ISBN 978-65-89543-75-6
1
Inspirada na canção O bêbado e o equilibrista, de João Bosco e
Aldir Blanc.
AGRADECIMENTOS
2
Paráfrase à frase de Oswald de Andrade (1928): "Só a antropofagia
nos une. Socialmente. Economicamente. Filosoficamente."
que eu não poderia delimitar a razão pela qual lhes agradeço.
Seus nomes estão em meu coração: Helena, Fernanda C.,
Neide, Cecilia, Christine, Cida, Lenira, Ivani, Leila,
Maria, Regina, Rosana, Roberto, Rubens, Jade,
Thomas, Dodô, Ana, Cyntia, Rebeca, Michelle,
Jacqueline, Rodrigo P., Davi, Quinho, Nicole, Duda,
Tide, Nalva, Tote, Dylan, Netão, Cleide, Doralice,
Dionísia, Júlio, Patrícia, Marcio, Diogo, Simone, Isabela,
Lyli, Bea, Kelly, Priscila, Pri, Rita, Juliano, Olga, Tamara
F., Valter, Hugo, Fábio, Lívia, Jean, Soneka, Cic,
Deborah, Stelzer, Gatuna, Cissa, Larissa, Sofia, Beth,
Zélia, Ivan, Mulan, Gatuno, Jorge, Caroline, Serafim,
Taci, Pierre, Kizumba, Elza, Rogério C., Jebson,
Pretinha, Loraine, Tânia, Val, Renan, Willieny, Jéssica,
J. Roberto, Felipe, Hércules, Mãezinha, Bianca, Vitória,
Carol, Raphael, Marinês, Luiza, Lilian, Fernanda P., Fafá,
Wilson, Rodrigo M., Pin, Cássio, Sol, Chantal, Thaís,
Carina, Tata, Alberto, Tigrinha, Edson, Natascha,
Miguel, Marcela, Caio, Claudio, Luís, Luciano M.,
Marcos, Paulo,Selma, Denise, Lina, Tomaz, Jéferson, Abel,
Donna, Karin, Shaad, Ierê, Yanaê, Capes, CED, Programa de
Comunicação e Semiótica - PUC/SP, Teia LAB Formação
Técnico-cultural, Prefeitura do Município de Diadema, Lei
Aldir Blanc de Emergência Cultural, Aletéia, [...] e Miramar.
Figuras
Apresentação
Patrícia Albuquerque..............................................................14
INTRODUÇÃO.....................................................................18
1.2 O corpo...........................................................................33
2.CONEXÃO E ISOLAMENTO...........................................37
3.PERSPECTIVAS DE CONEXÃO......................................45
3.1 Imagem...........................................................................48
3.2 Forma..............................................................................68
CONSIDERAÇÕES FINAIS............................................105
Referências Bibliográficas..................................................109
Apresentação
Patrícia Albuquerque3
3
Patrícia Albuquerque é mestra em Comunicação e Semiótica pela
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Em sua
pesquisa de mestrado, analisou narrativas das dissidências de gênero
e sexualidade em ambientes digitais. Atualmente, é professora
substituta do curso de Design-Moda da Universidade Federal do
Ceará (UFC).
14
continuamente reiteradas parecem cristalizar como verdades
imutáveis. Procuro me distanciar desse pensamento e
acompanhar as ideias de Christian Laval e Pierre Dardot
(2016), pesquisadores com os quais a autora dialoga, no
sentido de perceber tanto os direitos, quanto os deveres em
nossas relações sociais. Implica em assumir uma postura ética
ou minimamente atenta aos efeitos das nossas movimentações
no mundo.
15
interações entre a escrita e a experiência singular de quem lê.
E a graça talvez resida justamente aí, na abertura para as tais
perspectivas de conexão.
4
KRENAK, Ailton. Ideias para adiar o fim do mundo. - 1a ed. - São
Paulo: Companhia das Letras, 2019.
