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Atendimento
a Pacientes
com Doença
de Chagas
ATENÇÃO BÁSICA
2014 / 2015
DOENÇA DE
CHAGAS: Autores
ATENÇÃO
BÁSICA À
SAÚDE E
Noemia Barbosa Carvalho
IMIGRAÇÃO
Magda Maya Atala
Ruth Moreira Leite
Maria Aparecida Shikanai Yasuda
Processo CNPq: 404336/2012-4
Manual de Atendimento a
Pacientes com Doença de Chagas
.
Manual de Atendimento a
Pacientes com Doença de Chagas
ATENÇÃO BÁSICA 2014 / 2015
São Paulo
FACULDADE DE MEDICINA DA USP
2015
67p. il.
Processo: 404336/2012-4
Instituição executora:
Faculdade de Medicina da USP
8
Agradecimentos
Introdução............................................................................................... 13
1. Etiologia e ecoepidemiologia ................................................................. 15
2. Modos de transmissão ............................................................................ 17
3. Situação epidemiológica no Estado de São Paulo,
no Brasil e na América Latina ................................................................ 21
4. Formas clínicas da doença de Chagas .................................................... 25
Forma cardíaca ....................................................................................... 27
Patogenia e fisiopatologia da doença cardíaca crônica........................... 27
Classificação da doença cardíaca crônica............................................... 30
5. Manejo clínico da doença cardíaca crônica............................................ 33
Fatores prognósticos na Cardiopatia Chagásica Crônica ....................... 36
Risco cardiovascular em pacientes com
cardiopatia crônica - Fluxograma 1 ........................................................ 39
6. Tratamento clínico da Cardiopatia Chagásica Crônica .......................... 41
7. Forma digestiva ...................................................................................... 45
8. Diagnóstico laboratorial ......................................................................... 53
9. Tratamento específico da doença de Chagas .......................................... 57
Eventos adversos ao Benznidazol .......................................................... 62
Orientação aos pacientes com doença de Chagas
em nível de atenção básica - Fluxograma 2............................................ 65
A
Doença de Chagas (DC), também conhecida
como tripanosomíase americana, recebeu este
nome em homenagem ao médico brasileiro
que a descobriu em 1909, Carlos Chagas. É uma doen-
ça causada por um protozoário, que pode ser adquirido
de diversas formas (vetorial, oral, vertical, através de
sangue ou derivados), não sendo transmissível direta-
mente entre as pessoas. É encontrada principalmente na
América Latina. A fase aguda da doença pode ser ou não
sintomática, e pode evoluir ou não para a fase crônica
anos depois. Somente a doença de Chagas na fase aguda
é de notificação compulsória. Portanto, os dados sobre
doença de Chagas crônica são em geral baseados em es-
timativas.
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CAPÍTULO 2
Modos de Transmissão
A
s formas habituais de transmissão da doença de Chagas para o
homem são: vetorial, transfusional, materno-fetal (congênita), leite
materno, transplante de órgãos, acidentes de laboratório, manejo de
animais infectados e via oral.
Vertical: no Estado de São Paulo essa forma de transmissão passou a ser ex-
tremamente rara, dada a raridade de mulheres em idade fértil naturais do Estado
de São Paulo portadoras da doença. No entanto, pode haver o risco de não se
investigar adequadamente (com provas sorológicas) as gestantes provenientes
de áreas de risco (interior da Bahia e de outros estados da região nordeste, Minas
Gerais, outros países da América do Sul), podendo, ainda, haver casos de doença
de Chagas congênita nessas situações. Nos locais onde a doença de Chagas con-
gênita já se tornou muito rara, existe o risco de que não se realize a prova so-
rológica da mãe durante o pré-natal e o acompanhamento adequado da criança.
É o que pode ocorrer em relação a mães provenientes da Bolívia que fazem o
pré-natal ou dão à luz em São Paulo. Embora exista uma grande quantidade de
mulheres bolivianas em idade fértil vivendo em São Paulo, com uma prevalên-
cia estimada de contaminação de 10% e com filhos nascidos em São Paulo, até
hoje só recebemos uma notificação de doença de Chagas congênita em filho de
paciente boliviana; o que pode representar uma falta de diagnóstico ou de noti-
ficação. A transmissão pelo leite materno parece ser muito rara. O Ministério da
Saúde recomenda que mães soropositivas não amamentem seus filhos pela pos-
sibilidade de transmissão pelo sangue na ocorrência de fístula mamilar.
18
medicação específica (benznidazol) após o transplante em portador crônico de
doença de Chagas para evitar a reagudização.
Oral: acredita-se que esta forma de transmissão seja muito comum entre
mamíferos, por meio de ingestão de vetores ou reservatórios infectados. No
homem, isso ocorre muito esporadicamente no Estado de São Paulo. Todavia,
é interessante notar que a região Norte do Brasil, que nunca foi endêmica para
a doença de Chagas, vem apresentando surtos da forma aguda da doença trans-
mitida por esta via. Com a redução drástica das outras formas de transmissão,
esta via vem se tornando a mais prevalente no Brasil. Em geral, o diagnóstico é
feito quando ocorrem surtos de fonte comum, ou pelo programa implantado pelo
Ministério da Saúde, que incluiu a pesquisa direta de T. cruzi em lâminas coleta-
das para a pesquisa de malária em pessoas com febre e que foram negativas para
Plasmodium. A forma aguda da doença, nesta forma de transmissão, também
parece ser mais grave do que a forma vetorial. Os alimentos implicados podem
ser: carne de caça (ingerida crua ou mal cozida), alimentos contaminados por
barbeiros (açaí, cana-de-açúcar), alimentos contaminados pela urina de animais
contaminados (principalmente marsupiais).
