarou que “A sabedoria vem do choro. O choro é rico em
harmonia. A melodia dele é muito difícil. (...) para tocar direito é difícil”(documentário
“Baden Powell-Velho Amigo” G2 Films/Mezzo, produção francesa).
O termo “clássico” utilizado por alguns entrevistados refere-se, sem dúvida, a
“música clássica”, ou seja, música erudita, provavelmente considerada por eles como
uma música superior. Das pessoas entrevistadas dessa geração mais velha, os únicos que
51
não têm opiniões semelhantes são Horondino Silva e Elton Medeiros.80 Para o primeiro,
samba e choro eram iguais. “Se tocavam sambas, choros, valsas, schottisch... (...) Se
bem que o violão solo era mais para o choro mesmo” (Horondino Silva). Elton
Medeiros cita Garoto, Cartola e Valzinho (Norival Teixeira) como autores de sambas
sofisticados, e pondera:
“Eu acho que havia esse pensamento sim. O choro exige mais para
se tocar, é necessário mais estudo. (...) Havia isso sim, e acho que,
de certa maneira, ainda há. A música instrumental exige mais do
músico instrumentista. Ela passa a ser mais nobre por isso?”
(Luciana Rabello);
80
Devido a compromissos assumidos por Wilson das Neves a entrevista com ele foi curta, assim ele não
deu seu parecer sobre este assunto
81
Luis Otávio está preparando uma tese de doutorado em história cujo tema é a música popular no Rio de
Janeiro dos anos trinta até o fim do Estado Novo, em 1945.
52
“Eu acho que não havia diferenciação, mas cada um tem a sua
função. O percussionista ganhava menos. Não só naquela época,
até hoje. Tinha muita gente que achava isso certo. O líder de um
conjunto, que se preocupa em dirigir, ensaiar, procurar patrocínio,
arranjar trabalho... tem vários trabalhos que os outros não têm.
Logo, o músico que só toca não pode ganhar a mesma coisa. Se
você pegar a tabela dos músicos, verá valores diferentes. Isso não é
preconceito, é uma forma de diferenciar. Em uma empresa, o
operário que faz um parafuso não pode ganhar a mesma coisa que
o diretor. Percussionista é isso. O músico que harmoniza, que
escreve, não pode ganhar a mesma coisa que um outro que toca
aquilo que ele escreveu” (Álvaro Carrilho);
Elton Medeiros também confirmou que havia essa diferenciação. Wilson das
Neves citou os percussionistas Rubens Bassini e Mariano como pessoas que
54
Jorge José da Silva aponta para a questão da leitura musical como um motivo
de diferenciação, mas vale observar que grande parte dos violonistas e cavaquinistas
daquela época também não sabia ler música, ou o fazia precariamente. 82 Luís Otávio
Braga faz reflexões que consideramos bastante pertinentes:
83
Trata-se do “Concertino n°2 para violão e orquestra” composto em 1951 e estreado oficialmente em 1953 no
Teatro Municipal do Rio de Janeiro, sob a regência de Eleazar de Carvalho. Teria sido a primeira vez que o
instrumento foi executado no Municipal (OLIVEIRA, 1999). Sobre preconceitos, Radamés conta que após a estréia
do seu “Concerto n° 1 para guitarra elétrica, piano, orquestra sinfônica e batucada”, regido por Henrique
Morelenbaun, também no Teatro Municipal do Rio de Janeiro, em 1965, soube que algumas pessoas na platéia, ao
final do concerto, comentavam que “No Teatro Municipal, até samba se toca agora” (DIDIER, 1996:82).
84
Sérgio Cabral diz que “Na Pavuna” foi classificado pela gravadora como “choro de rua” ( CABRAL,
1990:66). Homero Dornelas, violoncelista do Teatro Municipal do Rio e professor de música do Colégio
Pedro II, escondeu-se sob o pseudônimo de “Candoca da Anunciação” (CABRAL, 1996:24).
85
Cabral afirma que “nem todos os instrumentos de percussão são ouvidos com nitidez” e destaca o
tamborim, o surdo e o pandeiro (CABRAL, 1990:66).
56
86
Os três primeiros foram compostos por Jacob do Bandolim e os demais por Garoto. Sobre “Lamentos
do Morro”, que consideramos um samba bastante característico, como o próprio nome sugere, queremos
ressaltar o parecer de Elton Medeiros: “Lamentos do Morro é uma música que pode ser considerada um
tema inspirado em samba. É uma visão paisagística do samba, uma homenagem ao morro através de um
tema instrumental, mas não é um samba (...)”.
57
87
São dois discos, respectivamente, de 1955 e 1956. O sucesso do primeiro foi tal que incentivou a
gravação de um segundo. Neste último Baden participou, convidado por Altamiro Carrilho(DREYFUS,
1999).
59
Vale ressaltar que todas essas considerações partiram da “geração mais nova”.
César Faria observou que Jacob compôs alguns sambas, e que chegaram a gravar um
disco instrumental só nesse gênero.88 Quanto ao “Noites Cariocas”, ele diz que era
executado nos anos cinqüenta/sessenta como um choro, mas que atualmente muitos o
executam como um samba. Perguntado se eram executados sambas na forma
instrumental nos saraus que Jacob do Bandolim promovia em sua casa, César Faria
respondeu afirmativamente. Horondino Silva, um músico que também atuou
intensamente ao lado de Jacob e César Faria, diz que não se lembra de serem executados
sambas naquelas rodas-de-choro. Segundo ele, eram choros e valsas. Seu irmão, Jorge
José da Silva, discorda. Para ele isso acontecia sim, mas não com freqüência. Nicanor
Teixeira, também freqüentador desses saraus, diz que nunca viu isso acontecer. Álvaro
Carrilho e Elton Medeiros afirmam que, assim como hoje, isso acontecia naquela
época. Chega a ser incompreensível essas respostas absolutamente opostas dadas por
pessoas que freqüentavam os mesmos ambientes. Nem é o caso citado por Maurício
Carrilho de “choros sambados”, colocados na „pasta‟ dos choros, pois citávamos
especificamente o samba “Aquarela do Brasil”.
Luciana Rabello lembrou algo que é repetido com freqüência, que choro, além
de gênero, é também uma linguagem. Luís Otávio Braga pensa o mesmo: “Além de
gênero, choro é uma forma de tocar, dentro de um espírito de execução e que inclui
qualquer estilo”. Paulo Sá afirma que :
O autor indica como principais elementos dessa linguagem, chamada por ele
„modo de tocar‟: as variações, ornamentos, síncopes, antecipações e retardos, acentos,
88
Pelas nossas pesquisas, constatamos que se trata do disco Jacob Revive Sambas Para Você Cantar, de
1963, e constituído de arranjos de sambas cantados. (PAZ, Ermelinda Azevedo. Jacob do Bandolim,
1997:134).
60
Sá pode ter razão, mas quando são executados frevos, valsas, baiões, ou sambas
dentro da “linguagem do choro”, em geral, esses gêneros não são descaracterizados.
Maurício Carrilho mencionou algo que já sabíamos, que as gafieiras eram
lugares onde se executavam sambas em forma instrumental. Além das gafieiras, havia os
cabarés e os dancings. Obviamente a música executada nesses locais era para ser
dançada. Ficamos surpresos ao constatar que quase nada se escreveu sobre esses
ambientes. A EMB (1998:705, verbete: samba) informa que “samba de gafieira” é uma
modalidade de samba, geralmente instrumental, criado durante a década de 1940 pelas
orquestras de salões da época. Acrescenta que não é gênero e sim uma forma especial de
tocar sambas e que possui influências das orquestras norte-americanas. Segundo Alcir
Lenharo, os cabarés eram lugares onde trabalhavam dois ou três conjuntos, produzindo
música ininterruptamente por cerca de sete horas. Seriam lugares não muito dispendiosos
(LENHARO, 1995). Sobre os dancigs, Lenharo diz que “foram mania nos anos 40”, que
teriam agitado e dinamizado a vida artística da cidade, e que os músicos seriam bem
remunerados. Um fato curioso descrito por Lenharo era a atividade das “dançarinas
profissionais”, que ganhavam por cada música dançada. O homem comprava um cartão
ao entrar, com cerca de trinta músicas. Escolhia a bailarina e dançava com ela. Os
músicos eram orientados para abreviar as músicas, de modo que a casa lucrasse mais
(idem). O autor não informa que após cada música dançada, a bailarina furava o cartão.
Assim, caso quisesse continuar a dançar, o freguês teria que comprar outro.90 Lenharo
diz que as gafieiras eram espaços eminentemente negros e populares e, ao se referir à
gafieira “Elite”, diz que a coreografia coletiva atraía políticos, burgueses e turistas
(ibidem).91 Consideramos que o assunto, “música de gafieira”, merece uma pesquisa
muito mais profunda, mas não é objetivo nosso fazermos isso neste trabalho, podendo ser
esse um tema para estudos futuros. Pelos poucos textos que encontramos e como quase
89
Elizeth Cardoso, Zimbo Trio - Jacob do Bandolim (show gravado ao vivo: LP MIS 005,1968) e Água
de Moringa (CD, MNM – 0894, 1994).
90
Informação dada por vários entrevistados.
91
Lembramos que Samuel Araújo (1992) fala em “negociação simbólica” entre as classes dominantes e
os negros “através do voyeurismo, bricolage, mimetismo e apropriação”.
61
92
Jorge José da Silva considera que Na Glória está mais para um samba que para um choro.
93
Maurício Carrilho informou que esse disco não está com ele.
62
guitarra e instrumentos de sopro) foram feitas também por Jorge José da Silva.
Obviamente essa é uma formação inspirada em conjuntos norte-americanos. A própria
estruturação das “orquestras de gafieira” são baseadas em modelos norte-americanos,
mas queremos observar que Ednaldo Lima, que trabalhou em dancings, tocava, e toca,
cavaquinho. Ainda sobre a influência da música norte-americana ouvimos as seguintes
declarações:
“Nós pegávamos as músicas que vinham editadas dos Estados
Unidos e tocávamos música americana. Na época da guerra,
passaram por Fortaleza grandes orquestras americanas, como
Gleen Miller e Art Show. Nós tivemos uma influência muito
grande da música americana nesse período. Então, recebíamos
músicas editadas e era aquilo o que a gente mais fazia” (José
Meneses);
“Havia arranjos de arranjadores brasileiros, mas muita coisa era
importada sim, músicas americanas para big-band” (Wilson das
Neves).94
94
Como foi dito antes, o músico que soubesse ler uma partitura tinha “mais valor” no mercado É claro
que um bom arranjador era mais valorizado ainda. Os arranjos produzidos no Rio de Janeiro e
transmitidos para o resto do país pelas rádios eram paradigmas. A partir de 1950, a Rádio Nacional
aprovou a confecção de “guias” das orquestrações, que constituía-se da parte reduzida para piano com os
acordes apontados, e na parte superior era feita a anotação da instrumentação (SAROLDI e MOREIRA,
1984).
64
Samba... Samba... Samba com Eugene D‟Hellemes e Orquestra RGE. Dos títulos citados
acima, possuímos vinte e seis, sendo vinte e quatro discos LPs de 12” e dois de 10”.
Analisando os repertórios desses discos, constata-se que quase todos eles são compostos
de arranjos de músicas cantadas. Não sabemos indicar se há algum samba que tenha sido
criado como música instrumental. Ao longo das nossas pesquisas, foram encontrados
cinco sambas na forma orquestral, compostos e regidos pelo maestro Gaó (Odmar
Gurgel) gravados nos Estados Unidos, cujos títulos homenageiam morros cariocas.
Possivelmente, trata-se de sambas concebidos sem letra. José Meneses declarou que uma
das primeiras gravações feitas por Sivuca no Rio de Janeiro foi um samba seu, chamado
“Violão na Gafieira”, um samba instrumental. Contatado por telefone, Sivuca fez uma
retificação, já que composição chama-se “Violão em Samba”.95 Após ouvir uma rápida
explanação sobre nosso trabalho, Sivuca citou os sambas instrumentais “Sincopado”
(Sivuca/Luís Bandeira-1952), “Mistura Fina” (Luís Bandeira-1956) e “Energia” (Sivuca-
1969). Acrescentou que, devido ao sucesso das gafieiras, se produziu “alguma coisa” de
sambas instrumentais, mas que era pouquíssimo divulgado pelas rádios. Lembramos aqui
os fatores comerciais apontados por Edivar Pires e Temístocles de Araújo. Ainda sobre
os discos “Turma da Gafieira”, Sivuca afirmou que os temas foram apresentados por
Altamiro Carrilho e que a partir deles os músicos “improvisavam”, especialmente Zé
Bodega (saxofone). Uma pergunta feita aos entrevistados trata justamente de
“improvisos”, se isso acontecia em rodas-de-samba em que estivessem presentes músicos
do choro. Em geral, as respostas foram afirmativas.
Ainda na busca de sambas instrumentais, consultamos a musicografia de Jacob
do Bandolim e verificamos que estão catalogados doze sambas, dois sambas-canções e
dois partidos-altos (PAZ, 1997). Além de “Assanhado”, “Bole-Bole”, e “Receita de
Samba”, sabemos que “Biruta”, “Vale Tudo” e “Negro Frajola” são obras instrumentais.
Segundo a musicografia e discografia de Radamés Gnattali organizada por Valdinha
Barbosa e Anne Devos, verifica-se que, das obras classificadas pelas autoras como
“música popular” e cujo gênero está indicado, Radamés compôs treze sambas-canções,
onze sambas, dois sambas-choros e um samba-baião, no total de vinte e sete obras em
que o gênero samba está presente (BARBOSA e DEVOS, 1985). Verificamos que
alguns foram feitos em parceria e foram interpretados por cantores, outros são
instrumentais, como “Fim de tarde” (1949), “Bate papo a três vozes” (1956), “Samba
95
A conversa se deu em 08/02/2001.
65
Canção” (1956) e “Seu Ataulfo” (ano não indicado). Radamés também fez
várias versões instrumentais de sambas cantados, como “Faceira” (Ari Barroso), “Agora
é Cinza” (Bide/A. Marçal), “Duas Contas” (Garoto), “Aquarela do Brasil” (Ari Barroso)
e “Na Cadência do Samba” (Ataulfo Alves e Paulo Gesta).96 No âmbito da música
erudita, Radamés utilizou-se do samba nas composições Brasiliana n° 2; Valsa, samba-
canção e choro; Ponteio, roda e samba e no Concerto n° 1 para guitarra elétrica, piano,
orquestra sinfônica e batucada.97 Do mesmo autor, conhecemos também as duas
Toccatas em ritmo de samba para violão solo (já citadas) e o 1°movimento da Brasiliana
n° 13, intitulado: “Samba Bossa-Nova”.
Não pretendemos aqui fazer um inventário extenso dos sambas que tenham
sido concebidos como música instrumental, ou de sambas cantados que tenham recebido
arranjos instrumentais, mas após uma pesquisa feita apenas em nosso acervo chegamos
ao número de duzentas e oitenta composições interpretadas em ritmo de samba,
incluindo sambas concebidos como música instrumental, composições originalmente
cantadas (mas executadas instrumentalmente em ritmo de samba) e “sambas-choros”.
Não incluímos nesse inventário os “discos para dançar” já mencionados
98
anteriormente.
Perguntamos aos entrevistados se saberiam citar sambas compostos para violão
solo ou arranjos de sambas cantados para esse instrumento e perguntamos que músicos
fizeram isso. Os mais citados foram Garoto, Dilermando Reis, João de Aquino, Luiz
Bonfá, Baden Powell, Rafael Rabelo, Zé Meneses, Neco, Heraldo do Monte e Bola-
Sete. Ednaldo Vieira Lima fez uma declaração que chegou a nos surpreender:
Perguntado sobre Laurindo de Almeida, Ednaldo Lima disse que não chegou a
conhecê-lo. Ressaltou que grande parte dos violonistas na época não tinha “condição
de seguir esse tipo de harmonia. Esses que eu te falei faziam uma harmonia diferente,
completamente” (Ednaldo Lima, 23/09/2000). A expressão “harmonia diferente”
também foi usada por Radamés ao se referir a Garoto: “Ficávamos lá no sítio de noite,
tocando choros de Pixinguinha (...) o Garoto fazendo aquelas harmonias diferentes”
(DIDIER, 1996:65). Outro violonista citado nos depoimentos que faria “harmonias
diferentes” foi “Valzinho” (Norival Carlos Teixeira). Radamés também confirma isso:
“Começou a renovar, fazer uma bossa nova, tudo diferente” (idem:93).99 Vale
observar que “Valzinho” atuou ao lado de Garoto no conjunto “Bossa Clube” (EMB,
1998:803, verbete: Valzinho).100 Ao que tudo indica, Garoto era o parâmetro de
“violão moderno” da época e todos esses músicos tinham uma convivência constante,
muitas vezes trabalhando conjuntamente.101 Garoto, Zé Meneses e Bola Sete faziam
parte da “Orquestra Brasileira” da Rádio Nacional, formada por Radamés Gnattali no
início da década de quarenta (SAROLDI e MOREIRA, 1984). Segundo a EMB, Luís
Bonfá estreou na Rádio Nacional em 1946, levado por Garoto.
99
Nos parece que a expressão “bossa nova” é usada aqui como indicativo de “algo novo”, não se
referindo ao movimento musical.
100
Segundo alguns entrevistados, Valzinho não era um solista.
101
Álvaro Carrilho citou Duílio Pozenza como um músico que também tocaria outros instrumentos de
cordas. Seria um virtuose desses instrumentos e também faria “harmonias modernas” como Garoto, a
quem conheceu. Trabalhou no conjunto de Altamiro Carrilho. Segundo Álvaro Carrilho, vive nos
Estados Unidos. (Álvaro Carrilho, 18/09/2000).
67
102
Poli foi integrante do regional de Garoto no início da década de quarenta (EMB, 1998:636, verbete: Poli).Laurindo
de Almeida trabalhou ao lado de Garoto na Rádio Mayrink Veiga em fins dos anos trinta (EMB, 1998:17, verbete:
Laurindo de Almeida).
103
Vide anexo 3.
104
Vide Introdução p.2.
105
Vide anexo 4.
68
Deve-se levar em conta o fator comercial que há por trás da edição de uma
partitura. Esta é um produto direcionado ao consumidor que sabe ler música. O
número de violonistas que sabia ler uma partitura (profissionais ou não) talvez não
justificasse uma edição comercial, especialmente de música popular. Ao verificarmos
os anos de lançamento do que encontramos, constatamos que são edições do final dos
anos trinta, e das décadas de quarenta e cinqüenta, época do apogeu das orquestras de
gafieira e, justamente, é para essa formação que foram feitos os arranjos
encontrados.106
Por outro lado, ao examinarmos as obras para violão que constam nos arquivos da
Biblioteca Nacional, verificamos que o número de partituras de choros editadas nos
anos quarenta e cinqüenta é expressivo. Pelo raciocínio anterior, isso não se
justificaria. Contatado novamente, Luís Otávio Braga não soube responder a essa
questão, mas levantou algumas hipóteses: talvez a legislação em vigor obrigasse a
edição de uma partitura se a obra fosse gravada em fonograma. 107 Em fins dos anos
vinte, houve um grande interesse pelo violão, o que levou inclusive à publicação das
revistas O violão (dezembro de 1928 a dezembro de 1929) e A voz do violão
(1931). Buscava-se, à época, a valorização do instrumento, inclusive com a
preocupação de implementar o ensino do violão por música. Em 1952 foi criada a
“Associação Brasileira de Violão”, da qual faziam parte importantes nomes, como
Turíbio Santos, Jodacil Damaceno, Nicanor Teixeira e Léo Soares, músicos que
formaram, e ainda formam, um grande número de profissionais.108
106
Posteriormente localizamos, em um arquivo particular, partituras dos seguintes sambas de Luís Bonfá, editados
por Brian Hodel: “Sambalamento”, “Samba Negro” e “Samba de Duas Notas” (HODEL, 1981) e “Batucada”,
“Manhã de Carnaval”, “Passeio no Rio”, “Sambolero”, (HODEL, 1983). Ainda nessas edições, encontramos arranjos
para violão dos sambas “Zelão” (Sérgio Ricardo), “Samba Triste” (Baden Powell) e as bossas novas “Desafinado”
(Jobim/Mendonça), “Samba do Avião” (Jobim), “Garota de Ipanema” (Jobim/Vinícius) e “O Astronauta” (Baden
Powell).
107
Teríamos que averiguar se aquelas obras foram gravadas. Consultando a discografia de Dilermando Reis, e
computando as peças que trazem indicação de gênero, verificamos que os mais gravados por ele foram choro (53
obras) e valsa (72 obras). Como pouco se gravava sambas instrumentais para violão, talvez a hipótese proceda.
Lembramos que nessa discografia constam onze sambas, conforme mencionado na “Introdução” deste trabalho, mas
não encontramos as respectivas partituras na Biblioteca Nacional.
108
Tais fatos podem ser comprovados no trabalho de mestrado da professora Graça Alan - Maria das Graças dos Reis
José: Violão Carioca – nas ruas, nos salões, na universidade – uma trajetória (UFRJ:1995).
69
É possível que as editoras estivessem atentas a isso tudo, preparando-se para uma
eventual procura por partituras de música brasileira para violão. Entendemos que esse
assunto merece uma pesquisa mais aprofundada, o que poderá ser feito em trabalhos
posteriores.
BOSSA NOVA
109
Ao lermos a tese de mestrado O perfil de Baden Powell através de sua discografia, de Alain Pierre R. Magalhães,
verificamos que o autor classifica “bossa nova” como um gênero (MAGALHÃES, 2000:50). Isto nos levou a pensar
sobre a definição de “gênero” no âmbito musical. Tomando conhecimento do trabalho “Os primórdios do „choro‟ no
Rio de Janeiro, de autoria do Prof. Marcelo Verzoni, e sabendo que há um capítulo que trata justamente dessa
questão, buscamos nessa obra maiores esclarecimentos. Verzoni encontrou algumas definições para gênero que
dariam como correta a classificação de Magalhães. Citaremos aqui apenas uma: “Dois objetos são ditos do mesmo
gênero desde que tenham em comum algumas características importantes; da mesma espécie quando se parecem
muito(...)” (VOCABULAIRE TECHNIQUE ET CRITIQUE DE LA PHILOSOPHIE, 1960:385 apud VERZONI
2000:17). Por essa definição, achamos que “samba-canção”, “samba-de-partido-alto” ou “samba-enredo” também
seriam gêneros. Em outro ponto do seu trabalho, Verzoni ocupa-se com o conceito de “estilo”. Uma definição
encontrada por ele foi: “Estilo manifesta-se em empregos característicos de forma, textura, harmonia, melodia, ritmo
e „ethos‟; e é apresentado por personalidades criativas, condicionadas por fatores históricos, sociais e geográficos,
recursos de execução e convenções” (THE NEW GROVE DICTIONARY OF MUSIC AND MUSICIANS, 1980,
v.18:316 apud VERZONI, 2000:26). Uma enciclopédia alemã traz um conceito semelhante: “Em última análise, o
estilo está ligado à época histórica, à localização, geográfica e à personalidade do compositor. Composições que
tenham sido criadas numa época determinada ou em um lugar determinado ou pelo mesmo compositor possuem uma
semelhança familiar inegável” (DIE MUSIK IN GESCHICHTE UND GEGENWART, 1965, v.12:1303 apud
VERZONI 2000:28). Verzoni cita também a obra The classical style de Charles Rosen, que refere-se a estilo como
“maneira de esgotar e enfocar um idioma até o ponto de ele tornar-se um dialeto ou até mesmo um idioma em si”
(ROSEN, 1997:20 apud VERZONI, 2000:28). Diante dessas conceituações, achamos mais apropriado considerar a
“bossa nova” como um estilo de samba.
110
O jornal Folha de São Paulo, em 1999, publicou uma entrevista com Baden Powell. A primeira
pergunta feita foi “Como era viver no mundo sem bossa nova?”, ao que Baden respondeu “Era ótimo”
(FOLHA DE SÃO PAULO, Caderno Ilustrada, 13/05/1999).
111
Tinhorão também fala em “assimilação de recursos culturais da música popular norte-americana e da música
erudita” (TINHORÃO, 1978:230).
70
112
Este, por sua vez, citou Villa-Lobos e Debussy como compositores que o influenciaram profundamente
(CHEDIAK, 1990, v.2:16). Vale lembrar que Tom Jobim, tido como um dos expoentes da bossa nova, estudou com
Radamés Gnattali, um dos principais arranjadores de música popular nas décadas de quarenta, cinqüenta e sessenta.
113
Lembramos que a música brasileira teve contato com o jazz desde as primeiras décadas do século XX, o que se
intensificou na década de 1920. O próprio Radamés afirmou “Aprendi a escrever música popular também ouvindo
jazz” (DIDIER, 1996:70).
114
Encontramos na Biblioteca Nacional a composição “Cabrochinha” de Laurindo de Almeida, arranjada por Lirio
Panicali para “orquestra de gafieira”. Na parte para violão, verifica-se a ocorrência de acordes com sétimas e nonas,
nonas menores e sextas, acordes muito presentes na bossa nova. O arranjo é de 1944. Vide anexo 5. De qualquer
modo, segundo o que pesquisamos, com a bossa nova houve uma utilização maior dessas harmonias, inclusive vários
dos depoimentos tomados confirmam isso.
115
João Pernambuco (1883-1947) jamais aprendeu música (LEAL E BARBOSA, 1982). Segundo Márcia Taborda,
Horondino Silva tornou-se profissional em 1937, mas começou a estudar música em 1942. Até então, todo o seu
aprendizado teria sido “de ouvido” (TABORDA, 1995).
71
bossa nova, houve uma estagnação, pois dela não saiu um violonista sequer que, além
de acompanhador, fosse também solista. Muitas vezes são citados Baden Powell e Luís
Bonfá, por exemplo, por Ruy Castro (CASTRO, 2000). Reconhecemos que os dois
músicos atuaram naquele movimento, mas não os consideramos violonistas típicos
daquele estilo, pois ambos tiveram como principal formação musical o ambiente do
choro e do samba, além de terem estudado violão erudito.116
Júlio Medaglia, em 1966, escreveu um ensaio intitulado Balanço da Bossa
Nova. Antes de abordar os aspectos musicais, ele faz alusão ao gênero samba:
116
Baden Powell (1937-2000), dos oito aos treze anos, estudou violão com Jaime Florence (Meira),
renomado violonista do choro mas que ensinava também, por música, obras de Francisco Tárrega,
Fernando Sor e Agostin Barrios (DREYFUS, 1999). Segundo a EMB, Luís Bonfá (1922-2001) começou
a aprender violão aos doze anos “de ouvido”. Mais tarde estudou violão erudito com o uruguaio Isaías
Sávio. Em 1946 entrou para a Rádio Nacional onde teve intensa atividade junto à música popular (EMB,
1998:103, verbete: Luís Bonfá). Talvez os violonistas “mais típicos” da bossa nova sejam João Gilberto,
Roberto Menescal e Carlos Lyra, pois são os que mais se mantêm ligados às estruturações rítmicas da
bossa nova, que serão vistas mais adiante.
72
Medaglia finaliza afirmando que através da bossa nova a música brasileira deu
“o decisivo salto qualitativo que a transformou em verdadeira arte de exportação” (idem
ibidem:123).117 Esses textos induzem ao conceito de que as músicas da bossa nova
possuem um refinamento e uma qualidade poucas vezes encontrados anteriormente. Para
nós, essa impressão é reforçada quando buscam na música “pré bossa nova” o que seriam
suas origens. Sérgio Cabral diz que:
Sérgio Cabral diz que uma grande parte dos jovens compositores criadores da
bossa nova eram social e culturalmente distintos da grande massa dos demais
117
Sublinhado por mim.
118
Respectivamente Aníbal Augusto Sardinha (1915-1955) e Norival Carlos Teixeira (1914-1980). Como
dissemos antes, Radamés afirmou que Valzinho: “Começou a renovar, fazer uma bossa nova, tudo
diferente” (DIDIER, 1996:93). Reiteramos que a expressão “bossa nova” pode estar sendo usada aqui
como indicativo de “algo novo”, não se referindo propriamente ao movimento musical.
119
Foi autor das músicas Feitio de oração e Feitiço da vila, dentre outras. Noel Rosa, nessas obras, fez as
letras.
73
compositores da música popular brasileira. Tinham por objetivo conferir à sua música
um nível de sofisticação “semelhante ao revelado nos discos importados dos Estados
Unidos”, e que, salvo algumas exceções, consideravam a música produzida
anteriormente “quadrada” (In: CHEDIAK, 1990, v.1:15).120 Hermínio Bello de Carvalho
cita Carlos Lyra como um compositor da bossa nova que não consideraria “superados”
os tradicionais Pixinguinha, Ismael Silva e Cartola (CARVALHO, 1986). Alguns
depoimentos, confirmam que a bossa nova trouxe preconceitos:
“Eu nasci em 1961. Quando eu comecei a aprender violão com meu avô,
com seis para sete anos, já comecei no choro. Uma coisa que me
chateava muito era aquela cobrança de tocar bossa nova. (...) o violão da
bossa nova era considerado o máximo. As pessoas que eram do choro,
eram quadradas, e eu achava que quadrada era a bossa nova” (Luciana
Rabello);
“Eu acho que junto com a bossa nova surgiu um problema grave, a
desvalorização do passado, e de várias pessoas que estavam no auge. Por
exemplo, Araci de Almeida tinha quarenta anos na época da bossa nova,
e foi completamente excluída do mercado, (...) Ciro Monteiro foi outro,
pessoas da maior importância, um pessoal de samba de alta categoria. O
pessoal do choro, Dino, Meira, Altamiro, eles estavam no auge, tocando
uma barbaridade nessa época. E também foram postos de lado. (...) Essas
pessoas que são consideradas músicos expoentes do choro viveram essa
situação dramática nesse período, não por culpa da música da bossa
nova, mas por culpa da discriminação que veio junto, discriminação dos
meios de comunicação e das direções das gravadoras. Eu acho que esse
expurgo causou sérios danos à música brasileira, e o resultado a gente vê
hoje. Foi quebrada uma seqüência natural de passagem de informação de
geração para geração, que era feita pelo convívio. Foi quebrado isso, e se
formou uma geração fazendo música que, em sua maioria, não tinha
fundamentação de música brasileira, e esse pessoal formou a geração
seguinte. Salvo algumas raras exceções, que conseguiram fazer o link
com a turma do choro e do samba, as pessoas de quarenta anos hoje não
sabem tocar um choro ou um samba. Ouviam rock na sua adolescência”
(Maurício Carrilho).
120
“Quadrado” era uma gíria que significava “velho”.
74
Achamos importante fazer constar essas opiniões, pois não encontramos nada
semelhante nos títulos pesquisados, excetuando as observações de Sérgio Cabral e
Hermínio Bello de Carvalho citadas anteriormente. Como foi visto, preconceito houve,
mas não temos certeza até que ponto as afirmações dos entrevistados procedem. Sérgio
Cabral, por exemplo, afirma que a bossa nova quase não era executada nas “paradas de
sucesso” (In: CHEDIAK, 1990, v.1:17). Afirmação semelhante fez Ruy Castro. Segundo
ele, “a bossa nova não chegou a penetrar na Rádio Nacional” (CASTRO, 2000:199).
Por outro lado, na década de sessenta, o rádio foi, paulatinamente, perdendo espaço para
a televisão, veículo de comunicação que mais ampliou, segundo Augusto de Campos, o
contato entre a bossa nova e o público (CAMPOS, 1993).121 Maurício Carrilho também
cita o movimento da jovem guarda como algo que teria prejudicado os músicos e
cantores ligados ao samba e ao choro: “Houve a bossa-nova e em seguida a jovem-
guarda, que acabou de arrasar com essa turma, considerada como velha guarda”
(Maurício Carrilho). Horondino Silva confirma o que foi dito por Carrilho:
121
Segundo o IBOPE, a televisão, em 1965, já seria o maior meio de comunicação da época, atingindo
um público de um milhão e oitocentas mil pessoas por dia (CAMPOS, 1993).
122
Vale observar que Baden pertencia àquela geração. Fica-se com a impressão de que ele se coloca à parte.
75
“A música, pelo menos a que se ouvia nos rádios e nos discos , era
insuportável para um adolescente de Copacabana no final dos anos 50.
(...) Para nós, garotos da classe média de Copacabana, aqueles cantores
da Rádio Nacional e suas grandes vozes, dizendo coisas que não nos
interessavam em uma linguagem que não entendíamos, eram
abomináveis” (MOTTA, 2000:9).
Ruy Castro afirma que assim que surgiu, a bossa nova podia ser vista e ouvida
nos apartamentos e casa de socialites cariocas (CASTRO, 2000:237). Castro afirma
também que os dois primeiros LPs de João Gilberto [Chega de saudade e O amor, o
sorriso e a flor] tiveram vendas muito expressivas na época (idem). É provável que a
maioria dos consumidores de discos da época pertencessem à classe média. Com a bossa
nova, mudou não só a estética, mas os músicos que a gravavam seriam justamente esses
jovens, e não mais os músicos “da velha guarda”. Como o violão era um instrumento
muito utilizado por aqueles jovens, daí as dificuldades de Horondino Silva.
Um aspecto positivo da bossa nova foi o sucesso internacional, e a conseqüente
abertura de novos mercados de trabalho para o músico brasileiro. Ruy Castro cita vários
músicos que teriam residência fixa ou temporária no exterior: “Eumir Deodato, Sérgio
Mendes, Oscar Castro Neves, Astrud Gilberto, Hélcio Milito, Dom um Romão, Flora
Purim, Airto Moreira, Moacyr Santos, Raul de Souza e dezenas de outros” (CASTRO,
2000:420).
Júlio Medaglia afirma que uma das polêmicas trazidas pela bossa nova
foi a questão de ser ou não samba (In: CAMPOS, 1993). Ele próprio considerou-a como
“mais uma modalidade de samba” (idem:71). Concordamos com seu ponto de vista. Do
mesmo modo que existe “samba enredo”, “samba de quadra”, “samba de partido alto”,
“samba exaltação”, “samba canção”, “samba sincopado”, “samba choro” etc,
consideramos correto falar em “samba bossa-nova”. Ruy Castro afirma que antes de se
cunhar o termo “bossa nova” a expressão usada por aqueles jovens para classificar suas
composições era “samba moderno” (CASTRO, 2000:228). Até mesmo Tinhorão, um dos
mais veementes críticos ao movimento, referindo-se ao estilo de interpretação de João
Gilberto, fala na criação de um “samba híbrido, afinal conhecido como samba de bossa
nova” (TINHORÃO, 1978:227).123
123
Tinhorão considera que a bossa nova foi fruto de uma “progressiva perda de características regionais
da (...) música brasileira, por força do seu continuado contato com a música internacional, e
principalmente norte-americana” (TINHORÃO, 1969:99). O autor chega a falar em “lavagem cerebral
(...) levando a assimilação de estereótipos nunca imaginada” (idem:100).
76
CARACTERÍSTICAS RÍTMICAS
124
Dissemos “possível” porque , em geral, pequenas variações rítmicas acontecem a cada interpretação.
78
125
Podiam eventualmente cantar, mas a música desses grupos era predominantemente instrumental.
