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ASSUNTO: PANCREATITE
DIREÇÃO: LUCIANA MELO
REVISÃO: MARIA LUIZA
PARTE 1 – AMANDA
DEFINIÇÃO
Antes de 2012, utilizava-se os termos “pancreatite necro-hemorrágica”,
“pancreatite necrotizante”, “pancreatite grave” e o diagnóstico era feito por laparotomia.
Em 2012, houve um consenso em que se normatizou os termos e a classificação da
pancreatite, conhecido como consenso de Atlanta. A definição de pancreatite aguda,
baseada nesse consenso, era o paciente que apresentava 2 dos 3 critérios abaixo:
Dor abdominal fortemente sugestiva de PA;
Elevação das enzimas pancreáticas 3x o normal;
Achados característicos no exame de imagem.
ETIOLOGIA
As etiologias de pancreatite são diversas, mas duas principais, que correspondem
a mais de 80% dos casos, são alcoólica e biliar.
Principais causas:
Mecânicas: o cálculo de vesícula migra para a via biliar, impactando no esfíncter
de Oddi e obstruindo o ducto pancreático principal – tumores peri-ampulares, de
pâncreas e de via biliar também podem causar obstrução;
Tóxicas: pancreatite alcoólica (há uma lesão celular pelo álcool), por veneno de
escorpião, metanol, e alguns inseticidas (organofosforados);
Metabólicas: dislipidemias e hipercalcemia;
Infecciosas: caxumba, hepatite B, AIDS, Salmonelose;
Iatrogênicas: têm uma certa frequência, principalmente após CPER e cirurgias
do andar superior do abdome;
Vasculares: isquemia e vasculites (relacionado a poliarterite nodosa e lúpus
eritematoso sistêmico);
Anormalidades congênitas: principalmente pâncreas Division, que é uma
alteração anatômica congênita onde existe alteração na distribuição do ducto
pancreático principal, que passa a drenar principalmente pelo ducto acessório;
Drogas: antirretrovirais, furosemida, diuréticos tiazídicos, antimicrobianos
(sulfonamidas e tetraciclina), drogas utilizadas na doença inflamatória intestinal
(Mesalazina, sulfassalazina, azatriopina) e alguns AINES;
Outros: fibrose cística, úlcera péptica terebrante para o pâncreas, deficiência de
alfa-1-antitripsina, trauma etc.
FISIOPATOLOGIA
O mecanismo de ação é devido a ativação das enzimas pancreáticas fora do
duodeno, que leva a inflamação, edema, proteólise, necrose pancreática e do tecido
peripancreático e lesão vascular com hemorragia. Isso é provocado por obstrução
ductal, lesão acinar ou defeito de transporte intracelular da célula pancreática.
CLASSIFICAÇÃO – ATLANTA 2012
Após o congresso de Atlanta, passou a existir a classificação da pancreatite
aguda em leve, moderadamente grave e grave (que envolve a pancreatite chamada de
hemorrágica ou necro-hemorrágica).
A pancreatite aguda leve não tem falência orgânica e não tem complicações
locais ou sistêmicas, tem apenas um edema do pâncreas e elevação das enzimas, mas
sem alteração renal, respiratória, cardiológica etc. e sem coleções (abcesso, necrose). A
pancreatite moderadamente grave apresenta falência orgânica, mas que é transitória
(resolve em 48h) – ex.: paciente com alteração da função renal devido a desidratação da
pancreatite, mas que melhora em menos de 48h após hidratação; paciente dispneico com
derrame pleural que melhorou sem necessitar de grandes medidas de suporte. A
pancreatite aguda grave apresenta falência orgânica persistente, independentemente das
intervenções feitas, além de complicações locais e sistêmicas.
→ APACHE II:
É um índice fisiológico que avalia os parâmetros de temperatura, PA, FC, FR,
pH arterial, bicarbonato, sódio e potássio séricos, creatinina, contagem de leucócitos,
hematócrito, escala de coma de Glasgow, idade. Calcula por um programa do
computador. Se > 8 indica pancreatite grave precisando de UTI.