O
número de casos de DCA nunca foi alto, mesmo quando a doença era
endêmica. Os casos agudos de transmissão vetorial são, em sua maioria,
assintomáticos e, portanto, passam desapercebidos. Por isso, a vigilância
da doença de Chagas sempre foi baseada na pesquisa entomológica. De 2002 a
2013 (até setembro) ocorreram cinco casos de DCA autóctones no Estado de São
Paulo: 1 em 2006, provavelmente vetorial; 2 em 2007 (por transplante), 1 em
2008 (congênito, mãe proveniente de outro estado) e 1 em 2013 (congênito, filho
de mãe boliviana). Foram tratados alguns casos esporádicos de DCA provenientes
de outros estados.
Os dados epidemiológicos mais recentes demonstram que a doença de Chagas
continua sendo considerada como problema de saúde pública em 19 países ameri-
canos de colonização ibérica, nas regiões rurais e nas grandes cidades para onde
convergiram pessoas infectadas pelo parasito. Atualmente é a quarta causa de morte
no Brasil entre as doenças infecto-parasitárias nas faixas etárias acima de 45 anos. É
também calculada uma proporção entre 10 e 40% entre os infectados, que já têm ou
que terão cardiopatia crônica, sendo que deste total pelo menos 10 % apresentarão
forma grave, que será provavelmente a causa principal de óbito. Nos dias de hoje
é prevalente em populações rurais, onde se encontram milhares de insetos vetores
nas moradias de madeira e barro e estima-se que haja cerca de 8 milhões de pessoas
infectadas na América Latina, 300.000 casos novos por ano, com dois a três milhões
de pacientes com complicações crônicas da moléstia atingindo 21.000 óbitos / ano
(Andreollo & Malafaia, 2007, Moncayo & Silveira, 2009).
Na Bolívia, o controle começou há muito menos tempo do que no Brasil e
as condições habitacionais dificultam o controle dos insetos. A Bolívia é hoje o
país com maior prevalência de portadores de doença de Chagas no mundo (es-
22
Figura 1.: Mapa da Bolívia com as principais áreas de transmissão
da doença de Chagas
Referências:
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the State of São Paulo. Wanderley DMV, Silva RA, Carvalho ME, Barbosa GL. Superintendência de Controle de Endemias,
Coordenadoria de Controle de Doenças, Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo– SUCEN/CCD/SES-SP. Acesso on
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2. Guia da Vigilância Epidemiológica da Secretaria da Vigilância em Saúde – 7ª edição, caderno 10. Acesso on line:
15/12/2013 http://portal.saude.gov.br/portal/arquivos/pdf/gve_7ed_web_atual_doenca_de_chagas.pdf
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11. OPS. Organización Panamericana de la Salud. Estimación cuantitativa de la enfermedad de Chagas en las Américas.
OPS/HDM/CD/425-06. 2006; 28 pp.
F
ase aguda: Na interação hospedeiro-parasito inicial via transmissão pelo
vetor, não há manifestações clínicas após a picada do triatomíneo e pene-
tração do agente através da pele lesada ou mucosas. Apenas um em cada 30
indivíduos que desenvolvem a forma crônica tem história de doença aguda.
As manifestações da fase aguda podem simular a síndrome da monononu-
cleose infecciosa (febre, adenomegalia cervical ou regional ou generalizada,
hepatosplenomegalia e infiltrado palpebral e de membros. O edema unilateral
palpebral (Sinal de Romaña) ocorre quando a penetração é na face. Cerca de
5% a 10%, principalmente lactentes, terão manifestação grave da doença, com
miocardite, insuficiência cardíaca ou meningoencefalite.
Na maioria dos casos, após 4 a 10 semanas da infecção, ocorre redução da
parasitemia com resolução da fase aguda e os indivíduos infectados evoluem para
a forma crônica indeterminada. A forma aguda é de notificação compulsória e
independentemente da via transmissão, requer tratamento específico.
Fase Crônica:
Na fase crônica o paciente pode apresentar uma das seguintes formas clínicas:
Forma crônica, forma indeterminada, forma cardíaca e forma digestiva ou
mista (cardíaca associada à forma digestiva).
26
Forma cardíaca
da Doença de Chagas
A
forma cardíaca da doença de Chagas é a mais preocupante e frequente
manifestação da doença na sua forma crônica. Existe uma prevalência em
torno de 20% a 30% e é classicamente caracterizada por manifestações
clínicas decorrentes de alterações no sistema de condução, bradiarritmias e taqui-
arritmias, miocardiopatia com ou sem insuficiência cardíaca, aneurisma apical,
tromboembolismo e morte súbita.
28
ritmogênicas quanto emboligênicas por predisporem à formação de trombos, que
podem ser liberados para a circulação sistêmica, comprometendo o baço, rins, cé-
rebro e intestino. Embora a obstrução coronariana não faça parte da fisiopatologia
da doença de Chagas, alguns pacientes com CCC manifestam sintomas de angina,
podendo apresentar alterações eletrocardiográficas sugestivas de isquemia e cursar
com variados defeitos perfusionais miocárdicos. Isto pode decorrer do comprome-
timento da microvasculatura, aliado a microtromboses e disfunção endotelial com
prejuízo na reserva coronariana.