126
A respeito do termo “Sambalanço”, além de ser o nome de um trio formado por César Camargo
Mariano (piano), Humberto Souza (baixo) e Ayton Moreira (bateria) designava, segundo Jairo Severiano
e Zuza H. de Mello, “samba moderno, um meio termo entre a bossa nova e o tradicional” (SEVERIANO
E MELLO, 1999, v.2:16).
127
Além desses trios, houve grupos com mais integrantes. Temos em nossa discoteca gravações do
quinteto “Os Ipanemas” (CBS: 37332) e do conjunto “Os Catedráticos” (EQUIPE: EQ-802, EQ-806, EQ-
81), composto por onze componentes. Talvez os “trios” tenham tornado-se moda nessa época, mas essas
formações existiam há mais tempo. Já em 1953, Luiz Eça, Ed Lincoln e Paulinho Ney formava um trio
que tocava no “Bar Plaza” (DREYFUS, 1999:47).
79
Severiano e Zuza H. de Mello (1999, v.2:17) dizem que o auge do “iê-iê-iê” se deu
entre 1965 e 1967 devido a um programa de televisão comandado por Roberto Carlos.
BADEN POWELL
Como foi dito antes, não consideramos Baden Powell um violonista típico da
bossa nova, contrariando o que afirmam alguns pesquisadores. Tinhorão (1997) cita o
violonista como um dos “pais” da bossa nova. Jairo Severiano e Zuza H. de
Mello o destacam como um “músico compositor” daquele movimento, ao lado de João
Donato e Eumir Deodato (SEVERIANO E MELLO, 1999, v.2). 129 Ruy Castro também
o inclui no movimento e diz que, juntamente com Vinícius de Moraes, compôs duas
músicas ícones daquele estilo: “Samba da Benção” e “O Astronauta” (CASTRO,
2000:315).
Alguns podem citar Baden, mas fazem observações muito pertinentes. Sérgio
Cabral diz que o violão dele “não tinha a secura do violão de João Gilberto, (...) com
seu estilo radicalmente enquadrado dentro das fronteiras da bossa nova. A própria
128
Livre docente em letras e literatura pela Sorbone. É também autora de Vida de viajante: a saga de Luiz
Gonazaga (Editora 34, 1996).
129
Em entrevista concedida a Sérgio Cabral, em 1977, João Donato afirmou que não tinha nada a ver com
a bossa nova, inclusive achando-a “meio enjoada, meio lengo-lengo e cheia de nhenhennhém” (In:
CHEDIAK, 1990, v. 1:16).
80
música feita por Baden não tinha essa radicalização bossa-novista de um Roberto
Menescal, por exemplo” (In: HISTÓRIA DA MÚSICA POPULAR BRASILEIRA –
BADEN POWELL E PAULO CÉSAR PINHEIRO, 1982:1). Júlio Medaglia diz que o
nome de Baden afirmou-se numa “nova fase” da bossa nova, quando ela estaria se
130
abrindo para os grandes “contatos populares” (In: CANPOS, 1993:18). Citamos
anteriormente o “aprendizado musical” de Baden com o seu professor Meira (Jayme
Florence) dos oito aos treze anos. Achamos importante nos determos um pouco mais
sobre sua formação musical. Meira, além de professor, era, juntamente com Dino
(Horondino Silva), violonista do regional de Benedito Lacerda. 131 Após as aulas, havia
rodas de choro, na qual participavam não só os alunos. Também apareciam músicos
profissionais amigos de Meira. Os músicos sentavam-se, davam o tom e começavam a
tocar, e os acompanhadores simplesmente tinham que “ir atrás”. 132 Com Meira, Baden
passou a estudar também violão erudito através das obras de Tárrega, Fernando Sor e
Barrios.133 Além da facilidade técnica, Baden seria bastante dedicado ao estudo do
instrumento e, por isso, Meira o introduziu em um ambiente musical mais amplo,
passando a levá-lo à Rádio Tupi e apresentando-o a figuras expressivas da música
brasileira, como Pixinguinha, João da Baiana, Bide, Benedito Lacerda, Ismael Silva e
Donga. Deste último, Baden tornou-se grande amigo. Dreyfus diz que Baden tomou
contato com a música nordestina no bairro onde morava, São Cristóvão, assistindo os
imigrantes dançando forró e fazendo repentes. Mesmo antes de deixar as aulas com
Meira, Baden já tocava em bailes, festas de adolescentes e batizados.134 Nessa época, os
gêneros americanos mais ouvidos pelos adolescentes eram jazz, bebop, swing e fox-trot.
Baden, além de executa-los, também os apreciaria. A fim de aprofundar seus
conhecimentos musicais, ele ingressou na Escola Nacional de Música. Seu contato com
o samba se deu não só através de seu professor. Freqüentemente ele ia aos Morros da
Mangueira, Tuiuti e Borel, todos próximos a São Cristóvão, participando de rodas de
samba locais. Em fins dos anos quarenta, Baden substitui o violonista Carlos Mattos no
130
Ruy Castro diz que a bossa nova, nessa fase, 1966/1967, estava perdendo força, devido não só à
ascensão da “jovem guarda”, mas “muito pela traição `a sua fórmula original, ao apresentar figuras da
música popular que pouco ou nada tinham a ver com a bossa nova como Elizeth Cardoso” (CASTRO,
2000:406). Essa “fórmula original”, segundo Medaglia, seria “canto e violão (...) pequenos conjuntos (...)
prática do „canto falado‟ ou do „cantar baixinho‟ ” (In: CAMPOS, 1993:72).
131
Em 1950, passa a se chamar “Regional do Canhoto” (Dreyfus, 1999:20).
132
Até hoje é comum essa prática.
133
Meira sabia ler música e também era solista, coisa pouco comum na época, segundo vários
depoimentos.
134
Elton Medeiros lembra de Baden nessa época: “Eu lembro dele, muito novo, tocando no clube Lígia,
em Olaria, fazendo tardes dançantes” (Elton Medeiros).
81
Como vimos, Baden, ao final dos anos cinqüenta, tinha uma carreira como
violonista/acompanhador já consolidada, atividade profissional já tradicional dentro da
música popular brasileira desde, pelo menos, o início dos anos trinta, com a formação
dos “conjuntos regionais”. É nessa época que surge o movimento da bossa nova, em
135
Como o próprio nome indica, os calouros tentavam imitar grandes artistas. Baden chegou a ganhar o
primeiro prêmio, executando uma obra de Dilermando Reis (DREYFUS, 1999). O programa esteve no ar
por vinte e oito anos e teria sido um dos principais responsáveis pela revelação de novos talentos da
música brasileira (SAROLDI E MOREIRA, 1984:42).
136
Também por essa época, faz amizade com Guerra Peixe (DREYFUS, 1999).
137
Essas informações encontram-se em DREYFUS (1999: 21 à 64).
82
138
Talvez o primeiro show da bossa nova, já que muitos daqueles jovens se apresentaram e tocaram suas
composições (CASTRO, 2000).
139
Segundo os depoimentos, poucos eram os violonistas que além de acompanhadores também solavam.
140
Para Ruy Castro, em 1959, Baden ainda não estaria “associado” à bossa nova (CASTRO, 2000:234).
141
O título da quinta música sugere um samba: “Amor Sincopado”.
142
Segundo Jairo Severiano e Zuza H. de Mello a fase de maior evidência do movimento vai até
novembro de 1962 com o show no Carnegie Hall em Nova York (SEVERIANO E MELLO, 1999,
v.2:15). A Philips havia lançado um ano antes o disco Bossa Nova Carlos Lyra. Baden fez o violão em
uma faixa que, segundo Ruy Castro, estava “muito mais para o jazz que para bossa nova” (CASTRO,
2000:263).
83
OS AFRO-SAMBAS
Alujá de Xangô:
143
Vinícius explica, na contra capa desse disco, que são “temas negros de candomblé”.
144
Entramos em contato com ex-alunos de Guerra-Peixe, os professores Antônio Guerreiro, Maria
Aparecida Antonello Ferreiro e Sivuca a fim de confirmar essa informação, os três desconhecem esse
fato. Antônio Guerreiro defendeu tese de mestrado sobre Guerra-Peixe, Maria A. A Ferreiro foi monitora
de Guerra-Peixe na Pró-Arte, em meados dos nos sessenta. Sivuca estudou com Guerra-Peixe em fins dos
anos cinqüenta, além de ter sido amigo de Baden.
84
Hamunha:
atabaque maracá
agogô
1° estruturação 2° estruturação
1º estruturação 2º estruturação
145
Ressaltamos que os ritmos que escrevemos não são absolutos. Os instrumentistas executam variações
nessas estruturas ao longo das execuções. Essa observação vale para as demais músicas.
85
atabaque
86
Violão e Atabaque:
.
Escrito em compasso alternado:
146
A composição “Berimbau”, é de 1962. Vinícius, na contra-capa dos Afro-sambas, explica que embora pertença à
série, não entrou no disco “por ser demais conhecido”. Posteriormente, em 1990, Baden regravou os Afro sambas e aí
constam “Variações sobre Berimbau”.
87
147
Observamos sempre que o percussionista executa diversas variações nessa célula, mas é ela que
norteia o acompanhamento.
88
Berimbau
Consolação
Nos detivemos sobre as estruturas dos “Afro-Sambas” pois, pelo que sabemos,
poucos foram os compositores que se utilizaram dessas rítmicas, sobretudo as compostas,
em obras populares.148 Buscamos entender o porquê dos “Afro-sambas”, oitavo disco do
compositor, terem sido gravados apenas em 1966, se isso já poderia ter sido feito bem
antes, mas não encontramos nenhuma razão que apontasse para possíveis motivos.
Chegamos a pensar em fatores comerciais, já que o disco foi lançado na mesma época
em que alguns pesquisadores afirmam que a bossa nova perde público acentuadamente
mas, como vimos, composições “afro sambas” foram gravadas em 1963.
148
Vinícius de Moraes, na contra-capa do disco Os Afro-Sambas, cita os “Três Pontos de Santo” de Jayme Ovalle.
Podemos citar também “Festa de Umbanda” de Martinho da Vila; “Gênesis” e “Tiro de Misericórdia” de João
Bosco/Aldir Blanc; “ Nanaê, Nanâ Naiana” de Sidney da Conceição e “Sindorerê” de Candeia.
149
Os discos Baden Powell à vontade e No tempo da Bossa Nova, Vinícius + Odete Lara foram gravados
no Rio de Janeiro em 1963 pela Elenco (DREYFUS, 1999:98 e 102).
90
150
Meira também foi professor de Maurício.
91
Essa afirmação nos leva a indagar o que é uma música para ser cantada. Fizemos essa
pergunta à Luciana Rabelo e, na sua opinião:
“(...) eu não compunha para que a música tivesse letra. Todas as minhas
obras foram desenvolvidas no instrumento. Algumas vezes eu criava o
tema na rua, mas o desenvolvimento era no instrumento. (...) Tenho
sambas com Ataulfo Alves. O filho dele também gravou coisas minhas.
Mas repito, quando eu fiz tudo isso não pensei em letra, e nem pensei:
„Isso aqui vai ficar bonito com uma letra‟ (...) os que faziam a mesma
coisa que eu, não estavam nem aí se a música teria letra ou não, mas
acontece que alguém sempre queria colocar. Quando Pixinguinha fez
“Carinhoso” ou “Lamento”, não pensou em letra, puseram depois. O
compositor não vai se opor, porque é interessante, é mais uma gravação”
(Ednaldo Vieira Lima).
152
Segundo ele, algumas músicas suas receberam letra e fizeram sucesso, como por exemplo “Comigo é Assim”
gravada por Tom Jobim e Miúcha.
153
Posteriormente a este depoimento, encontramos um disco instrumental de Maurício Carrilho e João de Aquino. Há
cinco sambas compostos por ambos. Telefonamos para Maurício a fim de sabermos se possuíam letra. Ele afirmou
que foram concebidos apenas instrumentalmente e que, no dia do depoimento, não lembrou do respectivo disco.
92
No que se refere a Baden, uma coisa é curiosa, grande parte das obras
executadas por ele em seus shows e discos eram músicas concebidas para que tivessem
letra, mas eram apresentadas instrumentalmente.
Dissemos anteriormente que possuíamos dez discos de Baden Powell e que
constatamos que grande parte daquele trabalho constituía-se de sambas executados
instrumentalmente, inclusive de outros autores. Acreditávamos que o gênero samba
seria a tônica mais forte no restante de seu trabalho, fosse como compositor ou
intérprete. Sobre o trabalho discográfico de Baden Powell, Magalhães destaca uma
característica: “o ecletismo na escolha do repertório” (MAGALHÃES, 2000:22).
Apesar desse ecletismo, o autor salienta que o samba é “sem dúvida, o gênero principal
na produção de Baden” (idem:50). Na discografia organizada por Dreyfus (1999)
constam sessenta e um discos gravados entre LPs e CDs, não estando incluídas
coletâneas. Excetuando-se o quinto, o vigésimo sétimo e o qüinquagésimo oitavo
discos, Dreyfus indica o repertório contido em todos eles. Para o nosso objetivo,
verificar se o samba é a tônica mais forte no trabalho de Baden Powell,
desconsideramos aqui quatro discos, o trigésimo segundo (gravado no Japão
inteiramente composto por músicas do repertório tradicional japonês), o qüinquagésimo
primeiro, (um disco temático contendo apenas valsas), o qüinquagésimo segundo
(regravação dos Afro-sambas em 1990) e o sexagésimo disco (João Pernambuco e o
Sertão, anti-penúltimo disco). Desconsiderando esses discos, e levando em conta as
informações de Dreyfus, totalizamos quinhentas e seis músicas. Ao longo de nossas
pesquisas adquirimos mais vinte e um discos de Baden Powell, totalizando trinta e um.
Ouvindo esses discos, chegamos ao total de cento e trinta gravações que
classificamos como “samba”, dez que classificamos como “samba-canção”, quatorze
com maior tendência à rítmica à “bossa nova”, seis em que há momentos intercalados
entre bossa nova e samba, que denominamos “bossa nova/samba” e três que
classificamos como ”samba-choro” totalizando cento e sessenta e três músicas. 154
154
Vide anexo 6.
93
CONCLUSÃO
155
A despeito disso, lembramos que Baden fazia seus sambas para que tivessem letra.
94
“As minhas músicas não fizeram muito sucesso porque não tinham
letras. Nem pensava em letra. Só fui pensar nisso depois de 1972, quando
voltei ao Brasil e o pessoal dizia que minhas músicas deviam ter letras.
(...) Letra só é importante porque faz a música vender mais e dá mais
dinheiro. Música, para mim é melodia, harmonia e ritmo. Letra não é
156
Vide capítulo “Choro”, nota de pé de página n°13.
157
Um outro exemplo da complexidade dessas relações foi a criação do programa semanal “Um Milhão
de Melodias” da Rádio Nacional, em 1943. Para esse programa foi organizada a “Orquestra Brasileira”
regida por Radamés Gnattali. O repertório era escolhido por Haroldo Barbosa: duas músicas atuais, duas
antigas e três músicas estrangeiras de grande sucesso. Quem patrocinava o programa era a “Coca-Cola”
que o usava como “ponta-de-lança” para o lançamento do refrigerante no Brasil, o anunciante ganhava
lugar de destaque equivalente ao das estrelas que desfilavam no programa” (SAROLDI E MOREIRA,
1984:30).
95
música. Quando você vai estudar música, ninguém fala em letra” (In:
CHEDIAK:1999, v.3:21).
“Ninguém queria perder tempo de fazer uma música para não gravar,
então punha-se uma letra” (Edivar Pires);
“Naquela época, o mais comum era que se fizesse uma música já com
o sentido da letra. Música para ser apenas tocada não era o comum.
Mesmo que o compositor fizesse só a parte musical, uma outra pessoa
fazia uma letra. (...) Podia ser samba, valsa, fox etc” (Ednaldo Lima);
“Eu por exemplo só fazia músicas para a Isaura Garcia. Ela chegava de
São Paulo e telefonava para mim, querendo saber se eu tinha alguma
coisa. Em geral eu tinha, então eu ia me encontrar com ela para lhe
ensinar a música” (Horondino Silva);
Por fim, queremos deixar claro que não estamos aqui trazendo nenhuma “verdade
definitiva” sobre os assuntos abordados, e que novas pesquisas, tanto nossas quanto de
outros, são necessárias e serão bem-vindas.
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Anexo 1
1) Tendo como universo os anos de 1930, 1940 e 1950, perguntamos se, na opinião do
entrevistado, isto seria realmente apenas um fato aparente? Se assim for, pedimos para
que sejam citados esses sambas.
Caso não seja, ponderar o seguinte: Nas gravações de sambas cantados nessas décadas,
constatamos que era freqüente nos arranjos, fosse com acompanhamento de orquestras,
conjuntos regionais, ou qualquer outra formação, a ocorrência de introduções,
interlúdios, pós-lúdios, passagens modulantes, contrapontos, variações sobre o tema etc.
Ou seja, procedimentos bastante sofisticados do ponto de vista instrumental.
Aparentemente temos também o seguinte fato: Compositores/arranjadores se por um
105
lado empregavam esses recursos para enriquecer sambas cantados, quando criavam suas
obras instrumentais, não o faziam neste gênero, ou o utilizavam com pouca freqüência.
3)Além do choro e da valsa, que outros gêneros eram utilizados mais freqüentemente
em composições instrumentais, ou inicialmente assim concebidas?
4) Será que a associação “samba é música com letra” era algo tão naturalmente
enraizado que os compositores não cogitavam criar obras puramente instrumentais no
gênero, ou havia no íntimo algum tipo de preconceito musical?
7) Seria o choro naquelas décadas considerado mais nobre que o samba? E hoje, como é
visto?
10) Em rodas-de-samba em que estivessem chorões era comum que eles fizessem
“improvisos”, ou só acompanhavam os cantores? Quem eram esses músicos?
14) O entrevistado conhece sambas instrumentais que tenham sido compostos para
violão solo?
Ouvimos de dois violonistas a afirmação de que a maioria dos violonistas das referidas
décadas não teria técnica suficiente para solar. Podiam acompanhar bem, mas poucos
eram capazes de fazer harmonia e melodia conjuntamente.
16) Garoto, Dilermando Reis, Luiz Bonfá e Baden fizeram alguns arranjos de sambas
cantados para violão solo. Quem mais fazia?
17) Acreditamos que uma tônica muito forte na obra de Baden Powell é justamente o
gênero samba. Indagar do entrevistado o que ele acha disso.
Anexo 2
Sambas Instrumentais,
Composições Cantadas ou Instrumentais em Ritmo de Samba e
“Sambas-Choros” (cuja „levada‟ é de samba)158
Queremos ressaltar que os títulos abaixo foram localizados com base em pesquisa feita
apenas em nossa discoteca. Não incluímos aqui os discos “para dançar” de Valdir
Calmon, Moacyr Silva, Carolina Cardoso de Meneses etc, citados anteriormente.
158
Conforme observação de Luciana Rabello, Afonso Machado e Maurício Carrilho.
107
LPs:
Violão Boêmio - Luís Bonfá Odeon: MOFB 3014 s/d
- Dona Carol (Luiz Bonfá) Intérprete : Luiz Bonfá
- Feitiço da Vila (Noel Rosa/Vadico) Intérprete : “
Brasil Universo – Hermeto Pascoal e Grupo Som da Gente: 992 274-1 s/d
- Salve Copinha (Hermeto Pascoal) Intérpretes: H. Pascoal e grupo
159
Octaviano Plácido Pitanga.
108
Brasil, flauta, cavaquinho e violão – Manoel Gomes e grupo MARCUS PEREIRA: MPL9301 1968
- Camundongo (Waldir Azevedo/Risadinha) Intérpretes: Manoel Gomes e grupo
160
Os discos “O Extraordinário Bola Sete”, “Travessuras do Bola Sete” e “Bola Sete em Alta Fidelidade”
foram gravadas em fitas cassetes por um amigo com quem perdemos contato. Coincidentemente, ele
anotou a gravadora e o número de catálogo. Infelizmente, não foram anotados os autores das músicas. As
autorias indicadas foram pesquisadas nos livros “A Canção no Tempo” de Jairo Severiano e Zuza H.
Mello.
109
Recordar é Viver – Altamiro Carrilho e Sua Bandinha, Copacabana Discos: SOLP 40146 1969
70- Boneca de pixe (Ari Barroso) Intérpretes: Altamiro Carrilho e Sua Bandinha
- No tabuleiro da baiana (Ari Barroso) Intérpretes: “
Brasil, flauta, bandolim e violão – Evandro e seu regional MARCUS PEREIRA: MPL9303 1975
110
- No rancho fundo (Ari Barroso) samba canção Intérpretes: Evandro e seu regional
Brasil, sax e clarineta – Abel Ferreira MARCUS PEREIRA: MPL 9310 1976
- Saxofone, por que choras? (Severino Rangel) Intérpretes: Abel Ferreira e grupo
Confusão urbana, suburbana e rural - Paulo Moura, RCA Victor: 103.0168, 1976
- Espinha de bacalhau (Severino Araújo) Intérpretes: Paulo Moura e
grupo
- Notícia (N. Cavaquinho/Alcides Caminha/Norival Bahia) Intérpretes: “
- Bicho papão (Martinho da Vila/Wagner Tiso/ Paulo Moura) Intérpretes: Paulo Moura e
grupo
- Zeca da cuíca (Rosinha de Valença) Intérpretes: “
- Se algum dia (Martinho da Vila) Intérpretes: “
- Amor proibido (Cartola) Intérpretes: “
120- Dois sem vergonha (Paulo Moura/Wagner Tiso) Intérpretes: “
- Dia de comício (Paulo Moura) Intérpretes: “
- Pedra da lua (Toninho Horta) Intérpretes: “
Inéditos de Jacob do Bandolim – Déo Rian e Conjunto Noites Cariocas Eldorado: 31.80.0360 1980
. Quebrando galho (Jacob do Bandolim) Intérpretes: Déo Rian e Conjunto Noites Cariocas
Violão Brasileiro (Edição especial para o Círculo do Livro-três discos) Philips: 6849008 1980
- Tema do boneco de palha (Vera Brasil/Sivan C. Neto) Intérprete: Rosinha de Valença
160- Fogo na roça (Codó) Intérprete: “
- Benzinho (Sebastião Tapajós/Lenóra) Intérprete: Sebastião Tapajós
Performance: César C. Mariano, Victor A. Brasil e Hélio Delmiro, EMI: 31c064 422 954 1985
- Pedra Verde (César C. Mariano) Intérprete: César C. Mariano
- Nada será como antes (M. Nascimento/Ronaldo Bastos) Intérprete: Victor A. Brasil
210- Night and day (Cole Porter) Intérprete: “
- O Cantador (Victor A. Brasil) Intérprete: “
Jazz Brasil Ao Vivo no People: (A. Giffoni, José Staneck, J. Alfredo, Cyd Álvarez) Prod. Ind.992 555 1986
- Batuque (João Alfredo) Intérpretes: Conjunto Jazz Brasil
Paulo Moura, gafieira etc e tal - Paulo Moura, Kuarup: KLP-024, 1986
- Ao velho Pedro (Paulo Moura) Intérprete: Paulo Moura e grupo
- Fibra (Eloir de Moraes/Paulo Moura) Intérprete: “
220- Magia do samba (José Maurício de Paula) Intérprete: “
161
Não estão indicados os nomes dos componentes.
114
Self Portrait – Assis Brasil por Assis Brasil Kuarup: KLP 0-41 1988
- Samba sem nome (Victor Assis Brasil) Intérprete: João Carlos Assis Brasil
Jazz Brasil: (A. Giffoni, José Staneck, João Alfredo, Cyd Álvarez e Célia Vaz) Polygram: 841 700-1 1989
- Marimbanda (Adriano Giffoni) Intérpretes: Jazz Brasil
- Amarelina (Cyd Álvarez) Intérpretes: Jazz Brasil
- Aquele abraço (Gilberto Gil) Intérpretes: “
- Modelo de suingue (Adriano Giffoni) Intérpretes: “
CDs:
Brasileirô – Armandinho Produção Independente: BS 287 1989
- Alto Leblon (Armandinho/Zeca Barreto) Intérpretes: Armandinho e grupo
Água de Moringa: (Josimar Carneiro, Luís F. Alcofra, Jayme Vignoli, André Boxexa, Ruy Alvim, MarcílioLopes)
. Produção Independente 1998
- Arabiando (Esmeraldino Sales) Intérpretes: Água de Moringa
- Com mais de mil (Canhoto da Paraíba) Intérpretes: “
Fazendo Música – Oito violonistas interpretam Luiz Gonzaga da Silva Niterói Discos 1999
- Samba sincopado (Luiz Gonzaga da Silva) Intérprete: Graça Alan
Enciclop. da Música Brasil. n°18 – Waldir Azevedo (coletânea) Warner 6 85738173525 2000
- Amigos do samba (1955) (Waldir Azevedo) Intérpretes: Waldir Azevedo e grupo
- Barracão (Luiz Antônio/Oldemar Magalhães) Intérpretes: “
162
Não estão indicados os nomes dos componentes.
116
O violonista Daudeth de Azevedo (Neco) informou que gravou quatro discos instrumentais na década de
sessenta: Samba e Violão Vol. 1, Samba e violão Vol. 2, Velvet Bossa Nova e Coquetel Bossa Nova .
Anexo 3
Sambas encontrados em alguns discos de Luís Bonfá e Bola Sete (Djalma de Andrade)
Bola Sete
Luís Bonfá
Anexo 4
Sambas de Horondino Silva, Laurindo de Almeida, Luís Bonfá e Dilermando Reis encontrados
na Biblioteca Nacional.
Horondino Silva
163
Nos arranjos para orquestra, a presença do baterista era imprescindível.
118
Laurindo de Almeida
Luís Bonfá
Dilermando Reis:
Anexo 5
Anexo 6
164
Aqui, indicamos em vermelho músicas que ouvimos e comprovamos o ritmo de samba ou afins. No
caso de regravações que não tivemos oportunidade de ouvir, indicamos o título em azul.
122
Apresentando Baden Powell seu Violão (Philips 1959, Rio de Janeiro. 1° disco)
1) Stella by Starlight
2) Amor Sincopado
3) Estrellita
4) Na Baixa do Sapateiro (Ari Barroso) samba - 1
5) Lover
6) Maria (Ari Barroso/Luiz Peixoto) samba-canção (1)
7) My Funny Valentine
8) Love Letters
9) Samba Triste (Baden) samba - 2
10) Aquellos Ojos Verdes
11) Carinhoso (Pixinguinha)
12) All The Things You Are (J. Kern - O. Hammerstein)
BadenPowell Swings With Jimmy Pratt (Elenco, 1962, Rio de Janeiro. 3° disco)
1) Deve Ser Amor (Baden/Vinícius) bossa nova [4]
2) Coisa n° 1 (Moacyr Santos)
3) Rosa Flor (Baden) bossa nova [5]
4) Tema n° 1 (Baden)
5) Encontro com a saudade (Baden)
6) Manequim 46 (Monteiro de Souza/Alberto Paz) bossa nova [6]
7) Samba de uma Nota Só (Tom Jobim/Newton Mendonça) samba - 6
8) Coisa n° 2 (Moacyr Santos)
9) Não é bem assim (Baden) samba – 7
10) Canção do Amor Sem Fim (Alayde Costa/Geraldo Vandré)
165
Segundo Magalhães (2000:33) os arranjos são do pianista Ed Lincoln.
123
166
Segundo Dreyfus (1999:60) a introdução desta música foi composta por Baden.
124
Ao Vivo no Teatro Santa Rosa (Elenco, 1966, Rio de Janeiro. 10° disco)
1) Choro Para Metrônomo (Baden)
2) O Astronauta (Baden/Vinícius) samba - 25
3) Valsa de Eurídice (Vinícius)
4) Prelúdio em Ré menor (Bach)
5) Berimbau (Baden/Vinícius) samba - 26
6) Consolação (Baden/Vinícius) samba - 27
7) Lamento (Pixinguinha) samba-choro 1
8) Samba de Uma Nota Só (Tom Jobim/Newton Mendonça) samba - 28
9) Tempo Feliz (Baden/Vinícius) samba - 29
Baden (Elenco, 1966, Rio de Janeiro. 11° disco) ou Tristeza on Guitar (Saba)167
1) Canto de Ossanha (Baden/Vinícius) samba - 30
2) Tristeza (Haroldo Lobo/Miltinho) samba - 31
3) Manhã de Carnaval (Luiz Bonfá/Antônio Maria)
4) Round About Midnight (Thelonious Monk)
5) Invenção em 7 e ½ (Baden)
6) Canto de Xangô (Baden/Vinícius) instrumental
7) Percussão e Batuque Apenas instrumentos de percussão samba - 32
8) Lamento (Pixinguinha) samba-choro 2
9) Saravá (BadenVinícius) samba - 33
10) Das Rosas (Caymmi)
167
Segundo Dreyfus (1999:162) no disco lançado pela SABA consta a música “Som de Carnaval”, em
parceria com o flautista Copinha. Provavelmente trata-se de “Percussão e Batuque”. A música “O
Astronauta” também é indicada, no entanto não consta no disco que ouvimos.
125
3) Berimbau (Baden/Vinícius)
Baden, Márcia e os Originais do Samba (Philips, 1968, São Paulo. 15° disco)168
1) Vento Vadio (Baden/Paulo C. Pinheiro)
2) Marcha Escocesa (Baden)
3) Carinhoso (Pixinguinha/João de Barro)
4) Eurídice (Vinícius)
5) Berimbau (Baden/Vinícius) samba - 35
6) Canto de Pedra Preta (Baden/Vinícius) samba - 36
7) Só por Amor (Baden/Vinícius) samba - 37
8) Apelo (Baden/Vinícius)
9) Samba da Benção (Baden/Vinícius) cantado samba - 38
Le Monde Musical de Baden Powell (Vol. 2) (Barclay, 1969, Paris. 16° disco)
1) Lapinha (Baden/Paulo C. Pinheiro) cantando samba - 39
2) Nocturne n° 13, op. 48 n° 1 (Chopin)
3) Lamento (Pixinguinha) samba-choro 3
4) A Volta (Baden/Paulo C. Pinheiro) samba - 40
5) Ao Meu Amigo Pedro Santos (Baden)
6) Formosa (Baden/Vinícius) samba - 41
7) Ária (J.S. Bach)
8) Iemanjá (Baden)
9) Três Histórias (Baden) samba-canção (3)
10) Largo (Haendel)
168
Gravado Ao Vivo no Teatro Bela Vista
126
Live in Japan (gravado em 1970 - 18° disco) Dreyfus (1999:204) afirma que a Barclay
lançou este disco ainda em 1970 com o título Baden Powell Face au Public, e acrescenta
que uma das músicas que constam nele é “Round About Midnight”, do pianista
Thelonious Monk. Este 18° disco não consta na discografia selecionada pela autora. É
indicada a gravação do disco Face au Public: Olympia 1972 (1972, Tokyo, King
Records) mas na relação das músicas do disco não consta a música de Thelonious
Monk. (DREYFUS, 1999:368).
É de Lei (Philips, 1970, Rio de Janeiro. 20° disco) ou Imagem on Guitar (Willingen)
1) Até eu (Baden/Paulo C. Pinheiro) samba - 42
2) Petite Waltz (Baden)
3) Violão Vagabundo (Baden/Paulo. C. Pinheiro) samba-canção (4)
4) Conversa Comigo Mesmo (Baden) candomblé 6
5) Blues à Volanté (Baden/J. de Waleyne) samba - 43
6) Sentimentos, se Você Pergunta, Nunca Vai Saber (Baden)
7) É de Lei (Baden/Paulo C. Pinheiro) samba - 44
8) Canto (Baden)
Lotus (Musidisc, 1970, Paris; gravação ORTF, “Jazz Samba” 21° disco)
1) Pai (Baden)
2) Tristeza (Haroldo Lobo/Miltinho)
3) Round About Midnight (Thelonious Monk)
4) Nega do Cabelo Duro (Rubens Soares/David Nasser)
5) Aos Pés da Santa Cruz (Marino Pinto/Zé Gonçalves)
127
6) Lotus (Baden)
Volume 2:
1) Samba do Perdão (Baden/Paulo C. Pinheiro) (cantado) samba - 49
2) Cidade Vazia (Baden/Lula Freire) samba - 50
3) Canção do Filho (Baden/Paulo C. Pinheiro) candomblé 7
4) Pai (Baden) samba - 51
5) Ingênuo (Pixinguinha e Benedito Lacerda)
6) Qua Quara Qua Quá (Baden/Paulo C. Pinheiro) (cantado) samba - 52
Volume 3:
1) Coisa n° 1 (Moacyr Santos) samba - 53
2) Terra de Katmandou (Baden) finaliza em candomblé
3) A Primeira Vez (Alcebíades Barcelos/A. Marçal) samba - 54
4) Ferro de Passar/Berimbau (Baden/Paulo C. Pinheiro) samba - 55
5) Falei e Disse (Baden/Paulo C. Pinheiro) cantado samba - 56
6) Lua Aberta (P. Frederico/João de Aquino) samba - 57
9) Brasiliana (Baden)
10) Bassamba (Eberhard Weber) samba - 61
11) Por Causa de Você (Tom Jobim/Dolores Duran)
12) Solitário (Baden)
32° disco. Foi gravado no Japão e consta de trinta e duas músicas do repertório
tradicional japonês. Baden só ficou sabendo o que iria gravar ao chegar no estúdio. O
acompanhamento foi gravado previamente em play-back. Como eram músicas curtas,
Baden leu-as e gravou-as numa mesma noite e, segundo Dreyfus nunca quis saber do
resultado final (DREYFUS, 1999:219). Vale acrescentar que ganhou trinta mil dólares
por este trabalho (idem).
Apaixonado (MPS, 1973, Rio de Jameiro. 35° disco) Composições sem parceria.171
1) Casa Velha (Baden)
2) Alcântara (Baden)
3) Igarapé (Baden)
4) Estórias de Alcântara (Baden)
5) Waltzing (Baden)
6) Lembranças (Baden)
7) Abstrato (Baden)
8) As Flores (Baden)
9) Balantofone (Baden)
10) Brisa do Mar (Baden)
Baden Powell Gravado ao Vivo em Paris (Barclay, 1973, Paris. 36° disco)172
1) Garota de Ipanema (Tom Jobim/Vinícius) samba - 70
173
2) Eurídice (Vinícius)
3) Jesus Alegria dos Homens (J.S. Bach)
171
Segundo Dreyfus (1999:238) essas músicas não constam em nenhum outro disco, bem como não
foram executadas em nenhuma apresentação. Assim sendo, ela acredita tratarem-se de “improvisações”.
172
Dreyfus não menciona em seu texto a gravação de nenhum outro disco no ano de 1973 além de
“Apaixonado” mas, na discografia selecionada pela autora, ele está incluído (DREYFUS, 1999:368).
173
Conforme verificamos, esta música consta no álbum, mas Dreyfus não a incluiu na sua relação
(DREYFUS, 1999:368).
