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UNIDADE 4
A LEITURA E A INTERPRETAÇÃO DA
4 BÍBLIA NA COMUNIDADE DE FÉ HOJE
Nesta unidade, a preocupação será aplicar o que aprendemos até aqui. O que podemos
fazer com tudo que estudamos em nosso curso? Essa pergunta será tratada nesta unidade.
Mas existe um tipo de leitura que é comum tanto para católicos como para protestantes.
É um tipo de leitura que requer respostas existenciais para o indivíduo que lê as páginas
da Escrituras Sagradas. Referimo-nos aqui à Leitura Orante da Bíblia.
A leitura orante é uma prática comum entre membros de diversas igrejas. Esse tipo de
leitura compreende alguns procedimentos importantes. Cássio Murilo Dias (2000, p.27)
assim afirma sobre a leitura orante:
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É o direcionamento mais básico e espontâneo de nossa leitura: buscamos no
texto bíblico respostas para nossos anseios e luz para as nossas decisões, pois
nós o tomamos como instrumento para dialogarmos com Deus. Este nível está
sistematizado nos passos da “Lectio Divina”: o texto sagrado, a leitura, a medi-
tação, a partilha, a oração, a contemplação, a ação.
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Comentaremos a seguir os passos esquematizados acima da leitura orante:
• O Texto Sagrado – Ora, valorizar a Bíblia é o primeiro passo para a leitura orante,
pois é dela que partimos. Das páginas da Bíblia Hebraica e do Novo Testamento
praticamos metodologicamente nossas exegeses e posteriormente a hermenêutica.
Fazer exegese é muito importante, como já estudamos em nosso curso, pois situa o
lugar, a cultura e o período das narrativas da Bíblia. Somente assim podemos ter uma
compreensão ampla do mundo bíblico.
Portanto, para praticar a leitura orante é imprescindível partirmos dos textos sagra-
dos bíblicos.
Para uma leitura “ser leitura” é preciso prestar atenção. Essa explicação parece sim-
ples, mas não é. Quantas vezes lemos alguns textos da Bíblia e não prestamos atenção
aos detalhes, como os personagens, cenas, lugar do narrador, contexto histórico etc.?
A leitura do texto da Bíblia é fundamental para a prática da leitura orante. Ler, reler, fazer
análises da narrativa, estudos sob viés do método histórico-crítico, ou seja, desenvolver
o que aprendemos em nosso curso de Hermenêutica, cujo objetivo não é outro senão o
de nos capacitar a ler e a interpretar a Bíblia consistentemente.
Ler os textos, fazer exegese, requer meditar sobre o que foi apreendido, descoberto. A
meditação é necessária para avaliarmos como um texto sagrado pode nos auxiliar no
nosso dia a dia e também às nossas comunidades.
• Partilha – Estudar a Bíblia é um prazer imensurável. Tudo que estudamos até aqui
perderá o sentido se não partilharmos as experiências e aprendizados que obtivemos
ao ler os seus textos.
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A Leitura e a Interpretação da Bíblia na Comunidade de Fé Hoje
A própria Bíblia Hebraica, por exemplo, foi escrita em mutirão, ou seja, na composição
de seus textos participaram diversas mãos, que nos deixaram experiências incríveis
sobre suas maneiras de crer em Deus.
Portanto, ler a Bíblia e partilhar sua leitura, isto é, sua interpretação, é outro dos requi-
4 sitos para a prática da leitura orante.
• Oração – Orar é conversar com Deus. Mas ao mesmo tempo, quando oramos,
experimentamos algo mais do que apenas dialogar com a divindade. Pedimos discer-
nimento para iluminar nosso entendimento sobre a Bíblia.
A oração é um pressuposto da fé. Aquele ou aquela que ora crê que Deus ouve e atende
às suas súplicas. Da mesma maneira, cremos que, por meio da oração, a leitura bíblica
e a sua interpretação podem ser partilhadas com sabedoria, em conformidade com a
vontade de Deus.
A contemplação envolve a leitura do texto, a meditação sobre o que foi lido e sobre o
seu significado, a interpretação e, em silêncio, a oração e o louvor ao Deus, que é a
fonte daquela mensagem.