30
distúrbios frequentemente coexistentes: IC, arritmias e tromboembolismo. A apre-
sentação clínica mais frequente é IC biventricular, com predomínio dos sintomas
relacionados ao maior comprometimento do ventrículo direito (estase jugular, he-
patomegalia, ascite e edema de membros inferiores), associada a arritmias ven-
triculares, atriais e distúrbios de condução atrioventricular e intraventricular.
Em geral os pacientes costumam queixar-se de fraqueza mais do que de dispneia,
o que pode ser parcialmente explicado por níveis de pressão arterial mais baixos,
quando comparados a outras etiologias de IC e pela concomitância ou preponderân-
cia, em alguns casos, de disfunção ventricular direita. Muitos pacientes apresentam
dor torácica, usualmente como angina atípica, possivelmente devida a anormali-
dades da microcirculação causadas pelo processo inflamatório. O exame clínico
revela cardiomegalia significativa com ictus cordis impulsivo e difuso ou globoso,
sopros de insuficiência mitral e tricúspide e desdobramento amplo de segunda bulha.
Os ventrículos dilatados e com aneurismas de ponta, além da elevada prevalên-
cia de fibrilação atrial em estágios mais avançados, constituem importantes fontes
de trombos murais, ocasionando fenômenos tromboembólicos sistêmicos e pul-
monares. Acidentes vasculares encefálicos (AVE) são mais comuns em pacientes
com IC de etiologia chagásica do que em outras etiologias, configurando-se essa
etiologia como fator de risco. O prognóstico se agrava à medida que o quadro
congestivo progride e as arritmias se tornam de difícil controle.
Tabela 2 - Achados no eletrocardiograma de 12 derivações
mais comumente sugestivos de comprometimento cardíaco
na Doença de Chagas:
Bloqueio completo do ramo direito.
Bloqueio da divisão antero superior do ramo esquerdo.
Bloqueio do ramo direito associado ao bloqueio da divisão antero-superior do ramo esquerdo.
Alterações primárias do segmento ST e da onda T
Arritmias ventriculares complexas: extra sístoles ventriculares, polimórficas, podendo ser
aos pares, taquicardia ventricular não sustentada (TVNS) ou taquicardia ventricular sus-
tentada (TVS).
Áreas eletricamente inativas (ondas Q patológicas, perda ou não progressão da onda R
nas derivações precordiais).
Graus diversos de bloqueios atrioventriculares, transitórios ou não.
BAV de 2º grau Mobitz 2, Bloqueio átrio ventricular total (BAVT), Ritmo Juncional, Dis-
sociação Atrio Ventricular.
Fibrilaçao Atrial (FA).
Baixa voltagem do QRS .
A
abordagem do paciente com doença cardíaca crônica chagásica tem
como objetivo o diagnóstico preciso da existência e da fase da cardio-
patia, através da história clínica e exame físico completos, indicação de
exames específicos, detecção de fatores preditores de pior prognóstico e oferecer
tratamento precoce adequado para minimizar a morbimortalidade.
Exame físico:
O exame físico minucioso deve abordar: dados antropométricos como peso,
altura, cálculo do índice de massa corpórea (IMC) e circunferência abdominal
(CA), aferição da pressão arterial (sentado e em pé), frequência cardíaca (sentado
e em pé). Estes dados são importantes, pois apesar da doença de Chagas ser um
dos determinantes do remodelamento ventricular na forma cardíaca; agravantes
como sobrepeso, obesidade e presença de síndrome metabólica podem colaborar
34
alto para eventos cardiovasculares. Nestes casos deve-se iniciar tratamento far-
macológico e orientações ambientais, além do que deve ser referendado para um
centro que disponha de serviço de cardiologia avançado.
• Com síncope: exame físico normal, sem sinais e sintomas de ICC, prosseguir
avaliação com ECG, RX de tórax, ecocardiograma, holter 24 horas, teste ergo-
métrico (se condições) e concomitantemente encaminhar para um centro que dis-
ponha de serviço de cardiologia avançado. Nos casos de síncope sempre deve-se
ater a sinais de urgência ou emergência: hipotensão, bradicardia ou taquicardia, se
necessário prosseguir suporte avançado de vida e encaminhar imediatamente para
serviço de emergência.
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TABELA 3 – Fatores prognósticos na CCC*
Fator de Risco Pontos
NYHA III ou IV 5
Cardiomegalia (Rx tórax) 5
Anormalidade segmentar ou global ao ecocardiograma 2D 3
TVNS holter 24 horas 3
Baixa voltagem do QRS ao ECG 2
Sexo masculino 2
Total mortalidade
Total Pontos Risco
5 anos 10 anos
0-6 2% 10% Baixo
7 - 11 18% 44% Intermediário
12 - 20 63% 84% Alto
*Rassi et al. N Engl J Med 2006; 355:799-808 (referência 2 desta secção)
38
Risco cardiovascular de pacientes
com cardiopatia crônica conforme
dados clínicos e alterações aos exames
Fluxograma 1*
(*)Adaptado de Rassi A Jr et al. Predictors of mortality in chronic Chagas disease. Circulation. 2007;115:1101-8
40
CAPÍTULO 6
Tratamento clínico da
Cardiopatia Crônica
Chagásica (CCC)
Arritmias:
O uso de beta bloqueadores, associados ou não aos Inibidores da Enzima de
Conversão da Angiotensina (IECA) e bloqueadores dos receptores da angiotensi-
na (BRA), reduziram de maneira significativa as causas de morte súbita por ar-
ritmia nos casos de insuficiência cardíaca de diversas etiologias. Porém, estudos
com metodologia adequada para pacientes com doença de Chagas ainda estão
em andamento. Nos casos em que há presença de arritmia ventricular complexa,
sintomática ou não (TVS ou arritmia ventricular frequente) ou TVNS sintomática,
a droga de primeira escolha a ser associada é a amiodarona 200mg a 400mg/dia.
