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07/08/2017 5 mitos consolidados no senso comum que acabam prejudicando a sua vida

5 mitos consolidados no senso comum que acabam


prejudicando a sua vida
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17/03/2017

Muito provavelmente você já deve ter ouvido, seja no trabalho, ecoando em um bar da esquina, em rodas de
amigos ou até mesmo de familiares, certas opiniões que se tornaram aceitáveis não necessariamente por estarem
corretas, mas por terem sido reforçadas pelo senso comum.

Opiniões como “socialismo é lindo na teoria, mas impossível na prática porque o ser humano é mau por
natureza” ou “os países desenvolvidos não possuem um Estado inchado como o brasileiro e se desenvolveram
graças ao livre mercado” ou ainda (e certamente a mais conhecida), “tudo que é publico não presta, basta ver as
escolas e hospitais públicos, por isso sou a favor de que tudo seja privatizado”. Já nas discussões políticas que
ocorrem nas redes sociais, tais opiniões ganham status de estudo sério: “segundo os índices de liberdade
econômica…” entre outras coisas desprendidas completamente da realidade, mas que são mitos muito bem
construídos, que acabam promovendo cada vez mais a desinformação no público em geral como se verdade
fosse… Porém, a única verdade dessa história é que tais mitos não passam de falácias.

Esses mitos surgem e se consolidam não apenas por conta da nossa deficiente formação em história, economia,
antropologia ou sociologia, mas também porque raramente são questionados e devidamente rebatidos pelas
pessoas que poderiam fazê-lo. Logo, nossa intenção aqui é tentar mudar um pouco esse quadro, colocando à
prova alguns desses mitos, desmistificando essas crenças que ouvimos rotineiramente.

Segue uma análise sobre cinco deles, a qual, baseando-se em fatos e pesquisas, objetiva mostrar até onde esses
mitos dizem alguma verdade, quando não completamente falsos.

1 – O mito da natureza humana má

O conceito que define o homem como naturalmente mau não tem respaldo algum em estudos antropológicos. Na
verdade, trata-se de um conceito criado pelo teórico político inglês Thomas Hobbes em sua obra O Leviatã.
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Segundo Hobbes, “o homem é o lobo do homem” e está fundamentalmente preocupado com seu ego. Todas as
suas ações decorrem da realização de suas necessidades e da probabilidade de alcançá-las com êxito.

Hobbes afirma ainda que “enquanto o homem estiver na condição de mera natureza (…) o apetite privado é a
medida do bem e do mal” [1] sublinhando aqui claramente o significado do indivíduo em seus conceitos. Hobbes
continua dizendo que, para superar essa barbárie, os homens criam um pacto entre si no qual abdicam do seu
estado de natureza a favor de um governante soberano, o qual seria responsável pela paz, segurança e ordem
social.

Ou seja, o conceito de “homem mau” foi teorizado para legitimar o Estado absolutista, contra o qual, mais tarde, os
liberais clássicos se colocaram e combateram. Porém esse fato não impede que hoje os (neo)liberais utilizem esse
conceito para também legitimar o capitalismo baseado no Estado moderno, que não tem nada de absolutista, o que
é conceitualmente contraditório. No entanto, as limitações da teoria de Hobbes não param por aí…

Benjamin Kleinerman, professor de ciências políticas da Universidade de Michigan, posteriormente chamou isso
em seu livro de “a novidade do individualismo de Hobbes”. Como crítico deste conceito, ele nos faz entender que
este pensamento do “homem mau” é baseado em um ser individual, com suas necessidades e desejos, cuja
realização gira em um fim-em-si absoluto. Em vez de considerá-lo como ente de todo um corpo social, acaba o
definindo fora de seu contexto social. [2]

Outro crítico de Hobbes, o filósofo escocês George Croom Robertson, argumentou em seus escritos que: “a
imagem das tendências egoístas e anárquicas no homem são claramente exageradas pelo seu escritor, o que, na
verdade, é um simples resultado do temperamento de Hobbes, incapaz de entrar nos lados mais nobres da
natureza humana”.[3]

Além do Kleinerman e Geroge Croom, uma gama de pensadores como Van Mill, Gauthier e o mundialmente
famoso Rousseau também fizeram grandes críticas a este pensamento.

É preciso salientar aqui que o homem é muito influenciado pelo meio em que vive. Sendo ele um produto do seu
meio, ele é passível de incentivos do arranjo econômico em que está inserido. De acordo com o filósofo e
sociólogo Theodor Adorno, se a competição é o que fundamenta uma economia, como consequência veremos
homens egoístas, com suas relações sociais cada vez mais coisificadas, objetivando seus valores em meras
relações entre objetos de troca.

