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O Gozo do Perverso
I _ Trauma e neurose
A crise subjetiva, aonde se situa o susto, a angustia e a fobia, é gerada pelo trauma.
O trauma é o encontro com o ponto de falta no saber e, portanto, com essa definição em
mente, não há sujeito que não tenha trauma. O trauma da descoberta da diferença de
sexos é comum a todos. É por isso que é ao redor dos dois anos de idade, que vão surgir
os primeiros sintomas neuróticos: as fobias infantis. As crianças ou tem medo do
escuro, ou medo de animais ou medo de figuras místicas.A fobia é o sintoma neurótico
por excelência e ponto nevrálgico da estrutura psíquica.
Que o simbólico não recobre inteiramente o real é dito em termos freudianos como
um despreparo do aparelho psíquico para lidar com grandes quantidades de excitação
Surge então uma brecha que exige o trabalho psíquico de enodamento (bindung) da
energia livre. É a crise subjetiva,
No encontro faltoso com o real que abala o fantasma, o saber do sujeito se torna
lacunar, fragmentário e desestabilizado. A partir daí, a estrutura ganha mobilidade
(plasticidade) da seguinte maneira: susto (schreck), depois angustia difusa aonde se
inicia a compulsão a repetição (angst) e defesa contra susto, e depois de certo tempo
lógico e cronológico, a angustia se localiza criando o medo (furcht) como defesa contra
a angustia, ou seja, o sintoma fóbico. A fobia como sintoma sem fantasma é essa
encruzilhada entre estabilização e desestabilização de onde os sintomas histéricos e
obsessivos, estes sim, sintomas com fantasmas, estabilizam o saber inconsciente.
Através de seus fantasmas, o sujeito tem a ilusão de saber se orientar na vida.
Embora, a crise subjetiva possa trazer grande sofrimento psíquico, as fobias são
transitórias e evoluem para uma obsessão ou histeria a partir do ponto em que o sintoma
neurótico se associa a fantasmas que estabilizam a estrutura ao criar o beneficio
secundário para o sintoma. O sofrimento causado pelo sintoma passa a ser tolerado pelo
sujeito de forma ambivalente.
Um apego excessivo ao beneficio secundário do sintoma é encontrado quando o
fantasma associado a ele é de natureza masoquista criando uma maior resistência à
resolução do sintoma via psicoterapia. Em função disso é que o tratamento psicanalítico
vai alem do sintoma para abordar a construção e travessia dos fantasmas com especial
ênfase no fantasma fundamental masoquista.
Lacan, ao trabalhar no “seminário 11” a tendência a repetição, acha necessário
distinguir entre repetição significante automaton e repetição tyche, encontro faltoso com
o real (usando os termos de Aristóteles). Existe a tendência a atuar um fantasma , aonde
o sujeito força a realidade a ser aquela do fantasma (automaton). Por exemplo, a mulher
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que não confia nos homens dá um jeito de sabotar um relacionamento para que seja
confirmado “na realidade” que os homens não merecem a confiança de uma mulher.
Somos objeto, somos dupe, desse fantasma e nos deixamos guiar por ele na regulação
de nosso gozo. Ficamos tão apegados a essa idéia que procuramos fazer com que a
realidade se molde a ela, mesmo que tenhamos que sofrer e fazer outros sofrerem para
que a idéia possa persistir como verdadeira.
Diferente, portanto, de um encontro faltoso com o real em que as certezas do sujeito
se abalam diante de um novo gozo, ou em termos leigos, de uma vivencia inusitada. Por
exemplo, o nascimento de um filho que muda em definitivo o modo como os pais
encaram a vida. O sofrimento psíquico pode ser intenso em toda trauma, mas a
possibilidade de mudança de posição do sujeito diante da regulação do gozo só é
possível se há desconstrução e travessia do fantasma, e, portanto, algum grau de crise
subjetiva.
O apego à fantasia da mãe fálica é a fantasia que esta no cerne da estrutura perversa.