• Ação – Por último e não menos importante temos a aplicação de que foi lido, inter-
pretado, orado, internalizado, meditado e contemplado: a ação.
Todos os passos da leitura orante perdem seu significado se não houver a prática, se
não se traduzirem em ações concretas do cristão, da cristã.
O que foi aprendido da leitura orante deve ter como consequência a ação. Sem a práti-
ca, a leitura orante se reduz à espiritualidade vazia.
No próximo tópico, estudaremos outro tipo de leitura da Bíblia tão importante quanto a
leitura orante: a leitura popular.
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2. A LEITURA POPULAR DA BÍBLIA
No tópico anterior de nosso estudo, vimos como a leitura orante da Bíblia é importante
para a espiritualidade do cristão. Aprofundaremos agora um pouco mais a aplicação dos
fundamentos apresentados até aqui.
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A Hermenêutica parte da exegese, ou seja, a partir da leitura exegética dos textos bíbli-
cos aplicamos suas interpretações ao cotidiano, à nossa vida ou mesmo à comunidade
na qual estamos inseridos.
Neste tópico, trataremos de um outro tipo de leitura hermenêutica dos textos bíblicos: a
chamada Leitura Popular da Bíblia. Esse tipo de abordagem possui um lugar especial
nas comunidades cristãs da América Latina e, principalmente, no Brasil.
O primeiro ponto para o qual precisamos chamar a atenção é a preocupação com a con-
textualização social, econômica e política. Os textos bíblicos podem nos ajudar a fazer
avaliações precisas sobre determinadas conjunturas da sociedade atual.
Sônia de Fátima Batagin (2000, p. 343-350) aponta alguns problemas de uma leitura
somente científica, sem a preocupação da contextualização e atualização da Bíblia:
Às vezes, utilizam-se linguagem e recursos mais sofisticados (Crítica Textual,
Crítica Literária, Litura Sociológica etc.), bem como outras mediações (ar-
queologia, antropologia, história) para se interpretar uma perícope. O autor/
redator utilizou os recursos literários próprios de seu tempo e de sua cultura.
Por vezes, ficamos assustados e confusos: será realmente imprescindível
utilizar tais instrumentos científicos para ler a Bíblia? Com efeito, tais instru-
mentos de análise são meios importantes para uma leitura fiel da Sagrada
Escritura e, ao mesmo tempo, para corrigir erros primários, tais como perma-
necer nos “achismos e chavões” de uma leitura simplista e reducionista. Além
disso, uma leitura meramente científica pode, igualmente, ser reducionista.
Faz-se, portanto, importante uma aproximação ao texto analisado de forma
mais existencial e meditada, fazendo-o falar, na medida em que recupera sua
função de luz para a vida da comunidade.
A partilha bíblica é um dos pontos defendidos pela leitura comunitária e popular da Bíblia.
Além disso, a hermenêutica contextualizada, atualizada e crítica, deve surgir desse partilhar.
A leitura popular dos textos bíblicos deve, e muito, às perspectivas da chamada Teolo-
gia da Libertação. A Teologia da Libertação é ligada na América Latina a nomes como
Gustavo Gutierrez, Rubem Alves e Leonardo Boff. Surge com um olhar diferenciado de
outras teologias. Seu objetivo é responder às demandas reais da sociedade.
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A Leitura e a Interpretação da Bíblia na Comunidade de Fé Hoje
A Cristologia social proposta por Leonardo Boff é completamente diferente das repre-
sentações escolásticas e metafísicas das outras teologias. Esse Jesus apresentado
com base nos relatos dos evangelhos é o Cristo das andanças e preocupações com as
mulheres, com os pobres e oprimidos.
Jesus Cristo deve ser proclamado como aquele que liberta o ser humano na totalidade
do seu ser. As desigualdades que promovem pobreza são pecados sociais e contra tudo
que entendemos como ser humano. Isso é contrário ao evangelho.
A leitura popular da Bíblia possui essas características. É uma hermenêutica que lida
com os problemas sociais, ou seja, como os profetas da Bíblia Hebraica e, como Jesus
de Nazaré, enxerga seu mundo como algo que precisa ser melhorado para a maioria
das populações necessitadas.