O ser humano não é naturalmente bom, mas também não é essencialmente mau. Temos que considerar o contexto
social em que viveu para melhor compreendê-lo, como tentou Karl Marx ao encarar o homem como um ser social
limitado pelo seu meio. Para ele, a relação entre sujeito e objeto é dialética, onde o sujeito abstrai do objeto as
informações, utilizando de diversos instrumentos para estabelece-la.

Evidentemente existem outros fatores que também podem influenciar, como o biológico, mas não cabe aqui
dissertar entre esses campos. O que é necessário lembrar é que o homem não é coordenado ou determinado por
desejos ou aspirações já inerentes. No máximo, o instinto pela própria sobrevivência e para a sua espécie, que é o
instinto básico “programado” no nosso comportamento, sendo os demais fatores externos a ele a chave elementar
para avaliarmos seu bom ou mau comportamento.

Um fato muito relevante que também pode ser levado em consideração, é a natureza do macaco Bonobo, cuja
cadeia de DNA é 98,7% igual ao do homem. Esses primatas são conhecidos pelos biólogos por uma convivência
relativamente pacífica e altamente empática com outros membros do grupo.
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Foto: National Geographic.

O comportamento pacífico pode ser observado em primatas humanos e não humanos como o motor das relações
sociais, afirma o primatólogo holandês Frans de Waals , que acredita ser a natureza humana igualmente pacífica,
como a de seus ancestrais. [4]

Para vocês terem uma ideia da natureza deste primata, se um bonobo eventualmente tenta ferir uma fêmea, acaba
sendo repreendido por todo o grupo e recebe uma espécie de castigo por conta disso.

Assim, percebemos que os liberais e conservadores, ao tentarem justificar o status quo utilizando o conceito
da natureza má do homem, estão se valendo de uma teoria já rechaçada pela ciência para embasar sua defesa do
capitalismo, e, desta forma, acabam se revelando totalmente ideológicos.

2 – O mito dos índices de liberdade econômica


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Os índices de liberdade econômica são elaborados por think tanks (fundações pagas para propagar ideologias)
conservadores e liberais como Catho, Fraser Institute e Heritage Foundation. Todos eles foram criados e
mantidos por magnatas dos EUA, seja diretamente ou por meio de organizações que os representam.

A Heritage Foundation, por exemplo, foi criada com um investimento bilionário do banqueiro estadunidense
Richard Mellon, junto com o também bilionário Joseph Coors (ambos militantes do movimento conservador nos
EUA) e é usado frequentemente para ranquear os países de acordo com sua “liberdade econômica”, numa clara
apologia ao (neo)liberalismo econômico. Sua metodologia utiliza diversos critérios, os quais, no entanto, pouco tem
a ver com a ideologia (neo)liberal ou que são simplesmente um consenso entre diversas vertentes políticas. Já os
poucos critérios que realmente tem a ver com a ideologia que pregam, valem-se de uma correlação que não
implica uma causalidade, além de ser uma abordagem a-histórica (ignora que a liberação da economia dos países
ricos é algo recente), logo não explicam o desenvolvimento econômico de país algum, o que tornam esses índices
falaciosos.

Mesmo sendo levado a sério apenas pela extrema direita conservadora dos EUA (falaremos mais sobre isso à
frente) parece que, aqui no Brasil, os índices da Heritage Foundation ganharam status de estudo acadêmico para
muita gente. A direita tupiniquim costuma utilizá-los para fazer afirmações como “Singapura é desenvolvida devido
ao livre mercado”, o que é completamente falso (confira o real modelo de desenvolvimento de Singapura aqui). Via
de regra, o índice ignora totalmente o peso do Estado e seu papel na história econômica dos países, assim como
suas políticas governamentais assistencialistas/intervencionistas e sua presença nos mais diversos setores, como
o de energia, o imobiliário e o de telecomunicações nos dias atuais. [5]

Devido a sua forma de avaliação extremamente inconsistente e incoerente, a credibilidade desta fundação foi
colocada em xeque nos EUA. Até mesmo outro think tank liberal de lá, o da CATO, já fez críticas aos estudos da
Heritage, chamando-os de pretensiosos, mas sem muita base no real.

