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O PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE COMO INTRUMENTO DE SOLUÇÃO


DE CONFLITOS ENTRE OS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS E EFETIVAÇÃO
DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

Leila Eliana Hoffmann Ritt1

INTRODUÇÃO

Com o advento da Constituição Federal de 1988, novas


diretrizes e perspectivas foram impostas à vida social em nosso país, servindo, além
disso, como parâmetro para interpretação e aplicação do Direito. Ela é a norma
máxima do Estado, com uma forte tendência social, criando, novas regras e
parâmetros que vinculam o ordenamento jurídico infraconstitucional na sua
totalidade e de forma unânime.

Hodiernamente, a inspiração do Código Civil vem da


Constituição, que traz modelos jurídicos abertos à interpretação, conforme os
objetivos e princípios constitucionais. Trata-se de um Código não-totalitário, que tem
abertura para a mobilidade da vida social, pois dotado de cláusulas gerais e
conceitos abertos ou indeterminados, que, pela sua vagueza semântica, possibilitam
a incorporação de princípios e valores constitucionais.

Neste contexto é que se insere o princípio da


proporcionalidade, que é um princípio atual, que recebeu força com o advento da
1
Advogada. Especialista em Direito Processual Civil, pela Universidade de Santa Cruz do Sul –
UNISC; Mestranda em Direito, pela mesma Universidade; pesquisadora-membro do Grupo de
pesquisa: “A constitucionalização do Direito privado”.
2

Constituição Federal, sendo, pois, condizente com as diretrizes de um Estado


Social, que visa, notadamente, a dignidade da pessoa humana.

Desta forma, o presente estudo propõe-se a estabelecer no


primeiro capítulo, as diferenças conceituais entre princípios, regras, normas e
valores, a fim de esclarecer os aspectos mais relevantes acerca das peculiaridades
de cada conceito. Além disso, nesta seara, analisar-se-á o princípio da supremacia
da Constituição Federal e sua força vinculante; no segundo, estudar-se-á os
conflitos entre regras e colisão entre princípios constitucionais, e neste contexto, a
concorrência de direitos e a colisão de direitos; por derradeiro, no terceiro capítulo,
será abordado sobre o moderno instrumento de solução de conflitos entre princípios
constitucionais: o princípio da proporcionalidade.

1 O CONCEITO DE PRINCÍPIOS, VALORES, REGRAS E NORMAS

Ressalte-se, desde logo, que não se tem a intenção de realizar


uma análise exaustiva e pormenorizada acerca das teorias que explicam os
conceitos e características dos princípios, valores, regras e normas. Mas esta
diferenciação é de fundamental relevância, principalmente após o advento da
Constituição Federal de 1988, surgindo também o debate da constitucionalização do
direito privado e os efeitos dos direitos fundamentais nas relações entre particulares,
caso em que o debate acerca dos princípios ganha cada vez mais espaço.

Não raras vezes os juristas utilizam o vocábulo “princípio” para


designar uma norma jurídica, mas há que se esclarecer, desde já, que ambos os
conceitos não se confundem, Originariamente, a discussão era meramente
classificatória, mas com a supremacia dos princípios constitucionais e sua força
vinculante, houve a necessidade de estudar esses conceitos.

A palavra “princípio” vem do latim “principium”, que significa,


numa acepção vulgar, início, começo, origem das coisas. Na idéia de Luís Diez
Picazo citado por Bonavides “onde designa as verdades primeiras”, bem como têm
3

os princípios, de um lado, “servido de critério de inspiração às leis ou normas


concretas desse Direito positivo” e, de outro, de normas obtidas “mediante um
processo de generalização e decantação dessas leis”.2

Segundo a metodologia tradicional, havia distinção entre


princípios e normas, cada qual com significados distintos. Assim, a idéia de norma
era sobreposta, dogmática e normativamente à idéia de princípio. Segundo os
espanhóis Luño, Sanchis e García de Enterria – chega-se a divisar, no gênero
norma, mais uma espécie normativa: os valores. Desta forma, norma é gênero do
qual os princípios, as regras e os valores são espécies.3

Partindo de outra análise, é de lembrar que os princípios já


estavam previstos como forma de integração da norma no direito romano, de acordo
com as regras criadas pelo imperador: as leges entre 284 a 568 d. C. Os princípios
jurídicos já foram consagrados pelo Direito Romano como honeste vivere, aletrum
non laedere, suum cuique tribuere, que até hoje continuam sendo invocados pela
doutrina e jurisprudência.4

De outra forma, Bonavides, valendo-se das palavras de F. de


Castro: “os princípios, nesta perspectiva, são verdades objetivas, nem sempre
pertencentes ao mundo do ser, senão do dever-ser, na qualidade de normas
jurídicas, dotadas de vigência, validez e obrigatoriedade.5

2
BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 12. ed. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 228-
229.
3
ESPÍNDOLA, Ruy Samuel. Conceitos de princípios constitucionais. 2. ed. ver., atual. e ampl. RT,
p. 66-67.
4
TARTUCE, Flávio. A função social dos contratos: do Código de Defesa do Consumidor ao novo
Código Civil. São Paulo: Método, 2005, p. 70.
5
BONAVIDES, Op. Cit. p. 229.
4

Os princípios6 gerais são normas fundamentais ou


generalíssimas do sistema, as normas mais gerais. O nome de princípios induz em
engano, tanto que é velha questão entre juristas se os princípios são ou não são
normas. Os princípios são normas como todas as demais para sustentar a idéia de
que os princípios são normas, os argumentos vêm a ser dois e ambos válidos: se
são normas aquelas das quais os princípios gerais são extraídos, através de um
procedimento de generalização sucessiva, não se vê por que não devam ser normas
também eles: se abstraio de espécies animais, obtenho sempre animais, e não
flores ou estrelas. Em segundo lugar, a função para a qual são abstraídos e
adotados é aquela mesma que é cumprida por todas as normas, isto é, a função de
regular um caso. Para regular um comportamento não regulado, é claro: mas agora
servem ao mesmo fim para que servem as normas expressas. E por que não
deveriam ser normas?7

A mesmo idéia é corroborada pela teoria de Lorenzetti, para


quem tanto os princípios como as regras se referem ao âmbito do dever-ser e,
portanto, são normas. Trata-se de distinguir entre dois tipos de norma. Os critérios
distintivos são, pois, quanto à generalidade, em que os princípios têm uma
generalidade maior que as regras, em relação aos suportes fáticos, pois não se
pode referi a um só caso. De outra forma, os princípios são gerais também com
relação às regras. O segundo critério é de origem: as regras são criadas, os
princípios desenvolvidos, eis que não se baseiam na decisão de qualquer legislador
ou tribunal, mas de uma questão de conveniência ou oportunidade que se
desenvolve historicamente. O terceiro critério é a referência à idéia de Direito:
presente e explícita nos princípios, pois ordena algo a ser feito na maior medida
possível, dentro das possibilidades jurídicas existentes; são comandos de
otimização; ao passo que nas regras, a idéia de direito está presente e implícita,
podendo ser cumpridas ou não, e, se válidas, devem ser observadas.8

6
É de se verificar que, pela metodologia tradicional, o princípio constitui-se numa fonte indireta
aplicável quando a lei for omissa, de acordo com o disposto no art. 4º da Lei de Introdução ao
código Civil.
7
BOBBIO, Norberto. Teoria do ordenamento jurídico. 7. ed. UNB: Brasília, 1996, p. 159.
8
LORENZETTI, Ricardo Luis. Fundamentos do Direito privado. São Paulo: RT, 1998, p. 286.
5

Na verdade, as regras e os princípios são tidos, pela teoria


clássica, como espécies de norma, de modo que a distinção entre eles constitui uma
distinção entre duas espécies de normas. A regra é editada para ser aplicada a uma
situação jurídica determinada. Já os princípios, ao contrário, são genéricos, porque
comportam uma série indefinida de aplicações.