Diana Rabinovich nos descreve um caso clinico em que a fantasia da mãe fálica nunca
pode ser desconstruída pelo sujeito que acaba por se tornar homossexual. Trata-se de
um rapaz cuja mãe o acompanha dentro da sala de aula durante todos os anos de sua
escolaridade, fato bastante não usual. Quando da morte de sua mãe o filho só encontra
algum sossego ao mandar embalsamar o seu corpo e colocá-lo em um jazigo perpetuo
no cemitério.
Em Suplemento Metapsicologico a teoria dos Sonhos de 1920, Freud desvenda a
‘psicose alucinatória do desejo’ como o apego excessivo a fantasia, ou ainda, para colocar em
outros termos, o fantasma como condição absoluta de gozo. A psicose alucinatória de desejo
é encontrada no sonho e nos quadros de amência:
“nos quadros de amência podemos ver isso mais nítido do que no sonho: a
amência é a reação a uma perda que a realidade confirma, mas o eu renega
(verleugnet), por ser-lhe insuportável constatá-la. Em conseqüência disso, o eu rompe
sua relação com a realidade, (...) e as fantasias que expressam desejo _não recalcadas
e perfeitamente conscientes_ podem então avançar para dentro do sistema, sendo aí
reconhecidas como uma realidade melhor. (....) a amência oferece o interessante
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espetáculo de como o eu se dissocia (...) nada quer saber do mundo.” (Freud, 1920,
p.88-89)
A relação da realidade com a fantasia é descrita por Freud nos seguintes termos: “...
assim que sentíamos falta (Bedürfnis) de um objeto que nos satisfizesse, nós realmente o
alucinávamos. Contudo, na medida em que a satisfação não ocorria, esses repetidos
insucessos devem muito rapidamente ter levado a nossa psique a criar um dispositivo
por meio do qual uma percepção ilusória podia se distinguir da satisfação real e também
podiam ser evitadas novas confusões no futuro. Em outras palavras, estamos supondo
que muito cedo deixamos de lado a satisfação alucinatória do desejo, instituindo algo
como um teste de realidade.”
Em Luto e melancolia, Freud novamente menciona a amência para dizer que o trabalho
de luto pressupõe uma decisão pela realidade em detrimento do sonho. O apego a fantasia
esta associado, portanto a uma dificuldade de realizar um trabalho de luto.
“... o luto move o eu a renunciar ao objeto, diminui a fixação da libido ao objeto.
Em que consiste o trabalho que o luto leva a cabo? A meu ver, podemos descrevê-la
da seguinte forma: o teste da realidade mostrou que o objeto amado não mais existe
e demanda que a libido abandone todos os seus laços com ele.”
Uma adolescente surda de nascença se fecha para os encontros sociais típicos da
adolescência preferindo conviver mais com a família acolhedora e carinhosa que tinha
até que um rapaz mais velho conseguiu romper com essa barreira e “ficar” com ela
durante uma festa de família. A adolescente desenvolveu uma psicose alucinatória do
desejo ficando convencida de que estava noiva do rapaz e iria se casar com ele.
Ninguém a sua volta , nem mesmo o rapaz envolvido, conseguia convencê-la de que não
era verdade. Ao consultar o analista, quando perguntada sobre sua reação se alguém lhe
dissesse que o rapaz não iria casar com ela , ela responde com grande sentimento: ”eu
não agüentaria”.
. “A lenta e paulatina realização do mandato da realidade”, como Freud descreve o
trabalho de luto, constitui um atravessamento do conflito de ambivalência que advêm da
renuncia libidinal. (Freud, 1915)
Contra esta demanda de renuncia libidinal “surge uma oposição naturalíssima,
pois sabemos que o homem não abandona com facilidade nenhuma das posições de sua
libido, mesmo quando já tenha encontrado uma substituição”
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“Não nos é fácil indicar em termos da economia porque a transação que supõe
esta lenta e paulatina realização do mandato da realidade há de ser tão dolorosa.”