Entre muitos erros cometidos pela fundação, destacam-se seus controversos relatórios, dentre os quais dois
ficaram muito conhecidos entre os estadunidenses:

1) A Heritage apresentou um relatório afirmando que a imigração era prejudicial para a economia dos EUA. No
entanto, foram posteriormente forçados a reconhecer este erro grotesco. [6] (Inclusive o encarregado pelo estudo
ajudou a refutar a pesquisa e então foi demitido).

Um dos especialistas no assunto, o professor Raul Hinojosa-Ojeda, escreveu um extenso artigo sobre o impacto
da reforma migratória na economia Americana. Ele descobriu que ela aumentaria o PIB dos EUA em
aproximadamente US $ 2,3 trilhões. Desta forma invalidou todo o estudo da Heritage mostrando dados bem
diferentes dos que foram apresentados por essa fundação. [7]

2) Com o claro objetivo de difamar o presidente Obama, a Heritage apresentou um relatório chamado de “o índice
de dependência do governo em 2012”, com o qual seus especialistas chegaram à conclusão bem previsível de que
a nação está perigosamente perto de um “colapso econômico e social”, porém, o real alvo dos seus especialistas
ao fazer essa constatação era atacar as políticas sociais que atendem os estadunidenses que mais dependem da
ajuda governamental para garantir a sua sobrevivência. [8]

Usando sempre um tom alarmista (o que se tornou sua principal característica nos EUA), a Heritage afirmara que a
dependência dos estadunidenses em relação ao governo aumentou 13,8% entre 2009 e 2010. Mais de 67 milhões
de americanos – 21,8% da população – dependeria do governo, concluía o think tank em seu relatório.

Este relatório foi alvo de muitas críticas por ser extremamente seletivo: em sua elaboração considera apenas a
ajuda governamental aos grupos sociais mais vulneráveis ou dependentes (estudantes, idosos, pequenos
proprietários) e ignora programas governamentais enormes e muito mais custosos que subsidiam grupos
privilegiados (principalmente a classe média alta e os ricos). [9]

Assim, fica evidente que os relatórios da Heritage não conseguem sequer avaliar com a devida propriedade dados
do próprio país onde essa fundação está sediada, o que coloca em xeque a sua capacidade para analisar dados de
outros países como Hong Kong, Singapura e Coréia do Sul.
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Além dos relatórios, a metodologia utilizada em seus índices de liberdade econômica é extremamente falha, o que
você pode conferir aqui.

Diante disto surge um questionamento inevitável: como os conservadores brasileiros pretendem utilizar esses
índices como argumento a favor de um Estado mínimo no Brasil, se a principal fundação responsável por sua
elaboração é conhecida por fazer relatórios absurdos, além de usar metodologias falaciosas em seus rankings de
“liberdade econômica”? Como confiar em índices de think tanks que são encarados com desconfiança no próprio
país onde estão sediados, os EUA?

3 – O mito do livre mercado

Geralmente os defensores do livre mercado possuem crenças que à primeira vista possuem alguma lógica, como o
da livre concorrência que resolveria todos os nossos problemas, inclusive o dos monopólios, os quais apenas
existem, ora, veja só, por não existir de fato livre concorrência. Tal crença vai além, fazendo a seguinte conclusão:
se não há concorrência perfeita, não existe capitalismo de verdade, mas sim “crony capitalism” ou capitalismo
corporativista, de compadrio. Todavia, a realidade é bem diferente do que essas crenças dizem, ela é muito mais
complexa, o que faz os defensores do livre mercado caírem em contradição. Afinal, longe de ser uma análise
objetiva e empírica da realidade, suas crenças se baseiam em impressões subjetivas e que são repetidas como
mantras.

A real possibilidade de existir um real livre mercado, no qual seria possível uma concorrência perfeita, foi avaliada
pelo economista sul-coreano Ha-Joon Chang, que é especialista neste tema, em seu livro 23 Coisas que não nos
contaram sobre o capitalismo [10]:

