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Relações de Trabalho na China: reflexões sobre um mundo que nos é ainda


desconhecido

Autoria: Antonio Carvalho Neto, Roberta Guasti Porto, Anderson de Souza Sant'Anna,
Fátima Bayma de Oliveira, Humberto Elias Garcia Lopes, Tatiana Souza Almeida

Resumo
Este artigo traz uma reflexão sobre as relações de trabalho na China, a partir de pesquisa
exploratória com jovens trabalhadoras em Pequim sobre suas condições de vida e trabalho.
Elas ganham um salário que tem um poder de compra maior do que suas colegas brasileiras,
pois os custos com transporte, moradia e alimentação são de quatro a seis vezes mais baratos
que no Brasil. O campo chinês, tido pelo senso comum como uma massa algo uniforme de
miseráveis, também é muito mais complexo do que isto. Em vários aspectos, a realidade
chinesa é paradoxal, contraditória, desafiando nosso olhar ocidental.

Introdução

Este artigo traz uma reflexão sobre as relações de trabalho na China a partir de uma pesquisa
exploratória com jovens trabalhadoras chinesas sobre suas condições de vida e trabalho, sobre
as motivações que as trouxeram à cidade e ao emprego. A coleta de dados foi realizada por
pesquisador brasileiro em 2011 em Pequim, na China. As reflexões de um conjunto de
pesquisadores brasileiros, no âmbito de esforço de pesquisa interinstitucional mais abrangente
sobre os BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul), ancoradas em alguns
elementos do sistema de relações de trabalho chinês, são aqui apresentadas.

A China continua sendo uma incógnita para nosso olhar ocidental. Parece desafiar as bases
das teorias de desenvolvimento de mercado de origem européia e norte-americana que
teimamos em utilizar para tentar explicar uma realidade sobre a qual nos falta muito ainda
conhecer (FLIGSTEIN; ZHANG, 2011).

É o único país que, desde a antiguidade, manteve as fronteiras do mesmo tamanho, mesmo
tendo sofrido por séculos a barbárie dos mongóis, japoneses, ingleses e franceses. Atravessou
quatro mil anos de percurso civilizatório assombrando – e maravilhando - o mundo com sua
capacidade produtiva, com sua tenacidade, com seu isolamento, com sua complexa realidade,
que muitas vezes nos parece paradoxal. Brutal também, como em tantos outros lugares deste
vasto mundo, até mesmo em regiões de nosso país.

Na China, tudo tem que ser pensado numa escala à qual não estamos habituados. Tudo é,
literalmente, colossal. E também paradoxal. Realidades à primeira vista contraditórias
convivem todo o tempo. Não é por acaso que ficamos perplexos com a magnitude dos feitos
chineses. Nada parece caminhar num sentido único. O espetacular crescimento econômico dos
últimos 30 anos na China e o impacto positivo na redução da pobreza é a mais importante
mudança na economia mundial neste período, em especial nos últimos dez anos (FLIGSTEIN;
ZHANG, 2011).Atualmente há mais de 1.700 grandes empresas listadas nas bolsas de
Shanghai, Shenzen e Hong Kong, além de Londres e Nova York, dentre as quais cerca de 40
estão na lista das 500 maiores do mundo (WALDER, 2011).

Espetacular a riqueza criada que tem sido distribuída a parte significativa da população e
igualmente espetacular a migração de milhões de pobres em busca de melhores
oportunidades. Em algumas grandes cidades, ainda chegam cerca de dez mil migrantes do

 
 

campo por fim de semana. Nos últimos dez anos, a China proporcionou um padrão de vida
para 130 milhões de pessoas que é igual ao de qualquer país muito rico do ocidente. Esta
realidade convive com situações de semi-escravidão de outros milhões de chineses.

Por outro lado – há sempre outro lado na China – afirma-se cada vez mais uma classe média
ascendente, e parece haver milhões de trabalhadores no setor de serviços nas grandes cidades,
por exemplo, onde foi realizada a pesquisa que serviu de base para este artigo, que ganham
um salário que tem um poder de compra maior do que os seus colegas brasileiros, já que os
custos com transporte, moradia e alimentação são cerca de quatro vezes mais baratos que no
Brasil. O campo chinês, tido pelo senso comum como uma massa algo uniforme de
miseráveis, também é muito mais complexo do que isto, inclui muitos bolsões de
prosperidade econômica. Como se verá no decorrer do artigo, em vários aspectos a realidade
chinesa é paradoxal, contraditória, desafiando nosso olhar ocidental.

A primeira parte do artigo discute dados dos contextos que fazem parte do sistema de relações
de trabalho chinês, como o modelo econômico, o perfil do mercado de trabalho e elementos
da realidade social e cultural. Na segunda parte se apresenta aspectos relevantes do arcabouço
jurídico e regulatório do mercado de trabalho chinês. A terceira parte traz considerações
metodológicas sobre uma pesquisa de campo onde foi preciso triangular três idiomas. A
quarta parte apresenta e discute os resultados da pesquisa. Ao final, são tecidos comentários
inconclusivos, como soe ser diante de tão complexa realidade.

1. China, um gigante de muitas faces

Atualmente a segunda economia do mundo, com quase um bilhão e quatrocentos milhões de


habitantes, com uma força de trabalho de cerca de 800 milhões de trabalhadores, pouco mais
da metade no campo, taxa de desemprego de 6,5% e crescimento continuado há quase 30
anos, a China desafia o senso comum (aqui entendido como as reportagens divulgadas pela
mídia internacional, grosso modo). Não se pretende aqui criticar muito do senso comum, que
é verificável de fato. O intuito é mostrar que a realidade é mais complexa do que pode parecer
por este senso comum, mais fragmentada do que nos é permitido conhecer muitas vezes, que
há aspectos positivos, tanto quanto negativos.

Há muitas afirmações taxativas, cabais, a respeito do país, que uma observação mais
cuidadosa desmente. Nossa amostra de pesquisa foi composta de mulheres jovens trabalhando
no setor do comércio. Esperávamos encontrar salários extremamente baixos, e não foi o que
encontramos. Neste tópico trabalharemos com os fenômenos contextuais das espetaculares
transformações econômicas, da relação campo-cidade e das permanências e mudanças
culturais e sociais em relação à mulher, já que há um êxodo rural destas também, submetidas
a piores condições que os homens.

Não se sabe ao certo como definir o modelo que vem permitindo profundas e continuadas
mudanças na economia chinesa, desde 1978, com o governo reformista de Deng Xiaoping
provocando a abertura para o mercado. Um capitalismo de estado, centralizador (LIN, 2011)?
Ou um socialismo de mercado? Não há consenso na literatura sobre como interpretar esta
realidade. Para alguns estudiosos, a China pode até mesmo estar colocando um formidável
desafio ao capitalismo ocidental, um novo modelo ainda desconhecido (MEYER, 2011).