(Freud, 1915). Igor Caruso, em seu livro “A Separação dos Amantes”, aborda com
agudeza o trabalho psíquico do luto. Quando o sujeito perde de modo involuntário uma
pessoa amada, quando há rompimento de uma relação de amor, o sujeito em geral sofre
uma crise subjetiva de maior ou menor porte conforme o apego ao objeto. A dor
psicológica que esta implicada no processo de desinvestimento libidinal do objeto
perdido é tão grande que Caruso a descreve como decorrente de uma escolha: só sente a
dor do luto quem decidiu não morrer. Sendo assim, podemos deduzir daí que para que
haja um processo de luto, é necessário um sujeito. Trata-se de uma posição subjetiva em
que há escolha forçada, ou a dor ou a morte, aonde nem uma nem outra é a melhor.
O apego excessivo ao fantasma que faz com que o sujeito prefira o fantasma à
realidade, como no caso de uma psicose alucinatória do desejo, parece se associar a uma
dificuldade de realizar o trabalho psíquico do luto. Numa neurose, a psicose alucinatória
do desejo é transitória e encontra seu desenlace a partir da posição subjetiva de
renuncia libidinal inerente ao processo de luto, como no caso da adolescente surda
citado acima.
Como entender então uma estrutura psíquica como a perversão em que o sujeito se
coloca como objeto para que a fantasia perdure? Sua relação com a realidade é a de uma
paixão da ignorância, de nada querer saber a não ser o que já sabe? Trata-se de uma
situação não usual.
Freud, em seus “Três ensaios sobre a teoria da sexualidade “(p.146) nos brinda com
um mecanismo da perversão chamado de inversão (wendung, no alemão). A criança
vitima de abusos sejam físicos ou psicológicos cresce e sofre uma inversão: faz o papel
do adulto abusador e procura um parceiro para fazer o papel de si próprio enquanto
criança numa cena fantasmática que sempre se repete. O fato clinico observável de que
um abusador adulto foi abusado ele próprio quando criança encontra assim uma
explicação.
Sobre o termo 'wenden' que é o verbo correspondente ao substantivo Wendung, como
verbo transitivo significa virar, dar uma volta; virar para outro lado, colocar-se na
posição oposta; como verbo reflexivo significa virar-se, voltar-se, volver a cabeça. A
inversão como mecanismo parece ir não tanto na direção de uma reversão especular,
mas sim parece apontar para mudança de posição dentro de um cenário prefixado. O
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inversão do eu para o objeto, o que aqui nos é colocado como algo novo.” (Freud,
1920).
Poderíamos perguntar por que o jovem citado por Rabinovich não se revoltou contra a
presença da mãe na sala de aula.É uma situação não usual uma mãe ser permitida dentro da
sala de aula por muitos anos. Para a criança representa uma violência psicológica.
O que é a violência psicológica? Para o psicanalista, a violência psicológica é que
talvez assinale melhor a diferença entre um abuso vivido e um abuso imaginado.
A violência psicológica é uma das formas de violação dos direitos da criança e do
adolescente previstos por lei (Estatuto da criança e do adolescente).
A violência ou tortura psicológica contra a criança e o adolescente é um padrão de
comportamento que alterna violência e adulação.
Os maus tratos psicológicos passivos incluem abandono emocional, negligencia com os
cuidados afetivos, falta de educação sexual. Os maus tratos psicológicos ativos se dão sob
forma verbal ou de atitudes: ameaças de castigo ou de abandono, castigo, critica, rejeição,
culpabilização, isolamento social, desqualificação, responsabilidades excessivas,
depreciação, intimidação, coerção econômica, rebaixar, insultar, ridicularizar, humilhar, usar
jogos mentais ou ironia para confundir.As seis formas mais praticadas são rejeitar, isolar
socialmente, aterrorizar, ignorar,corromper e produzir expectativas irreais ou extremadas
exigências.
Há alternância entre distancia emocional e extrema proximidade, o que cria na criança
ou no adolescente a sensação de menosvalia, culpabilidade e o anseio por momentos de paz.
O isolamento social que afasta a criança ou o adolescente de seus amigos, família
extensa ou atividades educativas em grupo permite ao agressor um poder sobre o sujeito que
fica sem ter a quem recorrer para ajudá-lo.O sujeito ainda em formação se intimida com mais
facilidade nessa situação em função das explosões intemperadas do adulto alternadas com
chantagem emocional e exigência de proximidade física.Os desejos e necessidades do jovem
são ignorados enquanto o adulto considera até seus menores caprichos como lei, fato que
tende a levar o jovem a se tornar deprimido e sem animo.
