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ISSN: 2526-2149
DOI: http://dx.doi.org/10.23926/RPD.2526-2149.2018.v3.n2.p681-699.id280
Maria Anita Pinto Resumo: A presente pesquisa teve por objetivo analisar de forma
Soares qualitativa a abordagem histórica dada ao tema “vacinas” nos discursos
Licenciada em Licenciatura científicos e pedagógicos apresentados em livros didáticos de Ciências
utilizados no Ensino Fundamental – II. O percurso metodológico baseou-se
em Ciências Naturais
em análise de conteúdo, buscando identificar e interpretar o discurso textual
(UFMA). de livros do 7º ano utilizados em uma amostragem de escolas da rede
anitapsoares@hotmail.com pública da cidade de Codó – Maranhão, pontualmente da zona urbana.
Fundamentou-se a discussão com base no caminho metodológico proposto
Clara Virgínia Vieira nos trabalhos de Mohr (1995) e Vidal & Porto (2012), com as devidas
Carvalho Oliveira adequações nos critérios de interesse desta pesquisa. Nessa ótica, foram
construídos três blocos de análises organizados em uma rede sistêmica
Marques suscitando as questões norteadoras da pesquisa que se pautaram nas
Doutora em Ciências seguintes vertentes: Perfil dos Personagens, Perfil dos Fatos e Feitos e Perfil
(UFSCar). da Função Social. Os resultados mostraram que o conteúdo “vacinas” está
Professora (UFMA). presente em todos os livros analisados, porém a abordagem histórica ainda
clara.marques@ufma.br é rasa, não sendo, portanto, satisfatória quando se pensa em explorar a
potencialidade dessa vertente para a promoção de uma educação para a
saúde destinada a estudantes em formação, para atender as necessidades
instrutivas de pessoas socialmente críticas e participativas.
Palavras-chave: Vacinas. Livro Didático. Ensino de Ciências. História da
Ciência.
1 INTRODUÇÃO
Nas últimas décadas, as práticas de ensino vêm sendo fortemente influenciadas pela
dinâmica dos avanços científicos, tecnológicos e de seus desdobramentos, requerendo assim, a
implementação efetiva de renovação nas propostas e nos recursos didáticos utilizados nos
processos de ensino para propor abordagens que alcancem e valorizem a participação efetiva
do alunado no processo de aprendizagem (BRASIL, 1998; KRASILCHIK, 2000;
NASCIMENTO et al., 2010; SELBACH e ANTUNES, 2010).
Diante de uma nova sociedade de características diferenciadas, denominada na literatura
de sociedade do conhecimento, espera-se das diversas áreas de ensino novas perspectivas de
abordagens para promoção de elementos cruciais que se apliquem a formação de cidadãos
críticos e reflexivos, levantando assim, uma necessidade de modificações nos conteúdos
escolares, como por exemplo: a inserção de temas presentes no dia a dia dos estudantes, que
abraçarem suas realidades e que lhes permitam fazer conexão do conhecimento científico com
o conhecimento para vida (ALARCÃO, 2008; CHARLOT, 2005; CHASSOT, 2002). Ressalta-
se que a base legal nacional que orienta os pressupostos educacionais desde o final da década
de noventa, tem inserido temas nessa vertente, denominando-os de “Temas Transversais”, que
sugerem aos professores de todas a áreas desenhar suas práticas pedagógicas utilizando
princípios de contextualização e interdisciplinaridade, inserindo práticas diferenciadas e um
embasamento teórico que alicerce a construção do conhecimento significativo e leve a
compreensão do processo de formação cidadã (BRASIL, 1998; HAMENSCHLAGER, 2011).