A China é a maior responsável pelo mundo ocidental não ter entrado em completo colapso
econômico, com seu crescimento econômico significativo e continuado nos últimos 30 anos,

 
 

desde quando vem experimentando uma adaptação de sua economia aos mecanismos de
mercado capitalista, incluindo um determinado grau de privatização (LIN, 2011). Tudo muito
mais gradual e sob controle do governo central do que na ex-União Soviética.

Especialmente nos últimos 10 anos estas mudanças se aceleraram (WALDER, 2011). De


2000 a2010 a China cresceu a uma impressionante média de 10% ao ano. A população abaixo
da linha de pobreza caiu para cerca de 10% contra 64% em 1979. Há uma nova elite de ricos
chineses, cerca de 10% da população. Estes 130 milhões de ricos não controlam as grandes
empresas que compõem o coração da economia chinesa, como ocorre na Coréia do Sul, por
exemplo. Sua riqueza é baseada no varejo, no mercado imobiliário, na construção civil, nos
serviços e na manufatura leve. O estado controla o financiamento, a regulação e 140 dentre as
maiores empresas do país, concentradas em setores como infra-estrutura, telecomunicações,
transporte, petróleo, aço e automotivo (FLIGSTEIN; ZHANG, 2011).

O salário médio total urbano do país era de 32.244 yuans ao ano, ou seja, entre 2.000 e 3.000
yuans por mês, o que chega de US$ 400 a 500 US$ mensais, o equivalente ao nosso salário
mínimo atualmente. No entanto, o poder de compra deste salário na China é pelo menos
quatro a seis vezes maior do que o nosso, comparando preços na China e no Brasil. Seria o
equivalente, pelo poder de compra, a pelo menos R$2.400 mensais aqui no Brasil. Em Pequim
e Shangai o salário médio é respectivamente 57.779 e 58.336 yuans, quase o dobro do resto
do país.

O senso comum sobre a China diz que há um abismo entre campo (miserável) e cidade. Em
2009, 46,6% da população estava nas cidades e 53,4% no campo. Neste mesmo ano, a renda
per capita dos domicílios urbanos era de 17.175yuan (a moeda chinesa, cuja cotação é cerca
de 6 yuan para 1 US$), contra 5.153yuan no campo, portanto três vezes maior. Esta proporção
não é absurda se comparamos com outros países (NBSC, 2010).

Além disto, já há cerca de 86 milhões de empresas privadas na China, sendo cerca de 55


milhões nas cidades e o resto no campo. Ou seja, já estão operando nas áreas rurais mais de
30 milhões de empresas privadas, onde os salários são em média três vezes mais altos do que
em grande parte das cooperativas rurais (NBSC, 2010). Segundo as mudanças promovidas
pelo governo, os agricultores podem cultivar e vender o excedente individualmente, forado
sistema de cooperativas, para o governo ou para empresas privadas.

A taxa atual de migração de 10 milhões de pessoas ao ano do campo para as grandes cidades
da China é a maior da história da humanidade. Pequim passou de 10 para 19 milhões de 2000
a 2010. Ainda que este êxodo colossal continue, serão necessários quase 40 anos para que a
China chegue ao padrão de urbanização do ocidente, inclusive o brasileiro. As desigualdades
internas são enormes, o que também não difere de muitos outros países, como o nosso. Por
exemplo, a província de Guizlou tem um PIB per capita dez vezes menor que o de Shanghai.

O senso comum diz que há muito mais homens do que mulheres. Isto só ocorre em
determinadas regiões muito específicas. Na média nacional, o quadro é bastante equilibrado,
ainda que haja pequena superioridade masculina, quadro que difere do resto do mundo, em
geral: 51,4% homens e 48,6%mulheres em 2009. Esta distribuição é praticamente a mesma
em todas as faixas etárias. Por exemplo, na faixa jovem em idade de trabalhar (na China a
idade mínima para começar a trabalhar é 18 anos), de 20 a 24 anos, 7,52% da população total,
3,75% são mulheres (NBSC, 2010).


 
 

As mulheres na China ainda têm que enfrentar uma carga cultural que as coloca num lugar de
submissão frente ao homem. A vida moderna, a revolução comunista, e, mais recentemente, o
desenvolvimento deste social-capitalismo estatal centralizado, vem minando bastante e, até
certo ponto rapidamente, se considerados os quatro mil anos de História do País, estes pilares
de submissão. Mas elas ainda enfrentam formidáveis desafios.

O Confucionismo, o Taoísmo e o Budismo tiveram e ainda têm profunda influência na cultura


chinesa. Estão atualmente muito imbricados, numa espiritualidade que parece ser crescente, já
que o regime chinês tem praticado maior tolerância religiosa do que nos tempos do
comunismo maoísta. Embora o Taoísmo, que tem como um dos pilares a natureza inseparável
dos opostos (homem e mulher como um destes opostos) e o Budismo, com a crença de que o
desejo é fonte de sofrimento, tenham sido amplamente acolhidos numa sociedade que
antigamente era predominantemente rural, estabelecendo comportamentos sociais e práticas
amplamente difundidas, como a meditação, o confucionismo sempre deu o tom.

A ordem social de Confúcio baseia-se na obediência hierárquica (pai-filho; governante-


governado; marido-mulher; irmão mais velho–irmão mais novo) e na responsabilidade do
superior em relação aos demais (CHANG, 2010).Talvez esta seja uma explicação para o fato
de o governo chinês, patriarcal, paternalista e autoritário não ser tão fortemente questionado
pela população em geral. As mulheres chinesas foram submetidas desde a antiguidade às três
obediências de Confúcio: submissão ao pai e depois ao marido e filhos, se viúva.

Os revolucionários maoístas reprimiram estes costumes, aboliram casamentos arranjados e


incentivaram as mulheres a entrarem no mercado de trabalho. Houve considerável progresso,
embora as práticas familiares ainda induzam fortemente estes costumes, principalmente no
campo (CHANG, 2010). As mulheres têm reagido. Atualmente, 44% dos estudantes
universitários são mulheres, que estão adiando o casamento até perto dos 30 anos, e os
divórcios têm aumentado (NBSC, 2010).

2. O arcabouço jurídico e a regulação das relações de trabalho na China

A China tem sido alvo de constantes críticas internacionais envolvendo a precariedade dos
contratos e das condições de trabalho, baixos salários, péssimas condições de saúde e
segurança, jornadas de trabalho muito longas, dentre outros temas. Relatos como as duras
estórias de vida das garotas chinesas que saem em busca de trabalho nas fábricas nos centros
urbanos, contadas por Chang (2010), vem sendo mais publicados no ocidente, e corroboram
estas críticas. Na mesma linha, reportagem publicada no New York Times em 2010 relaciona
uma onda de suicídios de trabalhadores em fábricas de empresa de tecnologia no sul da China
às péssimas condições de trabalho.

