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A Configuração Foral Castelhana nos Séculos XII e XIII e o Sonho da Reconquista Jurídica

nos Moldes do Realengo do Rei Sábio


Jorge Gabriel Rodrigues de Oliveira*
Resumo
Neste trabalho apresentaremos como uma das etapas da pesquisa O Corpo e o Direito
Medieval Ibérico. A Dor que Redime o Homem e a Salvação da Alma pelo Sangue: Uma História
Comparada Através das Punições Corporais nos Fueros Juzgo e Real, algumas conclusões
parciais sobre como se constituiu a política jurídica castelhana empreendida nos séculos XII e
XIII. Analisaremos a tipologia dos fueros característicos dos períodos de fronteira e retaguarda e,
por conseguinte, as pretensões políticas de Afonso X, no sentido da implementação do realengo
como uma das tentativas de consolidação de seu poder.

Abstract
In this paper we are going to present one of the stages of the research The Body and the
Medieval Iberian Law. Pain that Redeems Man and Salvation of the Soul by Blood: A
Comparative History Through Corporal Punishment in Fueros Juzgo and Real, as well as some
partial conclusions about how the Castilian juridical policy was built between the XII and XIII
centuries. We are going to analyze the typology of the common fueros of periods of border and
rear and therefore the political pretensions of Alfonso X, towards the implementation of the
realengo as one of the attempts to consolidate his power.

Palavras-chave
Política jurídica – Tipologia dos fueros – Realengo

Key-words
Juridical policy – Typology of fueros - Realengo

*
UGF, licenciado e bacharelando em História, bolsista de Iniciação Científica PIBIC/UGF sob orientação da Profa.
Marta de Carvalho Silveira.
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Ao analisarmos a dinâmica jurídica entre as etapas de fronteira e retaguarda da
Reconquista, não devemos ter em mente uma concepção fechada e linear desse processo, do
mesmo modo que quando nos referimos a documentos jurídicos com matéria mais centrífuga que
outros, não pretendemos transformar tal afirmativa numa verdade. O que pretendemos salientar,
de fato, é a constatação de uma certa tendência à centrifugação contida no discurso jurídico
inerente àqueles documentos, levando em conta as especificidades das etapas em que se
encontram.
O panorama jurídico castelhano nos séculos XII e XIII teve como local de efervescência
as cidades, que alcançaram um grau de desenvolvimento, tanto no âmbito de áreas urbanizadas,
quanto na demografia urbana, acentuado se comparado com os períodos anteriores. Um indício
deste fenômeno pode ser percebido a partir da alteração nos tamanhos das muralhas que
protegiam as cidades, que se expandiam cada vez mais. Tal fato indicava o aumento do perímetro
urbano, conjuntamente com o aparecimento de novas regiões urbanizadas, os burgos (LE GOFF,
1992:4). Outro indício encontra-se no crescimento das populações urbanas do Ocidente
expressado pela existência de 55 cidades com mais de 10.000 habitantes cada, onde 6 destas
encontravam-se na Península Ibérica (FRANCO JR, 2001:19-31). Neste sentido, a importância
política destes focos urbanos foi potencializada ao passo que se transformavam em alvo de
interesse por parte do poder real castelhano, que no século XIII tentou edificar uma política
menos fluída, levando em consideração o entrave propiciado pela concessão foral anterior, como
segue:

“Aqueles que habitavam as cidades recebiam do soberano os fueros, onde estava


assegurada a sua liberdade pessoal, bem como a autonomia administrativa, judicial e
militar expressa no conselho que garantia o ordenamento na região. Esta autonomia
das cidades castelhanas, principalmente as setentrionais, de ocupação cristã mais
antiga, pode ser explicada pela necessidade de repovoar as regiões que estavam sendo
retiradas das mãos dos muçulmanos graças ao movimento de reconquista territorial.
No entanto, o preço pago pela coroa, em decorrência do processo de repovoamento,
consistiu em uma realidade de localismos jurídicos que, se nos séculos XI e XII foram
úteis à coroa, no séc. XIII representou um entrave à unificação do reino” (BEJDER,
2006:10).
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O surgimento de novas e o desenvolvimento de antigas áreas urbanas suscitaram a