A retórica de especialistas da área do ensino de ciências reporta-se a incentivar o uso de
estratégias metodológicas que concernem para a conexão e a contextualização entre o saber
científico e o conjunto de conhecimentos prévios dos alunos, alocando o professor na
perspectiva de mediador reflexivo no processo de ensino e aprendizagem, não deixando de
promover a construção do conhecimento sob a ótica de elementos próprios das ciências que
são: a observação, a experimentação, o levantamento de questionamentos e de hipóteses sobre
os fenômenos naturais e o meio em que vivem, para que assim, haja o desenvolvimento de
diferentes argumentos e a formação de uma sociedade efetivamente ativa e participativa
(CHASSOT, 2002; KRASILCHIK, 2000; SELBACH e ANTUNES, 2010).
Porém, essas mudanças no processo educacional dentro do contexto nacional ainda não
são realidades em muitas escolas, bem como no imaginário de alunos e professores, tanto que,
até hoje, se tem muito como características no ensino de Ciências a aplicação de metodologias
tradicionalistas, sem uso ou possibilidade de acesso, acesso esse não só de recursos didáticos
mulheres ordenhadoras em contato com vacas infectadas por uma doença semelhante à Varíola
(cowpox). Estes sinais se apresentavam como uma forma menos agressiva. A partir desta
constatação o médico realizou coletas nas camponesas, retirando amostras direto das pústulas
e inoculando-as em outros indivíduos sadios, por meio de pequenos arranhões feitos na pele,
sendo que essa técnica ficou conhecida como variolização (FEIJÓ e SÁFADI, 2006;
FERNANDES, 2010; LOPES e POLITO, 2007).
No Brasil, o processo de vacinação ainda enfrenta vários obstáculos que passam desde
a falta de conhecimento e de alfabetização científica da população até mesmo por questões
éticas, culturais e políticas. Por conta dessas circunstâncias, o decreto do Ministério da Saúde
de nº 78.231, de 12 de agosto de 1976, determina, no seu art. 27, que as vacinas são obrigatórias,
em todo território nacional (BRASIL, 2014). A partir dessa medida institucional, o país
conseguiu enfrentar e erradicar doenças tais como: a febre amarela urbana (em 1942), a varíola
(em 1973) e a poliomielite (em 1994). Essas informações, que podem fortalecer ações sociais
e cidadãs em pessoas em processo de formação, além de promover competências para o cuidado
com a saúde do corpo, normalmente são preteridas ou até descartadas no universo conteudista
escolar, não sendo priorizadas no entendimento do conteúdo científico tradicionalmente
trabalhado em sala de aula.
Assim, volta-se o olhar para a questão da inserção da abordagem histórica no ensino de
Ciências como linha argumentativa, visto que este olhar pode promover abrangência na
compreensão das relações existentes entre fatos/feitos científicos e seus processos de
implementação da ciência na vida das pessoas, podendo criar um elo entre os processos e as
tentativas para descoberta/invenção de algo que está presente no cotidiano da sociedade atual
(CHASSOT, 2002; KRASILCHIK, 2000).
Para Gagliardi e Giordan (1986, p. 254) o uso da abordagem histórica no ensino oferece
aos estudantes uma visão mais crítica da ciência, no sentido de:
2 METODOLOGIA
A metodologia adotada versou para a abordagem de pesquisa qualitativa, utilizando da
análise de conteúdo para verificação do tema de interesse nos textos de livros didáticos
utilizados em uma amostragem de escolas da rede pública da cidade de Codó – Maranhão,
pontualmente da zona urbana. Essa abordagem encaixa-se nos aspectos qualitativos de
pesquisa, uma vez que condiz com a definição de BOGDAN e BIKLEN (1994) que a entendem
como “[...] uma metodologia de investigação que enfatiza a descrição, a indução, a teoria
fundamentada e o estudo das percepções pessoais”. Nessa ótica, buscou-se construir uma
discussão analítica a respeito do conteúdo sobre vacinas presentes em livros didáticos de
Ciências Naturais no que concerne ao panorama dos aspectos históricos e o discurso pedagógico
em confronto com o discurso científico para a promoção de uma educação para promoção de
saúde.
Ressalta-se que os livros didáticos selecionados para análise se referem a unidade
utilizada no sétimo ano do Ensino Fundamental da amostragem de escolas já mencionadas.