17
INTRODUÇÃO
18
necessitam de ações. Aqui, nos concentramos em uma destas
necessidades: as conexões sociais.
19
para o processo evolutivo, pois a avaliação das alternativas de
sobrevivência seria consideravelmente reduzida, caso apenas a
nossa experiência a balizasse. Além disto, esta conexão permite
que as escolhas sejam favoráveis à sobrevivência também dos
demais corpos, o que, no geral, aprimora as suas condições
coletivamente.
5
Este livro e os referenciais nos quais ele se fundamenta não separam
sensorialidade e movimento, por esta razão, é adotada a
nomenclatura “sensório-motora” para nomear esta experiência.
20
Nesta proposta, é importante compreender que
embora não seja seu objetivo final, as configurações estéticas e
possibilidades técnicas da dança, como Arte da Cena, não
estão apartadas destes diálogos. Não se trata de reformular a
dança para que se torne uma ferramenta para sanar demandas
de outros campos de atuação, mas de investigar seus processos
simbólicos6, sociais e cognitivos, em seus princípios
artísticos, fundamentalmente, nos processos de arte-educação.
6
Fundamentando-se na definição, apresentada por Santaella (2008,
p.132), de modo geral, o símbolo é uma das mediações que
desenvolvem os nossos modos de interpretar o mundo. Desta
maneira, definimos aqui os processos simbólicos como o
desenvolvimento destas mediações.
21
em suas noções culturais e sociopolíticas, docente e crítica de
dança Helena Katz (PUCSP).
22
dos anos, esta nomenclatura tem se mostrado cada vez mais
insuficiente para delimitar um entendimento comum a todos.
Deste modo, ao invés de nos dedicarmos à busca por
categorizar e nomear um recorte específico de dança,
proponho uma atenção reflexiva aos propósitos,
compromissos, necessidades, comunicações, potencialidades e
alternativas produzidas pelas experiências da dança, que estão
presentes em diferentes processos e fazeres das Artes da Cena,
nas vivências de cada leitora ou leitor.
23
Este projeto se desenvolveu como uma formação em dança e
teatro, com aulas regulares de segunda à sexta feira, três horas
diárias, em cursos com duração de três anos e diferentes
disciplinas. Devido à responsabilidade ética-científica, as
identidades dos artistas-aprendizes são preservadas no
anonimato. Para maiores detalhes institucionais sobre o
projeto, sugiro consultar a dissertação que concluiu a pesquisa
de mestrado referencial deste livro.
24
Cê tem um jeito verde de ser e eu sou meio
vermelho
Mas os dois juntos se vão no sumidouro do
espelho.
25
1. Nossos acordos: Afinando as definições.
26
Certa vez, em uma conversa com um amigo, ex-
estudante de Arquitetura, falávamos sobre projetos. As
compreensões dele e a minha (artista, educadora e produtora
cultural) sobre o que esta palavra nomeia eram muito
diferentes, o que poderia se desdobrar em uma conversa bem
engraçada (sendo otimista) ou bem equivocada e incômoda
(nem tão otimista).
27
modo que, para esta leitura é imprescindível a manutenção de
um olhar social contextual. Este olhar se compõe pelos
processos comunicacionais (memória, percepção,
necessidades, cognição, significação, entre outros), culturais,
geográficos e por outros entendimentos que se produzem
continuamente entre os corpos e seus ambientes,
reconfigurando as relações sociais e as histórias de cada grupo.
28
1.1 Criatividade – o mesmo termo, diferentes processos
29
Para lidar com este conceito de “criatividade”, Gielen
utiliza o termo “criativismo”, um processo despojado de seu
potencial crítico e, supostamente, apolítico.
7
É importante pontuar que não há experiência humana desprovida
de processos cognitivos. Este parágrafo se refere à desatenção a estes
processos, produzida por transformações perceptivas, e não à sua
ausência.