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E ainda:
A comunidade vive, de fato, sintonizada, angustiada e questionada pela reali-
dade que a envolve. Há uma tentativa solidária de solucionar os fatos absurdos
com os quais se depara no dia a dia. Por exemplo, como um trabalhador e pai
de família pode viver com um salário tão baixo, sem casa, sem usufruir de uma 4
assistência médica digna, sem poder oferecer a seus filhos uma educação que
favoreça e garanta um futuro melhor? E não podemos descartar a grande e
dolorosa via sacra do mundo do desemprego!
Ler a Bíblia criticamente e sob viés popular significa considerar que tal realidade está
presente em nosso país e que necessita ser alvo de reflexão da igreja. As pessoas que
frequentam nossas comunidades estão, muitas delas, inseridas nesses contextos como
os apontados acima por Sônia de Fátima Batagin.
Desigualdades entre gêneros, racismos, violência doméstica, também devem fazer par-
te das discussões dos movimentos que leem popularmente a Bíblia. A Bíblia ajuda na
discussão e na busca de soluções para tais problemas.
Por último, gostaríamos de elencar dez pontos da leitura popular da Bíblia apontados
pelo Centro de Estudos Bíblicos (https://cebi.org.br/reflexoes/sobre-leitura-popular-da-
-biblia-parte-i/, data de acesso: 05/03/2020.
São eles:
• A Bíblia é reconhecida e acolhida pelo povo como Palavra de Deus. Essa fé já exis-
tia antes da chegada da leitura popular da Bíblia. É nessa raiz ou tronco bem firme da
fé popular que enxertamos todo o nosso trabalho em torno da Bíblia.
É o que caracteriza a leitura que fazemos da Bíblia na América Latina. Sem essa fé,
todo o processo e todo o método teriam de ser diferentes. “Não és tu que sustentas a
raiz, mas a raiz sustenta a ti” (Rm 11,18).
• Ao ler a Bíblia, o povo das comunidades traz consigo a sua própria história e tem
nos olhos os problemas que vem da realidade dura da sua vida. A Bíblia aparece
como um espelho, símbolo (Heb 9,9; 11,19), daquilo que ele mesmo vive hoje.
Estabelece-se, assim, uma ligação profunda entre Bíblia e vida, que, às vezes, pode
dar a impressão aparente de um concordismo superficial. Na realidade, é uma leitura
de fé muito semelhante à leitura que faziam as comunidades dos primeiros cristãos (At
1,16-20; 2,29-35; 4,24-31) e os Santos Padres nos primeiros séculos das igrejas.
• A partir dessa nova ligação entre Bíblia e vida, os pobres fazem a descoberta, a
maior de todas: “Se Deus esteve com aquele povo no passado, então Ele está tam-
bém conosco nesta luta que fazemos para nos libertar. Ele escuta também o nosso
clamor!” (Cf. Ex 2,24; 3,7).
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A Leitura e a Interpretação da Bíblia na Comunidade de Fé Hoje
Assim vai nascendo, imperceptivelmente, uma nova experiência de Deus e da vida que
se torna o critério mais determinante da leitura popular e que menos aparece nas suas
explicitações e interpretações. Pois o olhar não se enxerga a si mesmo.
• Antes de o povo ter esse contato mais vivido com a Palavra de Deus, para muitos,
4 sobretudo na igreja católica, a Bíblia ficava longe. Era o livro dos “padres”, do clero.
Mas agora ela chegou perto! O que era misterioso e inacessível, começou a fazer
parte da vida cotidiana dos pobres.
E junto com a sua Palavra, o próprio Deus chegou perto! “Vocês que antes estavam
longe foram trazidos para perto!” (Ef 2,13) Difícil para um de nós avaliar a experiência
de novidade e de gratuidade que tudo isso representa para os pobres.
Assim, aos poucos, foi surgindo uma nova maneira de se olhar a Bíblia e a sua interpre-
tação. A Bíblia já não é vista como um livro estranho que pertence ao clero, mas como
nosso livro, “escrito para nós que tocamos o fim dos tempos” (1 Cor 10,11).