Esses livros foram adquiridos por solicitação feita diretamente aos gestores das escolas no
momento do aceite da instituição ao convite de participação na pesquisa. De posse aos livros
buscou-se inicialmente pontuar os momentos de alusão ao assunto em questão (estudo
posse dos textos selecionados, partiu-se para a análise de conteúdo e a organização das unidades
de significados em rede sistêmica.
A construção da rede sistêmica foi idealizada em blocos de análise que elucidam as
questões norteadoras da pesquisa estruturados à luz de categorias e subcategorias que buscaram
responder as indagações levantadas na hipótese da pesquisa (LÜDKE e ANDRÉ, 2013;
MARQUES, 2010).
Assim, foram suscitados três blocos de análise, que retrataram o perfil da construção
histórica das vacinas presentes no LD analisados, denominados neste trabalho de: a) Bloco I:
Quem são os autores da história das vacinas? Esse bloco destacou a categoria denominada
“Perfil dos Personagens” e suas subcategorias foram: Biografia e Características pessoais; b)
Bloco II: Como se construiu a história das vacinas? Nesse bloco tem-se a categoria “Perfil dos
Fatos e Feitos”, que procurou detectar a forma como o conhecimento científico foi explorado e
construído no sentido dos seus conceitos e definições, termos pertinentes e correção ou
atualização científica (ou dos avanços científicos) e, c) Bloco III: Para quê/quem se destinam
as vacinas? Sendo sua categoria definida como “Perfil da Função Social” que buscou identificar
as formas de educação para a saúde, bem como o público alvo a que se destina e os impactos
causados na realidade econômica nacional da temática abordada, conforme mostra Figura 1.
3 RESULTADOS E DISCUSSÕES
De maneira geral, constatou-se que todos os LD selecionados mencionaram diferentes
tipos de doenças e suas prevenções por meio de vacinação. Com relação às doenças abordadas,
observou-se que os tipos mencionados em todos os exemplares foram: Caxumba, Febre
Amarela, Gripe, Hepatites Virais, Poliomielite, Sarampo e Tuberculose. Outro ponto que
chamou atenção foi que 80% dos livros apresentaram a Pneumonia, Rubéola, Tétano e a Varíola
como doenças já erradicadas por meio das vacinas. Há também alusão para doenças que ainda
não existem vacinas, como a Dengue e a AIDS. Não se identificou, em nenhum dos exemplares,
afirmações incorretas sobre enfermidades que possam ser prevenidas por vacinação, como
ocorreu nos dados da pesquisa de Succi, Wickbold e Succi (2005), que relata entre os erros
detectados, a citação da existência de vacina contra a Dengue.
Diante desse panorama, o Quadro 2 descreve as unidades de significados que
correspondem ao primeiro bloco de análise (Quem são os autores da história das vacinas?),
formado pela categoria “Perfil dos Personagens” com o objetivo de se entender como é
colocado o discurso sobre a caraterização de quem fez a história desse invento ao longo dos
tempos. Assim, foram suscitadas duas subcategorias, a saber: (i) Biografia e (ii) Características
Pessoais. Na subcategoria “Biografia”, buscou-se identificar as informações que se
direcionassem aos nomes, datas de nascimento e morte, nacionalidades e dados de formação
dos atores do processo de construção histórica das vacinas.
Neste bloco trata-se da identificação de trechos que fazem referência a características de vida e obra dos
cientistas envolvidos na história das vacinas. Nessa discussão foram suscitadas duas subcategorias: Biografia
e Características pessoais
Quadro 3 - Descrição das Unidades de Significados do Bloco “Perfil dos Fatos e Feitos”
Neste bloco trata-se de refletir sobre trechos identificados que mencionam conceitos e definições, assim
como as explicações de termos desconhecidos e possíveis atualizações em relação a textos já estabelecidos
em tempos anteriores.
Unidades de
Subcategorias Citações (trechos ilustrativos)
Significados
“A vacina tem caráter preventivo [...] Elas
Ausente
não são constituídas de anticorpos, mas
Conceitos e Definições Presente/Explícito
estimulam os organismos a produzi-los e,
Presente/Implícito
assim, evitar que a doença se instale [...]”