30
Mas quais os riscos da generalização da palavra
“criatividade”?
31
“dirigindo um carro e no cotidiano”. Então, por que
separamos as experiências da dança do cotidiano?
32
1.2 O corpo
33
conexões, pois reconfiguram continuamente as comunicações
entre corpos e ambiente, social, cultural e politicamente.
34
os direcionamentos ósseos e os modos como se desloca pelo
espaço. O corpo não se esvazia, nem se fragmenta, tudo isto é
o corpo que se movimenta nas experiências de criação em
dança e age em outros diferentes contextos.
35
Tão relevante quanto esta noção é entendê-lo
também como um corpo-artista (GREINER, 2005, p. 122).
Não é um corpo “em incubação”, que aguarda um término de
formação; ele se compromete com os fazeres artísticos e suas
transformações socioculturais, em suas proposições e
experimentações. Por esta razão, assumimos que as metáforas
que produz são geradoras de novas experiências e outras
metáforas.
36
2. Conexão e isolamento
37
13.0468. Este é o número de suicídios que ocorreram
no Brasil em 2017. Além deles, em nosso país, os crimes de
ódio sofreram altas estarrecedoras, chegando a 12.3349 em
2019, segundo a ONG Words heal the world. Certamente, há
diferentes justificativas para estes acontecimentos, contudo,
estas informações acendem um alerta sobre as transformações
nas conexões sociais.
8
Somatória entre registros de suicídios de homens e mulheres
publicados no Boletim Epidemiológico do Ministério da Saúde
(disponível em https://bit.ly/2OuyEW3. Acesso em 14/03/2021)
9
Disponível em https://bit.ly/3bLpJbO. Acesso 14/03/2021.
38
trabalho e econômico, mas também um hábito social, um
modo de gerir a própria vida: o empreendedorismo de si
(DARDOT e LAVAL, 2016, p.333), no qual o corpo gere a si
mesmo, suas relações de convívio pessoal, suas rotinas diárias,
como uma empresa.
10
“perceives s/he is merely an instrumental means to the other
person’s extrinsic, nonsocial ends”. (CACIOPPO e CACIOPPO,
2014, p.10)
39
Enquanto a primeira se caracteriza pela lógica de suas
operações, que não inclui ludicidade, imaginação e prazer.
40
para”. O empreendedor de si e o corpo app (KATZ, in KATZ
e GREINER, 2015, p.244) se entrecruzam em suas operações.
41
somente mais uma opção, mas a única via possível,
provavelmente, o entendimento sobre os processos
perceptivos, que operam nestas configurações também se
transformou.
Depois destas reflexões, se nos voltarmos para a
informação de que o Brasil, segundo OMS, é o país com a
maior população do mundo com ansiedade (9,3%)11,
aumentando 80% durante os primeiros meses de quarentena
obrigatória. O que poderemos perceber?
11
Dados apresentados por Helena Katz (2020, p.9), no ensaio O que
lateja na palavra pandemia.
42
solitude) podemos manter as conexões com outros corpos.
Dialogamos com as memórias que evocamos e com as
transformações de nossos corpos geradas no contato com o
outro, mesmo quando não as identificamos prontamente,
como nos modos de caminhar, rir, ou fazer outra tarefa.
Agimos em conexão com as experiências produzidas nos
contatos com outros corpos.
43
visual, que se concentra nos aspectos nocivos daquilo com que
se depara, uma função neuronal de proteção, para detectar
rapidamente as ameaças.
44
3. Perspectivas de conexão
45
A partir deste capítulo, nossos diálogos se basearão
em três perspectivas de conexão: imagem, forma e conceito).
Há cerca de dez anos atrás, este estudo iniciou como uma
maneira de compreender os processos de criação de obras
cênicas em dança e, até 2016, eram chamados de “meios de
composição”. No entanto, aos poucos, notou-se que esta
proposição nos processos de ensino-aprendizagem, além do
estudo estético, promovia discussões atentas aos trânsitos
culturais, aos compromissos com o fazer artístico e,
principalmente, às transformações cognitivas nas atitudes que
reconfiguram os processos sociais.
