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CDS/UnB, 2021
Resumo
Abstract
Em 1986, a 8ª Conferência Nacional de Saúde traz um conceito ampliado de saúde que
inclui alimentação, habitação, educação, renda, meio ambiente, trabalho, transporte,
emprego, lazer, liberdade, acesso e posse da terra e acesso a serviços de saúde como
condições necessárias para se garantir a saúde.
A partir dos anos 2000 toda a estrutura de políticas públicas para a promoção do
desenvolvimento sustentável passa também a demandar uma abordagem complexa. Dos
Objetivos do Milênio aos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS) ampliou-se
de 8 para 17 objetivos e de 21 para 169 metas. De forma geral as 169 metas dos ODS se
articulam entre si e demandam ações e políticas intersetoriais 1 e me redes cada vez mais
complexas, sobretudo a partir de novas dimensões como combate às mudanças
climáticas e cidades sustentáveis e também de dimensões muitas vezes conflitantes
entre si, como indústria, inovação e infraestrutura e consumo e produções sustentáveis.
1
Intersetorialidade é a articulação de saberes e experiências na elaboração, aplicação e avaliação de
políticas públicas, objetivando atingir resultados integrados em situações ditas complexas (JUNQUEIRA,
INOJOSA, KOMATSU, 1997, p 21).
responder de forma complexa aos problemas e demandas da sociedade contemporânea.
Muitos de seus formandos atuam na esfera governamental na luta diária com políticas
intersetoriais, outros são professores que tentam ensinar o pensamento complexo em
outros centros universitários. Certamente seus formandos têm feito diferença na
condução de políticas nacionais, estaduais e municipais justamente pela capacidade
transdisciplinar.
Azevedo et al (2012) analisam as políticas públicas estabelecidas entre 2006 e 2010 que
dialogam com as diretrizes da Promoção da Saúde e concluem que um grande desafio
para a condução dessas políticas é o despreparo técnico dos gestores públicos para
conduzir ações intersetoriais que dificultam a execução integrada de ações. Tal
despreparo leva, entre outros danos, à falta de reconhecimento dos temas complexos que
envolvem tais políticas. A construção de ações intersetoriais não pode ser apenas a soma
de diferentes olhares disciplinares sobre um mesmo objeto. Ao contrário, devem
estruturar redes descentralizadas, complexas e heterogêneas para responder às
necessidades de saúde das diferentes coletividades (CAMPOS et al, 2004;AZEVEDO et
al, 2012).
2
Os questionários buscaram dimensionar a valoração do município e das águas minerais para os dois
grupos, a relação dos habitantes com a água mineral, as representações da água para os habitantes, a visão
dos dois grupos quanto à gestão das águas minerais e sustentabilidade. Além dos questionários foram
realizadas 14 entrevistas com atores-chave, nas esferas municipal, estadual e federal.
Em “Mercado e política”, inclui-se a dimensão das legislações pertinentes ao recurso
estudado, a conjuntura política e mercadológica mundial que favorece a exploração
deste recurso e os conflitos de competência derivados das idiossincrasias legais.
Derivada deste tema, o sétimo capítulo, “Política e conflito” faz a descrição do conflito
socioambiental a partir da análise do Inquérito Civil Público, de entrevistas, e outros
documentos relacionados ao conflito.
Ficou evidente que a gestão das águas minerais deve partir da análise complexa do
problema que envolve os conflitos em torno dos sistemas ambientais, contemplando as
relações entre natureza, sociedade, processos econômicos e processos culturais que
permeiam toda a problemática ambiental.
ATese foi formada por duas partes diferenciadas e interrelacionadas. A primeira parte
compreende uma série de cinco artigos que, embora independentes, articulam-se entre si
e têm um tronco transversal em comum. No primeiro, é analisada a representação social
da manipulação genética na sociedade moderna por meio de uma linha do tempo, que
articula a história do tema na ficção e o desenvolvimento tecnocientífico. O segundo
ensaio demonstra as implicações econômicas da manipulação genética, inserindo a
noção de biocapitalismo como a mais contemporânea dimensão de biopoder. O terceiro
apresenta uma análise sobre os modelos de regulamentação das biotecnologias no
mundo e os conflitos derivados de diferentes tipos de gestão. O quarto artigo demonstra,
por meio de estudo de caso, o conflito em torno da liberação de organismos
geneticamente modificados no Brasil e as suas implicações socioambientais. O quinto
faz uma análise das ideologias e das diferentes percepções do risco na Comissão
Biossegurança brasileira.
Nas diversas sessões da Tese, foi possível observar um confronto entre duas ideologias
contraditórias, a ideologia tecnocientífica, guiada pelo paradigma desenvolvimentista e
disseminada pelo sistema biocapitalista e a ideologia ambientalista ou precaucionária,
guiada pelo paradigma sustentabilista. As diferentes posições sociais3 que se
desenvolvem no contexto das biotecnologias se entrelaçam conflituosamente e se
manifestam no plano da consciência social e estabelecem suas práticas discursivas e
seus jogos na arena de embate político (NINIS, 2011).
Ressalta-se, também, que a própria política de biossegurança deve ser objeto de ação
3
Os cientistas divulgam a segurança dos OGMs; os ambientalistas defendem que o desenvolvimento
tecnocientífico comporta riscos; os consumidores se colocam em uma posição de cautela, enquanto os
agricultores anseiam por tecnologias que facilitem o manejo das plantações. As empresas vislumbram
altos lucros e os políticos defendem suas bandeiras. Em meio a essa efervescência cultural, perpassam
questões subjetivas, relacionadas às ideologias, à concepção de verdade e aos imperativos éticos.
crítica nas diversas esferas sociopolíticas. A abertura para uma participação efetiva da
sociedade é um caminho para um processo mais democrático e humanizado (NINIS,
2011).