Neste bloco de análise buscou-se discutir os trechos que se referiram as formas como o tema vacinas é
trabalhado para atender informações para a sociedade.
Sendo assim, no que tange às campanhas de vacinação revelou-se que todos os LDC
abordam algumas das ações de âmbito nacional realizadas nas duas últimas décadas,
principalmente relacionadas a variações de gripes que marcaram a história nacional. Também
foi verificada uma considerável alusão a Poliomielite, que é considerada um dos grandes
problemas que atingiram as pessoas na década de 50 a 70, ainda na fase infantil deixando
algumas gerações com sequelas marcantes na trajetória histórica da saúde infantil do país.
Percebeu-se ainda que o trato sobre as campanhas de vacinação nos LDC utiliza de
outras variações de comunicações para ilustrar a história marcante da função social das vacinas.
Exemplifica-se pelo LDC 4, onde constatou-se o discurso da importância da vacinação contra
a gripe, com exposição de comunicação ilustrativa na forma de cartazes coloridos (com cores
fortes e marcantes) contendo datas e informações para reforçar a abrangência e o porquê das
campanhas serem realizadas anualmente. Nessa mesma direção, os LDC 1, 3 e 5 apresentam
as campanhas contra a Poliomielite contendo cartazes e informações que esclarecem e
quantificam os benefícios da prevenção.
Outro trecho marcante se referiu a diminuição da taxa de mortalidade (em 80% dos
livros) como benefícios para a população decorrente dos resultados de campanhas informativas
para o atendimento do uso de vacinas. Constatou-se também que em alguns exemplares são
apresentados gráficos (20%) que comprovam a diminuição de casos de algumas doenças com
as campanhas de vacinação, e com isso a diminuição da mortalidade que muitas vezes é o
destino dos indivíduos acometidos por essas enfermidades. Essa informação retrata o que é
divulgado pelo Ministério da Saúde, através do Programa Nacional de Imunizações (PNI),
quando informa que o Brasil diminuiu em 77% a mortalidade das pessoas na fase da infância,
por conta da propagação das vacinas, exemplificando a de maior benefício que é a vacina de
Rotavírus Humano - causador mais frequente de diarreia aguda que é uma das principais causas
de morte infantil pelo mundo (BRASIL, 2014).
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Com relação à caracterização inicial dos livros didáticos, comprovou-se que o conteúdo
“Vacinas” é contemplado em todos os exemplares selecionados, assim como o assunto é
seccionado em capítulos pontuais. É marcante nessa análise que a vacinação é descrita como
principal ação preventiva destinada a população em geral, e que sua administração é de
responsabilidade de gestão pública. Sobre a abordagem histórica das vacinas nos LDC notou-
se que ainda é uma linha tímida que se encontra de forma fragmentada, sendo mais presente em
textos didáticos complementares de apoio ao conteúdo e isso é preocupante porque muitas das
vezes esses segmentos são desconsiderados no processo educativo.
De acordo com o primeiro bloco de análise” é no mínimo intrigante quando se percebe
que apenas um cientista é citado, entre tantos que contribuíram no processo das descobertas das
vacinas, e ainda, não é mencionado o movimento da metodologia científica comum para essa
temática, onde vários cientistas reuniram conhecimentos sobre esses assuntos em diferentes
períodos ao longo da história da ciência.
Na questão de humanização do personagem cientista, os textos se resumem a relatar
apenas nome, datas (nascimento e morte) e nacionalidade, sem contextualizar o momento
histórico de sua produção científica, de tal forma que as ideias são apenas mencionadas, sem
descrição do processo de construção do conhecimento e das influências da ciência e tecnologia
na sociedade e, que de certa forma, distancia o aluno da compreensão de cientista como pessoa
e da ciência como prática humana para a sociedade.
REFERÊNCIAS
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LOPES. M. B.; POLITO. R. “Para Uma História da vacina no Brasil”: um manuscrito inédito
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