A manipulação e o abuso de poder nem sempre são reconhecidos como tal. A
tendência de ter controle absoluto sobre tudo esta bastante enraizada na sociedade em
geral e muitas vezes é considerada como uma perturbação de pequeno porte.
A violência psicológica geralmente acompanha os casos de negligencia,
espancamento e abuso sexual, mas, se considerada isoladamente, é a situação mais
difícil para obtenção de provas em um processo jurídico. Muito mais difícil ainda
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quando , e é o mais comum, o agressor apresenta um falso discurso moralista de que faz
tudo em nome de uma educação exemplar a ser dada ao filho amado.
A questão entre o fantasiado e o vivido, então, é o ponto de vista econômico no texto
freudiano. Em Analise Terminavel e Interminável, Freud define a fixação como aquelas
porções da pulsão de morte que se recusam a serem amansadas (Bandung) em função do
fator quantitativo.
A fantasia muitas vezes permite ao sujeito abordar enigmas angustiantes e, com isso,
são estruturantes do psiquismo (masoquismo primário) constituindo mecanismos de defesa
que podem ter efeitos de desvencilhamento e desimpedimento.Todos temos a fantasia
masoquista de abuso como forma de abordar a regulação do gozo (prazer e dor). Temos o
melhor exemplo, no texto “Bate-se uma criança” de Freud. Em psicanálise, é a
desconstrução e travessia da fantasia fundamental masoquista que permite o progresso
terapêutico, ou seja , uma mudança de posição subjetiva em relação a regulação do gozo.
Já a violência sofrida, vivida, tem o efeito oposto: o de inibir o desenvolvimento
emocional promovendo pontos de fixação.
A fixação libidinal é o ponto de enodamento do real da vivencia com o simbólico da
linguagem.É diferente de uma simbolização no sentido kleiniano porque diferente da
metáfora poética, o processo primário de condensação gera não uma representação
metafórica mas sim um representante da representação (vorstellungsrepresentanz) pois inclui
a marca de algo do real que nunca vai ser recoberto pelo simbólico (o recalque primário, em
termos freudianos)
A psicologia do ego interpreta a fixação libidinal como excesso de gratificação ou
excesso de frustração presente na historia de vida do sujeito, mas é o que fica por dizer
que causa a fixação . Se há excesso de gratificação ou frustração, esses não são sem
estarem acompanhados de violência psicológica nas relações familiares.Lacan
assemelha o gozo ao termo jurídico de usufruto: o excesso de usufruto acaba por
dilapidar o patrimônio. Ou ainda , em suas palavras, “Que não precise prazer demais
pois senão o pesar começa” (Resenha do seminário da Ética)
Num caso de abuso sexual de um menino por seu pai homossexual, o menino usava
desesperadamente todos os recursos psíquicos que podia para elaborar a experiência
vivida. Seus desenhos com temas tão banais quanto uma montanha e um sol possuíam
uma qualidade quase chocante de voluptuosidade.Havia desenvolvido um tique nervoso
com o rosto que ele justificava como uma vontade de espirrar.O psicanalista lhe
explicou a ausência de ejaculação na criança e o tique se desfez de forma permanente.
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pais agressores. Estes últimos parecem atuar dentro de uma cena fantasmática cujo script
se repete muitas vezes de forma crônica.
Assim, é o caso do pai que observa a filha púbere pela janela e imagina que a vê
namorando um rapaz mau elemento da vizinhança. A filha ao voltar para casa é recebida
sem nenhuma palavra, mas com um pontapé na barriga que a leva de imediato para o
pronto socorro. Também o caso do pai que espanca o filho com freqüência inusitada,
espera pelo filho bebendo e imaginando tudo de errado que o filho deve estar fazendo
longe de casa. Quando o filho chega seu pai já esta a ponto de bala para iniciar o
espancamento. A criança é convocada a emprestar seu corpo como objeto numa cena
fantasmática do adulto.
A posição subjetiva de atuar uma fantasia tem como pressuposto lógico a evitação
da angustia do enigma. Nem amor nem ódio. Se paixão há, é a paixão da ignorância que
esta presente . O agressor sabe:ele se apega a uma fantasia e a atua em detrimento do
teste de realidade.