existência de uma diversidade jurídica em Castela. As diversas legislações existentes não eram
constituídas com o objetivo de serem homogêneas e sim, voltadas para suas questões internas, de
acordo com o interesse de cada autoridade local. A materialização desse pluralismo jurídico se
dava a partir dos fueros, que “eram documentos jurídicos, inicialmente de caráter local, que
buscavam apresentar soluções práticas para questões quotidianas das comunidades urbanas”
(BEJDER, 2006:10). Esses documentos jurídicos representavam a institucionalização dos ditos
bons usos e costumes das comunidades, levando em conta que “Ca si el fuero es fecho como
conviene de buen uso et de buena costumbre, ha tan grant fuerza que se torna á tiempo asi com
ley, porque se mantienen los homes et viven los unos con los otros en paz et en justicia” (SIETE
PARTIDAS, I, II, XIII). Neste sentido, pretendia-se que os fueros fossem tomando o lugar do
direito consuetudinário, baseado nos costumes, em prol do direito baseado nas leis, uma vez que
eram considerados “´[...] mas paladino que la costumbre ni el uso, et mas concejero; ca en todo
lugar se puede decir et facer entender” (SIETE PARTIDAS, I, II, XIII).
Ao passo que ocorria a Reconquista territorial, o reino de Castela passou a enfrentar um
problema político interno que se apresentava “como parte de uma política centralizadora,
contrária aos interesses fragmentários da nobreza e a afirmação de um projeto nacional
castelhano” (ALMEIDA, 2002:13-36). Naquele momento, era fundamental para a monarquia
castelhana, a implementação de uma política jurídica favorável à sua centralização e, noutra
instância, sua aplicação. Porém, não pretendemos analisar este último fator, mas sim, os fatores
de sua elaboração, levando em conta a tentativa de exercício de controle político de regiões que
possuíam “gran diversidad de derechos que tenían um ámbito de vigencia meramente local”
(MÍNGUEZ, 2001:217-229). Esse pluralismo jurídico representava um entrave para o processo
de consolidação do poder monárquico que além de combater forças externas, deveria também se
preocupar com as forças internas dissidentes.
A partir do processo de repovoamento ocorrido no reino, Afonso X edificou a matéria
jurídica do Fuero Real, que se constitui num código composto por 550 leis, organizadas
em 4 livros e 72 títulos, que diziam respeito a diversas questões cotidianas das cidades
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como, “heranças, doações, casamentos, transações comerciais, procedimentos
jurídicos e administração” (SILVA, 2008:1-7). Foi constituído, prioritariamente, para que as
comunidades anexadas recentemente o utilizassem como matriz legislativa; sendo assim: “A meta
era utilizá-lo para a unificação jurídica do reino, sendo outorgado às cidades localizadas ao norte
de Castela” (SILVA, 2008:1-7). Esta estratégia política fomentada por Afonso pretendia que a
legislação elaborada penetrasse no reino, promovendo um esvaziamento contínuo dos focos de
poderes locais, num movimento diretamente proporcional à consolidação de seu poderio político.
Este código de leis elaborado pelos juristas de Afonso foi diretamente “Influenciado por outros
códigos anteriores, como o Fuero Juzgo” (BEJDER, 2008:8), elaborado anteriormente, mas ainda
no mesmo século e nos mesmos moldes do Fuero Real, como segue:

“[...] o rei Fernando III, [...] mandou traduzir o LI para o recém-criado castelhano e o
deu à cidade de Córdoba, sob o nome de FJ, a fim de que servisse como base de
unidade jurídica às diversas comunidades que habitavam aquela parte do território
peninsular” (BEJDER, 2008:8).