130
Volume 1:
1) Eu vim da Bahia (Gilberto Gil) bossa nova/samba {1}
2) Meditação (Jobim/Newton Mendonça) bossa nova/samba {2}
3) Berimbau (Baden/Vinícius) bossa nova/samba {3}
4) Desafinado (Jobim/Newton Mendonça) bossa nova/samba {4}
5) Samba de Uma Nota Só (Tom Jobim/Newton Mendonça)178 samba - 87
6) Isaura (Herivelto Martins/Roberto Roberti) samba - 88
7) Aquarela do Brasil (Ari Barroso) samba - 89
179
8) Amor em Paz (Tom Jobim/Vinícius) samba-canção (7)
Volume 2:
1) Michelle (Lennon/McCartney)
2) Yesterday (Lennon/McCartney)
3) Summer 42 (Michel Legrand)
4) Fumett (Stephane Grappelli)
5) You are the Sunshine of My Life (Stevie Wonder)
6) O Pato (Jaime Silva/Neuza Teixeira) samba - 90
7) Recado (Djalma Ferreira/Luiz Antônio)
The Frankfurt Opera Concert (gravado em 1975 e lançado somente em 1992, Tropical
Frankfurt. 41° disco)180
1) Valsa de Eurídice (Vinícius)
2) Prelúdio (Baden)
3) Asa Branca (Luiz Gonzaga/Humberto Teixeira)
4) A Lenda do Abaeté (Caymmi)
5) Se Todos Fossem Iguais a Você (Tom Jobim/Vinícius)
6) Samba Triste (Baden/Billy Blanco)
7) Petite Valse (Baden)
8) Imagens (Baden)
9) Pescador (Baden)
10) Valsa n° 1 (Baden)
11) Berceuse (Baden/Vinícius)
12) Variações Sobre Canto de Ossanha (Baden/Vinícius)
13) Coisa n° 1 (Moacyr Santos)
14) Marcha Escocesa (Baden)
178
No disco lançado no Brasil pela “Imagem” foi omitido o nome de Newton Mendonça.
179
No disco lançado no Brasil pela “Imagem” foi omitido o nome de Vinícius de Moraes.
180
Show gravado ao vivo em Frankfurt, em 1975. Baden só autorizou o lançamento 17 anos mais tarde
(DREYFUS, 1999:238).
132
Baden Powell Canta Vinícius de Moraes e Paulo César Pinheiro (Festival, 1977, Paris.
44° disco)
1) Labareda (Baden/Vinícius) samba - 91
2) Linda Baiana (Baden/Vinícius) samba - 92
3) Cavalo Marinho (Baden/Vinícius)
4) Samba da Benção (Baden/Vinícius) samba -93
5) É de Lei (Baden/Paulo C. Pinheiro) samba - 94
6) Cancioneiro (Baden/Paulo C. Pinheiro)
7) Figa de Guiné (Baden/Paulo C. Pinheiro) samba - 95
8) Falei e Disse (Baden/Paulo C. Pinheiro) samba-canção (8)
9) Besouro Mangagá (Baden/Paulo C. Pinheiro) samba - 96
Maria D‟ Apparecida Chante Baden Powell (ADDA, 1977, Paris. 45° disco)
1) Deixa (Baden/Vinícius) samba - 97
2) A Volta (Baden/Paulo C. Pinheiro) samba - 98
3) Carta ao Poeta (Baden/Paulo C. Pinheiro) samba - 99
4) Qua Quara Qua Qua (Baden/Paulo C. Pinheiro) samba - 100
5) Violão Vadio (Baden/Paulo C. Pinheiro) samba-canção (9)
6) Amanhecer (Baden/Sílvia Powell) samba - 101
7) Refém da Solidão (Baden/Paulo C. Pinheiro) samba - 102
8) Sermão (Baden/Paulo C. Pinheiro)
9) Samba do Perdão (Baden/Paulo C. Pinheiro) samba - 103
10) As Verdades (Baden/Paulo C. Pinheiro) samba-canção (10)
O Grande Show: Ao Vivo No Teatro Procópio Ferreira (WEA, 1979, Rio. 46° disco)
1) Canto de Ossanha (Baden/Vinícius) samba - 104
2) Samba Novo (Baden) samba - 105
3) Refém da Solidão (Baden/Paulo C. Pinheiro) samba - 106
4) Petite Valse (Baden)
5) Tempo Feliz (Baden/Vinícius) samba - 107
6) Se Todos Fossem Iguais A Você (Tom Jobim/Vinícius)
7) Asa Branca (Luiz Gonzaga/Humberto Teixeira)
8) Eurídice (Vinícius)
9) Samba da Benção (Baden/Vinícius) samba - 108
10) A Lenda do Abaeté (Caymmi)
11) Valsa n° 1 (Baden)
12) Tributo a Juazeiro (Baden)
13) Berimbau (Baden/Vinícius) samba - 109
133
Nosso Baden (WEA, 1979, Brasil. 47° disco) ou Simplesmente (Mary Mélodie na
França)
1) Mesa Redonda (Baden/Paulo C. Pinheiro) (cantado) samba - 110
2) Jongo (João Pernambuco)
3) Até Eu (Baden/Paulo C. Pinheiro) (cantado) samba - 111
4) Cai Dentro (Baden/Paulo C. Pinheiro)(cantado) samba -112
5) Odeon (Ernesto Nazareth)
6) Queixa (Baden/Vinícius) (cantado) samba - 113
7) Abismo de Rosas (Canhoto)
8) Ingênuo (Pixinguinha/Benedito Lacerda)181
9) Canção das Flores (Baden/Paulo C. Pinheiro)
181
Equivocadamente, consta no disco que os autores são Pixinguinha e Baden, omitindo-se o nome de
Benedito Lacerda.
182
Gravado ao vivo durante o show “Nosso Baden”. Era a parte do show em que Baden homenageava o
parceiro falecido naquele ano (DREYFUS, 1999:272).
183
Álbum gravado ao vivo e que não consta na discografia organizada por Dreyfus. Com respeito a shows
na Itália, a autora apenas menciona que Baden se apresentou pela primeira vez ao público Italiano em
janeiro de 1981, em Milão (Teatro Nazionale) e Roma (Teatro Sistina).Teriam sido apresentações sem
acompanhamento de outros músicos, como é caso deste disco.
184
O violonista executa as duas “batidas”.
134
Seresta Brasileira (Caju, 1991, São Paulo. 51° disco) ou Rio das Valsas (JSL, na
França)
1) Rosa (Pixinguinha)
2) Serenata do Adeus (Vinícius)
3) Valsa Sem Nome (Baden/Vinícius)
4) Primeiro Amor (Patápio Silva)
5) Velho Amigo (Baden/Vinícius)
6) O Que Tinha de Ser (Baden/Vinícius)
7) Chão de Estrelas (Sílvio Caldas Orestes Barbosa)
8) Canção do Amor Ausente (Baden/Vinícius)
9) Revendo o Passado (Freire Júnior)
10) Valsa de Eurídice (Vinícius)
--------------------------------------------------------
Gravações em CDs:
Live at Rio Jazz Club (Caju, 1990, Rio de Janeiro. 52° disco)
1) Introdução
2) Valsa de Eurídice (Vinícius)
3) Samba do Avião (Tom Jobim)
4) Tributo a Dorival Caymmi: Rosas de Abril e Dora
5) Jongo (João Pernambuco)
6) Formosa (Baden/Vinícius)
7) Variações Sobre Asa Branca (Luiz Gonzaga/Humberto Teixeira)
8) Naquele Tempo (Pixinguinha)
9) Rosa (Pixingiunha)
10) Gente Humilde (Garoto)
11) Samba em Prelúdio (Baden/Vinícius)
12) Choro em Menor (Baden)
13) Gracioso
14) Violão Vadio (Baden/Paulo C. Pinheiro)
185
Há uma introdução com diversas batidas de samba peculiares a Baden.
135
Baden Powell e Filhos Ao Vivo (CID, 1994, Rio de Janeiro. 55° disco)
1) Apresentação de Philippe Baden Powell: Invenção a duas Vozes (Bach)
2) Apresentação de Louis-Marcel Powell: Prelúdio das Diminutas
3) Variações sobre Asa Branca (Luiz Gonzaga/Humberto Teixeira)
4) Retratos Brasileiros [pot-pourri]: A Jangada Voltou Só
Atirei o Pau no gato
Teresinha de Jesus
Carneirinho, Carneirão
Hino ao Clube do Flamengo
Carinhoso
5) Magoado (Dilermando Reis)
6) Gente Humilde (Garoto)
7) Samba Novo (Baden) samba - 129
8) Prelúdio Para a Mão Esquerda (Baden/Lois-Marcel Baden)
9) Vento Vadio (Baden/Paulo C. Pinheiro)
10) Naquele Tempo (Pixinguinha)
11) Atravessado
12) Tributo ao Blues (Baden/Philippe Baden Powell)
Baden Powell de Rio à Paris (Body & Soul, 1994, Rio de Janeiro. 56° disco)
1) Mesa Redonda (Baden/Paulo C. Pinheiro)
2) Samba Novo (Baden)
186
Vinte e quatro anos depois, Baden quis refazer o álbum de 1966. Para ele, aquela gravação “era de
péssima qualidade sonora” (DREYFUS, 1999:322). Ele mesmo rescreveu os arranjos (os originais eram
de Guerra-Peixe) e assumiu a direção musical e regência. No Brasil, saiu uma tiragem de apenas 3.000
cópias para serem distribuídas de brinde. Mais tarde foi liberado para a Europa (pelo selo JSL) e no Japão
(idem).
136
Baden: João Pernambuco e o Sertão (SESC, 1999, São Paulo. 60° disco)
Composições do violonista João Pernambuco.
1) Luar do Sertão
2) Brasileirinho
137
3) Sons de Carrilhões
4) Valsa em Lá
5) Graúna
6) Dengoso
7) Estudo n° 1
8) Pó de Mico
9) Sonho de Magia
10) Interrogando
189
As indicações dos gêneros musicais constam na edição.
190
Também na Biblioteca Nacional, encontramos outra partitura cujo o gênero indicado é “Rock Balada”.
143
Anexo 7
Depoimentos
Nicanor Teixeira
(02/09/2000)
Nicanor: Quando se fala em samba, se associa sempre a uma poesia, a uma letra.
Sambas compostos apenas na forma instrumental são raros. Pode acontecer, mas a
proporção é mínima.
Nicanor: Faz sentido. Mas isso cai de novo no que eu disse. Se um compositor faz uma
música instrumental ele raramente faz um samba. Nesse caso, em geral, ele faz um
choro, uma valsa etc.
Caiado: Além do choro e da valsa, que outros gêneros eram utilizados mais
freqüentemente em composições instrumentais ou inicialmente assim concebidas, já que
posteriormente uma composição podia ser acrescida de letra, como aconteceu com o
Carinhoso, por exemplo?
Nicanor: Eu citaria polcas, maxixes, schottisch, o tango brasileiro, que era o choro
estilizado. João Pernambuco, Pedro Alcântara, Quincas Laranjeiras fizeram muitos.
Eram gêneros que, em geral, não tinham letras. Choro e valsa eram tipicamente
instrumentais. Alguns levavam letras, outros não. Um samba que fez sucesso como
música instrumental e que depois recebeu letra é o Gente Humilde de Garoto
Caiado: Você freqüentou a casa de Jacob do Bandolim. Eram executados sambas nessas
ocasiões?
Caiado: Será que a associação “samba é música com letra” era algo tão naturalmente
enraizado que os compositores não cogitavam criar obras puramente instrumentais no
gênero, ou havia no íntimo algum tipo de preconceito, por ser música de negros e
mulatos descendentes de escravos?
Nicanor: Não sei... o samba tem como base a música afro-brasileira, mas não acredito
que tenha vindo do escravo. Do escravo vieram outras coisas, como o cateretê, outros
144
ritmos, outras danças de senzala, mas que não eram sambas. De repente podiam até
adaptar, mas não nasciam como sambas. Que eu lembre, um dos primeiros sambas
famosos foi Gavião Malvado de Almirante e Donga. Sinhô também fez muitos sambas.
Caiado: Mas você via algum tipo de preconceito, entre os músicos, no sentido do samba
ser um gênero originário das camadas mais humildes, de pessoas que não possuíam
grandes conhecimentos teóricos em música... os compositores de samba eram vistos
com algum preconceito?
Nicanor: Que eu tenha visto, não. Pode ser que anteriormente isso tenha ocorrido, mas
eu não vi. Muita gente importante fez sambas. Pessoas que não eram dessas camadas
mais pobres, escreveram sambas. Muito antigamente, acho que no início do século,
havia o preconceito com os violonistas, que eram considerados capadócios. Eles faziam
sambas, serestas, cantavam. Mas em 1948, quando eu cheguei ao Rio isso já era
passado.
Caiado: Em conversa por telefone você fez uma comparação entre samba e choro.
Nicanor: São gêneros irmãos. A divisão, a forma de escrita, se parecem muito. Tanto
no choro quanto no samba, o ritmo afro-brasileiro está presente. Há vários choros de
Pixinguinha em que você vê a escrita afro-brasileira, os sincopados etc. Se você tocar
um samba ali, cabe... só que é outro gênero, há uma mudança de concepção. Na escrita,
se parecem muito, mas melodicamente, historicamente são diferentes. O próprio
compasso 2/4 é a base do choro e do samba. Mas o samba tem a letra, você já associa a
uma letra.
Caiado: Nessa mesma conversa você disse que no choro o instrumentista tem mais
possibilidades de mostrar suas habilidades...
Nicanor: Sem dúvida. Mesmo porque o instrumentista faz muito mais choros. O choro
propicia mais habilidade, mais trabalho, mais variações e modulações mais ricas, que no
samba você não concebe. Se você pegar muitos choros com modulações e pedir para
alguém colocar letra, e cantar, muitas das modulações ele não vai conseguir fazer,
porque... é instrumental, é muito mais rico. Eu, por exemplo, tenho sessenta e sete obras
e só escrevi um samba, um samba- canção. No entanto, tenho vários choros, várias
obras com a escrita afro-brasileira, mas com outra concepção. Não é que eu não goste
de samba, entenda bem. É sem dúvida uma música mais rica, em polifonia, em
modulações... O instrumentista fica muito mais livre para modular, para criar frases
bonitas, porque é puramente instrumental. No samba, como se associa a uma letra, ele
fica muito mais comum. Embora ele possa ser muito bonito, é mais comum. O choro
não, o choro é mais uma música do instrumentista, onde ele tem mais possibilidades.
145
Talvez por isso o grande chorão pouco escreva samba. E raramente um sambista
compõe um choro. É isso o que eu acho, mas existem sambas lindos. Radamés compôs
um samba canção para violão que não tem letra, e é lindo. Deve ter mais coisas, mas
não lembro.
Nicanor: Sim, mas é puramente instrumental. Você acha que alguém conseguiria pôr
letra? Veja o título: Toccata em ritmo de samba. Toccata é algo para ser tocado. Ele
pôs ali um título duplo... é um samba, mas é uma toccata. Foi um instrumentista que fez.
Caiado: Garoto escreveu Lamentos do Morro, Dilermando fez, pelo menos, um samba
chamado Guanabara.
Nicanor: Não lembro desse samba. Pode ser que seja posterior à época que eu convivi
com ele. Dilermando tinha um parceiro chamado Jair Amorim, que fazia as letras.
Caiado: Na sua opinião naquela época o choro era considerado “mais nobre” que o
samba?
Nicanor: Eu não sei se mais nobre, mas mais elitizado. Jacob sempre me convidava para
a casa dele, noitadas inteiras de choro até às cinco horas da manhã. Eu, Tia Amélia,
muitos músicos... Pixinguinha, fazendo contrapontos em cima dos solos de Jacob... só
coisas lindas, mas ninguém falava em samba, ninguém cantava. Eu nunca vi ninguém
abrir a boca para cantar nada na casa de Jacob. Noites inteiras só de choro, só chorões
instrumentistas, era uma coisa muito elitizada. Jonas no cavaquinho, César Faria no
violão de seis cordas, Carlinhos no de sete cordas, Dino, às vezes, Meira... Radamés que
nunca falava nada, ficava lá sentado num canto. Sempre apareciam lá chorões. Eu
levava alguns, certa vez levei Codó. Ele era um violonista baiano que tocava de ouvido.
Não sabia uma nota musical, mas possuía uma técnica toda especial. Ele tinha umas
coisas com letra, e também uns choros maravilhosos.
Nicanor: Não. É, talvez “mais nobre” seja um termo viável. Era uma música feita por
músicos, que sabiam música. Sabiam modular, fazer variações. Variações você não
ouve no samba; só no choro. Quem ia à casa de Jacob sabia que ali haveria um rosário
de instrumentistas fantásticos. Pixinguinha, Saleiro, todos com seus instrumentos.
Nunca vi ninguém cantando nada. Claro que Jacob gostava disso também. Quando ele
fazia shows com Elizeth, ela cantava e ele acompanhava. A gente não sabia quem era
melhor, se ela ou ele. Era uma coisa impressionante.
Nicanor: Essa concepção? Acho que sim. O chorão, o músico instrumentista ele... gosta
de tudo, mas a sua pista predileta é o instrumento. Ele não desfaz do sambista, ele
adora! Eu por exemplo, sou instrumentista mas adoro samba!
Nicanor: Não me lembro, mas eles se adoravam. Mas nas grandes rodas de choro na
casa de Jacob eram só instrumentos. Há essa diferença sim. Há uma certa nobreza no
146
choro. Disso não tenha dúvida. A gente nota perfeitamente isso. Quando eu digo “certa
nobreza” não quero dizer que seja melhor. São ambos maravilhosos, mas cada um...
Caiado: A partir dos anos quarenta, sambas instrumentais eram executados nas
gafieiras. Em geral tratavam-se de arranjos de sambas cantados...
Caiado: Havia sambas compostos para as orquestras de gafieira que, pelo menos em um
primeiro momento, não possuíssem letra?
Nicanor: Não que eu lembre, mas pode haver. Eram sambas dançantes, ou choros
dançantes. O choro é tão dançante quanto o samba. Você faz as mesmas coisas, o
mesmo balanço.
Caiado: Você freqüentou gafieiras. Poderia comentar sobre o ambiente, costumes etc?
Nicanor: Gafieira era uma casa de samba. Quem ia era a turma mais pobre. Eram
estivadores, motoristas, ajudantes de caminhão... Em geral pessoas modestas. Pagava-se
uma entrada barata, a cerveja era barata também.
Caiado: Em algum momento passou a ser freqüentada pelas classes mais altas?
Nicanor: Sim, da década de oitenta para cá. A elite queria se exibir, se misturar, então
iam à Estudantina. Até a década de sessenta/setenta, gafieira era coisa de sambista,
gente que dançava mesmo, verdadeiros bailarinos. Dava gosto ver certas pessoas
dançando!
Caiado: Em rodas-de-samba em que estivessem chorões era comum que eles fizessem
“improvisos”, ou só acompanhavam os cantores?
Nicanor: Um músico que saiba improvisar, quando há uma brecha, faz isso. Mas ele não
pode se sobrepor ao cantor. Eu conheço acompanhadores que a gente tem que pedir para
não fazer tanta coisa. É tudo bonito, mas atrapalha, pecam pelo excesso. Tanto faz ser
samba, choro, valsa, ele joga tudo o que sabe. Há também aquele músico
especificamente chorão de regional, que obedece o princípio do regional. Em
determinada parte um faz o baixo e o outro faz terça acima. Se modula para um tom,
então é “tal” baixo, gente que obedece aquele regional padrão. Mas quem sabe
improvisar faz isso em qualquer gênero.
Nicanor: Não, pelo menos nas que eu freqüentei. Embora soubessem fazer e gostassem
de samba, não vi isso. Havia também muitas valsas.
147
Caiado: Você citaria alguns músicos que participavam tanto das rodas-de-choro quanto
das rodas de samba?
Quincas Laranjeiras(1873-1935),
João Pernambuco(1883-1947),
Aimoré (José Alves da Silva: 1908-1979),
Jaime Florence-(Meira)(1909-1982),
Garoto(1915-1955),
Dilermando (1916-1977),
Laurindo de Almeida(1917-1995),
Dino (1918),
Luiz Bonfá (1922),
Bola Sete (1923-1987),
Nicanor Teixeira (1928),
Manuel da Conceição (Mão de Vaca 1930-1996),
Baden Powell (1937).
Nicanor: César Faria e Zé Meneses. Havia outros que eram professores como o
Gustavo Ribeiro, Julinho Ferramenta. João dos Santos era compositor... Você citou os
mais representativos.
Caiado: Um violonista sugeriu que executar um samba solo no violão é difícil, e que a
maioria dos violonistas daquela época não teria técnica suficiente para tal. Podiam
acompanhar bem, mas ao mesmo tempo fazer harmonia e melodia, a maioria não
conseguia. O que você acha dessa hipótese?
Caiado: Mas essas pessoas citadas anteriormente não possuiriam técnica suficiente para
isso?
148
Nicanor: Eu acho que era mais uma questão de hábito. Habituou-se que o instrumentista
era um chorão, um valsista, um cancioneiro solista. E que sambista era um letrista.
Talvez por isso o instrumentista não pense em fazer samba para o instrumento. O meu
samba, por exemplo, foi por acaso. Surgiu um tema e eu escrevi um samba-cancão. Em
toda minha obra e um samba-canção. Por quê? Porque eu sou instrumentista, chorão,
gosto de fazer contrapontos, coisas mais instrumentais. Você explora mais o
instrumento quando toca. É evidente que para solar um samba no violão, fazer o ritmo e
melodia, é preciso mais habilidade e ainda ter “bossa”. Eu ouvi Garoto tocando três
sambas de Ari Barroso: Terra Seca, Risque e Aquarela do Brasil e eu fiquei
maravilhado. Só ele e o violão, solando. Laurindo fazia muito isso. Um outro que faz
isso muito bem é Paulinho Nogueira.
Caiado: Uma tônica muito forte na obra de Baden é justamente o gênero samba. O que
você acha disso?
Nicanor: Sim, mas ele fez sambas também: Duas Contas, Gente Humilde...
Caiado: Você indicaria uma “linhagem violonística” de onde Baden teria vindo?
Nicanor: Eu acho que de Meira e de Garoto. O violão dele tendeu mais para Garoto,
aquele violão mais moderno, mais criativo.
Caiado: E Dilermando?
Nicanor: Baden participou do movimento da bossa-nova, mas eu acho que ele era muito
mais criativo. Talvez João Gilberto seja mais original, mas Baden era um músico chorão
e com muita técnica.
Nicanor: Sim, a batida do Baden era de bossa-nova... eu diria com mais liberdade.
149
Afonso Machado
(06/09/2000)
Afonso: Conta que nas festas das casas das Tias Baianas o lugar do choro, executado
por músicos mais aprimorados, era na sala. No quintal ficava a roda de samba, com a
percussão. Pixinguinha freqüentava essas festas. Eram coisas que, na época dele,
aconteciam simultaneamente, mas que não se misturavam. Um dia, Pixinguinha
imaginou como seria essa percussão na sala. Eu acho que esse teria sido o primeiro
passo da aproximação maior desses dois gêneros, que para mim são gêneros irmãos,
mas com essa divisão, o choro basicamente instrumental, e o samba predominantemente
música cantada, e ligada a dança. Até hoje é assim. Muita gente diz que o choro não
dever ter letra, o que é uma bobagem, mas normalmente são melodias elaboradas e
difíceis de cantar.
Caiado: Nas gravações de sambas cantados das décadas de 30, 40 e 50 era freqüente nos
arranjos, a ocorrência de introduções, interlúdios, poslúdios, passagens modulantes,
contrapontos, variações sobre o tema etc. Ou seja, procedimentos bastante sofisticados
do ponto de vista instrumental. Aparentemente, se por um lado
compositores/arranjadores empregavam esses recursos para enriquecer sambas
cantados, quando criavam suas obras instrumentais, não o faziam neste gênero, ou o
utilizavam com pouca freqüência. Isso também seria uma realidade?
Afonso: Creio que sim, como eu tinha falado... Pixinguinha como arranjador... Em geral
os arranjadores são músicos que conhecem mais, e levaram esse conhecimento para o
samba. Muitos deles eram músicos chorões... basicamente Pixinguinha, Radamés (com
grande passagem pelo choro) e todos eles... justamente pelo choro ser uma música mais
rica... melodicamente, harmonicamente...
Caiado: Além do choro e da valsa, que outros gêneros eram utilizados mais
freqüentemente em composições instrumentais, ou inicialmente assim concebidas?
Afonso: Como se sabe, o choro vem dos gêneros europeus: schottisch, polcas, valsas.
Na época era isso que se fazia, gêneros europeus tocados de uma forma brasileira.
Anacleto tinha polcas, schottisch, valsas, quadrilhas. Nazareth tem milhares de valsas.
Os choros, ele classificava como “tango brasileiro”. Na época fértil de Nazareth, eu
creio que não houvesse a classificação “choro”. Ele inventou essa denominação “tango
brasileiro”. Não sei exatamente quando, mas a denominação choro só veio depois.
Caiado: Será que a associação “samba é música com letra” era algo tão naturalmente
enraizado que os compositores não cogitavam criar obras puramente instrumentais no
gênero, ou havia no íntimo algum tipo de preconceito como “música de negros
descendentes de escravos”, “música oriunda das camadas mais humildes”?
Afonso: Eu acho que as duas coisas. Há um caso famoso do Braguinha que era da classe
média mas que compunha sambas. Então ele usava o pseudônimo João de Barro. Para
certas coisas, ele usava pseudônimo.
Afonso: Acredito que não. Radamés, por exemplo, não devia ter preconceito nenhum
com relação a isso.
Caiado: Voltando à questão dos arranjos, se não houver cantor, e um instrumento fizer a
linha melódica, temos uma peça instrumental elaborada.
Afonso: Sim, mas de alguns compositores de samba. Ari Barroso, por exemplo, é um
compositor sensacional. Tem melodias de samba fantásticas. Havia outros também. O
samba foi evoluindo, veio do lundú, maxixe, batuque. Eram harmonias pobres no início,
e foi evoluindo com esses compositores: Noel Rosa, Ari Barroso, Chico Buarque... O
samba foi evoluindo, como também o choro.
Afonso: Deveria haver. No início do Galo Preto, houve um fato interessante. Claudionor
Cruz foi um grande compositor, grande músico, e incentivador do grupo. Mas no
regional dele, o pandeirista ganhava a metade do cachê, porque era considerado como
um músico que tinha “menos trabalho”. O percussionista era um pouco discriminado
talvez porque fosse considerado “menos músico” que os outros.
Afonso: Pelo fato de não lerem música, de ser uma coisa mais “intuitiva” eu creio que
eram considerados “não tão músicos” como os que sabiam partitura. Hoje em dia isso
mudou bastante. Mesmo os que não lêem, se são competentes, são respeitados.
Afonso: Na época deveria ser. A maioria dos compositores de samba eram intuitivos.
Muitos não tocavam instrumento algum, cantarolavam uma melodia, compunham uma
151
Afonso: São choros... são sambas também... geralmente é uma música com a marca
dele, um pouco puxado para o samba. Choro e samba são muito próximos, se você
analisar bem. Noites Cariocas, por exemplo, é considerado um choro, mas a “levada”
do pandeirista é de samba. Há os choros mais lentos, com a “levada” muito próxima ao
samba canção. A fronteira é muito sutil, difícil delimitar.
Caiado: Por essa fronteira ser sutil, eu acho curioso o fato de haver tão poucos sambas
instrumentais.
Afonso: Eu acho que é uma característica de cada compositor. Uns são mais voltados
para a composição de choros. Pixinguinha, por exemplo, se satisfazia fazendo temas
instrumentais. Essa era a linha dele. Baden tem sambas que devem ter sido pensados
como música instrumental, depois o Vinícius punha letra, se bem que Baden também
vem do choro... fez parte da formação dele.
Caiado: Ainda sobre a questão do choro ser superior ao samba... hoje isso é visto assim?
Caiado: A partir dos anos 40, sambas instrumentais eram executados nas gafieiras.
Havia o crooner, mas também havia partes instrumentais bastante expressivas para a
orquestra. Em geral tratavam-se de arranjos de sambas cantados. Havia sambas
compostos para as orquestras de gafieira que, pelo menos em um primeiro momento,
não possuíssem letra?
152
Afonso: Não sei. Não me ocorre nada... talvez Raul de Barros. Ele fazia temas muito
próximos ao samba, e eram para a gafieira mesmo, como Na Glória. Os temas dele são
choros, mas muito puxados para o samba, e são temas instrumentais. Ele ainda é vivo.
Caiado: Que comentários você faria sobre as gafieiras: música, ambiente, costumes,
freqüentadores?
Afonso: Não sei muito coisa. O samba de gafieira é uma fonte de grandes músicos, é um
estilo característico com aquele “swing” para dançar. Muitos metais... É uma área da
música brasileira muito rica e interessante, mas não conheço muita coisa.
Caiado: Dias atrás, vi dois rapazes tocando sambas no violão. Um fazia a harmonia e o
outro “improvisava”, com uma linguagem de jazz bastante evidente...
Caiado: Nas rodas-de-samba em que estivessem chorões era comum que eles fizessem
“improvisos”, ou só acompanhavam os cantores?
Afonso: Claro. Na época dos regionais de rádio era isso o tempo todo, e era tudo
improviso. Os grandes violonistas, Dino, Meira, só perguntavam qual era o tom e
acompanhavam na hora. O flautista fazia uma introdução no tom que seria cantado e
pronto, não havia muito ensaio não.
Afonso: Eu creio que sim. Aqui mesmo nesta casa onde estamos, quando meu pai era
vivo se faziam saraus pelo menos uma vez por mês. Eram saraus de choro, porém
abertos. Muitas vezes o Elton veio aqui e abria-se um “set” para ele cantar. Muita gente
de samba veio aqui.
Afonso: Creio que sim. Eu nunca fui, mas tenho notícias dos saraus do Jacob, em que
iam sambistas também. Hoje em dia muita gente tem feito trabalhos instrumentais de
samba. Eu cito o disco do Cristóvão Bastos com Marco Pereira, tocando Noel e Ari
Barroso. Só sambas, mas com melodias tão boas que viram temas instrumentais
sensacionais.
Caiado: Você tem conhecimento dessa prática sendo feita naquela época?
Afonso: Não. Foi o que eu falei antes, os sambas eram, e são pensados até hoje junto
com a letra. Caminham sempre juntos. Geralmente a letra, se é bem feita, conta uma
história boa.
Quincas Laranjeiras(1873-1935),
João Pernambuco(1883-1947),
Aimoré (José Alves da Silva: 1908-1979),
Jaime Florence-(Meira) (1909-1982),
Garoto(1915-1955),
Dilermando Reis(1916-1977),
Laurindo de Almeida(1917-1995),
Dino (1918),
Luiz Bonfá (1922),
Bola Sete (1923-1987),
Nicanor Teixeira (1928),
Manuel da Conceição (Mão de Vaca) (1930-1996),
Baden Powell (1937).
Caiado: Sei que é muita gente, mas por favor, que relação você acha que essas pessoas
tiveram com o samba?
Afonso: Bom cada um devia ter uma relação própria. Dilermando muito menos que
Dino e Meira. Estes eram contratados de regionais, contratados das rádios da época,
então tinham que tocar de tudo. E traziam para o samba o conhecimento que eles tinham
do choro. Mão de Vaca mais para o samba. Bola-Sete também, mas com a formação de
regional. Luiz Bonfá e Laurindo têm sambas, mas a formação deles é de choro e violão
erudito. Laurindo tem uma obra enorme. Era um grande violonista, Radamés dedicou
um concerto a ele. Ele compôs sambas. Luiz Bonfá também.
Afonso: Levino da Conceição, Rogério Guimarães, Otho Saleiro, Armando Neves (de
São Paulo), Claudionor Cruz.
Caiado: Você conhece sambas instrumentais que tenham sido compostos para violão
solo até os anos sessenta?
Afonso: Nessa época... é difícil. Era aquilo.. instrumental era choro, cantado era samba.
154
Caiado: Garoto, Dilermando, Luiz Bonfá e Baden fizeram alguns arranjos para violão
solo de sambas cantados. Quem mais fazia?
Afonso: Eu acho que esses são os mais expressivos. Eu citaria o Rafael, mas esse é
recente. Aliás, Rafael solava samba que era uma maravilha.
Caiado: Uma tônica muito forte na obra do Baden é justamente o gênero samba. O que
você acha disso?
Afonso: Concordo. Apesar da formação dele ser do choro, foi aluno do Meira. No início
ele tocava choro, então trouxe todo esse conhecimento para compor sambas. A maior
parte da sua obra é composta de sambas. Acho que primeiro ele fazia as composições no
violão e depois alguém botava letra. São todos temas que podem muito bem ficar
apenas como instrumentais. Por acaso receberam letra e fizeram sucesso. Um outro que
pode ser citado, mas também é mais recente é o Hélio Delmiro. Acho até que ele tem
muita ligação com Baden.
Afonso: É difícil. Baden tem um estilo diferente, um estilo Baden mesmo, mais puxado
para o afro. Concordo com o que ele afirmou.
Caiado: O que seria “um negócio meio afro, misturado com morro” ?
Afonso: Acho que uma coisa mais percussiva, mais para o samba. A bossa-nova é um
samba “light”. Os sambas do Baden são mais pesados, e neles “cabem” uma percussão
mais pesada. O Barquinho, por exemplo, tem que ter uma percussão leve. Baden tem
um estilo dele, ele está ligado a bossa-nova porque era da mesma época, fez parceria
com Vinícius. O violão de Baden não é de bossa-nova, é de Baden. Carrega toda a
bagagem desses violonistas citados antes, por exemplo, Garoto. Ele tem uma influência
marcante do Garoto. Há choros do Baden que você pensa que são do Garoto... O Choro
para metrônomo... Acho que tem uma influência marcante dos instrumentistas de choro.
Afonso: Com certeza. Eu conheci Rafael com treze anos de idade. O Rafael tirava tudo
do Baden.
Caiado: Turíbio Santos disse que até Rafael “sempre evitou” o repertório de Baden.
155
Afonso: Nunca vi ninguém daquele jeito. Eu citei o Rafael porque eu tenho certeza que
ele teve uma fase em que procurava assimilar tudo do Baden. Não só do Baden, mas
também de outros. Um dos mais importantes foi Baden.
Maurício Carrilho
(15/09/2000)
Caiado: Uma coisa é fato, já nessas décadas, os arranjos de sambas cantados eram
elaborados. Comumente são ouvidas introduções, interlúdios, passagens modulantes,
contrapontos... Então, aparentemente, os compositores/arranjadores empregavam esses
recursos para enriquecer sambas cantados, porém quando criavam suas obras
instrumentais, preferiam outros gêneros, ou se utilizavam do samba com pouca
freqüência. O que você acha?
Maurício: Eu acho que isso não vale para todos. Radamés foi um desses autores de
arranjos... ele e Pixinguinha eram os mais atuantes. Radamés fez sambas... Há as
Toccatas em Ritmo de Samba para violão, o Samba em Três Andamentos para piano,
orquestra e percussão. Ele compôs vários movimentos de suítes e de peças de música de
câmara usando samba. Mesmo em peças sinfônicas, ele se utiliza do gênero. Radamés,
na minha opinião, foi um dos que mais trabalharam com o samba na linguagem
instrumental.