Com efeito, os princípios são considerados o elemento central


da ordem jurídica, por representarem aqueles valores supremos eleitos pela
comunidade que a adota, sendo, hoje, a sua característica mais marcante a
normatividade, pois são vistos pela teoria constitucional contemporânea, como uma
espécie do gênero norma jurídica, ao lado das regras jurídicas.

Pela sua origem os princípios não têm o status jurídico, sendo


considerados meras normas programáticas, de caráter eminentemente político e, por
isso, não vinculatório, representando uma dimensão ético-valorativa de postulado de
justiça que derivam de uma fonte superior, de ordem metafísica, e que têm, num
primeiro momento, fundamento na vontade divina e, posteriormente na própria
natureza humana.9

Esta é a concepção dos princípios pela fase jusnatutalista.


Conforme a segunda fase – juspositivista – os princípios passam a ser incorporados
aos Códigos, servindo como fonte normativa subsidiária, haja vista que
desempenham uma função supletiva dentro do ordenamento jurídico, de modo a
impedir a ocorrência de um “vazio normativo”, servindo como recurso/solução para
eventuais lacunas10, pois são o resultado de uma generalização das próprias leis de
Direito positivo.11

Os princípios não são, pois, tidos como algo que se sobrepõe à lei, nem
como algo anterior a ela, mas sim algo dela decorrente. A sua função
jurídica é, conseguintemente, subsidiária e o seu caráter, basicamente
descritivo.12
9
LEAL, Mônia Hennig. A constituição como princípio – os limites da jurisdição constitucional
brasileira. São Paulo: Manole, 2003, p. 72.
10
Prova disso pode ser verificado no art. 4º, da Lei de Introdução ao Código Civil, o qual prevê a
utilização dos princípios para suprir as eventuais lacunas: “Quando a lei for omissa, o juiz decidirá
o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais do direito”.
11
LEAL, Op. Cit. p. 72-73.
12
Ibid. p. 74.
6

O fundamento de positivação dos princípios reside na


necessidade de não precisar recorrer a uma fonte de direito, exterior ao sistema
para resolver questões não previstas no tipo legal. Posteriormente, os princípios
foram incorporados também pelas constituições, como meras normas
programáticas, desprovidas de qualquer força normativa. Nota-se, pois, que os
princípios não contavam com a prerrogativa de serem resultado de uma
generalização do conteúdo das leis, mas são programas de conotação política e,
portanto, desprovidos de juridicidade.13

Não se pode negar que os princípios são espaços de


manifestação política. Porém, a teoria constitucional atribuiu-lhes uma força
vinculante, e não meramente programática, pois se a Constituição vale como lei, e
se o Direito constitucional é positivo, então as regras e os princípios constitucionais
devem obter normatividade, regulando as relações da vida, dirigindo condutas e
dando segurança e expectativas de comportamento.14

Para Robert Alexy, para a aplicação dos princípios devem ser


analisadas as possibilidades jurídicas e fáticas, e não são definitivos.

Los princípios ordenan que algo debe ser realizado em la mayor medida
posible, teniendo em cuenta las posibilidades jurídicas y fácticas. Por lo
tanto, no contienen mandatos definitivos sino solo prima facie. Del hecho de
que um principio valga para um caso no se infiere que lo que el principio
exige para este caso valga como resultado definitivo. Los princípios
presentam razones que pueden ser desplazadas por otras razones
opuestas. El principio no determina como há de resolverse la relacion entre
uma razón y su opuesta. Por ello, los princípios carecen de contenido de
determinación con respecto a los princípios contrapuestos y las
possibilidades fácticas.15

13
Ibid. p. 75.
14
Ibid. p. 76.
15
ALEXY, Robert. Teoría de los Derechos Fundamentales. Madrid: Centro de Estudios Políticos y
Constitucionales, 1993,. p. 99.
7

Com efeito, regra e princípio16 têm em comum o caráter de


normatividade, sendo que a generalidade da primeira é estabelecida para um
número indeterminado de atos ou fatos, ao passo que o segundo é geral porque
comporta uma série indefinida de aplicações. Em síntese, a regra é aplicada a uma
situação jurídica determinada; os princípios, por sua vez, podem abranger uma série
de situações jurídicas.17

Totalmente distinto es el caso de las reglas. Como las reglas exigen se


haga exactamente lo que em ellas se ordena, contienen uma
determinacións em el âmbito de las posibilidades jurídicas y fácticas. Esta
determinación puede fracasar por imposibilidades jurídicas y fácticas, lo que
puede conducir a sua invalidez; pero, si tal no es el caso, vale entoces
definitivamente lo que la regla dice.18

Então, apesar da generalidade dos princípios, estes não


perdem a sua normatividade. As regras são forma de consecução de determinantes

16
Ronald Dworkin estabeleceu uma diferença entre as normas e os princípios, exemplificando com
um fato famoso, em que Elmer assassinou o avô por envenenamento, e sabia que o testamento
deixava-o com a maior parte da herança, mas desconfiava que o velho pudesse alterar o
testamento pelo fato de casar-se. O crime foi descoberto e Elmer foi declarado culpado e
condenado a alguns anos de prisão. Estaria ele habilitado a receber a herança, mesmo tendo
assassinado o avô? A lei de sucessões de Nova York não afirmava nada explicitamente sobre uma
pessoa citada em um testamento poderia ou não herdar, segundo seus termos se houvesse
assassinado o testador. O advogado de Elmer argumentou que, por não violar nenhumas das
cláusulas explícitas na lei, o testamento era válido, e que Elmer, por ter sido citado num testamento
válido, tinha direito à herança. Declarou que, se o tribunal se pronunciasse a favor das filhas,
estaria alterando o testamento e substituindo o direito por suas próprias convicções morais. Todos
os juízes concordavam que suas decisões deveriam ser tomadas de acordo com o direito. Nenhum
deles dizia que, naquele caso, a lei deveria ser alterada no interesse da justiça. Surgiram, assim,
muitas divergências. No caso de Elmer, a lei não era vaga, nem ambígua. Os juízes divergiam
sobre os termos da lei, porque divergiam sobre o modo de interpretar a verdadeira lei nas
circunstâncias especiais daquele caso. O juiz Gray defendia uma teoria aceita naquela época – da
interpretação literal – e desta forma, não havia nenhuma ressalva tácita. Ele insistia de que a
verdadeira lei, interpretada de maneira adequada não continha exceções para os assassinados.
Assim, conferiu o direito a Elmer. O juiz, para explicar a sua decisão, fundamentou dizendo que a
perda da herança seria uma punição a mais, já que Elmer tinha cumprido sua pena na prisão, e
que o avô poderia tê-lo beneficiado mesmo assim. Os estudante de direito que se deparam com
esta teoria, definem-a de “doutrina mecânica”. Já o juiz Earl usou uma teoria da legislação muito
diferente, que dá às intenções do legislador uma importante influência sobre a verdadeira lei,
pois atribuiu valor à intenção dos legisladores, como se estivesse implícito na própria letra, pos
nenhum legislador pode ter em mente todas as conseqüências ou respostas. O juiz Earl não se
apoiou apenas na teoria da intenção do legislador, mas considerou outro princípio: o da
interpretação das leis conforme o contexto histórico, levando-se em conta os princípios gerais do
direito, ou seja, os juízes deveriam inter´pretar uma lei de modo a poderem ajusta-la o máximo
possível aos princípios de justiça . Assim, o ponto de vista de Earl predominou, e Elmer não
recebeu sua herança.(DWORKIN, Ronald. O império do direito. Tradução de Jefferson Luiz
Camargo; revisão técnica de Gildo Sá Leitão Rios. São Paulo: Martins Fontes, 2003, p. 20-25.
17
LEAL, Mônia Hennig. p. 77.
18
ALEXY, Op. Cit. p. 99.
8

princípiológicas, ao passo que os princípios são as normas das quais emanam as


normas particulares.19

Desta forma, os princípios constitucionais não representam


uma simples generalização das leis, como querem os positivistas, sendo eles
elementos informativo de todo sistema jurídico, em que podemos distinguir entre
princípios gerais do direito – que são proposições descritivas que revelam grandes
tendências do direito positivo – e os princípios constitucionais. Os princípios
constitucionais foram concebidos como produto da ordem jurídica, e não como seu
fundamento.20