Esta tradução do Liber Iudiciorum, que por sua vez, era “um códice de leis escrito em
latim, formulado em 654, pelos visigodos, sob forte influência do direito romano” (BEJDER,
2008:8) pode ser considerada como a principal matriz jurídica do Fuero Juzgo, que foi uma das
principais influências para a elaboração do Fuero Real. Outra produção de natureza jurídica
daquele século foi o código das Siete Partidas, “Elaborado pouco tempo depois do Fuero Real
(1255), é um texto escrito em castelhano que abarca numerosos ramos do direito medieval tanto
do ponto de vista legal e prático como doutrinal” (LIMA, 2006:167-196). Seguiu a mesma linha
de atuação do Fuero Juzgo e Real, que consistiam num “corpo de leis que intentava dar unidade
legislativa a um reino fracionado por diversos fueros particulares” (LIMA, 2006:167-196).
Considerando o binômio fundamental do processo de Reconquista como sendo: conquista
militar e ocupação do território, podemos considerar, que a fase durante o reinado de Fernando
III, se deu, prioritariamente pela conquista militar, ao passo que a fase seguinte, se deu pela
ocupação do território. Entende-se aqui por “ocupação do território” (povoamento, ou mesmo
replobación), não somente a fixação de população proporcionada por conquistas militares, mas
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sim, a ocupação num sentido mais amplo, no que se refere à detenção do controle político sobre
determinada região. A repoblación dava-se através da concessão de privilégios políticos a
membros da nobreza militar ou senhores de terras. Este processo foi a grande mola propulsora
das tensões que ocorreram no reino de Castela, no âmbito jurídico e se apresentou em duas
etapas: de fronteira e de retaguarda (etapa dos privilégios e etapa do realengo, respectivamente).
Na etapa de fronteira, os privilégios tornaram-se latentes através da fomentação de um
direito local, que consistia em ordenamentos jurídicos de aplicação limitada a uma vila ou cidade.
Esta instância do direito possuía como manifestações, por um lado as Cartas Pueblas, em seu
momento inicial; e por outro os Fueros Municipales em seu momento de transição. Ao passo que
o segundo momento, de retaguarda, orientava-se para uma atitude jurídica mais rígida em relação
a esse tipo de concessão local, tornando-se necessária, por parte do poder central, a concessão de
segundos fueros, como foi o caso da concessão do Fuero Real em algumas regiões (MONTAÑA
CONCHIÑA, 1999). Porém, antes de adentrarmos nessa discussão, tornar-se-á necessário, um
esclarecimento acerca da implementação e das diretrizes da política de concessão de privilégios,
que por sua vez apresentava-se de maneira “[...] mucho más compleja de lo que a primera vista
parece [...]”(MONTAÑA CONCHIÑA, 1999).
Neste primeiro momento podemos perceber a utilização das Cartas Pueblas, que
consistiam em documentos que poderiam ser fomentados pelo próprio rei (forma embrionária da
condição realenga), por um senhor laico ou mesmo por um eclesiástico; as quais possuíam como
matéria jurídica uma série de direitos que norteavam os privilégios e exceções, através dos quais
eram reconhecidas oficialmente as populações protagonistas do processo de replobación
(DOMENÉ SÁNCHEZ, 2009:101-142). O principal objetivo da utilização deste tipo de
documento jurídico foi, com efeito, a necessidade de atrair população para as terras
reconquistadas. Estas Cartas, por sua vez, tinham um caráter jurídico aberto, não somente no
sentido de concederem privilégios à parcela da população mais abastada e fundadora vila ou
cidade, mas pelos benefícios de habitarem uma região juridicamente reconhecida, extensivos a
todos os protagonistas da replobación.

“Debió ser entonces, entre los días 10 y 28 de abril de 1230, cuando el rey otorgara a
la recién conquistada ciudad de Badajoz la casi obligada carta puebla. Una carta
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puebla, a veces llamado fuero [...] solia recoger tres aspectos esenciales: la relación
jurídica y fiscal que tendrían en el futuro los nuevos plobadores con el rey (realengo) o
señor (señorio), la delimitación del término municipal y el régimen de tenencia, reparto
y explotación de las tierras” (DOMENÉ SÁNCHEZ,2009:101-142).