Maurício: O lado compositor de Pixinguinha sempre ficou em segundo plano. Ele foi
extremamente utilizado como executante e como arranjador. Ele era uma pessoa de
personalidade muito doce, não era de se impor, de exigir. Nunca procurou se colocar no
mercado de uma forma mais agressiva. Assim, acabou deixando muito de sua obra
guardada. Grande parte da obra de Pixinguinha foi editada após a morte dele. Em vida,
foram editados apenas dois ou três álbuns de partituras, umas trinta ou quarenta músicas
no máximo. Isso é pouco, dentro de um universo seguramente de mais de duzentas
composições. Eu acho que nos choros dele, ele usa todos esses recursos. Agora, eu
pergunto quais foram as suas possibilidades? Quando Pixinguinha teve à sua disposição
orquestras para gravar suas músicas? Não houve isso. Eu trabalho a vinte e três anos, já
gravei com muita gente, fiz arranjos para todo mundo, mas só agora é que consegui
utilizar todos esses recursos na minha própria obra.191 Então é isso, Pixinguinha, por
falta de oportunidade real no mercado de trabalho não usou esses recursos. E como
Pixinguinha, vários outros. Porque não faz sentido não usar, por isso você fez essa
pergunta... é verdade. Custódio Mesquita, por exemplo, certamente usaria.
191
Maurício, juntamente com Luciana Rabello, criou a Acari Records e gravou um disco com
composições suas.
156
Caiado: Além do choro e da valsa, que outros gêneros eram utilizados mais
freqüentemente em composições instrumentais, ou inicialmente assim concebidas?
Maurício: A gente coloca dentro do universo do choro todos esses gêneros. Mas eu
acho que choro e valsa são os mais freqüentados instrumentalmente. Talvez o baião
também. O pessoal de choro costuma compor também algumas polcas e schottisch, mas
com menos freqüência que choro e valsa.
Caiado: Será que a associação “samba / música com letra” era algo tão enraizado que
raramente eram criadas obras puramente instrumentais no gênero, ou havia algum tipo
de preconceito pelo fato do samba ser de origem humilde, música oriunda das camadas
mais humildes? Muitos compositores de sambas não possuíam um grande domínio
técnico em instrumentos europeus.
Maurício: Não acho que haja preconceito. Se o compositor fazia música para ser
cantada, fazia um samba, instrumental era choro. Há poucos choros com letra. Eu
mesmo tenho choros e sambas, e são mais ou menos em igual número. Quando eu faço
um samba, eu gravo em uma fita e entrego a Paulinho Pinheiro para fazer a letra. Eu não
penso em um samba instrumental, a não ser que seja para a utilização em alguma trilha
sonora, alguma música utilitária. Como expressão, eu acho que o samba se completa
quando ele é cantado, porque sempre foi assim.192 Bom, o gênero choro se ramifica em
vários estilos. Há o “choro-canção”, que é um choro mais dolente; há um tipo de choro
„mais sambado‟ como Noites Cariocas e Bole-Bole de Jacob; há o choro-de-gafieira,
inclusive Pixinguinha compôs uma obra com esse título. Esse tipo de choro, de gafieira,
na verdade, é um samba. É um samba instrumental, mas nunca é classificado como
samba e sim como “choro sambado”, ao invés de ser um samba chorado. Como é
instrumental, é colocado na „pasta‟ dos choros, porque é tocado em rodas-de-choro, e
não em rodas-de-samba. Nas rodas-de-samba não existe espaço para o instrumental. O
espaço para esse tipo de música é a roda-de-choro. Trata-se de um tipo de música
híbrida, seria a versão instrumental do samba, mas o espaço para ela é a roda-de-choro,
por características de instrumentação, de ambiente, de tudo. Em uma roda-de-samba,
normalmente você tem muitos instrumentos de percussão, se ouve pouco a harmonia. O
instrumento harmônico ouvido mais facilmente é o cavaquinho. Violão quase não se
ouve, porque as freqüências dos instrumentos de percussão se sobrepõem ao som do
violão. Na roda-de-choro já há um cuidado com isso, a percussão é normalmente um
pandeiro. Quando há dois pandeiristas eles tocam separados. A percussão pode ser, no
máximo, um pandeiro e uma caixeta, ou um ganzá. Não se usa o surdo em roda-de-
choro, de jeito nenhum. Por isso é um ambiente mais propício para a execução desse
samba instrumental, que acaba sendo chamado de choro também. Voltando ao Noites
Cariocas, é o quê? A estruturação rítmica, se você analisar, verá que está muito mais
para um samba que para um choro. A própria “levada” do acompanhamento é de samba,
e não de choro.
192
Posteriormente a este depoimento, encontramos um disco instrumental de Maurício Carrilho e João de
Aquino. Há cinco sambas compostos por ambos. Telefonamos para Maurício a fim de sabermos se
possuíam letra. Ele afirmou que foram concebidos apenas instrumentalmente e que, no dia do
depoimento, não lembrou do respectivo disco.
157
Maurício: É muito sutil. Há uma interseção entre esses dois gêneros onde acontece isso,
a música é quase totalmente samba, sem letra, que não é tocada nas rodas-de-samba e
sim nas rodas-de-choro. Esse tipo de „choro sambado‟ é muito tocado em gafieira.
Severino Araújo é um grande compositor desse tipo de choro, posso citar, por exemplo,
o Chorinho Prá Você. É uma música que está mais para samba que para choro.
Maurício: Bom, esse “choro sambado” é. O maxixe também era dançado. Aliás, maxixe
era o nome de uma dança, depois ficou sendo característico de uma “levada” de choro.
Na verdade você quase pode tocar qualquer choro como maxixe. Você pode ritmar,
marcar, acentuá-lo como um maxixe. Mas existe um tipo de música que não tem jeito de
não ser tocado como um maxixe, que é feito como maxixe mesmo. Também era dança.
A quadrilha era dançada, polca era dançada. O choro vem do tango-brasileiro. Acho que
o tango-brasileiro já é choro, e esse tango-brasileiro não é música de dança. É uma
música com muitos rubatos, muitas quebras na rítmica, logo não é própria para se
dançar. A música ideal para a dança popular é aquela que tenha um andamento em
tempo contínuo durante as seções. Se o intérprete tem a liberdade de quebrar o ritmo,
fazer fermatas e rubatos, derruba o dançarino. Nazareth fazia música pensando nessa
liberdade, e eu acho que uma parcela significativa dos músicos de choro pensou assim
também. Jacob, foi um que usou muito esses recursos. Joel Nascimento, as pessoas com
quem eu trabalho, nós usamos muito isso, essas quebras, essas mudanças de andamento.
Já o samba não é assim, nesse “choro-de-gafieira”, ou “samba instrumental” não há isso.
Caiado: Preconceito você acha que não havia. Mesmo nos anos trinta, você acha que era
assim?
Maurício: Naquela época eu acho que havia isso sim. Mas a produção de sambas dos
anos trinta é de nível muito alto. Ari Barroso, Noel Rosa, Wilson Batista fizeram coisas
lindas. Quanto a isso de ser superior... o choro, em um sentido amplo, já existia a
cinqüenta anos. Ele recebeu da Europa uma estruturação, uma forma definida, a forma
rondó, as três partes, o número de compassos de cada parte, ou oito, ou dezesseis...
sempre múltiplos de oito em cada parte. O samba não. Era uma forma de música mais
nova, herança dos cantos africanos ancestrais, recebia também influência do choro e de
música européia. Era um laboratório mais aberto para experiências, e pessoas que não
tocavam nenhum instrumento, que tinham a sua musicalidade, mas que não a
expressavam através de um instrumento, podiam se expressar através do samba, do
canto. Compunham cantando sem instrumento, como vários sambistas fazem até hoje.
Por exemplo, Wilson Moreira é um grande compositor de sambas e que não toca
nenhum instrumento. Ele compõe as melodias cantando e pronto. O samba, nesse
sentido, foi mais democrático que o choro. O único pré-requisito era a musicalidade.
Desse modo ele abrangeu nas suas fileiras um número muito grande de pessoas que o
choro não podia abrigar. O choro tinha vários pré-requisitos. Em 1930, o choro já era
uma música estruturada, enquanto o samba tinha dez, quinze anos. Ele ainda estava se
estruturando, mas já havia obras fabulosas, tanto de pessoas mais cultas como Ari
159
Caiado: É verdade que em meados da década de 1940 o choro já era visto como algo
muito tradicional e longínquo?
Maurício: A gente ouve isso nos programas do Almirante. Existe isso gravado.
Alexandre Gonçalves Pinto fala no seu livro em “reminiscências dos chorões”. O choro
já era coisa antiga em 1936.
Caiado: A partir dos anos 40, sambas instrumentais, ou grandes trechos instrumentais,
eram executados nas gafieiras. Em geral tratavam-se de arranjos de sambas cantados...
193
São dois discos, respectivamente, de 1955 e 1956. O sucesso do primeiro foi tal que incentivou a
gravação de um segundo. Neste último Baden participou, convidado por Altamiro (DREYFUS, 1999:47-
8).
160
Maurício: Se você falar em Tom Jobim como arranjador, é lógico que contribuiu. Mas
um detalhe, Tom Jobim era discípulo direto de Radamés, daquela linguagem. Tom
Jobim compôs dezenas de choros. Ele não chama de choros, mas são. Se você analisar a
obra dele, você encontrará canções e choros... aos montes. Se você pegar Gaia, que já
trabalhava antes e que atuou muito nas rádios... Essas pessoas contribuíram muito para o
desenvolvimento do arranjo. Eu acho que junto com a bossa-nova surgiu um problema
grave, a desvalorização do passado, e de várias pessoas que estavam no auge. Por
exemplo, Araci de Almeida tinha quarenta anos na época da bossa-nova, e ela foi
completamente excluída do mercado, eu acho um absurdo! Ciro Monteiro foi outro,
pessoas da maior importância, um pessoal de samba de alta categoria. O pessoal do
choro, Dino, Meira, Altamiro, eles estavam no auge, tocando uma barbaridade nessa
época, e também foram postos de lado. Nos anos sessenta, Dino teve que tocar guitarra
em baile de “iê-iê-iê” para sobreviver. Eu vi isso. Essas pessoas que são consideradas
músicos expoentes do choro viveram essa situação dramática nesse período, não por
culpa da música da bossa nova, mas por culpa da discriminação que veio junto,
discriminação dos meios de comunicação e das direções das gravadoras. Eu acho que
esse expurgo causou sérios danos à música brasileira, e o resultado a gente vê hoje. Foi
quebrada uma seqüência natural de passagem de informação de geração para geração,
que era feita pelo convívio. Foi quebrado isso, e se formou uma geração fazendo música
que, em sua maioria, não tinha fundamentação de música brasileira, e esse pessoal
formou a geração seguinte. Salvo algumas raras exceções, que conseguiram fazer o link
com a turma do choro e do samba, as pessoas de quarenta anos hoje não sabem tocar um
choro ou um samba. Ouviam rock na sua adolescência. Eu acho que antes existia mais
liberdade de expressão musical, coisa que foi acabando, principalmente a partir dos anos
setenta, com essa estrutura criada pelas gravadoras. O mercado passou a consumir
muitos discos, e a “indústria cultural” passou a induzir as pessoas ao consumo, e isso
tudo se tornou uma mina de dinheiro. Perdemos todos nós, com a simplificação e a
banalização da música.
Caiado: O rádio era a grande mídia nos anos cinqüenta, e os arranjadores eram
Radamés, Pixinguinha, Panicali...
Maurício: Pois é, mas eles continuavam vivos nos anos 70. Mudou o parâmetro, porque
mudou a intenção. Quer um exemplo? O Mr. Evans, da RCA Victor, chamou Radamés
e disse que Benny Goodman estava fazendo um sucesso enorme nos Estados Unidos
com um trio de clarinete, bateria e piano. Então ele sugeriu a Radamés que fizesse algo
brasileiro com a mesma formação. Viu a diferença? Um americano chamou um músico
brasileiro e sugeriu que ele fizesse algo brasileiro aqui. Radamés chamou Luciano
Perrone e Luís Americano e formou o Trio Carioca, que gravou choros maravilhosos de
Radamés, são choros lindos. Na gravação de um desses choros ficou registrado o
primeiro solo de bateria na música brasileira. A realidade era diferente, a direção das
gravadoras era diferente. Hoje, as gravadoras botam os músicos para tocar igual, não
pedem uma coisa brasileira, pedem para copiar mesmo. Muitas coisas influenciaram.
Lembra do slogan “disco é cultura”? Havia isenção de ICM. O que as empresas
fizeram? Pegaram esse imposto, de que foram isentas, e começaram a pagar execuções
em rádios. Assim nasceu o “jabá”. Então começou isso de “pagar para tocar”. Só tocava
nas rádios o que interessava a gravadora vender, e é assim até hoje. Hoje há até tabela
de “jabá”. Você sabe quanto se deve pagar a uma estação de rádio para que ela execute
uma mesma música oito vezes por dia durante um mês? Algo em torno de R$
300.000,00. Essa é a realidade. Então, esse sistema, que gera muito dinheiro, propicia
161
Caiado: Em rodas-de-samba em que estivessem chorões era comum que eles fizessem
“improvisos”, ou só acompanhavam os cantores?
Maurício: Cantados? Acho que não. Acho que há uma certa implicância, porque quando
começam a cantar, as pessoas sabem que vira roda-de-samba.
Maurício: Não sei... acho que não, o repertório de choro é muito grande. Pode ser que
em algumas tocassem alguma coisa, mas a maior parte do repertório era choro.
Caiado: Eu vou citar aqui alguns violonistas figuras expressivas na história do violão
brasileiro:
Quincas Laranjeiras(1873-1935),
João Pernambuco(1883-1947),
Aimoré (José Alves da Silva: 1908-1979),
Jaime Florence (Meira)(1909-1982),
Garoto(1915-1955),
Dilermando Reis(1916-1977),
Laurindo de Almeida(1917-1995),
Dino-sete-cordas(1918),
Luiz Bonfá (1922),
Bola Sete (1923-1987),
Nicanor Teixeira (1928),
Manuel da Conceição (Mão de Vaca, 1930-1996),
Baden Powell (1937).
Maurício: João Pernambuco tocou com Os Batutas, e estes tocavam samba também. Era
aquele tipo de samba mais do início. Bola-Sete foi para os Estados Unidos, se radicou
lá. Muita gente saiu do país nesse período. Durante o tempo que ele passou aqui ele
tocava choro. Eu não sei qual é a relação dele com o samba, mas eu acredito que ele
162
Maurício: Laurindo era paulista também. Era esse samba de São Paulo, do Adoniram,
do Vanzoline. Garoto também era paulista, mas era diferente. Aqui no Rio, o
desenvolvimento do samba foi mais intenso. Noel, Ari Barroso... Lembrei do Vadico,
que era um craque e foi parceiro do Noel.
Maurício: Eu conheço pouca coisa do trabalho dele. Ele fez aquele do Orfeu.
Maurício: Ele era um grande instrumentista de samba. Tinha aquele jeito típico de tocar,
tudo com o polegar. Depois estudou... Fazia uma “levada” de samba legal, e uma prática
de harmonização impressionante, acompanhava tudo. Como compositor, não conheço.
Maurício: Meira fez sambas bonitos. Mulambo e Aperto de Mão são dele. Fazia
arranjos de sambas para violão, mas eram sambas cantados, de sucesso. Dino também
fez sambas... foi parceiro de Meira no Aperto de Mão. Sílvio Caldas gravou um “samba-
choro” chamado Pastora dos Olhos Castanhos. “Samba-choro” é um gênero híbrido
também, diferente do “choro-sambado” de gafieira. É um samba cantado, mas que
guarda uma proximidade com a levada do choro, como aquelas coisas do Bororó como
o Da cor do Pecado.194 Algumas coisas do Claudionor Cruz também são. Essas pessoas
faziam muito esse gênero: “samba-choro”. Eram músicas feitas para serem cantadas,
mas que possuíam, na sua estrutura rítmica, harmônica e melódica, toda uma forma de
choro. São músicas que soam muito perto do choro, mesmo sendo cantadas.
194
Jorginho do Pandeiro deu a mesma classificação à essa música.
163
Caiado: Você conhece sambas instrumentais que tenham sido compostos para violão
solo?
Maurício: Eu conheço poucos, muito poucos... Bom, um que fez aos montes foi Baden,
mas a história dele é diferente. Baden foi aluno do Meira que era um mestre do choro.
Aliás, um mestre do violão carioca, embora fosse pernambucano. Era muito amigo de
João Pernambuco. Isso é interessante, os craques do violão vieram de fora. Satiro Bilhar
era cearense,195 Quincas Laranjeiras era alagoano. Todos vieram do nordeste. Essa
escola nordestina se perpetua até os dias de hoje, até a minha geração, por causa do
Meira. Mas então, Meira foi professor de Baden, ele ainda criança. Baden morava em
São Cristóvão, ao pé do morro do Tuiutí, e perto da Mangueira, um reduto muito forte
do samba e de um samba que ainda guardava características daquele samba do Estácio.
Era samba de morro, com poucos instrumentos de harmonia e muita percussão. Eu ouvi
do próprio Baden, e também do João de Aquino, primo dele, com quem eu convivi
muito e trabalhei junto, muitas histórias a respeito disso. Baden ficava querendo passar
para o violão as “levadas” dos instrumentos de percussão, especialmente do pandeiro.
Inclusive ele usa uma técnica na mão direita de percussão nas cordas... de ritmo
diferente. Ele usa três pontos como o pandeiro. Ele usa muito uma coisa que Meira
usava, Com três pontos para fazer as “levadas”: polegar, indicador e médio/anular
(juntos). Isso dá uma velocidade para fazer ritmo que você não consegue fazer em
bloco, porque trava. Meira já fazia isso e Baden desenvolveu a partir das percussões. O
polegar, quase sempre está no tempo, fazendo o surdo, e todo o lance sincopado tá nos
outros dois pontos. Às vezes ele usa o anular separado desses dois, mas na maioria das
vezes é o indicador que é separado. Então, ele desenvolveu uma coisa rítmica no
acompanhamento que é muito rica.196 Baden como acompanhador de sambas é um
craque, um dos maiores que eu já vi. Como compositor ele é muito fértil, cheio de
idéias. Estudou com um professor que sabia tudo dessa área e vivendo em São
Cristóvão, nesse ambiente muito influenciado pelo samba, canalizou todo esse aparato
para o samba. E fez instrumental porque ele queria fazer música instrumental, ele era
um instrumentista. É curiosa a conjunção de forças que levaram o primeiro músico da
história da música brasileira a ser um especialista em samba instrumental. É o único que
eu conheço, não conheço outro. É o único grande instrumentista brasileiro que não é
fundamentalmente do choro. O choro fez parte da formação dele, mas ele não é um
especialista em choro, é um especialista em samba. Diferente, por exemplo, de Garoto.
Garoto era um chorão, Meira era um chorão, embora compusesse sambas também.
Dino, Rafael eram chorões. Já Baden é mais do samba. É o único grande instrumentista
brasileiro que não é mais do choro. Sivuca é mais do choro; Dominguinhos,
Chiquinho... todos os que você citar... todos os bandolinistas, os cavaquinistas, os
violonistas... Dilermando, João Pernambuco... todos eles. A única exceção, que eu
lembre, é Baden.
Maurício: Ele gostava do Django Reinhardt, Wes Montgomery, acho que há alguma
influência sim, mas em uma proporção pequena. É importante para um músico ouvir
músicas de outros países e aprender coisas com outros gêneros musicais. Isso Baden
fez. Eu acho que na música dele não aparece clamorosamente nenhuma grande
195
Segundo Maurício, ele não gostava de ser chamado Sátiro.
196
Vide final do depoimento.
164
influência de jazz. Pode haver uma coisa aqui, um acorde ali, uma ou outra passagem,
mas fundamentalmente ele é brasileiro.
Maurício: Na minha opinião nenhuma, só cronológica. Por um acaso ele viveu aquele
período. Baden não tem nada a ver com aquele movimento. Baden toca para fora, tem
volume, tem “pegada”. A estética da bossa-nova é aquele violão mais sutil.
Maurício: Normalmente o choro tem três partes de dezesseis compassos. Nos sambas, a
métrica do número de compassos por parte já é diferente, usa estribilho. A melodia do
samba é mais cadenciada e tem intervalos menores, porque é uma música para ser
cantada. Ela usa uma extensão menor para favorecer o canto, os intervalos são mais
estreitos e a incidência de notas também é menor. Há o uso de notas mais longas, salvo
alguns sambas sincopados, que guardam algumas características do choro.
Caiado: Voltando a essa questão da estruturação, existem choros a duas partes, choros
AB.
Maurício: Mas são minoria. Assim como há sambas a três partes, mas também são
minoria. No que se refere ao acompanhamento, eu acho que eles se misturam muitas
vezes. Em muitos choros a gente faz ritmo de samba no acompanhamento. A diferença
está muito mais na melodia que propriamente no acompanhamento. A harmonização
usada também é comum aos dois. Isso porque a música de samba foi tocada durante
toda a história pelos mesmos músicos. O acompanhamento é muito próximo, a melodia
é que é diferente, porque a intenção é diferente.
Maurício: Não só por isso. Há essas diferenças estruturais melódicas. Quer dizer, pode
haver. Às vezes elas podem ficar muito próximas.
Caiado: Devido a essa proximidade toda é que eu me pergunto por que foram
compostos tão poucos sambas como o Lamentos do Morro do Garoto ou o Samba de
Morro do Altamiro?
165
Caiado: Quando você compõe sambas, você imagina aquela melodia recebendo uma
letra?
Maurício: Exatamente. Não penso nela tocada por nenhum instrumento. Inclusive meu
parceiro, Paulo César Pinheiro, grande compositor de sambas, e que foi parceiro de
Baden, exige que eu mande uma fita cantando a melodia.
---------------------------------------------------------------------------------------
As letras se referem às iniciais dos dedos que fazem o ritmo: polegar, indicador, médio
e anular. O polegar deve ferir simultaneamente os baixos. Cada compasso constitui uma
célula e freqüentemente há o intercâmbio entre as mesmas. Vale ressaltar que há uma
técnica de “apagamento do som” que é feito pela mão que faz os acordes, resultando em
um efeito percussivo.
Luiz Otávio: O samba é uma música que na raiz é canto e dança, e ligada aos cultos de
umbanda e candomblé. Segundo o levantamento do Jairo Severiano, até o início dos
anos trinta, o percentual maior de músicas gravadas era de música instrumental, cerca
de 65% . Mas esse é um período em que o samba não era privilegiado como um gênero
urbano. As gravações da Casa Edison indicam realmente que havia saída para a música
instrumental. Isso muda radicalmente a partir dos anos trinta, quando começa a
166
supremacia da música vocal. Também a partir desse momento o samba passa a ser o
gênero mais gravado e torna-se “o gênero musical brasileiro”. Tudo isso por diversas
circunstâncias histórico-sociais. A música instrumental perde espaço. Os grupos de
choro, na forma de regionais, têm como principal função acompanhar cantores, de fazer
aquele “meio-de-campo” nos programas de quarto de hora e eventualmente suprir
alguma lacuna na programação. Temos então o seguinte: O samba é uma música
cantada, uma música vocal, e isso é muito forte. A música instrumental perde espaço. O
cantor é o centro das atenções. É sintomático que você encontre no período apontado
um número pouco significativo de sambas instrumentais, já nascendo instrumentais, e
não arranjos para instrumentos a partir de sucessos de sambas cantados. Nesse momento
o paradigma é o cantor e não o instrumentista. Essa é a principal razão. O levantamento
de compositores que fizeram sambas instrumentais é quase nenhum. Radamés fazia
arranjos na década de quarenta para sambas famosos. Os arranjos célebres de Aquarela
do Brasil... são coisas orquestrais Ele inclusive fez sambas instrumentais, por exemplo,
Seu Ataulfo, que é um arremedo de sambas do Ataulfo Alves.
Caiado: Além do choro e da valsa, que outros gêneros eram utilizados mais
freqüentemente em composições instrumentais, ou inicialmente assim concebidas?
Luís Otávio: Além de gênero, choro é uma forma de tocar, dentro de um espírito de
execução e que inclui qualquer estilo. Eu incluo no choro a valsa. Não faço essa
separação. Mas você encontra também polcas, e fox-trote. Você não encontra o samba
porque samba não tem a tradição de música instrumental que o choro tem. Mesmo hoje
em dia, é muito pequeno o número de sambas compostos como música instrumental.
Caiado: Pelo o que você está dizendo a associação “samba é música com letra” era algo
tão enraizado que os compositores não cogitavam criar obras puramente instrumentais
no gênero. Além disso, será que havia algum tipo de preconceito musical?
Luís Otávio: Preconceito sempre existiu em relação ao samba, mas eu acho que o
enraizamento era muito forte e superava qualquer preconceito circunstancial. Os Batutas
estrearam em 1919 e foi um escândalo. De vinte para trinta, é pouco tempo para que
preconceitos sejam atenuados.
Caiado: Ainda com relação a mesma pergunta, Nicanor afirmou que os percussionistas
eram considerados sub-músicos.
Luís Otávio: Existem histórias sobre Benedito Lacerda... consta que ele batia no
percussionista. Eu trabalhei com Claudionor Cruz e testemunhei que o percussionista
recebia menos que a gente. A meu ver, a questão do preconceito é menos importante. O
crucial é a questão da visibilidade social. A música passou a ser uma possibilidade de
trabalho, de ganhar dinheiro honestamente para toda uma classe menos favorecida. Não
podemos esquecer que em todo esse contexto sócio-político-econômico está colocado o
problema da visibilidade de parte dessa camada da sociedade, que vê nisso tudo
possibilidades de ter uma vida profissional, ganhando daquilo que sabe fazer bem,
música. A percussão, como era recente, traz esses problemas. São problemas de uma
sociedade extremamente estratificada. O percussionista não vai chegar e imediatamente
ser posto em pé de igualdade com os outros músicos. Por outro lado, existiram
percussionistas que foram líderes dos seus grupos, como o Pernambuco do Pandeiro.
Deve-se levar tudo isso em conta.
Caiado: Seria o choro naquelas décadas considerado mais valoroso que o samba?
Luiz Otávio: Nos anos trinta, pelo que eu pude constatar, o choro já era uma
reminiscência, colocado no seio da tradição, como a modinha. Aquela coisa tradicional,
da qual a gente deve se orgulhar. Eu não encontrei nada que apontasse para possíveis
comparações entre samba e choro. Ao contrário, encontrei um caminho onde eles se
encontram, por exemplo, nas festas populares.
Caiado: Mas em relatos que você mesmo tenha ouvido de pessoas que viveram aquela
época?
Caiado: Desculpe, mas novamente vou citar Nicanor. Ele considerou o choro como uma
música com um status superior.
Luís Otávio: O que acontece é que o samba era visto, em certos discursos, como uma
música grosseira, da barbárie, uma música inculta, referencial de coisa ruim. Não havia
o que discutir sobre o samba.
Luís Otávio: Nessa época acho que o samba estava em baixa. O que estava em alta era o
bolero. Foi a época daquela música latino/americana, com a aquela idéia do Pan-
Americanismo. O mercado se abriu para a música mexicana, caribenha, argentina. O
168
carnaval ainda era uma festa, então, nesse momento, apareciam ainda alguns
compositores de marcha, alguns sambas de carnaval importantes, mas aquela coisa que
se alardiou sobre o samba nos anos trinta e quarenta, acho que já estava superada. O
samba, com certeza, era considerado, em grande parte dos discursos, uma música
inculta, da barbárie, exótica, isso nos anos trinta e quarenta.
Luís Otávio: Isso não sei. Mas há uma questão... a gafieira era um lugar onde se
dançava. Se eu fosse sair de casa para dançar seria importante para esse meu lazer, o
repertório. Eu acredito que para todo o dançarino, o pressuposto básico é que ele
conheça o repertório que vai dançar.
Luís Otávio: Você deveria consultar a obra de Raul de Barros para ver quantos sambas
instrumentais ele fez, e comparar com o número de choros. Na Glória, que é tocado em
gafieira é um choro. É do repertório do choro.
Caiado: Nas rodas-de-samba em que estivessem chorões era comum que eles fizessem
“improvisos”, ou só acompanhavam os cantores?
Luís Otávio: Eu freqüentei pouco roda-de-samba. Eu fui uma ou duas vezes ao Cacique
de Ramos nos anos 80 e lá era tocado samba mesmo.
das rodas de choro daquela época. Portanto, isso pode indicar que essas práticas, sambas
executados em rodas de choro, não devem ter sido as primeiras.
Caiado: Citamos alguns violonistas que viveram aquele período , ou parte dele, e que
são figuras expressivas na história do violão brasileiro:
Luís Otávio: Dizem que o Quincas foi o primeiro a ensinar violão por música no
Brasil. O método dele de violão já faz uma arrumação escalar e tenta ensinar através da
música, mesmo para quem vai fazer música popular. Ele trouxe Josefina Robledo para
dar cursos aqui... Ele encabeçava uma linha de atuação que visava dar uma espécie de
validação concertante para ao violão. Foi grande amigo de Agustín Barrios. Consta que,
quando Barrios vinha ao Rio, se hospedava na casa do Quincas Laranjeiras.
João Pernambuco... a gente conhece a obra dele mais relacionada ao choro. Eu tenho
aqui aquela monografia do José Leal sobre ele. Segundo o autor, João Pernambuco
compôs emboladas, toadas, cocos pernambucanos, canções sertanejas, baião, jongo,
maxixe, há dois sambas, há fox-trote também.
Meira é um músico que teve uma forte ligação com o choro e com o samba. Compôs
sambas-canções de sucesso, o maior deles é o Molambo, mas não é instrumental. Foi
professor de Baden. Baden assimilou muita coisa dele, especialmente de “levadas”.
Laurindo... O problema é que as obras foram editadas nos Estados Unidos. Sei que ele
compôs sambas-canções e choros. Sambas não me lembro, mas deve ter feito. Dino tem
sambas-canções com letra. Não sei se a Márcia Taborda fez o levantamento das
170
Luis Bonfá tem muitos sambas. Com certeza ele tem sambas instrumentais, ele mesmo
tocando, inclusive. Há aquele Batucada, é famoso.
Bola Sete. Ele era ligado ao choro e ao samba, mas como músico acompanhador. Não
conheço nada do Bola Sete, nenhuma gravação Ele foi para os Estados Unidos nos anos
quarenta e lá ficou.
Manuel da Conceição. Radamés falava que ele sabia tudo de música popular. Quando
Radamés queria saber a harmonia de alguma música que não lembrava, ligava para ele.
Era um violonista muito ligado ao samba e ao choro também. A minha geração já o
conheceu fazendo mais aqueles malabarismos. Me parece que ele era mais músico de
estúdio.
Baden. Foi aluno do Meira, começou muito cedo acompanhando. Baden chamou a
atenção para esse lado do violão solista fora daquela linha de Dilermando. Dilermado
talvez tenha sido o grande divulgador do violão seresteiro, do choro. Baden mostrou
uma outra formulação no violão, que não nasceu exclusivamente dele, ele tem
devedores. Deve ao Garoto, ao Bonfá, ao Laurindo, ao Bola Sete. Eles forjaram a escola
do Baden. Eu tenho uma gravação do Barney Kessel, violonista americano, e eu achei
muito parecido com a maneira do Baden solar, e de acompanhar. Acho que há alguma
coisa de Barney Kessel na formação de Baden. Ele fez fama tocando sambas
instrumentais. Eu acho que a grande contribuição dele é essa maneira de tocar o violão,
incorporando esses aportes todos, do violão brasileiro, da música de jazz, da música de
umbanda e candomblé incorporada a uma batida da bossa nova, mas que não é a batida
do João Gilberto... é uma coisa que é misturada com o samba, misturada com o choro,
mesmo porque ele é muito mais instrumentista... Eu acho que Baden chamou atenção
por isso, e conseguiu formar uma escola.
Caiado: Você já citou alguns, mas que outros sambas instrumentais compostos para
violão solo você lembra?
Luís Otávio: Não lembro de mais nenhum. Eu acho que esse trabalho que você está
fazendo vai, no mínimo, chamar a atenção para esse levantamento, se é que ele existe.
197
Tese de Mestrado defendia na Escola de Música da UFRJ em 1995, cujo tema era Dino Sete Cordas.
171
Pelo fato dessas fontes estarem muito esparsas e escondidas, pode não ser fácil
localizar.
Caiado: Alguém sugeriu que executar um samba solo no violão é difícil, e que a maioria
dos violonistas na época não teria técnica suficiente para tal. Podiam acompanhar bem,
mas ao mesmo tempo fazer harmonia e melodia já era outro assunto.
Luís Otávio: Não concordo. Esses violonistas, que não faziam solos de samba, faziam
solos de choro muito bem. O que acontece é que... veja, estudar alguma coisa é uma
questão de necessidade. Voltando aquela história que eu contei do Neco, ele era um dos
poucos violonistas que liam. Os arranjadores o chamavam porque tinham confiança
nele, porque sabiam que ele iria dar conta do recado. Ler cifra, em meados dos anos
setenta era uma condição necessária e ainda suficiente. Daí para trás, a sociedade tinha
um ritmo de vida que o que se exigia do violonista era acompanhar muito bem. Toda a
música brasileira era música vocal. Até os anos trinta se gravou 65 % de música
instrumental. Daí em diante veio a fase dos cantores, e o regional do conjunto de choro
assumiu a postura de fazer parte disso que estava sendo construído. Esses músicos não
sabiam ler. Toda a metodologia do violão popular era para o acompanhamento de
canções. Aprender a tocar violão significava aprender a acompanhar, e o pressuposto
básico era conhecer um número vasto de canções. Os solos eram ensinados aos pedaços.
A gente ia a uma aula, aprendia uma parte de uma música que queríamos solar e se não
soubéssemos a música, esquecíamos. Rafael aprendeu, com Meira, o Choro da Saudade
dessa maneira ainda antiga.198 Meira é um representante dessa geração, embora
soubesse música. Não havia a necessidade de ler, sequer cifras. As músicas eram
ensaiadas, eles conheciam todo o repertório daqueles cantores. Eles ensaiavam e
tocavam. É tudo uma questão de necessidade. Vários deles, inclusive Arlindo Caximbo,
tocavam belíssimos choros e valsas, difíceis de tocar. Por exemplo, Dino, que não é um
solista, solava valsas e choros, inclusive dele mesmo. O problema é que o samba,
mesmo para esse pessoal, é uma coisa nova; é uma música que já nasce com uma forte
tendência ao canto e a dança, principalmente ao canto. Já o choro tem uma origem
instrumental, já nasce assim. Samba não, era só acompanhar e cantar. Arlindo conta que
havia um violonista que veio para cá na mesma época que ele (ca. 1933) Zé Contagem,
que era um exímio violonista. Era solista, e também o acompanhador predileto do
Vicente Celestino. Mas ele não se acertou aqui porque não se deu com o samba. Não
houve jeito dele aprender a acompanhar samba. Inclusive ele foi destratado pela Araci
de Almeida. Arlindo viu isso. Havia isso, a necessidade. O samba era uma coisa nova,
eminentemente vocal. Esse pessoal que acompanhava, quando solava era um choro, que
era a música instrumental do violão, com uma larga tradição. Tanto é, que nesse período
máximo do samba, ainda se destacam os violonistas solistas: Dilermando Reis, Américo
Jacomino, Garoto... Arlindo até hoje não sabe ler cifra. Eu trabalhei com ele em
1977/1978 no regional do Abel Ferreira. Eu lia e ele não, mas ele sabia tudo! Ele pegava
tudo de ouvido na primeira passada, na segunda já estava tudo certo.