Por tais razões, as regras são aplicadas por completo ou não


são, de modo absoluto aplicáveis. Trata-se de tudo ou nada. Já os princípios,
mesmo os que se assemelham às regras não se aplicam automática e
necessariamente quando as condições previstas como suficientes para sua
aplicação se manifestam.21

As normas, no entanto, são preceitos que tutelam situações


subjetivas de vantagem ou vínculo, ou seja, reconhecem por um lado, a pessoas ou
entidades a faculdade de realizar certos interesses por ato próprio ou exigindo ação
ou abstenção de outrem, e, por outro lado, vinculam as pessoas ou entidades à
obrigação de submeter-se às exigências de realizar uma prestação, ação ou
abstenção em favor de outrem.22

Para Robert Alexy, as normas de direitos fundamentais são


aquelas que são expressadas através de disposições jusfundamentais, sendo que
estas disposições estas são exclusivamente enunciados contidos no texto da lei
fundamental. Mas esta resposta enfrenta problemas: como nem todos os
enunciados da lei fundamental expressam normas de direito fundamental
pressupõem um critério que permita classificar os enunciados da lei fundamental

19
LEAL, Op. Cit. p. 78.
20
Ibid. p. 80.
21
Ibid. p. 69.
22
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional positivo. São Paulo: Malheiros, 2005, p.
91.
9

naqueles que expressam normas de direito fundamental e aqueles que não. O


segundo problema é: se as normas de direito fundamental da lei fundamental
realmente pertencem somente aquelas que são expressadas diretamente por
enunciados da lei fundametal.23

A menudo, no se contrapem regla y principio, sino norma y principio o


norma y máxima. Aqui lãs reglas y los princípios serán resumidos bajo el
concepto de norma. Tanto las reglas como los princípios son normas
porque ambos dicen lo que debe ser. Ambos pueden ser formulados com la
ayuda de las expresiones deónticas básicas del mandato, la permisión y la
prohibición. Los princípios, al igual que lãs reglas, son razones para juicios
concretos de deber ser, aun cuando sean razones es pues uma disticncions
entre los tipos de normas.24

Cumpre ratificar que os princípios são normas com um alto


grau de generalidade, como por exemplo, a norma que confere liberdade religiosa.
Em contrapartida, as regras têm um grau de relatividade baixo. Segundo Bonavides,
a juridicidade ou normatividade dos princípios passou por três fases distintas:25

a) a fase jusnaturalista – em que os princípios são inspiradores


de um ideal de justiça, são normas universais, são princípios de justiça, constitutivos
de um direito ideal. São um conjunto de verdades objetivas derivadas da lei divina e
humana.

b) fase juspositivista – em que os princípios entram nos


códigos como fonte normativa subsidiária da inteireza dos textos legais. São vistos
como “válvulas de segurança” que “garantem o reinado absoluto da lei”, conforme
Cañas. Não são superiores às leis, mas delas deduzidos, para suprirem os vazios
que elas não puderam prever (lacunas). Derivam da lei, e não de um ideário de
justiça, promovendo a integração;

c) fase pós-positivista – nesta fase os princípios passam a ser


o vértice do ordenamento jurídico. São padrões, que vinculam toda a ordem jurídica.
Sua função vai muito além da promoção da integração do direito.

23
ALEXY, Op. Cit. p. 62-63.
24
Ibid. p. 83.
25
BONAVIDES. Curso de Direito Constitucional. 12. ed. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 232-235.
10

Compreende-se que não é nada fácil distinguir regras e


princípios, pois vários são os critérios que devem ser relevados: a) o grau de
abstração – os princípios são normas com grau de abstração relativamente elevado;
já as regras possuem um grau de abstração reduzido; b) Grau de determinabilidade
– os princípios, por serem vagos e indeterminados, carecem de mediações
concretizadoras, enquanto as regras são suscetíveis de aplicação direta – são ou
não são aplicadas; c) caráter de fundamentalidade no sistema de fontes de direito –
os princípios são normas de natureza ou com um papel fundamental no
ordenamento jurídico devido à sua posição hierárquica no sistema de fontes, como é
o caso dos princípios constitucionais, ou à sua importância dentro do sistema
jurídico, como por exemplo, o princípio do estado democrático de Direito; d)
proximidade da idéia de direito – os princípios são standards juridicamente
vinculantes radicados na exigência de justiça ou na idéia de direito (Larenz); as
regras podem ser normas vinculantes com conteúdo meramente formal; e) natureza
normogenética – os princípios são fundamentos de regras, ou seja, são normas que
estão na base ou constituem a ratio de regras jurídicas, desempenhando, portanto, a
função normogenética fundante.26

Em síntese, as diferenças são as seguintes, segundo


Espíndola: a) os princípios são normas jurídicas impositivas de uma optimização,
compatíveis com vários graus de concretização; as regras são normas que
prescrevem imperativamente uma exigência (impõem, permitem ou proíbem); a
convivências dos princípios é conflitual; já entre os princípios é antinômica; os
princípios coexistem; as regras antinômicas excluem-se; b) Conseqüentemente, os
princípios, ao constituírem exigências de optimização, permitem o balanceamento de
valores e interesses, consoante seu peso e ponderação de outros princípios
eventualmente conflitantes; as regras não deixam espaço para qualquer outra
solução, pois se uma regra vale (tem validade) deve cumprir-se na exata medida das
suas prescrições, nem mais nem menos; c) Em caso de conflito entre princípios,
estes podem ser objeto de ponderação, de harmonização, pois eles contêm apenas
exigências standards devem ser realizados; as regras contêm fixações normativas
definitivas, sendo insustentável a validade simultânea de regras contraditórias; d) Os

26
ESPÍNDOLA, Ruy Samuel. Conceito de Princípios constitucionais. 2. ed. São Paulo: RT, 2002, p.
70-71.
11

princípios suscitam problemas de validade e peso; as regras colocam apenas


questões de validade.27

Para o autor alemão Robert Alexy há três teses que


diferenciam as regras e princípios, ou seja, a primeira considera que se trata de
duas classes distintas; a segunda, que as normas podem dividir-se em regras e
princípios, tendo a norma como gênero; a terceira tese determina que as normas
podem dividir-se em regras e princípios e que entre eles existe não só uma diferença
gradual, mas também qualitativa, em que os princípios são considerados normas de
otimização.28

Para esse autor, a principal distinção entre regras e princípios


reside no fato de que estes últimos são mandatos de otimização, ao passo que as
regras são normas que somente podem ser cumpridas ou não.