Às vezes, para alguns, ela chega a ser o primeiro instrumento para uma análise mais
crítica da realidade que hoje vivemos. Por exemplo, a respeito de uma empresa opres-
sora do povo, o pessoal da comunidade dizia: “É o Golias que temos que enfrentar!”
• A Bíblia entra por uma outra porta na vida do povo: não pela porta da imposição au-
toritária, mas sim pela porta da experiência pessoal e comunitária. Ela se faz presente
não como um livro que impõe uma doutrina de cima para baixo, mas como uma Boa
Nova que revela a presença libertadora de Deus na vida e na luta do povo.
A Bíblia confirma a caminhada que o povo está fazendo e, assim, o anima na sua espe-
rança. Os que participam dos grupos bíblicos, eles mesmos se encarregam de divulgar
essa Boa Notícia e atraem outras pessoas a participar. “Venham ver um homem que me
contou toda a minha vida!” (Jo 4,29). Por isso, ninguém sabe quantos grupos bíblicos
existem. Só Deus mesmo!
• Para que se produza essa ligação profunda entre Bíblia e vida, é importante:
a. Ter nos olhos as perguntas reais que vêm da vida e da realidade sofrida de hoje,
e não perguntas artificiais que nada têm a ver com a vida do povo. Aqui aparece a
importância de o estudioso da Bíblia ter experiência pastoral, fruto da convivência, de
quem vive uma vida inserida no meio do povo.
b. Descobrir que se pisa o mesmo chão, ontem e hoje. Aqui aparece a importância do
uso da ciência e do bom senso, tanto na análise crítica da realidade de hoje como no
estudo do texto e seu contexto social.
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c. Ter uma visão global da Bíblia que envolva os próprios leitores e leitoras, e que es-
teja ligada à situação concreta das suas vidas. Lendo assim a Bíblia, produz-se uma
iluminação mútua entre Bíblia e vida. O sentido e o alcance da Bíblia aparecem e se
enriquecem à luz do que se vive e sofre na vida, e vice-versa.
• A interpretação que o povo faz da Bíblia é uma atividade envolvente, que compre- 4
ende não só a contribuição intelectual do exegeta, mas também, e sobretudo, todo
o processo de participação da Comunidade: trabalho e estudo de grupo, leitura
pessoal e comunitária, teatro, celebrações, orações, recreios, “enfim, tudo que é ver-
dadeiro, nobre, justo, puro, amável, honroso, virtuoso ou que de qualquer maneira
merece louvor” (Fl 4,8). Aqui aparecem a riqueza da criatividade popular e a amplidão
das intuições que vão nascendo.
Finalizemos por aqui nosso tópico sobre a leitura popular da Bíblia. No próximo tema,
avançaremos um pouco mais nosso olhar hermenêutico.
Neste tópico, queremos considerar outro tipo de leitura, ou seja, aquela que diz respeito
ao uso da Bíblia na liturgia das igrejas cristãs.
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A Leitura e a Interpretação da Bíblia na Comunidade de Fé Hoje
Essa ordem se chama Liturgia. A Bíblia tem uma função muito importante na liturgia,
pois é dela que partimos.
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Há várias propostas de organização das leituras bíblicas na liturgia. A mais comum é o
que chamamos de lecionário. O lecionário funciona como uma tabela de leituras indicadas
para cada domingo (e também para cada dia da semana), organizada trienalmente: anos
A, B e C. Nesse ciclo de três anos, lê-se com a comunidade praticamente toda a Bíblia.
A leitura bíblica no ambiente litúrgico propicia que participemos dos eventos desenca-
deados pela História da Salvação. Os momentos de leitura bíblica na liturgia têm como
objetivos também fazer com que aquele que está presente na comunidade se envolva
nessa história, se reconheça participante.
A Bíblia é repleta de testemunhos da ação salvadora de Yahweh para com o seu povo.
Os atos salvíficos de Deus estão presentes desde os primeiros capítulos de Gênesis
1-11, na História dos Primórdios, no Ciclo Patriarcal no qual ele promete a terra de Ca-
naã a Abraão, Isaque e Jacó.
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Os salmos louvam a Yahweh pelos feitos no passado, momento em que o salmista se
alegra e reforça suas esperanças de que no presente e no futuro Deus estará agindo
em favor do povo de Israel.