47
3.1 Imagem.
48
A dança se faz não apenas dançando,
mas também pensando e sentindo:
dançar é estar inteiro.
49
“Esqueçam tudo o que ficou lá fora, busquem
esvaziar-se e se concentrem somente no presente”. Esta frase,
ainda reincidente nas orientações de alguns arte-educadores e
professores de artes da cena (dança, circo, teatro, entre
outras), ao propor experimentos de criação, por vezes,
demarca uma tentativa de apresentar um trabalho realizado
com seriedade, atento fielmente ao estudo.
50
Um bom modo de não se confundir sobre esta
definição é pensar no ato de imaginar. Não imaginamos
somente o que é visual, esta ação que corresponde à imagem se
refere a diferentes modalidades: imaginamos emoções; gestos;
sons; sensações; cheiros; sabores, entre outras.
51
Embora seja comum nos depararmos com a noção de
empatia como atitude ou prática, é necessário compreendê-la
como uma habilidade.
12
Salto de ginástica artística, também conhecido como “Dos
Santos”, por ser desenvolvido pela atleta Daiane dos Santos e seu
técnico.
52
neurônios espelho é produzida pelo propósito da ação e não
por ela em si, ou seja, não seria o salto de outro corpo que
produziria esta resposta, mas a percepção de seu propósito de
saltar.
53
entendimento e ressonância com os outros.” (CACIOPPO e
PATRICK, 2008, p.154, tradução nossa13).
13
This "personal" understanding of others' actions, it appears,
promotes our understanding of and resonance with others.
(CACIOPPO e PATRICK, 2008, p.154)
54
Nos experimentos do neurofisiologista Giacomo
Rizolatti, apresentados por Cacioppo e Patrick (2010, p. 175),
após alguns contatos, mesmo que um corpo não presencie
toda a ação do outro, mas somente um de seus indicadores,
esta reação dos neurônios espelho já será produzida. Isto é, ao
presenciar um corpo se preparando para um movimento já
conhecido, ou aproximar-se de um corpo, que é sabido estar
triste (por outra fonte de informação, como um telefonema,
por exemplo), os neurônios espelho produzirão estas reações.
55
Estes processos são importantes para a empatia, pois,
de acordo com Cacioppo e Patrick (2010, p. 171) “[...] o
autoconhecimento e a capacidade de entender os sentimentos
e as intenções sinalizados por outros podem estar conectados”.
Uma constatação que colabora com esta hipótese é
apresentada pelo neurocientista e seu coeditor sobre os
desenvolvimentos neurofisiológicos necessários à empatia, que
se iniciam quando uma criança começa a reconhecer-se no
espelho, ou seja, quando há um indício de autoconhecimento.
56
contato com o piso, o nível, a temperatura, o eixo corporal, o
esforço necessário, ou seja, as “[...] propriedades que
antecipam a natureza deste movimento, sua tônica e
dinâmica”. (BERTHOZ, 2000, p.57, tradução nossa14). Não
se trata de uma premonição, mas de uma “preparação para
perceber”, que ativa minimamente os receptores para tal. Esta
habilidade está intimamente ligada aos treinamentos que
reconfiguram a percepção tanto de imagens perceptivas,
quanto evocadas, inclusive, por meio das habilidades
empáticas, pois se desenvolve por negociações.
14
[…] proprieties that anticipate the nature of the movement, tonic
or dynamic. (BERTHOZ, 2000, p.57)
57
Sejam os contatos pelo toque “pele a pele”, sejam estes outros,
é fácil reconhecê-los nos processos de investigação da dança.