Sendo assim, podemos concluir que a política foral do período de fronteira representava
por um lado, a formalização das relações entre o señorio e a população local, e por outro lado
uma ligação, ainda que frágil, entre o centro de poder e àquela periferia, no sentido de uma dupla
necessidade, uma vez que para a ocorrência da ocupação do território, era necessário a concessão
inicial de privilégios políticos para a atração de empreiteiros privados isolados ou mesmo de
grupos, ambos com condições mínimas de efetivarem os objetivos. Ou seja, essa política foral,
fundamentada basicamente através da concessão de privilégios políticos iniciais, possuía uma
dupla face, porque ao passo que servia como uma espécie de “isca” lançada pelo poder central,
representava, ao mesmo tempo, um mecanismo de fortalecimento do poder local, instalado
naquelas regiões.

“Junto a esta articulación de los centros habitados y de poder, los privilegios forales
apoyaban la llegada de plobación, que de forma individual o colectiva se iba a ir
asentado en los nuevos territorios controlados militarmente” (MONTAÑA
CONCHIÑA, 1999).

Podemos entender que este seria um momento de abertura política necessária para dar
dinâmica ao processo de Reconquista. Nesta etapa, o objetivo era conseguir o assentamento da
população, impulsionado pela concessão dos fueros, que apresentavam-se, como as Cartas
Pueblas, em forma de privilégios “[...] que se adapta perfectamente a las demandas de la nueva
sociedad” (DOMENÉ SÁNCHEZ, 2009:101-142). Entretanto, torna-se importante afirmarmos o
funcionamento desses Fueros Municipales, levando em conta que desde a primeira metade do
século XIII, em algumas regiões, os fueros das vilas e cidades mais influentes eram mantidos de
fato: “Así lo confirma el mantenimiento durante unos años del fuero de Coria concedido por
Alfonso IX em 1227 y confirmado por Fernando III em 1231 a la villa de Salvaleón” (DOMENÉ
SÁNCHEZ, 2009:101-142).
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Como continuidade dessa política foral, podemos observar a etapa de retaguarda, que
advinha com níveis consideráveis de estabilização das regiões de fronteira. Ao considerarmos
idéia das periferias como fronteiras onde ocorrem intensas transformações (LE GOFF, 2002:201-
216), devemos ter em mente a noção de que o panorama político supracitado, certamente tomaria
outros rumos com o desenrolar de seu processo de alargamento. A Reconquista de novas regiões
as transformava em novas fronteiras, em detrimento às antigas, que se tornariam zonas
intermediárias, uma vez que, também, não podemos considerá-las como zonas centrais. Para que
determinada região sofresse a mutação de zona de fronteira para zona intermediária, seria
necessária a ocorrência de um processo de estabilização política, de acordo com as perspectivas
centralizadoras, porém, não o bastante para poderem ser consideradas realengas.
Outro aspecto relevante quando consideramos a transformação de uma fronteira numa
região de retaguarda, seria a inversão da tendência da política foral dos privilégios, em direção a
uma política foral mais rígida, com tendências mais centrípetas, tornando-se necessária à
equalização política das regiões intermediárias. Ou seja, com a concessão de privilégios às
autoridades locais, se engendrava o povoamento das novas fronteiras, ocorrendo uma certa
estabilização na região. Como produto, tanto da abertura de novas, como da estagnação
momentânea do movimento de Reconquista, a coroa reorientava sua política foral num sentido
mais centralizador. Esses fueros eram concedidos com a intenção fundamental de substituir as
Cartas Pueblas, impregnadas de forças centrífugas (privilégios), que representavam um
empecilho para o sonho do realengo castelhano.
Doravante, no que se refere aos Fueros Municipales, podemos identificá-los como uma
continuação jurídica das Cartas Pueblas, uma vez que, ao exemplo de Badajoz, “Después de la
carta puebla y para organizar la vida de los habitantes [...]”(DOMENÉ SÁNCHEZ, 2009:101-
142), ocorreu a aprovação de um Fuero Extenso para a cidade, elaborado e proposto pelo
Conselho Municipal. Em relação a esses fueros podemos defini-los como extensos, levando em
conta o seu conteúdo normativo mais amplificado no sentido volumétrico e de matéria jurídica
propriamente dita, em relação aos Fueros Breves. Esses documentos também podem representar
a manifestação do localismo jurídico, uma vez que poderiam ser fomentados pelo senhor laico,
por um eclesiástico local ou pelo próprio Conselho municipal, como no caso comentado, porém,
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também pelo rei em forma de concessão. Em seu conteúdo possuíam uma jurisdição que
reafirmava os privilégios concedidos anteriormente a um determinado município, instruções
sobre como administrar a justiça e aspectos referentes à condição de cidade e não mais um
povoamento embrionário, como no caso das Cartas Pueblas. Ou seja, com o desenvolvimento
das regiões de fronteira as relações sócio-políticas tendiam a ganhar um caráter mais complexo,
sendo necessário que as perspectivas jurídicas acompanhassem estas formas mais complexas das
sociedades.