Caiado: Garoto, Dilermando, Luiz Bonfá e Baden fizeram alguns arranjos de sambas
cantados para violão solo. Quem mais fazia?
198
Obra de Agostin Barrios.
172
Caiado: Uma tônica muito forte na obra de Baden é justamente o gênero samba. O quê
você acha?
Luís Otávio: Eu acho que Baden ficou muito mais notabilizado pelos Afro-Sambas, que
são de 1966. Eles estouraram com a força da música vocal, com as letras do Vinícius.
Você não pode esquecer que Baden não era conhecido, quem era conhecido em nível
nacional. era Vinícius
Caiado: Tinhorão diz que afro-samba é uma coisa que não existe. O que você acha?
Luís Otávio: É um título qualquer. Eles quiseram chamar a atenção e lançaram esse
nome. Baden tem também choros e valsas. Retrato Brasileiro, Valsa Sem Nome,
Sentimento, Choro para Metrônomo... Em relação ao samba, eu acho que o grande
chamariz para ele são, principalmente os Afro-sambas. Esses sambas têm uma “pegada”
instrumental, tanto que vários deles são standards. Eu acho que logo após esse disco ele
pegou uma linha instrumental do samba.
Luís Otávio: Baden é contemporâneo dessa turma. Agora, não há como compará-lo,
como instrumentista, a João Gilberto ou Menescal. Não estou desvalorizando ninguém,
mas Baden foi músico desde menino, freqüentou todas as “escolas”: do choro, do
samba, do acompanhador. A experiência dele é incomparavelmente mais ampla que a de
João Gilberto ou Menescal. Se você ouvir gravações de violão, os acompanhamentos
que são feitos por João Gilberto e comparar com os de Baden você percebe que
pertencem a escolas diferentes. Acho que pôr Baden como um representante da bossa
nova não cabe. O acompanhamento de Baden tem bordão, tem inversões. Uma
característica do violão da bossa nova é que ele é permanentemente no estado
fundamental e com acordes recheados de dissonâncias. Se você tem um acorde com
sétima e nona, você pode, no máximo, pôr a terça no baixo. Quanto mais impregnado de
dissonâncias, mais no estado fundamental o acorde tem de estar, se não perde a
identidade. O violão da bossa nova foi chamado inclusive por alguns de „violão gago‟.
Baden não. É um violão com bordão, baixaria, inversões, é diferente. O pessoal da
bossa nova não faz nem “batida” de samba, nem de samba-canção. Eles fazem aquela
“batida de bossa nova”. Eu acho que Baden é um representante do samba.
Luís Otávio: Se eu tivesse que colocá-lo em algum lugar... embora o samba lhe tenha
dado notoriedade, eu o colocaria na linha do violão de choro. É um violão que incorpora
a baixaria, não perde de vista a questão rítmica da mão direita, a dinâmica... e por quê?
Porque o instrumental que permitiu que o samba emergisse nessa cultura urbana,
excetuando-se a percussão, foi o do choro. Embora tenha sido o samba que deu
notoriedade a Baden, ele toca choros. Eu o colocaria na tradição do choro, não coloco
na do samba. Se alguém quiser colocá-lo em ambos também é justo. Mas a sua espinha
musical, na minha opinião, foi o choro.
173
Álvaro Carrilho
(18/09/2000)
Álvaro: O problema é o seguinte, o choro tocado de uma maneira diferente passa a ser
samba. Foi o que aconteceu na época. A gravação do Pelo telefone, por exemplo, aquilo
é um maxixe, mas denominaram samba. Mexendo-se um pouco no andamento virou
samba. Hoje está deturpado até nas Escolas, porque o que se toca não é samba, é
marcha.
Caiado: Os arranjos de sambas cantados dessas mesmas décadas são muito ricos. As
introduções, passagens modulantes, contrapontos, variações sobre o tema etc, eram
práticas comuns. Fica-se com a impressão de que os compositores/arranjadores sabiam
empregar esses recursos para enriquecer sambas cantados, mas quando criavam suas
obras instrumentais preferiam outros gêneros, como o choro, ou a valsa. O que o senhor
acha?
Álvaro: Naquela época, toda a emissora de rádio tinha, pelo menos, um conjunto
regional, algumas tinham orquestras, e a programação era ao vivo. Os regionais abriam
os programas com um choro, depois acompanhavam os artistas da emissora ou os
calouros que iam lá. Na época existiam programas de calouros, e esses músicos faziam
um arranjo para aquelas músicas. Criavam introduções diferentes da melodia principal
para aqueles sambas. Eu costumo falar que determinadas introduções são composições.
Os maestros da época caprichavam, eram excelentes: Guio de Moraes, Radamés,
Edmundo Peruzzi, Carioca...199 As orquestras solavam, modulavam para outro tom,
nisso Pixinguinha era mestre. Todo mundo tinha que ser bom, não havia isso de “vamos
gravar de novo”, era tudo na hora.
Álvaro: Não sei. O Samba tem mais adeptos por causa da letra. Você não precisa ser
músico para fazer um samba, você pode ser só cantor. No choro não... tem que saber
tocar, isso é uma diferença importante, aliás fundamental. Na hora de fazer a música, se
o sujeito não canta, vai fazer o que sabe, tocar. Samba sem letra é muito difícil. Sambas
compostos para serem só tocados... se for bom, logo um letrista vai querer pôr letra. Eu
mesmo fiz uns sambas, mas aí chegava alguém e pedia para pôr letra. É sempre isso,
tem que ter letra. A letra é uma ponte para aquele que não é instrumentista fazer música.
A pessoa não sabe tocar, mas canta.
199
Carioca: pseudônimo de Ivan Paulo da Silva (EMB, 1998:159, verbete: Carioca).
174
Caiado: Os sambas do seu disco foram gravados instrumentalmente. Pois bem, eles se
justificam por si, musicalmente são ótimos, não precisam de letra. Então eu me pergunto
o porquê de não existir uma produção maior de sambas nos moldes dos seus, gravados
recentemente. Será que isso se deve apenas ao fator cultural: “samba é música com
letra” ? Isso era tão forte assim que, de um modo geral, poucos fizeram sambas
destituídos de letra?
Álvaro: Algumas pessoas fizeram letras para choro, mas a música já existia. Paulo
César Pinheiro e Vinícius fizeram isso em choros de Pixinguinha. A segunda parte de
Lamento não tem letra. Até poderia ter, mas quem cantaria? Só alguns como a Elizeth
Cardoso e Ademilde Fonseca. Ademilde fez muitos choros ficarem conhecidos porque
foram cantados. Infelizmente, para nós músicos, a música instrumental é difícil, o
público é muito pequeno. Se um grupo de choro toca em um show um arranjo de uma
música com letra, que as pessoas conheçam, todos cantam. Isso aconteceu comigo
recentemente em Friburgo, quando tocamos Jura e Dorinha Meu Amor. Também não
faltou quem pedisse As Rosas não Falam, Feitiço da Vila e Conversa de Botequim. É
difícil você conseguir só tocar. Mas voltando aos meus sambas, você vê que eles não
têm sempre a mesma melodia. A gente faz umas variações, uns improvisos... mas isso
porque é instrumental, dá a chance de se fazer, como no choro. Eu não sei como é que o
choro sobrevive sem letra.
Caiado: Será que havia algum tipo de preconceito ao samba por parte dos músicos. Um
samba é uma música originária das camadas mais humildes, que em geral só tocavam
percussão. Você tem conhecimento de algum preconceito nesse sentido?
Caiado: Voltando a comparar samba e choro, seria o choro, naquela época, considerado
uma música mais valorosa que o samba?
Álvaro: Não, não havia nada disso.
Caiado: Nas gafieiras eram tocados sambas instrumentais, ou grandes trechos
instrumentais...
Álvaro: Isso mesmo, havia as orquestras, o baile... Havia momentos em que era só a
orquestra, orquestras ótimas.
Caiado: Você citaria sambas compostos para as orquestras de gafieira que, pelo menos
em um primeiro momento, não possuíssem letra?
Álvaro: Não, não conheço. A música de gafieira era um estilo, e isso não só nos sambas.
A gente vê o estilo da gafieira nos choros do Raul de Barros. Na Glória, por exemplo, é
uma autêntica gafieira. O Paraquedista e André de Sapato Novo são choros que eram
tocados em gafieiras. Os maestros enfeitavam, faziam arranjos lindos para os naipes. O
que o solista faz no choro, os maestros faziam com os naipe, e eram sambas.
Caiado: As estruturações rítmicas dos sambas-de-gafieira e dos choros-de-gafieira eram
diferentes?
Álvaro: Não era bem o ritmo, choro é choro, samba é samba. Mas a forma de tocar na
gafieira... era música para dançar, não pode mudar, porque assim você “quebra” a
pessoa. Se você está tocando uma música só para ser ouvida, você toca de outra
maneira, não precisa se preocupar porque ninguém está dançando.
Caiado: Choro é uma música dançante?
Álvaro: É. Nós fazemos muitos bailes tocando só choros.
Caiado: E as pessoas dançam como o quê? Como samba?
Álvaro: Não, dançam como choro. A divisão do choro não é a mesma. Choro e samba
têm “batidas” diferentes. O violão, por exemplo, o acompanhamento no choro é
diferente do samba.
Caiado: E o ritmo do pandeiro? Não são semelhantes?
Álvaro: Se parecem, mas não são iguais. Eu conheço pandeiristas que arrasam no
samba, mas no choro...
Caiado: Você falaria mais do ambiente das gafieiras, dos costumes, freqüentadores, da
diferença entre as gafieiras e os “dancings”?
Álvaro: O “dancing” era mais sofisticado. Era uma mistura de boate e gafieira. Havia as
mesas, uma pista de dança e as dançarinas da casa que ganhavam na medida que eram
convidadas a dançar. Furavam um cartão cada vez que dançavam, era uma tipo de
courvet artístico. Você pegava e furava uma música, duas músicas, três músicas, era
tipo um cartão de comida a quilo. A Elizeth trabalhou em dancing. A gafieira era baile
mesmo. Um salão enorme com as mesas em volta, e aquele espaço enorme para a gente
dançar. Algumas pessoas eram dançarinas mesmo, gostavam dessa arte e precisavam da
música. Dançavam fazendo aquelas piruetas, a mulher quase caindo... Era uma forma
mais alegre, mais vibrante. Além do samba, se tocava tango, bolero, chá-chá-chá,
mambo, rumba, mas tudo muito bem feito.
Caiado: Nicanor Teixeira comentou que os freqüentadores eram pessoas mais humildes,
com menor poder aquisitivo.
176
Álvaro: Era um lugar barato. O ingresso era quase nada, a cerveja também não era cara.
As moças que iam lá dançar, e a gente tirava uma.
Caiado: E as boates?
Álvaro: As boates eram lugares em que normalmente não se dançava, mas havia uma
pista pequena.
Caiado: Os músicos que tocavam nesses lugares eram os mesmos?
Álvaro: Alguns sim, outros não. Mas todos eram músicos excelentes, músicos
maravilhosos.
Caiado: E jazz?
Álvaro: Se tocava também, a música americana era muito tocada. A Orquestra do Tom
Dorsey, Benny Goodman, Artie Shaw, Harry James, Louis Armstrong, tudo isso
chegava aqui, músicas lindas.
Caiado: Nas rodas-de-samba em que estivessem chorões era comum que eles fizessem
“improvisos”, ou só se limitavam a fazer o acompanhamento?
Álvaro: Às vezes há, mas ela fica limitada a fazer um solo, uns contracantos.
Álvaro: Tocava-se, e se toca até hoje, com variações, improvisos, tudo isso. Cansei de
tocar com o Índio Aos Pés da Cruz, e é samba, samba mesmo.
Caiado: Quer dizer que nos anos quarenta/cinqüenta isso acontecia, o pessoal do choro
“puxava” sambas?
Caiado: Eu estou focando principalmente essas décadas porque foi nesse ambiente
musical que Baden nasceu e cresceu.
Álvaro: Baden tocou comigo no programa do guri, em 1948 mais ou menos. Eu tocava
uma flautinha de bambú. Nesse conjunto tocava o Paulo Nunes, guitarrista/violonista
ele é um grande violonista, mas ele gosta mais dessa parte de jazz. Ele era guitarrista do
Waldir Calmon. A gente tocava no programa do guri acompanhando Ellen de Lima e
Claudete Soares.
177
Quincas Laranjeiras(1873-1935),
João Pernambuco(1883-1947),
Aimoré (José Alves da Silva: 1908-1979),
Jaime Florence-(Meira)(1909-1982),
Garoto(1915-1955),
Dilermando Reis(1916-1977),
Laurindo de Almeida(1917-1995),
Horondino Silva (Dino-1918),
César Faria (1919),
Zé Meneses (1921),
Luiz Bonfá (1922),
Bola Sete (1923-1987),
Nicanor Teixeira (1928),
Manuel da Conceição (Mão de Vaca, 1930-1996),
Baden Powell (1937-2000).
Álvaro: Você está citando músicos que eram solistas e outros que eram de
acompanhamento, eram harmonizadores.
Caiado: Sim, mas fazem parte da história do violão. Por exemplo, Meira, me parece,
não era solista...
Álvaro: Solava também, e não era só no violão. Tocava cavaquinho, bandolim, até
violino. Só quem conviveu com ele é que sabe disso. Já que você está falando sobre
samba, eu acho que você deveria citar o Arlindo Ferreira, mais conhecido Arlindo
Caximbo. Ele tocou com todo mundo que você pode imaginar. Tem o Fernando e o
Arthur Português, que gravaram muitos choro e sambas. Olha... nem o samba é igual ao
choro, nem o choro é diferente de samba. Samba é completamente diferente de choro e
samba é igualzinho ao choro. Os dois são gêneros irmãos. O Altamiro passou cinco anos
fora do Brasil, de 1965 a 1970 mais ou menos, para sobreviver, mas ele continuou
sempre fazendo choro.
Caiado: Um violonista sugeriu que a maioria dos violonistas na época não teria técnica
suficiente para solar sambas. O que você acha dessa hipótese?
Álvaro: Eu acho que ele está certo. Por exemplo, o Dino é insuperável para
acompanhar, mas se você pedir para que ele sole uma música, ele não faz. Mas ele
escolheu isso. Meira solava bem, mas não se dedicou. Realmente a maioria na época
178
tinha essa limitação, eles não solavam e não era só samba... nem choro eles solavam.
Você sabe que para solar você vai precisar de mais técnica do que só para acompanhar.
Caiado: Garoto, Dilermando, Baden e Luiz Bonfá fizeram alguns arranjos de sambas
cantados para violão solo. Quem mais fazia?
Álvaro: Eu não sei se gravou, mas o Zé Meneses com certeza. Ele é impressionante.
Toca todos os instrumentos de cordas dedilhadas, e muito. Pode ser que ele tenha feito
esse tipo de coisa, mas no cômputo geral dos violonistas eu não sei.
Álvaro: Laurindo foi para os Estados Unidos. Um outro músico extraordinário que
também foi para lá, e que também tocava todos os instrumentos de cordas, como Garoto
e Zé Meneses é o Duílio Pozenza. Garoto falou para mim que Duílio era o maior
instrumentista de cordas que ele conhecia. Está nos Estados Unidos até hoje. Ele dá aula
de violão e é concertista lá. Eu só vi Garoto e Duílio com aquela técnica.
Álvaro: Tudo que você imaginar. Ele é Paulista. Duílio tocava com Altamiro nos anos
cinqüenta na Rádio Mauá. Ele morou na nossa casa, tinha uma técnica impressionante.
Ele pensava moderno... usava aqueles acordes alterados... eu ouvia isso com ele. E ele
ficava meio sem jeito com aquele pessoal mais tradicional. Ele modernizava a
harmonia. Fazia uma levada de samba no cavaquinho insuperável. Compunha muito
bem, tem choros dele com Altamiro. Um dia ele chegou e disse para Altamiro arranjar
outro cavaquinista porque ele ia embora.
Álvaro: Eu acho que Baden quando compõe faz música sem preocupar com história. Ele
deve pensar na melodia e na harmonia... É como eu. Quando a gente faz uma música, a
gente não quer saber se vai ter letra ou não, depois alguém até pode por letra. Eu acho
que Baden também fazia assim.
Álvaro: A „batida‟ do Baden não tem nada a ver com a bossa nova. A “batida” dele é
samba. A da bossa nova é constante, já Baden “quebra” o tempo todo, varia a levada.
Meira tinha aquela „batida‟, foi ele quem ensinou ao Baden e depois ao Maurício.
Quando Maurício começou a fazer aulas com Meira, uma das primeiras coisas que
ensinou foi aquele tipo de “levada”.
Álvaro: A bossa nova tinha coisas bonitas, boas melodias, boa harmonia, algumas letras
ótimas. Nós mesmos tocamos em shows Wave, A Felicidade e algumas músicas. Agora,
sob certos aspectos, quem não se enquadrou naquilo ficou marginalizado. Por isso muita
179
gente saiu daqui. A discriminação que houve com a música que não era bossa nova
trouxe um prejuízo para a música brasileira. Um bom exemplo disso foi o que aconteceu
com o meu irmão. Altamiro passou uns cinco anos fora do Brasil, de 1965 a 1970 mais
ou menos. Saiu para sobreviver, porque não havia mais mercado para choro. Naquela
época só se via e ouvia bossa nova.
200
Índio do Cavaquinho pela Acari Records.
180
Índio: Você, e também outras pessoas, pensam que o violão era só para choro. Mas não,
o violão do Baden, Garoto, Zé Meneses, Luis Bonfá, eu conheci todos eles, eles
executavam sambas de uma maneira bonita. São solistas, e o violão que eles tocam é
perfeito, porque faz a harmonia e o solo ao mesmo tempo. As músicas parecem que
foram feitas para o instrumento. Bom, o que eles menos tocavam era choro, era mais
samba mesmo. O choro eles tocavam, mas era menos. Depois veio a bossa-nova.
Índio: Quando cheguei, Laurindo já havia viajado para os Estados Unidos. Mas eu sei
que ele foi um grande violonista. Eu acho que nos Estados Unidos ele se desligou um
pouco da nossa música, e se ligou mais ao jazz.
Caiado: Você falou uma coisa inédita para mim... esses violonistas tocavam mais
sambas que choros?
Índio: Tocavam, tocavam muito. Quer dizer, esses que eu falei. A maneira deles
tocarem... era uma coisa diferente. Existiam violonistas só do choro, como, por
exemplo, o Dilermando Reis. Esses só tocavam choro, valsas etc. Já esses outros que eu
citei eram ao contrário, era samba. Sambas bonitos, sambas modernos... Depois
pegaram a bossa-nova e tocavam muito bem. E como eu te falei era violão solo, porque
é perfeito... eles solam e se acompanham simultaneamente.
Índio: Eram pessoas que não tinham condição de seguir esse tipo de harmonia. Esses
que eu te falei faziam uma harmonia diferente, completamente... Esqueci de falar do
Bola-Sete. Chegou em um ponto que aqui não havia mais campo para ele, então ele foi
embora.
Índio: Esse não. Ele era engraçado tocando, era inteligente, mas não tinha essa escola.
Então essa é a escola que eu te falei... Garoto, Bola-Sete, Zé Meneses, Luís Bonfá,
Baden... tocavam sambas, não era cantando não, era solando. Foram poucos.
Caiado: O Aimoré?
181
Índio: Esse era paulista, era colado com Garoto, mas eu não tive muito contato com ele.
Eles eram muito amigos, mas quando Garoto veio para cá, eles se separaram. É isso que
eu te falei, havia esses violonistas que faziam esse estilo de samba, mais moderno.
Índio: É o seguinte, na época da guerra, nos anos 40, surgiram muitas orquestras
tocando samba. Aqui no Rio tinha muitas orquestras. Acabou porque ficou difícil
manter, era caro, o custo era muito alto. A única que ainda existe é a Tabajara. A
Tabajara tocou muitos sambas.
Índio: Sim, orquestras para dança, mas muito boas. Certa vez a orquestra do Tommy
Dorsey veio ao Brasil, acho que por volta de 1950. Então houve uma brincadeira, a
orquestra americana tocaria um samba e a Tabajara uma música americana. A Tabajara
tocou, no mínimo, tão bem quanto eles. Já os americanos... eles nunca conseguiram
tocar direito, até hoje. Eles acertaram um pouco com a bossa-nova, porque a bossa-nova
não é aquele samba nosso, é outra coisa... mais facilitada. Então, cada orquestra tinha o
seu crooner, mas o peso mesmo, era da orquestra, tocando sambas, tocando muita coisa.
Caiado: Eu tenho ouvido muitas gravações de sambas cantados das décadas de trinta,
quarenta e cinqüenta. Os arranjos são muito bons, mas eu fico com a impressão que se
por um lado os compositores e arranjadores utilizavam vários recursos instrumentais
para enriquecer os sambas, como introduções, interlúdios, modulações, contrapontos
etc, quando criavam suas obras instrumentais, não optavam pelo samba, ou faziam isso
com pouca freqüência. O que você acha?
Índio: Você está certo, isso era muito difícil. Naquela época, o mais comum era que se
fizesse uma música já com o sentido da letra. Música para ser apenas tocada não era o
comum. Mesmo que o compositor fizesse só a parte musical, uma outra pessoa fazia
uma letra. Podia ser samba, valsa, fox. Era assim na maior parte das vezes, quando
alguém fazia uma música só para ser tocada, era um instrumentista, mas aí, na maioria
das vezes, ele fazia um choro. Voltando aos arranjos, houve casos de fazerem arranjos
tão bonitos que o sujeito comprava o disco por causa do arranjo, da introdução...
Naquela época o trabalho dos arranjadores, era muito valorizado, porque isso dava
muita vida a música. Todos os arranjos do Orlando Silva e de muitos outros grandes
cantores, foram feitos por grandes maestros: Lírio Panicali, Leo Peracchi, Radamés...
Era isso que antigamente se ouvia. Ouvi muita gente dizer: “Essa música é bonita, mas a
introdução é mais bonita ainda”.201
Caiado: Você disse que o mais comum era a criação de músicas para serem cantadas.
Seus discos, por exemplo, são de música instrumental.
Índio: Sim, mas eu tinha um parceiro, o Almeida Reis. Eu acabava de fazer uma música
e ele já escrevia uma letra. Mas eu não compunha para que a música tivesse letra. Todas
as minhas obras foram desenvolvidas no instrumento. Algumas vezes eu criava o tema
na rua, mas o desenvolvimento era no instrumento.
201
Essa mesma observação foi feita por Álvaro Carrilho.
182
Índio: Fiz. Zezé Gonzaga gravou. Tenho sambas com Ataulfo Alves. O filho dele
também gravou coisas minhas. Mas repito, quando eu fiz tudo isso não pensei em letra,
e nem pensei: “Isso aqui vai ficar bonito com uma letra”.
Índio: Acho que sim, porque os que faziam a mesma coisa que eu, não estavam nem aí
se a música teria letra ou não, mas acontece que alguém sempre queria colocar. Quando
Pixinguinha fez Carinhoso ou Lamento, não pensou em letra, puseram depois. O
compositor não vai se opor, porque é interessante, é mais uma gravação.
Caiado: É difícil hoje em dia samba sem letra. Mas naquela época não era?
Índio: É como eu te falei, as orquestras usavam muito o samba, mas quando você ia ver
a maioria tinha letra.
Caiado: A gente sabe que o samba sofreu preconceito, música das camadas mais
humildes, de negros... você viu algum preconceito contra o samba?
Índio: Eu não cheguei a ver nada nesse sentido, mas eu sei que lá no passado, no início,
houve sim.
Índio: Naquela época ninguém sabia música, mas tudo saía perfeito.
Caiado: Mas o cavaquinho, violão, bandolim, flauta eram considerados mais valorosos
que os instrumentos de percussão?
Índio: Não havia isso. Havia aquela diferença na tabela. Violões e cavaquinhos tinham
um preço, e a percussão outro, um pouco abaixo. Mas não considero isso discriminação.
Isso era porque... bom, para tocar uma flauta você leva tempo estudando. Às vezes você
chega em uma esquina e encontra uma pessoa tocando pandeiro, nunca passou por nada,
e toca tudo certo, toca bem...
Índio: Não.
183
Caiado: Houve um violonista que fez uma comparação entre samba e choro. Ele
considerou o choro como uma música mais valorosa que o samba? Recentemente ouvi
em um programa na Rádio MEC o comentário de que o choro seria o gênero musical
brasileiro “mais nobre”. O choro naquela época era considerado mais nobre que o
samba?
Índio: O choro foi sempre considerado mais nobre por ser uma música difícil. O choro é
mais elaborado, é mais difícil. Dentro dele tem tanta coisa para um músico... O samba é
muito bonito, mas... ainda hoje é assim.
Caiado: Havia sambas compostos para as orquestras de gafieira que, pelo menos em um
primeiro momento, não possuíssem letra?
Índio: Não, eu não conheço. A gafieira é um local onde se dança. Muitos arranjadores
faziam arranjos pensando um pouco naquelas coreografias. Eu acho a música de gafieira
muito bonita, muito bem feita.
Índio: Existem, mas o mais tocado é samba mesmo. O choro é pouco tocado.
Caiado: E quanto aquela questão de que choro não pode ter letra?
Índio: Houve realmente isso, mas eu acho uma bobagem. Veja bem, você faz uma
música, se aparecer um poeta bom ele pode botar letra. Não há problema nenhum.
Índio: Fui poucas vezes, mas nunca dancei. Um dia levei uma música minha arranjada
para a orquestra e fiquei lá ouvindo. Bom, eu toquei em gafieira. Toquei três anos no
Dancing Brasil, na Av. Rio Branco. Formei um conjunto e trabalhei lá, nos anos
sessenta. Mas esse tipo de gafieira era diferente, era mais sofisticada. A bailarina
ganhava pelo número de vezes que o sujeito dançava com ela. Havia um cartão que ela
furava cada vez que dançava. Lá não era obrigado a tocar esse samba de gafieira, era
samba de dor de cotovelo, bolero... mas eu tocava samba, tocava choro, tocava tudo.
Inclusive eu tenho um disco que pediram que eu gravasse do jeito que eu tocava lá, foi
pela Albatroz. Está com o Maurício Carrilho.202 O repertório que eu tocava no dancing
está todo ali. Eu toquei em umas vinte casas noturnas do Rio. Toquei vinte anos no Oba-
Oba.
Índio: Tinha gente que tinha medo de entrar na gafieira, com medo de briga. Havia um
pessoal certo que freqüentava.
202
Maurício Carrilho informou que esse disco não está com ele.
184
Caiado: A poucos dias eu vi dois violonistas tocando sambas. Uma fazia a harmonia e o
outro “improvisos” com uma linguagem de jazz bastante evidente
Caiado: Nas rodas-de-samba em que estivessem chorões era comum que eles fizessem
“improvisos”, ou só acompanhavam os cantores?
Índio: Pode acontecer, o cantor pára e passa para mim. Então eu solo e faço uns
improvisos. Até hoje isso acontece.
Índio: O instrumentista que está no choro é o mesmo que faz bonito no samba. Agora,
quem só toca samba, não vai acompanhar choro. Quem acompanha choro, acompanha
samba com a maior facilidade. Se eu acompanho choro... é uma estrada, se for
acompanhar samba é outra estrada.
Índio: Isso às vezes acontecia, mas era muito difícil. Isso ainda hoje. Tem sambas que
são bonitos, a gente lembra na hora... e “vamos mudar um pouco o negócio.” Por
exemplo, o Luiz Bandeira tem um samba que se chama Mistura Fina. Se há alguém no
violão que saiba acompanhar eu solo, mesmo na roda-de-choro.
Caiado: Eu vou citar aqui alguns violonistas importantes dentro da história do violão
brasileiro: Quincas Laranjeiras, João Pernambuco, Aymoré, Meira, Dilermando...
Índio: Dilermando tocava muito João Pernambuco. Aliás muitos outros violonistas
tocaram e tocam obras dele, as composições são boas. Todos os que você citou são bons
violonistas.
Índio: Laurindo foi logo para os Estados Unidos. Garoto é o seguinte... ele não era só
empenhado no choro. Era em tudo. Ele pegava um samba e fazia dele a coisa mais
bonita, fazia uma harmonia nova, com uma interpretação própria... Não era só no choro,
como era o Dilermando. Garoto deixou Duas Contas, um samba bonito e moderno,
Gente Humilde e outras coisas mais.
Caiado: Você disse que Garoto e Luiz Bonfá tinham uma atuação bastante próxima ao
samba...
Índio: Eles tinham alguma coisa parecida, a maneira de tocar, a maneira de interpretar.
Garoto tinha uma escola completamente diferente de todos eles, e Bonfá você notava
que era parecido. Enfim, aquela escola.
185
Caiado: Você conhece sambas instrumentais que tenham sido compostos para violão
solo?
Índio: Não, só o Duas Contas... Mas o bom violonista tem condição de pegar qualquer
samba e botar debaixo do dedo, porque ele conhece o instrumento. O Bola-Sete fazia
muito isso, Zé Meneses também. Bom, havia bons violonistas que não solavam, se
dedicavam mais ao acompanhamento, apoio em regional... O Dino, por exemplo, a
preocupação principal dele foi o acompanhamento. Ele desenvolveu isso e ficou
conhecido como um dos melhores acompanhadores. Ele desenvolveu o violão solo a
pouco tempo. São poucos os violonistas que ao mesmo tempo solam e se acompanham.
assim como ele, a maioria não solava. O acompanhamento é um estudo, uma escola.
Inclusive no cavaquinho também tem isso. Eu tenho uma lista dos violonistas que me
acompanharam desde 1938 até hoje, são mais de cento e trinta.203 O violão é um
instrumento difícil, são poucos os que solam e se acompanham.
Caiado: Eu acho que uma tônica muito forte na obra de Baden é justamente o gênero
samba. O que você acha?
Índio: Eu acredito que sim. Ele marcou muito. Todos os sambas dele são muito bem
feitos. E ele, com aquele acompanhamento... diferente... marcou muito.
Caiado: Baden afirmou que não era bossa-nova, e o samba que ele fazia era mais para o
“sambão”. O que você acha?
Índio: Ele tem uma certa razão. Acontece que a maneira dele tocar, os acordes que ele
usa... Os acordes de bossa-nova são todos dissonantes, não tem acorde natural. Como
Baden toca assim, as pessoas associaram ele à bossa-nova. Mas ele tem razão, ele fazia
um samba bonito, moderno, mas tinha uma coisa do morro sim, é verdade.
Índio: São bem diferentes. Baden dava um outro apoio, ele é mais para o samba. Baden
é um músico completo e um acompanhador fantástico, tanto das músicas dele ou dos
outros, é perfeito. Fazia sambas modernos, a música dele é mais sofisticada que o samba
comum. Compunha muito bem, muito bonito. Todo mundo quer fazer aquele
acompanhamento.
Caiado: Se você fosse colocar numa linhagem, Baden teria vindo de quem?
Índio: Baden tem alguma coisa do Garoto. Todos esses caras nesse estilo têm alguma
coisa do Garoto. Ele deixou uma semente... é diferente a maneira dele tocar. Baden é
um que tem isso. Zé Meneses é outro. Meneses tocando, lembra Garoto. Eles tocaram
muito tempo juntos. Há uns músicos que parece que vieram naquela linha, de Garoto.
Baden estudou com Meira, mas ele tem alguma coisa de Garoto também.
Índio: Olha, abriu caminho para música brasileira. Em qualquer país do mundo toca-se
bossa-nova. Até agora eles não acertaram tocar o samba. Muita gente não quis, ou
203
Ele nos deu uma cópia dessa lista. São ao todo cento e quarenta e um violonistas.
186
achou que não deveria, e não aderiu. Não teria nada de ruim para dizer. Foi uma criação
diferente. Eu acho que foi válido, mesmo porque a bossa-nova é nossa, brasileira. Foi
um estilo que chegou lá fora e foi muito aceito. Samba é difícil, choro também. A
bossa-nova não, muita gente toca.
Índio: Meira tinha mais conhecimento do que mostrava. Ele sabia muito, mas não fazia
estardalhaço, então pouca gente sabe disso.
César Faria
(29/09/2000)
César: É fato. Radamés fez alguma coisa, Jacob fez um LP gravando sambas, mas não
lembro o ano. O pessoal ia mais para o choro, valsas, polcas, schottisch...
(César pega alguns discos e os mostra. Dentre eles havia um de Ademilde Fonseca)
Caiado: Ademilde se notabilizou como cantora de choros. Isso é uma coisa curiosa, o
número de choros que possuem letra também é pequeno.
César: É verdade. Jacob, dizia que choro não deveria ter letra.
Caiado: Realmente não havia muito a prática de se colocar letra em choro. Eu estou
tentando entender quais as razões que levaram ao fato de existirem tão poucos sambas
como música instrumental. Eu pensei em duas hipóteses. Uma delas é que a concepção
de que samba é música com letra estivesse tão arraigada na cultura que raramente os
compositores cogitavam fazer um samba que não fosse com letra. Uma outra
possibilidade seria algum tipo de preconceito, talvez pelo samba ser uma música
associada às camadas mais humildes, e à instrumentos de percussão. O que você acha?
César: Não, também não houve isso. A gente sentia que havia uma diferença, mas não
era preconceito. Bem no início, era mais comum se tocar uma valsa que um samba. Na
minha época não, já peguei todo mundo cantando samba, isso em 1939 na Rádio
Ipanema. Tinha as irmãs Linda e Dircinha Batista, Aracy de Almeida, Ciro Monteiro,
Emilinha Borba, Odete Amaral, e eu tive o prazer de acompanhar esse pessoal todo.
Napoleão Tavares tinha uma orquestra que tocava muitos sambas. Eu tocava muito com
regional. Na Rádio Ipanema havia os programas de quarto de hora com vários
sambistas. Eu acho que não havia preconceito, talvez no início tenha havido sim. No
início o samba era tocado limpo. Depois foi melhorando um pouco, em matéria de
acompanhamento, da “batida”... O Dino criou uma “batida” de samba no violão que
ficou por muito tempo. Depois houve uma mudança... O Meira também...foi uma dupla
fantástica. Eu acho que não houve preconceito.
César: Isso. Eu estava ouvindo um samba do Pixinguinha, com João da Baiana, e Donga
no violão. Donga era muito bom naquela época. Depois veio Tute, tocava sete cordas.
Tute sabia música, lia partitura. Não era aquele pé-de-boi, como a gente chamava.
Depois veio Dino com uma outra coisa e começou a fazer batucada. Fazia um ritmo de
samba mas batucado, e ficou por muito tempo. Você pega as gravações de Ciro
Monteiro e daqueles sambistas, são todos naquele ritmo, do pessoal do Canhoto.
Benedito Lacerda faleceu e ficou o Canhoto. O samba sempre teve o seu lugar, foi
sempre prestigiado.
César: Não, eu não assisti nada assim. Por exemplo, Jacob adorava samba. Ele ficava
doido quando ouvia um samba, ficava alucinado! E gostava da formação: violões,
cavaquinhos, pandeiro, reco-reco, tamborim. E depois, aquele pessoal da velha-guarda
com aquele ritmo que eles faziam com prato e faca, que beleza! E não havia os recursos
de hoje. Não tinha isso de melhorar, era aquilo mesmo, o que você estava fazendo era o
que ficava.