“O livre mercado não existe. Todo mercado tem algumas regras e limites que restringem a liberdade de escolha. O
mercado só parece livre porque estamos tão condicionados a aceitar as suas restrições subjacentes que deixamos
de percebê-las. Não é possível definir objetivamente o quanto um mercado é “livre”. Essa é uma definição política.
A alegação habitual dos economistas que defendem o livre mercado de que eles estão tentando defender o
mercado contra a interferência politicamente motivada do governo é falsa. O governo está sempre envolvido e
esses adeptos do livre mercado estão tão politicamente motivados quanto qualquer pessoa. Superar o mito de que
existe algo como um “livre mercado” objetivamente definido é o primeiro passo na direção de entender o
capitalismo.”
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Porém, mesmo os gurus dos defensores do livre mercado (em sua maioria da Escola Austríaca) sustentam essa
ideia de maneira extremamente frágil. Um deles, Milton Friedman (este monetarista da Escola de Chicago),
reconhece em seu livro Capitalismo e Liberdade que de fato a liberdade dos indivíduos aumenta caso a
sociedade estabeleça regras que assegurem a disseminação da riqueza e da livre concorrência [11]. Mas, pela
mesma lógica, um mercado que opera sem regras para impedir o acúmulo de riquezas gerado por essa própria
disseminação, nega completamente a “liberdade humana” de muitos, o que é, no mínimo, contraditório.

Mesmo enfatizando os monopólios estatais e suas interferências, Friedman também reconhecia o monopólio como
decorrência da própria livre concorrência, reconhecia abertamente os monopólios sem qualquer interferência
governamental. [12]

Surpreendentemente, até mesmo o guru mais citado entre os defensores do livre mercado na internet, o
economista austríaco Ludwig von Mises, também reconhecia que a não interferência do Estado na economia
poderia gerar monopólios em seu livro Ação Humana, p 437. [13]

Outro fator que deve ser considerado ao falarmos de livre mercado, é o modo de produção no capitalismo, que é
baseado em economia de escala: a produção visa maximizar a utilização dos seus fatores produtivos (por meio
do constante aprimoramento tecnológico de maquinários, equipamentos, robôs, etc), em sua busca por custos de
produção cada vez mais baixos. Assim, as empresas que contam com uma grande escala produtiva, o investimento
inicial é inserido sobre o crescente número de unidades de produção. Desta forma, as grandes empresas ficam
com uma enorme vantagem competitiva em detrimento dos pequenos negócios, que podem ser praticamente
engolidos, surgindo assim os monopólios. [14]

Diante de tais fatos, surge o seguinte questionamento: Como é coerente chamar algo de livre mercado ou liberdade
de escolha, se o que existe na realidade é cerca de 10 corporações gigantes que detém o controle de praticamente
tudo o que é consumido, e que chegaram nesse estágio não por conta do “capitalismo de compadrio”, como dizem
os defensores do livre mercado, mas sim justamente pela lógica da economia de escala, própria do capitalismo?
[15] Outra pergunta é: Como o homem atinge sua liberdade por meio de relações regidas pela lógica de mercado,
restando-lhe assim apenas a “opção” de vender sua força de trabalho e tendo apenas um acesso condicionado na
vitrine de mercadorias, limitadas a sua condição material?

Logo, vemos que o conceito de livre mercado e sua livre concorrência é bastante limitado e desconsidera vários
fatores existentes na realidade. Seus defensores, por uma questão de coerência e comprometimento com os fatos,
deveriam chamá-lo de uma forma mais adequada, como “mercado parcialmente livre” ou “mercado livre de certa
forma”.

4 – O mito do Estado inchado no Brasil


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Chegamos no mito mais conhecido, bastante difundido pela grande mídia e pela classe média brasileiras, mas até
onde esse mito é verdadeiro?

Se compararmos o Brasil com outros países, veremos que o número de funcionários públicos em relação aos
empregados na iniciativa privada é baixo [16]:

Ou seja, o Brasil possui um Estado muito menor do que os países desenvolvidos, apesar de possuir mais de 200
milhões de habitantes, cuja maioria é pobre e se encontra desassistida de serviços públicos essenciais. Fica
evidente que a campanha por um Estado mínimo no Brasil não se justifica (afinal, na prática, já é mínimo) e acaba
se revelando um pretexto dos setores mais abastados da sociedade em coro com a grande mídia (cujos
anunciantes também são corporações estrangeiras também interessadas no desmantelamento do Estado) para
desmantelar o raquítico, quase inexistente Estado Social brasileiro a favor dos seus negócios, via privatizações,
priorização do pagamento da dívida pública com seus juros abusivos e pesado lobby para influenciar a agenda
da orçamento público.
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Um estudo lançado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), chamado Serviço Público Federal
Brasileiro no Século 21: Inchaço ou Modernização e Profissionalização, faz uma análise mais detalhada do
funcionalismo público brasileiro, trazendo dados sobre suas contratações e sua situação [17]. Neste
estudo podemos conferir que, em vez de inchaço do Estado, como muitos insistem em dizer, o que de fato foi
constatado é que o serviço público nos últimos anos “se recompôs e modernizou sua força de trabalho”.