58
importante lembrar que as imagens, produções com as quais
colabora, não são somente informações captadas do ambiente,
são também memórias, estados, sensações, sentimentos, entre
outras, mediadas pela percepção.
59
compreender o movimento como sentido perceptivo, pois isto
significa entendê-lo como um modo de pensar. [...] Perceber
é escolher, na massa de informações disponíveis, aquelas que
são relevantes para a ação prevista. (BERTHOZ, 2010, p.387,
tradução nossa15)
15
[…] Percevoir, c’est choisir, dans la masse des informations
disponibles, celles qui sont pertinentes par rapport à l’action
envisagée. (BERTHOZ, 2010, p.387)
60
3.1.1 Experimentos de estudos
61
A escolha deste tema, pelo artista-aprendiz (44 anos,
guarda civil metropolitano), se baseou em sua experiência,
sobre corpo enfermo. Anos antes, ele estivera hospitalizado,
com seus movimentos restringidos por seu estado debilitado.
Segundo ele, era a memória de um corpo que se sentia a mercê
dos desejos de outros, em um momento, em que não
conseguiria se contrapor a uma ação indesejada.
62
Durante o encontro de estudos, cada sequência de
experimento durava, em média, trinta minutos. No
compartilhamento, na mostra de processos, cerca de dois
minutos. Não somente pela necessidade abreviar o tempo, pela
organização geral dos compartilhamentos, mas, por uma certa
ansiedade, provocada pela observação, que, segundo ele,
também imprimia uma sensação de vulnerabilidade, pelos
contatos.
63
3.1.1.2 Massaescada - Escadamassa
64
Como processo de estudos da noção de “massa”,
apresentada no livro Massa e Poder (CANETTI, 1995), a
proposta deste experimento, criada por uma das artistas-
aprendizes, era descer e subir uma escada de alvenaria estreita,
com poucos degraus e curvilínea, várias vezes (até que fosse
solicitada a interrupção da ação), iniciando cada um em
diferentes degraus. Explorando este espaço, com variação de
níveis (baixo, médio e alto), de dinâmicas de movimento e
planos (lateral, frontal, traseiro e diagonal). Primeiramente,
revezando entre estar de olhos fechados e abertos, depois
somente de olhos abertos.
66
Embora este relato, escrito por um dos artistas-
aprendizes, mencione uma relação entre artista e expectador,
se nos atermos aos corpos, por uma noção de alteridade, ele
indica que estes contatos, estas possibilidades de conexão, não
se baseiam em igualar corpos, mas nisto que chama de fricção,
nestas informações que produzem variações, reconfigurações,
em fluxo, numa produção de ambientes e possibilidades de
trocas.
67
3.2 Forma.
(FORSYTHE, 2019)
68
Os sons; a iluminação; a trajetória, ritmo e tonicidade
do movimento; a arquitetura e os objetos de uma sala.
Materialidades como estas estão ao centro das atenções nas
experimentações criativas na perspectiva de conexão por
forma.
16
Spatial conceptual categories come into being because of the
bodies and brains and spatial experiences we have. (LAKOFF e
JOHNSON, 1999, n.p)
69
perceptivo do movimento cada linha e fazer os trânsitos
metafóricos, produzir sentidos pelas suas formas, linhas,
traços, a dureza e densidade, peso, volume, cor, luminosidade.
70
não temos diversos corpos, podemos sugerir que, em maior ou
menor escala, estamos fazendo estes arranjos atentos às
formas (espacialidade, trajetórias, distâncias e relações entre
os corpos), uma certa coerência estética entre estes elementos,
em diferentes ambientes sociais. De acordo com Hewitt (idem)
“a estética vai funcionar [...] como um lugar de possibilidades
sociais ensaiadas e performadas”.
17
[…] how bodies “do” things and on the work that the artwork
performs. (HEWITT, 2005, p. 15)
71
produzem, nos trânsitos socioculturais. Além disto,
compreender que estas “coreografias sociais” não se
desenvolvem por uma “ordem natural” permite perceber que é
possível rearranjá-las.