A questão econômica ,o fator quantitativo, no enodamento da pulsão leva em conta o
real do vivido.Para desconstruir as varias versões (fantasias) dos fatos, promovendo a
renuncia pulsional e o luto é preciso levar em conta a dor real do sofrimento que lhes dá
consistência.
Lacan, na “resenha do seminário da ética” diz” esse aparelho nada mais garante do
que a alucinação do gozo”;” são efeitos de engodo que não poderiam por meio desse
aparelho assegurar a satisfação”; “sua meta é ordenada a partir de um efeito de
marca”;” A marca pode ressurgir só do esforço em reencontrar o gozo” mas” nada
garante que se trate de uma nova captação efetiva do gozo”.
Da mesma forma,nas raras vezes em que há coincidência entre o que você sonhou e
o que acontece de verdade, ocorre a sensação subjetiva de estar sonhando. Por exemplo,
você sonhou a cerimônia de seu casamento de determinada forma e aquilo acontece: na
hora você tem uma sensação de irrealidade e você só vai perceber o que aconteceu
mesmo no vídeo do casamento depois.
Ficar inconsciente, desmaiar, também se associa a isso:a mãe que levou os filhos
para assistir o show da Sandy e do Junior no mineirinho tem acesso aos
bastidores.Chegando lá, observa que, junto a fila de pessoas que vão entrar para ver os
artistas no camarim, estão nada menos do que seis ambulâncias
estacionadas.Estranhando o porquê das ambulâncias estarem naquele lugar privilegiado
ao invés de servindo a grande multidão lá fora, ela logo encontra a explicação, pois,
antes de entrar para ver seus ídolos em pessoa, o fã desmaiava e era socorrido na
ambulância. . Porque isso acontece ? Para o sujeito não sofrer a decepção. Em geral,ao
conhecer seu ídolo em carne e osso o sujeito repara em muitas diferenças entre a pessoa
de verdade e sua imagem de artista, e pode se decepcionar .Assim, para não quebrar
aquela imagem de perfeição, o sujeito desmaia, e ,por assim dizer, dorme para continuar
sonhando.O pai contratou o artista de novela para festa de 15 anos da filha e, quando
este chega de surpresa na festa, a jovem desmaia. Mas, no despertar, a jovem vai
perceber que seu artista da novela talvez não dance tão bem ou que esta lá só para
ganhar dinheiro.Aí o sujeito se dá conta que o objeto de desejo é fantasmático .
Da mesma forma com que criar o objeto na fantasia é prazeroso , desconstruir a
fantasia e deixar cair o objeto pode ser muito doloroso.
O luto pressupõe o sujeito conseguir se desapegar do objeto de desejo fantasmático e
assumir a decepção que advêm da comparação entre sonho e realidade. Há uma decalagem
entre o fantasiado e o efetivamente vivido. O vivido inclui um elemento de não saber, a
castração simbólica, e o trabalho de luto consiste em fazer uma borda que transforme este
não saber em causa de relançamento de um novo desejar. “Ao final do trabalho de luto o eu
volta a se tornar livre e isento de qualquer inibição” (Freud, 1915).
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A psicanálise propõe uma revisão da ética porque trabalha com a relação da ação
humana com o desejo que a habita.(Lacan ,resenha do seminário da ética).
O complexo de Édipo é a primeira decepção amorosa do sujeito ainda na sua
infância.Do modo como a decepção amorosa foi vivenciada ficam restos (retorno do
recalcado) que determinam a reação do sujeito a outras decepções que vier a sofrer. O
luto que decorre da compreensão do limite no amor é difícil de ser vivenciado pela
criança e vai ser ressignificado na puberdade.
O resultado do luto mal feito no complexo de Édipo é o super eu.Aos pais reais, se
sobrepõe o fantasma de uma figura paterna poderosa que sabe do gozo . O que dá ao
supereu sua consistência de ideal amado é o objeto voz, a voz grave de comando.