A História da Salvação afirma que o bem maior de Yahweh foi ter enviado seu filho,
Jesus Cristo, para salvar a humanidade e colocar no coração de cada um a esperança 4
na renovação de todas as coisas e o fim de todas as opressões.
Todos esses eventos salvíficos são lidos, lembrados e fornecem o conteúdo para a
liturgia. A leitura e o estudo da Bíblia é um elemento primordial para as comunidades e
seus atos litúrgicos.
A respeito da forma como a Bíblia é lida na liturgia durante o culto, Wilhelm Egger
(1994, p. 217) diz:
No uso litúrgico, as perícopes aparecem integradas ao contexto de outros
textos bíblicos e litúrgicos, como também ao contexto da celebração e da
comunidade celebrante. No aspecto hermenêutico, o texto recebe assim uma
interpretação e atualização. “Presente está (Cristo) pela sua palavra, pois é
ele mesmo que fala quando se leem as Sagradas Escrituras na igreja.
Por fim, queremos citar o comentário sucinto de Innocenzo Gargano (2000, p. 187) a
respeito da relação e importância da liturgia para os Pais da Igreja:
Cresce hoje a consciência do contexto litúrgico em que o próprio NT, e talvez
também boa parte do AT, nasceu e tornou-se posse definitiva da comunidade
crente. Parece óbvio afirmar a mesma coisa, mutatis mutandis, acerca do pe-
ríodo patrístico. Toda a produção homilética dos Padres, a de tipo mistagógico
antes de tudo, não teria nenhuma possibilidade de ser compreendida adequa-
damente sem a necessária contextualização litúrgica. Considerando o que elu-
cidamos acerca do método da lectio divina com referência ao dito “divina eloquia
cum legente crescunt” de Gregório Magno, devemos frisar que para o mesmo
autor, herdeiro nisto de Basílio e João Crisóstomo, a maior penetração possível
do texto bíblico era garantida pelo toque do Espírito Santo, que operava no inte-
rior da assembleia celebrante disposta em seu conjunto a “realizar e escutar” o
sentido das Escrituras inspiradas. De resto, era obviedade inconteste na men-
talidade dos Padres que a autêntica “compreensão” do texto bíblico escutado
ocorria em sua atuação plena, vivida pela assembleia litúrgica celebrante.
Os Pais da Igreja levavam muito a sério a relação entre leitura da Bíblia, liturgia e inter-
pretação da comunidade ouvinte. A liturgia possuía para os pais papel fundamental para
a ação do Espírito Santo no meio da igreja.
Finalizemos por aqui nossa exposição sobre a liturgia. Em nosso próximo tópico discu-
tiremos, para finalizar nossa última unidade, a questão da leitura da Bíblia e os desafios
sociais para os dias de hoje.
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A Leitura e a Interpretação da Bíblia na Comunidade de Fé Hoje
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Para estudar a relação que os Pais da Igreja faziam entre exegese e liturgia
leia: GARGANO, Innocenzo. A Metodologia Exegética dos Padres in: Yofre,
Horácio Simian (org). Metodologia do Antigo Testamento. São Paulo: Loyola,
2000, p. 171-191.
Antes de mais nada, gostaríamos também de mencionar duas formas de leitura da Bíblia
que possuem relação com a sociedade. Não podemos deixar de falar de exegese bíblica
sem mencionar a leitura feminista das Escrituras Sagradas e a leitura socioantropológica.
Uma leitura feminista da Bíblia significa olhar os textos e relacioná-los com as abor-
dagens dos diversos movimentos pelos direitos das mulheres na América Latina e
em todo o mundo.
Muitos textos da Bíblia são condicionados em uma estrutura patriarcal e foram escritos,
quase em sua totalidade, em uma perspectiva androcêntrica. Outro problema apontado
pelas feministas é que em alguns textos da Bíblia, por estarem condicionados ao con-
texto patriarcal, influenciaram os trabalhos de tradução e interpretação da mesma.
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A maioria desses textos é resultado de homens falando de mulheres e colocando suas
próprias visões, sem que as mulheres mesmas pudessem ser ouvidas e falarem por
elas mesmas. Daí decorrem graves distorções a respeito da compreensão de quem foi
a mulher no mundo bíblico.