Insuficiência cardíaca
O tratamento dos pacientes com insuficiência cardíaca é baseado em inter-
venção comportamental e farmacológica. As medidas comportamentais incluem
restrição hídrica, dieta hipossódica de maneira individualizada. A intervenção far-
macológica tem intuito de reduzir a morbimortalidade, através do uso de medica-
mentos já classicamente conhecidos no tratamento da Insuficiência Cardíaca.
Beta bloqueadores
Todo paciente com IC FE reduzida deve ser medicado com Beta Bloquea-
dores (BB) independente da classe funcional, com ou sem sinais de congestão.
Por reduzirem a morbimortalidade e atuarem no remodelamento ventricular
cardíaco, de forma a melhorar a disfunção ventricular, através da ação no sis-
tema nervoso autonômico e “down regulation”. Os BB são contraindicados nos
casos de asma brônquica grave, insuficiência arterial periférica grave-contrain-
dicada por angiologista ou pacientes com bradicardia FC < 50bpm ou BAV de
primeiro grau com PR>280seg, antes do início do medicamento. Deve-se iniciar
sempre com pequenas doses até se atingir doses máximas preconizadas e manter
cuidado com indução a bradicardia (FC <50bpm), piora ou aparecimento de
bloqueios atrioventriculares. Em todos os casos deve-se solicitar ECG e exames
laboratoriais de controle, além de visitas mais frequentes a depender da resposta
clínica e objetivo terapêutico atingido.
Hidralazina e Nitrato
A associação pode ser considerada nos casos de refratariedade ao tratamento
habitual com CF III e IV. Em casos em que há contraindicação do uso dos IECA
ou BRA, por insuficiência renal com piora aguda e progressiva, pode-se substituir
o uso destes medicamentos pela associação com hidralazina e nitrato. Os cuidados
nestes casos são quanto aos efeitos anti-hipertensivos podendo de maneira indireta
contribuir para piora do fluxo renal e risco de síncope. Podem também ser utilizados
com o intuito de otimização medicamentosa para os casos refratários à terapêutica já
instituída (IECA ou BRA) e que persistem com manutenção dos sintomas CF III e IV.
Espironolactona
Os bloqueadores da aldosterona devem ser utilizados na dose de 12,5mg a
25mg ao dia para pacientes sintomáticos pertencentes a CF III e IV, por reduzirem
a morbimortalidade. Deve ser utilizado com cautela em pacientes com insuficiên-
cia renal crônica (IRC). A monitorizarão do nível sérico do potássio é imperativa
42
para se evitar a hipercalemia que pode colocar em risco a vida dos indivíduos, po-
dendo levar a arritmias e até morte súbita. Além dos indivíduos com IRC, a asso-
ciação com IECA ou BRA e diuréticos pode potencializar o distúrbio do potássio
aumentando este risco. Portanto, é contraindicada para indivíduos com creatinina
> 2,5mg/dl ou potássio sérico > 5 mEq/L em uso de IECA ou BRA.
Diuréticos
Esta classe de medicamentos está indicada para pacientes com sintomas e sinais
de congestão pulmonar ou sistêmica. O manejo deve ser individualizado e a fun-
ção renal e eletrólitos devem ser monitorizados. A furosemida é a droga de escolha
nos casos de retenção hídrica na dose de 20mg a 80mg ao dia. Em alguns casos é
necessário associar furosemida com diurético como os tiazídicos, para potencializar
o efeito diurético nos casos graves e refratários. Importante ressaltar que os diuréti-
cos não reduzem a mortalidade, porém atuam com sucesso na melhora dos sintomas
e menor descompensação cardíaca, impondo qualidade de vida aos indivíduos.
Diurético é contraindicado em indivíduos assintomáticos e sem sinais de con-
gestão ou hipovolêmicos.
Digoxina
É um medicamento muito utilizado porém indicado para minimizar os sinto-
mas da IC (reduzem morbidade) como terapêutica adjuvante quando já em uso de
IECA/BRA e BB para os casos de IC FE reduzida e paciente mantendo-se com
sintomas CFIII e CFIV. Deve-se ter muito cuidado com a frequência cardíaca, pois
pode induzir bradicardia ou graus de bloqueios, assim como deve-se monitorizar
o nível sérico do potássio, pois a presença de hipocalemia em associação com
digitálico pode aumentar o risco de arritmia ventricular e morte súbita. Atenção
especial aos pacientes com insuficiência renal e idosos, uma vez que a eliminação
da digoxina é realizada por via renal. Em todos os casos o ideal é a monitorizaçào
do nível sérico da digoxina, devendo-se manter uma digoxinemia sérica em torno
de 0,5 e 0,9 ng/mL. Deve-se também fazer um controle da função tireoideana, que
quando alterada também predispõem ao risco de arritmias. A digoxina é contrain-
dicada em indivíduos assintomáticos.