Esse cenário é fator de preocupação das empresas ocidentais que investem na China, já que a
mão de obra barata traz consigo riscos que incluem exploração do trabalho infantil,
trabalhadores mal pagos e sobrecarregados em ambientes de trabalho inseguros. Estas
preocupações fazem estas empresas serem mais cautelosas na China. Vale recordar o caso da
Nike, em meados da década de 1990, que gerou problemas de imagem para a empresa,
associados ao tratamento não ético aos trabalhadores (FOX, DONOHUE, WU, 2005).

Nas últimas décadas, o governo chinês tem atribuído maior importância à proteção dos
direitos trabalhistas (JUNHAI, 1999; ALLARD, GAROT, 2010; ZHAO, 2012). Reflexo disso
é o Plano Legislativo de Longo Prazo em matéria trabalhista (1995-2010), que trata da

 
 

promoção do emprego, contratos de trabalho, jornada, salários, segurança e saúde no trabalho.


Várias leis foram promulgadas, como a Lei de Promoção ao Trabalho, a Lei do Contrato de
Trabalho, a Lei dos Contratos Coletivos de Trabalho, a Lei da Remuneração do Trabalho, a
Lei de Segurança e Saúde Laboral e a Lei da Seguridade Social, com o objetivo de promover
a harmonia social e coibir o abuso contra os trabalhadores (ALLARD, GAROT, 2010).

Outra evidência desta maior preocupação do governo chinês é que, desde 1983, a China se
tornou Estado membro da Organização Internacional do Trabalho (OIT), tornando-se
signatária de uma série de convenções que tratam de assuntos como o descanso semanal e a
igualdade de remuneração entre homens e mulheres.

As principais leis e regulamentos em vigor na China são: Lei de Prevenção a Doenças


Ocupacionais (2001); Lei de Sindicatos Trabalhistas (2001); Regulamento dos Contratos
Coletivos (2004); Regulamento sobre Jornada de Trabalho (1995); Normas Administrativas
sobre Salário Mínimo (2004); Regras Provisórias de Pagamento de Salários (1994); Regras
Administrativas Provisórias sobre Inscrição no Seguro Social (1999); Regulamento Provisório
sobre Cobrança e Pagamento do Seguro Social (1999); Regulamento sobre Trabalho e
Supervisão de Seguro Social (2004); Lei sobre Mediação e Arbitragem sobre Disputas
Trabalhistas (2007), Lei da Promoção do Trabalho (2007) e Legislação sobre Contratos de
Trabalho (2007). Esta última resulta de um projeto de lei antigo que teve sua aprovação
apressada em virtude das denúncias de escravidão na província de Shaanxi, em 2007.

Pelo menos no papel, a regulação do mercado de trabalho na China pode ser considerada
bastante rígida (ALLARD, GAROT, 2010). Na prática, encontra-se uma aplicação moderada
da Lei do Trabalho, sobretudo longe dos grandes centros urbanos, em razão do conflito claro
de interesses entre o governo central e os governos locais, mais preocupados em atrair e reter
investimentos. Ou seja, os governos locais costumam ser mais coniventes com a exploração
dos trabalhadores do que o próprio governo central, no nível federal. Este quadro resulta,
dentre outras razões, do sistema de recompensa e punição do governo central em relação aos
governos locais na promoção da economia da região (FLIGSTEIN; ZHANG, 2011).

Não há qualquer previsão na lei que permita flexibilizar as leis trabalhistas. É permitido o
livre acordo dos termos e condições do contrato de trabalho, desde que não estejam em
conflito com as garantias e prerrogativas legais, sob pena de nulidade ou anulabilidade
(BROWN, 2010). Para Allard e Garot (2010), sob a ótica da proteção dos direitos dos
trabalhadores, a legislação trabalhista vigente na China é considerada altamente reguladora,
mais rígida que a legislação dos Estados Unidos, e similar à regulação trabalhista Alemã.

A Lei sobre Contratos de Trabalho ou Lei do Trabalho (CHINA, 2012b) figura como
elemento central da regulação do trabalho. As demais normas que tratam sobre relações de
trabalho nela se baseiam e servem para complementá-la. Ela regulamenta a assinatura, o
cumprimento e rescisão do contrato de trabalho, a duração da jornada de trabalho, regras
sobre repouso, pagamento e remuneração, segurança e saúde laboral, tratamento especial à
mulher, treinamento, seguridade social e solução de conflitos, dentre outros assuntos.

Na China a entidade responsável pela aplicação da regulamentação trabalhista é o Ministério


do Trabalho e da Seguridade Social e suas respectivas representações locais.
A seguir serão descritas as principais regras atinentes ao trabalho previstas nessa lei.
(CHINA, 2012b).


 
 

A legislação determina um contrato de trabalho por escrito, assinado entre empregador e


empregado, contendo ao menos o seguinte: qualificação do empregador e do empregado,
prazo, descrição das funções, local de trabalho, carga horária, descansos, licenças,
remuneração e compensações, condições de trabalho, riscos ocupacionais, regras de
seguridade social e proteção ao trabalhador. Há possibilidade ainda de estipulações sobre
período probatório, treinamento, confidencialidade, seguro suplementar, benefícios. Até o
final deste tópico, seguem os principais aspectos previstos na Lei sobre Contratos de
Trabalho. A maioria das informações é da mesma fonte (CHINA, 2012b).

Se não assinado dentro de um mês, o trabalhador poderá requerer pagamento em dobro. Se


não for formalizado dentro de um ano, o trabalhador poderá configurar a existência de relação
de trabalho por prazo indeterminado (CHINA, 2012b).

Os contratos de trabalho por prazo determinado são permitidos, não havendo qualquer
limitação quanto à duração máxima. No entanto, um Comunicado do Ministério do Trabalho
chinês sobre a implantação do sistema de contrato de trabalho datado de 1996 e a própria Lei
do Trabalho estipulam que alguns empregados têm o direito de solicitar que seu contrato
tenha validade por tempo indeterminado. São aqueles que trabalharam por mais de 15
(quinze) anos para o mesmo empregador (incluindo o período probatório), se as duas partes
acordam em renovar o contrato; aqueles que trabalharam por um longo período para o mesmo
empregador e estão a menos de 5 anos da idade para se aposentar, em geral 60 anos para
homens e 55 para mulheres(CHINA, 2012b).É comum a falta de precisão e redação clara na
legislação chinesa. Nesses casos, não é raro o preenchimento dessas lacunas legislativas por
parte dos governos locais, por meio de regulação que causa aplicação diferente da lei de
acordo com a região (BAKER & MCKENZIE, 2012; ALLARD, GAROT, 2010).

