A cultura ocidental concebe a noção de feiura a partir do dualismo feio x
belo. Nesta perspectiva, o belo seria relacionado ao bom, enquanto o feio representaria o mal. Aplicando estas concepções na esfera da arte, pode-se afirmar que estariam em oposição, respectivamente, o prazer e o sofrimento. No entanto, a filosofia propõe-se a subverter estes paradigmas e criar novas maneiras de apreender a ideia de belo e feio no mundo. Antes de entrar na análise desta temática, cabe pontuar que a beleza e a feiura não existem dentro de uma experiência sensorial. Desta forma, pode-se afirmar que não se constata o que é belo ou feio através somente do tato, do olfato, da audição, da visão ou do paladar. Ou seja, é necessário algum distanciamento sensorial para viver a experiência estética. Posto que a feiura não pode ser atribuída à meras sensações corpóreas, é evidente observar que esta só nos é possível através do pensamento. Nesta direção, vale dizer que a apreensão do belo e do feio está diretamente associada a algo que vem da racionalidade, do pensamento humano. A estética é um campo que possui diversos estudos e, como todo estudo filosófico, propõe-se a questionar mais do que encontrar respostas objetivas. Para analisar a dimensão da feiura na realidade ocidental, podemos lançar mão de duas teses complementares: uma ontológica e uma histórica. Em ambas, o dualismo hierárquico está presente e o feio é sempre contraposto ao belo. Na análise ontológica, a feiura sempre aponta para a determinação de uma finitude inerente à condição humana e, portanto, é contrária a qualquer tipo de prazer. Sob este prisma, a filosofia seria um exercício de aprendizado para lidar com essa finitude. Para ilustrar essa análise ontológica, vale ressaltar que a imagem mais repugnante e detestável da história da arte sempre foi um cadáver em decomposição. Essa figura é a representação mais crua da finitude humana. Contudo, é importante perceber que esse aspecto também pode ser compreendido a partir de outras premissas. Na análise filosófica, a noção de finitude pode ser relacionada com as seguintes características: temporalidade, morte, alteridade (diferença), sensualidade e animalidade (no sentido de ausência de racionalidade). Essas características fazem da finitude humana a principal determinação da ideia de feiura. Pela lógica oposta, o belo estaria associado às noções de estabilidade (ou eternidade), permanência, integridade, ordem e harmonia. Nessa interpretação do conceito de feiura dentro da cultura ocidental, deve-se notar que não seria necessária a consciência humana acerca da finitude, pois a ideia de que vamos morrer estaria indissociável da nossa existência. Em contraposição, a beleza nos daria a sensação de prolongação temporal e, assim, nos faria esquecer da morte. Portanto, o belo estaria relacionado com uma proteção de nossas condições humanas, ou seja, com um filtro da realidade que nos protegeria da lembrança de nossa finitude. Uma interpretação complementar a essas noções ontológicas é a de caráter histórico. Segundo esta, deveríamos apreender a experiência estética a partir de três distintas visões: a clássica, a moderna (ou da inversão) e a subjetiva. Em todas as categorias a ideia de feiura associada à finitude permanece e a lógica do dualismo entre feio x belo também permanece determinante. Na visão clássica, originada na Grécia antiga, o belo estaria ligado ao bem e o feio ao mal. Assim, esta versão se mostra extremamente restritiva, pois postulava hierarquicamente a polaridade: B>F. Podemos ilustrar empiricamente este tipo de interpretação ao tratarmos do nazismo. Dentro desta perspectiva, a ideologia nazista foi apenas a ideia grega levada às últimas consequências, sem configurar qualquer desvio histórico. Ou seja, o nazismo foi um resultado coerente de nossas noções ocidentais, onde o feio seria ruim e indesejado, enquanto o bom seria bonito e soberano. Nesta perspectiva, deu-se o extermínio dos feios, perigosos e prejudiciais, em prol de uma limpeza que tornasse o mundo melhor e mais belo. Com o proceder histórico, surge a interpretação moderna para as questões estéticas. Neste modelo a dualidade bem x mal e belo x feio continuam determinantes. Entretanto, há uma inversão na polaridade valorativa destas concepções. Em outras palavras, há uma inversão de valores e, portanto, o que era feio passa a ser relacionado ao belo e vice-versa. Assim, a questão da finitude não é recolocada, modificando apenas sua perspectiva e configurando a polaridade: B=F ou B<F. Nesta análise, há outras experimentações e uma ampliação do significado, tornando-se comum expressões como “o feio tem seu valor” e “o feio é tão necessário quanto o belo e não deve ser rechaçado”. Contudo, cabe pontuar que essa inversão valorativa não resolve o problema do dualismo, mas, de certa forma, ao problematizar a questão, prepara o terreno para uma outra visão. Ou seja, repensar a visão clássica já está sendo útil para o avanço filosófico no campo da estética. Por último, a visão contemporânea (ou pós-moderna) da feiura pode ser apreendida como o modelo subjetivo que se pauta na lógica da ex-versão. Nesta interpretação, o dualismo valorativo é desmontado e criam-se outros paradigmas para analisar esta problemática filosófica, não havendo mais a oposição entre belo e feio ou bom e ruim. Há, portanto, o intuito de repensar a finitude a partir de sua exposição dentro da discussão estética. Assim, esta desconstrução pretende gerar novos paradigmas mais amplos e ricos dentro do debate filosófico, inserindo as noções de pluralidade e multiplicidade interpretativas. Deste modo, não se busca uma conclusão definitiva para a feiura, mas aspira-se indeterminá-la, recolocando o questionamento e a determinação da ideia de finitude em pauta. Finalmente, é importante ressaltar que esta desconstrução contemporânea trouxe algumas consequências diretas no pensamento filosófico. A reação comum à pós-modernidade é a nostalgia e o niilismo, onde em ambos os casos há a tentativa de voltar à estabilidade e à harmonia que as visões anteriores nos possibilitavam. Sendo assim, alguns recorrem à nostalgia buscando remontar a versão ou a inversão da polaridade feio x belo; enquanto outros se associam à ideias niilistas, nas quais nada existe e só nisso é possível crer – tudo seria permitido e os questionamentos filosóficos seriam feitos em vão. Em suma, podemos notar que, a partir da tese ontológica e histórica, a discussão estética se mostra muito longe de ser solucionada na cultura ocidental. Com efeito, é possível afirmar que a interpretação segundo a visão clássica sempre foi predominante e é até os dias de hoje a mais difundida. Por isso, cabe ao pensamento filosófico desconstruir estes paradigmas e redimensionar esta questão dentro da vida humana.