El punto decisivo para la distinción entre reglas y princípios es que los


princípios son normas que ordenan que lago sea realizado em la mayor
medida posible, dentro de las posibilidades jurídicas y reales existentes. Por
la tanto, los princípios son mandatos de optimización, que están
carcatrizados por el hecho de que pueden ser cumplidos em diferente grado
y la medida debida de su cumplimiento no solo depende de lãs
posibilidades reales sino también de las juridicas. El âmbito de lãs
posibilidades jurídicas es determinado por los princiíos y reglas opuestos.
Em cambio, las reglas son normas que solo pueden ser cumplidas o no. Si
uma regla es álida, entoces de hacerse exactamente lo que ella exige, ni
más ni menos. Pó lo tanto, las reglas contienem determinaciones em el
âmbito de lo fáctica y jurídicamente posible. Esto significs que la diferencia
entre reglas y princípios es cualitativa y no de grado. Toda norma es o bien
uma regla o un principio.29

Não se pode olvidar que existem três objeções contra o


conceito de princípio: a primeira considera que as colisões de princípios são
solucionáveis mediante a declaração de invalidez de um dos princípios; a segunda,
considera que existem princípios absolutos que não podem nunca ser colocados
numa relação de preferência com outros princípios; e a terceira, que o conceito de
princípio é demasiado/amplo e, por isso, inútil, porque abrangeria todos os
interesses que podem ser tomados em conta nas ponderações.30
27
ESPÍNDOLA, Op. Cit. p. 70-72.
28
ALEXY, Op. Cit. p. 85-86.
29
Ibid. p. 86-87.
30
ALEXY, Op. Cit. p. 104.
12

Ressalte-se que os princípios desempenham a importante


função de conferir unidade normativa a todo o sistema jurídico, eis que se impõem
como diretivas tanto para a interpretação de toda e qualquer norma legal quanto
para a ação de todos os entes estatais, e por isso, a sua ação é de cunho positivo.
Além disso, possuem uma função negativa, pois servem de limite ao não permitir
que se criem limitações excessivas a determinados direitos fundamentais, nem
como ao impedir que se criem normas contrárias ao conteúdo neles previsto.31

Com efeito, considera-se pertinente e oportuna a afirmação de


Celso Bandeira de Mello, que a violação de um princípio é muito mais grave do que
transgredir uma norma, uma vez que a não-observância de um princípio significa
uma ofensa não apenas a um mandamento obrigatório, mas a todo o sistema de
comandos.

É mais grave forma de ilegalidade ou inconstitucionalidade, conforme o


escalão do princípio atingido, porque representa insurgência contra todo o
sistema, subversão de seus valores fundamentais, contumélia irremissível a
seu arcabouço lógico e corrosão de sua estrutura mestra.32

Inegavelmente, há uma estreita relação entre regras e


princípios, sendo que estes são condição de existência das próprias regras, razão
pela qual não se ponde falar em um sistema puro de princípios, nem em um sistema
puro de regras.

A importância dos princípios deve-se, também, pela


necessidade de dar sentido a uma norma, levando-se em consideração o texto e o
contexto, através de uma atividade hermenêutica. Neste sentido, o intérprete possui
uma função relevantíssima, a fim de conferir sentido e aplicar o princípio da
proporcionalidade e da ponderação.

A função jurisdicional não desempenha um papel fundamental


em se tratando da concretização desses valores, valendo-se não só de recursos

31
LEAL, Op. Cit. p. 88.
32
MELLO, Celso Bandeira de. Elementos de Direito Administrativo. 2. ed. São Paulo: RT, 1999, p.
300.
13

hermenêuticos disponíveis (como por exemplo, a interpretação conforme a


Constituição, a nulidade parcial sem redução do texto, os princípios da
proporcionalidade e da razoabilidade e a proibição do retrocesso social, etc.), como
também tem a função de conferir-lhes a máxima eficácia enquanto espécie da
norma jurídica.33

Nesta esteira, os princípios não desempenham tão-somente


uma função informadora dentro do ordenamento, pois eles são, também, normas
capazes de tutelar pretensões judiciais por parte dos cidadãos, de modo que não
podem prosperar, por parte dos Tribunais, decisões conservadores, que neguem
aos princípios constitucionais o seu verdadeiro papel dentro da ordem jurídica.34

Por fim, ainda há que se estabelecer as diferenças entre


princípios e valores. Desta forma, os valores são conceitos axiológicos, não contêm
uma ordem ou uma proibição e sim uma valoração. A valoração pode ser de tipo
comparativo de dois objetos se diz que um tem maior valor que outro, expressando-
se juízos de preferência ou equivalência. Neste caso, o modo de interpretar o valor
é, então, mediante juízo comparativo - juízo de ponderação – já que se trata de
estabelecer uma medida, equilíbrio. Em outros casos, podem ser classificatórios.
Os princípios jurídicos estabelecem comandos, proibições e permissões, o que não
ocorre com os valores, sendo que estes também enfrentam um juízo de ponderação,
destinado a estabelecer o “seu peso” no caso concreto.35

1.1 O princípio da supremacia da Constituição Federal

O sentido da norma Civil brasileira deve ser buscado junto à


Carta política de 1988, que é a norma máxima do Estado, a qual vincula todas as
demais normas infraconstitucionais. É o chamado princípio da supremacia da
Constituição Federal.

33
LEAL, Op. Cit. p. 93.
34
Ibid. p. 92-3.
35
LORENZETTI, Op. Cit. p. 287.
14

A superioridade hierárquico-normativa do Direito Constitucional impede que


o Direito Civil seja tido como um ramo jurídico autônomo. Assim, a toda
interpretação constitucional, bem como a interpretação da legislação
ordinária conforme a Constituição, leva à concretização dos direitos
fundamentais, admitindo-se sua eficácia nas relações interprivadas [...] 36

A Carta Magna representa, pois, um marco de conquista dos


direitos social, como a democracia, a solidariedade social. Significou o recomeço de
uma esperança renovada, principalmente após o fim da ditadura militar no Brasil.
Esses objetivos sociais acabaram por “invadir” o Código Civil brasileiro, passando,
ambos os institutos, a terem objetivos comuns.

Por natureza, a constituição37 é a primeira lei positiva. Ela é


que faz o elo entre o direito – justiça e especificamente o direito natural – e o direito
positivo. Como fenômeno jurídico, a constituição pode ser vista no plano do ser. É a
constatação das normas que institucionalizam e regem o Poder. Como o direito é
dever-ser, a constituição como fenômeno jurídico é encarada como a normação do
Poder. Passa ela também para o campo do dever-ser.38

A Constituição Federal de 1988 pode ser definida como uma


constituição do Estado Social. Portanto, os problemas constitucionais referentes a
relações de poderes e exercício de direitos subjetivos têm que ser examinados e
resolvidos à luz dos conceitos derivados daquela modalidade de ordenamento. Uma
coisa é a constituição do estado liberal, outra é a constituição do Estado social. A
primeira é uma constituição antigoverno e anti-Estado; a segunda, uma constituição
de valores refratários ao individualismo no Direito e ao absolutismo no Poder.39

36
TUTIKIAN, Cristiano. Sistema e codificação: o Código Civil e as cláusulas gerais. In: ARONE,
Ricardo. (Organizador). Estudos de Direito Civil – Constitucional. V.I. Porto Alegre: Livraria do
Advogado, 2004, p. 21.
37
A Constituição ganhou sentido no plano do direito no século XVIII. Ela é a parte essencial da
organização política do Estado, de acordo com a obra clássica de Montesquieu “O espírito das
leis”, na qual há a previsão de uma estreita relação entre constituição, poder e liberdade. A
constituição tem como objeto a organização do governo e de seus órgãos – reflexo da influência
liberal – conforme a doutrina de Montesquieu, necessário à limitação do poder.
38
FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Estado de direito e constituição. 2. ed. rev. e ampl. São
Paulo: Saraiva, 1999, p. 70-71.
39
BONAVIDES, Op. Cit. p. 336.
15

