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“Introdução à filosofia da arte”

Charles Feitosa

Resumo da 3ª aula

A cultura ocidental concebe a noção de feiura a partir do dualismo feio x


belo. Nesta perspectiva, o belo seria relacionado ao bom, enquanto o feio
representaria o mal. Aplicando estas concepções na esfera da arte, pode-se
afirmar que estariam em oposição, respectivamente, o prazer e o sofrimento.
No entanto, a filosofia propõe-se a subverter estes paradigmas e criar novas
maneiras de apreender a ideia de belo e feio no mundo.
Antes de entrar na análise desta temática, cabe pontuar que a beleza e a
feiura não existem dentro de uma experiência sensorial. Desta forma, pode-se
afirmar que não se constata o que é belo ou feio através somente do tato, do
olfato, da audição, da visão ou do paladar. Ou seja, é necessário algum
distanciamento sensorial para viver a experiência estética.
Posto que a feiura não pode ser atribuída à meras sensações corpóreas,
é evidente observar que esta só nos é possível através do pensamento. Nesta
direção, vale dizer que a apreensão do belo e do feio está diretamente
associada a algo que vem da racionalidade, do pensamento humano.
A estética é um campo que possui diversos estudos e, como todo estudo
filosófico, propõe-se a questionar mais do que encontrar respostas objetivas.
Para analisar a dimensão da feiura na realidade ocidental, podemos lançar mão
de duas teses complementares: uma ontológica e uma histórica. Em ambas, o
dualismo hierárquico está presente e o feio é sempre contraposto ao belo.
Na análise ontológica, a feiura sempre aponta para a determinação de
uma finitude inerente à condição humana e, portanto, é contrária a qualquer
tipo de prazer. Sob este prisma, a filosofia seria um exercício de aprendizado
para lidar com essa finitude.
Para ilustrar essa análise ontológica, vale ressaltar que a imagem mais
repugnante e detestável da história da arte sempre foi um cadáver em
decomposição. Essa figura é a representação mais crua da finitude humana.
Contudo, é importante perceber que esse aspecto também pode ser
compreendido a partir de outras premissas.
Na análise filosófica, a noção de finitude pode ser relacionada com as
seguintes características: temporalidade, morte, alteridade (diferença),
sensualidade e animalidade (no sentido de ausência de racionalidade). Essas
características fazem da finitude humana a principal determinação da ideia de
feiura. Pela lógica oposta, o belo estaria associado às noções de estabilidade
(ou eternidade), permanência, integridade, ordem e harmonia.
Nessa interpretação do conceito de feiura dentro da cultura ocidental,
deve-se notar que não seria necessária a consciência humana acerca da
finitude, pois a ideia de que vamos morrer estaria indissociável da nossa
existência. Em contraposição, a beleza nos daria a sensação de prolongação
temporal e, assim, nos faria esquecer da morte. Portanto, o belo estaria
relacionado com uma proteção de nossas condições humanas, ou seja, com um
filtro da realidade que nos protegeria da lembrança de nossa finitude.
Uma interpretação complementar a essas noções ontológicas é a de
caráter histórico. Segundo esta, deveríamos apreender a experiência estética a
partir de três distintas visões: a clássica, a moderna (ou da inversão) e a
subjetiva. Em todas as categorias a ideia de feiura associada à finitude
permanece e a lógica do dualismo entre feio x belo também permanece
determinante.
Na visão clássica, originada na Grécia antiga, o belo estaria ligado ao
bem e o feio ao mal. Assim, esta versão se mostra extremamente restritiva,
pois postulava hierarquicamente a polaridade: B>F. Podemos ilustrar
empiricamente este tipo de interpretação ao tratarmos do nazismo. Dentro
desta perspectiva, a ideologia nazista foi apenas a ideia grega levada às
últimas consequências, sem configurar qualquer desvio histórico. Ou seja, o
nazismo foi um resultado coerente de nossas noções ocidentais, onde o feio
seria ruim e indesejado, enquanto o bom seria bonito e soberano. Nesta
perspectiva, deu-se o extermínio dos feios, perigosos e prejudiciais, em prol de
uma limpeza que tornasse o mundo melhor e mais belo.
Com o proceder histórico, surge a interpretação moderna para as
questões estéticas. Neste modelo a dualidade bem x mal e belo x feio
continuam determinantes. Entretanto, há uma inversão na polaridade
valorativa destas concepções. Em outras palavras, há uma inversão de valores
e, portanto, o que era feio passa a ser relacionado ao belo e vice-versa. Assim,
a questão da finitude não é recolocada, modificando apenas sua perspectiva e
configurando a polaridade: B=F ou B<F. Nesta análise, há outras
experimentações e uma ampliação do significado, tornando-se comum
expressões como “o feio tem seu valor” e “o feio é tão necessário quanto o belo
e não deve ser rechaçado”.
Contudo, cabe pontuar que essa inversão valorativa não resolve o
problema do dualismo, mas, de certa forma, ao problematizar a questão,
prepara o terreno para uma outra visão. Ou seja, repensar a visão clássica já
está sendo útil para o avanço filosófico no campo da estética.
Por último, a visão contemporânea (ou pós-moderna) da feiura pode ser
apreendida como o modelo subjetivo que se pauta na lógica da ex-versão.
Nesta interpretação, o dualismo valorativo é desmontado e criam-se outros
paradigmas para analisar esta problemática filosófica, não havendo mais a
oposição entre belo e feio ou bom e ruim. Há, portanto, o intuito de repensar a
finitude a partir de sua exposição dentro da discussão estética. Assim, esta
desconstrução pretende gerar novos paradigmas mais amplos e ricos dentro do
debate filosófico, inserindo as noções de pluralidade e multiplicidade
interpretativas. Deste modo, não se busca uma conclusão definitiva para a
feiura, mas aspira-se indeterminá-la, recolocando o questionamento e a
determinação da ideia de finitude em pauta.
Finalmente, é importante ressaltar que esta desconstrução
contemporânea trouxe algumas consequências diretas no pensamento
filosófico. A reação comum à pós-modernidade é a nostalgia e o niilismo, onde
em ambos os casos há a tentativa de voltar à estabilidade e à harmonia que as
visões anteriores nos possibilitavam. Sendo assim, alguns recorrem à nostalgia
buscando remontar a versão ou a inversão da polaridade feio x belo; enquanto
outros se associam à ideias niilistas, nas quais nada existe e só nisso é possível
crer – tudo seria permitido e os questionamentos filosóficos seriam feitos em
vão.
Em suma, podemos notar que, a partir da tese ontológica e histórica, a
discussão estética se mostra muito longe de ser solucionada na cultura
ocidental. Com efeito, é possível afirmar que a interpretação segundo a visão
clássica sempre foi predominante e é até os dias de hoje a mais difundida. Por
isso, cabe ao pensamento filosófico desconstruir estes paradigmas e
redimensionar esta questão dentro da vida humana.

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