Outro dado que deve ser observado é o gasto federal com a folha de pagamento dos servidores públicos, cujo valor
é muito baixo em relação à receita líquida. Segundo a lei de responsabilidade fiscal presente na Constituição, é
resguardado 50% dos gastos com servidores, contudo só 37% é realmente utilizado. [18]

Desde os anos 90, vemos que os gastos com servidores públicos se manteve abaixo do crescimento da nossa
receita [19] e isso é nítido para qualquer pessoa de bom senso, que não tenha uma concepção de mundo
ideológica, como costuma ter aqueles que insistem em culpar o Estado e seu tamanho (sempre algo gigantesco no
imaginário dessas pessoas) como a fonte de todos os nossos problemas. No entanto, conforme os estudos sobre o
Estado brasileiro evidenciam, na verdade o Brasil necessita ampliar ainda mais seus serviços públicos e aumentar
o investimento neles, principalmente em áreas vitais para a população como saúde e a educação.

5 – O mito da eficiência da iniciativa privada

Mais um mito que é repetido como um mantra, principalmente pelos monopólios de mídia. É tão repetido que, com
o passar do tempo, o senso comum acaba adotando isso como uma verdade incontestável.

Essa ideia vem sempre acompanhada de justificativas como ”o setor privado é melhor porque é eficiente e
dinâmico, já o setor público é gastador e ineficiente” outro pretexto usado é “quanto mais privatizações, melhor para
a economia”. Mais uma vez, trata-se de uma crença ideológica que, na prática, assim como o mito do “Estado
inchado”, serve aos interesses de grupos econômicos que desejam a alienação dos bens públicos e a privatização
crescente dos bens e serviços essenciais para expandirem seus negócios.

Diversas pesquisas sobre as privatizações foram feitas e elas nos dizem muito sobre até que ponto o mito de que a
iniciativa privada é mais eficiente é verdadeiro. Aqui falaremos sobre uma delas, que também é uma das mais
completas já feitas sobre a eficiência da iniciativa privada, no caso, as empresas europeias privatizadas entre os
anos de 1980-2009. Essa pesquisa compara o desempenho das empresas públicas com as empresas privadas,
assim como o desempenho destas últimas quando ainda eram públicas.
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A conclusão dessa pesquisa é surpreendente: As empresas privatizadas tiveram um pior desempenho em


relação às empresas públicas, e, ainda, segundo a pesquisa, esse baixo desempenho se prolongará por
aproximadamente dez anos ou mais. [20]

Trazendo o debate para a realidade brasileira, também podemos conferir que esse mito não se sustenta
observando a diferença de qualidade entre as faculdades privadas e as faculdades públicas. Estas sempre lideram
o ranking das melhores faculdades do Brasil. No topo, podemos conferir nomes como a UFRJ e a USP [21]. A
superioridade das faculdades públicas atrai até mesmo os jovens defensores do livre mercado que prestam
vestibular para entrar nelas e, caso aprovados, de lá não saem mais até obterem o diploma. Ora, se a iniciativa
privada é melhor, por que não estudam em faculdades privadas? Eles dizem que apenas querem recuperar
impostos, mas curiosamente não estudaram em escolas públicas para fazer o mesmo, porque seus pais e eles
próprios sabiam sobre a sua baixa qualidade devido aos baixos investimentos, como já explicado no item 4.

O que faz o ensino público superior ser tão eficaz assim? Talvez seja pelo mesmo fator que faz a OMS
(Organização Mundial de Saúde) considerar o modelo se saúde pública cubano um exemplo para o mundo em
medicina e saúde preventiva? [22] De forma inusitada, até mesmo o jornalista da conservadora Rede Globo, Jorge
Pontual, reconheceu a eficiência da saúde pública de Cuba, chegando a declarar ao vivo na Globo News que
“devemos tirar o chapéu, a medicina cubana é um exemplo para o mundo”. [23] Seja no capitalismo ou no
socialismo (real), os serviços públicos funcionam muito bem se forem administrados com boa vontade política.

