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Resumo
A discussão apresentada neste trabalho busca analisar a participação como direito de
aprendizagem, tal como apresentado na proposta da versão preliminar da Base Nacional
Comum Curricular (BNCC) para Educação Infantil no Brasil, documento que subsidiará
as organizações curriculares das escolas para a primeira infância. O suporte teórico
utilizado para a realização das análises está fundamentado nas concepções sobre
participação infantil pautadas nas interlocuções dos Estudos da Criança (Pedagogia da
Infância, Sociologia da Infância, Antropologia da Infância e Psicologia da Infância). As
estratégias metodológicas foram construídas a partir da análise e discussão entre os
conceitos de direitos das crianças, aprendizagem e participação infantil, e as propostas
referentes ao direito de aprendizagem à participação, presente nos cinco campos de
experiência apresentados na BNCC. O objetivo desta discussão foi aprofundar os
significados atribuídos ao direito de participar, considerando as especificidades das
crianças de zero a seis anos de idade. Neste sentido a discussão foi organizada em três
pontos principais: crianças e aprendizagem; a participação na escola infantil –
especificidades da creche e da pré-escola; a participação e os professores. A discussão
realizada indica que a participação infantil na organização do cotidiano da escola, por
ser atravessada pela concepção de direitos, pelo significado atribuído às ações das
crianças e pelas experiências de participação dos adultos, precisa ser amplamente
debatida nos diferentes âmbitos da escola: com os familiares, entre equipe de trabalho
da escola e com as crianças, no sentido de construir com todos o conceito de
participação assumido pela comunidade escolar. Além disso, ao entender-se a
participação como um direito de aprendizagem é preciso ter claros os conceitos acerca
de como se aprende na infância. E, finalmente que o papel dos professores e demais
adultos da escola, na promoção de um cotidiano escolar que viabilize o direito das
crianças a participar, está intrinsecamente ligado à formação continuada em contexto.
Palavras-chave: Participação; Direitos; Aprendizagem; Educação Infantil.
Iniciando a conversa: o direito de participação e as crianças
A sociedade contemporânea é marcada por inúmeras discussões sobre direitos:
humanos, das mulheres, dos animais, do meio ambiente, etc. É fato que essas discussões
têm contribuído para a qualidade de vida em nosso mundo, porém há ainda muito o que
ser feito para que tais direitos se efetivem. Quando falamos sobre direitos das crianças
essa é uma pauta há pouco tempo presente na agenda pública, visto que a infância é uma
categoria geracional que esteve sempre vinculada aos direitos das famílias ou mesmo
das mulheres. Acreditamos que garantir direitos àqueles que estão chegando agora no
mundo é fundamental para a constituição de uma sociedade mais igualitária e
democrática.
Além disso, com base no atual momento político vivenciado pela sociedade
brasileira em que muitos direitos que incidem diretamente na vida das crianças vem
sendo revogados, como o fechamento de creches universitárias em São Paulo (USP), a
retirada do acompanhamento dos professores aos alunos em horários de almoço e lanche
nas escolas municipais de Porto Alegre, o parcelamento de salário dos professores em
diversos estados, entre outras situações, é de suma importância que a discussão sobre os
direitos das crianças se faça cada vez mais presente nos espaços de luta a favor da
infância.
1
O texto utilizado para reflexão neste trabalho é a segunda versão da Base Nacional Comum Curricular,
liberada para consulta pública em julho de 2016.
2
Optamos pela utilização do termo professoras devido à predominância do sexo feminino, nas escolas de
Educação Infantil brasileiras.
Para falar sobre participação e aprendizagem pela ótica da infância é fundamental
destacar a importância da presença do adulto nessa relação. De acordo com Guillot
(2008)
Confiar no outro implica estar disponível para aprender com o outro e para
ensinar aquilo que é preciso para que ele possa emancipar-se. No entanto, os adultos
muitas vezes realizam uma projeção do “si-mesmo” com as crianças ao transmitirem
não apenas um patrimônio cultural, mas uma forma de ser: ser criança, ser aluno, ser
cidadão, uma forma de participar. Algumas dessas projeções são carregadas de
significados que posicionam as crianças como dependentes dos adultos. Sim, as crianças
são dependentes dos adultos. Porém o caráter dessa dependência deve ser pautado na
promoção de uma autonomia e não de uma submissão aos ideais dos adultos. As
crianças não devem depender apenas das expectativas dos adultos em relação ao seu
futuro, pelo contrário, devem cumprir com seu papel na sociedade enquanto grupo
geracional da infância, papel apontado por Guillot (2008) de enriquecer, vivificar e
renovar nossas formas de ser humanos.
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O conceito de participação periférica legítima é apresentado no livro Aprender pela vida cotidiana, de
Brougère e Ulmann (2012), em um texto de Vicent Berry, em destaque no tópico “Eu li”. Trata-se de um
relato sobre o livro “Situated learning: legitimate peripheral paticipation”, que é resultado de 5 estudos
etnográficos em comunidades diversas (como os confeccionadores de roupas da Libéria, parteiras na
América do Sul ou, ainda, Alcoólicos Anônimos nos Estados Unidos) realizados pelos pesquisadores J.
Lave e E. Wenger na Cambridge University Press, em 1991.
Esta definição abarca diferentes âmbitos que fazem parte da vida cotidiana e
social na escola, pretendendo garantir às crianças que tomem parte da escola, como
sujeitos que tem suas necessidades, interesses e opiniões levados em conta.
Ainda nesta direção, quando se organiza o tempo para que as crianças possam subir as
escadas da escola com autonomia, possam tentar colocar o sapato no seu pé ou no pé do
colega, são importantes episódios de participação que podem oportunizar às crianças o
sentimento de pertencimento do seu corpo, com suas habilidades e possibilidades reais
ao espaço da escola.
Pensamos que este é um dos pontos que a escola de educação infantil precisa
ainda dialogar muito em seu cotidiano no que se refere à participação das crianças. É
possível, hoje, no Brasil, visitarmos escolas no Norte e no Sul e encontrarmos em suas
paredes e espaços similaridades que refletem uma cultura adulta de tomada de decisões
sobre que tipo de material, cores, personagens, objetos representam a infância. Parece-
nos difícil conceber que a infância seja assim tão simétrica em um país de tão grandes
dimensões como o nosso. Um espaço organizado com a participação das crianças
garante aos bebês suas necessidades de contato progressivo com o mundo e aos maiores
a valorização da sua identidade com a exposição de suas produções autênticas. Deste
modo
o processo de aprendizagem é concebido em desenvolvimento
interativo entre crianças e o adulto. Os espaços e os tempos educativos
são pensados para permitir a interatividade educativa. As atividades
são concebidas como ocasião das crianças fazerem aprendizagens
significativas (KISHIMOTO; OLIVEIRA-FORMOSINHO, 2013, p.
191)
Conclusão
Referências