Anticoagulação
A anticoagulação com antagonistas da vitamina K (warfarina) deve ser imple-
mentada em todo paciente com Fibrilação Atrial (FA) e disfunção ventricular, em
*Índice CHADS 2 (IC ou FE < 35%, hipertensão e idade > 75 anos, diabetes, acidente vascular cerebral,
cada fator de risco equivale a um ponto exceto acidente vascular cerebral que equivale a 2); FA fibrilação
atrial; DM diabetes melito; HAS hipertensão arterial sistêmica; DAC doença arterial coronariana
Referências:
1. Pereira Nunes M.C., Dones M.C., Morillo C.A., Encina J. J., Ribeiro A.L. Chagas Disease. An Overview of Clinical and
Epidemiological Aspects. J Am Coll Cardiol 2013;62:767–76.
2. Rassi Jr A, Rassi A, Little WC, Xavier SS, Rassi SG, Rassi, A. G, Rassi G., Moreno AH, Sousa A.S, Scanavacca A.S.
Development and Validation of a Risk Score for Predicting Death in Chagas’ Heart Disease. N Engl J Med 2006; 355:799-808.
3. Rassi Jr A, Rassi A, Rezende JM. American Trypanosomiasis (Chagas Disease).Infect Dis Clin N Am 2012; 26:275–291.
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7. Yancy C.W., Jessup M, Bozkurt B, Butler B, . Casey Jr DF, Drazner MH, . Fonarow GC, Geraci SA, Horwich T,
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Practice Guidelines Circulation. 2013;128:e240-e327.
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tality in chronic Chagas’ heart disease in the current era of heart failure therapy. International Journal of Cardiology 2008;
128: 22–29
44
CAPÍTULO 7
Forma digestiva
da Doença de Chagas
A
doença de Chagas determina extenso comprometimento do aparelho
digestivo, como megaesôfago, megacólon, e mais raramente megaes-
tômago, megaduodeno, estenose hipertrófica de piloro.
Define-se como “megas” as dilatações permanentes e difusas das vísceras
ocas, acompanhadas ou não de alongamento da parede, não provocadas
por obstrução mecânica; o substrato anatômico fundamental consiste na
lesão do sistema nervoso autônomo intramural, sobretudo dos plexos de
Meissner e Auerbach.
No Brasil, com exceção de raros casos (megas congênitos e tóxicos), os
megas são principalmente de etiologia chagásica.
MEGAESÔFAGO:
Síndrome de disfagia crônica consequente à incoordenação motora da mus-
culatura esofágica, devido ao comprometimento neuronal dos plexos nervosos,
com dilatação e/ou alongamento do órgão, sem nenhuma outra causa de este-
nose orgânica ao nível da cárdia. Com a destruição dos plexos, desorganiza-se
a atividade motora dos esfíncteres superior e inferior que controlam a passagem
do bolo alimentar. Conhecido pela população como “mal de engasgo”.
Exames diagnósticos:
• Radiológico (RX esôfago contrastado)
• Manometria esofágica: registros da atividade motora, indicada no estudo da
motilidade e avaliação da pressão do esfíncter gastroesofágico e seu relaxamento.
• Endoscopia digestiva alta: em todos os grupos de megaesôfago, o exame radio-
lógico deve ser complementado pela endoscopia digestiva alta sempre que possível.
46
Grau II: esôfago com pequeno a moderado aumento de calibre, apreciável
retenção de contraste, podem ser observadas ondas terciárias associadas ou não à
hipertonia do esôfago inferior
Grau III: esôfago com grande aumento de calibre, hipotônico, dilatado, com hi-
potonia do esôfago inferior, atividade motora reduzida, grande retenção de contraste
Grau IV: dolicomegaesôfago, grande dilatação e capacidade de retenção de
contraste, atônico, alongado, dobrando-se sobre a cúpula diafragmática, produ-
zindo uma sombra paracardíaca direita ao RX simples de tórax.
Obs: ondas terciárias correspondem a contrações incoordenadas e não
propulsivas.
Eletromanometria
Estudo da atividade motora do esôfago através do registro das variações de
pressões, de importância para o diagnóstico da disfunção digestiva e na avaliação do
relaxamento do esfíncter inferior do esôfago. Para sua execução é utilizado um cateter
de múltiplos canais, introduzido pela nasofaringe até o esfíncter esofágico inferior.
Transdutores transformam os valores pressóricos em sinais elétricos que serão trans-
mitidos a um polígrafo, registrando as pressões nos diferentes níveis do esôfago.
Considerar que normalmente o esôfago não se contrai espontaneamente, sendo
o estímulo para sua contração e esvaziamento, a deglutição. O esfíncter esofágico
inferior permanece normalmente contraído; no momento da deglutição, por re-
flexo, este esfíncter se relaxa, precedendo a chegada da onda peristáltica para pas-
sagem do bolo alimentar, permanecendo aberto durante cerca de 10s e contraindo-
se a seguir. O desaparecimento do peristaltismo primário e secundário constitui
a aperistalse do esôfago, e a falta de abertura do esfíncter esofágico inferior é
denominada acalasia.
Assim, o padrão clássico do registro eletromanométrico de casos avançados
(graus III e IV) é de aperistalse com acalasia total do esfíncter inferior, ondas de
contração de baixa amplitude e esfíncter inferior que não relaxa às deglutições. Em
graus menos avançados, a acalasia é parcial na maior parte das vezes.
O estudo manométrico também será útil na avaliação das medidas terapêuticas
de dilatação e cirurgia, visando quantificar a redução da pressão do esfíncter inferior.
48
Com a introdução da cirurgia videolaparoscópica, a cardiomiotomia por video-
laparoscopia, associada a algum tipo de válvula antirrefluxo, principalmente a fun-
doplicatura parcial, tornou-se a cirurgia padrão.