Outro mantra muito utilizado a favor das privatizações, é aquele baseado na seguinte máxima: lucros privados,
prejuízos privados – o que é uma noção de capitalismo idealizada, que existe apenas na mente deles, já que, na
realidade, no capitalismo real, a história é bem diferente. Vejamos um caso recente que contraria essa idealização:
a crise de 2008. A pedido dos executivos do banco Goldman Sachs, o governo dos EUA, país que é nada mais,
nada menos o centro do capitalismo mundial, topou injetar 700 bilhões de dólares para salvar o banco e evitar o
desmoronamento do sistema bancário devido à crise do Subprime. Quando a crise bate a porta, os devotos do
mercado clamam pelo dinheiro público, dizendo que são “grandes de mais para falir” [24].

É claro que existem inúmeros problemas com o nosso serviço público, isso pode ser facilmente constatado e é
necessário reconhecer suas falhas e limitações. No entanto, a solução para esses problemas não virá da iniciativa
privada, mas sim via participação política, que pressione as autoridades responsáveis pela administração da coisa
pública reivindicando melhoras e ajustes nesses serviços tão essenciais para o nosso bem-estar.

Conclusão
07/08/2017 5 mitos consolidados no senso comum que acabam prejudicando a sua vida

De unicórnios que apresentam um mundo de fantasia para dragões que incendeiam o senso comum: os
cinco mitos se mostraram na verdade cinco falácias, e encharcadas de ideologia.

Com a ajuda da grande mídia, elas se espalham e ganham cada vez mais espaço nas redes sociais, diante das
quais a trincheira virtual acaba padecendo de embasamento acadêmico e dados concretos para confrontá-las.

Em consequência disso, a primeira teoria política toma formas cada vez maiores aqui no Brasil ultimamente, sendo
amparada quase sempre por sites como “Mises Brasil”, “Spotniks” ou formadores de opinião como o MBL
(Movimento Brasil livre), que defendem ideologias de think tanks conservadores. Por essa razão, tentamos aqui
prover aos que realmente estão interessados o oposto, isto é, a real informação, baseada na realidade e nos fatos.

Logo, é necessário alertar à você, leitor (e aproveitando para agradecer a leitura do nosso texto, dado que estamos
no último parágrafo) que, antes de compartilhar ou tomar qualquer um desses mitos apresentados acima como
verdade, é necessário, antes de tudo, pesquisar a fundo sobre o assunto em questão, do contrário, acabamos
caindo em falsificações grotescas que apenas estão comprometidas com interesses econômicos bem específicos,
e jamais com a construção de um mundo melhor por meio do conhecimento.

Revisão de texto: Jorge Charon

Referências

[1] HOBBES, Thomas – Leviathan (PDF), pag. 216


[2] KLEINERMAN, Benjamin – The Political Theory of Possessive Individualismp (1985), pag. 8
[3] TARLTON, Charles D. (2001) The Despotical Doctrine of Hobbes (Parte I: ‘The Liberalization of Leviathan’,
History of Political Thought, 22:4, 587-618, p. 595).
[4] Veja – Humanos são naturalmente pacíficos, afirma Frans de Waal
[5] Voyager – 10 fatos que invalidam os índices de liberdade econômica
[6] CATO – Heritage Immigration Study Fatally Flawed
[7] CATO – The Economic Benefits of Comprehensive Immigration Reform (PDF)
[8] Heritage Foundation – The 2012 Index of Dependence on Government
[9] Market Watch – Heritage Foundation is wrong about welfare state
[10] BBC – Livro questiona 23 mitos do capitalismo
[11] FRIEDMAN, Milton – Capitalismo e Liberdade (PDF), pag. 6
[12] Brasil Livre (YouTube) – Friedman fala sobre os monopólios
[13] MISES, Ludwig von – Ação Humana, pag 437
[14] UFRJ – Economias de Escala, Concorrência Imperfeita e Comércio Internacional (PDF)
[15] InfoMoney – 10 empresas que controlam (quase) tudo que você consome
[16] OCDE – Employment in the public sector
[17] IPEA – Serviço público federal brasileiro no século XXI: “inchaço” ou modernização e profissionalização?
[18] APUFPR- Existe mesmo inchaço da máquina pública?
[19] ILAESE – A Educação no Brasil e os 10% do PIB JÁ! (PDF)
[20] PSIRU – PUBLIC AND PRIVATE SECTOR EFFICIENCY (PDF)
[21] FOLHA – Ranking de Universidades
[22] Operamundi – Cuba: um modelo de acordo com a Organização Mundial da Saúde
[23] GloboNews (YouTube) – Jorge Pontual: A Medicina Cubana é Exemplo para o Mundo
[24] HARVEY, David – O enigma do Capital, pags. 6 e 7

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