César: Dizem que ele era complicado com o pessoal do conjunto, mas comigo nunca
houve nenhum problema. Dino também trabalhou com ele por muito tempo. Benedito
Lacerda era severo, rígido nos horários. Quem chegasse atrasado pagava multa. Ele
queria tudo direito, igual ao Jacob. Jacob era um que dizia: “Eu só quero isso do
violão”. De certa forma limitava um pouco, mas acho que, em parte, ele tinha razão.
Quem é acompanhador não tem nada que ficar solando, fazendo uma porção de coisas.
O solista era Jacob. Está certo que em certos momentos o violão tinha que aparecer,
mas... Isso também prendia um pouco o valor do acompanhamento, porque você queria
fazer uma coisa, ficava pensando e dizia “não, não pode”. Ele olhava para você, e não
era para fazer. O solista, a estrela, era ele. Os outros eram acompanhantes. Em parte, eu
acho que ele tinha razão. Você vê que nas gravações é tudo certinho, contado. Na hora
188
que tem que fazer o baixo ele aparece, não é aquilo do camarada fazer solos. O
acompanhador faz a sua parte, acompanha.
César: Claudionor tocou muito tempo conosco na Rádio Ipanema. Depois saiu e formou
o conjunto dele, por sinal muito bom, com Bola-Sete e Arlindo Caximbo. É um grande
compositor, tocava cavaquinho, violão tenor... muito bom músico.
César: Pelo menos para Jacob não. O músico tinha que ser bom.
Caiado: Será que, do ponto de vista do músico, o choro era visto como uma música
mais nobre que o samba?
César: Ah sim! O choro é mais difícil de ser tocado. Para você tocar direito, com
aquelas coisas todas... é muita nota. E depois, tem o acompanhamento, os baixos... é
muito difícil de ser tocado. Eu considero o choro quase um clássico. Não só pelo
número de notas, também pela harmonização.
César: Poucas vezes. Fui duas vezes no Elite, duas vezes na Cananga do Japão, lá na
Praça Onze. Era uma gafieira da pesada, do tempo das meretrizes, mas poucas vezes eu
fui.
César: Em 1939. Fiquei no exército de 1935 a 1939. Eu havia pedido baixa antes, mas
estava aquele negócio de revolução, e fiquei lá engajado. Quando eu dei baixa em 1939
189
estourou a guerra e quase voltei. Um sargento me tirou, se não eu teria voltado. Bom, eu
entrei para a Rádio Ipanema com Jacob, depois passei para Rádio Mauá por volta de
1944. Depois apareceu Altamiro. Eu fiquei lá e na Rádio Guanabara. Tocávamos na
rádio, onde era o Ministério do Trabalho e aí ficou só uma programação de choro com
Jacob do Bandolim e Altamiro. Nós tocávamos na Rádio Guanabara e na Rádio Mauá.
César: Claro. Na Rádio Mauá tinha um programa com Jacob e Altamiro, duas vezes por
semana. Naquela época tocava comigo o Fernando Ribeiro, um violonista que era uma
beleza. Tocava cavaquinho também. Ele não saía do Flor do Abacate, uma gafieira ali
no Catete. Fernando tocava pra chuchu. Naquele choro do Jacob, o Remelexo, quem faz
o solo de violão é ele. Tinha um negócio meio jazz, que Jacob ficou meio assim. Tinha
gente que chamava Jacob de quadrado, porque ele não sabia fazer uma música mais
alegre, mais de bossa, então ele fez o Remelexo. Depois Jacob não quis mais assumir o
comando do conjunto e falou para eu tomar conta. Então ficou César e seu Conjunto.
Em alguns discos de 78 rotações está assim, por exemplo o Treme-Treme. Os primeiros
discos de 78 rotações que Jacob gravou na Continental... tem duas músicas lá com o
“Regional de César”. O conjunto era dele, mas ele não queria mais. Ele queria parar de
acompanhar cantor, ele queria só fazer solos, e ficou. Jacob insistiu para que eu fizesse
concurso para a justiça e foi bom. Ele me deu muita força. Ele era duro, mais se
gostasse de você era um grande amigo.
Caiado: Esse samba da velha guarda era diferente do samba que predominou a partir dos
anos trinta?
César: Era. Era a maneira de tocar o pandeiro no choro e no samba. Até hoje o Jorginho
do Pandeiro, se quiser, faz um samba com a aquela cadência do João da Baiana. Era o
samba daquela época, eu até gosto daquela maneira antiga. Há uma gravação da Araci
de Almeida em que ela canta “Ai, ai me Deus, tenha pena de mim...” Escuta aquele
ritmo.
César: Ah sim! Eu tinha um amigo que cantava que era uma beleza, cantava muito bem.
A gente estava tocando um choro, parava e pedia que ele cantasse.
Caiado: Por exemplo, Jacob. Havia rodas-de-choro na casa dele. De vez em quando ele
“puxava” um samba?
César: Puxava sim. Ele tem esse disco que eu te mostrei ali que tem muita coisa.
César: Ele fazia isso. No instrumento, sem o canto. Nós mesmos temos arranjos de
Aquarela do Brasil.
Caiado: Então nos saraus na casa Jacob isso era comum... ele “puxava um samba” no
bandolim e todos acompanhavam?
César: Era sim. Muitas vezes Elizeth estava lá, e a gente estava tocando choro. Depois
de um tempo, ele chamava a Elizeth para que ela cantasse. Eu a conheci assim, cantando
na casa dele, numa roda-de-choro.
Caiado: O Bole-bole?
Caiado: Aqui eu cito alguns violonistas que fazem parte da história do violão... Alguns
deles tem uma forte relação com o samba, outros nem tanto. Você citaria alguém que
tenha sido marcadamente mais sambista?
César: Também não. Ele era um violão solista assim, mais... moderado.
César: Possuía uma técnica primorosa, mas samba de sambista não, mas ele compunha e
gravava sambas. Era um grande compositor, grande músico.
Caiado: Dino e Meira, por exemplo, têm sambas gravados por cantores e são
fantásticos. Se excluirmos a letra e um solista fizer a melodia, continua a ser fantástico.
A música se justifica por si. Isso é que eu não entendo, o porquê de terem sido feitos tão
poucos sambas instrumentais.
Caiado: Então, pelo que você está falando e pelo que eu já levantei essa não era uma
prática tão incomum assim. Esses discos, Descendo o Morro, eram composições de
sambas cantados conhecidos e arranjados?
César: Isso mesmo, sambas arranjados, coisas boas mesmo. Zé da Velha gravou um
disco de sambas que são uma beleza.
Caiado: Você citaria algum outro violonista que não consta nesta lista? (Eu fui
nomeando um a um novamente e ao falar em Zé Meneses...)
César: Zé Meneses é um caso muito sério. Ele toca violão, guitarra, bandolim, violão
tenor, cavaquinho, viola, banjo...qualquer coisa ele toca.
César: Eles trabalharam juntos, estudavam muito. Eu toquei uma época lá na Rádio
Nacional e falavam que Garoto ficava nos corredores estudando. Havia um outro
violonista muito bom chamado Valzinho. Ele fazia umas melodias adiantadas para a
época. Era assim que chamavam. Acordes completamente dissonantes,... Era um cara
204
Infelizmente, ainda não conseguimos ouvir esses discos. Segundo a EMB (1998:737) a série
Descendo o Morro é composta por quatro discos e consta que Roberto Silva é cantor.
192
muito bom, ótimo compositor. Um clássico dele é Doce Veneno. Ele tocava no conjunto
da Rádio Nacional. Às vezes acompanhava Garoto. Ele veio modificar um pouco o
tradicional. Eu sempre fiquei mais naquele tradicional.
Caiado: Você citaria sambas instrumentais que alguém tenha composto para violão?
César: Não, depois. Mesmo menino já era bom, tocava tudo. Tocou muito em
orquestras. Quando precisavam de um violão chamavam Baden.
Caiado: Você citaria outro violonista que tenha executado tantos sambas na forma
instrumental como Baden?
Caiado: Ele disse em entrevista que sua música não era muito bossa-nova. Você acha
que a “batida” do Baden tem a ver com a do João Gilberto?
César: Tem sim. Eu acho até que a do Baden é mais solta. A batida foi criada pelo João
Gilberto, mas Baden desenvolveu mais
Zé Meneses
(30/09/2000)
A entrevista com Zé Meneses, infelizmente, foi curta, e não houve tempo para que
conversássemos sobre todos os pontos do questionário. Porém, ele deu opiniões sobre pontos
importantes.
Meneses: Eu praticamente participei do começo do rádio no Brasil, por isso eu digo que
a parte cultural do país, principalmente quando se trata de música, está muito ruim Eu
comecei em Jardins, no interior do Ceará, e depois fui para Fortaleza em 1938.
Trabalhei quatro anos na rádio PRA 9. Era uma radiadora, como se chamava naquele
tempo. A gente tocava em um estúdio pequenino e jogava para a praça. Depois as rádios
foram se ampliando. Em fins de 1942, fomos trabalhar em uma rádio que já transmitia
para o resto do Brasil. Orlando Silva foi a Fortaleza, e eu fui ensaiar com ele. Naquela
ocasião, eu já era diretor de regional. César Ladeira, que estava junto com ele, achou
que eu deveria substituir Garoto aqui na Mairink Veiga. Ele havia assinado contrato
com a Rádio Nacional. Eu ouvia Garoto pelo rádio e tinha a maior admiração por ele.
Naquele tempo havia realmente um interesse muito grande, pois toda a rádio tinha o seu
cast, seus solistas, seus cantores e cantoras. Cheguei ao Rio em 1943. Você imagine o
número de elementos bons que havia naquele tempo, solistas cantores, cantoras, os
cassinos funcionando, as rádios, a noite... Cada rádio, por mais pobre que fosse, possuía
193
Meneses: Eu já disse a jornalistas... Baden poderia ter sido um dos maiores violonistas
do mundo, se não tivesse confundido o compositor com o violonista. Eu já falei isso em
jornais. Assim que começou, deslanchou. Então ele passou a compor e deu certo.
Começou a fazer sucesso e a ganhar muito dinheiro. A partir daí, na minha opinião,
houve uma acomodação. Ele deveria ter continuado a estudar. Violão é um instrumento
que exige muito estudo. Baden passou a ganhar muito dinheiro como compositor, e ele
era um compositor maravilhoso, um talento enorme. Teve como parceiro Vinícius, um
embaixador, uma pessoa de muito prestígio. Ele só pegou parceiros bons. Então, com
tudo isso, ele se acomodou e deixou de estudar. As músicas dele faziam sucesso, todo
mundo as gravava, e ele começou a tocar apenas essas composições. Assim, não havia
mais a necessidade de estudar, porque o sucesso estava garantido. Não havia mais
porque estudar Bach, ou Villa-Lobos, nem contraponto, nem fuga. Por isso é que eu
digo que o compositor atrapalhou a trajetória do violonista.
205
A TV Globo extinguiu sua orquestra em meados dos anos oitenta.
194
Meneses: Eu fiz vários sambas para violão. Inclusive a estréia do Sivuca em gravações
foi um samba meu, chamado Violão na Gafieira. Isso foi nos anos quarenta.206
Meneses: Não tinha, e não tem. O meu primeiro sucesso foi um choro. Depois
colocaram letra, mas ele foi feito para o instrumento. Eu te mostro um mundo deles
feitos para cavaquinho, violão, mas depois receberam letra. Há poucos dias, eu fiz um
samba para violão solo. Na época da bossa-nova o pessoal dizia que na bossa-nova o
baixo é atravessado. Ora, ele só não marca tempo forte e tempo fraco, mas ele está
dentro do contexto. Então, eu fiz muitas músicas que inicialmente eram soladas, mas
depois receberam letra de outras pessoas. Comigo é assim, que foi gravado pelo Tom e
pela Miúcha, era uma peça solo, eu gravei como solo. Depois colocaram letra. A maior
parte das minhas músicas foi feita para solo de violão, bandolim, cavaquinho...
Caiado: Então o percentual de sambas concebidos dessa maneira não era pequeno?
Meneses: Não.
Caiado: E você compunha e continua compondo sambas solo para seus instrumentos?
Caiado: Quer dizer que houve uma produção de sambas pensados instrumentalmente e
que acabavam recebendo letra.
Meneses: Veja, geralmente o instrumentista não tem jeito para fazer letra. Então ele
pega no instrumento e faz a música, depois um outro houve e pede para botar uma letra.
Caiado: Várias pessoas afirmam que samba é uma música com letra, não se faz samba
sem letra.
Meneses: Não, isso não é assim. Todas as minhas músicas foram feitas para serem
executadas instrumentalmente.
Meneses: Eu não sei. Eu gosto de fazer a música, eu não sei fazer letra. Eu componho
pensando no resultado musical. Eu gosto de harmonia, de harmonia que ande. Minhas
músicas são construídas dentro de uma harmonia. O que veste uma melodia é uma
harmonia bonita. Se eu sou uma exceção? Eu acho que não. Garoto já fazia isso
também. Você vê que as músicas dele que têm letra, receberam letra depois, Duas
Contas, Gente Humilde...
206
Contatado por telefone Sivuca fez uma retificação, a composição chama-se “Violão em Samba”.
195
Meneses: Fazia. Ele fazia as músicas também. Todos esses instrumentistas que têm um
bom conhecimento de música compõem dentro de harmonia, passeando pela harmonia e
não pensando em letra. O letrista é que escuta a música e já pensa em uma letra.
Laurindo fazia assim, e tem sambas.
Meneses: Fazia também. As coisas dele não nasciam com letra. Poli foi outro. As coisas
maravilhosas dele eram feitas instrumentalmente. Até hoje eu tenho coisas sem letra
porque eu não deixo botar letra. Eu tenho um samba chamado Guerra sem Paz, eu fiz
sem letra. Depois foi gravado com letra, mas o meu negócio é tocar.
Jorginho do Pandeiro
(06/10/2000)
Jorginho do Pandeiro: Pixinguinha fez sambas e gravou alguns. Ele tem um samba meio
puxado para a macumba, para a umbanda. Eu tenho isso gravado. Era com o João da
Baiana e ele mesmo cantando. Então o pessoal fazia... os músicos faziam sambas mas a
maioria não gostava que pusessem letra. Jacob, por exemplo, tem vários sambas. Tem o
Bole-Bole, tem mais uns três ou quatro e não deixava botar letra, de jeito nenhum. O
Hermínio Bello de Carvalho botou letras nas músicas depois que ele faleceu. Colocou
no Noites Cariocas e em várias outras, mas, se Jacob fosse vivo, não deixaria.
Caiado: Jacob morreu em 1969, Baden é de 1937. Nos anos cinqüenta ele já estava
atuando nas rádios.
196
Caiado: Você falou em sambas instrumentais feitos por Jacob, mas de um modo geral, o
número de sambas concebidos como música essencialmente instrumental é bastante
pequeno, pelo menos aparentemente.
Jorginho do Pandeiro. Não é pequeno. É que eles não deixavam por letra. Então muita
gente tinha os seus sambas mas não deixavam por letra e não apareciam, porque sem
cantor... Então as pessoas tinham os seus sambas mas não mostravam, não queriam que
tivessem letra.
Jorginho: Quem eu conheço bem é Jacob, não deixava mesmo. Quem mais? Dino, meu
irmão, tem muitos sambas, mas ele fazia mesmo para serem cantados. Ele gravou muito
com Isaurinha Garcia, com Linda Batista, mas música feita para ser cantada. Ele fazia a
música e Del Loro, ou outros compositores, faziam as letras. Ele fez valsas gravadas
pelo Orlando Silva, mas essas músicas ele queria que fossem cantadas. Garoto tem uma
valsa que não tinha letra, Gente Humilde.
Jorginho: Não. Ele tocava como canção, bem lento. Garoto devia ter muitos sambas.
Fez muitos choros, mas deveria ter sambas também.
Jorginho: Não. Havia Heitor dos Prazeres que fazia muitos sambas, João da Baiana,
Donga.
Jorginho: Também. Ele tocava prato e faca, reco reco... mas havia Bide, Armando
Marçal.... Chico Alves gostava muito deles. Não, não havia preconceito.
Caiado: Comparados com os instrumentos europeus, mesmo os mais populares (violões,
cavaquinhos, flautas etc) como eram vistos os instrumentos e instrumentistas de
percussão? Havia um “status” diferenciado?
Jorginho: Quando eu comecei havia essa diferença de pagarem menos ao ritmista.
Caiado: Mas, isso por quê?
Jorginho: Porque eles mesmos deixavam. Quando eu entrei no meio musical era assim,
mas logo a gente reclamou no sindicato, eu gravava muito. Eu, Marçal, Luna, Eliseu,
Gilson do regional do Canhoto, a gente reclamou lá no sindicato e acabou essa coisa. É
porque não levantavam a cabeça, deixavam. Até hoje tem isso. Nas gravações de hoje, a
maioria ganha muito pouco. Não me chamam mais para gravar por isso, porque eu
197
quero ganhar a tabela do sindicato, mas não pagam. Não pagam porque as pessoas se
deixam levar, se submetem. Eu tenho a impressão que era isso que acontecia naquela
época. Benedito Lacerda e outros sempre pagavam menos aos ritmistas porque eles se
deixavam levar.
Caiado: Você presenciou alguma coisa no sentido desses instrumentistas, talvez mais os
de sopro, se acharem como outro status?
Jorginho: Se achavam mais sim. Exatamente, porque os ritmistas não queriam aprender
música. Eu não, eu estudei! Gravo lendo, toco lendo. Então eu posso dizer: “quero
ganhar igual”. Eles não, se submetiam. Por exemplo, em um show, não sabiam ler... aí
no breque ou em uma convenção, o violonista ou o cavaquinista tinha que fazer o sinal
para o percussionista parar. Por isso eles se submetiam, e não queriam estudar. Por
exemplo, Marçal nunca estudou música. Eu fiz um LP com Altamiro Carrilho com
músicas clássicas no choro. Quem comandou o ritmo fui eu. Na mesma sala, fiquei eu,
Risadinha e o filho dele. Quem comandou os dois fui eu, que ficava lendo e dava o sinal
para eles. Então, uma pessoa assim não pode se impor, e aí se submete.
Caiado: Quer dizer que o pessoal do sopro via assim o pessoal da percussão. E os
violonistas, eles também se achavam superiores aos percussionistas?
Jorginho: Também se achavam, porque eles acham que pelo fato de fazerem Ré maior,
Sol maior, e o ritmista não saber... Comigo, sempre foi ao contrário, porque eu toco
cavaquinho e violão. Toco muito mal, mas faço.
Caiado: Você citaria alguma coisa nesse sentido que você tenha presenciado?
Jorginho: Como assim?
Caiado: Exemplos como esse do Benedito Lacerda.
Jorginho: Não era só Benedito Lacerda não. Na época, todos eles pagavam menos ao
ritmista, se achavam superiores. Russo, percussionista do Benedito, e o Benedito
brigavam à beça, mas se davam bem.
Caiado: Quer dizer que havia essa prática. Eu tomei um depoimento de uma pessoa que
respondeu a essa pergunta dizendo que, na época, percussionista era considerado sub-
músico.
Jorginho: Era sim. Era justamente por isso que eu te disse.
Caiado: Ele me explicou que os instrumentos de ritmo não eram valorizados.
Jorginho: Eles valorizavam os bateristas, os percussionistas não. Baterista era o bom,
era músico. Foi aí a nossa briga no sindicato. Perdíamos o mesmo tempo, gravávamos
igual, tocávamos igual, ninguém errava, saía tudo certo... por que a diferença?
Jorginho: Liam. O baterista tinha que ler, para poder acompanhar a regência do maestro.
Já os ritmistas de orquestra iam pelo baterista. O baterista é quem fazia os sinais para
eles, que não liam.
Caiado: Fazendo uma comparação entre samba e choro... alguns acham que o choro é
uma música superior ao samba, porque no choro o instrumentista pode se “soltar mais”.
198
Jorginho: Exato.
Caiado: Então você concorda, o choro é considerado “mais nobre” que o samba?
Jorginho: Ah sim, “mais nobre". O choro para mim é o clássico brasileiro. Você pega aí
cada choro dificílimo de acompanhar. Por exemplo, o Modulando, tente acompanhar
esse choro sem a partitura. Ele tem uma série de mudanças. É muito difícil de
acompanhar Então isso é um clássico! O Lamento, o Ingênuo... são clássicos. Há muitos
sambas bonitos e difíceis como Aquarela do Brasil e Canta Brasil, mas são menos que
o choro. Eu tenho um primo, o Tico-Tico do Cavaquinho, a gente vai gravar um CD
dele lá na Acari Records. Todas as músicas que ele faz são para derrubar o
acompanhador. As músicas dele são muito difíceis. Há uma que se chama Cuidado
Dino.
Jorginho: É. Ele não faz sambas, nunca vi. Ah!, ele tem um: A moçada no samba. É
um samba mesmo, mas não é difícil. Talvez ele tenha mais alguns. Mas ele prefere fazer
choros e valsas. Ele manda cada uma em cima de você que você... Faz questão de fazer
choros bem difíceis. Por isso o samba perde muito para o choro. Geralmente eles fazem
o samba para vender, é o lado comercial. Então não vai fazer uma coisa complicada.
Querem uma coisa bem fácil que é para pessoa guardar logo, fixar rápido. No choro
não, o chorista faz questão de fazer a coisa bem bonita bem arranjada.
Jorginho: Tem alguma coisa sim... há o Na Glória do Raul de Barros. É mais um samba
que um choro, e não tem letra.
Jorginho: É, aquilo é samba. Está mais para samba que para choro.
199
Jorginho: Era música feita especialmente para pessoa dançar, bem jogadinha. Não podia
ser em andamento muito acelerado. Tinha que ser sempre naquele andamento médio,
gostosinho. Ou então samba-canção eles gostavam também muito de samba-canção.
Jorginho: Antigamente havia samba-choro. Hoje ainda se faz, mas tenho visto poucos.
Havia muito samba-choro, cantado. Orlando Silva, Sílvio Caldas gravaram sambas-
choros. Por exemplo Da Cor do Pecado é um samba-choro. Não é só choro, é samba-
choro devido à divisão.
Jorginho: O samba é:
Se você tocar Da Cor do Pecado e eu fizer esse ritmo, não vai dar certo, por causa da
divisão. Que é:
Caiado: Excetuando Na Glória, você lembra de outros sambas compostos para gafieira?
Jorginho: Há outros, mas eu não lembro.
Caiado: Você tocou em gafieira?
Jorginho: Só para receber um prêmio, um concurso promovido pela Playboy. O Época
de Ouro ganhou pelo disco Época de Ouro interpreta Pixinguinha e Benedito Lacerda.
Nós fomos os mais votados e ganhamos como melhor conjunto em 1977. A entrega dos
prêmios foi na Gafieira Elite.
Caiado: Em rodas-de-samba em que estivessem chorões era comum que eles fizessem
“improvisos” quando os cantores terminavam o canto, ou só acompanhavam?
200
Jorginho: Você pode colocar aí Arlindo Cachimbo e César Moreno. César era delegado
de polícia, mas gostava mais da música do que ser delegado. Ele teve um programa em
rádio que ficou uns dez ou quinze anos no ar, não lembro nome. Ainda é vivo. Havia o
Carlos Lentine grande violonista, trabalhou com Benedito Lacerda, depois foi para a
Rádio Nacional e ficou lá conosco.
201
Jorginho. Ele era um bom violonista, não era ótimo violonista, mas um grande
compositor. Radamés dizia quando ele compunha, ele fazia primeiro a harmonia, porque
a harmonia dos sambas do Valzinho são muito difíceis. É tipo... sabe choro difícil? Ele
fazia no samba. Essa bossa-nova que o pessoal fala aí, o Valzinho já fazia isso. Esses
acordes modernos. Eu tenho um LP gravado pela Zezé Gonzaga, grande cantora
afinadíssima, e ela fez um LP só com músicas do Valzinho. Tem cada mudança que
parece aquele choro bem difícil, bem cabeludo. O nome dele era Norival Teixeira.
Compositor de primeira.
Jorginho. É, só sambas. Ele tinha um parceiro que fazia as letras. Agora, as harmonia e
as melodias eram dele, ninguém mudava porque ele não deixava. Tinha uma coisa
interessante, naquela época só ele sabia acompanhar as músicas dele. Quando tinha
alguma reunião e a turma pedia para ele cantar ele pegava no violão os outros saíam.
Ele era mais compositor do que violonista. Tinha o Norival Guimarães, Artur Duarte
(violão acompanhador). Claudionor Cruz depois que largou a viola passou para o violão
e foi professor da mulher do João Goulart. Há o Freitas, que não lembro o nome
completo. Tocava cavaquinho, banjo, tocava tudo. Teve uma vez que numa gravação o
maestro Peruzzi fez um arranjo de samba para três cavaquinhos e tinha que ler, era tudo
escrito. Não havia violonista que lesse assim naquela época. Então o que é que ele fez,
chamou Canhoto, Dino e Meira. Dino antes de tocar violão tocava bandolim. Há o
Araújo, violonista também muito bom.207
Jorginho: Bola-Sete fazia isso. Eu tenho um disco aí dele, gravado nos Estados Unidos.
Ele tinha uma técnica fenomenal, espetacular.
Caiado: Bom uma tônica muito forte na música de Baden é justamente o gênero
samba...
Jorginho: Esta certo. Eu fiz um LP com ele só de sambas, foi pela Phillips. Eu, Marçal,
Eliseu, foi uma batudada boa. Só ele e nós, dez ritmistas. Baden já era sucesso, já havia
ido à Europa.
Jorginho: E que “batida” bonita a do João Gilberto, não? Ninguém sabe fazer igual a
ele. Aquilo é difícil. Quando surgiu a bossa-nova foi difícil assimilar, porque não
usavam pandeiro. Era tamborim, e eu tive que aprender aquela “batida” da época:
207
Temístocles de Araújo.
202
Jorginho: Baden era danado. Dentro daquilo ele mudava, fazia vários ritmos, ele tinha a
capacidade para mudar tudo. Dentro daquela divisão ele fazia várias, não ficava só
naquela “batida”, misturava. Uma coisa interessante em João Giberto é que ele faz o
acompanhamento e com a voz atrasa, adianta, vai para lá, vem para cá... e se
acompanhando. Isso é muito difícil. Ele tem um ritmo espetacular. Você fazer uma
“batida” e cantar fora dela é dificílimo. Orlando Silva e Sílvio Caldas faziam isso, mas
não se acompanhava, só cantavam.
Arlindo: Eu sou de 1916, nasci em Sete Lagoas, Minas Gerais. Vim para o Rio em 1938
aproximadamente. Cheguei e já vim tocando. Trabalhei com todo mundo, em todas as
rádios, em televisão. Viajei pelo Brasil todo. Parei agora porque fiquei doente.
Araújo: Eu sou de 1917, de Belo Horizonte. Vim para o Rio em 1942. Também
trabalhei em todas as rádios acompanhando todo mundo.
Caiado: Eu tenho ouvido gravações de sambas cantados das décadas de trinta, quarenta
e cinqüenta, e duas coisas me chamam a atenção. Do ponto de vista musical esses
sambas são muito elaborados, com introduções, modulações, contrapontos etc. Se por
outro lado, os compositores/arranjadores sabiam utilizar todos esses recursos para
arranjar sambas cantados, por outro, quando compunham suas obras instrumentais não o
faziam nesse gênero. O que vocês acham?
Araújo: Era o lado comercial da coisa. Instrumental eram choros e valsas, samba não.
Eu gravei com Zé Meneses, Garoto... Instrumental a gente só gravou choros. Meneses
gravou baiões também.
Caiado: Além do choro e da valsa, que outros gêneros eram utilizados mais
freqüentemente em composições instrumentais, ou inicialmente assim concebidas?
203
Caiado: Será que a associação “samba é música com letra” era algo tão naturalmente
enraizado que os compositores não cogitavam criar obras puramente instrumentais no
gênero, ou havia no íntimo algum tipo de preconceito musical?
Edivar: Preconceito não havia, simplesmente não se fazia. Ninguém queria perder
tempo de fazer uma música para não gravar, então punha-se uma letra.
Araújo: Música instrumental comercialmente não era interessante. Mas todos os sambas
eram tocados nas escolas de dança, e nos dancings. Música instrumental, com
guitarristas, pianistas, saxofonistas... tocavam todos os sambas de outros autores.
Edivar: Não.
Araújo: Às vezes havia mais dificuldade na harmonia. Muita gente compunha um choro
com a intenção de derrubar o violão, então eram harmonias dificílimas... difícil de
ensaiar.
Caiado: Esse amigo disse que achava que o choro era uma música superior ao samba.
Um locutor da Rádio MEC disse que o choro seria o gênero musical brasileiro “mais
nobre”. O que vocês acham?
208
Pseudônimo de Alcebíades Barcelos.
204
Araújo: Não é isso... Em uma roda de músicos, de choristas, só se tocava choro. Numa
reunião com violões, cavaquinho e pandeiro era choro o tempo todo.
Araújo: O Zé Meneses fez. Garoto compôs Gente Humilde, que não tinha letra e era
tocado em gafieira.
Araújo: Nos dancings, a dançarina furava o cartão a cada música que dançava com
você. Os músicos não demoravam muito em uma música, pois quanto menor o tempo,
melhor para as dançarinas. Já na gafieira era ao contrário, repetiam-se as partes várias
vezes.
Araújo: É. Apesar do ambiente ter má fama, quase não ocorriam confusões gafieiras. Lá
se juntavam todas as classes.
Caiado: Em rodas-de-samba em que estivessem chorões era comum que eles fizessem
“improvisos”, ou só acompanhavam os cantores?
Caiado: Eu vou citar alguns violonistas e gostaria que vocês dessem a opinião de vocês
sobre qual a proximidade desses músicos com o samba.
Arlindo: Não.
Caiado: Todos que vocês citaram faziam sambas com a intenção da letra...
Araújo: Garoto sempre fazia melodia. Depois uma outra pessoa botava uma letra.
Araújo: Rogério Guimarães, Francisco Sales, Norival Teixeira. Ele era conhecido como
Valzinho. Ele era alguns anos avançado para a época. Fazia sambas com umas
harmonias bem avançadas. Morreu cedo.
206
Araújo: Tem um outro lado. Às vezes o sujeito faz mas não é gravado. Então ninguém
conhece.
Edivar: Eu tenho em casa umas duzentas músicas. Só trinta e oito foram gravadas, mas
por artistas que não tinham nome. Não consegui um sucesso na minha vida.
Caiado: Há também essa questão. Quanta coisa foi composta e que não é conhecida
simplesmente porque não houve registro?
Araújo: A música só era registrada quando era gravada. O documento legítimo daquela
música era o disco. Não precisava nem ir a nenhum departamento para registrar a abra.
Muitas vezes, por exemplo, um violonista queria mostrar uma música para um cantor,
mas por uma razão qualquer não conseguia. Então era perdida a oportunidade de
gravar... de mostrar aquela obra. Ou então podiam acontecer outros problemas... Eu
gostaria que você registrasse uma coisa. A última gravação do Almirante foi um samba
meu, o Vamos Pavuna. Depois da gravação Almirante queria que eu desse parceria a um
conhecido dele, e eu não quis. O disco saiu. Almirante era diretor da Rádio Tupi, eu
trabalhava lá. Ele mandou riscar com um prego toda a faixa B do disco. Há uma outra
coisa que eu também queria registrar, muitas pessoas que constam como “autores” de
uma música, não eram os verdadeiros. Há muitas histórias absurdas. A Odeon quis fazer
um LP com músicas do Garoto, ele mesmo tocando. Ensaiamos dois meses, Garoto, eu
e José de Freitas. No dia gravação, o diretor disse que nós iríamos gravar sim, mas o
repertório seria Uma x Zero, Língua de Preto e sei lá mais o quê. A justificativa dele foi
que as músicas do Garoto não iriam vender, mas tinha que fazer um disco de qualquer
maneira porque a capa já estava pronta.
Araújo: Para solar precisa ter técnica, mas se o violonista toca choro, sola choro...
Choro é mais difícil que samba, o andamento é mais rápido. Por exemplo, o que é mais
difícil Insensatez ou Um x Zero?
Caiado: Eu estive pesquisando e constatei que Garoto, Dilermando, Luiz Bonfá e Baden
fizeram alguns arranjos de sambas cantados para violão solo. Vocês citariam mais
alguém que tenha feita isso?
Araújo: Neco, ele é muito bom.210 Heraldo do Monte também faz coisas assim.
Caiado: Baden é um músico que tem o samba como uma das tônicas mais fortes no seu
trabalho. O que vocês acham?
209
Essa informação não procede. O LP (MIS 032) Valzinho: um doce veneno, lançado em 1979 pela
FUNARTE/MIS gravado pelo Quinteto de Radamés Gnatalli, a cantora Zezé Gonzaga e o próprio
Valzinho, contém quinze composições do autor. São mencionadas, na contra-capa, as “harmonias
avançadas” de Valzinho, que já seriam feitas por ele desde o final da década de trinta. Vale observar que
Valzinho conheceu e trabalhou com Garoto.
210
Daudeth de Azevedo.
207
Araújo: A “batida” da bossa nova é mais simples que a batida do samba. A harmonia é
mais complicada, mas a “batida” é mais simples.
Araújo: Não. Mesmo aqueles acordes característicos da bossa-nova não foram muito
usados por Baden. Eu acho que ele somente fez parte daquele “time”. Talvez como
acompanhador João Gilberto seja mais avançado.
Por telefone, para tirar algumas dúvidas, Araújo disse uma coisa interessante: “para um
compositor, a notoriedade junto ao público não interessava muito. O que interessava era
que „o meio musical‟ lhe conhecesse (cantores, produtores, diretores de rádio etc), pois
era através dessas pessoas que um compositor poderia sobreviver dignamente.
Dino: Não, realmente são poucos, isso porque o violão não é dado a solos de sambas.
São mais solos de choros, valsas, polcas...
Caiado: Essa é uma questão importante na minha pesquisa, o porquê de haver tão
poucos sambas instrumentais. Será que a associação “samba é música cantada” era algo
tão naturalmente enraizado que os compositores não cogitavam criar obras puramente
instrumentais no gênero, ou havia no íntimo algum tipo de preconceito musical?
Dino: Não havia diferença. Os percussionistas ganhavam menos, mas isso porque eram
pandeiristas, surdos, tamborins... aí ganhavam menos. Mas esses instrumentos eram
considerados tão importantes quanto os outros.
Caiado: Eu tomei um depoimento de uma pessoa que disse que para tocar violão são
necessários anos de estudo, já um pandeiro em pouquíssimo tempo...
Dino: Mas é preciso que ela tenha o dom... o dom do ritmo. Se não for assim, não
adianta nada.
Dino: Eu acho que não, eram iguais. Se tocavam sambas, choros, valsas, schottisch...
Dino: Não. Se bem que o violão solo era mais para o choro mesmo.
Dino: Era aí que entrava Pixinguinha. Ele fazia arranjos, introduções, modulações, tudo
isso. Pixinguinha compôs sambas também.
Dino: Não.
Dino: Não.
Dino: Muitas.
Caiado: Em rodas-de-samba em que estivessem chorões era comum que estes músicos
fizessem “improvisos”, quando os cantores paravam de cantar ou se limitavam a
acompanhá-los?
Dino: Era muito comum se fazer isso. Quando o cantor parava e deixava para o
conjunto, ele sempre fazíamos a sua parte.
Dino: Não, não havia isso. Tinha era muito choro e valsa.