MEGACÓLON
Atinge principalmente reto e sigmóide, e mais raramente outras partes do in-
testino grosso, havendo estase e discinesia decorrente da destruição de gânglios
nervosos, alteração de motilidade das vísceras e esfíncteres, com consequente re-
tardo na progressão do conteúdo fecal.
O quadro clínico é decorrente de estase intestinal crônica provocada pela
incoordenação motora da musculatura do cólon, por redução dos neurônios dos
plexos nervosos intramurais, com dilatação, hipertrofia e/ou alongamento de por-
ções do intestino grosso, sendo mais comum no sigmóide, excluindo-se causas
mecânicas intrínsecas ou extrínsecas de obstrução. A incidência é de aproximada-
mente 4% da população chagásica.
Exames diagnósticos:
• Radiografia de abdomen
• Enema opaco (radiologia contrastada do cólon)
• Eletromanometria anorretal
1. Enema opaco: a injeção do contraste sulfato de bário por via anal avalia
a dilatação e/ou alongamento do cólon, presença de fecaloma e anormalidades
anatômicas do sigmóide. Ao contrário do esôfago, o exame radiológico do cólon
Referências
1. Dantas RO. Aspectos manométricos da esofagopatia chagásica. Tese de Mestrado, Faculdade de Medicina de Ribeirão
Preto, Universidade de São Paulo, 1978.
2. Ximenes CA, Rezende JM, Moreira H, Vaz MGM. Técnica simplificada para o diagnóstico radiológico do megacólon
chagásico. Rev Soc Bras Med Trop 17(Supl.): 23, 1984.
3. Oliveira RB, Rezende Filho J, Dantas RO, Iazigi N. The spectrum of esophageal motor disorders in Chagas disease. J Clin
Gastroenterol 3: 245-248, 1999.
4. Rezende JM. Manifestações digestivas da doença de Chagas In: Dani R, Castro LP. Gastroenterologia Clínica, 3rd ed.Rio
de Janeiro, 1993 p.1729-55.
5. Rezende JM, Moreira H. Forma digestiva da doença de Chagas. In: Brener Z, Andrade ZA, Barral-Neto M. Trypanosoma
cruzi e doença de Chagas. 2ªed.Rio de Janeiro,Guanabara Koogan, p297-343, 2000.
6. Consenso Brasileiro de doença de Chagas. Rev Soc Bras Med Trop 2005.
7. Dias JCP, Macedo VO. Doença de Chagas em “Dinâmica das Doenças Infecciosas e Parasitárias”, JR Coura, capitulo
42,vol l, ed.2005.
8. Rezende Filho J, Moreira Jr H, Rezende JM. Métodos radiológico e manométrico para o diagnóstico da esofagopatia e
colopatia chagásica em “Dinâmica das Doenças Infecciosas e Parasitárias”, JR Coura, capitulo 47,vol l, ed.2005.
9. Pinazo MJ Cañas E, Elizalde JI, García M, Gascón J, Gimeno F, Gomez J, Guhl F, Ortiz V, Posada Ede J, Puente S,
Rezende J, Salas J, Saravia J, Torrico F, Torrus D, Treviño B. Diagnosis, management and treatment of chronic Chagas
gastrointestinal disease in areas where Trypanosoma cruzi infection is not endemic. Gastroenterologia Y Hepatologia:
1-10, 2009.
52
CAPÍTULO 8
Diagnóstico laboratorial
da Doença de Chagas
Fase Aguda:
O encontro do parasito em exame microscópico direto do sangue periférico é
o método de escolha para firmar o diagnóstico de fase aguda. A pesquisa é inicial-
mente realizada no sangue a fresco, mas a amostra de sangue deve ser simulta-
neamente coletada em tubo com anticoagulante (creme leucocitário) ou sem anti-
coagulante (Strout) ou microhematócrito para pesquisar o parasito por um desses
métodos de concentração (Strout, microhematócrito e creme leucocitário) quando
o exame a fresco for negativo. Esses exames podem ser repetidos mediante sus-
peita clínica ou epidemiológica de doença de Chagas aguda principalmente nas
primeiras 2-3 semanas, a partir das quais a positividade diminui. Esfregaço de
sangue corado é uma alternativa de menor sensibilidade; a gota espessa tem sido
útil na região amazônica, onde 10% dos casos febris sem presença de Plasmo-
dium foram positivos para T.cruzi. Na ausência do parasito em exame direto do
sangue periférico, o exame histopatológico da lesão suspeita pode também con-
firmar o diagnóstico pela presença de ninhos de amastigota em meio a infiltrado
inflamatório nos tecidos. A partir do final da terceira semana, as provas sorológicas
podem ser utilizadas: ensaio imunoenzimático, reação de imunofluorescência in-
direta e de hemaglutinação indireta. A quimioluminescência, disponível comer-
cialmente, não foi validada em nosso meio. A presença de anticorpos da classe
IgM pode ser sugestiva de fase aguda, mas pela falta de padrão positivo e pela
presença de reatividade cruzada em várias infecções, só pode ser realizada com
confiabilidade em poucos laboratórios no Brasil. Para fins de confirmação pela
vigilância epidemiológica, o laboratório de referência é a FUNED, de Minas Ge-
rais. Para se confirmar um caso agudo por IgG são necessárias duas coletas, com
intervalo de 21 dias entre elas, com demonstração de soroconversão.