Esse método de leitura não só pesquisa a literatura e a realidade social dos textos sa-
grados, como também as forças subjacentes à composição dos mesmos. Examina a
sociedade que está por detrás dessas obras.
Esse tipo de hermenêutica está relacionada com a leitura popular e com os métodos
históricos e críticos. Estuda-se a sociedade e sua economia, assim como a política e a
ideologia contida nos textos.
Alguns sociólogos como Emile Durkheim aplicavam seus métodos de análise socioló-
gica nas sociedades de maneira positivista, ou seja, que a sociedade humana é regida
por leis naturais, leis invariáveis.
Marx afirma que o conhecimento da realidade social é um instrumento político que pode
ajudar na compreensão da realidade e no engajamento dos grupos sociais na tarefa de
transformação da sociedade.
Esses dois exemplos de leitura bíblica servem para que o estudante de exegese e her-
menêutica se dê conta da existência e da importância de outras leituras e formas de
aproximação dos textos da Bíblia e perscrutar a sociedade.
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A Leitura e a Interpretação da Bíblia na Comunidade de Fé Hoje
O estudioso da Bíblia deve, como já destacamos, perceber nos textos de qual pressu-
posto ele quer partir para desenvolver sua análise. Tal escolha é muito importante para
a compreensão dos textos à atualidade.
Uma outra questão que podemos levantar neste tópico é o crescimento dos movimentos
4 pentecostais e a leitura da Bíblia feita nessas comunidades. Diversas igrejas pentecostais
surgiram em contexto periférico, e seus membros são majoritariamente pobres e negros.
É claro que não podemos incorrer no equívoco de afirmarmos que todas as igrejas
pentecostais praticam as mesmas leituras da Bíblia. Existe hoje cada vez mais uma
preocupação entre esses grupos em abrir seminários e estudar Teologia.
Mas, ainda assim, também verificamos que a Bíblia nesses seminários são usados dog-
maticamente, ou seja, os textos da Bíblia Hebraica e do Novo Testamento são lidos sob
o viés do dogma. A Bíblia é usada para confirmar crenças já preestabelecidas.
Infelizmente, a leitura popular da Bíblia não teve muito êxito em alguns grupos pente-
costais, como aconteceu com a Teologia da Prosperidade. Por existir nesses grupos
pessoas pobres e negras, a leitura popular poderia ter tido maior recepção.
O Brasil possui ainda uma taxa de desigualdade muito grande nas grandes cidades do
país. Qual a relação da Bíblia com essa camada social da sociedade brasileira? Got-
tfried Brakemeier (2003, p. 67) assim afirma:
Assim sendo, a Bíblia é em sentido integral a Sagrada Escritura dos pobres.
“Pobre”, isto é categoria sociológica, designando, como visto, os “despossu-
ídos”, os carentes em sentido material, os esquecidos pela sociedade. Mas
o significado não permanece preso a esse aspecto. Inclui a experiência de
multiforme opressão, de carência, sofrimento. Houve vozes, é verdade, res-
tringindo o termo excessivamente a uma classe social. Foram corrigidas pela
observação de que na Bíblia os grupos privilegiados por Deus não cabem
numa só gaveta. Também as pessoas de fora, mais solidárias com o povo
oprimido, são destinatárias das promessas de Deus. Por isto mesmo, a ca-
tegoria “pobre”, respectivamente “povo”, pode abranger diversos grupos a
exemplo de mulheres, crianças, doentes e muitos outros. “Pobreza” resiste
às tentativas de padronização. Não cabe numa teoria. Define-se na vida real,
em situações concretas, pelo grau de sofrimento.