Para os contratos de trabalho com prazo determinado entre 3 meses e um ano, o período
probatório máximo é de um mês. Para os contratos com prazo entre um a três anos, o período
probatório máximo é de 2 meses. Para os contratos com prazo acima de três anos, o período
máximo é de 6 (seis) meses. Vale notar que, para a mesma posição, só é permitido um único
período probatório, para cada empregado(CHINA, 2012b).

A carga horária legal é de 8 (oito) horas por dia e 40 (quarenta) horas semanais. O descanso
semanal pode ser livremente acordado, desde que nunca inferior a 1 (um) dia por semana. Se
o trabalho é calculado com base na produção, esta estará sujeita a um limite razoável – não
definido pela legislação –, dentro da carga horária padrão (CHINA, 2012b).

Em casos especiais, como o do trabalhador noturno, mineiros, trabalhadores em altitudes ou


em contato com materiais tóxicos ou perigosos, além da mulher encarregada dos cuidados de
crianças com menos de um ano, a carga horária deve ser reduzida em uma a duas horas por
dia.Com a aprovação das autoridades, o empregador pode estipular jornadas especiais, em
razão das circunstâncias de produção especiais e/ou da natureza do trabalho: (I) jornada de
trabalho não fixada – aplicável a administradores sêniores, trabalhadores de campo,
representantes comerciais, transportadores de longa distância e taxistas e (II) jornada com
base no ciclo semanal, mensal, quadrimestral ou anual – aplicável aos empregados
encarregados de atividades contínuas ou em indústrias sujeitas a restrições naturais ou
sazonais (nesse caso, no entanto, a média de horas trabalhadas por dia e semana deve ser igual
à carga padrão)(CHINA, 2012b).


 
 

A carga horária só é extensível mediante negociação com os sindicatos e trabalhadores, com


base nas necessidades de produção. O trabalho extra normalmente não deve exceder uma hora
por dia de trabalho. Em casos especiais, é negociável a extensão da jornada de trabalho em até
3 horas por dia de trabalho, ou 36 horas por mês, desde que não afete a saúde do trabalhador.
Todavia, já há vários casos envolvendo trabalhadoras chinesas de jornada de 10 horas diárias,
com direito a folga aos sábados ou domingos somente às vezes (CHANG, 2010).

A remuneração pela hora extra é calculada com base nos seguintes adicionais: (I) HE em dias
normais - adicional nunca inferior a 150%, (II) HE em dias de folga, quando a folga não pode
ser realocada - adicional nunca inferior a 200%, (III) HE durante as férias - nunca inferior a
300% dos rendimentos normais.

Nos casos de jornada de trabalho não fixada, as horas trabalhadas em momentos excepcionais,
fora dos padrões diários ou semanais, não serão consideradas como hora-extra. No entanto,
está o empregador, da mesma forma, obrigado a garantir o direito de repouso do empregado.

De acordo com as definições do Ministério do Trabalho, são considerados trabalhadores em


período não integral aqueles que estão obrigados a cumprir jornada de trabalho em média de
4horas diárias ou 24 horas semanais. A estes trabalhadores, aplicam-se algumas regras
especiais como, por exemplo: a possibilidade de estabelecimento de relação de trabalho com
mais de um empregador; o reconhecimento de um contrato de trabalho verbal, quando o
período for inferior a um mês; não se aplicam as regras referentes ao período probatório; e
existe a possibilidade de rescisão mediante aviso prévio, a qualquer momento. Aplica-se, no
entanto, a limitação concernente ao salário mínimo local (CHINA, 2012b).

Há previsão na legislação chinesa da concessão aos trabalhadores de um descanso anual


remunerado, após um ano de serviço. A extensão deste descanso, no entanto, é um dos temas
mais obscuros em relação ao direito do trabalho chinês, muitas vezes confundido com os
feriados nacionais. Esta extensão depende, dentre outros fatores, dos deveres do empregado,
suas qualificações e experiência, o cargo em si. Na prática, as férias não ultrapassam,
normalmente, mais do que duas semanas por ano (BROWN, 2010).

Em caso de doença ou lesões não relacionadas com o trabalho, os empregados têm direito a
uma licença de longo prazo para tratamento, proporcional ao número de anos trabalhados para
aquele mesmo empregador. Em geral, estas licenças variam entre 3 e 24meses (BROWN,
2010). A remuneração durante este período de licença pode ser acordada entre as partes ou
fixada pela autoridade local, desde que nunca inferior a 80%do salário mínimo local.

Além do acima descrito, há previsão legal de licença matrimonial, de luto, maternidade de 90


(noventa) dias, sendo 15 (quinze) dias antes do parto e 75 (setenta e cinco) dias após o parto.
No caso de partos complicados ou de mais de uma criança, podem ser acrescidos outros 15
(quinze) dias. Em caso de aborto, pode ser concedida licença entre 15 (quinze) e 42 (quarenta
e dois) dias. A legislação chinesa contempla também a licença paternidade. Todavia, não há
previsão na legislação nacional, apenas normas locais. Em todas estas hipóteses, tem os
empregados o direito à remuneração normal (CHINA, 2012b).

Os trabalhadores têm direito à associação sindical e direito a aposentadoria, seguro saúde com
cobertura para doenças e lesões relacionadas ou não com o trabalho, seguro desemprego,
seguro maternidade (CHINA, 2012b).


 
 

Exceto nos casos do término do prazo estabelecido no contrato de trabalho, realização das
condições estabelecidas no contrato de trabalho, ou de comum acordo entre empregado e
empregador, não pode o empregador demitir o empregado, sem que comprove algumas
causas, como a ausência de qualificação necessária, de acordo com padrões claros de
contratação, durante o período probatório; a violação material às regras e regulamentos
internos da empresa; corrupção, roubo, causando danos graves ao empregador;
estabelecimento de relação de trabalho com outro empregador, afetando a realização de suas
funções, negando-se a corrigir o problema, após notificação; utilização de meios ardilosos ou
coerção, com o intuito de causar rescisão ou alteração do contrato de trabalho; ou em caso de
condenação por crime. Em todos os casos acima descritos, é necessária a notificação prévia.