72
• Outro corpo propõe uma mudança, de acordo
com sua habilidade;
73
3.2.1 Experimentos de estudos
74
Este experimento de estudos, ocorrido em 2015, com
a participação de dez artistas-aprendizes de 18 a 35 anos, foi
elaborado com base nas seguintes posições e suas metáforas,
descritas por Elias Canetti (1995, pp. 388-391), no livro
Massa e Poder, para refletir sobre o poder que estas formas
movimentam:
• O estar em pé:
• O estar sentado:
75
• O estar deitado:
• O acocorar-se:
• O ajoelhar-se:
76
Os artistas-aprendizes investigaram sequências de
movimentos e posturas, tendo como parâmetro as posturas
apresentadas nestes trechos, em uma praça, em frente ao
centro cultural onde aconteciam as aulas, frequentada por
moradores do bairro, de diferentes idades. Nesta investigação,
cada artista-aprendiz se deslocou e assumiu uma das posturas,
com uma proximidade moderada dos frequentadores da
praça, investigando as relações espaciais, iluminação,
geométricas, biomecânicas nestas variações. Eles poderiam
escolher uma única postura e repeti-la, em diferentes espaços,
ou alternar. O que movia este experimento eram as reflexões
sobre o que cada postura produzia, em diferentes corpos,
incluindo os frequentadores da praça.
77
As trocas entre as informações daqueles corpos
ocorreram de modos diferentes de outros momentos, pois,
geralmente, ao perceber ser um estudo do curso de formação
daquele centro cultural, evitavam contatos mais participativos,
ou mesmo, se distanciavam dos artistas-aprendizes. Desta vez,
se mantiveram todos, por cerca de uma hora, nesta
composição, mesmo que parecesse ser algo involuntário (por
parte dos moradores).
78
3.2.1.2 Um corpo ajoelhado
79
Em uma das proposições de estudos, desenvolvidas
durante o ano, havia algumas fotografias, dentre elas, uma que
retratava um homem em situação de rua ajoelhado com a mão
estendida à frente.
80
rolamentos, na continuidade deste movimento, por tanto
tempo.
81
Durante a mostra de processos, este experimento foi
realizado por cerca de dois minutos, na presença de
observadores. Neste momento, o artista-aprendiz demonstrou
maior cansaço, como também se satisfez com as informações
do experimento mais rapidamente, que os experimentos
anteriores (sem a presença de observadores).
82
3.3 Conceito.
83
“O que lhe move?”, “O que você deseja mover?”
“Qual é o seu movimento?”, “Com quem você se
movimenta?”. Muitos de nós, arte-educadores, ao desenvolver
um processo com artistas-aprendizes, buscamos uma questão
que possa impulsionar as suas investigações, do ponto de vista
reflexivo, crítico. Contudo, mais relevante do que definir uma
questão de ignição é a manutenção de suas habilidades de
questionar, produzir lacunas, fissurar aquilo que está posto.
84
é produzida por estes questionamentos. Estas habilidades
permitem criar lacunas, rupturas no fluxo da normalidade das
coisas.
85
das habilidades de questionar e de ficar com as questões18,
produzir diálogos, permear os saberes além das certezas,
daquilo que está normatizado pelo conhecimento legitimado19.
18
Referência à proposição apresentada por Donna Haraway (2016),
no livro Staying with the trouble.
19
Referência ao conceito de “escuro”, definido por Giorgio Agamben
(2009), no artigo “O que é contemporâneo?”.
86
aprendiz na execução de uma tarefa, ou na superação do
próprio desempenho, em um contexto competitivo, ao
contrário disto.
87
temos contato, mas sim o que nos passa, o que nos acontece.