Nesse sentido geral, Constituição é a organização de alguma


coisa. Em tal acepção, o termo não pertence apenas ao vocabulário do Direito
Público. Assim conceituado, é evidente que o termo se aplica a todo grupo, a toda
sociedade, a todo Estado. Designa a natureza peculiar de cada Estado, aquilo que
fez este ser o que é. Evidentemente, nesse sentido geral, jamais houve e nunca
haverá Estado sem Constituição.40

A concretização plena da força normativa constitui meta a ser almejada pela


ciência do direito constitucional [...] o direito Constitucional deve explicitar as
condições sob as quais as normas constitucionais podem adquirir maior
eficácia possível, propiciando, assim, o desenvolvimento da dogmática e da
interpretação constitucional. Portanto, compete ao Direito Constitucional
realçar, despertar e preservar a vontade da constituição (wille zur
verfassung) que, indubitavelmente, constitui a maior garantia de sua força
normativa.41

Assim, os direitos fundamentais exprimem uma ordem de


valores que se irradia por todos os campos do ordenamento, inclusive sobre o direito
privado, cujas normas têm de se interpretadas ao seu lume.

Não se deve esperar que as tensões entre ordenação constitucional e


realidade política e social venham a deflagrar sério conflito. Não se poderia,
todavia, prever o desfecho de tal embate, uma vez que os pressupostos
assegurados pela força normativa da Constituição não foram plenamente
satisfeitos. A resposta à indagação sobre se o futuro do nosso Estado é
uma questão de poder ou um problema jurídico dependente da preservação
e do fortalecimento da força normativa da Constituição, bem como de seus
pressupostos fundamental, a vontade de Constituição. Essa tarefa foi
confiada a todos nós.42

A supremacia da Constituição é formal (fixa a organização, a


estrutura, a composição, as atribuições, o procedimento dos poderes, que são
constituídos por ela; e material (não é lícito a qualquer poder por ela constituído
exigir alguma coisa que não se coadune com o Direito fixado na Constituição, ou
seja, o conteúdo de uma lei estabelecida pelo Poder legislativo ou de qualquer poder
– não pode contrariar o conteúdo das normas constitucionais.43

40
GUERRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de Direito constitucional. 31. ed. ver., ampl. e atual.
São Paulo: Saraiva, 2005, p. 10-11.
41
HESSE, Op. Cit. p.27.
42
Ibid. p. 32.
43
FERREIRA FILHO, Op. Cit. p. 82.
16

Conforme o disposto no Art. 2º, §1º da Lei de Introdução ao


Código Civil: “a lei posterior revoga a anterior quando expressamente o declare,
quando seja com ela incompatível”. Isto significa que as normas infraconstitucionais
– como, por exemplo, a legislação civil – que for incompatível com o texto
constitucional são automaticamente revogadas; as compatíveis são recepcionadas,
continuam em vigor. Esta observação se faz necessária, a fim de que sejam
concretizados, de forma eficaz, os princípios constitucionais.

Por fim, relevante mencionar as observações de Tepedino,


concernentes à interpretação constitucional. Em primeiro lugar, não se pode
conceber a idéia de que os princípios constitucionais são apenas princípios políticos.
Por isso, há que se eliminar do vocabulário jurídico a expressão “carta política, que
acaba por relegar a um programa longínquo de ação, destituindo-a de seu papel
unificador do direito privado. Em segundo lugar, não se pode concordar com os
civilistas que se utilizam dos princípios constitucionais como princípios gerais de
direito, que são preceitos extraídos implicitamente, pelo método indutivo. A lei de
Introdução ao Código Civil prevê que se a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de
acordo com a analogia e os bons costumes. Esta é uma grave crítica que se faz,
pois só em último caso é que decidirá com base nos princípios gerais do direito.
Neste tocante, inclusive, a expressão “princípios gerais” leva a prestigiar as leis
ordinárias e até os costumes, em detrimento dos princípios constitucionais, que só
serão relevados, após serem descartadas a analogia e a fonte consuetudinária.44

Em terceiro lugar, no que tange à técnica interpretativa, não


pode o operador manter-se apegado à necessidade de regulamentação casuísta, ou
seja, prever todas as situações pormenorizadas e detalhadas, correndo o risco de
gerar a ineficácia das cláusulas gerais introduzidas pela Constituição Federal e pelas
leis infraconstitucionais.45

Na verdade, há vários institutos jurídicos previstos no novo


Código Civil, muitos deles abertos e genérios, que exigem uma análise profunda de
cada situação, caso em que o juiz aplicará ao caso concreto a sua experiência, de

44
TEPEDINO, 2004, Op. Cit. p. 18.
45
Ibid. p. 18-19.
17

acordo com os seus valores. Portanto, a tríplice “fato, valor e norma” serão
imprescindíveis.

2 CONFLITOS DE REGRAS E A COLISÃO46 DE PRINCÍPIOS47


CONSTITUCIONAIS

Inicialmente, é importante salientar que a constituição Jurídica


não significa simples pedaço de papel, e não é impotente para dominar
efetivamente, a distribuição do poder. A constituição não está desvinculada da
realidade histórica concreta de seu tempo. Todavia, não está condicionada,
simplesmente, por essa realidade. Em caso de conflito, a Constituição não deve ser
considerada a parte mais fraca. Ao contrário, existem pressupostos realizáveis, que
mesmo em caso de confronto, permitem assegurar a força normativa da
constituição.48

Segundo Andrade: “haverá colisão ou conflito sempre que se


deva entender que a constituição protege simultaneamente dois valores ou bens em
contradição concreta [...]”.49 De acordo com a doutrina de Canotilho, as colisões de
direitos fundamentais podem ser divididas em dois tipos: colisão de direitos entre
vários titulares de direitos fundamentais; e colisão entre direitos fundamentais e bens
jurídicos da comunidade e do Estado.50

46
Exemplo clássico de colisão de princípios é da livre concorrência e o princípio da defesa do
consumidor, ambos do art. 170 da Constituição Federal. Outra colisão é o do princípio da
privacidade – art. 5º, inciso X – e a liberdade de comunicação social – art. 220, ambos da
Constituição Federal. O passo é a tentativa de conciliação entre ambos os princípios em choque.
Em segundo lugar, a pertinência e o de peso maior – o que é discutível, já que a Carta Magna não
estabeleceu uma escala de valores axiológicos. Cf: FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso
de Direito Constitucional. 31. ed. rev., ampl. e atual. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 395.
47
Segundo Alexy apud Manoel Gonçalves Ferreira Filho, os direitos fundamentais nem sempre são
princípios, mas podem ser enunciados de princípios, ou como regras, ou como princípios e regras.
Assim, no direito constitucional brasileiro é difícil de acatar a tese de que os dispositivos do art. 5º
da Constituição Federal são meros princípios, pois se assim fosssem, seriam suscetíveis de
flexibilização. (Op. Cit. p. 395).
48
HESSE, Konrad. A força normativa da Constituição. Sérgio Antônio Fabris Editor: Porto Alegre,
1991, p. 25.
49
ANDRADE, José Carlos Vieira de. Os direitos fundamentais na Constituição portuguesa de 1976.
Coimbra: Almedina, 1987, p. 220.
50
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e teoria da constituição. 2. ed.
Coimbra: Almedina, 1998, p. 1138.
18

As colisões são, conforme Larenz apud Steinmetz, direitos


cujos limites não estão fixados de uma vez por todas, mas que em certa medida são
‘abertos’, ‘móveis’, e, mais precisamente, esses princípios podem, por esse motivo,
entrar facilmente em colisão entre si, porque sua amplitude não está de antemão
fixada.51 Portanto, há colisão porque os princípios não estão dados uma vez por
todas, mas são abertos, móveis e flexíveis quando de sua realização ou
concretização na vida social.