Também são consideradas causas que possibilitam a dispensa a incapacidade de realização de


tarefas após a licença médica, em razão de enfermidade ou doença não relacionada com o
trabalho; a incapacidade de realização de suas tarefas mesmo após o devido treinamento e
transferência para outro cargo; e mudanças graves nas condições de realização do contrato
que impossibilitem às partes o seu cumprimento, mesmo após negociações e tentativas de
ajuste. Nessas hipóteses, deve-se notificar previamente o término do contrato de trabalho, com
30 dias de antecedência ou pagar o equivalente a um mês de salário como compensação
(CHINA, 2012b), algo como o aviso prévio da legislação trabalhista brasileira.

De acordo com a Lei do Trabalho chinesa, não podem ser demitidos os empregados que estão
expostos a doenças ocupacionais ou não foram devidamente avaliados sobre suas condições
físicas ou, ainda, onde haja suspeita de que tenha adquirido doença ocupacional. Também não
podem ser demitidos aqueles que estejam sendo diagnosticados ou estejam sob observação
médica; aqueles que confirmadamente perderam total ou parcialmente sua capacidade de
trabalho devido a doenças e/ou lesões sofridas no âmbito do trabalho; as mulheres, durante o
período de gestação, licença maternidade ou responsáveis pelos cuidados do bebê.

Além da estabilidade ligada a questões de saúde ocupacional, há ainda a proibição de dispensa


imotivada aqueles que trabalharam continuamente por mais de 15 (quinze) anos para o mesmo
empregador ou estão a 5 (cinco) anos de sua idade de aposentadoria. Os empregados fazem
jus atal proteção, mesmo após o término do prazo estabelecido no contrato de trabalho.

A Lei do Trabalho trouxe inovações também quanto à demissão coletiva, trazendo


dispositivos específicos sobre a demissão de mais ou de menos de 20 pessoas, contabilizando
pelo menos 10% do total da força de trabalho da empresa. Nesses casos, deve o empregador,
com a antecedência de 30 dias, explicar a situação ao sindicato e aos trabalhadores para ouvir
suas opiniões, antes de tomar qualquer decisão, reportando o caso às autoridades.

São consideradas causas que justifiquem dispensas coletivas (I) o plano de recuperação
judicial; (II) dificuldades operacionais ou de produção; (III) mudanças na produção em razão
da introdução de uma nova tecnologia ou revisão do modelo de negócios, após negociação
com o quadro de funcionários; (IV) grandes mudanças econômicas em relação ao tempo de
assinatura dos contratos de trabalho, impossibilitando seu cumprimento (CHINA, 2012b).

Muito embora não haja nenhum outro requerimento exigido por lei, na prática, é comum a
intervenção do governo, em especial das autoridades administrativas locais, no assunto. A
legislação não prevê necessidade de aprovação governamental. Porém, algumas regiões, como
a província de Shaanxi, onde houve um escândalo devido à prática de trabalho escravo, estão
requerendo aprovação oficial para dispensas coletivas (ALLARD, GAROT, 2010).

 
 

Existe um sistema de arbitragem oficial compulsória, para os casos relacionados ao direito do


trabalho. Não é admitida a arbitragem privada em nenhuma hipótese. A mediação ocupa lugar
de grande importância no sistema de resolução de conflitos (CLARKE, 2012).

Há previsão legal da instauração de conselhos ou comitês de fábrica. Todavia, não se trata de


um dever das empresas. Existe um regulamento sobre a resolução de controvérsias de 1993
que estipula que o empregador pode estabelecer um conselho do trabalho consistido de
representantes do empregador, dos empregados e do sindicato, como comitê para resolução de
disputas trabalhistas (BROWN, 2010).

Inicialmente as partes são incentivadas a compor amigavelmente os conflitos, mediante


negociação e consultas mútuas. Não sendo possível, há leis e regulamentos claros a respeito
dos procedimentos e autoridades responsáveis pela solução de controvérsias. Qualquer parte
pode requerer ao comitê interno de mediação de disputas, composto por representantes do
empregador, do empregado e do sindicato, para que intervenha no assunto. Se a mediação
falhar, ou não houver comitê de mediação, qualquer parte pode dar entrada no pedido de
instauração de arbitragem, perante o comitê local para disputas do trabalho. Se, após a
arbitragem, qualquer uma das partes discordarem da sentença arbitral, só então cabe recurso
ao judiciário. A arbitragem é pré-requisito para o acesso ao litígio judicial (BROWN, 2012).

O sistema anteriormente descrito pode ser resumido da seguinte forma: negociações


independentes, mediação voluntária, arbitragem oficial compulsória perante autoridades
locais e somente depois destes procedimentos cabe o recurso ao judiciário, com uma única
oportunidade de recurso para a instância jurídica imediatamente acima.

Com as mudanças implantadas a partir da Lei sobre Mediação e Arbitragem sobre Disputas
Trabalhistas (CHINA, 2012c), o número de reclamações trabalhistas cresceu. Segundo o
Ministério do Trabalho, em 2008 houve aproximadamente 700 mil disputas trabalhistas, o
dobro do número de disputas do ano anterior (ALLARD, GAROT, 2010).

Mais uma inovação da Lei do Trabalho, e talvez a de maior impacto econômico, é que, pela
primeira vez, é dado ao trabalhador chinês o direito de pleitear diretamente, sem a intervenção
do sindicato, pelos seus direitos trabalhistas (BROWN, 2010).

A Constituição chinesa de 2004 (CHINA, 2012a) define o princípio da isonomia. Há na Lei


sobre Promoção do Emprego (CHINA, 2012d) previsão expressa proibindo qualquer forma de
discriminação, em razão da nacionalidade, raça, sexo, religião, idade ou deficiência física.
Existem ainda leis específicas, tais como a Lei de Proteção aos Direitos da Mulher de 2005,
estipulando que o empregador não pode se recusar ou criar restrições à contratação de
mulheres; a Lei de Proteção ao Deficiente Físico datada de 1990, estipulando que o
empregador não pode discriminar os deficientes físicos no processo de recrutamento,
contratação, promoção e no pagamento de remuneração, benefício de moradia e seguridade
social; a Opinião do Conselho de Estado sobre os Problemas Trabalhistas dos Camponeses de
2006, estipulando que todas as regras discriminatórias e restrições não razoáveis ao trabalho
do camponês nas cidades e povoados devem ser revistas ou revogadas; e a Lei de Proteção ao
Idoso de 1996, estipulando a proibição à discriminação do idoso.

Nos casos de dispensa, ou quando se faz necessário o aviso prévio, ou, ainda, nas demissões
coletivas estipuladas em lei, tem o trabalhador direito à indenização por tempo de serviço, à

 
 

razão de um mês de salário para cada ano trabalhado.A indenização está limitada ao triplo do
salário médio praticado na região do empregador, e ao número máximo de 12 salários.