De modo que é importante que se entenda que não estamos
falando em algo que está ocorrendo em um certo lugar e se
escolhe não estar lá, ou seja, não estar em contato com a
informação. Quando falamos em “negação da experiência de
contato”, esta atitude é uma ação cognitiva sobre as operações
que ocorrem no corpo, promovida pelas habilidades
perceptivas, que se configuram de diferentes modos, propícios
ou não, para tal.
88
A produção de conceitos é uma atividade mental, no
entanto mente não é unicamente a atividade lógico-racional
desenvolvida de modo planejado, pré-determinado, a partir de
procedimentos e métodos sistematizados, reconhecidos pela
consciência. Deste modo, ao invés de pensar que há ações
movidas pelo corpo, livres da mente, fica o convite para
repensar o entendimento sobre mente, que não é apartada do
corpo e inclui o que parece ser “incontrolável” também, como
o desejo e as emoções.
20
Lakoff e Johnson (1999) utilizam a expressão “embodied mind”. A
tradução como “corpada” é uma opção para que não seja
compreendida como uma mente que foi atada ou tornada corpo.
Mente corpada, ou corpomente, parte de uma noção de mente e
corpo sem dicotomia.
89
Assim sendo, pensamos com o corpomente (não
hifenizado, não dividido) que somos. Não há uma mente que
possui um corpo, a mente é corpo. O movimento é um dos
sentidos perceptivos e a dança é pensamento21. É escolha,
reflexão, crítica, discussão, narrativa, metáfora.
21
Definição baseada na tese da Profa. Dra. Helena Katz (1994): Um,
dois, três: a dança é o pensamento do corpo.
22
Our reality is shaped by the patterns of movement […] It is never
merely a matter of abstract conceptualization and propositional
judgements. (JOHNSON, 1987, p. xix)
90
Conhecer, entender, aprender, são operações das
experiências do corpo. Como seres neurais, não há como
explorar o ambiente e produzir conceitos, de modo não
corpado. Para Lakoff e Johnson (1999), este processo ocorre
por meio de metáforas conceituais, produzidas por estas
experiências sensório-motoras. A cognição está impregnada de
metáforas, atadas às ações motoras do corpo, a partir do córtex
cerebral, que realiza operações de memória, percepção,
consciência e outras, relacionadas à produção de
conhecimento. (GROSSI, LOPES e COUTO, in. MOTA e
BORBA, coord., 2014, p.30).
23
Para entender el mundo y movernos en él, tenemos que
categorizar, en formas que tengan sentido para nosotros, las cosas y
91
Lakoff e Johnson (1999) definem três categorias de
metáforas conceituais: as estruturais (estruturam a nossa
maneira de agir/perceber), como ao dizer “Acordá-lo era uma
guerra”; as orientacionais (relacionadas à orientação espacial),
como em “Esta mentira foi longe demais”; e as ontológicas
(transformam conceitos em seres ou coisas) , como formulado
em “A solidão devora a todos”.
93
3.3.1 Experimentos de estudos
94
A artista-aprendiz que propôs este experimento de
estudo, tinha um olhar muito aguçado aos detalhes, hábitos de
leitura (literatura), e ampliou muito suas habilidades críticas e
seus conhecimentos sobre artes, durante o ano.
95
Verbos de ações Referências espaciais e
dimensionais
Entregar; levar; cantar; Pequena; distante; grande;
soprar; botar no bolso; subir diante; grama (textura);
devagar; cruzar; carregar; raio de sol (luminosidade);
caminhar; levantar; apanhar; perto; dentro; abaixo; atrás;
morder; sentar; cruzar as cheio; luminoso; sombrio;
mãos em volta da perna; rir; longe; ao lado; sobre e
fechar a boca; abrir; carregar; geada.
parar; correr; segurar;
prender; marchar
apressadamente; acenar;
balançar; dobrar; deslizar;
atingir, tocar; penetrar;
envolver; repousar; voltar;
retornar; ir sempre para
frente; debruçar e seguir.