Nós vamos considerar aqui o supereu na sua vertente de exigência feita ao sujeito
de cumprir com um preceito simbólico idealizante.O supereu como fantasma vem
encarnar a demanda do Outro. O que é a demanda do outro? É o elemento constitutivo
da pulsão.O treino de higiene é protótipo da demanda do Outro.
O fato de o supereu ser considerado também um juiz dos atos do sujeito, sua
consciência moral vigilante,cria o equivoco entre ethos com épsilon (habito) e ethos
com eta (ética), confundindo a educação dos maus hábitos com a ética do desejo.
“Lavar as mãos depois de ir ao banheiro”, “não levar desaforo para casa”, “quem
economiza fica rico” são exemplos de preceitos fantasmáticos de regulação do gozo
presentes no discurso corrente que podem ser investidos afetivamente com a voz potente
de um pai herói levando o sujeito a comparar cada um de seus atos com essas
prescrições.
Na adolescência, com o objetivo de se desvencilhar da educação recebida e criar os
próprios valores do sujeito , a fantasia do supereu vai precisar ser desconstruída.Para
desconstruir a fantasia superegoica é preciso deixar cair os objetos libidinais, no caso , a
voz como objeto pulsional.Vimos acima ao comentar o trabalho do luto que a renuncia
pulsional só é possível de ser feita pelo sujeito da pulsão . Sabendo que a pulsão é
acéfala vemos , com Lacan , que é novo ver um sujeito aparecer aí. Ali onde Isso era,
como o sujeito poderia ele advir?
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substituição metonímica e dos quatro destinos é o que pode chegar até a desconsiderar
os cortes que dão fim às atividades.
O destino do recalque é o do esquecimento, em que as dissociações , interrupções e
rupturas predominam.O destino da transformação no contrario __em que da atração
surge a repulsa e vice versa__ favorece a queda de objetos fazendo com que cheguemos
até a enjoar de algo que inicialmente gostávamos.
O destino do retorno sobre si mesmo mostra a importância do Outro. Sem esse
destino não há responsabilidade pela pulsão . A pulsão é acéfala na sua busca pela
satisfação.
Não há saber sobre o gozo. As vezes nem notamos o que estamos fazendo Quando
dei por mim ...já tinha feito, é o dizer comum.Se é assim, então como que o sujeito toma
consciência do que esta fazendo?.Passando pelo Outro da linguagem. Lacan , no
seminário 11,para ilustrar isso, usa o exemplo tirado Sartre aonde o voyeur olhando
pelo buraco da fechadura escuta passos no corredor de alguém que poderia pega-lo em
flagrante . É só a se ver no ato de voyeurismo sendo visto pelo Outro é que o sujeito
toma consciência de seu ato: ele se vê vendo.No seu prazer voyeurista, o Outro não
existe e nem ele próprio considera seu ato, ele é só um olho e não um sujeito.
Ao incluir o Outro na sua satisfação,o sujeito pode vir a se perguntar:você quer
mesmo olhar pela fechadura ? e outras perguntas sobre seu desejo que vão promover
uma experiência moral .Outro exemplo, mais banal,quando da dificuldade de seguir um
regime para emagrecer, o sujeito se dá conta do tanto que gosta de comer , podendo vir
a trabalhar as fixações associadas a oralidade.
É ,então, a partir do destino que fecha o circuito da pulsão retornando ao corpo após
um trajeto no campo do Outro que pode surgir o sujeito da pulsão e promover a
experiência moral que o permite se responsabilizar pelos seus atos.
É novo ver um sujeito aparecer aí. Essa é a tradução genial que Lacan dá ao termo
freudiano ein neuen subjekt, sujeito da pulsão.
O sujeito da pulsão sempre chega tarde demais porque é no tempo do ao depois ,do
já acontecido que o sujeito vai se perguntar ‘o que que eu fiz?’ Não há saber prévio que
permita uma regulação completa da pulsão. É outra ética : você faz as coisas sem ver
;quando você vê você já fez ;então, depois, e aí?você vai se responsabilizar pelo o que
você fez, mesmo não sabendo.