A legislação do trabalho chinesa se equipara à de países ocidentais. Um dos problemas mais


graves, que contribui para o descumprimento desta legislação em muitas regiões, é a falta de
liberdade sindical e de imprensa. Os sindicatos de trabalhadores com poder de pressão como
os conhecemos aqui no ocidente, que poderiam ser poderosos aliados nesta fiscalização, são
virtualmente inexistentes na China, cujo governo autoritário tem pavor de qualquer tipo de
manifestação coletiva. No Brasil, embora tenhamos sindicatos e imprensa livre, a legislação
do trabalho também continua a ser descumprida de norte a sul.

3. Considerações metodológicas

A pesquisa de campo constitui-se em estudo de caso de natureza exploratória, já que estudos


desta natureza, realizados in loco por um pesquisador brasileiro, são virtualmente inexistentes
no Brasil, e mesmo no plano internacional. Quando se publica algo sobre a realidade chinesa
em outros países, em geral isto se dá via parceria com algum pesquisador chinês, que é quem
se encarrega da pesquisa in loco. O grupo de pesquisadores que assina este trabalho inclusive
já procede assim em uma pesquisa de escopo maior que estamos realizando sobre liderança
nos países dos BRICS, que inclui a China.

No caso desta pesquisa, a intenção era explorar o campo presencialmente, entrevistar jovens
mulheres, no intuito de apreender um pouco da percepção das mesmas sobre as condições de
vida e trabalho, sobre as motivações que as trouxeram à cidade e ao emprego. Um dos
pesquisadores da equipe, em Pequim, em Junho de 2011, contratou um estudante de
engenharia que estava terminando sua graduação para seguir para um doutorado nos EUA,
tinha experiência em trabalhar com visitantes estrangeiros e bom domínio do inglês.

Foi produzido um questionário com questões fechadas e escritas em inglês, que foi traduzido
para o mandarim. Realizou-se um primeiro pré-teste, e houve necessidade de fazer
adaptações. Há pelo menos quatro grandes grupos lingüísticos dominantes na China. A língua
falada de cada um destes quatro grupos não é geralmente compreendida pelos chineses dos
outros três grupos. O mandarim, principalmente na escrita, é como um esperanto, digamos
assim, que todos os quatro grupos entendem. Como em nosso campo de pesquisa as jovens
vinham de várias regiões do país, houve necessidade de ajustes durante o pré-teste, ajustes
estes que, às vezes, o pesquisador brasileiro tinha dificuldade de entender, tal o grau de
sutilezas que, no entanto, fazem toda a diferença no entendimento da questão.

Além de todas estas (instigantes e curiosas) dificuldades com a triangulação das línguas, havia
a questão de interpretação de uma realidade muito mais complexa que a nossa, onde o que nos
parecia ser claro não era bem assim, devido à peculiar estrutura econômica do país. Por
exemplo, as trabalhadoras colocaram dificuldades de compreensão de algumas alternativas,
no caso do tipo de empresas, se estatais, multinacionais ou “privadas”, alternativa nova que
tivemos que acrescentar ao questionário, empresas cujos donos são chineses.

Optou-se por um tratamento dos dados por estatística descritiva simples, que se justifica por
ser uma amostra de difícil acesso para um pesquisador brasileiro aplicar um roteiro de
perguntas abertas pessoalmente. Após apresentação formal, fomos recebidos de forma muito
aberta e simpática. Escolhemos nossa amostra em estabelecimentos comerciais onde tínhamos
acesso direto às jovens, sem precisar passar necessariamente pela gerência. Em alguns casos,
10 
 
 

era possível ver a gerência, à qual nos dirigíamos para pedir permissão. Não houve qualquer
impedimento por parte da gerência, com exceção de um restaurante chinês de grande porte.

O pesquisador brasileiro acompanhou todas as entrevistas, realizadas num intervalo de 8 dias,


observando o ambiente de trabalho e as reações das entrevistadas enquanto preenchiam o
questionário, orientadas pelo intérprete chinês. Depois de cada entrevista, foi possível fazer
algumas perguntas abertas a algumas das jovens, de improviso, quando a situação o permitia.

Ainda que se tenha produzido um questionário fechado, a pesquisa pode ser considerada
qualitativa, já que a amostra foi de 28 jovens, sendo a estatística descritiva simples apropriada
para realizar alguns cruzamentos que nos permitissem explorar alguns aspectos. Além disto,
houve de uma a duas perguntas abertas dirigidas a 12 das entrevistadas. Quase todas as jovens
eram vendedoras, com exceção de uma guia turística e de uma caixa de supermercado.

As 28 jovens trabalhavam no momento da pesquisa em 11 empresas diferentes, 9 do setor de


comércio (varejo) e 2 do setor de serviços. Destas11 empresas, 2 eram franquias de cadeias de
fast food internacionais, uma era um supermercado também de bandeira internacional, 4 eram
franquias internacionais em shopping centers (equipamentos de informática, produtos de
beleza, papelaria, livraria) e 4 eram do setor de turismo (agências de viagens, grandes lojas de
souvenirs, comércio de pedras e esculturas). Seis empresas eram de grande porte, com mais de
500 empregados, 3 de médio porte, com 200 a 500 empregados e somente 2 eram de pequeno
porte, com até 100 empregados.

O questionário fechado e as perguntas abertas versaram sobre escolaridade, estado civil, com
quem dividiam a casa, se era o primeiro emprego, tempo no emprego, remuneração, se
enviavam dinheiro para a família no campo (e quanto), o motivo de trabalharem, a carga
horária por dia de trabalho, trabalho nos fins de semana, preconceito por ser mulher.

4. Apresentação e discussão dos dados

Os ambientes de trabalho onde foram realizadas as entrevistas eram de dois tipos, grosso
modo. O primeiro tipo era como estamos acostumados a ver aqui no Brasil, do ponto de vista
de estrutura física, arejamento, até mesmo design dos pontos de venda, com todas as marcas
internacionais possíveis e imagináveis (neste quesito, tem muito mais marcas do que aqui no
Brasil, todas correndo atrás do mercado extraordinário de 130 milhões de chineses ricos). Só a
quantidade de shoppings é que está em uma escala inimaginável para nós. Dentro de grandes
e sofisticados shoppings e supermercados era como em nossas grandes cidades, com a
diferença das cores, odores e alimentação típica das várias regiões do país agregadas à
paisagem e marcas ocidentais. A forte cultura chinesa aparece em todo lugar, mesmo dentro
dos shoppings. Um exemplo, não é em qualquer lugar que se encontra talheres como garfo e
faca, imperam os dois pauzinhos típicos, ou, no máximo, colheres de porcelana.