Por outro lado, o processo cada especialização das biociências conduz a uma gama de
aplicações e feitos que, necessariamente, afetam toda a humanidade em diferentes
aspectos sociais: política, agricultura e agroecologia, meio ambiente, saúde, ética etc,
que se traduz numa complexa dinâmica social que também deve ser relavada como
parte do sistema de análise (NINIS, 2011).
Esse caso emblemático mostra como o ensino disciplinar impossibilita, muitas vezes,
visões mais abrangentes, complexas e relacionais impedindo o agente público de
enxergar para além de uma lei caduca e ultrapassada. Sobretudo impede uma visão
complexa do conflito e retira o ser humano do centro do problema, como se o homem, a
cidade, o turismo, a saúde, o patrimônio fossem apenas pedras no caminho para a plena
satisfação do mercado das águas minerais.
Para a mediação do conflito foi necessário instituir uma Câmara Técnica Federal para
debater as competências legais entre Lei das Águas e Código de Mineração. Essa tarefa
ficou a cargo de tecnólogos da mineração e das águas e, passados 15 anos, o conflito de
competência legal não foi sanado.
Não se formou nenhuma proposição de política intersetorial que unissem turismo, meio
ambiente, saúde, patrimônio histórico, produção mineral, estado, município para
discussão de tombamento, preservação, fomento turístico, autogestão comunitária do
recurso. Essa falta de articulação política reflete a incompetência do Estado de gerir
políticas intersetoriais efetivas para a região e para as águas minerais, afetando a vida de
toda uma população.
4
Segundo o Código de Mineração (1967) as empresas mineradoras têm o direito de explorar o minério
(seja ele água mineral) até à exaustão da mina
epigenéticos5, pleiotrópicos6 e a complexidade dessas interações. Tampouco são
sensíveis aos problemas socioambientais e econômicos derivados do sistema de
produção dos alimentos transgênicos e sua dependência às commodities.
Assim, são raros os técnicos da CTNBio com reflexividade sobre suas práticas. Mais
raro ainda são os que possuem formação em biossegurança. Fica evidente que na
formação de cientistas moleculares (e em grande parte das ciências duras) a falta de um
pensamento mais complexo capaz de oferecer competências mais humanizadas e
críticas imprescindíveis ao gestor público. Quando esses profissionais saem de seus
laboratórios para a gestão de uma política da biossegurança se tornam tecnocratas
insensíveis e sem habilidade para o diálogo com outros saberes.
Grande parte dos cientistas moleculares da Comissão recebe ajuda privada das grandes
transnacionais da biotecnologia em suas instituições de pesquisas (ZANONI et AL,
2011). A CTNBio tornou-se, assim, o espaço favorável à trocas entre os pesquisadores e
as empresas, tornando-se um veículo do biocapitalismo.
Revela-se como uma tentativa frustrada de uma política intersetorial viciada pelo
paradigma cartesiano e incapacitada de agir sobre uma bissegurança precaucionária,
humanizada e dialógica com a sociedade.
Conclusão
5
Os epigênes são marcadores genéticos distribuídos ao longo do filamento do DNA que funcionam como
interruptores que ativam ou desativam os genes. A totalidade desses marcadores, reconhecido como
epigenoma, pode ser alterada muito facilmente por meio de influências externas. Contatos com
substâncias tóxicas, incremento vitamínico, cuidados mais intensivos, influências ambientais, entre
outros, podem marcar o indivíduo por toda a vida. Além disso, as alterações em marcadores epigenéticos
podem se manifestar, não somente na geração imediata, mas em gerações futuras (ATLAN, 1999)
6
Nos processos pleiotrópicos, um gene controla diversas características do organismo, podendo afetar
várias características simultaneamente . É provável que a maioria dos genes apresente efeitos
pleiotrópicos, apesar de serem conhecidos especificamente por suas características mais aparentes
(ATLAN, 1999).
respostas eficientes para os problemas contemporâneos, sobretudo em questões que
envolvem conflitos socioambientais e saúde global. A sociedade demanda cada vez
mais gestores capacitados para promover gestão em redes e políticas intersetorais e
interescalares. Esse é o principal gargalo da gestão pública do século XXI.
Numa sociedade que cada vez mais demanda por gestão em redes, a complexidade
mostra-se como método capaz de descortinar as dinâmicas transversais inerentes às
politicas públicas conjugando e compartilhando os saberes e articulando pessoas,
órgãos, departamentos, organizações que são dispostos na estrutura de Estado de forma
fragmentada. Essa é a principal habilidade cognitiva do exercício da teoria da
complexidade e um grande aporte de Edgar Morin no campo das políticas públicas.
Bibliografia:
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Paris: INRA.
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Campos, G.V.; Barros, R.B.; Castro, A.D. (2004) Avaliação de política nacional de promoção
da saúde. Revista Ciência e Saúde Coletiva. Rio de Janeiro, v. 9, n. 3, p. 745-749.
Feuerwerker, L.M.; Costa, H. (2000) Intersetorialidade na rede Unida. Saúde em Debate. Rio de
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Morin, E. (1999b) Por uma reforma do pensamento. In: Pena-Vega e Nascimento (Coord.) O
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21-34.