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Para resumir o que vimos até agora,é relevante assinalar que a diferença entre real
e realidade é semelhante à diferença entre culpa e implicação subjetiva. Na crise
subjetiva trata-se de um encontro faltoso com o Real. O fantasma constitui a realidade
enquanto elemento virtual que organiza a percepção e a ação
O luto é uma crise subjetiva que advêm quando o sujeito do inconsciente fez a
escolha forçada de diante do Real, impossível de saber (sobre a morte), continuar vivo.
Implicação subjetiva do sujeito com seus atos tem como condição lógica o fato de
estrutura de que não há saber sobre o gozo . Culpa é fantasia de que existe um laço
intersubjetivo que denega o fato de estrutura de que não há relação sexual.
Dito isso,podemos situar aqui a ética da psicanálise na medida em que_ como esta
escrito no matema da pulsão_ o sujeito se divide entre desejo e gozo diante da demanda
do Outro. S ◊ D.
A divisão subjetiva é aí fundamental.Atender à demanda do Outro sem considerar o
seu próprio desejo pode levar à compulsão.
O preceito diz “para eu acordar cedo eu preciso dormir cedo” , “tem que ir ao
banheiro sempre pela manhã’, “tem que usar chinelo no chão frio”. Seguimos essas
regulações a maioria das vezes de forma automática,compulsiva, agindo sem pensar.
Mas eles podem ser desconstruídos se nos perguntarmos se esses preceitos são
verdadeiros ou engodos .
Sobre esse preceitos Lacan diz na resenha sobre o seminário da Ética: “a obrigação
moral de Kant se substitui facilmente pelo fantasma sádico de gozo na medida em que o
fantasma pode se fazer passar por lei universal imperativa.” (p.18).
Diz a lenda que Kant acordava cedo , tomava banho frio seja no verão ou no
inverno, andava sempre à pé para universidade de forma previsível e regulada, como se
soubesse tudo o que deveria ser feito.Nesse sentido, seguir a demanda do Outro, os
preceitos superegoicos , as fantasias simbólicas reguladoras do gozo pode virar uma
compulsão .
O furor pela regulamentação pode ser tanto que o supereu passa a determinar até o
momento do orgasmo sexual, ordenando ao sujeito que goze ! Gozar vira obrigação ao
invés de desejo.
É nesse ponto que o moralista e o perverso são a mesma pessoa,que Kant é igual a
Sade.
É uma perversão acreditar tanto no simbólico a ponto de restringir o seu gozo.
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Num caso de abuso sexual felizmente fracassado de um pai com a filha púbere, o
psicanalista pergunta ao abusador sobre a relação sexual com a sua esposa e obtém uma
resposta surpreendente:ele seguia certos passos e se algo saía fora do script, em
particular, se a esposa suspirasse, ele perdia a potencia e segundo ele “tinha que
começar tudo de novo”.
Freud chama o perverso de ‘pobre coitado’ porque tem que se dar ao maior trabalho
para conseguir o gozo restrito que tem.
A disposição perversa polimorfa da criança é o oposto da perversão. A polimorfia
mostra que qualquer coisa serve para gozar .Ao longo do tempo vão acontecendo as
fixações e já na adolescência nem todos os modos de gozo estão a disposição.
O perverso se fixa tanto que restringe seu modo de gozo criando os fetiches que são
encenações cujo script ele é obrigado a seguir a risca. Na cena fantasmática típica da
estrutura perversa, a vontade de gozo que o sujeito atribui ao Outro vira condição
masoquista de gozo para ele que se coloca na posição de objeto.
Atribui-se à subjetividade do perverso não sentir culpa . Isso porque ele é super
obediente e esta sempre a serviço do Outro.Lembramos do caso do menino que já aos
três anos apresenta trejeitos femininos caricaturais. Com um ano de idade, ele cumpriu o
treino de higiene quando sabemos que o dito treino só deve ter inicio depois dos 18
meses.
A falta de limite também notória do perverso vem do fato de que os derivativos do
simbólico na sublimação não tem limite.O fantasma não tem limite. O limite vem da
decepção com relação ao objeto de desejo fantasmático e do encontro faltoso com o real
que abala o fantasma.