O segundo tipo era composto por grandes estabelecimentos, shoppings locais espalhados ao
longo das principais estações de metrô da cidade, bem amplos, destinados à venda de roupas,
sapatos e souvenirs de todo tipo (desde roupas de algodão, sintéticas, de seda, relógios,
sapatos, estatuetas e esculturas de diversos tamanhos, jóias, pedras, até chás e todo tipo de
miudezas). São mais estruturados e bonitos do que os nossos shoppings populares.

Em todos estes ambientes, o clima era agradável, descontraído, alegre, a recepção sem
censura de qualquer natureza. As jovens perguntaram e falaram livremente, sem qualquer
11 
 
 

interferência de gerentes. Mais livre inclusive do que quando realizamos pesquisas em


shoppings aqui no Brasil.

Este universo de empresas foi escolhido de forma a apresentar um mínimo de


homogeneidade, já que sabíamos de antemão que não teríamos tempo hábil para vencer todas
as dificuldades e obter uma amostra maior. Procuramos basicamente dois tipos de varejo, um
mais sofisticado e um mais popular, para saber se haveria diferenças, como aqui no Brasil
muitas vezes há. Não houve diferenças na remuneração nem no perfil e tampouco em
nenhuma das outras características e percepções por parte das jovens que trabalhavam nos
shoppings mais sofisticados, mais ocidentalizados (a grande maioria em Pequim) em relação
às jovens que trabalhavam nos shoppings populares e em outros estabelecimentos mais
tipicamente chineses.

Como se viu no referencial teórico, os maiores salários pagos no país, inclusive para este tipo
de trabalho não tão qualificado, são pagos nos dois maiores e mais importantes centros
políticos, urbanos e econômicos do país, Pequim e Shangai. O tempo de estudo de uma parte
significativa da amostra, 18 jovens dentre as 28, era de 10 a 12 anos (equivalente ao segundo
grau no Brasil).

A amostra é composta por uma maioria de mulheres trabalhadoras jovens, de até 26 anos de
idade. Seis delas eram inclusive menores de 20 anos, e outras 12 tinham entre 21 e 23 anos.
Quase todas eram solteiras e não estavam em nenhuma união estável. Havia 5 casadas e até
mesmo 2 divorciadas. Num país tão marcado pelo tradicionalismo confuciano, que submete a
mulher à obediência ao homem, a grande cidade é muito mais livre do que o campo, e
claramente mais aberta quanto à aceitação do divórcio (que existe legalmente, e é
relativamente comum nos grandes centros).

Um terço destas jovens vive com a família, que, ou veio do campo para se juntar a elas e/ou a
outros irmãos homens que já tinham vindo para a grande cidade anteriormente. Outro terço
divide a moradia com mais de uma pessoa. Do total de 28, quatro já moram sozinhas, o que é
altamente cobiçado entre elas. O fato de já haver garotas tão jovens, trabalhando como
vendedoras no varejo, capazes de arcar sozinhas com os gastos de moradia não deixa de ser
um indício de que os benefícios do crescimento econômico chinês estão chegando à classe
mais baixa. Morar sozinha permite escapar da vigilância de familiares e amigos que mantém
laços estreitos com o campo que elas deixaram para trás. As casadas moram com o marido
somente e com os filhos, quando os tem.

Perguntadas para que trabalhar, a metade delas disse fazê-lo para ter sua independência
financeira, e outras seis disseram que era para construir uma carreira. Estas respostas já
sugerem um perfil de mulher menos submissa aos valores tradicionais confucianos.

As perguntas abertas que tivemos oportunidade de fazer a 12 das jovens foram elucidativas de
vários aspectos das vidas delas em relação a suas famílias que ficaram no campo. Muitas
mantinham laços familiares com parentes mais velhos que moravam em aldeias distantes.
Muitas avós, por exemplo, ficam tomando conta dos netos e são sustentadas pelas filhas.

O campo não deve ser entendido como um lugar só de miséria e pobreza, como salientado no
referencial teórico. Tivemos oportunidade de conversar com algumas jovens cujas famílias
tinham membros e conhecidos, vizinhos, cujas filhas trabalhavam nas próprias aldeias e vilas,
para as prefeituras locais, ou para um hospital local. Estes empregos, no entanto, não são
12 
 
 

muitos, e são bastante disputados, há concursos públicos, provas. O salário pode ser muito
melhor do que 3.000 yuans. Além disto, este tipo de emprego público oferece boa seguridade
social e outros benefícios, subsídio alimentar e de moradia. Certamente, há aquelas garotas
que “ficam nas aldeias para serem como suas mães”, como disse uma das jovens
entrevistadas. Esta é uma atitude desprezada pelas jovens entrevistadas, o que sugere que é
um valor para a nova geração trabalhar e ser independente.

Nenhuma das 28 jovens entrevistadas marcou a alternativa que dava o motivo para trabalhar
para comprar roupas bonitas, nem tampouco para economizar dinheiro para casar. Neste
último caso, talvez porque o homem ainda é o principal responsável pelas despesas de um
casamento (afinal, não se livra da tradição tão fácil nem tão completamente).

Somente seis disseram que trabalhavam com o intuito de ajudar a família. No entanto, quando
perguntadas mais à frente se enviavam dinheiro para suas famílias no interior, quase dois
terços delas, 18 jovens, disse que contribuíam com até 1.000 yuans por mês, algumas com o
dobro, o que significa de um terço a mais da metade do salário mensal. Um terço não envia
dinheiro para a família.

O salário médio destas 28 jovens é de 2.500 yuans por mês. Ao câmbio aproximado de pouco
mais de 6 yuans por 1 US$ à época da pesquisa, temos que o salário médio mensal era de
pouco mais de US$ 400, ou cerca de R$ 600 reais, nosso salário mínimo hoje. Como já
discutido anteriormente, é igual ao salário médio do país. No entanto, o poder de compra de
R$ 600 na China em 2011, em Pequim, comparando com o Brasil, é muito maior. As tarifas
de transporte em Pequim são R$0,60 para um deslocamento, por exemplo, enquanto aqui
qualquer tarifa de ônibus urbano é de R$ 2,5, portanto 4 vezes maior. Uma refeição muito
mais sofisticada do que uma fast food, que consistiria num prato executivo para nossos
padrões aqui no Brasil, com suco e sobremesa, era R$ 4, pelo menos 4 vezes mais barata do
que no Brasil. Energia e mesmo muitas moradias são pesadamente subsidiadas pelo governo.
Depois de exaustivos testes com o intérprete chinês, podemos supor mesmo que estes 2.500
yuans de salário destas jovens comerciárias equivaleriam a R$ 2.400 aqui no Brasil.

