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O (DES)MUNDO DE UMA ÓRFÃ NO BRASIL DO SÉCULO XVI

(Brisa Queiroz)

Desmundo, quarto longa-metragem de Alain Fresnot, é um filme denso que conta a história de Oribela
(Simone Spoladore), uma jovem órfã portuguesa. Criada em um convento ela é obrigada a atravessar o oceano
para casar-se com um dos colonizadores do Brasil, país selvagem e quase inabitado em 1570. Nessa época, os
homens que vinham morar aqui eram, em sua grande maioria, criminosos que deixavam Portugal para tentar
vida nova, ou simplesmente para fugir de uma condenação.
O destino de Oribela era o destino de quase todas as órfãs de Portugal. Assim que elas chegam ao país,
são apresentadas aos futuros maridos por Dona Brites (Beatriz Segall). Oribela não aceita seu noivo e cospe em
seu rosto. A menina é então oferecida a outros homens, mas nenhum quer uma pessoa tão difícil. Apenas o
senhor de engenho Francisco de Albuquerque (Osmar Prado) se dispõe a tal desafio.
Que opções tem uma órfã no Brasil colonial? Casada, pelo menos teria uma casa e estaria segura. Oribela
se vê então morando em uma casa de engenho com o marido, a sogra e uma menina deficiente, Viliganda, filha
da relação incestuosa entre Francisco e sua mãe, Dona Branca (Berta Zemel), uma mulher extremamente
dominadora. Desesperada, ela tenta fugir dessa estranha realidade.
O filme é baseado no livro homônimo de Ana Miranda. Atriz e roteirista de cinema, a escritora chegou à
lista dos mais vendidos com “Boca do Inferno”, um romance sobre o poeta Gregório de Matos, publicado em
1989. Agora, Ana Miranda está escrevendo uma série de livros dedicados a contar as histórias de mulheres que
chegaram ao Brasil vindas de vários continentes. Em "Desmundo", ela conta o destino da portuguesa Oribela;
em “Amrik” a heroína é árabe e em um de seus próximos livros, a personagem central será uma escrava
africana.
As filmagens de Desmundo foram realizadas em Ubatuba, em uma área de várzea, cercada por mata,
perto da praia de Puruba. “Foi preciso reconstruir tudo, a vila, o engenho. Nada dura do século XVI até a hoje”,
destaca o diretor. Foram convidados cenotécnicos de São Paulo para construir a igreja, a casa dos jesuítas e a
casa do judeu Ximeno (Caco Ciocler). O restante das construções, de pau-a-pique e com teto de sapé, foram
feitas por uma equipe local, com mais experiência na utilização desses materiais.
Os diálogos são o grande destaque do filme. Todos eles foram traduzidos para o português arcaico pelo
lingüista Helder Ferreira. “Não dá para saber exatamente como se falava naquela época”, ressalta Alain
Fresnot, e informa que a pronúncia de Desmundo é baseada em textos escritos de personagens populares da
época. Segundo Simone Spoladore, foi necessário um mês de preparação, durante o qual “o professor Helder
nos deu aula e nos ensinou a falar as palavras”.
Simone confessa que foi muito difícil a composição para sua personagem. Apesar de sua pouca
experiência no cinema, ela convence no papel da rebelde Oribela. “Tive que trabalhar bastante com a solidão da
personagem, que queria romper com o padrão estabelecido de comportamento da época. Ao mesmo tempo em
que ela tem uma fragilidade, por estar num mundo novo, tem também uma força muito grande”.
Francisco de Albuquerque é um típico homem do século XVI. Ele tem por sua mulher um sentimento de
posse e vê nela um objeto para ser utilizado, para lhe dar prazer e para procriar. Osmar Prado impressiona com
seu primeiro grande personagem no cinema e consegue, através de sua atuação, demonstrar a impotência de
Francisco quando este se apaixona pela rebelde órfã. Sem saber como conquistá-la, tenta dominá-la e,
influenciado por Dona Branca, chega até mesmo a acorrentar Oribela.
Desmundo mostra, de forma crua, o modo como as mulheres eram tratadas no período colonial brasileiro.
Com o respaldo da religião, os homens casavam-se apenas para procriar, tratando suas mulheres como animais.
Elas não tinham direito à nada e muitas vezes eram agredidas física e sexualmente. Seria ingenuidade pensar
que esse tipo de tratamento está completamente extinto da sociedade brasileira. A diferença entre as épocas é
óbvia, mas certos comportamentos se repetem. Muitas são as mulheres agredidas pelos maridos, muitas são as
queixas sobre abusos sexuais e muitas são as notícias sobre crimes passionais contra as mulheres.

Ficha Técnica
Título Original: Desmundo
Tempo de Duração: 100 minutos
Ano de Lançamento (Brasil): 2003
Estúdio: Columbia Pictures do Brasil
Direção: Alain Fresnot

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