A conclusão é que o sujeito só tem limite quando segue o seu próprio desejo. Ao
invés de seguir os preceitos do Outro sem pensar, eu posso assumir o que eu quero ,
mesmo me arriscando a me decepcionar, fazer o luto e relançar o desejo.Porque o desejo
esta ligado a decepção é que desejo é lei . Por isso é que só o desejo é que barra o gozo
da compulsão.
A ética não pode porvir da pura obrigação. O homem em seu ato tende para o
bem.É o desejo que é a favor do principio da ética da psicanálise.(Lacan, Resenha do
seminário da Ética).
Por ser o estudo dos motivos da ação do homem, a ética da psicanálise vai
questionar o sujeito: tu agiste em conformidade com o desejo que te habita?
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Para a psicanálise, a única coisa de que podemos ser culpados é de ter cedido de
nosso desejo (avoir cédé sur son désir). Ceder de seu desejo é a bussola eficaz que a
psicanálise nos fornece no campo da direção ética .
Diferente da tristeza e dor do luto é a depressão aonde a decepção com relação
ao objeto fantasmático do desejo leva o sujeito a desistir de voltar a desejar. “Nunca
quero casar” diz o púbere filho de uma prostituta adotado por um casal com valores
religiosos rigorosos. Para ele, o conflito entre a mulher fácil e a mulher difícil não tem
como ser abordado e nem sequer pode ser formulado em palavras. Preferível desistir de
namorar.
A depressão é chamada por Lacan de covardia moral porque o sujeito aí cede de
seu desejo. Precisaria de “coragem”, apoio e sustentação, para abordar certos conflitos
subjetivos. Não buscar mais nada, não ter mais élan, não querer mais nada, desistir de
lutar são os fenômenos típicos da depressão neurótica.
No capitulo 5 de Mal Estar na Civilização, Freud nos adverte de que ceder de seu
desejo só faz aumentar as exigências de ceder cada vez mais. Vemos aqui como o
desejar, o relançar o desejo após o trabalho de luto, é uma defesa contra as demandas do
Outro.
Em 1938, já no fim de sua vida Freud anota : “ Una conciencia de culpa nace también
de un amor insatisfecho. Como un odio.”. É a instalação da depressão clinica. (escritos
breves. vol 23)
A depressão pode acontecer nas três estruturas, mas a estrutura perversa nos revela
seu mecanismo. Diante da demanda do Outro, foi preciso ceder de seu desejo e por isso o
perverso seria um deprimido crônico com reações de triunfo maníaco. No triunfo
maníaco,semelhante a uma psicose alucinatória do desejo, o sujeito prefere a fantasia a
realidade se colocando em posição de objeto e inviabilizando o luto da renuncia libidinal.
Em suma, o fantasma é a chave para a compreensão da economia do gozo nas estruturas
clinicas da neurose e da perversão. Na perversão, uma situação não usual como a
violência psicológica gera inversões menores ou maiores para numa posição de objeto
diante da demanda do Outro.A dor psicológica de não sustentar uma posição de sujeito
desejante dificulta a renuncia pulsional e o luto aumentando as exigências do super eu
como demanda do Outro.A depressão e a reação maníaca se tornam crônicas fazendo
com a direção ética da cura na perversão seja a do trabalho de luto.
Assim a diferença entre luto e luto patológico é como o sujeito aborda os conflitos de
ambivalência. Aqui podemos ampliar a noção de ambivalência para alem do conflito
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amor e ódio para colocar a questão do sujeito dividido. Só há sujeito como efeito de fala.
Portanto, sem assumir uma posição de fala diante de um Outro não há como um sujeito
advir e nem se implicar emocionalmente com seus próprios atos.
O sujeito se divide diante da demanda do Outro. Devo fazer o que o Outro me pede
ou devo fazer o que eu mesmo determino? Esse é o eterno conflito que se recusa a calar e
mantém sempre possível o relançar do desejo. Esta aí a ambivalência: conflitos entre
realidade e fantasia, entre obedecer sem pensar e pensar uma saída do próprio sujeito,
entre querer saber e não querer saber.
Não existe desejo puro. O desejo é sempre infiltrado de gozo. Na demanda está
articulado o desejo, se a estrutura da demanda for aquela assinalada por Lacan no
seminário 19: eu peço que você recuse o que te ofereço porque não é isso.
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