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Gravação: Referência ou Interferência

Victor H. Almeida
Há não muito tempo, ouvíamos nossas músicas preferidas poucas vezes na
vida. Caso tivesse grande orquestração, estamos falando de três ou quatro vezes
em toda a vida em casos de sorte. Morar na cidade do compositor poderia, em
bons casos, dobrar esse volume.
A chegada das gravações permite ao ouvinte maior contato com as obras
que lhe falam ao coração mudando completamente a cultura da escuta musical
no cotidiano. Aos músicos aprendizes também é permitida a possibilidade da
apreciação de suas referências com frequência não comum aos artistas do
passado. Dessa forma, uma ambiguidade foi formada: poderia a referência
auditiva interferir no processo criativo do aprendiz, em qualquer nível?
É fato que professores imprimem certa influência na técnica e na
musicalidade dos alunos, mas o processo de troca gera resultados artísticos
naturais onde ambos se afetam. Porém, a apreciação de gravações é um
movimento de mão única onde o remetente não tem contato com o destinatário.
Dessa forma, fica a cargo do estudante assimilar o aprendizado ou aproveitar a
experiência estética como ouvinte.
Não se trata de decidir copiar, aprender, ter referência - usar a gravação
como material didático - ou apreciar a obra de arte registrada fonograficamente. É
possível que o músico equilibre essas duas ações de forma natural, sem análise ou
preocupação. Ouvir apreendendo, comumente, é o cotidiano do músico em
qualquer nível técnico.
Há que se diferenciar a música erudita da música pop nessa dinâmica. A
música de concerto do século XX até os dias atuais tem grande presença de
execuções de obras tidas como standard do repertório. Ainda existe a cultura
normal de estréia de peças, mas a regravações de trabalhos com a exata mesma
orquestração pensada pelo compositor e a riqueza está na interpretação, nuanças,
pontos de vista dos artistas. Assim, o músico ouvinte pode tomar, de duas, uma
atitude: 1) copiar as idéias dos instrumentistas renomados e se manter longe de
críticas sobre interpretação, mas assumindo a mesmice alheia ao serviço da arte;
(2) arriscar-se a utilizar idéias distintas, de variados intérpretes, embasando-se no
estudo pessoal da obra, participando do ambiente criativo musical ainda que
possibilite críticas negativas sobre sua idéia.
A música pop possui a característica da mudança de arranjo em novas
interpretações. Nesse caso, arranjadores e produtores são responsáveis junto aos
executantes pelo sucesso da versão. O músico que busque referências em
qualquer das várias “linguagens” musicais, costuma copiar suas referências como
aprendizado e só acenderá ao “assinar” seu som para o seu público.
Por fim, o momento musical atual exige o registro e, atualmente, o
material visual tem peso equivalente à gravação de áudio. Com isso, estar em
contato com álbuns, coletâneas e vídeos faz parte do cotidiano saudável de
qualquer músico profissional. Assim, o cuidado com a aquisição de conhecimento
através do que fizeram outros artistas é, assim como ler um livro, um peneirar de
informações valiosas e, igualmente na literatura, cada músico precisa de riquezas
diferentes em cada referência.

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