“Pero según se va desarrolado y aciendo cada vez más compleja la vida en el


municipio, esos breves preceptos de la carta fundacional resultan defasados y, en todo
caso, insuficientes. Y ante la inexistencia de una legislación territorial a la que acudir
para resolver los problemas jurídicos que plantea la convivencia cotidiana, esas
lagunas jurídicas se van cubriendo en cada municipio con una regulación mucho más
extensa, comprensiva no sólo de las cuestiones tocante a lo que hoy diríamos vida
municipal, sino de todas las esferas de la vida jurídica: civil, mercantil, penal,
processal, etc” (PÉREZ MARTÍN, 1997:75-85).

Com as mudanças sofridas pelas fronteiras, produto se seu próprio desenvolvimento e do


alargamento da “membrana viva” da Reconquista e, por conta disso, sua transformação em zonas
intermediárias, a coroa pretendia irradiar mais poder para essas regiões consideradas eclipsadas
pelos poderes locais centrífugos. Entretanto, essas mudanças, podem ser consideradas, como a
“[..] manifestación más de las tendencias evolutivas del realengo en la segunda mitad del siglo
XIII” (PÉREZ MARTÍN, 1997:75-85), nos moldes da etapa de retaguarda, em consonância com a
política de concessão dos Fueros Extensos. Neste sentido, para a continuidade de implementação
do projeto político da monarquia castelhana, era necessária a ocorrência de uma segunda mutação
naquelas regiões: a elevação da condição dessas zonas intermediárias (ou seja, regiões nem de
fronteira e em contrapartida, que tendiam mais a um caráter descentralizador), de fato, em zonas
realengas. Entretanto, o realengo não foi apenas percebido na etapa de retaguarda, mas, porém,
tendia a uma efetivação mais elaborada naquele momento, nos moldes dos Fueros Extensos.
Porém, ainda na etapa de fronteira, já é possível reconhecermos aspectos embrionários dessa
instância jurídica, ainda com a concessão das Cartas Pueblas ou Fueros Breves.
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Partindo desses pressupostos, podemos então concluir que o realengo seria a elevação
para a condição de senhorio real, de fato, concedida às regiões desenvolvidas ulteriormente ao
processo inicial de replobación. Era expresso através de documentos jurídicos, que, por sua vez,
poderiam possuir mais ou menos intensidade em referência a uma tendência centralizadora,
dependendo do documento em que era expresso. Ou seja, é uma condição impregnada de força
centrípeta, levando em consideração que, geralmente, aparecia nas documentações com objetivo
de cercear os privilégios das autoridades locais (laicas ou eclesiásticas), em preservação aos
interesses políticos ou fiscais do rei.
Podemos perceber certas nuances acerca de como funcionava a mecânica da pretendida
“reconquista jurídica”, nos moldes do realengo como fator de continuidade à efetivação da
reconquista militar de determinada região, ora controlada politicamente pelas hostes
muçulmanas, o rei outorgava ao povoado uma Carta Puebla ou Fuero Breve, que apesar da
concessão dos privilégios locais, já estabelecia, mesmo que em menor grau, a condição realenga
da localidade, delimitando seu limites e estabelecendo as condições para a configuração territorial
entre a população antiga e a nova população. Depois de efetivado o repovoamento, em todas as
suas instâncias fundamentais, com objetivo de uma organização sócio-política mais elaborada,
porém com um discurso mais alinhado aos interesses da coroa que aos das autoridades locais, o
rei aprovava a concessão de um Fuero Extenso, proposto à administração local ou proposto por