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Da mesma forma, no Novo Testamento, a mensagem de esperança aos humildes são
reforçadas nas palavras de Jesus. A denúncia contra o acúmulo de bens em detrimento
da partilha é vista por Jesus criticamente:
Ao retomar o seu caminho, alguém correu e ajoelhou-se diante dele, perguntan-
do: “Bom Mestre, que farei para herdar a vida eterna?” Jesus respondeu: “Por 4
que me chamas bom? Ninguém é bom senão só Deus. Tu conheces os manda-
mentos: não mates, não cometas adultério, não roubes, não levantes falso tes-
temunho, não defraudes ninguém, honra teu pai e tua mãe”. Então ele replicou:
“Mestre, tudo isso eu tenho guardado desde minha juventude. Fitando-o, Jesus
o amou e disse: “uma só coisa te falta: vai, vende o que tens, dá aos pobres e te-
rás um tesouro no céu. Depois, vem e segue-me”. Ele, porém, contristado com
essa palavra saiu pesaroso, pois era possuidor de muitos bens (Mc 10, 17-22).
Pela falta de políticas públicas que garantam cidadania plena aos indivíduos, é nas igre-
jas pentecostais que eles encontram acolhida, vislumbram possibilidades de exercer
funções e serem reconhecidos, serem incluídos e tratados como irmãos etc.
Assim, o papel de uma leitura crítica e social da Bíblia deve levar em conta todos es-
ses fatores mencionados acima. O teólogo e a teóloga não devem se esquecer que a
hermenêutica, quando contextualizada socialmente, torna-se especialmente relevante.
Por último, queremos também mencionar a pluralidade religiosa no Brasil. Além das
diversas igrejas cristãs divididas em católicos, protestantes, pentecostais, temos em
nosso país uma gama enorme de grupos de religiões de matriz africana.
Nesse sentido, a Bíblia deve ser usada para promover o amor e o diálogo inter-reli-
gioso e não discursos fundamentalistas de ódio e ressentimento com outras religiões
existentes no Brasil.
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A Leitura e a Interpretação da Bíblia na Comunidade de Fé Hoje
Encerramos aqui nosso último tópico e também nossa última unidade do curso de Her-
menêutica Bíblica. Desejamos que esse estudo tenha ajudado a modificar e a melhorar
seu olhar em relação aos texto da Bíblia Hebraica e do Novo Testamento.
Exegese, porque entendemos que o estudo do contexto, da cultura, dos discursos con-
tidos na Bíblia é de suma importância para a sua interpretação.
Esperamos que, com essas referências, você possa desenvolver posteriormente outros
estudos na área da pesquisa bíblica. Se isso acontecer, com certeza teremos o senti-
mento de dever cumprido.
Ótimos estudos!
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Para a compreensão da abordagem hermenêutica e ecumênica da Bíblia
leiam: BRAKEMEIER, Gottfried. A Autoridade da Bíblia: Controvérsias –
Significado-Fundamento. RS: Sinodal/CEBI, 2003.
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Para a compreensão da leitura bíblica e suas interpretações no cristianismo
leiam: DREHER, Martin N. Bíblia: Suas Leituras e Interpretações na História
do Cristianismo. RS: Sinodal/CEBI, 2006.
REFERÊNCIAS
1. BATAGIN, Sônia de Fátima. Leitura Popular in: 5. DA SILVA, Cássio Murilo Dias. Leia a Bíblia Como
DA SILVA, Cássio Murilo Dias. Metodologia de Exe- Literatura. São Paulo: Loyola, 2007.
gese Bíblica. São Paulo: Paulinas, 2000. 6. EGGER, Wilhelm. Metodologia do Novo Testa-
2. BOFF, Leonardo. Jesus Cristo Libertador. Petró- mento: Introdução aos Métodos Linguísticos e Histó-
polis: Vozes 2012. rico-Críticos. São Paulo: Loyola, 1994.
3. BRAKEMEIER, Gottfried. A Autoridade da Bíblia: 7. GARGANO, Innocenzo. A Metodologia Exegética
Controvérsias – Significado-Fundamento. RS: Sino- dos Padres in: Yofre, Horácio Simian (org). Metodolo-
dal/CEBI, 2003. gia do Antigo Testamento. São Paulo: Loyola, 2000.
4. DA SILVA, Airton José. Leitura Sócio Antropológi- 8. SUAIDEN, Silvana. Leitura Feminista in: DA SIL-
ca in: DA SILVA, Cássio Murilo Dias. Metodologia de VA, Cássio Murilo Dias. Metodologia de Exegese Bí-
Exegese Bíblica. São Paulo: Paulinas, 2000. blica. São Paulo: Paulinas, 2000.
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