→ Baltazar e Ranson (índice tomográfico de gravidade):
Na TC observa-se a quantidade de necrose e coleções no pâncreas, e a partir
desse percentual gera um índice. Não é utilizado no momento da admissão, utilizado
mais entre o 3-4º dia.
Por exemplo, um paciente com alteração inflamatória pancreática (edema), com
líquido peripancreático, alteração se estendendo até a gordura peripancreática. Mas sem
coleção fluida peripancreática, fecha uma pontuação de 2. Possui também 30% de
necrose, pontuando mais 2, assim soma um total de 4 pontos, ou seja, não é pancreatite
grave. Porém, se houver coleção peripancreática e necrose entre 30-50%, soma um total
de 7, correspondendo a uma pancreatite grave.
O pâncreas só é visualizado adequadamente na TC se tiver uso de contraste
venoso, sem ele não se observa as lesões pancreáticas.
Estômag
o
Coleção
encistada
Pâncre
as
Evolução
em alguns Pancreatite com
dias coleções fluidas
peripancreáticas
Coleções
pararrenais
Área
necrótica
peripancreáti
ca
Pancreatite muito grave
→ Proteína C reativa
Complicações locais da pancreatite:
Lembrar que diferentemente da coleção peripancreática aguda, a coleção
necrótica aguda apresenta tecido dentro, por isso aparência heterogênea. A necrose
encapsulada é a coleção necrótica aguda bem definida, ou seja, com a presença de
paredes delimitando a região, sendo complicação mais tardia. O pseudocisto é o
encistamento da coleção peripancreática aguda, sendo também uma complicação
crônica.
O pseudocisto raramente terá indicação de cirurgia, enquanto que a necrose
encapsulada (se infectada) deverá ser operada.
MANEJO
Inicialmente:
• Abordagem agressiva na reposição volêmica (pois chegam muito desidratados);
• Analgesia;
• Se grave, iniciar terapia nutricional por SNE nas primeiras 36h;
• Necrose pancreática e antibióticos (inicia se suspeita de infecção nessa necrose);
• CPRE precoce (se pancreatite por causa biliar) - 24-36h, depois desse tempo não se
consegue mais fazer, sendo melhor deixar para fazer outro dia;
• Cirurgia (apenas complicações):
- Colescistectomia (se suspeita de causa biliar faz ainda na primeira internação);
- Drenagem de coleções;
- Necrosectomia;
- Sd. Compartimental.
2. Débito urinário acima de 0,5-1,0ml/kg/h (um paciente com 50kg deve urinar
entre 25 - 50ml por hora);
3. Diminuição da ureia sanguínea;
4. Hematócrito entre 35 a 44 (na admissão o paciente se apresenta com o
hematócrito alto pela desidratação).
Quando as metas são atingidas deve-se diminuir a hidratação para 30-
50ml/kg/dia (no início é 5-10ml/kg/h). Em casos de pacientes que estão com
hipovolemia grave, hipotensos, pode-se aumentar essa infusão em bolus podendo fazer
até 1 a 2 litros em 15min.
Abordagem terapêutica:
Por muito tempo, acreditava-se que esses doentes deveriam ficar em jejum por
muitos dias, até que um autor americano começou a defender a nutrição enteral precoce
nesses pacientes, em um congresso de 2005, foi discutido sobre esse tópico e foram
mostrados trabalhos com superioridade da dieta enteral em comparação com a
parenteral nesses pacientes, mesmo ainda se utilizando mais a dieta parenteral nos
pacientes com pancreatite aguda. Trabalhos já comprovam que a nutrição enteral não só
é superior como também modifica o curso da pancreatite e hoje é padrão ouro na
pancreatite grave passar uma sonda no paciente, de preferência pós-pilórica (depois do
ângulo de Treitz) colocada por endoscopia para iniciar a nutrição enteral precoce, em
baixo volume e lento. Essa nutrição tem um efeito trófico importante para os
enterócitos, impedindo a translocação bacteriana que era provocada pela desnutrição
desses enterócitos, e o enfraquecimento das junções GAP (intercelulares), possibilitando
a passagem de bactérias. Com a utilização da nutrição enteral diminuiu muito a
incidência de infecção da necrose pancreática, por isso hoje é preconizado no mundo
inteiro.