ela mesmo. Tal documento consistia numa espécie de adaptação das matrizes jurídicas da coroa
às peculiaridades da nova cidade, que poderia preservar mais ou menos os interesses locais.
Sendo assim, a pretendida reconquista jurídica, dava-se essencialmente com a aprovação
da concessão de Fuero Extenso às cidades já fundadas juridicamente, nos moldes dos Fueros
Breves. Na Europa, de uma maneira geral, este processo de fundação de cidades, dava-se levando
em consideração, basicamente, a intenção de ganhar terreno. Porém, no caso peculiar da
Península Ibérica, devido ao processo de Reconquista, devemos por em posição de destaque, a
sua condição de fronteira permanente, ou seja: a necessidade de defesa frente às forças
muçulmanas (PÉREZ MARTÍN, 1997:75-85). Dentre diversos motivos pelos quais se fundavam
cidades na Europa, quais sejam, basicamente, a revitalização de antigas cidades e a exploração
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dos interiores, na Península Ibérica a defesa da fronteira pode ser considerada como um dos
principais motivos dessa dinâmica de fundações.
Um outro dado relevante que nos ajuda a compreender a explosão de ordenamentos
jurídicos ocorrida na Península Ibérica, fora o fato da fundação de cidades, é o de que o século
XIII pode ser considerado como o século das transições, dos Fueros Breves para os Extensos:
“Este processo de ampliación del derecho de cada municipio cronológicamente tiene lugar
principalmente a lo largo del siglo XII y alcanza una extensión extraordinaria en el siglo XIII”
(PÉREZ MARTÍN, 1997:75-85). Partindo desse pressuposto, em outras palavras, podemos
constatar que este século foi também o século das codificações desses Fueros Municipales, uma
vez que “Como no podía ser menos, la Península Ibérica no fue ajena a este movimiento de
codificación del derecho de cada municipio. A partir del siglo XIII se redactan los llamados
fueros extensos [...]” (PÉREZ MARTÍN, 1997:75-85). Outro fator de suma relevância para que
possamos compreender esse aumento volumétrico de ordenamentos jurídicos, foi o fato de que
neste mesmo século XIII, surgem as universidades (FORTES, 2008:9), que eram as principais
fontes de conhecimento do Direito e que, por sua vez, local onde ocorria a produção acadêmica,
teórica, de temas jurídicos.
Podemos afirmar então que os Fueros Extensos eram uma forma mais equalizada que as
Cartas Pueblas, das tensões jurídicas existentes no século XIII, nos domínios castelhanos. De um
lado a permeabilidade da centripetação régia contida no discurso jurídico, que passou a aparecer
com mais freqüência nos Fueros Extensos devido à inserção do Direito Comum em seu conteúdo,
proveniente de um incipiente processo de laicização do ensino do Direito nas Universidades.
Neste sentido, podemos apontar essa tensão de poderes latente, como sendo a característica
fundamental do discurso jurídico fomentado na etapa de retaguarda do processo de replobación,
em contraposição ao discurso jurídico empreendido de maneira mais centrífuga na etapa de
fronteira, nos moldes das Cartas Pueblas. Em suma, podemos afirmar que em relação à matéria
jurídica dos Fueros Extensos, ocorreu um processo bastante dinâmico de “aculturação” jurídica
entre o ius comune e o ius proprium.

Fonte Primária
11
LAS SIETE PARTIDAS DEL REY DON ALFONSO EL SABIO. Cotejadas con varios codices
antiguos por la Real Academia de la Historia. Madrid: Imprenta Real, 1807, Tomo I. Disponível
em: <http://fama2.us.es/fde/lasSietePartidasEd1807T1.pdf>. Acesso em: jun. de 2010.

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