Fase Crônica:
O diagnóstico é realizado principalmente pela presença de anticorpos IgG anti-T.
cruzi detectados por imunoensaio (ELISA), imunofluorescência indireta ou hema-
glutinação indireta, com elevada sensibilidade. A parasitemia é baixa e intermitente,
sendo a sensibilidade da hemocultura e/ou xenodiagnóstico baixa (cerca de 30-
50%), com pouco valor no diagnóstico. A PCR é positiva em cerca de 45-95% dos
pacientes na forma crônica mas é executada apenas em laboratórios de pesquisa ou
em unidade de referência do Ministério da Saúde.
Recomenda-se a utilização de duas técnicas sorológicas distintas ou o imu-
noensaio com antígenos diferentes, sendo desejável 99% de sensibilidade e es-
pecificidade. Considera-se presença de infecção mediante exame positivo por duas
técnicas uma de elevada sensibilidade e uma de elevada especificidade. Uma
das limitações dessas provas sorológicas é a reatividade cruzada com outros
tripanossomatídeos (leishmaniose), por vezes com malária e hanseníase pelo
emprego de antígenos de formas epimastigotas sendo mais específicos os antígenos
derivados de formas tri- pomastigotas. Diante de pacientes que apresentam provas
sorológicas inconclusivas (uma positiva e uma negativa ou duvidosa, ou duas
duvidosas, ou resultados contra- ditórios em diferentes amostras (uma positiva e
outra negativa ou duvidosa), pode-se recorrer a provas de elevada sensibilidade e
especificidade, porém não disponíveis na rotina (Immunoblot com antígenos de
tripomastigotas) sendo a PCR e/ou hemo- cultura específicas mas pouco sensíveis
na fase crônica.
Bibliografia:
1. Portela-Lindoso, A A B, Shikanai-Yasuda M A. Doença de Chagas crônica: do xenodiagnóstico e hemocultura à reação
em cadeia da polimerase. Rev. Saúde Pública, 2003, vol.37, n.1, pp. 107-115. ISSN 0034-8910.
2. Furuchó CR, Umezawa ES, Almeida I, Freitas VL, Bezerra R, Nunes EV, Sanches MC, Guastini CM, Teixeira AR,
Shikanai-Yasuda MA. Inconclusive results in conventional serological screening for Chagas’ disease in blood banks: evaluation
of cellular and humoral response. Trop Med Int Health. 2008; 13(12):1527-33.
3. Ramírez JD, Guhl F, Umezawa ES, Morillo CA, Rosas F, Marin-Neto JA, and Silvia Restrepo S. Evaluation of Adult
Manual de Atendimento a Pacientes com Doença de Chagas - Atenção Básica 55
Chronic Chagas’ Heart Disease Diagnosis by Molecular and Serological Methods. J Clin Microbiol. 2009; 47:3945–3951
56
.
O
tratamento etiológico tem como objetivos: curar a infecção em determi-
nadas situações, diminuir a parasitemia e a possibilidade de transmissão
da doença e prevenir lesões orgânicas ou a evolução das mesmas.
O tratamento antiparasitário, paralelamente ao tratamento dos sinais e sinto-
mas cardíacos e digestivos, é uma das intervenções que pode ser realizada à luz de
novos conceitos.
O tratamento da doença de Chagas está indicado em todas as formas agudas e
de reativação.
Na fase aguda está indicado em todas as formas de transmissão, incluindo a
forma congênita, mesmo se diagnosticado após 9 meses de nascimento.
Na fase crônica, o tratamento está indicado em todas as crianças com idade
igual ou inferior a 12 anos; estudos prospectivos, randomizados, duplo-cegos
e placebo-controlados realizados em crianças assintomáticas em idade escolar
demonstraram cura da infecção em 58% a 62% (Andrade et al, 1996, Sosa-
Estani et al, 1998).
Para adolescentes entre 13 e 18 anos e adultos com infecção crônica recente,
não há estudos randomizados, mas recomenda-se também o tratamento etiológico.
Estudo publicado em 2009 (Yun et al) em indivíduos menores de 18 anos, rea-
lizado em quatro países da América Latina sugerem fortemente a influência do
parasito na resposta terapêutica. Assim, a taxa de soroconversão variou de 87,1%
em Yoro, Honduras; 58% na Guatemala em 18 meses e foi de 5,4% em Entre Rios
na Bolívia após 60 meses e de 0% em Sucre após 18 meses. Os eventos adversos
variaram de 25,6% a 50,8%.
A observação de decréscimo de parasitemia em cerca de 20%-30% dos pa-
cientes tratados na fase crônica foi corroborada por Coura et al, 1997 em estudo
58
controlado com placebo em adultos na forma indeterminada, sugerindo benefício
do tratamento etiológico, em função da menor positividade do xenodiagnóstico
em dois grupos tratados: com benznidazol – 30 dias (1,8%) e nifurtimox 30 dias
(9,6%) contra o grupo placebo (35,7%). As provas sorológicas mantiveram-se
positivas durante os 12 meses de seguimento, hoje considerado reconhecidamente
curto para as avaliações sorológicas.
A taxa de cura parasitológica e/ou sorológica após tratamento depende de
vários fatores, como a fase da doença, susceptibilidade do parasito aos quimio-
terápicos (representado pela região de origem dos pacientes), o tempo de duração
da doença, a idade do paciente, os exames utilizados na avaliação de eficácia tera-
pêutica, o tempo de seguimento pós-tratamento, presença de imunossupressão e
outras condições associadas.