Segundo Canotilho, há colisão de direitos quando o exercício


de um direito fundamental por parte de seu titular colide com o exercício do direito
fundamental por parte de outro titular. Não há, pois, cruzamento ou acumulação,
mas um “choque”, um autêntico conflito de direitos. A colisão ou conflito de direitos
fundamentais encerra, por vezes, realidades diversas nem sempre diferenciadas
com clareza.52

No caso de não existir norma legal que regule diretamente a


situação, não fica o juiz desprovido de resposta. Deve ele recorrer aos conceitos
abertos do direito privado e preenchê-los com a ajuda de valores constitucionais,
como por exemplo, no caso de cláusulas contrárias à ordem pública ou à lei”,
“ofensivo aos bons costumes”, as “cláusulas referentes à boa-fé” e do “abuso de
direito”. Se isto ainda for insuficiente, deverá o juiz decidir o caso a partir dos
princípios gerais, aplicando o princípio da harmonização, sempre que se possa
afirmar que há um valor ou interesse constitucionalmente relevante.53

2.1 Concorrência de direitos

51
STEINMETZ, Wilson Antônio. Colisão de Direitos fundamentais e o princípio da proporcionalidade.
Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001, p. 63.
52
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e teoria da constituição. 2. ed.
Coimbra: Almedina, 1998, p. 1137.
53
ANDRADE, José Carlos Vieira de. Os direitos, liberdades e garantias no âmbito das relações entre
particulares. In: SARLET, Ingo Wolfgang (organizador). Constituição, Direitos fundamentais e
Direito Privado. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003, p. 291.
19

A concorrência de direitos fundamentais existe quando um


comportamento do mesmo titular preenche os “pressupostos de fato” (Tatbestände)
de vários direitos fundamentais. Uma das formas de concorrência de direitos é,
precisamente, aquela que resulta do cruzamento de direitos fundamentais: o mesmo
comportamento de um titular é incluído no âmbito de proteção de vários direitos,
liberdades e garantias. O conteúdo destes direitos tem, em certa medida e em certos
setores limitados, uma “cobertura” normativa igual.54 Em síntese, há concorrência
entre direitos fundamentais quando dois ou mais direitos são aplicáveis para a
proteção de uma conduta, caso em que preenche os “pressupostos fáticos” de
ambos.55

Outro modo de concorrência de direitos verifica-se com a


acumulação de direitos: aqui não é um comportamento que pode ser subsumido no
âmbito de vários direitos que se entrecruzam entre si; um determinado “bem jurídico”
leva à acumulação, na mesma pessoa, de vários direitos fundamentais.56

Segundo o mesmo autor, o problema da concorrência de


direitos oferece dificuldades quando os vários direitos concorrentes estão sujeitos a
limites divergentes (Problem der schrankendivergenten Grundrechte), caso em que
deve ser determinado qual, dentre os vários direitos concorrentes, assume relevo
decisivo. Nesses casos de concorrência, a solução ocorre quando uma norma é
especial em relação às outras, caso em que existe uma concorrência inautêntica ou
“parcial”.57

Nos casos de concorrência de direitos com limites divergentes,


mas sem existir entre eles uma relação de especialidade, os critérios mais
sufragados são o da prevalência dos direitos fundamentais menos limitados e o da
existência de mais elementos distintivos de um em relação ao outro. Não se trata de
estabelecer uma “escala de valor” entre dois ou mais direitos fundamentais
concorrentes, mas de verificar: a) se um dos direitos fundamentais está sujeito a

54
CANOTILHO, Op. Cit. p. 1135.
55
BORNHOLDT, Rodrigo Meyer. Métodos para resolução do conflito entre direitos fundamentais.
São Paulo: RT, 2005, p. 160.
56
CANOTILHO, Op. Cit. p. 1135-6.
57
Ibid. p. 1136.
20

reserva de lei restritiva e o outro é um direito sem “reserva expressa de lei restritiva”;
b) através da comparação dos pressupostos de fato dos dois direitos, verificar qual a
“pretensão” que o indivíduo pretende realizar de forma mais direta e imediata.58

Haverá situações que poderão aumentar ou diminuir seu


âmbito normativo, bem como permitir que princípios desfrutem apenas parcialmente
de um status de direito fundamental tenham sua incidência ampliada.

2.2 O conflito de regras

Quando se estabelecer um conflito entre regras, a solução está


na introdução de uma cláusula de exceção em uma das duas regras, que elimina o
conflito ou declara a invalidade de uma das regras, eliminando-a do ordenamento
jurídico. Neste sentido, a validez jurídica não é gradual. Mas isso nem sempre é
possível, pois pode ocorrer que duas regras prevejam duas conseqüências jurídicas
inconciliáveis para o mesmo suporte fático. Nesses casos, não há outra alternativa
que não a verificação da invalidade de uma delas.59 Esta também é a opinião de
Robert Alexy:

Una norma vale o no vale jurídicamente. Que uma regla vale y es aplicable
a um caso significa que vale también su consecuencia jurídica. Cualquiera
que se ala forma como se los fundamente, no puede ser el caso que valgan
dos juicios concretos de deber ser recíprocamente cobtradictorios. Si se
constatat la aplicabilidad de dos reglas com consecuenciais recíprocamente
contradicyorias em el caso concreto y esta contradicción no puede ser
eliminada mediante la introducción de uma cláusula de excpeción, hay
entonces que declarar inválida, por lo menos, a uma de las reglas.60

Com efeito, um conflito entre regras somente é solucionado


com a introdução de uma cláusula de exceção em uma das regras conflitantes, ou
se uma delas for declarada nula, na medida em que as regras, envolvidas no

58
CANOTILHO, Op. Cit. p. 1137.
59
SILVA, Virgílio Afonso da. A constitucionalização do Direito: os direitos fundamentais nas relações
entre particulares. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 33.
60
ALEXY, Op. Cit. p. 88.
21

conflito, tem a mesma validade. Desta forma, a regra perde o caráter de definitiva
para a decisão do caso concreto.

O problema pode ser resolvido com a introdução de uma


cláusula de exceção, do tipo “a lei posterior revoga a anterior” e “a lei especial
derroga a lei geral”, mas também é possível proceder de acordo com a importância
das regras em conflito. A decisão é, pois, acerca da validade da regra (a validade
não é gradual, pois ou a norma é válida, ou não).61 Em síntese, se duas regras
prevêem conseqüências jurídicas diversas para o mesmo caso, não podem
pertencer ao mesmo sistema jurídico, pois uma delas, pelo menos para esse
sistema, será inválida.

Ao ocorrer uma antinomia, a conseqüência é a eliminação de


uma das regras, eis que o conflito ocorre no campo da validade. A colisão de
princípios, no entanto, se resolve de modo diverso, uma vez que entre eles não
ocorre no campo da validade, como ocorre com as regras, mas sim na dimensão do
peso/valor. Os princípios têm um valor, um peso diferente nos casos concretos, de
modo que o princípio de maior peso prevalece e o outro recua, o que não significa
que o princípio do qual se abdica seja declarado nulo, nem uma cláusula de exceção
nele se introduza, já que a solução está no campo dos valores.62

2.3 Colisão de princípios

Verificou-se que os princípios têm sido definidos como


mandados de otimização e as regras como normas que são cumpridas ou não.
Desta diferença surgiu o diferente comportamento entre conflito e colisão.