Na pancretite leve o doente em 48h vai se alimentar (pelo menos de dieta
líquida-pastosa), então nesses doentes em que não há sinais de gravidade não precisa
passar a sonda.
Legenda: mostra um paciente que foi operado, era uma pancreatite grave, está com
peritoneostomia
Hoje o número de cirurgias como essas é bem menor, porque os pacientes não
complicam mais como complicavam antigamente. Colocava-se uma sonda de duplo
lúmen uma fica dentro do estômago, para descomprimir o estômago (porque o edema da
cabeça do pâncreas comprime o duodeno e faz uma estase gástrica importante); e com a
outra sonda (o segundo lúmen) se faz a nutrição enteral. O que se observa é que quando
os pacientes são abordados com nutrição enteral precoce raramente vão evoluir para
esse quadro cirúrgico.
O antibiótico profilático é proscrito, só é indicado quando houver início de
infecção da necrose. Quando necessário a preferência é para os Carbapenêmicos
(principalmente Imipenem), mas também pode ser o Ciprofloxacino, dependendo da
flora hospitalar em que o doente esteja, pois, os germes já são muito resistentes ao
cipro.
Antibióticos são proscritos na pancreatite como profilaxia e só indicados na
vigência de infecção.
Considerar a biópsia da necrose para fazer cultura, é feita por punção guiada por
TC com agulha fina, mas pode-se iniciar empiricamente os antibióticos até que as
culturas cheguem. E os antibióticos de escolhas são: Carbapenêmicos, Quinolonas e
Metronidazol (associado as quinolonas). Os antifúngicos raramente são necessários, só
quando são detectados fungos na cultura.
Quando se suspeita de necrose com infecção é indicado a realização de uma
Tomografia, se nessa tomografia já apresentar bolhas de gás em intermeio a necrose já é
indicativo de infecção, se não, pode ser realizada a biópsia com agulha fina e fazer a
cultura. Se a cultura vier positiva, analisa-se o antibiograma para adaptar o antibiótico e
se vier negativa pode suspender o antibiótico.
A CPRE indicada nos pacientes com pancreatite biliar e colangite, deve ser
ralizada dentro das primeiras 24h. A pancreatite é provocada pela passagem do cálculo,
então muito provavelmente na maioria desses doentes o cálculo já saiu. Se tem
colangite, deve-se fazer principalmente para drenar as vias biliares (imediatamente
dentro das primeiras 24h).
Tratamento cirúrgico:
Ainda existe lugar para o tratamento cirúrgico nessa patologia. Em pacientes
com pancreatite biliar leve a colecistectomia deve ser realizada antes da alta hospitalar,
já na pancreatite biliar grave deve-se aguardar alguns meses para o processo
inflamatório regredir.
Os pseudocistos assintomáticos devem ser tratados clinicamente, normalmente
eles se resolvem apenas com o tratamento clínico. Pacientes estáveis com necrose
infectada, a drenagem endoscópica, cirúrgica ou radiológica deve ser adiada de
preferência por mais de quatro semanas. Em um paciente que fez uma tomografia e
mostrou necrose com bolhas de gás, indicando infecção, é prescrito o antibiótico e
tenta-se postergar a cirurgia o máximo possível e muitos terminam nem precisando
operar, porque a necrose está se liquefazendo dentro das primeiras duas ou três
semanas.
Então, se é feita uma cirurgia precocemente vai ser preciso reoperar depois, já
que continua tendo liquefação de necrose, por isso se posterga ao máximo, depois de
quatro semanas a necrose vai estar bem delimitada, não vai haver mais liquefação e faz-
se uma cirurgia única que é a necrosectomia (retirada da necrose), que pode ser feita por
videolaparoscopia, aberta ou por endoscopia transgástrica (o endoscopista entra, procura
o abaulamento, abre uma incisão de 1cm para passar o endoscópio transgástrico e cair
na coleção para ir aspirando a necrose).