Estudos têm apontado para o benefício do tratamento em retardar a evolução
das alterações eletrocardiográficas em pacientes tratados, tanto na forma indeter-
minada como na forma cardíaca não grave (Gallerano et al, 2000, Viotti et al,
2006, Fabbro et al, 2007).
Perez Molina et al em 2009, em metanálise, salientam não só o efeito benéfico do
medicamento em crianças, na forma crônica precoce e forma indeterminada e suge-
rem um efeito em retardar a progressão da doença; no entanto concluem que não
há informações conclusivas sobre a eficácia do medicamento na fase crônica tardia.
Nas formas cardíacas avançadas não há estudos sobre o resultado do trata-
mento específico.
Estudo recente em cerca de 3000 pacientes com cardiopatia mostrou
diminuição de parasitemia por PCR em tempo real em 5 anos de seguimento em
cerca de um total de 1900 pacientes analisados, mas não houve mudanças nos
desfechos estudados na evolução clínica da cardiopatia no mesmo período de
seguimento (Morillo et al, 2015).
60
O medicamento disponível a ser utilizado é o benznidazol, segundo indi-
cações do Consenso Brasileiro em doença de Chagas, já referendado em reu-
niões de especialistas.
Este medicamento é produzido pelo LAFEPE (Laboratório Farmacêutico do
Estado de Pernambuco) e o seu emprego será dependente da disponibilização pelo
Ministério da Saúde.
Benznidazol:
• Adultos: 5 mg/kg/dia, por via oral, dividido em duas ou três tomadas diárias,
durante 60 dias (dose máxima de 300mg/dia).
• Crianças: 5-10 mg/kg/dia, por via oral, em duas ou três tomadas diárias,
durante 60 dias.
A recente formulação pediátrica (comprimidos de 12,5 mg) foi desenvolvida
em parceria com a DNDi e registrado na ANVISA em dezembro de 2011.
Em todos os casos não se deve ultrapassar a dose de 300 mg/dia.
Como opção terapêutica, em casos de intolerância ou falha parasitológica após
o uso de benznidazol, pode ser utilizado o nifurtimox disponível em comprimidos
de 120mg.
• adultos: 8-10mg/kg/dia, oral, três tomadas diárias, durante 60 dias.
• crianças: 15mg/kg/dia, três tomadas diárias, durante 60 dias.
Recomenda-se a suspensão do uso de bebidas alcoólicas durante o tratamento,
pois efeito antabuse foi relatado com o uso do nifurtimox. Seus efeitos adversos
são similares aos do benznidazol, mas há maior intolerância digestiva, anorexia
com perda de peso e distúrbios neuro-psíquicos.
Em caso de falha terapêutica com o benznidazol, o nifurtimox pode ser uti-
lizado, embora possa haver resistência cruzada entre os dois medicamentos. É
necessário lembrar que o nifurtimox poderá ser solicitado via escritórios da Or-
ganização PanAmericana da Saúde (OPAS - http//www.opas.org.br) ou da Or-
ganização Mundial da Saúde (OMS - http//www.who.int) ou Mnistério da Saúde-
Gerência em doença de Chagas.
Os eventos adversos serão registrados em todas as consultas ou mediante con-
sultas adicionais ou informações dos pacientes aos médicos responsáveis.
O paciente deve ser orientado a procurar pronto-atendimento, se efeitos ad-
versos, mesmo fora do dia da consulta, devido ao risco de farmacodermia grave,
como Steven-Johnson (raro).
62
TABELA 4 - RESUMO DE EVENTOS ADVERSOS AO BENZNIDAZOL EM PACIENTES
NÃO IMUNODEPRIMIDOS (5MG/KG/DIA 60 DIAS, MÁXIMO DE 300 MG/DIA)*,**
A intolerância digestiva (rara) é controlada com medicação sintomática. acometimento hepático é raro
Leve: Leve:
• Exantema localizado e/ou com distribuição limitada Antihistaminico associado a corticoide
• Exantema com ou sem prurido tópico e creme ou loção emoliente/
hidratante;
Moderada: Tentativa de manter tratamento.
• Exantema difuso > 50% área da superfície corporal (asc);
• Exantema com ou sem prurido e/ou descamação superficial Moderada:
da pele e/ou descamação e/ou envolvimento da membrana Idem à leve, além de antihistaminico
mucosa sem ulceração associado a corticoide vo;
Interromper temporariamente
Grave: tratamento.
• Exantema generalizado envolvendo >50% asc e/ou
apresentando qualquer uma das seguintes características: Grave:
- Vesículas ou bolhas, Interromper tratamento definitivo;
- Ulceração superficial da membrana mucosa Internação, corticóide ev;
- Descolamento epidérmico Associado a antihistaminico;
- Lesões em alvo típicas ou atípicas (ex.: eritema Avaliação conjunta dermatologista.
multiforme) púrpura
Interromper tratamento.
Interromper tratamento;
Corticóide, fator estimulador de
colonia de granulocitos;
Consultar hematologista.
Fonte: *Adaptado do Consenso Brasileiro de doença de Chagas 2005 **Adaptação da graduação da gravidade das lesões
exantemáticas com uso de telaprevir do protocolo clinico e diretrizes terapêuticas para hepatite viral C e coinfecções 2013
64
.
66
Referências:
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Chagas disease living in Santa Fe City (Argentina), over a mean follow-up of 21 years: parasitological, serological and clinical
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Guhl F, Velazquez E, Bonilla L, Meeks B, Rao-Melacini P, Pogue J, Mattos A, Lazdins J, Rassi A, Connolly SJ, Yusuf S;
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[Epub ahead of print]