A solução para a colisão dos princípios é bem diferente da


solução do conflito de regras. Quando os princípios entram em colisão, ou seja,

61
ALEXY, Op. Cit. p. 88.
62
ALEXY, Robert apud FIGUEIREDO, Sylvia Marlene de Castro. A constituição como sistema e a
interpretação. São Paulo: RCS editora, 2005, p. 76-77.
22

quando um princípio proíbe e o outro permite, um deles tem que ceder ao outro. Isto
não significa que um dos princípios passa a ser inválido, nem que seja incluída uma
cláusula de exceção. Um dos princípios precede ao outro. Na verdade, os princípios
possuem diferentes pesos e que prevalece o de maior peso.63 Portanto, no conflito
de regras prevalece a validade, ao passo que no conflito entre princípios prevalece o
de maior peso.

A colisão entre princípios é conhecida como “antinomias


jurídicas impróprias” – não conduz à exclusão a ordem jurídica de uma das normas
conflitantes. Há incompatibilidade, porém, não exclusão. Neste caso, o operador do
Direito opta entre um ou outro princípio, sem que o outro seja rechaçado do sistema,
ou deixe de ser aplicado a outros casos que comporem sua aceitação, ou seja,
afastado um dos princípios colidentes diante de certa caso, não significa que, em
outras situações, não venha o afastado a ser aproximado e aplicado em outros
casos.64

As regras são concepções dos princípios, são especificações


regulatórias desses; são desdobramentos normativos dos mesmos. Assim, não há
antinomias entre regras e princípios. Mas quando em confronto dois princípios – em,
que um prevalece sobre o outro - as regras que dão concreção ao que foi
desprezado são afastadas, e essas não se aplicarão a determinada hipótese, ainda
que permaneçam integradas, validamente no ordenamento jurídico.65

Por fim, importante registrar o entendimento de Vieira de


Andrade, para quem “a dignidade da pessoa humana, enquanto conteúdo essencial
absoluto do direito, nunca pode ser afetada – pois está é a garantia mínima que se
pode retirar da Constituição.”66

63
ALEXY, Op. Cit. p. 89.
64
ESPÍNDOLA, Op. Cit. p. 74-75.
65
Ibid. p. 74-75.
66
ANDRADE, Op. Cit. p. 293.
23

3 O PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE COMO MECANISMO DE SOLUÇÃO


DE CONFLITOS ENTRE OS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS E EFETIVAÇÃO
DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

Em primeiro lugar, podemos considerar que as expressões67


“adequação”, “ponderação” ou “harmonização” são todos sinônimos do princípio da
proporcionalidade. Estes são os mecanismos necessários à solução de conflitos
entre princípios e regras.

Neste sentido, o princípio da proporcionalidade


(Verhältnismässigkeitsgrundsatz), significa um axioma (Grundzatz), que possui como
subprincípios a adequação (Geeignetheit), a necessidade ou medida mais benigna
(Erforderlichkeit) e a proporcionalidade em sentido estrito (Verhältnismässigkeit
im engeren Sinne), que é a ponderação propriamente dita.68

Segundo Bornholdt, os seus subprincípios possuem caráter de


regras e não de verdadeiros princípios. Prova disso é que não ensejam qualquer
ponderação com outros bens. A ponderação ocorre antes entre outros bens
antagônicos, sendo que seu trabalho deve preencher as exigências dos
subprincípios.69

O princípio da adequação (Grundsatz der Geeignetheit) - por vezes também


denominado princípio da idoneidade ou princípio da conformidade – ordena
que se verifique, no caso concreto, se a decisão normativa restritiva (o
meio, a medida) do direito fundamental oportuniza o alcance da finalidade
perseguida. Trata-se examinar se o meio é apto, útil, idôneo ou apropriado
para atingir ou promover o fim pretendido.70

67
Não se deve confundir, como faz grande parte da doutrina, o princípio da proporcionalidade com a
simples exigência de razoabilidade, derivada do direito norte-americano. A proporcionalidade
confere um maior poder ao Judiciário, quando da análise de uma colisão entre princípios
constitucionais, de uma lei ou de um ato administrativo. Não basta que a medida seja razoável;
será necessário que a proporção que se conferiu a cada interesse (ou direito) em jogo não seja
ultrapassada. Cf: BORNHOLDT, Rodrigo Meyer. Op. Cit. p. 166.
68
STEINMETZ, Wilson. A vinculação dos particulares a direitos fundamentais. São Paulo: Malheiros,
2004, p. 210.
69
BORNHOLDT, Rodrigo Meyer. Op. Cit. p. 165.
70
STEINMETZ, Wilson. A vinculação...Op. Cit. p. 212.
24

O correto seria que os princípios prevaleçam harmonicamente,


sem hierarquia entre eles, pois todos são importantes. Mas como tal não se revela
possível, resta buscar uma resposta efetiva nos princípios da necessidade e o da
proporcionalidade. O primeiro deve ser utilizado quando houver conflito entre os
diversos princípios; já o princípio da proporcionalidade71 serve para equilibrar e
harmonizar os princípios, quando houver conflito entre eles.

O princípio da necessidade (Grundsatz der Erforderlichkeit) – também


denominado princípio da exigibilidade e de princípio da indispensabilidade –
ordena que se examine, entre os meios de restrição disponíveis, o escolhido
é o menos restritivo – isto é, menos prejudicial ou gravoso – ao(s) direito(s)
fundamental(is) em questão. Assim, uma determinada restrição é
necessária se não é possível escolher outra restrição igualmente efetivos
que limite menos o(s) direito(s) fundamental(is) em questão.72

Nesta perspectiva, o princípio da proporcionalidade está


vinculado aos direitos constitucionais por via dos direitos fundamentais. Portanto, é
um princípio constitucional, que visa, sobretudo, a dignidade da pessoa humana.
Não pode o intérprete anular um princípio em detrimento ao outro, mas deve ele
preservar, na medida do possível, as garantias estabelecidas, sem privar qualquer
delas de sua substância elementar.

O princípio da proporcionalidade em sentido estrito (Grundsatz


Verhältnismässigkeit im engeren Sinne) ordena que “os meios elegidos
devam manter-se em uma relação razoável com o resultado perseguido”.
Esse dever é cumprido mediante o exame do equilíbrio ou da “justa medida”
entre a restrição (o meio) e a finalidade pretendida.73

A ponderação de bens é o método que consiste em adotar uma


decisão de preferência entre os direitos ou bens em conflito; o método que
determinará qual o direito ou bem, e em que medida, prevalecerá, solucionando a
colisão. Para a aplicação da ponderação são necessários alguns pressupostos: a
colisão de direitos fundamentais e bens constitucionalmente protegidos; e a
inexistência de uma hierarquia entre os direitos em colisão.74

71
Nesse sentido: “Cuida-se do princípio da proporcionalidade, que impõe o sacrifício de um bem
jurídico, suscetível de tutela subseqüente, em favor de outro bem jurídico que, se não tutelado de
pronto, será definitivamente sacrificado.” (PASSOS, Op. cit. p. 17).
72
STEINMETZ, A vinculação....Op. Cit. p. 213.
73
STEINMETZ, Wilson. A vinculação...p. 213-214.
74
Ibid. p. 141-142.
25

A análise do conteúdo dessa lei mostra que a ponderação consiste em três


passos. Primeiro: determinação (“mensuração”) do grau de não-satisfação
ou de não-realização de um princípio (o princípio restringido). Trata-se de
“quantificar” o grau da intensidade da intervenção ou da restrição. Segundo:
avaliação da importância (“peso”) da realização do outro princípio (o
princípio oposto). Terceiro: demonstração de se a importância da realização
do princípio oposto justifica a não-realização do princípio restringido.75

A partir dessas definições, deve-se desde logo ressaltar a


multifuncionalidade do princípio da proporcionalidade: é por meio dele que o
subjetivismo de uma decisão deve se manifestar, através da precedência de um dos
direitos ou princípios (princípio da proporcionalidade em sentido estrito). Em
decorrência disso, serve ele de instrumento teórico no momento da ponderação.
Como proibição do arbítrio, ao analisar a conveniência dos meios propostos com os
fins a serem atingidos, para preencher lacunas.76

Não se pode olvidar que o princípio da ponderação enfrenta


críticas, pelo fato de a interpretação sujeitar-se ao arbítrio de quem a realiza com
abertura ao subjetivismo e, conseqüentemente, ao totalitarismo e à ditadura.

