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CÁLCIO: MELHOR PROS OSSOS, PIOR PRO CORAÇÃO

Angel Mar Roman


Osteoporose, no Brasil ensolarado, não tem a importância que tem
nos países frios do hemisfério norte. Mesmo assim, as recomendações
feitas para aquela realidade, diferente da nossa, ainda são seguidas aqui
nos trópicos. Tanto, que muitas crianças de Curitiba saem da
maternidade tomando vitamina A e D, para evitar raquitismo, doença que
se caracteriza pela mineralização insuficiente dos ossos e que não tem
a mínima importância pra nós. A justificativa é que em Curitiba, assim
como na Europa, não tem sol...
A forma mecanicista que utilizamos para organizar nossa
percepção do mundo às vezes nos prega peças, como no caso dessas
reposições equivocadas de nutrientes com a ilusão preventiva. Foi
Galileu (séc. XVI-XVII) quem propôs que as coisas do mundo seguiam
uma regularidade universal e poderiam ser classificadas segundo suas
características quantificáveis. Essa matematização do mundo deixou de
lado tudo o que não fosse possível contar, pesar ou medir, considerado
como algo menor ou sem importância.
Vamos ver até onde pode nos levar essa plataforma conceitual,
que estabelece relações mecanicistas, quando aplicada especificamente
nas abstrações sobre saúde.
A osteoporose no hemisfério norte passou a ser uma preocupação
importante, do ponto de vista epidemiológico, como causa de sofrimento
e morte. Como aqui gostamos de ser mais elegantes do que tropicais,
passamos a fazer parte desse coro, mesmo sem a necessária
fundamentação em pesquisas.
O envelhecimento da nossa população não é prevalentemente
acompanhado de fraturas, mas apenas de alteração na densidade
óssea, o que é próprio do envelhecer. Mas o que foi disseminado é a
crença distorcida de que com a osteoporose estaremos fadados a ter
fraturas. Decorrente disso, mecanicamente vamos tomar cálcio, já que
osso é feito de cálcio.
Na verdade, se o consumo de cálcio fosse a peça mais importante
desse complexo sistema, a Escandinávia, com seu grande consumo de
laticínios, não seria a campeã de fraturas no mundo. Um estudo sueco,
publicado na revista médica BMJ(1), mostra que quanto mais alto o
consumo de cálcio na dieta, maior a probabilidade de morte por todas as
outras causas (até 40% a mais) e, especificamente, por infarto (dobra o
risco).
Outra publicação importante (2) mostra que, em um grupo de
pessoas que fez suplementação de cálcio com remédios, os infartos
aumentaram 25% e os derrames entre 10 e 20%, comparativamente aos
que não fizeram a tão heroica e inútil suplementação.
O cálcio, de fato, nos protege da osteoporose: a gente fica com os
ossos bem duros, porém morremos mais cedo por outras causas.
Há indicações de que a distância que estamos em relação à linha
do Equador é muito mais importante do que o consumo de cálcio na
ocorrência de fraturas por osteoporose (vide mapa abaixo). Isso porque
quanto mais próximo estivermos da linha do Equador, maior será a
exposição ao sol, o que, por sua vez, melhora a absorção do cálcio nos
ossos.

Frequência de fraturas osteoporóticas por país(3)


Casos de fraturas por
Risco de
País de cor... ano em 100.000
fratura
habitantes
Vermelha Alto Mais que 250
Laranja Moderado Entre 150 e 250
Verde Baixo Menos que 150
Cinza Não há dados
Um relatório da Organização Mundial da Saúde(4) mostra que o
aumento do consumo de cálcio reduz fraturas em 4% das pessoas, mas
isso se aplica apenas a pessoas que ingerem muito pouco cálcio em sua
dieta. A suplementação de cálcio só se aplicaria nesses casos
específicos, muito bem indicados e muito pouco
frequentes. A suplementação indiscriminada não é apropriada.
A osteoporose tem, sim, que ser investigada e tratada quando o
médico tem suspeita diagnóstica, como acontece com artrite reumatoide,
insuficiência cardíaca, etc. Mas não é doença a ser detectada em
programas preventivos abrangentes em países ensolarados (mesmo no
Sul do Brasil). Há muitos outros problemas relevantes de saúde com que
se preocupar.
Para haver fratura tem que haver queda. O sedentarismo e o uso
de hipnóticos e soníferos são mais responsáveis por quedas de idosos,
proporcionalmente, do que sua densidade óssea. Então, vamos sair da
gruta e caminhar, abençoados pelo nosso rei Apolo, o Sol, neste Brasil
luminoso. Um pouquinho diariamente já é o suficiente, enquanto você
não morar na Suécia.
Mas e o câncer na pele? Por Dios!... Sobre essa lorota a gente
conversa depois. Vamos pro Sol agora.

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