Caiado: Garoto é um violonista que todos apontam como um gênio. Era uma pessoa que
eu imaginava ser mais ligada ao choro que ao samba, porém muitos depoimentos
indicam que ele tocava muitos sambas...
Dino: Tocava. Ele gravava, trabalhava nas rádios...como eu. Eu gravei com Garoto,
com Carmem Miranda com Francisco Alves, com Risadinha...
Caiado: Algumas pessoas são de opinião de que choro não deve ter letra.
210
Dino: Tem gente que acha isso, mas é bobagem. O pessoal também faz choros com
letra.
Caiado: Muitos sambas foram concebidos juntos com a letra. Havia aquela coisa do
compositor que já fazia a música para mostrar para um determinado cantor ou cantora...
Dino: É tinha isso sim. Eu por exemplo só fazia músicas para a Isaura Garcia. Ela
chegava de São Paulo e telefonava para mim, querendo saber se eu tinha alguma coisa.
Em geral eu tinha, então eu ia me encontrar com ela para lhe ensinar a música.
Caiado: Você compôs sambas. Quando fazia isso você já pensava em letra, alguém
pensava junto com você, ou você fazia a parte musical, harmonia e melodia?
Caiado: Se ninguém pusesse letra naquela composição, ela se sustentava por si, já que
havia uma melodia, uma harmonia...
Dino: Exatamente.
Caiado: Citando alguns violonistas atuantes já nos anos quarenta e cinqüenta, por
exemplo, Luiz Bonfá e Bola-Sete, eles tocavam sambas?
Caiado: Você conhece sambas instrumentais que tenham sido compostos para violão
solo destituídos de letra, como é Lamentos do Morro de Garoto?
Dino: Foram, pela Mangione. Você pode ir lá na União Brasileira de Compositores que
encontra.
Caiado: Eu constatei que Garoto, Dilermando, Luiz Bonfá e Baden fizeram alguns
arranjos de sambas cantados para violão solo. Você sabe de mais alguém que tenha
feito isso?
Caiado: Uma tônica muito forte na obra de Baden é justamente o gênero samba. O que
você acha?
Dino: Concordo.
Dino: Eu conheci Baden quando ele tinha oito anos. O pai dele tocava violino. Baden
tocava choros também. Fizemos vários shows juntos.
Caiado: A “batida” da bossa-nova que virou paradigma foi a “batida” do João Gilberto.
Fazendo uma comparação entre Baden e João Gilberto, você acha que o violão de
Baden é representativo da bossa-nova?
Dino: João Gilberto era diferente. E quando Baden tocava já era diferente também. Era
uma bossa-nova mais modernizada. Porque antes ele tocava mais choros, que aprendeu
com Meira. Depois é que passou a fazer bossa-nova.
Dino: Não, ele não era da bossa-nova, ele era do choro. Depois, com a bossa-nova, ele
se embrenhou e aí ficou.
Caiado: Mas você acha que ele é um violonista representativo do movimento da bossa-
nova?
Dino: Pode ser, porque ele depois que entrou, nunca mais saiu.
Caiado: Mas comparando o violão dele com o do João Gilberto, são diferentes?
Dino: Completamente.
Caiado: Então, é essa a questão. O violão dele tem a ver com aquela estética? Por
exemplo, as harmonias, Baden usa acordes característicos, com nonas etc?
212
Caiado: Então, se a “batida” é diferente, e os acordes também não são aqueles, no que
Baden é bossa-nova?
Dino: Isso não tem nada a ver com Baden. João Gilberto fazia nonas, sétima maiores,
nonas aumentadas.
Caiado: Algumas pessoas dizem que Baden tem alguma coisa do Garoto. Você
concorda com isso?
Dino: Até certo ponto. Ele tocava o que Garoto fazia, mas não era a mesma coisa, ele
fazia diferente.
Caiado: Índio do Cavaquinho afirmou que Garoto, Luiz Bonfá, Zé Meneses, Bola-Sete e
Baden tocavam naquela época um violão diferente. O que você acha disso?
Caiado: Ele disse que esses violonistas compunham uns sambas diferentes, com
harmonias diferentes...
Caiado: Então aquela pessoas citadas pelo Índio não estavam fazendo nada de tão
impressionante assim?
Dino: Não.
Caiado: E Garoto?
Dino: Garoto já tocava acordes alterados em... 1938/1939. Ele já fazia acordes alterados
e não fazia muita questão de fazer os acordes certos não, os acordes perfeitos.
213
Caiado: Talvez isso tenha sido imitado pelos violonistas que Índio citou. Garoto foi um
inovador na época dele?
Dino: Foi, ele inovou muito. Ele fez muitas coisas novas... acordes alterados.
Dino: Não.
Caiado: Mas a partir de Garoto, houve violonistas que procuraram tocar como ele?
Caiado: Pode ser que seja isso que o Índio quis dizer. A partir de Garoto, que fazia
“algo diferente”, esses outros seguiram essa “mesma linha”.
Dino: Sambas, choro, valsas... tudo. Ele cansou de gravar comigo. Ele fazia
introduções, solos... fazia tudo... num violão tenor.
Caiado: Eu estive conversando com algumas pessoas que acham que com a bossa-nova
houve um certo preconceito contra os outros gêneros musicais brasileiros em voga na
época.
Dino: Quando vem um música nova, um gênero novo, sempre cai a antiga.
Caiado: Por exemplo, do ponto de vista dos arranjos para orquestras. Com a bossa-nova
mudou a estética, passou a ser banquinho e violão, aquela coisa mais intimista...
Dino: Sempre cai. Veio aquele “iê-iê-iê”... o choro caiu, o samba caiu. Isso é
perfeitamente natural.
Dino: Quando eu comecei, eu saía de uma gravação e ia para outra, nem almoçava,
comia um sanduíche. Com a moda do “iê-iê-iê” desapareceram as gravações. Eu não
gravava mais, então tive que passar a mão em uma guitarra e tocar em bailes, fazer solos
de rock, essas coisas. Eu voltei a gravar sambas de Escolas de samba nos anos 60. Eu
estava em todas as gravações. Mas foi difícil...
Elton Medeiros
(13/10/2000)
Elton: Baden começou em rádio. Pode ser que na Rádio Nacional existam gravações do
tempo do programa Papel Carbono, onde ele tocava. Eu lembro dele, muito novo,
tocando no clube Lígia, em Olaria, fazendo tardes dançantes, ele, uma moça no
acordeon e o Ivan, que tocava bateria. Eu me lembro deles nesse clube O sobrado está lá
na frente da estação de Olaria, bem antigo. Baden, ainda menino, tocava ali e já tocava
bem, eu sou sete anos mais velho que ele. Dessa época eu me lembro do Vadico, que era
um violonista excelente, e também do Luiz São Luiz, que depois foi tocar na orquestra
do Raul de Barros. Solavam choros no violão. Antes eles tocavam violão tenor, depois
passaram para o que se chamava na época “violão elétrico”. Eu estou citando dois
violonistas que solavam muito bem e que, eu acho, não há gravações deles. Eram
conhecidos por pessoas que freqüentavam bailes. Acho que não existe gravação de
nenhum solo do Luiz, mesmo na orquestra do Raul de Barros,. Vadico também não
deixou nada gravado, eu acho. Eu sei que o Vadico foi para a polícia, era capitão-
músico da polícia. Ele deve ter sido reformado como oficial de polícia. O Luiz morreu
quando ainda era músico da orquestra do Raul de Barros, orquestra que fazia baile.
Caiado: Em uma conversa por telefone você disse que samba, na sua opinião, deve ter
letra.
Elton: É, eu acho sim. Eu acho que samba deve ter letra até por uma questão cultural.
Eu não sou etnólogo, nem antropólogo, a minha formação é em outra área, mas sou um
cidadão que vive a cultura intensamente, principalmente a cultura popular, desde a
infância. Sou neto de um escravo crioulo e bisneto de escravos africanos. Eu tive uma
aproximação muito grande com o pessoal do CPC da UNE nos anos 60. Eu, Zé Kéti,
aquela turma. Sempre procurei investigar essa cultura, sempre me preocupei com isso.
A própria palavra samba é de origem quimbundo, não remete a nada instrumental. A
própria raiz da palavra indica que é uma manifestação cultural negra, que significava
muito mais, em um determinado tempo, um ambiente que gênero musical. Samba como
gênero musical, não tenho a menor dúvida, nasceu no Rio de Janeiro, ali pela Praça
Onze, dentro das casas das Tias Baianas. Essa turma que freqüentava a casa de Ciata era
a mesma que freqüentava a casa de Tia Amélia, Tia Perciliana, Tia Sabata... todas essas
baianas festeiras. Meu pai, que é um negro de origem banto, contava que morou um
tempo na casa da Tia Perciliana, mãe de João da Baiana. Havia lá uns quartos para
alugar, na Saúde e ele foi ali para aqueles lados, talvez até por influência de um
compadre dele que saía em um rancho chamado “Recreio das Flores”. Esse compadre
era padrinho de uma irmã minha que hoje está com 83 anos. Então, samba é um gênero
musical de origem africana. Não me consta que a partir da raiz desse gênero existissem
instrumentos de sopro. O cavaquinho e o violão foram instrumentos agregados da
serenata e do choro. Você vai encontrar músicas que foram classificadas como tangos
brasileiros. Tango brasileiro não existia. Naquela época, quem tocava violão era
considerado vagabundo e, por questões preconceituosas, não eram usadas expressões de
origem negra, como samba. A expressão choro, que vinha do meio boêmio, de uma
classe pobre e média-baixa boêmia, era rejeitada pelas pessoas que promoviam os
chamados saraus nos seus salões que eram tocados em pianos. Por isso eles procuraram
chamar de “tango brasileiro”. Com o tempo, essa rejeição foi cedendo, até que eles
conseguiram assimilar totalmente a palavra choro como um gênero musical. Polca
brasileira... polca é uma expressão de origem alemã. Tango... eles preferiam usar uma
215
Elton: É como eu falei antes, samba instrumental era uma coisa episódica, e geralmente
ligada ao baile, à dança. Os pot-pourris eram constituídos de sambas cantados e os
instrumentistas executavam esses sambas, ou mesmo músicas americanas em ritmo de
samba.
Caiado: Será que a associação “samba / música com letra” era algo tão naturalmente
enraizado na cultura carioca que raríssimas vezes era cogitado compor um
essencialmente instrumental ou isso acontecia e não era registrado a ponto de ficar
conhecido?
Elton: Veja, eu já lhe falei... a característica cultural do samba... A cultura é feita para
atender as necessidades do homem, em todos os setores da vida, religião, divertimento,
arte... enfim. O samba surge exatamente para atender a necessidade das pessoas de
origem negra. A música africana não possuía instrumentos de sopro, era percussão.
Como eu já disse, o cavaquinho e o violão vieram da serenata. Vieram mais da serenata
do que da seresta. A serenata é uma manifestação feita no sereno, portanto do lado de
fora. A seresta é feita dentro de casa.
216
Elton: Eram, mas o fato de estarem em um lugar ou no outro é o que caracterizava uma
prática ou outra. Inclusive as músicas eram as mesmas. Então, esses instrumentos de
harmonia, violão e cavaquinho, foram agregados ao samba. Eu costumo dizer que o
choro é primo-irmão do samba e vice-versa.
Caiado: Você acha que havia alguma diferenciação, dentro do meio musical, em relação
a esses instrumentos e instrumentistas? Havia um status diferenciado entre os músicos
desses instrumentos de origem européia e os percussionistas, que, se não me engano, na
época eram chamados de ritmistas?
Elton: Eu nunca trabalhei como ritmista. Eu saía como ritmista brincando em bloco de
rua. O Rio era outro, uma cidade sem televisão. O rádio era emergente, os hábitos das
pessoas eram diferentes. As pessoas acabavam de jantar e iam para as calçadas
conversar. Colocavam uma cadeira na calçada e ficavam conversando, ou então
recebiam um vizinho em casa para tomar um licor depois do jantar. Aconteciam saraus
em algumas casas nos finais de semana. Os mais abastados davam seus saraus
acompanhados de piano. Existia a figura do pianeiro, aquele pianista que acompanhava
música popular ou música folclórica. Pianistas eram os músicos que tinham os seus
rasgos de interpretação clássica etc. Geralmente essa música e esse público freqüentava
os saraus dos mais abastados, onde os homens iam de smoking e as mulheres de longo.
Eu morava na Glória em uma vila. Já existiam aqueles casarões, que pertenciam à
pessoas abastadas, ali na rua Cândido Mendes. Quando havia um sarau, as janelas da
frente ficavam abertas e as pessoas na rua viam o que ocorria dentro daquelas casas, que
geralmente tinham um piano. Já nas casas de menor recurso, o que existia era violão,
flauta, cavaquinho, instrumentos muito mais baratos. As necessidades, que são a mola
propulsora da formação de uma cultura, agregaram esses instrumentos: flauta, violão,
cavaquinho. Existia o flautista clássico, que tocava em flauta de prata e que não
freqüentava as festas das casas mais modestas. Por outro lado, havia aqueles flautistas
que tocavam em flautas e flautins de ébano, mais baratos. O músico militar saía em
rancho. As bandas de rancho eram muito boas. Muitos desses músicos vinham de
bandas de colégios internos, que possuíam bandas excelentes. Geralmente esses músicos
passavam a atuar na Banda do Corpo de Bombeiros, da Marinha, do Exército etc. Eram
músicos vindos de escolas como Escola XV, João Alfredo, Escola Sete de Setembro,
217
Santa Rosa (em Niterói), Instituto Profissional Getúlio Vargas... Havia bandas em todas
essas escolas. Os meninos saíam delas e iam para as bandas militares. Muitos deles
saíam em ranchos, tocavam em bailes, faziam serenatas. Muitos integraram a Orquestra
Sinfônica do Teatro Municipal. Francisco Braga estudou na Escola João Alfredo, na
época Instituto Profissional João Alfredo. Quando fui para lá, já era escola técnica.
Francisco Braga não se tornou militar, ganhou uma bolsa e foi para a Europa.
Carramona foi um outro se tornou músico do Corpo de Bombeiros. Essas pessoas
faziam os ranchos e os bailes nas casas das famílias de menor recursos. Em geral, eram
negros e mestiços. Os de origem de famílias ricas estudavam com um professor,
geralmente estrangeiro, que vinha dar aulas aqui no Brasil. O Rio era a capital da
República. Havia muitos professores estrangeiros na Escola Nacional de Música e
também brasileiros que haviam feito cursos no exterior. A cidade era muito mais
musical, mas com alguns segmentos meio preconceituosos. Hoje todo mundo toca
junto. Se você pegar uma foto dos Oito Batutas, você vê a predominância de músicos
negros. Também no conjunto do Rogério Guimarães, já mais para cá, há negros e
mestiços. Hoje, quem está se interessando em tocar choro são meninos claros, o Galo
Preto, o Água de Moringa... Naquela época, os meninos apanhados nas ruas eram
levados para escolas de meninos desvalidos. Lá existiam oficinas e bandas de música.
Se você fizer um levantamento dos músicos que vieram de bandas... Romeu Silva foi da
banda do João Alfredo. Foi um grande arranjador e orquestrador. Foi um dos primeiros
músicos a reunir grande orquestra para tocar em cassino. Foi maestro de grande
orquestra, orquestra de dança. Essas pessoas estão esquecidas. Hoje, se você falar em
Romeu Silva, ninguém sabe de quem se trata.
Elton: Francisco Braga, autor do hino à bandeira, veio da rua, era órfão. Foi para uma
banda de um colégio de meninos desvalidos e ganhou o concurso do hino à bandeira.
Além disso ele é o autor de um dos mais lindos dobrados que eu conheço, o Barão do
Rio Branco, sem contar com as peças clássicas, noturnos, sinfonias etc. O trabalho dele
dirigido para orquestra sinfônica ninguém conhece, ele ficou conhecido somente como
autor do Hino à Bandeira e desse dobrado que eu citei. Alberto Nepomuceno, ninguém
conhece. Foi um outro grande músico brasileiro. Talvez ele e Vila-Lobos tenham sido
os autores brasileiros mais preocupados com uma característica brasileira.
Elton: Também, mas Nepomuceno e Villa-Lobos foram os mais preocupados com isso.
Bom, Guerra Peixe também teve essa preocupação.
Caiado: Você falou em preconceito. Nicanor Teixeira disse que naquela época os
percussionistas eram considerados sub-músicos. Jorginho do Pandeiro também
confirmou isso.
Elton: Claro!
Caiado: Será que era devido ao fato desses instrumentos serem de origem africana, dos
negros?
Elton: Havia sim, ganhavam menos, depois acabaram com isso, mesmo porque muitos
bateristas... e um dos responsáveis por isso foi Luciano Perrone. Ele foi uma pessoa
importante, que lia e fazia arranjos para ritmistas. Acho que ele foi um dos responsáveis
pela mudança de ótica. Ele fez com que seu instrumento fosse respeitado.
Caiado: Jorginho do Pandeiro declarou que os bateristas ganhavam mais porque liam.
Assim eles podiam seguir a regência. Os ritmistas, não sei se apenas pelo fato de não
saberem ler, eram diferenciados. De qualquer modo, a impressão que eu tenho é que
havia um preconceito com relação a esses instrumentos.
Elton: Talvez. Pena que não existam filmes que mostrem as formações orquestrais
brasileiras que se dedicavam à música chamada erudita, que eu chamo de acadêmica.
Samba pode ser música erudita. Outro dia eu estava falando com um músico da
Orquestra Sinfônica Brasileira que também toca música popular, e ele estava dizendo
que há colegas seus que ao tocarem Tico-Tico no Fubá ou um samba soa
completamente “duro”. Ou seja, o samba é erudito para eles. É preciso ter erudição para
se tocar o Tico-Tico no Fubá ou um samba. Quem não tem, vai tocar quadrado, sem a
dinâmica, sem a pulsação que a música deve ter. Então, eu acho que qualquer
transformação da cultura tem que partir do homem natural a ela. Toda essa
transformação que o samba sofreu, encampando o violão e cavaquinho, veio exatamente
de um fato cultural, da necessidade da harmonia ser integrada, já que os sambas
começaram a ser mais melodiosos. Com isso, houve uma exigência maior do
aprimoramento harmônico. Os primeiros a serem admitidos foram violão e cavaquinho.
Mais tarde você encontra um Nonô, pianista, tio do Ciro Monteiro, tocando choro.
Piano no samba. Nonô morreu há muitos anos, mas a Carolina Cardoso de Menezes
está viva, com mais de oitenta.211
Elton: Tocava.
Elton: Sinhô sempre colocava alguém para cantar. Ele era pianeiro e compunha letras
também.212 Há um fato engraçado, sempre que escrevia uma partitura ele ia à casa de
um macumbeiro africano chamado Assumano para que ele as benzesse.
211
Veio a falecer no início de 2001.
212
Aluísio Didier diz que por volta de 1929, Radamés Gnattali fez amizade com os pianeiros da Casa
Vieira Machado, na rua do Ouvidor. Além de Nonô, são citados Centopéia, Bequinho e Meneses
(DIDIER,1996:16).
219
Elton: Sim, o violino mais tarde. Primeiro entraram os instrumentos de sopro, até por
influência da música americana. Não aquela formação do Callado, flauta, cavaquinho e
violão. Essa formação foi incorporada ao choro. Mas o saxofone, o trombone... isso tem
muita influência dos conjuntos de rancho que tocavam nas sedes e saíam nos desfiles.
Depois voltavam para as sedes, onde havia um baile. Se você levantar esses dados, vão
se encaixando como peças. Existem poucas pessoas que realmente sabem disso, uma é o
Mário Lago. Ele tem uma memória ótima e está lúcido. É mais velho que eu vinte anos.
As transformações eram mais lentas. Naquela época, uma música levava cinco anos
fazendo sucesso. Muitas músicas de carnaval eram cantadas por três carnavais
consecutivos! Hoje não existe mais música de carnaval, e ninguém faz nada. O
Ministério da Cultura, os Secretários Estaduais e Municipais de Cultura não cuidam
disso. Preferem trazer de fora um balé, uma orquestra, um conjunto, um coral
estrangeiro, mas levantar a vocação do Rio de Janeiro, resgatar manifestações populares
e principalmente as musicais, que vão se perdendo e que são tão preciosas, isso não
fazem. Mas como eu já disse e repito, qualquer mudança na cultura só pode ser ditada
pelo elemento natural, que vive, que conhece os fundamentos. Você não pode mexer
nos fundamentos de uma cultura ao seu bel-prazer por que você acha mais interessante.
Eu acho que isso que eu estou falando está muito ligado a esse fenômeno da música sem
letra. Você também quase não vê uma canção seresteira, de cunho popular, na forma
instrumental, ela é sempre cantada. Lagoa Branca, Casinha Pequenina, Azulão, todas
têm letra. É claro que nada impede que um músico pegue o seu instrumento e sole. Não
é proibido, mas eu não tenho a menor dúvida que samba é um gênero tipicamente
cantado.
Caiado: Uma música mais sofisticada, com harmonias e melodias mais elaboradas e de
execução mais difícil.
Elton: Para mim nobreza tem uma relação muito íntima com realeza e com monarquia.
Eu sou anti-monarquia, porque ela traz em seu bojo uma série de preconceitos. Eu acho
que a cultura quando eivada de preconceitos torna-se nociva. Se me perguntam que
música eu acho mais sofisticada, ou tecnicamente mais sofisticada, se o samba ou o
choro, eu respondo tranqüilamente, mas aí é outra pergunta.
muito melhores do que muitos choros foi Valzinho. Você tem que conhecer. Como
Garoto, ele vivia pelos corredores da Rádio Nacional na mesma época. Ouça os sambas
do Valzinho. Em geral eram sambas lentos e você vai verificar que as harmonias eram
sofisticadíssimas, como as de Garoto. Outro exemplo é Cartola... O que existe é uma
quantidade muito maior de sambas do que de choros porque é uma música de
manifestação popular cantada. Assim, foram compostos mais sambas do que choros.
Ainda hoje é assim. Portanto se faz uma quantidade muito grande de sambas ruins. Já o
choro não é uma música de manifestação popular cantada, mas nem todos os chorões
são um Jacob do Bandolim, um Juventino Maciel, um Benedito Lacerda, um
Pixinguinha. Acho que muitos músicos não conseguiriam solar os sambas do Garoto, do
Valzinho, do Vadico, ou muitos sambas do Cartola. São sambas complicados. Se você
chegar numa roda de botequim e der o tom, no segundo compasso já tem gente
desistindo de acompanhar.
Caiado: O Zé Meneses contou-me que sugeriram ao Garoto que ele fizesse alguma coisa
mais vendável, então ele compôs Gente Humilde e Duas Contas.
Elton: Essas músicas também não venderam. Gente Humilde só vendeu depois que
colocaram letra. Duas Contas é uma música complicada, para cantar. Algumas pessoas
pediam para o crooner cantar, mas era gente que gostava de ouvir música. Muita gente
“freqüentava a noite” porque queria ouvir músicas bonitas. Hoje não
.
Caiado: Você falou em samba sofisticado e em choro sofisticado. Esse era o
pensamento comum entre os músicos da época, de que existiam sambas sofisticados
também? De que nem todos os choros são tão sofisticados assim... as pessoas
reconheciam isso?
Elton: Reconheciam.
Caiado: Não havia uma generalização de que o choro era uma música mais sofisticada?
Caiado: Mas você acredita que a sua ótica era o pensamento predominante?
Elton: Eu acho que sim. Algumas pessoas faziam um choro para derrubar os
acompanhadores. Derrubar no bom sentido, mostrar que conheciam os meandros
harmônicos etc. Alguns autores de samba faziam a mesma coisa, era consciente.
Gostaria de registrar também que os choros e sambas de qualidade muitas vezes não
faziam sucesso. Isso existia e existe. As pessoas confundem sucesso com qualidade.
Elton: Há um livro do José Carlos Rego chamado Dança de Gafieira. Ele ensina alguns
passos da dança. Sobre o ambiente, sobre o recinto... eu não conheço. Eu tenho algumas
matérias sobre gafieira, precisaria localizar. Há um artigo escrito pelo Jota Efegê, em
que ele fala sobre o surgimento das gafieiras. Há coisas muito escassas em jornais e
revistas. Literatura específica sobre as gafieiras, eu realmente não conheço. Hoje
existem poucas gafieiras. A gafieira teve seu auge nos anos cinqüenta. Na década de
221
sessenta ainda havia. Mas o auge foram os anos cinqüenta. Você chegava na Praça
Tiradentes havia a Estudantina, o Tupi, o Dragão na Rua dos Andradas, havia uma que
eu não lembro o nome, perto da Imperatriz Leopoldina, ali na Praça Tiradentes. O
assoalho cedeu e as pessoas caíram dentro da vitrine de uma sapataria que existia
embaixo. Havia a “Cheira à Vinagre” na rua de Santana, o salão era em cima de um
depósito de vinagre. Existem poucas gafieiras hoje em dia. Há uma no Méier, a
Estudantina e a Elite. Naquela época, eu conheci mais de vinte gafieiras no Rio de
Janeiro. Havia duas em Irajá, havia gafieira em Madureira, em Bento Ribeiro.
Elton: Havia duas gafieiras no Catete. A Estudantina era em Botafogo, depois foi para o
Catete e por fim para a Praça Tiradentes. Havia a Flor do Abacate, que era rancho e
depois virou gafieira também na Rua do Catete. Foi um grande rancho. Aliás a
decadência dos ranchos provocou o surgimento das gafieiras. Com a decadência, os
ranchos começaram a dar bailes pagos na porta das suas sedes. Assim surgiu a gafieira.
Elton: Toquei no Fogão. Tinha um nome, mas todo mundo chamava de Fogão, pelo fato
da maioria dos freqüentadores serem negros. Ficava no Engenho Novo Jamelão
começou cantando lá, depois foi cantar em dancing e mais tarde na Rádio Clube do
Brasil.
Caiado: O dancing era um lugar onde o homem dançava com dançarinas profissionais?
Elton: Isso. Inicialmente a maioria era composta por pessoas da classe média baixa.
Moças que trabalhavam como empregadas em casas de família iam lá nos fins de
semana, ou mesmo durante a semana. Houve um tempo que a gafieira abria de terça a
domingo. Algumas pessoas alugavam o salão na segunda-feira para festejar
aniversários. Havia também as “Manhãs Dançantes” aos domingos. Luiz Vieira cantava
nas “Manhãs Dançantes” do Mauá. Começava às dez/onze horas e terminava às
três/quatro horas da tarde. Lembro que nas festas de igreja de Domingo de Ramos,
muitas mulheres casadas iam ao baile de manhã e quando voltavam para casa passavam
em um jardim público, quebravam um ramo de planta e mostravam para o marido como
se tivessem vindo da missa. Depois o movimento foi diminuindo, algumas gafieiras
começaram a abrir às quintas, sábados e domingos.
Caiado: Nas gafieiras havia o crooner, mas grandes trechos instrumentais eram
executados quando ele não estava cantando. Em geral tratavam-se de arranjos de
sambas conhecidos.
222
Elton: Podia ser um crooner ou uma cantora. Alguns conjuntos possuíam ambos. Nunca
um cantor cantava depois do outro. Cantava um, a seguir vinha um número
instrumental, depois o outro cantor, e outro número instrumental. Mas no pot-pourris de
sambas, o músico, em geral um músico de sopro, ou o violonista, se além de
acompanhador fosse também solista, solava um choro no mesmo andamento do samba.
Caiado: E sambas?
Elton: Que eu lembre, não. Acho que não. Samba sempre foi caracterizado pela questão
da letra.
Caiado: Em rodas-de-sambas que estivessem músicos de choro era comum que eles
fizessem improvisos nos seus instrumentos quando os cantores paravam de cantar?
Elton: Eu não sei se você já ouviu alguma gravação do Donga. Ele era um violonista
maravilhoso. Existia uma coisa nas rodas de partido alto que se chamava ponteado. Era
quando o cidadão cantava o refrão do partido alto, improvisava, e depois o violão
também improvisava... ponteava. Você vai encontra um disco, se não me engano,
chamado Almirante e a Turma da Velha-Guarda. Donga sola e faz exatamente isso que
eu estou dizendo. Eu tenho esse disco, Almirante dizia para Donga improvisar e ele
fazia isso. É algo que está desaparecendo. Eu participei de muitas rodas de partido alto
onde existiam grandes improvisadores. Muita gente sumiu, uns foram morrendo.
Aniceto, do Império Serrano, era um grande improvisador. Seboso, Baianinho, Mário
Bagunça, Tomício, o irmão Binda... todos morreram. Eram partideiros improvisadores
mesmo! Improvisavam falando de coisas que estavam ocorrendo no local. Isso sumiu.
Eu participei dessas rodas e improvisava um pouco também... eu não pratiquei isso.
Houve um hiato. Algumas pessoas estão improvisando muito bem, o Marquinhos de
Pilares, Camunguelo, Jorge Presença, Luiz Grande, estão improvisando bem. Estão
fazendo ressurgir a figura do improvisador de partido alto. Pedrinho Amorim improvisa
bem, mas há as feras. Jorge Presença, Camunguelo, que além de flautista é partideiro,
esses são feras. Hoje não sei mais improvisar, já fiz muito isso, mas parei de praticar.
213
Wilson das Neves conta que ajudava Bituca a transportar a bateria.
223
Elton: No meu tempo de criança, na minha primeira infância eu via muitas vezes o
músico tocando um choro, aí, de repente ele parava e cantava uma seresta. Depois
cantava um samba e voltava a tocar choro. Vi isso muitas vezes.
Elton: O músico pode tocar o que quiser, mas não é freqüente. Ele dá preferência a uma
música feita para ser solada, que é o choro... que é um gênero maravilhoso.
Caiado: Eu tenho aqui uma relação de violonistas que está bastante incompleta...
Elton: Eu falei no Valzinho. Pereira Filho, foi um cara importantíssimo. Donga, Luiz
São Luiz, o Vadico, o Mazinho. Pergunte ao Índio quem foi Mazinho. Quem tocou na
Rádio Nacional conheceu o Mazinho, era um solista... bom violonista que tocou na
orquestra da Rádio Nacional.
Elton: Cada um com o seu estilo. Dilermando Reis era um grande violonista. Não tinha
o estilo de Garoto, era um outro estilo. Pereira Filho era um bom solista.
Elton: Ele foi um grande compositor. Alguns músicos que não gostavam de tocar com
ele como acompanhador. Por que ele inovava, fazia outra harmonia. Ele não fazia uma
harmonia convencional. Alguns não entendiam e criticavam, diziam que ele era maluco,
mas ele só tinha uma visão diferente. Eu nunca vi Valzinho solar, só acompanhar. Havia
um violonista muito bom chamado Nestor Amaral. Tocava violão elétrico com palheta.
O Pereira Filho também tocava com palheta... às vezes.
Caiado: Poli?
Elton: Poli era de São Paulo. Ele ficou bastante conhecido por tocar guitarra havaiana.
224
Caiado: Mas ele não tocava vários instrumentos de corda: bandolim, violão tenor etc?
Caiado: Não era uma prática tão incomum. Vários violonistas também tocavam
cavaquinho, bandolim, violão tenor, guitarra...
Elton: Era um outro momento... eram músicos buliçosos que gostavam de mexer com
vários instrumentos. Poli eu conheci. Ele morreu depois de 1980. Em São Paulo você
vai encontrar outros músicos. Luiz e Vadico não gravaram, mas tocavam em baile.
Tinha um outro muito bom... Del Louro, tocava em orquestra. Tocava muito bem e era
bom compositor.
Caiado: Eu começo a achar que muito da qualidade da música brasileira se deve ao fato
de que as pessoas tinham que ser realmente boas, devido à falta de recursos técnicos,
tudo era ao vivo...
Elton: Pois é, você tinha que tocar bem porque não podia errar. Não existia isso de
edição e masterização, o que se gravava, ficava.
Elton: Claro! Um que teve muita influência sobre isso foi Villa-Lobos, com a prática
dos corais. Isso foi de uma importância muito grande. Nessa época, anos trinta/quarenta
surgiram muitos conjuntos vocais no Brasil. Cada emissora tinha quatro ou cinco
conjuntos vocais de boa qualidade.
Elton: Não. Quem teve influência americana foram Os Cariocas, muito mais para cá.
Eles cantavam à maneira dos Pied pipers. Os Namorados da Lua, Bando da Lua, Quatro
Ases e um Coringa, Anjos do Inferno... cantavam à moda brasileira. Fazia um duo, um
trio, cantavam em terças. Cantar em terças se aprendia na escola primária, naqueles
corais. Villa-Lobos foi muito importante nesse contexto. Havia um repertório de música
brasileira que as professoras ensinavam aos alunos. De vez em quando, o próprio Villa-
Lobos ia às escolas, cobrar o repertório, porque no dia 7 de setembro todos tinham que
canta-lo no campo do Vasco.
Elton: Olha... hoje eu acho até que o Lamentos do Morro, que é rotulado como samba,
ele se fosse feito hoje alguém ia dizer: “Lamentos do Morro, tema de Garoto”, não ia
dizer samba. Você conhece o Noturno de Radamés... qualquer pessoa houve e diz que é
um samba-canção, mas é um noturno. Veja que isso aí, é aquela coisa da estatística, é
um desvio. Hoje o Lamentos do Morro é uma música que pode ser considerada um
tema, um tema inspirado em samba, uma visão paisagística do samba. Ele imaginou, e
fez uma homenagem ao morro fazendo um tema instrumental chamado “Lamentos do
Morro”.
225
Elton: Pois é, são toccatas, mesma coisa... Radamés foi um músico muito ligado à
música popular. Teve uma formação acadêmica mas se dedicou a música popular.
Muitos músicos de formação acadêmica tiveram preconceito contra Radamés por isso.
Infelizmente não existe mais um Radamés na música popular brasileira.
Elton: Exatamente, era Vero. O porquê disso eu não sei dizer, nunca conversei com ele
sobre esse assunto. Atribuo ao fato de que naquela época a música brasileira estava
passando por um aperto e o mercado estava difícil.
Caiado: Mas “naquela época” não são as décadas de trinta/quarenta, não estava tudo
acontecendo?
Elton: Usou. Eu nunca conversei com nenhum dos dois sobre isso.
Elton: Te dizer de pronto não. Deve existir, essas gravadoras fazem essas “séries
homenagens”, isso sempre existiu.
Caiado: Pelo que eu já ouvi em gravações, o samba é uma tônica muito forte na música
de Baden.
Elton: Está correto, mesmo porque ele participou da bossa-nova. E o forte da bossa-
nova sempre foi o samba. Isso, na minha opinião, já justifica.
Caiado: Baden declarou que fazia as músicas e depois um letrista compunha uma letra.
Isso é uma prática comum?
Caiado: Mas então o samba nasce apenas como música e depois é feito uma letra?