Note-se que há diferença entre direitos como princípios e


direitos definitivos, ou seja, os primeiros alicerçam a concretização aberta à
ponderação e balanceamento, segundo o peso das circunstancias concretas, às
custas da relativização da força vinculativa dos próprios direitos. A doutrina civilista
não nega o problema da colisão e a necessidade de ponderação, mas não cede à
tentação de abandonar as regras clássicas de solução de conflitos previstas no
Código Civil. A conseqüência disso, é que os tribunais superiores estão com
excesso de problemas que poderiam ter sido solucionado desde logo.

Cabe, então, ao juiz a tarefa de harmonizar os princípios


constitucionais, principalmente, diante da profunda transformação social, herança da
revolução industrial, exige-se a construção de uma dogmática menos analítica e
mais hermenêutica, voltada para as conseqüências futuras das decisões, evitando-
se, assim, possíveis conflitos e incompatibilidades, ou, ao menos, neutralizando-as.
Neste caso, há o problema de decidibilidade, diante de diversas possibilidades

75
Ibid. p. 214.
76
BORNHOLDT, Rodrigo Meyer. Op. Cit. p. 164.
26

interpretativas da norma. Ganha espaço, portanto, a fórmula valorativa da função


social, não só diante de uma Dogmática hermenêutica, mas também diante do
próprio conceito de lacuna, pois ele alarga o campo de atuação do intérprete, já que
alarga o campo da positividade a partir dele próprio.77

A fim de esclarecer sobre a aplicabilidade do princípio da


ponderação, Robert Alexy apresenta um exemplo: quando se tratar de uma
audiência oral com um acusado que, devido à tensão que tais atos trazem consigo,
corre o perigo de sofrer um infarto. O Tribunal constata que em tais casos existe
uma relação de tensão entre o dever do estado de aplicar de forma adequada o
direito penal, mas, em contrapartida, há o interesse do acusado na salvaguarda dos
direitos constitucionais, e cuja proteção o Estado está igualmente obrigado por lei
fundamental.78 Este é um típico caso em que cabe a aplicação do princípio da
ponderação, haja vista que há em xeque interesses opostos.

De um lado, a lei penal deve ser aplicada em maior grau


possível e, por outro lado, a obrigação de afetar o menos possível a integridade
física do acusado. Esses princípios conduzem a uma contradição. Isto significa que
cada um deles limita a possibilidade jurídica de cumprimento do outro. Esta situação
não é solucionada no campo da validade, eliminando um dos princípios, com a
aplicação de uma cláusula de exceção – o que seria mais fácil. A solução da colisão
consiste nas circunstâncias de cada caso, em que se estabelece entre os princípios
uma relação de precedência condicionada, levando-se em conta as condições.79

Assim, para resolver o grande dilema da interpretação


constitucional, representado pelo conflito entre princípios constitucionais, aos quais
se deve igual obediência, por ser a mesma a posição que ocupam na hierarquia
normativa, preconiza-se o recurso a um “princípio dos princípios”, ou seja, o princípio
da proporcionalidade, que determina a busca de uma “solução de compromisso, na

77
ALBUQUERQUE, Ana Rita Vieira. A função social da dogmática jurídica. Rio de Janeiro: Lúmen
Júris, 2002, p. 3-4. Cf a mesma autora, a dificuldade que a idéia de social produz é que situa o jurista
em terrenos de outros conhecimentos como o religioso, o político, o econômico, pois será o mediador
entre o sistema conceitual e a sociedade, saindo daquela posição de “guardião” da lei para a de
“artesão” do direito e do conteúdo da lei.Albuquerque, Op. Cit. p. 4.
78
ALEXY, Op. Cit. p. 90.
79
Ibid. p. 91-92.
27

qual se respeita mais, em determinada situação, um dos princípios em conflito,


procurando desrespeitar o mínimo possível os outros princípios e seu “núcleo
essencial, onde se acha insculpida a dignidade da pessoa humana.80

É de verificar-se, pois, que o princípio da proporcionalidade


preconiza a estruturação de uma relação meio-fim, na qual o fim é o objetivo ou
finalidade perseguida pela restrição e o meio é a própria decisão normativa –
legislativa, administrativa, judicial ou contratual – limitadora que pretende tornar
possível o alcance ou a promoção do fim almejado. Esse princípio ordena que a
relação entre o fim que se pretende e o meio utilizado dever se adequado,
necessário e proporcionado.

CONCLUSÃO

No presente estudo, constatou-se que a principal distinção


entre regras e princípios reside no fato de que estes últimos são mandatos de
otimização, ao passo que as regras são normas que somente podem ser cumpridas
ou não. Assim, quando se estabelecer um conflito entre regras, a solução está na
introdução de uma cláusula de exceção em uma das duas regras, que elimina o
conflito ou declara a invalidade de uma das regras, eliminando-a do ordenamento
jurídico. Neste sentido, a validez jurídica não é gradual.

Em relação aos princípios, nem todos os princípios prevalecem


harmonicamente, sendo necessário buscar uma resposta efetiva nos princípios da
necessidade e o da proporcionalidade. O primeiro deve ser utilizado quando houver
conflito entre os diversos princípios; já o princípio da proporcionalidade serve para
equilibrar e harmonizar os princípios, quando houver conflito entre eles.

Já a colisão de princípios ocorre quando um proíbe e o outro


permite, caso em que um deles tem que ceder ao outro. Isto não significa que um
80
GUERRA FILHO, Willis Santiago. Princípio da proporcionalidade e teoria do direito. In: GRAU,
E.R. GUERRA FILHO, W.S. (organizadores). Direito Constitucional – estudos em homenagem a
Paulo Bonavides. São Paulo: Malheiros, 2001, p. 269.
28

dos princípios passa a ser inválido, nem que seja incluída uma cláusula de exceção,
mas um dos princípios precede ao outro. Na verdade, os princípios possuem
diferentes pesos e que prevalece o de maior peso. Não pode o intérprete anular um
princípio em detrimento ao outro, mas deve ele preservar, na medida do possível, as
garantias estabelecidas, sem privar qualquer delas de sua substância elementar.

Verificou-se, ainda, que o princípio da proporcionalidade prevê


uma relação entre o fim que se pretende alcançar e o meio utilizado, que deve ser
adequado, necessário e proporcional. Além disso, constatou-se a importância da
aplicação do princípio da proporcionalidade nos casos concretos, haja vista que está
diretamente vinculado aos direitos constitucionais, por via dos direitos fundamentais.
Portanto, é um princípio constitucional, que visa, sobretudo, a dignidade da pessoa
humana.

Não se pode olvidar que o princípio da ponderação enfrenta


críticas, pelo fato de a interpretação sujeitar-se ao arbítrio de quem a realiza com
abertura ao subjetivismo, mas, hodiernamente, o grande desafio dos juristas e
legisladores é o de conceber um ponto de equilíbrio entre os conceitos novos e
emergentes e o mínimo de segurança que é esperada do ordenamento jurídico.

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