Existe um trabalho brasileiro comparando a mortalidade em relação ao tempo
em que se opera a pancreatite, e foi observado que quando se faz cirurgia precoce (antes
de 10 dias) o doente com Apache <10 tinha uma mortalidade de 40%, e com o Apache
>10 chegava a 80% de mortalidade; e quando se operava tardiamente essa mortalidade
caia de 40 para 14% e de 80 para 18%. Esse trabalho mudou muito a abordagem da
pancreatite e começou-se a retardar ao máximo o procedimento cirúrgico.
A cirurgia de Berne foi uma cirurgia proposta por muito tempo, pois ainda não
existia a videolaparoscopia e a cirurgia endoscópica. Ela é uma sequestrectomia,
retirada da necrose feita por uma lombotomia entrando entre o rim, o baço e o
estômago, depois de retirada toda a necrose coloca-se os drenos, para lavar o espaço que
ficou após a retirada da necrose (porque ainda fica uma necrose residual). Esses doentes
ficam muito tempo internados, até meses, é uma doença de difícil manejo pelo tempo de
internação e pelas complicações (pode desnutrir), mas geralmente se obtém sucesso com
o tratamento.
As complicações dessa cirurgia são:
Hemorragia (na retirada da necrose pode-se pegar um vaso importante,
principalmente os vasos esplênicos), esses doentes podem apresentar
hemorragia rápida e ser necessário ampliar a incisão e até retirar o baço;
Fístulas (provocadas principalmente por necrose da flexura esplênica do
cólon), o processo pode necrosar o cólon, abrir o TGI para a cavidade, cair
fezes e gerar sepse;
Trombose de veia esplênica: esses pacientes podem evoluir com essa
trombose, gerar um hiperesplenismo;
Quadros infecciosos graves.
O endoscopista entra pela incisão transgástrica, coloca um stent para que a
coleção fique drenando para o estômago.
Essa paciente foi a óbito, era uma pancreatite grave que evoluiu com uma
síndrome compartimental (parede é fechada inicialmente e o edema das estruturas como
o ílio paralítico com obstrução intestinal distende o abdome até o ponto que a pressão
abdominal é tão alta que colaba o sistema cava dando hipotensão severa), é preciso abrir
o paciente para descomprimir e diminuir a pressão no sistema cava, deixa-se uma bolsa
de Bogotá, em que se deixa a cavidade aberta e protegida por essa bolsa, hoje já existem
outros dispositivos utilizados para fazer essa descompressão.
RESUMO:
Na pancreatite leve deixa o jejum, hidrata bastante (todas as formas precisam de
hidratação vigorosa), não precisa fazer antibióticos, deixa com analgésicos e
protetor gástrico;
Na pancreatite moderada a grave precisa ter mais cuidado, hidratar muito bem e
nas graves iniciar nutrição enteral precoce;
Na pancreatite aguda o diagnóstico é clínico (dor abdominal + aumento da
amilase ou lipase acima de 3x o normal), se não tiver isso vale a pena fazer uma
tomografia após uma hidratação vigorosa para descartar outras causas;
As principais etiologias são: a biliar e a alcoólica;
É importante já na admissão determinar o prognóstico sobre a gravidade (PCR e
Critérios de Ranson). Sempre observar na admissão se há sinais de colangite,
porque se houver tem que fazer a drenagem endoscópica;
Todo paciente com pancreatite grave deve ir para UTI;
O antibiótico não deve ser iniciado até que se tenha suspeita de infecção de
necrose;
Os pacientes graves devem ter além da ressuscitação hídrica agressiva, fazer a
nutrição enteral precoce;
Se o paciente apresentar síndrome séptica desconfiar de necrose infectada,
realizar tomografia com a possibilidade de biópsia para colher material para
cultura.
O uso do antibiótico independe do tamanho da necrose, anteriormente autores
colocavam como acima de 50% (alguns até 30%) fazer a terapia antimicrobiana, mas
isso já caiu em desuso e o antibiótico só é indicado se tiver sinais de infecção de
necrose.