Ao que tudo indica, mesmo se elas enviam 1.000 yuans para a família, ainda sobra um salário
mensal que não é desprezível para os padrões brasileiros, ainda mais em se tratando de jovens
com segundo grau. Certamente estamos falando do mercado de trabalho que paga os melhores
salários do país, mas que tem também um dos custos de vida maiores. Estes dados são
reveladores de uma realidade que, se sem sombra de dúvida coexiste com muita miséria, não é
tão homogeneamente catastrófica para todos os trabalhadores, como leva a crer o senso
comum propagado pela mídia internacional.

Em relação ao tempo de permanência que tinham no emprego atual, 19 dentre as 28 jovens


entrevistadas tinha até 2 anos, 7 tinham de 4 a 5 anos de serviço e somente 2 tinham mais de 6
anos. A maioria já estava no segundo emprego, no qual haviam permanecido de 1 a 2 anos.
Este quadro sugere um grau de rotatividade bem comum neste tipo de setor de serviços. Elas
disseram ser muito fácil sair de um emprego e logo achar outro, dentro deste mesmo setor.

A grande maioria, 80%, em vários cruzamentos de dados realizados por tamanho de empresa,
disseram trabalhar 8 horas por dia. O tamanho da empresa não alterou as respostas. Metade
disse trabalhar todos os fins de semana, e a outra metade disse trabalhar alguns finais de
semana. Como salientado no referencial teórico, a legislação trabalhista chinesa obriga a um
dia semanal de repouso e a jornada semanal é de 40 horas. Assim, se trabalham muitos fins de
13 
 
 

semana, subtraindo o dia de repouso, acabam por trabalhar 6 dias de 8 horas, ou 48 horas
semanais, pelo menos. O abuso dos empregadores, neste caso, é o mesmo praticado aqui no
Brasil no setor do comércio.

Perguntadas se elas sentiam que havia preconceito contra a mulher no seu local de trabalho,
cerca de 80%, em vários cruzamentos de dados, tanto em empresas grandes quanto em
empresas pequenas, disseram não sentirem esta atitude. No entanto, perguntadas mais à
frente se havia mais dificuldades para a mulher (em geral) conseguir emprego ou promoção
no emprego em relação ao homem, 92% admitiram “algumas dificuldades para a mulher”, “de
vez em quando”, ou que, “algumas vezes se tem uma dificuldade de oportunidade de trabalho
mais que os homens”. Em várias oportunidades esta aparente contradição na percepção das
jovens ficou clara.

5. Considerações finais

Pesquisar na China constituiu-se num considerável e instigante desafio. O que mais chamou a
atenção foi a coexistência de aspectos que, aos nossos olhos ocidentais algo maniqueístas,
pareciam-nos paradoxais. Realidades muito distintas parecem conviver todo o tempo.

Foram vários os aspectos que a pesquisa levantou que desafiam o senso comum. Os salários,
tidos internacionalmente como muito baixos, mostraram-se bastante razoáveis para jovens
trabalhadoras comerciárias com escolaridade de segundo grau, se levado em conta o seu poder
de compra. As condições de trabalho igualam-se àquelas encontradas nos grandes centros
comerciais de nossas grandes cidades. A jornada de trabalho, embora seja descumprida, indo
além do limite legal, ao menos para este tipo de trabalho e de setor pesquisado na China, não
é extenuante, nem absurda para os padrões do abuso praticado mesmo em países como o
nosso Brasil, onde a jornada de 8 horas diárias é sobeja, amplamente descumprida pelas
grandes empresas, não só pelas pequenas.

As mulheres chinesas, submetidas a uma milenar submissão à lógica de dominação


masculina, a tomar o exemplo destas jovens, parecem estar reagindo ao peso opressor da
tradição confuciana. O progresso acelerado da última década na China parece estar também
quebrando com maior rapidez as raízes com o passado de obediência, de quase completa
submissão. Os motivos que as levam a trabalhar sugerem este movimento. Por outro lado, boa
parte mantém forte ligação com a família tradicional que ficou no campo ou as acompanhou à
cidade, contribuindo com boa parte de seu salário, o que não significa sujeição aos costumes
no que tange à submissão ao homem. Não necessariamente. Ao mesmo tempo em que parece
que as jovens percebem a discriminação contra as mulheres em geral, elas não relacionam
diretamente a elas próprias esta percepção.

Não se quer dizer que não haja exploração vil do trabalho humano, trabalho escravo, péssimas
condições de trabalho, até mesmo neste setor pesquisado, em empresas menores, mais
escondidas dos olhos do grande público. Provavelmente há, de acordo com várias publicações
internacionais de estudiosos chineses que tiveram inclusive que se refugiar no exterior para
escapar da repressão do regime à divulgação de uma realidade constrangedora. O que se quer
salientar aqui é que há os dois lados, que podem até serem dois lados de uma mesma moeda,
ou, quem sabe, mais do que uma simples contradição. O que a pesquisa sugere é que há uma
parcela considerável de trabalhadores (com baixa escolaridade, urbanos, pelo menos) que não
trabalham em regime de semi-escravidão.

14 
 
 

Por falar em contradições, o pesquisador que realizou a pesquisa ficou surpreendido com o
clima descontraído das pessoas em todos os lugares, inclusive para fazer críticas ao governo.
Para quem não está por dentro dos muros do regime, a sensação é que não é uma ditadura.
Livros de romancistas dissidentes, notadamente vindos da elite intelectual de Shangai,
considerados subversivos e que chegaram a serem queimados dez anos atrás, atualmente são
vendidos em grandes livrarias, para quem quiser. No entanto, só são editados em inglês, que
certamente só é lido por uma minoria da população. Uma forma de censura sutil, portanto.

Talvez por serem tão mais velhos do que nós no processo civilizatório, os chineses sejam
muito menos propensos a certezas absolutas, deixando maior margem à dúvida, muito menos
preocupados em delimitar campos distintos. A racionalidade que marcou o desenvolvimento
ocidental não é a mesma que o oriente teceu. A própria escrita do mandarim é composta por
desenhos que representam idéias, que não tem o que nos acostumamos a denominar no
ocidente de “um sentido mais exato”. Muitos fenômenos no oriente não são o que parecem ou
aparecem diante de nossos olhos.

Na teoria crítica de origem frankfurteana, o mundo não deixa de ser uma construção social,
cheio de contradições. Adorno, com sua contribuição inestimável sobre a necessidade de se
olhar para as contradições internas de um mesmo objeto de pesquisa, pode ser um dos
pensadores ocidentais que mais nos permita aproximar desta realidade fascinante, e tão
importante para o mundo atual, de uma China que vem colocando enormes desafios ao mundo
e da qual, para o bem ou para o mal, todos nós dependemos em alguma escala.

Agradecimentos: agradecemos o apoio da FAPEMIG – Fundação de Amparo à Pesquisa do


Estado de Minas Gerais -, da CAPES/PROSUP e do CNPq.

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