Tabela 1. Verbos de ação, referenciais espaciais e dimensionais,
selecionados pela artista-aprendiz
96
movimento. Como se os verbos sugerissem movimentos que
transitassem sem pausa de um para o outro.
97
3.3.1.2 Corpo craft – Craft corpo
98
O relato seguinte se refere a um experimento
ocorrido em 2015, com uma turma de dez artistas-aprendizes
de 18 a 35 anos, a maioria com vivências e estudos anteriores
sobre, em seu segundo ano de formação, de um curso livre em
Artes cênicas com três anos de duração.
99
outros. Enquanto aguardavam, as ações do outro, falavam
para si mesmos sobre estes objetos.
100
momento, no qual ainda guardavam uma certa distância entre
si. No entanto, Cacioppo e Patrick (2010, p.279) apresentam
que “[...] estudos mostram que quanto mais rico o meio –
quanto mais permeado por aspectos físicos – mais ele estimula
a coesão social.”. Estes aspectos provocaram uma atenção
compartilhada, um certo prazer, um desejo de movimentar-se,
conhecer e explorar juntos. Estados que favoreceram os
contatos, dos mais sutis e delicados, aos mais abruptos.
101
4. Breves pistas para conexões
102
investigar diferentes movimentos com base nestes princípios,
o corpo não está reproduzindo um movimento, ele está
produzindo, criando suas imagens, suas intervenções e
relações com a geometria do seu corpo e linhas de conexão
com o espaço. O treinamento das habilidades perceptivas,
proporciona ao corpo lidar com as variações em cada
ambiente, criando alternativas e operações distintas mediadas
pelas perspectivas de conexão. Estes processos produzem
metáforas, imagens, são também experiências criativas do
corpo que dança.
25
Técnica de estudo do corpo cênico e educação somática,
desenvolvida com base nos princípios de trabalho de Klauss Vianna,
a partir dos anos 1970, inicialmente, por Neide Neves e Rainer
Vianna.
103
destas experiências sensório-motoras de direcionamento do
peso. Criações que conectam o corpo-artista-aprendiz com
diferentes processos e informações.
104
CONSIDERAÇÕES FINAIS
105
Desenvolver uma pesquisa nos processos de ensino-
aprendizagem é em si uma potente alternativa de conexão, pois
só podemos dizer que aquilo que investigamos faz parte de
uma pesquisa quando nos deparamos com o “não saber”. O
movimento de outros corpos, suas necessidades, desejos e suas
questões, são as variações que transformam os percursos do
arte-educador, rompem a estabilidade dos saberes legitimados,
se reconfiguram contextualmente. Cada uma destas ações são
processos simbólicos, que reformulam nossas compreensões
de mundo. Todos estes saberes, de artistas-aprendizes e arte-
educadores, estão nesta complexa rede de variações.
106
Estar em conexão é uma alternativa comunicacional
de sobrevivência, um modo de não morrer; um modo de
não matar, poética, política filosófica,
biocultural e urgentemente.
107
Tirar as sapatilhas e convidar a perceber o chão, as
articulações, em um período no qual dispositivos de controle
buscavam dominar o sentir é um ato revolucionário!26
revolucionário!27
26
Referência a Klauss Vianna.
27
Referência a Martha Graham.
28
Referência a William Forsythe.
108
Referências Bibliográficas
109
DAMÁSIO, António R.. O mistério da consciência: do corpo
e das emoções ao conhecimento de si. Tradução:
Laura Teixeira Motta. São Paulo: Companhia das
Letras, 2000.
111
___________. Metáforas da vida cotidiana. São Paulo: Educ,
2002.
112
__________.Fluxos criativos: Alternativas de sobrevivência,
nas conexões do corpo que dança. REVISTATKV V.1, N.6 –
2020. Disponível em https://www.revistatkv.art.br/6ed-
artigo-prado. Acesso em 15 de fevereiro de 2021.
Vídeo online:
113