Elton: O samba não. O sambista que tem origem em Escola de Samba, como é o meu
caso... Apesar de ter sido músico de banda, o meu exercício no samba começou em
226
bloco de rua. Depois fui para Escola de Samba e me firmei lá. Eu queria ser músico,
mas não tinha dinheiro para comprar instrumento. Por isso eu deixei de ser músico, pela
falta de dinheiro. Mas eu tinha a necessidade de estar em um lugar que se fizesse
música. Bom, um compositor de Escola de Samba geralmente faz letra e música ao
mesmo tempo e quando ele tem um parceiro também de origem em Escola... é uma
espécie de ritual, o ritual de fazer música... Começava-se uma música com letra, então o
parceiro completava com uma frase musical com letra, e assim sucessivamente. Fiz
muito isso, com Zé Keti, com Paulinho da Viola, com Cartola. O Sol Nascerá foi feito
assim. Paulinho morava em Botafogo, a gente se juntava e fazia assim. Depois que ele
se mudou para longe, eu passei a fazer mais as músicas e ele as letras. Entramos nessa
dos compositores que antigamente eram chamados “compositores de rádio”, em que um
é letrista e o outro é músico. Os compositores que tinha origem em Escola de Samba
faziam tudo, letra e música, mesmo porque, quem não soubesse fazer isso não tinha vez.
Samba de Enredo... você vai para mesa junto com o parceiro e tem que saber fazer tudo,
desenvolver letra e música.
Elton: Naquela época o movimento musical no Rio de Janeiro era muito intenso, e o
objetivo de qualquer compositor era ser um compositor que fazia ponto no Café Nice e
ser gravado pelos artistas, pelos cantores de rádio. Esses compositores eram chamados
de “compositores de rádio”, a expressão era essa, e eram profissionais mesmo. Agora,
havia compositores que só escreviam para Escola de Samba. Naquela época Escola de
Samba não dava dinheiro algum. O rádio era o veículo mais importante de divulgação
da música. Havia jornais que publicavam as letras das músicas. Mas o Rádio ocupava o
lugar que hoje pertence à televisão, até no que diz respeito a transformar o artista em
ídolo, como a televisão faz com atores de novelas. O rádio fazia isso. Você ouvia os
artistas no rádio e de segunda a sexta eles faziam shows em cine-teatros. Quase todos os
cinemas eram cine-teatros. Segundas e terças os cinemas não passavam filmes,
abrigavam shows e peças que passavam nos teatros no centro da cidade.
Elton: Antes disso, já nos anos quarenta. Então, havia compositores que faziam ponto o
Nice e um segundo time que fazia ponto na porta do Teatro João Caetano.
Elton: Muito compositores de rádio, que faziam sucesso, que eram profissionais de
rádio, faziam dentro desse processo, outros não, porque a origem deles era outra.
Cartola, Bide, Marçal, Bucy Moreira, Carnegal, Babaú vieram de blocos, de Escolas de
Samba. Agora, por exemplo, Mário Lago, meu amigo, ele faz mais as letras. Ele faz
música também, mas é mais letrista. Ele fazia as letras e o Custódio Mesquita fazia as
músicas.
Caiado: Dino fez muitos sambas de sucesso gravados pela Isaurinha Garcia.
Elton: Esse é o processo que Paulinho faz com todo mundo, comigo inclusive. Fazia
assim com Baden, com Marco Proença, todo mundo. Mauro Duarte fazia a música e ele
fazia a letra. O Paulinho tem letra e música também, mas são poucas. Ele tem um
repertório de umas 2.000 músicas, em uma ou outra ele fez as duas coisas.
Elton: Se você conversasse com o Copinha ele ia dizer outra coisa. Se você conversasse
com Tom Jobim ele ia dizer outra coisa. Antes do João Gilberto tocar daquele jeito, o
Garoto já tocava, o Valzinho também.
Elton: Pois é, e isso vários violonistas já faziam. Se você ouvir o violão de Valzinho, ou
de Garoto acompanhando você vai ver que isso já era feito.
Caiado: Mas o que ficou como ícone da bossa-nova foi a batida do João Gilberto.
Comparando a batida de Baden com a de João Gilberto...
Elton: Baden foi um violonista fantástico, foi um gênio do violão. Podia fazer a batida
do João Gilberto e de uma porção de violonistas tranqüilamente. Agora, João Gilberto
não faria nunca a batida, vamos chamar de “característica” de Baden. Baden foi grande
sucesso na Europa. Em 1975 eu estava na França, viajando de Nice para Cannes, por
terra... eu passei em umas lojas, cabeleireiros, lojas de moda... Nessas lojas, que não
tinham nada a ver com música, estava lá um retrato dele. Ele é um caso realmente muito
sério na história do violão brasileiro.
Caiado: Todos os sambas dele acabaram tendo letra, mas quando se fala em Baden,
apesar de cantar às vezes, o lado mais forte é o instrumentista.
228
Caiado: Eu não sei que outros instrumentistas tiveram isso tão predominante no seu
trabalho, o samba prescindindo da letra... ou no violão solo ou acompanhado por outros
instrumentos. Excetuando-se Baden, eu não sei quem mais fez isso naquela época.
Caiado: De quando é?
Elton: No máximo de 1970, por aí. É genial, são 4 trombones... A base acho que é
piano, baixo e bateria, talvez um percussionista e ele ao violão tocando sambas. Agora,
além de grande violonista Baden era também um grande compositor, tocava suas
músicas. Bola Sete não compunha.
Elton: Isso é natural. Agora se você perguntar se isso é comum, não é... mas não é
proibido.
Caiado: Mas o objetivo principal não era a dança? Ou muita gente comprava o disco
apenas para ouvir a execução?
Elton: Era para ouvir também. Os programas da Orquestra Tabajara, onde eram
executados Aquarela do Brasil, músicas do Caymmi, só aqueles arranjos especiais para
a Orquestra Tabajara, com solos... mas havia música americana... Você ouvia
Summertime com a orquestra, sem cantor, e era uma música que foi feita com letra, para
peça de teatro musicado. O arranjador tirou a letra e fez um arranjo para orquestra. Não
é proibido.
Caiado: Quem comprava os discos de Baden queria ouvir a música, não tinha a intenção
da dança...
Elton: Podia até dançar, mas o principal objetivo era para ouvir. Na minha opinião ele
era um grande intérprete de violão, um grande instrumentista, fosse executando sambas,
choros, valsas, ou qualquer música. Eu sei que ele era sambista, mas também era
chorista, e também bossa-novista. Eu acho que Baden foi um músico múltiplo, um,
músico plural. Essa é minha opinião. Baden tocava música estrangeira também. Ele
cresceu ouvindo tudo, mas se dedicou a fazer música brasileira.
229
Caiado: Índio considerou Menezes, Garoto, Bonfá, Bola Sete e Baden, como pessoas
que tocavam e faziam um “violão diferente”. Ele chega a falar em “escola”, uma escola
não formal, mas que surgiu pelo convívio. O que você acha disso?
Elton: Eu acho que realmente houve uma transformação na técnica violonística com
esses artistas, mas eu não posso afirmar isso categoricamente porque não sou violonista.
Mas pela minha observação, acho que essas pessoas mudaram o perfil da execução
violonística no Brasil.
Caiado: Ele não citou Laurindo de Almeida porque ele não o conheceu.
Elton: Eu o conheci tocando na Rádio Mayrink Veiga. Ele tocava no regional da rádio e
solava às vezes. Eu não acho o violão de Laurindo muito próximo ao de Garoto, apesar
de serem amigos. Mas volto a dizer: eu acho! Eu não sou violonista. Mas eu concordo
com o Índio. Não sei quem começou isso, mas eu concordo. Acho que o Valzinho,
como acompanhador, está incluído nisso também. Meira, também sem dúvida! Ele
solava, mas fazia isso poucas vezes. Ele mesmo dizia que não era solista. A harmonia
dele era uma maravilha. Veja eu sinto isso, mas não sou especialista.
Luciana Rabello
(27/10/2000)
Luciana: Muitas vezes fica complicada essa separação que se faz entre samba e choro.
Se dizia que Pixinguinha tocava choro na sala enquanto João da Baiana gostava de ficar
no samba no fundo do quintal. Pixinguinha não gostava daquela bagunça do samba,
João da Baiana não gostava da coisa séria do choro. Eu não consigo separar as duas
coisas. Eu acho que essa separação empobrece.
Luciana: A origem do samba está no choro também. Aliás o choro é mais velho. O
irmão mais velho do samba. Não se pode separar um do outro. Veja, o Noites Cariocas,
Bole-Bole, Assanhado, Ginga do Mané, Bonicrates de Muletas são sambas-choros.
Existe esse sub-gênero: samba-choro. Jacob tem um monte. A “levada” é outra, é uma
outra “batida” mesmo! A “palhetada” do Jonas nesses choros é de samba. Murmurando,
está mais para samba-choro que para choro. Quando Jacob tocou Barracão naquele
show com Elizeth e Zimbo Trio no João Caetano, ali você vê a união perfeita do samba
e do choro. E ainda quiseram botar a bossa nova, mais não deu porque bossa nova, na
minha opinião, não é um gênero. É mais um ambiente que um gênero. Você cita aqui
João Gilberto... o que você diz?
Caiado: O violão ícone da bossa nova é João Gilberto. Sendo o violão de Baden tão
diferente daquele, eu pergunto se Baden seria um violão representativo da bossa nova?
Luciana: De jeito nenhum. João Gilberto é um craque, mas é outra coisa. Eu acho que a
bossa nova teve o seu lado positivo porque melhorou um pouco a maneira de
230
harmonizar, e popularizou uma maior preocupação com isso. Mas não acho que tenha
havido evolução a partir dela como muitos dizem. Veja o violão que Garoto tocava na
década de quarenta. Como é que se pode achar que a bossa nova revolucionou o violão?
Veja Laurindo de Almeida ou o cearense Francisco Soares.214 Falam muitos das
harmonias da bossa nova. As harmonizações do Meira eram, no mínimo, tão boas
quanto as de qualquer bossa-novista. Inclusive, uma limitação que eu vejo em muita
gente da bossa nova é que não sabem tocar a própria música em outro tom. Colocar
nonas em tudo não é “sofisticação”, é um conceito muito vago, muito estreito. Você tem
que conhecer o Moacyr Santos. Os arranjos dele para sambas instrumentais. O Baden
estudou com ele. Depois disso vieram os afro-sambas. Um dos afro-sambas começou a
ser feito como um exercício de aula do Moacyr Santos. A obra dele é interessantíssima.
Lembrei do Anfíbio que é um samba. Foi gravado pelo Zé Nogueira. As pessoas acham
que aquilo é um choro, mas é um samba. Você colocou a questão se o samba era
considerado mais “rasteiro” que o choro... Muitas vezes isso é levantado sim, mas para
mim não procede, absolutamente. Eu não acho, não sei viver uma coisa sem a outra.
Caiado: Há pessoas que consideram o choro uma música superior ao samba, uma
música mais sofisticada.
Luciana: O choro é mais sofisticado, sob o ponto de vista da execução, pois exige mais.
Agora, muita coisa que é tida como choro, na verdade, é samba. Por exemplo, o meu
choro De bem com a vida... é tido como um choro, está em um disco de choro, mas
aquela “levada” é de samba, sobretudo a terceira parte, é um samba! 215 Há um limite
em que não se pode mais dividir. Depende da linguagem. Se você vê o choro como uma
linguagem essa divisão acaba. Choro não é só um gênero, também é uma linguagem.
Noites Cariocas é um samba. Jacob chamava de samba-choro porque a linguagem era
do choro, mas aquela “levada” é de samba.
Caiado: Aqueles sambas do seu Álvaro, pai do Maurício Carrilho, não precisam de letra.
A música se justifica por si.216
Luciana: Concordo.
214
Homônimo do Canhoto da Paraíba. Luciana informou que parte de sua foi obra gravada recentemente
pela violonista Maria do Céu.
215
Disco gravado pela Acari Records.
216
Marimbondo, Ranchinho Abandonado, Sem Perdão e Noite Festiva. Gravados anteriormente com
letra, foram regravados com arranjos instrumentais no disco Álvaro Carrilho (Acari Records).
231
casos em que a pessoa pensa que está fazendo um choro, mas depois se surpreende
porque o que fez foi um samba. O De bem com a Vida foi assim. Eu o fiz solando no
cavaquinho e depois vi que não era um choro e sim um samba-choro. Está no ambiente
do choro mas a “levada” é de samba. Mas isso não é o mais comum, eu me surpreendi.
Samba eu componho cantando e me acompanhando no violão, é uma música para ser
cantada.
Luciana: É completamente diferente daquela feita para ser tocada. Primeiro tem que se
prestar muita atenção na extensão dessa música. Muitas composições feitas por
violonistas para serem cantadas as pessoas não conseguem cantar, porque têm uma
extensão muito grande. A Carta de Poeta do Baden é um exemplo. Eu pedia demais
para Elizeth cantar, e ela já havia gravado, mas ela dizia que aquilo não dava para
cantar, justamente por causa da extensão. Velho Arvoredo do Hélio Delmiro, Sete
Cordas do Rafael são outros exemplos. Músicas de violonistas costumam ter uma
extensão fantástica, porque não fazem cantando, fazem tocando. Esquecem que vai ser
cantada. Sete Cordas foi feita na extensão do violão, vai cantar depois. Se faço uma
música para ser cantada, é primordial que eu cante. Pode ser um samba, uma valsa, um
samba-canção, uma modinha... aquilo está me pedindo o canto, não está pedindo a
execução no instrumento. Eu não vejo o canto como uma coisa diferente do tocar, mas é
um outro instrumento. Aquele instrumento tem uma extensão diferente. A intenção da
música cantada é outra. É difícil de explicar isso, mas a intenção é outra. Certas coisas
que a gente faz como instrumentista não podem ser feitas para se cantar.
Luciana: Sim, e realmente se faz. Só que as pessoas não se dão conta de que aquela
composição é um samba. Xará do Baden é um samba, aliás, sambas foi o que ele mais
fez.
Caiado: Para Maurício Carrilho, Baden era o “único grande instrumentista brasileiro que
não é fundamentalmente do choro. O choro faz parte da formação dele, mas ele não é
um especialista em choro, ele é um especialista em samba”.
Luciana: A formação do Baden foi toda no choro, isso o próprio Baden afirmou.
Começou a aprender violão com Meira, que era um chorão. A estrutura da música
urbana-carioca vem do choro. É mais antigo, e o samba veio dali também. Existe o
samba de candomblé, o samba de terreiro, da zona da mata que não tem nada a ver com
o choro. Chegando no Rio, ele criou uma outra cara, uma outra vestimenta, que foi dada
pelo choro, que era a formação dos músicos daquela época. Foi daí que nasceu o samba
sincopado, que não há em nenhum outro lugar do mundo. Isso não há na Bahia, nem em
Minas, apesar de ter sido feito por muitos mineiros. O samba sincopado de Geraldo
Pereira, Wilson Batista... Os que não eram do Rio fizeram esse samba chegando aqui.
Não havia esse tipo de samba lá na origem deles, na Zona da Mata, em Minas, no
interior da Bahia. Mas o samba sempre foi acompanhado pelo pessoal do choro. Por
exemplo, quem acompanhava Noel Rosa? Tinha o Vadico. Qual era a formação dele?
Era um músico instrumental, tocava choro. Não há jeito de ser músico instrumental de
música urbana-carioca e não ser chorão, ou ter passado pelo choro. É a escola. Um
músico popular no Rio de Janeiro vai desenvolver sua técnica no instrumento tocando o
232
quê? Se já não veio do choro, acaba caindo nele. Por isso eu não gosto dessa separação.
O choro ganhou com o samba e vice-versa. Às vezes eu não sei se o que eu fiz foi um
samba ou um choro, e também não estou preocupada com isso. Mesmo em melodias de
canções... quanto de choro há ali? A música Primavera de Carlinhos Lira é um choro.
Ele nem sabia que tinha feito um choro. Quem disse isso para ele fui eu, em 1976 ou 77.
Mas não é fácil determinar isso falando, tem que mostrar tocando. Um bom exemplo de
baixarias de choro no violão colocadas em outros instrumentos é uma gravação de um
disco do João Nogueira, com arranjos de Geraldo Vespar, em que o Rafael estava
tocando violão de sete cordas. Ele fez umas baixarias tão bonitas que Geraldinho
escreveu, e passou para os metais. De onde veio Rafael? Veio do choro. É o choro
emprestando para o samba, o este devolvendo de uma outra maneira. Essa mistura
sempre existiu.
Caiado: Historicamente a impressão que fica, o que aparenta, é que existem poucos
sambas instrumentais.
Luciana: Sim, com esse nome, com esse selo: isto é samba. Mas vai haver um limite em
que você não pode mais separar uma coisa da outra. Eu acho que uma figura
determinante disso é Jacob. Ele era um músico muito ligado a tudo, gostava de outras
coisas também, de outras músicas. Nelson Cavaquinho fazia choro, você sabia? Eu
tenho uns choros dele. Noel fez choro. Vadico fez muito choros. E historicamente são
considerados sambistas. Fica difícil delimitar, botar uma cerca. Um músico que tenha a
formação de choro, não toca samba como as pessoas que só têm a formação de samba. E
eu acho que a maneira do chorão tocar samba é mais bonita. O acompanhamento do
samba nesses anos todos de formação do gênero foi feito por chorão. Era o Regional do
Canhoto, mais tarde veio Paulinho da Viola, que veio do choro, do pai dele, César Faria
que era um violonista do choro. É quase impossível separar uma coisa da outra. Você
pode fazer uma análise técnica de uma música e de outra, mas até onde vai a influência
de uma sobre a outra é impossível determinar, e ainda bem, caso contrário estaríamos
fazendo polcas até hoje.
Caiado: De tudo isso que já conversamos, para você o número de sambas instrumentais
é maior do que realmente aparenta.
Luciana: Eu acho que ainda não se valorizou isso, não se identificou, não se qualificou.
“Ah! isto é samba instrumental”, mas há vários, misturados no repertório do choro
inclusive.
Caiado: Baden fez vários sambas, todos têm letras de parceiros, mas, segundo ele
mesmo, ele fazia a música e depois é que entregava a um letrista.
Luciana: Tudo bem, mas ele compunha a melodia dos que têm letra, cantando! Ele fazia
a harmonia, e cantava... podia até solar junto, mas na maioria das vezes, havia a
intenção de que aquela música fosse cantada. Há as fitas que ele mandava para o
Paulinho botar letra. Ele mandava as fitas, muitas vezes solando e cantando junto. Às
vezes apenas solava, mas a intenção era que tivesse letra.
Caiado: Você acha que o conceito de que “samba é música com letra” está enraizado na
cultura brasileira?
233
Luciana: Eu acho que sim. Historicamente é assim desde o início. O samba vinha das
músicas religiosas que eram todas invocações à santos, e eram cantados. Sempre se
pressupôs que samba é uma música feita para ter letra, para ser cantada. Ainda hoje não
é comum samba sem letra, mas existem. É como eu te falei, muitas vezes o compositor
não percebe que o que fez é um samba.
Caiado: Falando das diferenças estruturais, uma delas é que o samba é em duas partes
enquanto o choro em três. Isso também não é uma questão cultural? O que impede que
sejam feitos sambas à três partes?
Luciana: Nada, eu inclusive tenho... com letra. Maurício Carrilho morre de rir. Ele diz
que samba com três partes só pode ser coisa de chorão.
Caiado: É curioso isso: “coisa de chorão”. Você resolveu fazer assim e ponto final.
Luciana: É porque não é o tradicional. O convencional é que samba possua duas partes,
ou então um refrão e vários versos, como no partido alto.
Caiado: Algumas pessoas têm afirmado que havia uma diferenciação entre os
violonistas, cavaquinistas, flautistas etc e os instrumentistas de percussão. Você tem
algum conhecimento disso?
Luciana: Benedito Lacerda dizia que pandeiro não se tocava, se batia. Isso havia
realmente. Eles ganhavam menos. Acho que isso é um pouco parecido com a rixa que
alguns músicos têm com cantor. Para eles cantor não tem a mesma importância que o
músico porque, em geral, cantor não se interessa em estudar música. O músico fica
inconformado pois se aprimora tecnicamente, aprimora a leitura etc e depois,
mercadologicamente falando, fica em uma situação inferior a uma pessoa que “só
canta”.
Caiado: Voltando à questão do gênero choro ser visto, pelo músico, como um gênero
superior ao samba.
Luciana: Eu acho que havia esse pensamento sim. O choro exige mais para se tocar, é
necessário mais estudo. Não quer dizer que isso não seja necessário no samba, mas...
você não solava samba, era cantado. Era necessário acompanhar. Havia isso sim, e acho
que, de certa maneira, ainda há. A música instrumental exige mais do músico
instrumentista. Ela passa a ser mais nobre por isso? Agora, há um outro lado, há pessoas
que consideram o choro uma música séria demais. Recentemente, eu convidei Nei
Lopes para uma roda-de-choro. Ele perguntou se era aquele tipo de roda em que a
pessoa tem que ficar calada, só ouvindo, e respondeu com um “Tô fora!” Para muita
gente, o samba é algo mais alegre. Estão rindo, brincando, um faz um desafio em verso
e o outro responde. O choro tem uma postura “mais séria”.
234
Luciana: Elas estão concentradas para tocar. Estão concentradas para não errar. Há um
milhão de coisas engraçadas acontecendo ali, mas não são explícitas. As pessoas
confundem essa concentração com coisa séria. Veja, se Nei Lopes falou isso, é bem
possível que muita gente do samba achasse o mesmo. Então havia preconceito dos dois
lados, alguns chorões achando o choro um música superior e pessoas do samba achando
o choro uma música “séria demais”.
Luciana: Muitos. Era música para se dançar. Se tocava choro e se tocava samba,
arranjos de sambas cantados e de sambas concebidos como música instrumental. Eu não
sei te dizer quais, mas converse com o Severino Araújo, eu sei que ele fez. Certamente
ele tem coisas interessantes para te dizer sobre isso. Não eram só arranjos não, era
música instrumental também. Samba de Morro do Altamiro, por exemplo, era um
samba de gafieira. Esse disco é importante que você conheça: Turma da Gafieira. São
dois discos, e Baden participou de um deles. Lembrei de outro disco que você deve
ouvir, é o Teleco-teco Opus 1, de Ciro Monteiro e Dilermando Pinheiro. O violões são
Meira e Dino.
Caiado: Você sabe se, naquela época, em rodas-de-choro eram executados sambas?
Luciana: Não sei. De 1970 para cá eu garanto que sim. Mas, como eu já disse, muitas
vezes a pessoa não percebe que aquela música é samba.
Caiado: Será que ninguém “puxava” um samba de Ari Barroso, ou Noel Rosa?
Luciana: Não acredito, mas não posso afirmar com certeza. O repertório do choro é
muito grande. Quem eu vi fazendo isso foi Rafael. Ele executava no violão arranjos de
músicas de Ari Barroso. Mas era em um momento na roda em que ele tocava sozinho.
Caiado: Jorginho do Pandeiro afirmou que os músicos, na casa de Jacob, faziam
improvisos quando Elizeth parava de cantar.
Luciana: Sim, mas nesses caso havia uma cantora. Outra coisa é alguém entrar solando
Barracão, por exemplo.
Caiado: Eu vou citar aqui alguns violonistas importantes dentro da história do violão
brasileiro, que viveram no Rio e gostaria que você desse sua opinião sobre quem tinha
relações estreitas com o samba.
Quincas Laranjeiras(1873-1935),
João Pernambuco(1883-1947),
Aimoré (José Alves da Silva: 1908-1979),
Jaime Florence-(Meira)(1909-1982),
Garoto(1915-1955),
Dilermando (1916-1977),
Laurindo de Almeida(1917-1995),
235
Dino (1918),
Luiz Bonfá (1922),
Bola Sete (1923-1987),
Nicanor Teixeira (1928),
Manuel da Conceição (Mão de Vaca 1930-1996),
Baden Powell (1937).
Caiado: Laurindo?
Luciana: A formação dele é a mesma de Garoto. Eles tocavam choro. Depois foi para os
Estados Unidos e partiu para outras coisas. Não acho que a relação dele com o samba
fosse estreita não, mas também não acho que ele ignorasse o samba.
Luciana: É outro que ficou associado a bossa nova e que, eu acho, não tem muito a ver.
Luciana: Tocava sambas sim. Dentro do ambiente do choro ele não tinha muita
convivência.
Luciana: Grande violonista, não na parte técnica, mas como compositor e harmonizador.
Ele era um revolucionário para a época. Fazia sambas-canções. Há um disco excelente
Zezé Gonzaga Canta Valzinho. Os arranjos são de Radamés. Valzinho vinha naquela
onda do Garoto, Laurindo, Bonfá... é daquele tempo. Houve um tempo brilhante na
história da música brasileira que ficou meio obscuro. Se pegou tudo isso, toda essa
evolução e se colocou dentro da bossa nova ou como pré bossa nova, e as coisas não são
bem assim. Saindo da área dos violonistas temos, por exemplo Newton Mendonça,
pianista também associado à bossa nova. Ele ficou conhecido como “parceiro do Tom
Jobim”. Desafinado, Samba de Uma Nota Só, músicas que são consideradas ícones da
bossa nova são composições dele. Bom, eu tenho aqui uns cadernos que a viúva dele
deixou com o Paulinho Pinheiro. Há um monte de choros nesses cadernos. Alguns só
começados. Há sambas também.
Luciana: Toca com Beth Carvalho. É um músico de estúdio. Ele tem um violão
sofisticado, com harmonizações sofisticadas. É bom acompanhador e bom solista. Mas
ficou trabalhando em estúdio, acompanhando. Não sei se compõe, e não conheço
nenhum trabalho solo dele.
Luciana: Eu não conheci, mas dizem que o pai do João Nogueira foi um assombro. Foi
um violonista que tocou em regionais, tinha o mesmo nome do filho. Outros que não se
pode esquecer são João de Aquino e Zé Meneses.
Luciana: João de Aquino fez um monte, Baden outro tanto. Rafael fez alguns. Garoto
com certeza, Luiz Bonfá fez, Zé Meneses também.
Caiado: Aquela “batida do Baden”, quem mais faz, além do filho dele?
Luciana: Maurício Carrilho sabe. Rafael sabia fazer, porque eles foram alunos do Meira.
É uma técnica diferente é uma “levada de raspadeira”. Fale com Maurício.
Caiado: Arranjos de sambas cantados para violão solo. Garoto, Dilermando, Bonfá e
Baden fizeram. Quem mais fez?
Luciana: Codó. Também era um cara único no que ele fazia. Aliás Baden fez um samba
para ele, Um abraço no Codó.
Luciana: Com certeza. Ele foi um compositor com uma visão da música muito ampla.
Caiado: Ele declarou que ia até o Morro da Mangueira tocar sambas, isso ainda muito
novo. Desses violonistas todos que nós falamos quem fez isso também.
Caiado: Baden afirmou em 1968 que: “A maneira mais fácil para mim é fazer a música,
depois o letrista põe a letra”. Você disse que muita coisa ele fez com a intenção do
canto.
Luciana: Exatamente. Ele pedia que colocassem letra, ele é que entregava. Ninguém
oferecia. Algumas vezes Baden inventava umas letras para os sambas. Ele sentia
necessidade de cantar aquilo. Por sinal, as letras eram horríveis. Baden chegou a compor
algumas melodias junto com o Paulinho Pinheiro. Ele mostrava e perguntava o que
Paulinho achava, se devia ir por um lado ou por outro. Às vezes Baden só fazia a
harmonia e pedia para o Paulinho criar a melodia. Ele queria ver onde a intuição ia dar.
Gilberto, que nada mais é que o acompanhamento dele para o samba. É assim que eu
vejo. Chega de Saudade, na minha opinião, é um choro, um choro lento.
Luciana: Eu não acho que bossa nova seja gênero. Eu nasci em 1961. Quando eu
comecei a aprender violão com meu avô, com seis para sete anos, já comecei no choro.
Uma coisa que me chateava muito era aquela cobrança de tocar bossa nova... o violão
da bossa nova era considerado o máximo. As pessoas que eram do choro, eram
“quadradas”, e eu achava que “quadrado” era a bossa nova.
Neco
(05/01/2001)
Neco: Eu nasci em 1932 aqui no Rio. Comecei a estudar violão por música com
Dilermando na década de cinqüenta. Meus primeiros trabalhos como profissional se
deram a partir de 1956, mais ou menos. Toquei em orquestras com Severino Araújo,
Carioca, Cipó... com essa turma. Depois comecei a participar de gravações, gravei com
todo mundo. Estou até hoje com Beth Carvalho. Nos anos sesenta eu gravei quatro
discos solos que passei para CD.
Caiado: Luiz Otávio Braga disse que você era o violonista que mais gravava nos anos
sessenta.
Caiado: Eu trouxe uns discos nos quais você participou. Discos de música instrumental,
por exemplo, Os Ipanemas. Quando foi gravado esse disco?
Caiado: Há também estes três outros aqui dos Os Catedráticos, e este Samba, Nova
Concepção. Basicamente são os mesmos músicos em todos eles.
Neco: Era essa a turma que sempre estava gravando nos estúdios.
217
Radamés: Brasiliana n °13, 1° movimento.
238
Caiado: Por que você acha que existem tão poucos sambas instrumentais?
Neco: Porque as pessoas não gostam. Samba tem que ter letra. Choro ainda gostam um
pouco, mas o forte mesmo é música com letra.
Neco: Era música para dançar. Era um samba mais picadinho. Morena Boca de Ouro
por exemplo se tocava muito. Aquelas gravações de Ciro Monteiro.
Caiado: Você lembra de algum samba que tenha sido composto para a orquestra de
gafieira, que não fosse arranjo de música cantada?
Neco: Não era preconceito, mas o público gostava mais de música americana.
Neco: Os percussionistas, ainda nos anos sessenta, ganhavam menos. Agora, o pessoal
das cordas, violinos etc... esses não falavam com qualquer um.
Caiado: Um violonista fez uma comparação entre samba e choro. Ele falou que no
choro o instrumentista se sente mais à vontade.
Neco: Concordo. Para tocar choro o músico tem que estudar mesmo. O choro é mais
difícil que o samba, tecnicamente é muito superior.
Neco nos mostrou quatro discos instrumentais seus gravados na década de sessenta:
Samba e Violão Vol. 1, Samba e violão Vol. 2, Velvet Bossa Nova e Coquetel Bossa
Nova .
das Neves: Eu comecei a me interessar por bateria vendo um conjunto de baile quando
eu era garoto. Depois fiquei fascinado vendo Bituca torcar com sua “Jazz Band”. Ele
fazia bailes. Fiz amizade com ele e passei a acompanhá-lo nos bailes, ajudando a
carregar o instrumento, depois ficava lá dançando. Então eu comecei estudar bateria por
239
música, isso já nos anos cinqüenta. Eu continuava a acompanhar o Bituca aos bailes,
mas ficava ao lado dele acompanhando a sua execução pela partitura.
das Neves: Também. Havia arranjos feitos por brasileiros, mas muita coisa era
importada sim, músicas americanas para big-band. Depois Bituca foi para uma outra
orquestra e eu assumi.
das Neves: Não eram nem chamados de percussionistas, eram ritmistas. Naquela época,
para cada orquestra havia um só. Tocavam pandeiro nos sambas e sambas-canções,
maracas nos boleros e mais nada. Eram obrigados a carregar as estantes e o repertório,
tinham que chegar primeiro para arrumar a orquestra toda... e ainda ganhavam menos.
Naquela época as pessoas se sujeitavam a isso. Era uma coisa imposta, porque se
quisessem trabalhar tinham que fazer aquilo, já que havia sempre alguém que aceitava.
Isso começou a mudar porque os percussionistas começaram a reclamar, Rubens
Bassini, por exemplo. Ele se valorizava. Quando chegava no baile, você pensava que ele
era o maestro, sempre estava impecável. Carregava o pandeiro em uma pasta, e não em
uma bolsa qualquer. Com ele e alguns outros, a coisa começou a mudar. Mariano
também foi outro.
das Neves: Não, nós já ganhávamos igual aos outros, mas isso por causa de Luciano
Perrone. Foi ele que valorizou o instrumento. Havia a tabela do sindicato mas, na
verdade, cada músico tinha o seu preço, o seu cachê. Cada um cobrava de acordo com a
sua importância. O próprio músico acertava com o dono da orquestra. Havia o “ponto
dos músicos” no João Caetano. Ali era dividido... o classe A, B, C etc. Então a gente
tinha que ir galgando esses degraus para chegar no “músico classe A”. Depois então se
passava para o Café Nice. Lá só havia “as feras”, os grandes músicos. Eu comecei no
“ponto dos músicos” e, pelo simples fato de ler música, meu preço já era mais alto.
das Neves: O choro foi a primeira música brasileira de categoria. Samba era coisa do
pobre, do negro, do morro, da favela. Era proibido inclusive. Campolino,218 compositor
da velha-guarda do Império Serrano, conta que havia um delegado que subia a Serrinha,
e se houvesse samba ele batia nas pessoas. Ele dizia que não queria macumba nem
samba. Escola de Samba era coisa de marginal. A Escola de Samba só foi admitida com
Getúlio Vargas, mas os enredos tinham que falar da história do Brasil.
218
Nascido em 1930 (EMB, 1998:35, verbete Aniceto).
240
Caiado: Eu estou fazendo um trabalho tentando entender melhor o porquê de haver tão
poucos sambas concebidos como música instrumental.
das Neves: Choro é música instrumental. Alguns levaram letra, mas não é todo mundo
que consegue cantar. Samba é música vocal.
Caiado: Eu tenho ouvido vários arranjos de sambas cantados das décadas de trinta,
quarenta e cinqüenta. É interessante o fato de que nos arranjos ocorrem introduções
instrumentais, modulações, contrapontos. Então, aparentemente, os
compositores/arranjadores usavam esses recursos para “vestir” um samba, mas quando
compunham obras instrumentais faziam choros, valsas etc. Eu estou tentando entender
melhor o porquê disso. Era simplesmente o fator cultural?
das Neves: Era sim. A música instrumental no Brasil é choro. Isso mudou um pouco
com o disco Turma da Gafieira, produzido pelo Altamiro. Participaram desse disco o
Zé Bodega, Edison Machado, Luiz Marinho, Jorge Marinho... a turma da pesada da
época.
das Neves: Eu fazia baile com Baden. Nós dois morávamos em São Cristóvão. Ele
passava lá em casa e a gente ia tocar em boate. Gravei junto com ele. Mas música
instrumental? Não vende. Eu fiz um disco em 1996 todo cantado, com músicas minhas,
eu mesmo cantando. Me propuseram, inicialmente, que eu fizesse um disco
instrumental. Eu não quis. Eu já fiz quatro discos. As rádios “nunca tocaram”. A
gravadora jamais se interessou, porque eram instrumentais. Eu fiz um disco cantado,
porque instrumental não dá. Eu gravei dentro de um projeto que tinha mais três discos
instrumentais. O único disco que aconteceu no projeto foi o meu. Os outros ninguém
quer, porque as pessoas não estão acostumadas a isso.
Caiado: Mas teria havido a perda desse costume. Não havia música instrumental em
quantidade nos anos cinqüenta?
241
das Neves: Não. Havia os conjuntos de choro que faziam música instrumental, mas
ninguém ia ver nada disso. Orquestra era na rádio para acompanhar cantor e nos bailes
para se dançar. Ninguém dava valor. Músico no Brasil era marginal. Nós só fomos
reconhecidos como profissão nos anos sessenta, com Juscelino. Houve um ministro na
época da ditadura que disse que, para ele, músicos profissionais eram apenas os
militares.
Após uma conversa sobre a bossa-nova, citou Zimbo Trio como uma “coisa diferente”
que tornou-se bossa-nova e fez a seguinte batida na mesa: