Você está na página 1de 129

JUR0244_v1.

LEGISLAÇÃO PENAL
E PROCESSUAL
PENAL ESPECIAL
Autoria
Profa. Mirtes Muniz Alves dos Santos
Revisão
Prof. Diogo Lemos Aguiar
Como citar este documento
SANTOS, Mirtes Alves do. Legislação Penal e Processual Penal especial. Valinhos: 2018

© 2018 por Editora e Distribuidora Educacional S.A.


Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta publicação poderá ser
reproduzida ou transmitida de qualquer modo ou por qualquer outro meio, eletrônico
ou mecânico, incluindo fotocópia, gravação ou qualquer outro tipo de sistema de
armazenamento e transmissão de informação, sem prévia autorização, por escrito,
da Editora e Distribuidora Educacional S.A.

2018
Editora e Distribuidora Educacional S.A.
Avenida Paris, 675 – Parque Residencial João Piza
CEP: 86041-100 — Londrina — PR
e-mail: editora.educacional@kroton.com.br
Homepage: http://www.kroton.com.br/
LEGISLAÇÃO PENAL E PROCESSUAL PENAL ESPECIAL

SUMÁRIO
Apresentação da disciplina 04

Tema 01 – Crime Organizado 05

Tema 02 – Lavagem de capitais 32

Tema 03 – Execução Penal 63

Tema 04 – Tutela ao sigilo e interceptação telefônica 101

Legislação Penal e Processual Penal Especial 3


Apresentação da disciplina

Nesta disciplina estudaremos, dentro da legislação penal e processual


penal especial, os principais aspectos inerentes ao crime organizado, la-
vagem de capitais, execução penal e a tutela do sigilo da interceptação
telefônica.

Assim, inicialmente, será analisado o crime organizado, abordando os di-


ferentes tipos de conceito de organização criminosa fixada pela legislação
ao longo do tempo, bem como os meios de provas previstos na Lei n.
12.850/13.

Ato contínuo, você estudará os principais aspectos que norteiam a lava-


gem de capitais, em especial, as alterações realizadas na Lei n. 9.613/98,
em 2012.

Após analisar estes dois temas, será abordado um dos temas mais de-
batidos nos fóruns jurídicos na atualidade: execução penal. Neste ponto
será abordado os principais entendimentos exarados sobre o tema, bem
como as modificações implementadas na Lei n. 7.210/84.

Por fim, encerrando o estudo, mesmo não pretendendo esgotar a ma-


téria, buscar-se-á analisar os aspectos relevantes que permeiam a inter-
ceptação telefônica, em especial a dicotomia existente entre o direito à
intimidade e a quebra do sigilo das comunicações telefônicas.

4 Legislação Penal e Processual Penal Especial


TEMA 01
CRIME ORGANIZADO

Objetivos

• Apresentar ao aluno os principais conceitos relaciona-


dos ao crime organizado, verificando os pontos mais
relevantes que compreendem o assunto. Portanto,
objetiva-se, em linhas gerais, consolidar as bases do
tema em pauta.

5 Legislação Penal e Processual Penal Especial


1. Considerações iniciais e definição de organização
criminosa

A tipificação do delito de organização criminosa surgiu com a necessidade


de coibir o crescimento de determinadas reuniões de pessoas organiza-
das especialmente para o cometimento de delitos, na qual os integrantes
têm uma função específica, de forma determinada. Podemos citar, como
exemplos clássicos destas organizações, o Primeiro Comando da Capital
(PCC) e o Comando Vermelho (CV). Contudo, o objetivo da criminalização
das organizações criminosas não é só dos exemplos mencionados ante-
riormente, mas sim, qualquer organização, desde que atendido os requi-
sitos previstos atualmente pela Lei n. 12.850/13.

Mas, antes de adentrar ao conceito de organização criminosa disciplinada


pela Lei n. 12.850/13, importante se faz uma análise dos aspectos históri-
cos da definição de organização criminosa.

A primeira vez que a expressão “organização criminosa” surgiu em nossa


legislação foi com a Lei n. 9.034/95, que dispunha sobre a utilização de
meios operacionais para a prevenção e repressão de ações praticadas por
organizações criminosas. Contudo, mesmo prevendo meios de provas a
serem utilizados para a identificação de organização criminosa, referida
lei não trazia em seu bojo um conceito legal sobre o instituto.

Observe-se a ausência da definição legal pela redação originária do artigo


1º, da Lei n. 9.034/95: “Esta lei define e regula meios de prova e procedi-
mentos investigatórios que versarem sobre crime resultante de ações de
quadrilha ou bando.” Mesmo com a modificação da redação deste dispo-
sitivo pela Lei n. 10.271/11, continuou a carência do conceito de organi-
zação criminosa. Neste sentido é a redação do artigo: “Esta Lei define e
regula meios de prova e procedimentos investigatórios que versem sobre
ilícitos decorrentes de ações praticadas por quadrilha ou bando ou orga-
nizações ou associações criminosas de qualquer tipo.”

6 Legislação Penal e Processual Penal Especial


Diante desta lacuna na legislação, para garantir a aplicação da lei, o
Superior Tribunal de Justiça considerou o conceito de organização crimi-
nosa positivado no artigo 2º da Convenção das Nações Unidas contra o
Crime Organizado, “Convenção de Palermo”, promulgada pelo Brasil, por
meio do Decreto n. 5.015/2004, aduzindo:
PENAL. HABEAS CORPUS. DESCAMINHO. FORMAÇÃO DE QUADRILHA.
LAVAGEM DE DINHEIRO. CONCEITO DE ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA DEFINIDO
NA CONVENÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS CONTRA O CRIME ORGANIZADO
TRANSNACIONAL (CONVENÇÃO DE PALERMO). DECRETO LEGISLATIVO Nº
231, DE 29 DE MAIO DE 2003 E DECRETO Nº 5.015, DE 12 DE MARÇO DE
2004. INÉPCIA DA DENÚNCIA.
INOCORRÊNCIA. INICIAL ACUSATÓRIA QUE APONTA FATOS QUE, EM TESE,
CARACTERIZAM O CRIME DE FORMAÇÃO DE QUADRILHA E PERMITE O
EXERCÍCIO DO DIREITO DE DEFESA. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL EM
SEDE DE HABEAS CORPUS. MEDIDA EXCEPCIONAL. ORDEM DENEGADA.
1. O conceito jurídico da expressão organização criminosa ficou estabeleci-
da em nosso ordenamento jurídico com o Decreto n. 5.015, de 12 de março
de 2004, que promulgou o Decreto Legislativo nº 231, de 29 de maio de 2003,
que ratificou a Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado
Transnacional (Convenção de Palermo).
Precedentes desta Corte e do Supremo Tribunal Federal.
2. Nos termos do art. 2º, “a”, da referida Convenção, o conceito de organiza-
ção criminosa ficou definido como sendo o “grupo estruturado de três ou
mais pessoas, existente há algum tempo e atuando concertadamente com
o propósito de cometer uma ou mais infrações graves ou enunciadas na
presente Convenção, com a intenção de obter, direta ou indiretamente, um
benefício econômico ou outro benefício material”.
3. A denúncia aponta fatos que, em tese, configuram o crime de formação
de quadrilha para prática de crimes de lavagem de dinheiro e contra a ad-
ministração pública e somente pelo detalhamento das provas próprio da
instrução criminal é que se esclarecerá se houve e qual foi a participação
da paciente nos delitos imputados pelo parquet, sendo certo que a exten-
sa inicial acusatória faz menção expressa a inúmeras fraudes nas opera-
ções comerciais, existência de locações simuladas nas 90 lojas do grupo,

Legislação Penal e Processual Penal Especial 7


de sonegações fiscais milionárias e “blindagem patrimonial” visando à ocul-
tação de patrimônio dos envolvidos, não havendo que se falar, assim, em
inépcia da denúncia.
4. O trancamento da ação em sede de habeas corpus é medida excepcional
que somente pode ser deferida quando se mostrar evidente a atipicidade
do fato, se verifique a absoluta falta de indícios de materialidade e de auto-
ria do delito ou que esteja presente uma causa extintiva da punibilidade, hi-
póteses não encontradas no presente caso, pois foi apontada na denúncia
a prática reiterada de fatos que, em tese, podem caracterizar a participação
da paciente na prática dos crimes a ela imputados, possibilitando o pleno
exercício do direito de defesa, inviabilizado, portanto, o encerramento pre-
maturo do processo criminal em relação ao crime previsto no art. 288 do
Código Penal. Precedentes deste Tribunal Superior e da Suprema Corte.
5. Habeas corpus denegado.1

Contudo, ao tratar do crime antecedente ao de lavagem de dinheiro, ne-


cessário para a configuração deste crime, antes das modificações opera-
das pela Lei n. 12.683/12, o Supremo Tribunal Federal considerou que não
havia a “definição do crime de organização criminosa”. Neste sentido:
TIPO PENAL – NORMATIZAÇÃO. A existência de tipo penal pressupõe lei em
sentido formal e material. LAVAGEM DE DINHEIRO – LEI Nº 9.613/98 – CRIME
ANTECEDENTE. A teor do disposto na Lei nº 9.613/98, há a necessidade de
o valor em pecúnia envolvido na lavagem de dinheiro ter decorrido de uma
das práticas delituosas nela referidas de modo exaustivo. LAVAGEM DE
DINHEIRO – ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA E QUADRILHA. O crime de quadri-
lha não se confunde com o de organização criminosa, até hoje sem defini-
ção na legislação pátria.2

Nos termos expressos no voto do ministro relator Marco Aurélio Melo, a


melhor doutrina sustenta que:
[...] no Brasil, ainda não compõe a ordem jurídica previsão normativa sufi-
ciente a concluir-se pela existência do crime de organização criminosa. Vale
frisar que, no rol exaustivo do artigo 1º da Lei nº 9.613/98, não consta se-
quer menção ao de quadrilha, muito menos ao de estelionato, cuja base é

1
STJ: HC 138.058/RJ, 6ª T., Rel. Ministro HAROLDO RODRIGUES, j. 22/03/2011, DJe 23/05/2011.
2
STF: HC 96007, 1ª T., Rel. Min. MARCO AURÉLIO, J. 12/06/2012, DJe 07/02/2013.

8 Legislação Penal e Processual Penal Especial


a fraude. Em síntese, potencializa-se, a mais não poder, a Convenção das
Nações Unidas contra o Crime Organizado para pretender-se a persecução
criminal no tocante à lavagem ou ocultação de bens sem ter-se o crime an-
tecedente passível de vir a ser empolgado para tal fim. Indago: qual o crime,
como determina o inciso XXXIX do artigo 5º da Carta da República, cometido
pelos acusados se, quanto à organização criminosa, a norma faz-se incom-
pleta, não surtindo efeitos jurídicos sob o ângulo do que requer a cabeça
do artigo 1º da mencionada lei, ou seja, o cometimento de um crime para
chegar-se à formulação de denúncia considerada prática, esta sim, no que
completa, com os elementos próprios a tê-la como criminosa, em termos
de elementos de lavagem ou ocultação de bens, direitos e valores?3

Ainda, sustenta o Ministro:


Nota-se, em última análise, que, não cabendo a propositura da ação sob
o aspecto da Lei nº 9.613/98, presente o crime de estelionato, evocou-se
como algo concreto, efetivo, o que hoje, no cenário nacional, por falta de
previsão quanto à pena - fosse insuficiente inexistir lei no sentido formal e
material -, não se entende como ato glosado penalmente ― a organização
criminosa do modo como definida na Convenção das Nações Unidas. Não é
demasia salientar que, mesmo versasse a Convenção as balizas referentes
à pena, não se poderia, repito, sem lei em sentido formal e material como
exigido pela Constituição Federal, cogitar-se de tipologia a ser observada no
Brasil. A introdução da Convenção ocorreu por meio de simples decreto!4

Diante da ausência de uma definição legal sobre organização criminosa,


o legislador editou a Lei n. 12.694/12, que ao dispor sobre o processo e o
julgamento colegiado em primeiro grau de jurisdição de crimes praticados
por organizações criminosas, acabou em seu artigo 2º a definir o que venha
a ser organização criminosa. Nos termos do retro mencionado artigo:
Para os efeitos desta Lei, considera-se organização criminosa a associação,
de 3 (três) ou mais pessoas, estruturalmente ordenada e caracterizada pela
divisão de tarefas, ainda que informalmente, com objetivo de obter, direta
ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de
crimes cuja pena máxima seja igual ou superior a 4 (quatro) anos ou que
sejam de caráter transnacional.

3
Voto proferido no julgamento do HC 96.007/SP.
4
Idem.

Legislação Penal e Processual Penal Especial 9


Apesar do artigo fazer menção apenas “para os efeitos desta Lei”, é enten-
dimento que o conceito ali previsto se aplicava para todo o ordenamento.
Neste passo, ensina Renato Brasileiro de Lima (2015, p. 487):
Por mais que, ao conceituar organizações criminosas, o art. 2° da Lei n°
12.694/12 fizesse uso da expressão “para os efeitos desta Lei”, o conceito aí
inserido era válido não apenas para a formação do órgão colegiado para o
julgamento dos crimes por elas praticados, mas também para outras hipó-
teses, tais como, por exemplo, a aplicação dos procedimentos investigató-
rios e meios de prova regulamentados pela revogada Lei n° 9.034/95. Ora,
uma mera interpretação gramatical de parte do art. 2° da Lei n° 1 2.694/12
- para os efeitos desta Lei - não podia conduzir ao absurdo de se admitir
que haveria um conceito de organizações criminosas para a formação do
órgão colegiado, mas que este conceito não pudesse ser utilizado para a
aplicação da revogada Lei n° 9.034/95, ou que teríamos conceitos distintos
de organizações criminosas no ordenamento pátrio.5

Entretanto, a Lei n. 12.850/13 trouxe um novo conceito de organização


criminosa, ao dispor em uma norma penal explicativa, no § 1º do artigo 1º:
Considera-se organização criminosa a associação de 4 (quatro) ou mais
pessoas estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas,
ainda que informalmente, com objetivo de obter, direta ou indiretamente,
vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de infrações penais
cujas penas máximas sejam superiores a 4 (quatro) anos, ou que sejam de
caráter transnacional.

Apesar de parecidas as definições de organização criminosa, podemos


apontar as seguintes diferenciações: i) exigência de no mínimo 4 (quatro)
pessoas para configuração da organização, ante 3 (três) da lei anterior; ii)
a Lei n. 12.694/12 refere-se a crime em contrapartida, a Lei n. 12.850/13
faz referência à infração penal, abrangendo, desta forma, as contraven-
ções penais e iii) a Lei n. 12.694/12 fazia menção a crimes com pena igual
ou superior a 4 (quatro) anos, enquanto a Lei n. 12.850/13 faz alusão às
infrações penais cujas penas máximas sejam superiores a 4 (quatro) anos.

5
LIMA, Renato Brasileiro. Legislação criminal especial comentada. Salvador: Editora JusPodivm, 2015. p. 487.

10 Legislação Penal e Processual Penal Especial


Diante da existência de 2 (duas) leis que trazem a definição de organi-
zação criminosa, e como não houve previsão expressa de revogação de
artigo, a doutrina afirma que o conceito previsto na Lei n. 12.694/12 foi
tacitamente revogado com o advento da Lei n. 12.850/13, diante da inci-
dência do critério cronológico para a resolução desta antinomia. Isto sig-
nifica, contudo, que somente o artigo 2º da Lei n. 12.694/12 foi revogado
tacitamente e não o inteiro teor da mencionada Lei.

Por fim, cumpre destacar que a Lei n. 12.850/13 também se aplicará às


infrações penais previstas em tratado ou convenção internacional quan-
do, iniciada a execução no País, o resultado tenha ou devesse ter ocorrido
no estrangeiro, ou reciprocamente, consagrando a teoria da ubiquidade
adotada pelo artigo 6º, do Código Penal, e às organizações terroristas,
entendidas como aquelas voltadas para a prática dos atos de terrorismo
legalmente definidos, introduzido pela Lei n. 13.260/16.

2. Crimes previstos na Lei n. 12.850/13

Após a definição de organização criminosa, o legislador inseriu no artigo


2º o crime de promover, constituir, financiar ou integrar, pessoalmente
ou por interposta pessoa, organização criminosa, bem como suas figuras
equiparadas:  impedir ou, de qualquer forma, embaraçar a investigação
de infração penal que envolva organização criminosa. Também trouxe
causas especiais de aumento de pena, agravantes e efeitos secundários
decorrentes da condenação.

O delito previsto no artigo 2º cuida-se de um tipo misto alternativo, pois


a prática de mais de um núcleo do tipo não gera concurso de crimes.
Também cuida-se de uma norma penal em branco homogênea homovi-
telina, pois o conceito de organização criminosa está inserido na própria
Lei, no artigo 1º, § 1º.

Legislação Penal e Processual Penal Especial 11


Ademais, referido delito trata-se de uma novatio legis in pejus, pois antes
da lei, as condutas previstas no núcleo do tipo nunca foram tipificadas
como crime. Assim, em homenagem ao princípio da irretroatividade da lei
penal mais severa, o delito de organização criminosa não poderá retroa-
gir para abranger condutas praticadas antes da Lei n. 12.850/13. Ressalva
que se faz é em relação aos núcleos financiar e integrar. Neste aspecto,
assevera Gabriel Habib:
Especialmente em relação ao verbo financiar, a conduta pode ou não con-
figurar crime permanente. Não será permanente na hipótese de o finan-
ciador investir o seu capital uma única vez para depois obter o ganho de
capital; será permanente no caso do financiador constantemente, de forma
reiterada, injetar capital próprio na organização para obter lucro de sua ati-
vidade, fazendo o seu capital girar dentro da organização criminosa. Desta
forma, se as condutas financiar (na modalidade permanente) e integrar es-
tivessem sendo praticadas quando a Lei 12.850/13 entrou em vigor, o agen-
te poderia ser penalmente responsabilizado. Na jurisprudência, confira-se
a Súmula 711 do STF: “A lei penal mais grave aplica-se ao crime continuado
ou ao crime permanente, se a sua vigência é anterior à cessação da conti-
nuidade ou da permanência.”6

A pena será aumentada até a metade se na atuação da organização cri-


minosa houver emprego de arma de fogo, bem como será aumentada
de 1/6 (um sexto) a 2/3 (dois terços) se houver participação de criança ou
adolescente; se for constatado o concurso com funcionário público, valen-
do-se a organização criminosa dessa condição para a prática de infração
penal; se o produto ou proveito da infração penal destinar-se, no todo ou
em parte, ao exterior; se a organização criminosa mantém conexão com
outras organizações criminosas independentes; se as circunstâncias do
fato evidenciarem a transnacionalidade da organização.
A pena será agravada para quem exerce o comando, individual ou coleti-
vo, da organização criminosa, ainda que não pratique pessoalmente atos
de execução. Neste ponto não incidirá a agravante prevista no artigo 62, I,
do Código Penal, sob pena do bis in idem.

6
HABIB, Gabriel. Leis penais especiais. Salvador: Editora JusPodivm, 2017, p. 677.

12 Legislação Penal e Processual Penal Especial


Por fim, cumpre remarcar que o delito de organização criminosa se difere
do delito de associação criminosa, previsto no artigo 288 do Código Penal.
Sobre as diferenças entres os delitos, valemos dos ensinamentos do pro-
fessor Renato Brasileiro de Lima:
Apesar de também funcionar como espécie de crime contra a paz pública,
este novo tipo penal de organização criminosa constante do art. 1º, § 1º, da
Lei nº 12.850/13, não se confunde com o crime de associação criminosa (CP,
art. 288, com redação dada pela Lei nº 12.850/13), pelos seguintes motivos:
1) a organização criminosa demanda a associação de 4 (quatro) ou mais
pessoas, ao passo que a associação criminosa pressupõe a presença de 3
(três) ou mais agentes; 2) a organização criminosa deve ser estruturalmente
ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que informalmen-
te, ao passo que a tipificação do crime do art. 288, caput, do CP, dispensa
a organização, sendo indiferente a posição ocupada por cada associado;
3) a organização criminosa tem como finalidade a obtenção de vantagem
de qualquer natureza, mediante a prática de infrações penais cujas penas
máximas sejam superiores a 4 (quatro) anos, ou de caráter transnacional;
a associação criminosa tem como finalidade a prática de uma série inde-
terminada de crimes, que pode ser de igual natureza (ou homogênea) ou
de natureza diversa (ou heterogênea), pouco importando a quantidade de
pena a eles cominada.7

Além do delito tipificado no artigo 3º da Lei n. 12.850/13, podemos desta-


car na referida Lei os delitos previstos nos artigos 18 a 21, estes incidentes
quando ocorridos na investigação ou na obtenção da prova.

3. Meios de obtenção de provas previstos na Lei n.


12.850/13

“Meios de investigação da prova (ou de obtenção da prova) referem-se a


certos procedimentos (em regra, extraprocessuais) regulados por lei, com
o objetivo de conseguir provas materiais, e que podem ser realizados por
outros funcionários que não o juiz (v.g., policiais).”8
7
LIMA, Renato Brasileiro. Legislação criminal especial comentada. Salvador: Editora JusPodivm, 2015, p. 700.
8
LIMA, Renato Brasileiro. Curso de processo penal. Rio de Janeiro: Editora JusPodivm, 2016, p. 790.

Legislação Penal e Processual Penal Especial 13


Em regra, estas provas são obtidas ainda na fase de investigação prelimi-
nar, a qual servirá para a formação da opinio delicti. São atividades desen-
volvidas extraprocessuais, sem a intervenção da parte, de forma repenti-
na, de surpresa. Porém, nada impede que elas sejam produzidas no curso
do processo, como afirma o artigo 3º, caput, da Lei n. 12.850/13, ao utilizar
a expressão “em qualquer fase da persecução penal”.

A Lei n. 12.850/13, traz, em um rol exemplificativo, os meios de obtenção


da prova, a saber:

Art. 3o Em qualquer fase da persecução penal, serão permitidos, sem preju-
ízo de outros já previstos em lei, os seguintes meios de obtenção da prova:

I. colaboração premiada;
II. captação ambiental de sinais eletromagnéticos, ópticos ou acústicos;
III. ação controlada;
IV. acesso a registros de ligações telefônicas e telemáticas, a dados cadastrais
constantes de bancos de dados públicos ou privados e a informações elei-
torais ou comerciais;
V. interceptação de comunicações telefônicas e telemáticas, nos termos da
legislação específica;
VI. afastamento dos sigilos financeiro, bancário e fiscal, nos termos da legisla-
ção específica;
VII. infiltração, por policiais, em atividade de investigação, na forma do art. 11;
VIII. cooperação entre instituições e órgãos federais, distritais, estaduais e mu-
nicipais na busca de provas e informações de interesse da investigação ou
da instrução criminal.

3.1. Colaboração premiada

O instituto da colaboração não é previsto somente na Lei n. 12.850/13,


mas a encontramos em outras legislações, a saber: art. 8°, parágrafo úni-
co, da Lei n. 8.072/90; art. 159, § 4°, do CP; art. 25, § 2°, Lei n. 7.492/86; art.
16, parágrafo único, Lei n. 8.137/90; art. 1°, § 5°, Lei 9.613/98.

14 Legislação Penal e Processual Penal Especial


Mas, cuidando da colaboração premiada regulamentada nos artigos 4º a
7º da Lei n. 12.850/13, podemos defini-la como um acordo firmado com o
investigado/acusado na qual em troca de informações relevantes, obtém
certos benefícios. Id est:
[...] espécie do direito premiada, a colaboração premiada pode ser concei-
tuada como uma técnica especial de investigação por meio da qual o coau-
tor e/ou partícipe da infração penal, além de confessar seu envolvimento
no Jato delituoso, fornece aos órgãos responsáveis pela persecução penal
informações objetivamente eficazes para a consecução de um dos objetivos
previstos em lei, recebendo, em contrapartida, determinado prêmio legal.9

Frente a tal raciocínio, é possível afirmar que:


[...] a colaboração premiada é um negócio jurídico processual, uma vez que,
além de ser qualificada expressamente pela lei como “meio de obtenção de
prova”, seu objeto é a cooperação do imputado para a investigação e para o
processo criminal, atividade de natureza processual, ainda que se agregue
a esse negócio jurídico o efeito substancial (de direito material) concernente
à sanção premial a ser atribuída a essa colaboração.10

Importante ressaltar que a colaboração premiada não é a mera confissão


da prática do crime por parte do investigado/acusado. A simples confis-
são dos fatos configura uma atenuante genérica prevista no artigo 65, I,
“d”, do Código Penal. Já para a colaboração premiada, além de confessar
a prática de crimes, o investigado/acusado deverá fornecer informações
relevantes para a descoberta dos fatos, até então não conhecidos pela
acusação ou pelos órgãos de investigação.

Portanto, é necessário efetuar distinção entre o instituto da confissão es-


pontânea e da delação premiada. E neste sentido afirma a jurisprudência:
O instituto da confissão espontânea não se confunde com a delação pre-
miada, são institutos distintos e com finalidades diversas, o primeiro confi-
gura atenuante, e, o segundo, causa especial de diminuição da pena. O réu

9
LIMA, Renato Brasileiro. Legislação criminal especial comentada. Salvador: Editora JusPodivm, 2015, p. 524.
10
STF: HC 127483, PLENO, Rel. Min. DIAS TOFFOLI, j. 27/08/2015, DJe 03/02/2016.

Legislação Penal e Processual Penal Especial 15


que confessa a prática delitiva, mas se nega a indicar o nome e/ou qualquer
informação para a identificação dos corréus, não pode ser agraciado pela
delação premiada, sem prejuízo, contudo, do reconhecimento da atenuan-
te prevista no art. 65, III, “d”, do Código Penal.11

Apesar de parte minoritária da doutrina afirmar que delação e colabo-


ração premiadas são expressões sinônimas, posição majoritária defende
que se tratam de expressões distintas, sendo a colaboração premiada gê-
nero da qual decorre a espécie delação premiada.
Na delação, há a indicação das outras pessoas envolvidas na prática da
infração penal. Já na colaboração, além de confirmar os fatos, o acusado/
investigado não indica os outros comparsas, mas fornece elementos de
provas, por exemplo, para a recuperação dos bens desviados.
A colaboração premiada deverá ser efetiva e realizada de forma volun-
tária pelo colaborador. Eficaz é aquela colaboração que resulta na iden-
tificação dos demais coautores ou partícipes, na revelação da estrutura
da organização, na prevenção da prática de outras infrações penais, bem
como na recuperação total ou parcial do provento do crime e a localização
de eventual vítima. Voluntária será a colaboração realizada por vontade
própria do agente, sem pressão ou influência de outras pessoas. Não se
exige que a colaboração seja espontânea, bem como que o colaborador
demonstre arrependimento, bastando a mera voluntariedade e a eficácia.
A colaboração premiada e a concessão dos benefícios dela decorrentes
podem ocorrer em três momentos: i) na fase de investigação criminal,
seja no inquérito policial, seja na investigação conduzida pelo Ministério
Público; ii) no curso do processo penal, mesmo que seja em instância re-
cursal; iii) após o trânsito em julgado da sentença penal condenatória.
Ao juiz caberá apenas homologar o acordo firmado entre o colaborador e
o Ministério Público ou autoridade policial, podendo, para tanto, sigilosa-
mente, ouvir o colaborador, na presença do seu defensor, para constatar
a regularidade, a legalidade e a voluntariedade da celebração do acordo.

11
TJDF: Apel. 0001139-15.2014.8.07.0005, 2ª T., Rel. Des. SILVÂNIO BARBOSA DOS SANTOS. DJe 14/08/2014.

16 Legislação Penal e Processual Penal Especial


Como benefícios a serem concedidos para o agente colaborador, a de-
pender do caso e dos termos firmados no acordo, serão:
a) concessão do perdão judicial: trata-se de uma causa de extinção da
punibilidade prevista no artigo 120 do Código Penal em que o magis-
trado, apesar de reconhecer a autoria e materialidade delitiva, deixa de
aplicar a pena ao acusado.

Em relação ao perdão judicial cumpre ressaltar a possibilidade de conces-


são mesmo que não previsto na proposta original do acordo, consideran-
do a relevância da colaboração prestada, nos termos do artigo 4º, § 2º, da
Lei n. 12.850/13.

PARA SABER MAIS


SÚMULA 18 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA: A sentença
concessiva do perdão judicial é declaratória da extinção da
punibilidade, não subsistindo qualquer efeito condenatório.

b) diminuição da pena em até 2/3 (dois terços): ao contrário de outros


dispositivos legais referentes à colaboração que previam o quantum
de diminuição de 1/3 a 2/3, a Lei n. 12.850/13 não prevê um limite mí-
nimo para a incidência. Como se trata de causa especial de diminuição
da pena, atuando na 3ª fase da dosimetria da pena, a pena poderá ser
fixada abaixo do mínimo legal.
c) substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos:
trata-se da possibilidade de substituição da pena privativa de liberda-
de por restritivas de direitos, nos termos do artigo 44 e seguintes do
Código Penal, mesmo que não esteja presente os requisitos exigidos
para tal substituição.
d) não oferecimento de denúncia: o Ministério Público poderá deixar de
oferecer a denúncia quando o colaborador não for o líder da organiza-
ção criminosa e desde que seja o primeiro a prestar efetiva colaboração.

Legislação Penal e Processual Penal Especial 17


Trata-se de uma mitigação ao princípio da obrigatoriedade que rege
a ação penal pública. Sobre o tema, destaca-se os ensinamentos da
doutrina:
Plea bargainig brasileira: A Lei n. 12.850/2013, pela primeira vez na história
do direito brasileiro, excepcionou o denominado “princípio da obrigatorie-
dade” (para nós “regra da compulsoriedade”) do oferecimento da denúncia
pelo Ministério Público, sempre que formada a sua opinio delicti. Até então,
jamais poderia o Parquet deixar de oferecer uma denúncia nos casos em
que, inexistindo prescrição, houvesse prova da materialidade e indícios su-
ficientes de autoria criminosa. Antes dessa lei, a delação premiada depen-
deria, sempre, da palavra final do juiz ao sentenciar o processo. Agora, se
houver a delação premiada na fase das investigações, o próprio Promotor
de Justiça ou Procurador da República poderá deixar de oferecer denúncia
ao delator. O juiz não tem mais a última palavra.12

e) sobrestamento do prazo para oferecimento da denúncia ou suspen-


são do processo, com a consequente suspensão da prescrição: prevê
a possibilidade de suspensão por até 6 (seis) meses, prorrogáveis por
igual período, até que sejam cumpridas as medidas de colaboração,
suspendendo-se o respectivo prazo prescricional.
f) causa de progressão de regimes: se a colaboração ocorrer após a pro-
lação da sentença penal condenatória, poderá haver a redução da pena
em até 1/2 da pena imposta ou a progressão de regime, mesmo que
não cumprido os requisitos previstos no artigo 112 da Lei n. 7.210/84.
Nos termos do artigo 5º, da Lei n. 12.850/13, são direitos do colaborador:
I - usufruir das medidas de proteção previstas na legislação específica (Lei
nº 9.807/99); II - ter nome, qualificação, imagem e demais informações
pessoais preservados; III - ser conduzido, em juízo, separadamente dos
demais coautores e partícipes; IV - participar das audiências sem contato
visual com os outros acusados; V - não ter sua identidade revelada pelos
meios de comunicação, nem ser fotografado ou filmado, sem sua prévia
autorização por escrito; VI - cumprir pena em estabelecimento penal di-
verso dos demais corréus ou condenados.

12
DELMANTO, Roberto. et al. Leis penais especiais comentadas. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 1033.

18 Legislação Penal e Processual Penal Especial


PARA SABER MAIS
O descumprimento de acordo de delação premiada ou a
frustração na sua realização, isoladamente, não autoriza a
imposição da segregação cautelar (Precedente do Supremo
Tribunal Federal).1

1
STJ: HC 396.658/SP, 6ª T., Rel. Min. ANTONIO SALDANHA PALHEIRO, j. 27/06/2017, DJe 01/08/2017.

3.2. Captação ambiental de sinais eletromagnéticos, ópticos ou


acústicos

A captação ambiental consiste na obtenção de dados de outro interlocu-


tor mediante a gravação do teor da conversa por um dos interlocutores.
Contudo, segundo Renato Brasileiro de Lima:
[...] nos mesmos moldes do art. 1° da Lei n° 9.296/96, que abrange tanto a
interceptação telefônica em sentido estrito quanto a escuta telefônica, pa-
rece-nos que o art. 3°, II, da Lei n° 12.850/13, faz uso da expressão “captação
ambiental” em sentido amplo, englobando a interceptação ambiental em
sentido estrito e a escuta ambiental. Isso porque ambas consistem em pro-
cessos de captação da comunicação alheia. Aliás, como a Lei n° 12.850/13
nada dispõe acerca do procedimento a ser adotado para a interceptação
ambiental (meio de obtenção de prova atípico), o ideal é aplicar, por ana-
logia, o procedimento descrito na Lei n° 9. 296/96 acerca da interceptação
telefônica (meio de obtenção de prova típico).13

Ressalta-se que a prova obtida mediante gravação ambiental clandestina


é considerada lícita. Neste sentido:
AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO DE INSTRUMENTO. GRAVAÇÃO
AMBIENTAL FEITA POR UM INTERLOCUTOR SEM CONHECIMENTO DOS
OUTROS: CONSTITUCIONALIDADE. AUSENTE CAUSA LEGAL DE SIGILO DO

13
LIMA, Renato Brasileiro. Legislação criminal especial comentada. Salvador: Editora JusPodivm, 2015, p. 516.

Legislação Penal e Processual Penal Especial 19


CONTEÚDO DO DIÁLOGO. PRECEDENTES. 1. A gravação ambiental mera-
mente clandestina, realizada por um dos interlocutores, não se confunde
com a interceptação, objeto cláusula constitucional de reserva de jurisdição.
2. É lícita a prova consistente em gravação de conversa telefônica realizada
por um dos interlocutores, sem conhecimento do outro, se não há causa
legal específica de sigilo nem de reserva da conversação. Precedentes. 3.
Agravo regimental desprovido.14

3.3. Ação controlada

Ação controlada, também conhecida como flagrante retardado, diferido


ou postergado, consiste em retardar a intervenção policial ou administra-
tiva relativa à ação praticada por organização criminosa ou a ela vincula-
da, desde que mantida sob observação e acompanhamento para que a
medida legal se concretize no momento mais eficaz à formação de provas
e obtenção de informações.

Não devemos confundir a ação controlada com o flagrante esperado.


Neste o agente ainda não se encontra em flagrante delito, enquanto na-
quele o agente já está em flagrante na prática delitiva.

Como ocorre com a colaboração premiada, a ação controlada também


é prevista em outros ordenamentos, como na Lei n. 11.343/11 e na Lei
n. 9.613/98. Contudo, na Lei n. 12.850/13 não é necessária a autorização
judicial para o seu exercício, mas o retardamento da intervenção policial
ou administrativa será previamente comunicado ao juiz competente que,
se for o caso, estabelecerá os seus limites e comunicará ao Ministério
Público. Nos demais ordenamentos citados, a sua ocorrência depende de
decisão judicial.

Uma das técnicas de utilização da ação controlada consiste na entrega


vigiada. De acordo com o art. 2°, alínea “ i “, da Convenção de Palerma,
“entrega vigiada é a técnica que consiste em permitir que remessas ilícitas

14
STF: AI 560223 AgR, 2ª T., Rel.  Min. JOAQUIM BARBOSA, j. 12/04/2011, DJe 28/04/2011.

20 Legislação Penal e Processual Penal Especial


ou suspeitas saiam do território de um ou mais Estados, os atravessem ou
neles entrem, com o conhecimento e sob o controle das suas autoridades
competentes, com a finalidade de investigar infrações e identificar as pes-
soas envolvidas na sua prática.”
Nos termos do artigo 9º, da Lei n. 12.850/13, se a ação controlada envol-
ver transposição de fronteiras, o retardamento da intervenção policial ou
administrativa somente poderá ocorrer com a cooperação das autorida-
des dos países que figurem como provável itinerário ou destino do inves-
tigado, de modo a reduzir os riscos de fuga e extravio do produto, objeto,
instrumento ou proveito do crime.

3.4. Infiltração de agentes

A infiltração de agente consiste na possibilidade de um agente de polícia,


nunca um particular, ser introduzido no âmbito de uma organização cri-
minosa com o objetivo de constatar a funcionalidade da organização, os
agentes integrantes, os crimes cometidos, etc.
Segundo a doutrina, o “fundamento principal da utilização da ação enco-
berta ou infiltração policial no âmbito de organizações criminosas reside
na possibilidade de alcançar, por tal meio, o cerne do grupo e, assim, re-
colher provas do envolvimento dos mandantes”.15
Nos termos do art. 20 da Convenção das Nações Unidas contra o Crime
Organizado Transnacional, promulgada pelo Brasil por meio do Decreto
n. 5.015/04, conceitua infiltração de agente:
Se os princípios fundamentais do seu ordenamento jurídico nacional o per-
mitirem, cada Estado Parte, tendo em conta as suas possibilidades e em
conformidade com as condições prescritas no seu direito interno, adotará
as medidas necessárias para permitir o recurso apropriado a entregas vigia-
das e, quando o considere adequado, o recurso a outras técnicas especiais
de investigação, como a vigilância eletrônica ou outras formas de vigilância
e as operações de infiltração, por parte das autoridades competentes no
seu território, a fim de combater eficazmente a criminalidade organizada.

15
GONÇALVES, Victor Eduardo Rios. Legislação penal especial esquematizado. 3. ed., São Paulo: Saraiva, 2017, p. 897.

Legislação Penal e Processual Penal Especial 21


Diferente do que ocorre com a ação controlada, a infiltração de agente
deverá ser autorizada pelo juiz, desde que haja indícios da existência da
infração penal de organização criminosa, bem como a prova não puder
ser produzida por outro meio. Quanto ao prazo, poderá ser autorizada
por até 6 (seis) meses, podendo ser renovado tal prazo desde que com-
provada a sua necessidade.

3.5. Outros meios de obtenção de prova mencionado no artigo


3º da Lei n. 12.850/13

Além dos meios de provas indicados anteriormente, ainda podemos des-


tacar, dentre aqueles previstos no artigo 3º, da Lei n. 12.850/13: i) acesso
a registros de ligações telefônicas e telemáticas, a dados cadastrais cons-
tantes de bancos de dados públicos ou privados e a informações eleito-
rais ou comerciais; ii) interceptação de comunicações telefônicas e tele-
máticas, nos termos da legislação específica; iii) afastamento dos sigilos
financeiro, bancário e fiscal, nos termos da legislação específica e iv) coo-
peração entre instituições e órgãos federais, distritais, estaduais e muni-
cipais na busca de provas e informações de interesse da investigação ou
da instrução criminal.
Quanto ao acesso a registro de ligações telefônicas e telemáticas, a da-
dos cadastrais constantes de bancos de dados públicos ou privados e a
informações eleitorais ou comerciais, não estão abarcadas pela cláusula
da reserva da jurisdição, ou seja, podem ser obtidas diretamente pelo de-
legado de polícia e pelo Ministério Público. Contudo, tais dados referem-
se somente aos dados cadastrais do investigado que informem exclusi-
vamente a qualificação pessoal, a filiação e o endereço mantidos pelos
órgãos mencionados.

4. Processo e procedimento

Para a apuração dos crimes previstos na Lei n. 12.850/13 e das infrações


penais conexas, será adotado o procedimento comum ordinário previsto
nos artigos 394 a 405 do Código do Processo Penal.

22 Legislação Penal e Processual Penal Especial


Ademais, a instrução processual deverá ser encerrada em um prazo ra-
zoável, não podendo exceder o prazo de 120 (cento e vinte dias) se o réu
estiver preso, prazo este que poderá ser prorrogado por igual período,
por decisão fundamentada, devidamente motivada pela complexidade
da causa ou por fato procrastinatório atribuível ao réu. Observa-se que
tal prazo é para a conclusão da fase da instrução do processo e não para
o encerramento do processo. Ademais, este dispositivo vai de encontro
com o princípio da duração razoável do processo, nos termos do artigo 5º,
LXXVIII, da Constituição Federal.

5. Órgão colegiado em 1º grau

A Lei n. 12.694/12 passou a dispor sobre a formação de um juízo colegia-


do em primeiro grau de jurisdição formado por 3 (três) juízes para o julga-
mento de crimes praticados por organizações criminosas. Para o conceito
de organização criminosa devemos nos valer da definição constante no
artigo 1º, § 1º, da Lei n. 12.850/13.

O juiz poderá instaurar o colegiado, indicando os motivos e as circunstân-


cias que acarretam risco à sua integridade física em decisão fundamenta-
da, da qual será dado conhecimento ao órgão correicional.

Trata-se da manutenção do juiz designado para atuação no processo, com


a designação de outros 2 (dois) outros juízes escolhidos por sorteio den-
tre aqueles que possuem competência criminal. As decisões proferidas
pelo colegiado deverão ser fundamentadas e não poderá haver divergên-
cia entre os membros.

Segundo o artigo 1º da Lei nº 12.694/12, em processos ou procedimentos


que tenham por objeto crimes praticados por organizações criminosas, o
juiz poderá decidir pela formação de colegiado para a prática de qualquer
ato processual, especialmente: i) decretação de prisão ou de medidas as-
securatórias; ii) concessão de liberdade provisória ou revogação de prisão;

Legislação Penal e Processual Penal Especial 23


iii) sentença; iv) progressão ou regressão de regime de cumprimento de
pena; v) concessão de liberdade condicional; vi) transferência de preso
para estabelecimento prisional de segurança máxima; e vii) inclusão do
preso no regime disciplinar diferenciado.

PARA SABER MAIS


“O juízo colegiado criado pela Lei nº 12.694/12 não se confun-
de com a polêmica figura do juiz sem rosto (ou juiz secreto):
enquanto este se caracteriza pelo fato de não ter seu nome
divulgado, por não ter seu rosto conhecido, por ter sua for-
mação técnica ignorada, naquele, o nome e a assinatura de
cada um dos 3 (três) magistrados que fazem parte do órgão
deverão constar de todas as decisões por ele proferidas, com
a única ressalva de que só não devem ser divulgadas eventu-
ais divergências entre eles.”1

1
LIMA, Renato Brasileiro. Curso de processo penal. Rio de Janeiro: Editora JusPodivm, 2016, p. 702.

6. Considerações finais
• Considerações iniciais e definição de organização criminosa

• Crimes previstos na Lei n. 12.850/13

• Ação controlada

• Captação ambiental de sinais eletromagnéticos, ópticos ou acústicos

• Colaboração premiada

• Infiltração de agentes

• Processo e procedimento

• Órgão colegiado para julgamento em 1º grau

24 Legislação Penal e Processual Penal Especial


Glossário
• Norma penal em branco homovitelina: é aquela cujo comple-
mento normativo se encontra no mesmo documento legal.

• Novatio legis in pejus: é a lei nova mais severa que a anterior.

VERIFICAÇÃO DE LEITURA
TEMA 01
1. (IBADE – PC-PA - 2017) Consoante à legislação que dispõe
sobre o Crime Organizado (Lei n° 12.850/2013), considera-
se organização criminosa:
a) a associação de 4 (quatro) ou mais pessoas estrutural-
mente ordenada e caracterizada pela divisão de tare-
fas, ainda que informalmente, com objetivo de obter,
direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natu-
reza, mediante a prática de infrações penais cujas pe-
nas máximas sejam superiores a 4 (quatro) anos, ou
que sejam de caráter transnacional.
b) a associação de 3 (três) ou mais pessoas estrutural-
mente ordenada e caracterizada pela divisão de tare-
fas, ainda que informalmente, com objetivo de obter,
direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natu-
reza, mediante a prática de infrações penais cujas pe-
nas máximas sejam superiores a 4 (quatro) anos, ou
que sejam de caráter transnacional.
c) a associação de 5 (cinco) ou mais pessoas estrutural-
mente ordenada e caracterizada pela divisão de tare-
fas, ainda que informalmente, com objetivo de obter,
direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natu-
reza, mediante a prática de infrações penais cujas pe-
nas máximas sejam superiores a 4 (quatro) anos, ou
que sejam de caráter transnacional.

Legislação Penal e Processual Penal Especial 25


d) a associação de 4 (quatro) ou mais pessoas estrutural-
mente ordenada e caracterizada pela divisão de tare-
fas, ainda que informalmente, com objetivo de obter,
direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natu-
reza, mediante a prática de infrações penais cujas pe-
nas máximas sejam superiores a 6 (seis) anos, ou que
sejam de caráter transnacional.
e) a associação de 3 (três) ou mais pessoas estrutural-
mente ordenada e caracterizada pela divisão de tare-
fas, ainda que informalmente, com objetivo de obter,
direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natu-
reza, mediante a prática de infrações penais cujas pe-
nas máximas sejam superiores a 6 (seis) anos, ou que
sejam de caráter transnacional.
2. (IBADE – PC-PA - 2017) Quanto à Infiltração de Agentes,
com previsão na Lei n° 12.850/2013, que trata do Crime
Organizado, pode-se afirmar corretamente:
a) A infiltração de agentes de polícia em tarefas de inves-
tigação requerida pelo Ministério Público independe de
manifestação técnica do delegado de polícia quando
solicitada no curso de inquérito policial.
b) A infiltração será autorizada pelo prazo de até 3 (três)
meses, sem prejuízo de eventuais renovações, desde
que comprovada sua necessidade.
c) Será admitida a infiltração se houver indícios de infra-
ção penal de crime organizado, mesmo se a prova pu-
der ser produzida por outros meios disponíveis.
d) As informações quanto à necessidade da operação de
infiltração serão dirigidas diretamente ao juiz compe-
tente, que decidirá no prazo de 48 (quarenta e oito) ho-
ras, após manifestação do Ministério Público na hipóte-
se de representação do delegado de polícia.
e) Não é punível, no âmbito da infiltração, a prática de
crime pelo agente infiltrado no curso da investigação,
quando inexigível conduta diversa.

26 Legislação Penal e Processual Penal Especial


3. (CESPE – TRE-PE - 2017) Antônio e mais três pessoas, to-
das desempregadas, reuniram-se no intuito de planejar e
executar crimes de roubos armados a carros-fortes. Nessa
situação hipotética, a conduta de Antônio:
a) não caracteriza crime de associação criminosa, pois,
havendo mais de três agentes, caracteriza-se a organi-
zação criminosa, dado o princípio da especialidade.
b) só poderá ser caracterizada como crime de organiza-
ção criminosa se a pena máxima prevista pelos delitos
praticados for igual ou superior a quatro anos e se es-
tes tiverem caráter transnacional.
c) configura crime de roubo em concurso de pessoas, em
face da associação transitória dos agentes, já que não
houve divisão de tarefas nem hierarquia entre eles.
d) só poderá ser caracterizada como crime de associação
criminosa se os outros agentes forem maiores de idade
ou praticarem pelo menos um roubo.
e) configura crime de associação criminosa, ainda que os
agentes sejam quatro e a pena máxima prevista para a
prática do crime de roubo seja superior a quatro anos.
4. (VUNESP – PREFEITURA DE ANDRADINA - 2017) Nos termos
do art. 4° da Lei n° 12.850/13, que trata da colaboração
premiada, é correto afirmar que:
a) o juiz participará ativamente das negociações reali-
zadas entre as partes para a formalização do acordo
de colaboração, que ocorrerá entre o delegado de
polícia, o investigado e o defensor, com a manifesta-
ção do Ministério Público ou, conforme o caso, entre
o Ministério Público e o investigado ou acusado e seu
defensor.

Legislação Penal e Processual Penal Especial 27


b) o Ministério Público poderá deixar de oferecer denún-
cia contra quem tenha colaborado efetiva e voluntaria-
mente para a investigação, permitindo a identificação
dos demais coautores e partícipes da organização cri-
minosa e das infrações penais por eles praticadas, des-
de que não seja o líder da organização criminosa e seja
o primeiro a colaborar.
c) nas ações penais em que sejam utilizadas as declara-
ções do colaborador, o juiz sentenciará segundo seu li-
vre convencimento, podendo utilizar como única prova
válida a embasar decreto condenatório o depoimento
do colaborador.
d) nos depoimentos que prestar, o colaborador, obriga-
toriamente, será acompanhado de seu defensor e em-
bora esteja sujeito ao compromisso legal de dizer a
verdade, fica-lhe assegurado o constitucional direito ao
silêncio.
e) os benefícios concedidos ao colaborador prescindem
da análise de sua personalidade, bem como da nature-
za, das circunstâncias, da gravidade e da repercussão
social do fato criminoso e da eficácia da colaboração.
5. (FUNCAB – PC-PA - 2016) Acerca da Lei n° 12.850, de 2013, que
versa sobre organização criminosa, é correto afirmar que:
a) o juiz participará das negociações realizadas entre as
partes para a formalização do acordo de colaboração,
que ocorrerá entre o delegado de polícia, o investigado
e o defensor, com a manifestação do Ministério Público,
ou, conforme o caso, entre o Ministério Público e o in-
vestigado ou acusado e seu defensor.
b) na colaboração premiada, o colaborador, nos depoi-
mentos que prestar, não estará sujeito à renúncia ao
direito de permanecer em silêncio mas estará sujeito
ao compromisso legal de dizer a verdade.

28 Legislação Penal e Processual Penal Especial


c) considera-se organização criminosa a associação de
4 (quatro) ou mais pessoas estruturalmente ordena-
da e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que
informalmente, com objetivo de obter, direta ou indi-
retamente, vantagem de qualquer natureza, mediante
a prática de infrações penais cujas penas máximas se-
jam inferiores a 4 (quatro) anos, e que sejam de caráter
transnacional.
d) o juiz poderá, a requerimento das partes, conceder o
perdão judicial, reduzir em até 2/3 (dois terços) a pena
privativa de liberdade ou substituí-la por restritiva de
direitos daquele que tenha colaborado efetiva e volun-
tariamente com a investigação e com o processo cri-
minal, desde que dessa colaboração advenha um ou
mais dos seguintes resultados: a identificação dos de-
mais coautores e partícipes da organização criminosa
e das infrações penais por eles praticadas; a revelação
da estrutura hierárquica e da divisão de tarefas da or-
ganização criminosa; a prevenção de infrações penais
decorrentes das atividades da organização criminosa;
a recuperação total ou parcial do produto ou do pro-
veito das infrações penais praticadas pela organização
criminosa; a localização de eventual vítima com a sua
integridade física preservada.
e) se houver indícios suficientes de que o funcionário pú-
blico integra organização criminosa, poderá o juiz de-
terminar seu afastamento cautelar do cargo, emprego
ou função, com prejuízo da remuneração, quando a
medida se fizer necessária à investigação ou instrução
processual.

Legislação Penal e Processual Penal Especial 29


Referências Bibliográficas

AVENA, Norberto Cláudio Pâncaro. Processo Penal Esquematizado. 5. ed. Rio de


Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2014.

DELMANTO, Roberto. et al. Leis Penais Especiais Comentadas. 2. ed. São Paulo:
Saraiva, 2014.

FERNANDES, Antônio Scarance. Processo Penal Constitucional. 7. ed. São Paulo:


Editora Revista dos Tribunais, 2012.

GONÇALVES, Victor Eduardo Rios. Legislação Penal Especial Esquematizado. 3. ed.


São Paulo: Saraiva, 2017.

HABIB, Gabriel. Leis Penais Especiais. Salvador: Editora JusPodivm, 2017.

LIMA, Renato Brasileiro de. Curso de Processo Penal. 4. ed. Rio de Janeiro: JusPodivm,
2016.

. Legislação Criminal Especial Comentada. Salvador: Editora JusPodivm, 2015.

LOPES JUNIOR, Aury. Direito Processual Penal. 10. ed. São Paulo: Saraiva, 2013.

MARQUES, José Frederico. Elementos de Direito Processual Penal. 3. ed. São Paulo:
Millenium, 2009.

MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo Penal. 18. ed. São Paulo: Atlas, 2008.

NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Processo Penal e Execução Penal. 6. ed.


São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012.

OLIVEIRA, Eugênio Pacelli. Curso de Processo Penal. 19. ed. São Paulo: Atlas, 2015.

TÁVORA, Nestor; ALENCAR, Rosmar Rodrigues. Curso de Direito Processual Penal.


8. ed. Salvador: JusPodivm, 2016.

Gabarito – Tema 01

Questão 1 – Resposta: A
Artigo 1º, § 1º, da Lei n. 12.850/13.

30 Legislação Penal e Processual Penal Especial


Questão 2 – Resposta: E
Artigo 13, parágrafo único da Lei n. 12.850/13: Não é punível, no âm-
bito da infiltração, a prática de crime pelo agente infiltrado no curso
da investigação, quando inexigível conduta diversa.

Questão 3 – Resposta: E
Artigo 288 do Código Penal: Associarem-se 3 (três) ou mais pessoas,
para o fim específico de cometer crimes.

Questão 4 – Resposta: B
Artigo 4º, § 4º, da Lei n. 12.850/13: “O Ministério Público poderá dei-
xar de oferecer denúncia contra quem tenha colaborado efetiva e
voluntariamente para a investigação, permitindo a identificação dos
demais coautores e partícipes da organização criminosa e das infra-
ções penais por eles praticadas, desde que não seja o líder da orga-
nização criminosa e seja o primeiro a colaborar.”

Questão 5 – Resposta: D

Artigo 4º, incisos I a V da Lei n. 12.850/13.

Legislação Penal e Processual Penal Especial 31


TEMA 02
LAVAGEM DE CAPITAIS

Objetivos

• Apresentar ao aluno alguns aspectos sobre o tema


lavagem de capitais, por meio do estudo dos princi-
pais pontos que permeiam a matéria, traçando, em
linhas gerais, os aspectos relevantes do referido tema.

Legislação Penal e Processual Penal Especial 32


1. Origem

A Lei 9.613, de 03 de março de 1998, mais conhecida como “A Lei da Lavagem


de Dinheiro”, originou-se a partir da Convenção das Nações Unidas contra
o Tráfico Ilícito de Entorpecentes de Substâncias Psicotrópicas, em Viena,
no ano de 1988.
Na época, a preocupação dos Estados que assinaram a convenção era
combater o aumento do tráfico ilícito das substâncias entorpecentes que,
em razão do vínculo entre este e as organizações criminosas, ameaçavam
a economia, a soberania e a estabilidade dos Estados.
Face aos vultosos rendimentos que o tráfico ilícito proporciona, a ponto
de ser possível a corrupção da Administração Pública e a sociedade em
todos os níveis, decidiu-se criar mecanismos para que o produto da mer-
cancia ilícita não ficasse no poder dos agentes, de forma a não incentivar
a conduta ilícita.
É daí que surge a ideia de criminalizar a “lavagem de dinheiro”, tornando-a
um importante meio para coibir a entrada deste capital na economia de
maneira lícita.
O Brasil, por meio do Decreto 154 de 1991, ratificou a Convenção das
Nações Unidas contra o Tráfico Ilícito de Entorpecentes de Substâncias
Psicotrópicas, comprometendo-se a criminalizar a lavagem de dinheiro
cuja origem era o tráfico de drogas. Segundo referida Convenção:
Art. 3º. Cada uma das partes adotará as medidas necessárias para carac-
terizar como delitos penais em seu direito interno, quando cometidos
internacionalmente:
I. a conversão ou a transferência de bens [...];
II. a ocultação ou o encobrimento [...]

Da mesma forma feita por outros países, o Brasil não só incluiu o tráfi-
co de ilícito de drogas como crime antecedente, mas também incluiu, à
época, diversos outros crimes que, se cometidos, poderiam desdobrar no
branqueamento de capitais.

Legislação Penal e Processual Penal Especial 33


Todavia, a fim de tornar mais eficiente a perseguição penal dos crimes de
lavagem de dinheiro, por meio do Projeto de Lei do Senado 203/2003, em
09 de julho de 2012, entrou em vigor a Lei 12.683, que, resumidamente,
pôs fim ao rol taxativo dos crimes antecedentes; ampliou o controle ad-
ministrativo; e aumentou as medidas cautelares patrimoniais incidentes
sobre as infrações antecedentes.

2. Conceito

Para o conceito de lavagem de dinheiro, nos valemos da lição de Pierpaolo


Bottini:
[...] lavagem de dinheiro é o ato ou a sequência de atos praticados para
mascarar a natureza, origem e localização, disposição, movimentação ou
propriedade de bens, valores e direitos de origem delitiva ou contravencio-
nal, com o escopo último de reinseri-los na economia formal com aparência
de licitude1.

Estes atos praticados para trazer a “licitude” dos valores e bens obtidos
também são chamados de “branqueamento de capitais”, “lavagem de ca-
pital”, “reciclagem”, etc.
Todavia, a expressão “lavagem de dinheiro” foi a preferida pelo legislador
para que não fosse inferida um cunho racista do vocábulo. Na exposição
de motivos da Lei 9.613/98, o legislador afirma que “a expressão ‘lavagem
de dinheiro’ já está consagrada no glossário das atividades financeiras
e na linguagem popular, em consequência de seu emprego internacio-
nal (money laudering). Por outro lado, conforme o Ministro da Justiça teve
oportunidade de sustentar em reunião com seus colegas de língua portu-
guesa em Maputo (Moçambique), a denominação ‘branqueamento’, além
de não estar inserida no contexto da linguagem formal ou coloquial em
nosso País, sugere a inferência racista do vocábulo, motivando estéreis e
inoportunas discussões.”2
1
BOTTINI, Pierpaolo Cruz; BADARÓ, Gustavo Henrique. Lavagem de dinheiro: aspectos penais e processuais penais:
comentários à Lei 9.613/1998, com alterações da Lei 12.683/12. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, p. 21.
2
Exposição de Motivos da Lei 9.613/98. <http://www.coaf.fazenda.gov.br/menu/legislacao-e-normas/legislacao-1/
Exposicao%20de%20Motivos%20Lei%209613.pdf/view>. Acesso em: 14 set. 2017.

34 Legislação Penal e Processual Penal Especial


PARA SABER MAIS
A expressão “lavagem de dinheiro” tem origem nos Estados
Unidos (money laudering), a partir da década de 1920, quando
lavanderias na cidade de Chicago teriam sido utilizadas por
gangsters para despistar a origem ilícita do dinheiro. Assim,
por intermédio de um comércio legalizado, buscava-se justi-
ficar a origem criminosa do dinheiro arrecadado com a ven-
da ilegal de drogas e bebidas.1

1
LIMA, Renato Brasileiro. Legislação Especial Criminal Comentada. 3. ed. rev. ampl. e atual. Salvador:
Editora JusPodivm, 2015, p. 287.

3. Evolução (gerações) da Lei de Lavagem de Dinheiro

A chamada primeira geração surge após a Convenção das Nações Unidas


contra o Tráfico Ilícito de Entorpecentes de Substâncias Psicotrópicas
(Convenção de Viena), ocasião na qual vários países editam leis que visam
o combate da lavagem de capitais, trazendo unicamente o delito de tráfi-
co como crime antecedente.
Em razão de ser verificado que a lavagem de dinheiro estava sendo uti-
lizada para “limpar” o produto de outros crimes, dissimulando a origem
dos valores conseguidos com a infração, foi necessário ampliar o rol dos
crimes antecedentes, incluindo-se outros delitos além do tráfico de dro-
gas. Surge a segunda geração das leis de lavagem.
É possível perceber que nessa geração inclui-se a redação original da Lei
9.613/98, uma vez que, desde a sua edição, previu-se um rol taxativo no
qual havia várias outras condutas delituosas, além do crime de tráfico de
entorpecentes.
Por sua vez, incluem-se nas legislações de terceira geração as leis que não
possuem um rol de crimes, sendo possível a punição por lavagem de di-
nheiro a prática de qualquer infração penal antecedente.

Legislação Penal e Processual Penal Especial 35


Esta foi a orientação adotada com as modificações implementadas na Lei
n. 9.613/98, com a edição da Lei 12.683/2012, que ao revogar os incisos I
a VIII da Lei 9.613/98, retirou-se a restrição existente, podendo, nos dias
atuais, qualquer infração penal ser delito antecedente ao crime de lava-
gem, tais como as contravenções penais, as infrações penais militares,
eleitoral, etc.
Todavia, é importante esclarecer que não é toda e qualquer infração apta
a configurar a lavagem de capitais, é necessário que da prática desta in-
fração advenha produto (bens, valores) para ser lavado por meio de ma-
nobras espúrias, deve resultar algum proveito econômico.
Ao discorrer sobre o tema, Renato Brasileiro de Lima explica:
Há, na verdade, uma única condição para que esse delito-base possa figurar
como antecedente da lavagem de capitais, a de que se trata de infração pro-
dutora, ou seja, aquela capaz de gerar bens, direitos ou valores passíveis de
mascaramento. De fato, se da infração antecedente não resulta qualquer
proveito econômico, não há bens, direitos ou valores que possam ser ob-
jeto de ocultação. A título de exemplo, o crime de prevaricação previsto no
art. 319 do CP não pode figurar como antecedente da lavagem de capitais,
porquanto o móvel do agente é tão somente a satisfação de interesse ou
sentimento pessoal. Logo, como a prática desse delito é incapaz de produzir,
direta ou indiretamente, ativos ilícitos, revela-se inviável qualquer tipo de
ocultação ou dissimulação.3

A doutrina pátria faz duras críticas ao legislador em razão desta supres-


são da prática dos crimes antecedentes aptos a configurar o delito de
lavagem de dinheiro.
Isto porque, na exposição de motivos da Lei n. 9.613/98, o legislador es-
clarece as razões pelas quais elencou apenas alguns crimes ao invés de
tipificar o delito de lavagem de dinheiro ao ocultar ou dissimular a natu-
reza, origem, localização, disposição, movimentação ou propriedade de
bens, direitos ou valores provenientes, direta ou indiretamente, de qual-
quer infração penal:

3
LIMA, Renato Brasileiro. Legislação Especial Criminal Comentada. 3. ed. rev. ampl. e atual. Salvador: Editora JusPodivm,
2015, p. 287.

36 Legislação Penal e Processual Penal Especial


23. O projeto, desta forma, mantém sob a égide do art. 180 do Código Penal,
que define o crime de receptação, as condutas que tenham por objeto a
aquisição, o recebimento ou a ocultação, em proveito próprio ou alheio, de
“coisa que sabe ser produto de crime, ou influir para que terceiro, de boa-fé,
a adquira, receba ou oculte”. Fica, portanto, sob o comando desse dispositi-
vo a grande variedade de ilícitos parasitários de crimes contra o patrimônio.
24. Sem esse critério de interpretação, o projeto estaria massificando a cri-
minalização para abranger uma infinidade de crimes como antecedentes do
tipo de lavagem ou de ocultação. Assim, o autor do furto de pequeno valor
estaria realizando um dos tipos previstos no projeto se ocultasse o valor ou
o convertesse em outro bem, como a compra de um relógio, por exemplo.4

Em artigo publicado no boletim do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais,


Diogo Tebet argumenta que:
Pretende o legislador erigir à 3ª geração a Lei 9.613/1998 – objeto expressa-
mente externado na justificativa – dispondo agora como antecedentes à lava-
gem, não mais determinados crimes, mas toda e qualquer infração penal que
gere proventos. A referida alteração legislativa nos parece excessiva. A inclusão
de novas figuras típicas como crimes antecedentes (que serão denominadas
“infrações penais antecedentes”), resultado da abolição do rol taxativo, é abso-
lutamente desnecessária em razão de as figuras típicas existentes nos incisos
do atual art. 1º já atenderem a preservação do suposto bem jurídico tutelado
pela Lei da Lavagem, por mais criticável que seja sua identificação. Além dos
decantados vetores contemporâneos do crime de lavagem de dinheiro, a atual
lei tutela, ainda que de forma indireta, a segurança nacional, a Administração
Pública, o Sistema Financeiro Nacional, o patrimônio, isso sem falar na liber-
dade individual, a integridade física e a vida, saúde pública e a paz pública.
A configuração do rol dos delitos antecedentes foi precedida por reflexão do
legislador. Na exposição de motivos da Lei 9.613/1998 houve o cuidado de se
definir ilícitos, “de especial gravidade, que funcionam como círculos viciosos re-
lativamente à lavagem de dinheiro e à ocultação de bens, direitos e valores [...]
crimes graves e com características transnacionais”. Naquela oportunidade,
enunciou-se que sem a definição exaustiva de crimes antecedentes “o projeto
estaria massificando a criminalização para abranger uma infinidade de crimes
como antecedentes do tipo de lavagem ou de ocultação’.

4
Exposição de Motivos da Lei 9.613/98. <http://www.coaf.fazenda.gov.br/menu/legislacao-e-normas/legislacao-1/
Exposicao%20de%20Motivos%20Lei%209613.pdf/view>. Acesso em: 14 set. 2017.

Legislação Penal e Processual Penal Especial 37


Antes mesmo da reforma legislativa, Antônio Sérgio Altieri de Moraes
Pitombo (2003, p. 96) já entendia que não é qualquer crime que pode ser
antecedente do delito de lavagem, é necessário que o crime seja grave.
Invoca como exemplo que o estelionato (art. 171, CP):
[...] pode trazer altíssimas vantagens patrimoniais. Isso não significa que
se deva enquadrá-lo como crime antecedente, pois a repugnância social
contra tal ação humana encontra-se abaixo da aversão à conduta do tráfico
de entorpecentes. A expressão econômica, resultado do crime, não se apre-
senta razão suficiente para arrolá-lo na lista de delitos prévios à lavagem de
dinheiro. Embora seja necessária, porque crimes que não produzem, com
frequência, alta quantidade de bens espúrios desmerecem a tutela penal
da lavagem de dinheiro.5

4. Políticas de combate à lavagem de dinheiro

A lavagem de dinheiro é um delito complexo, pois exige do agente a prá-


tica de uma sequência de atos para mascarar a origem ilícita dos bens e/
ou valores.

Por esta razão, a fim de desenvolver e promover políticas nacionais e


internacionais de combate à lavagem de dinheiro e ao financiamen-
to do terrorismo, em 1989 foi criado o GAFI pelos países mais ricos do
mundo no âmbito da Organização para Cooperação e Desenvolvimento
Econômico (OCDE). Atualmente integram o GAFI diversos outros países,
inclusive o Brasil.

O GAFI temporiamente expede “Recomendações” sobre as melhores téc-


nicas para combater a reciclagem de valores, bem como acompanha a
sua implementação6.

5
PITOMBO, Antônio Sérgio A. de Moraes. Lavagem de dinheiro. A tipicidade do crime antecedente. São Paulo: Ed. RT, 2003,
p. 96.
6
<http://www.coaf.fazenda.gov.br/menu/atuacao-internacional/participacao-no-gafi>. Acesso em: 14 set. 2017.

38 Legislação Penal e Processual Penal Especial


Importante esclarecer que não é imprescindível para consumação do cri-
me de lavagem que ocorra as três etapas da “reciclagem”, “pois a própria
redação do tipo penal de lavagem de capitais autoriza a conclusão no sen-
tido de que não é necessário expressamente o exaurimento integral das
condutas do modelo trifásico para a consumação do crime”7.
No âmbito interno, com o objetivo de “disciplinar, aplicar penas adminis-
trativas, receber, examinar e identificar as ocorrências suspeitas de ativi-
dades ilícitas previstas na Lei 9.613/98”, foi criado no âmbito do Ministério
da Fazenda, o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (COAF).
Além das funções acima, o COAF  2º o COAF deverá, ainda, coordenar e
propor mecanismos de cooperação e de troca de informações que viabili-
zem ações rápidas e eficientes no combate à ocultação ou dissimulação de
bens, direitos e valores, requerendo aos órgãos da Administração Pública
as informações cadastrais bancárias e financeiras de pessoas envolvidas
em atividades suspeitas.
Caso conclua pela existência do crime de lavagem ou fundados indícios
de sua prática, ou ainda de qualquer outro ilícito, deverá comunicar as au-
toridades competentes para a instauração dos procedimentos cabíveis.
O COAF é composto por servidores públicos de reputação ilibada e reco-
nhecida competência, dentre os funcionários do Banco Central do Brasil,
da Comissão de Valores Mobiliários, da Superintendência de Seguros
Privados, da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, da Secretaria da
Receita Federal do Brasil, da Agência Brasileira de Inteligência, do Ministério
das Relações Exteriores, do Ministério da Justiça, do Departamento de
Polícia Federal, do Ministério da Previdência Social e da Controladoria-
Geral da União.
Existem ainda os chamados gatekeepers, criados a partir do reconheci-
mento de que o Poder Público sozinho não é capaz de investigar ou pre-
venir o delito de lavagem de dinheiro sem que instituições particulares os
auxiliem.

7
LIMA, Renato Brasileiro. Legislação Especial Criminal Comentada. 3. ed. rev. ampl. e atual. Salvador: Editora JusPodivm,
2015, p. 292.

Legislação Penal e Processual Penal Especial 39


Isto porque o processo de lavagem é complexo e sofisticado, o que torna
difícil e até mesmo impossibilita o rastreamento dos bens ilícitos. Ou seja,
há uma cooperação entre os setores público e privado de forma que as
pessoas que operem nos chamados “campos sensíveis à lavagem”, “que
exerçam atividades em setores comumente usados pelos agentes de
mascaramento de bens de origem ilícita (bancos, contadores, corretores
de imóveis, etc.) são caracterizados como gatekeepers, como torres de vi-
gia, pois atuam ou têm acesso aos caminhos e trilhas pelos quais corre o
capital oriundo da infração penal”8.

5. Aspectos penais

5.1. Bem Jurídico Tutelado

Sobre o bem jurídico tutelado pela Lei de Lavagem de Dinheiro, há três


posicionamentos:

O primeiro deles afirma que o bem jurídico a ser protegido é o mesmo


do crime antecedente ao delito de lavagem. São diversas as críticas sobre
este posicionamento, até porque haveria a necessidade de o legislador
indicar com precisão a lista de infrações de gerar produtos laváveis.

A primeira crítica afirma que se os bens jurídicos tutelados forem os mes-


mos – o da lavagem e o do delito antecedente –, a punição do segun-
do crime estará fundada na afetação do mesmo bem jurídico lesionado,
acarretando bis in idem.

A segunda é a de que se entender que o bem jurídico é o mesmo do crime


antecedente inviabilizaria a autolavagem, já que o autor da reciclagem é o
mesmo do crime antecedente e a dupla incriminação afetaria a vedação
do bis in idem.

8
BOTTINI, Pierpaolo Cruz; BADARÓ, Gustavo Henrique. Lavagem de dinheiro: aspectos penais e processuais penais:
comentários à Lei 9.613/1998, com alterações da Lei 12.683/12. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, p. 33.

40 Legislação Penal e Processual Penal Especial


A terceira é no sentido de que há esforço legislativo para desvincular a
prática da lavagem de dinheiro do delito antecedente, tanto que o art. 2º,
§ 1º da Lei 9613/98 indica expressamente a que “a denúncia será instruída
com indícios suficientes da existência da infração penal antecedente, sen-
do puníveis os fatos previstos nesta Lei, ainda que desconhecido ou isento
de pena o autor, ou extinta a punibilidade da infração penal antecedente”.
O segundo posicionamento é no sentido de apontar a “administração da
justiça” como bem jurídico tutelado pela Lei de Lavagem de Capitais. Isto
porque a lavagem afetaria a capacidade de a Justiça exercer suas funções
de investigação, processamento, julgamento e recuperação do produto
do delito.
Ou seja, entende-se a lavagem como mascaramento que não lesiona o
bem anteriormente violado, mas coloca em risco a operacionalidade e a
credibilidade do sistema de justiça, uma vez que utiliza complexas transa-
ções a fim de afastar o produto do crime de sua origem ilícita, de forma a
obstruir seu rastreio pelas autoridades públicas.
Por fim, a terceira posição entende ser a ordem econômica afetada pelo
delito de lavagem de dinheiro, pois a reciclagem do capital ilícito seriam
“desvalorados porque representariam um elemento de desestabilização
econômica”.
Os valores derivados de práticas criminosas afetariam a livre iniciativa, o
sistema concorrencial, as relações de consumo, a transparência, o acú-
mulo e o reinvestimento de capital sem lastro em atividades produtivas
ou financeiras lícitas, turbariam o funcionamento da economia formal e o
equilíbrio entre seus operadores.
Para Guilherme de Souza Nucci, “o objeto material pode ser o bem, direito
ou valor proveniente de qualquer crime antecedente. O objeto jurídico é
complexo, envolvendo a ordem econômica, o sistema financeiro, a ordem
tributária, a paz pública e a administração da justiça”9.

9
NUCCI, Guilherme de Souza. Leis penais e processuais penais comentadas. 8. ed. rev., atual. e ampl. v. 2. Rio de Janeiro:
Forense, 2014, p. 760.

Legislação Penal e Processual Penal Especial 41


5.2. Tipos Penais

A Lei 9.613/98 tipifica todas as condutas que configuram o delito de lava-


gem de dinheiro no art. 1º, que assim dispõe:
Art. 1o Ocultar ou dissimular a natureza, origem, localização, disposição, mo-
vimentação ou propriedade de bens, direitos ou valores provenientes, dire-
ta ou indiretamente, de infração penal. (Redação dada pela Lei nº 12.683,
de 2012)
I. (revogado); (Redação dada pela Lei nº 12.683, de 2012)
II. (revogado); (Redação dada pela Lei nº 12.683, de 2012)
III. (revogado); (Redação dada pela Lei nº 12.683, de 2012)
IV. (revogado); (Redação dada pela Lei nº 12.683, de 2012)
V. (revogado); (Redação dada pela Lei nº 12.683, de 2012)
VI. (revogado); (Redação dada pela Lei nº 12.683, de 2012)
VII. (revogado); (Redação dada pela Lei nº 12.683, de 2012)
VIII. (revogado). (Redação dada pela Lei nº 12.683, de 2012)
Pena: reclusão, de 3 (três) a 10 (dez) anos, e multa.  

§ 1o  Incorre na mesma pena quem, para ocultar ou dissimular a utilização


de bens, direitos ou valores provenientes de infração penal: 
I. os converte em ativos lícitos;
II. os adquire, recebe, troca, negocia, dá ou recebe em garantia, guarda, tem em
depósito, movimenta ou transfere;
III. importa ou exporta bens com valores não correspondentes aos verdadeiros.
§ 2o  Incorre, ainda, na mesma pena quem:
I. utiliza, na atividade econômica ou financeira, bens, direitos ou valores prove-
nientes de infração pena;
II. participa de grupo, associação ou escritório tendo conhecimento de que sua
atividade principal ou secundária é dirigida à prática de crimes previstos nes-
ta Lei.

§ 3º A tentativa é punida nos termos do parágrafo único do art. 14 do Código


Penal.

§ 4o  A pena será aumentada de um a dois terços, se os crimes definidos


nesta Lei forem cometidos de forma reiterada ou por intermédio de orga-
nização criminosa.

42 Legislação Penal e Processual Penal Especial


§ 5o  A pena poderá ser reduzida de um a dois terços e ser cumprida em
regime aberto ou semiaberto, facultando-se ao juiz deixar de aplicá-la ou
substituí-la, a qualquer tempo, por pena restritiva de direitos, se o autor,
coautor ou partícipe colaborar espontaneamente com as autoridades, pres-
tando esclarecimentos que conduzam à apuração das infrações penais, à
identificação dos autores, coautores e partícipes, ou à localização dos bens,
direitos ou valores objeto do crime.

5.2.1. Elemento Objetivo

5.2.1.1. Art. 1º caput - Ocultação e Dissimulação

Ocultar é esconder, encobrir. É a primeira etapa do processo de lavagem


de dinheiro. A segunda etapa, a dissimulação, é disfarçar, colocar algo de
uma maneira que não se pode perceber.
Neste ponto, cumpre destacar que, segundo o Grupo de Ação Financeira
contra a Lavagem de Dinheiro e o Financiamento do Terrorismo, o “pro-
cesso” de lavagem de dinheiro possui três etapas independentes entre si:
1. Colocação: a colocação ou placement é a entrada do dinheiro ilícito
no sistema financeiro, de forma a dificultar a identificação de sua ori-
gem, ou seja, evita a ligação entre o indivíduo e a prática do crime
antecedente.
2. Dissimulação: na etapa da dissimulação, mascaramento ou layering,
realizam-se vários negócios ou movimentações financeiras para que
não seja possível rastrear e, consequentemente, encobrir a origem
ilícita dos bens ou valores.
3. Integração: integração ou integration é a última fase da lavagem de
dinheiro. Aqui os valores já têm aparência de lícitos e foram formal-
mente incorporados ao sistema econômico.
Importante esclarecer que não é imprescindível para consumação do cri-
me de lavagem que ocorra as três etapas da “reciclagem”, “pois a própria
redação do tipo penal de lavagem de capitais autoriza a conclusão no sen-
tido de que não é necessário expressamente o exaurimento integral das
condutas do modelo trifásico para a consumação do crime” 10.

10
Ob. Cit., p. 292.

Legislação Penal e Processual Penal Especial 43


Classifica-se o tipo descrito no caput como crime comum, de ação múlti-
pla comissivo, permanente, material, de forma livre comissivo (os verbos
indicam ações); permanente, plurissubsistente, unissubjetivo (pode ser
cometido por uma só pessoa); plurissubsistente e admite a tentativa (art.
1º, § 3º). Admite tentativa (aliás, há expressa previsão no § 3º, deste artigo).

5.2.1.2. Art. 1º, § 1º da Lei n.º 9.613/98 -   I - os converte em ativos lícitos; II - os


adquire, recebe, troca, negocia, dá ou recebe em garantia, guarda, tem em
depósito, movimenta ou transfere; III - importa ou exporta bens com valores
não correspondentes aos verdadeiros.

Neste parágrafo elenca-se formas de ocultação e dissimulação dos bens/


valores a serem lavados. Embora semelhante ao tipo previsto no caput,
aqui a forma de praticar o delito de lavagem de dinheiro é restrita, pois
limita o objeto material do tipo penal aos delitos oriundos diretamente da
prática da infração penal.
Assim, como o previsto no caput, as condutas do § 1º podem ser classifi-
cadas como crime comum, de ação múltipla comissivo, permanente, ma-
terial, de forma livre comissivo (os verbos indicam ações); permanente,
plurissubsistente, unissubjetivo (pode ser cometido por uma só pessoa);
plurissubsistente e admite a tentativa (art. 1º, § 3º). Admite tentativa (aliás,
há expressa previsão no § 3º, deste artigo).

PARA SABER MAIS


O STF no julgamento do “caso Maluf” (AP 863/SP, STF) enten-
deu que a “o crime de lavagem de bens, direitos ou valores
praticado na modalidade de ocultação tem natureza de crime
permanente. A característica básica dos delitos permanentes
está na circunstância de que a execução desses crimes não
se dá em um momento definido e específico, mas em um
alongar temporal. Quem oculta e mantém oculto algo pro-
longa a ação até que o fato se torne conhecido.”1

1
<http://www.stf.jus.br//arquivo/informativo/documento/informativo866.htm#>. Lavagem de dinhei-
ro, prescrição e crime permanente – 2. Acesso em: 15 set. 2017.

44 Legislação Penal e Processual Penal Especial


5.2.2. Elemento Subjetivo

O elemento subjetivo do delito de lavagem de dinheiro é crime exclusi-


vamente doloso, já que não se admite a punição a título de culpa. Ou
seja, para que seja declarado culpado, é necessário que se prove que o
agente tenha ciência dos elementos objetivos do tipo e tenha vontade de
praticá-los.
Sobre a importância de se provar o dolo na conduta do agente, Gustavo
Badaró afirma:
Além de conferir lógica e sistematicidade à teoria do delito, a exigência da
constatação do dolo na lavagem constitui importante garantia de imputa-
ção subjetiva, que afasta qualquer hipótese de responsabilidade objetiva
na seara penal. Por mais que uma pessoa seja responsável por determi-
nada esfera de organização, somente será responsável pelos crimes de la-
vagem cometidos nesta seara se for demonstrada a sua relação psíquica
com aqueles fatos, o conhecimento dos elementos típicos e a vontade de
executar ou colaborar com sua realização.
Por isso, o dolo não se presume, mas se prova. É comum a referência em
documentos internacionais à possibilidade de comprovação do dolo por
elementos objetivos, como a antiga Recomendação 2 do GAFI, que previa
expressamente a “possibilidade de o elemento intencional (dolo de lava-
gem) ser deduzido se circunstâncias factuais objetivas”.11

O art. 1°, § 1°, da Lei n° 9.613/98, faz menção expressa ao elemento sub-
jetivo especial “para ocultar ou dissimular a utilização de bens, direitos
ou valores provenientes de infração penal”, porém as figuras delituosas
constantes do caput e do § 2° do art. 1° da Lei n° 9.613/98 silenciam acer-
ca desse ”dolo específico”.
Por isso, parte da doutrina entende que a tipificação dessas figuras deli-
tuosas demanda apenas o dolo de ocultar ou dissimular os bens oriun-
dos das infrações antecedentes. Não há necessidade de qualquer outro
elemento subjetivo chamado dolo específico da doutrina tradicional (ou
especial fim de agir).

11
Ob. Cit. p. 93.

Legislação Penal e Processual Penal Especial 45


Segundo ensinamento de Renato Brasileiro de Lima (2015, p. 93), apesar
do aparente silêncio do art. 1°, caput, e § 2°, da Lei n° 9.613/98, prevalece
o entendimento de que a tipificação dessa modalidade de lavagem de
capitais não se satisfaz apenas com o dolo de ocultar ou dissimular o pro-
duto direto ou indireto de infração penal.
Para além disso, também se faz necessária a demonstração do especial
fim de agir por parte do agente consubstanciado na vontade de reciclar
o capital sujo por meio de diversas operações comerciais ou financeiras
com o objetivo de conferir a ele uma aparência supostamente lícita.
Aliás, é exatamente a necessidade de comprovação desse elemento sub-
jetivo especial, implicitamente previsto nos crimes de lavagem de capitais
do art. 1°, caput, e § 2°, ambos da Lei n° 9.613/98, que irá diferenciar este
crime do delito de favorecimento real (CP, art. 349). Afinal, a conduta de
“tornar seguro o proveito do crime”, tipificada como favorecimento real
pelo art. 349 do Código Penal, necessariamente abrange alguma forma de
ocultação ou dissimulação.
Logo, fosse necessário apenas o dolo genérico de ocultar ou dissimular
para a tipificação da lavagem de capitais, este delito acabaria absorvendo
o favorecimento real, porquanto aquele que oculta o produto direto ou
indireto de determinada infração penal age com a intenção de tornar se-
guro o proveito do crime.
A lavagem de capitais diferencia-se do favorecimento real exatamente
pelo especial fim de reciclar o produto direto ou indireto da infração an-
tecedente, dando a ele uma aparência lícita por meio de diversos estrata-
gemas de mascaramento.
Como observa a doutrina, a lavagem deve ser compreendida, portanto,
como “uma espécie de favorecimento real qualificado pela intenção de
ocultar os bens através de sua reciclagem. Não se trata mais do simples
escamoteamento para tornar seguro o proveito do crime, mas da ocul-
tação ou dissimulação por meio da reintegração do produto do crime à
economia com aparência de licitude”12.

12
<http://www.conjur.com.br/2015-set-22/direito-defesa-lavagem-dinheiro-consiste-ocultar-necessario-crime>. Acesso em:
15 set. 2017.

46 Legislação Penal e Processual Penal Especial


Por conseguinte, a simples ocultação do produto da infração anteceden-
te, de per si, não é suficiente para a tipificação do crime de lavagem de
capitais. Para além do mascaramento desses bens, direitos ou valores,
também se faz necessária a demonstração dos elementos subjetivos ine-
rentes ao tipo penal em questão, quais sejam, a consciência e a vontade
de limpar o capital sujo e reintroduzi-lo no sistema financeiro com apa-
rência lícita.

Logo, o ato de esconder dinheiro embaixo de um colchão jamais será su-


ficiente para a tipificação do crime do art. 1°, caput, da Lei n° 9.613/98,
a não ser que demonstrado que o agente assim agiu com a intenção de
reinserir esses valores à economia formal com a aparência lícita.

Como exposto anteriormente, se a ocultação for perpetrada pelo agente


com o único objetivo de aguardar o melhor momento para usufruir do
produto da infração antecedente, e não com o objetivo de lhe conferir
uma aparência lícita, ter-se-á mero exaurimento da infração antecedente,
jamais a prática do crime de lavagem de capitais.

5.2.2.1. A Teoria da Cegueira Deliberada ou Teoria do Avestruz

Para que se configure a praticado do delito de lavagem de dinheiro é ne-


cessário que o agente tenha praticado um crime antecedente e o fruto
deste crime seja passível de ser lavado. Por isso, caso o agente desconhe-
ça a origem ilícita do bem, não haverá o dolo de lavagem e, consequente,
a atipicidade da conduta, já que não há punição a título de culpa.
A teoria da cegueira deliberada, originada da jurisprudência norte-ameri-
cana, é aquela segundo a qual um terceiro, responsável pela lavagem de
dinheiro, tente, deliberadamente, evitar a ciência quanto à origem ilícita
dos bens por ele reciclados, de forma que, em eventual processo pela
prática do delito de lavagem, possa arguir desconhecimento da origem.
Ou seja, arguirá a ausência do dolo para caracterizar a atipicidade da con-
duta. Haverá uma análise do aspecto subjetivo da conduta, mais precisa-
mente no dolo indireto eventual.

Legislação Penal e Processual Penal Especial 47


Renato Brasileiro de Lima, com propriedade, assevera que:
Daí a importância da denominada teoria da cegueira deliberada (willful blind-
ness) –também conhecida como doutrina das instruções da avestruz (ostrich
instructions) ou da evitação da consciência (conscious avoidance doctrine) – a
ser aplicada nas hipóteses em que o agente tem consciência da possível
origem ilícita dos bens por ele ocultados ou dissimulados, mas, mesmo as-
sim, deliberadamente cria mecanismos que o impedem de aperfeiçoar sua
representação acerca dos fatos. Por força dessa teoria, aquele que renuncia
a adquirir um conhecimento hábil a subsidiar a imputação dolosa de um
crime responde por ele como se tivesse tal conhecimento.13

5.3. Sujeitos do Crime


Como visto, o crime de lavagem de capitais é crime comum, podendo ser
cometido por qualquer pessoa. Embora o bem jurídico tutelado pela Lei
de Lavagem também é a ordem econômico-financeira e a Constituição
preveja a responsabilidade da pessoa jurídica14 “sujeitando-a às punições
compatíveis com sua natureza, nos atos praticados contra a ordem eco-
nômica e financeira e contra a economia popular”, a Lei 9.613 é omissa
quanto à responsabilidade penal da pessoa jurídica.

5.3.1. Autolavagem

Ocorrerá autolavagem quando o agente da infração antecedente for o mes-


mo que realizar a conduta típica da lavagem de capitais. Assim, a “autola-
vagem se cogita apenas se comprovados atos subsequentes, autônomos,
tendentes a converter o produto do crime em ativos lícitos, e capazes de
ligar o agente lavador à pretendida higienização do produto do crime ante-
cedente. Sob uma linguagem de ação típica, as subsequentes e autônomas
condutas devem possuir aptidão material para ‘ocultar ou dissimular a na-
tureza, origem, localização, disposição, movimentação ou propriedade de
bens, direitos ou valores provenientes, direta ou indiretamente, de infração
penal’ antecedente ao feitio do artigo 1º da Lei 9.613/98.”15

13
LIMA, Renato Brasileiro. Legislação criminal especial comentada. Salvador: Editora JusPodivm, 2015, p. 327.
14
Art. 173, § 5º:  A lei, sem prejuízo da responsabilidade individual dos dirigentes da pessoa jurídica, estabelecerá a
responsabilidade desta, sujeitando-a às punições compatíveis com sua natureza, nos atos praticados contra a ordem
econômica e financeira e contra a economia popular.
15
STF: AP 694, 1ª T., Rel. Min. ROSA WEBER, j. 02/05/2017, DJe 30/08/2017.

48 Legislação Penal e Processual Penal Especial


Ao contrário da legislação de outros países, a Lei 9.613 não faz vedação
expressa sobre a punição da autolavagem, sendo possível, por consequ-
ência, a dupla punição.

Ademais, salienta a doutrina que:


No crime de lavagem de dinheiro, portanto, não incide a exoneração do
autor do delito antecedente como ocorre nos casos de receptação (art. 180
do CP) ou de favorecimento real (art. 349 do CP). A não punição do autor
do delito antecedente na receptação decorre da identidade do bem jurídico
afetado nas duas fases. Tanto no crime antecedente como na receptação,
o bem lesionado é o patrimônio, e a incriminação do autor original como
receptador violaria o já citado princípio do ne bis in idem.16

5.4. Autoria e Participação

Autor é aquele sobre quem recai a titularidade pela prática da conduta


criminal. Assim, o autor no delito de lavagem é aquele que pratica quais-
quer dos verbos descrito no art. 1º.
Importante destacar que a participação na infração antecedente não é
condição para que o agente seja sujeito ativo do delito de lavagem, basta
que tenha conhecimento da origem ilícita dos bens e pratique as condu-
tas para reciclagem de referidos valores.
Quanto à participação, a grande celeuma doutrinária é sobre a possibili-
dade de participação por omissão nos crimes de lavagem de dinheiro.
Segundo Renato Brasileiro de Lima, “apesar de haver certa controvérsia
sobre o assunto, prevalece o entendimento de que a Lei 9.613/98 não
impõe às pessoas relacionadas em seu art. 9º o dever de abstenção da
conduta que possa caracterizar branqueamento de capitais, limitando-
se a exigir que elas procedam à identificação adequada de seus clientes,
mantenham registros das transações que realizam e comuniquem às au-
toridades competentes a ocorrência de operações suspeitas”.

16
BOTTINI, Pierpaolo Cruz; BADARÓ, Gustavo Henrique. Lavagem de dinheiro: aspectos penais e processuais penais:
comentários à Lei 9.613/1998, com alterações da Lei 12.683/12. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, p. 74.

Legislação Penal e Processual Penal Especial 49


6. Aspectos processuais

6.1. Procedimento

Segundo o artigo 2º, I, da Lei de Lavagem de Dinheiro, o processo e jul-


gamento dos crimes ali previstos obedecerão às disposições relativas ao
procedimento comum dos crimes punidos com reclusão, da competência
do juiz singular.

O Código de Processo Penal estabelece no artigo 394 as regras para a


definição do rito a ser observado no processo e julgamento das infrações
penais, quais sejam:
O procedimento será comum ou especial.
§ 1o O procedimento comum será ordinário, sumário ou sumaríssimo:

I. ordinário, quando tiver por objeto crime cuja sanção máxima cominada for
igual ou superior a 4 (quatro) anos de pena privativa de liberdade;
II. sumário, quando tiver por objeto crime cuja sanção máxima cominada seja
inferior a 4 (quatro) anos de pena privativa de liberdade;
III. sumaríssimo, para as infrações penais de menor potencial ofensivo, na forma
da lei.

No caso de delito de lavagem, aplica-se o rito comum ordinário, uma vez


que a pena máxima cominada ao delito é superior a 4 anos, independen-
temente de ser apenada com detenção ou reclusão.

Apenas para relembrar, o início do procedimento comum ordinário ocor-


re com o recebimento da peça inicial acusatória, seja ela apresentada em
forma de denúncia ou de queixa. Recebida, o juiz determinará a citação
do acusado, para que este, no prazo de 10 (dez) dias, apresente resposta
escrita à acusação.

A citação do acusado, em regra, deve ser feita de forma pessoal. Porém,


constatando que o acusado está se ocultando, poderá ocorrer a citação
por hora certa. Também há previsão da citação por edital:

50 Legislação Penal e Processual Penal Especial


Ao contrário do previsto no Código de Processo Penal, segundo o qual não
sendo o acusado localizado, o juiz determinará a suspensão do processo e
do curso do prazo prescricional, nos termos do artigo 366 do CPP - além da
adoção de outras medidas, como a possibilidade da decretação da prisão
preventiva e a produção antecipadas de provas – o artigo 2º, § 2º da Lei de
Lavagem, veda expressamente a suspensão do processo: No processo por
crime previsto nesta Lei, não se aplica o disposto no art. 366 do Decreto-Lei
nº 3.689, de 3 de outubro de 1941 (Código de Processo Penal), devendo o
acusado que não comparecer nem constituir advogado ser citado por edital,
prosseguindo o feito até o julgamento, com a nomeação de defensor dativo.

Assim, a Lei de Lavagem traz uma regra especial em relação ao previsto


no CPP, ou seja, não haverá suspensão do processo caso o agente não
compareça tampouco constitua advogado, ocasião na qual ele será citado
por edital, constituir-se-á defensor dativo e ele será julgado.
Todavia, referida previsão viola os princípios da ampla defesa, contradi-
tório e o devido processual legal, bem como o disposto na Convenção
Americana de Direitos Humanos – Pacto de São José da Costa Rica, da
qual o Brasil é signatário:
Artigo 8° – Garantias Judiciais
2. Toda pessoa acusada de delito tem direito a que se presuma sua inocên-
cia enquanto não se comprove legalmente sua culpa. Durante o processo,
toda pessoa tem direito, em plena igualdade, às seguintes garantias míni-
mas [...]
b) comunicação prévia e pormenorizada ao acusado da acusação formulada.

Assim, efetivada a citação e não apresentada a resposta no prazo legal,


ou se o acusado, citado, não constituir defensor, o juiz nomeará defensor
para oferecê-la, concedendo-lhe vista dos autos por 10 (dez) dias.
Na resposta escrita à acusação o réu poderá arguir “preliminares e alegar
tudo o que interesse à sua defesa, oferecer documentos e justificações,
especificar as provas pretendidas e arrolar testemunhas, qualificando-as
e requerendo sua intimação, quando necessário”. As exceções serão pro-
cessadas em apartado, nos termos dos arts. 95 a 112 deste Código  de
Processo Penal.

Legislação Penal e Processual Penal Especial 51


Caso não ocorra a absolvição sumária do acusado, o procedimento seguirá
seu curso normal e o magistrado designará audiência de instrução, deba-
tes e julgamento, nos termos do artigo 399 do Código de Processo Penal.

Esta audiência deverá ser realizada no prazo máximo de 60 (sessenta)


dias, contados a partir do recebimento da denúncia17, independente se o
réu está preso ou solto. De acordo com o artigo 400 do Código de Processo
Penal, “proceder-se-á à tomada de declarações do ofendido, à inquirição
das testemunhas arroladas pela acusação e pela defesa, nesta ordem,
ressalvado o disposto no art. 222 deste Código, bem como os esclare-
cimentos dos peritos, às acareações e ao reconhecimento de pessoas e
coisas, interrogando-se, em seguida, o acusado.”

Não sendo o caso de se determinar diligências de ofício, ausente reque-


rimento das partes neste sentido, ou se os pedidos restarem indeferidos
pelo juiz, o procedimento avança para a sua parte final antes da sentença:
as alegações finais. Apresentadas as alegações, será proferida sentença.

6.2. Competência

Em regra, a competência para processar e julgar os delitos de lavagem


de dinheiro será da Justiça Comum Estadual. Contudo, no tocante à
Justiça Comum Federal, a Lei 9.613 prevê expressamente que será da sua
competência:
a) quando praticados contra o sistema financeiro e a ordem econômico-fi-
nanceira, ou em detrimento de bens, serviços ou interesses da União, ou de
suas entidades autárquicas ou empresas públicas;
b) quando a infração penal antecedente for de competência da Justiça
Federal.

17
TÁVORA, Nestor; ALENCAR, Rosmar Rodrigues. Curso de direito processual penal. 8. ed. Salvador: JusPodivm, 2016, p.
1171. Renato Brasileiro de Lima defende que o prazo seja contado a partir da data do despacho do magistrado designando
a audiência. (Manual de Processo Penal. 4. ed, 2016, p. 1298)

52 Legislação Penal e Processual Penal Especial


7. Medidas assecuratórias, restituição e alienação
antecipada

Segundo o artigo 4º da Lei de Lavagem, “o juiz, de ofício, a requerimento


do Ministério Público ou mediante representação do delegado de polícia,
ouvido o Ministério Público em 24 (vinte e quatro) horas, havendo indícios
suficientes de infração penal, poderá decretar medidas assecuratórias de
bens, direitos ou valores do investigado ou acusado, ou existentes em
nome de interpostas pessoas, que sejam instrumento, produto ou provei-
to dos crimes previstos nesta Lei ou das infrações penais antecedentes”. 

Segundo Aury Lopes Junior, as chamadas medidas assecuratórias são:


[...] um conjunto de medidas cautelares reais, na medida em que buscam a
tutela do processo (assegurando a prova) e, ainda, desempenham uma im-
portante função de tutela do interesse econômico da vítima, resguardando
bens para uma futura ação civil ex delicti e também do Estado, no que se
refere à garantia do pagamento da pena pecuniária e custa processuais. É
evidente, portanto, seu caráter cautelar.18

São medidas assecuratórias reais, seguindo a sistemática do Código de


Processo Penal, o sequestro, o arresto e a hipoteca.

O sequestro de bem imóvel, nos termos do artigo 125 do Código de


Processo Penal, será determinado quando o bem for adquirido pelo in-
diciado com os proventos da infração, ainda que já tenham sido trans-
feridos a terceiro, desde que haja a existência de indícios veementes da
proveniência ilícita dos bens.

Já o sequestro de bem móvel recairá sobre os proventos obtidos com


o delito. Se for o produto direto do crime não será caso de sequestro,
mas sim de busca e apreensão, nos termos do artigo 240 e seguintes do
Código de Processo Penal.

18
LOPES JÚNIOR, Aury. Direito processual penal. 10. ed. São Paulo: Saraiva, 2013, p.905.

Legislação Penal e Processual Penal Especial 53


O arresto prévio de bens imóveis, previsto no artigo 136 do Código de
Processo Penal, trata-se de medida preparatória da hipoteca. Assim, o ar-
resto do imóvel poderá ser decretado de início, revogando-se, porém, se
no prazo de 15 (quinze) dias não for promovido o processo de inscrição
da hipoteca legal.
Nos termos do artigo 137 do Código de Processo Penal, se o responsável
não possuir bens imóveis ou os possuir de valor insuficiente, poderão
ser arrestados bens móveis suscetíveis de penhora, nos termos em que
é facultada a hipoteca legal dos imóveis. Assim, cuida-se de medida de
cabimento residual em relação à hipoteca legal.
Já a hipoteca legal cuida de constrição de bens de origem lícita do acu-
sado, opondo-se ao sequestro que recai sobre os bens provenientes de
origem ilícita. Nos termos do artigo 134 do Código de Processo Penal, a
hipoteca legal sobre os imóveis do indiciado poderá ser requerida pelo
ofendido em qualquer fase do processo, desde que haja certeza da infra-
ção e indícios suficientes da autoria.
No ponto, ressaltar-se que o juiz determinará a liberação total ou parcial
dos bens, direitos e valores quando comprovada a licitude de sua origem,
mantendo-se a constrição dos bens, direitos e valores necessários e su-
ficientes à reparação dos danos e ao pagamento de prestações pecuni-
árias, multas e custas decorrentes da infração penal. Ademais, nenhum
pedido de liberação será conhecido sem o comparecimento pessoal do
acusado ou de interposta pessoa.
Por fim, o juiz poderá determinar a alienação antecipada dos bens como
medida que se impõe para evitar seu perecimento e deterioração, pois a
manutenção da constrição por tempo indefinido acarreta prejuízos não
só à parte, mas igualmente à União. Assim, a alienação antecipada para
preservação de valor de bens sob constrição será decretada pelo juiz, de
ofício, a requerimento do Ministério Público ou por solicitação da parte
interessada, mediante petição autônoma, que será autuada em aparta-
do e cujos autos terão tramitação em separado em relação ao processo
principal.

54 Legislação Penal e Processual Penal Especial


8. Considerações finais

• Origem

• Conceito

• Evolução (gerações) da Lei de Lavagem de Dinheiro

• Políticas de combate à lavagem de dinheiro

• Aspectos penais

• Aspectos processuais

• Medidas assecuratórias, restituição e alienação antecipada

Glossário

• Autolavagem: quando o agente da infração antecedente for o


mesmo que realizar a conduta típica da lavagem de capitais.

• Teoria do Avestruz: outra denominação da Teoria da Cegueira


Deliberada.

VERIFICAÇÃO DE LEITURA
TEMA 02
1. (MPRS – 2017) O detentor de recursos provenientes da
exploração do jogo do bicho, usando empresa da qual
é proprietário, emite títulos de crédito frios em favor de
seu parceiro, com a finalidade específica de dar aparên-
cia de licitude à parte deste nos lucros da atividade ilegal.
Propositadamente, os títulos não são pagos no vencimen-
to e encaminhados a cartório para protesto. Notificado, o

Legislação Penal e Processual Penal Especial 55


proprietário da empresa liquida os títulos usando dinheiro
em espécie, recebido pelo cartório, que não questiona a
origem dos recursos e os deposita em sua própria conta
bancária, o que faz com que a instituição financeira tam-
bém não questione a origem dos recursos, pois são pro-
venientes da liquidação de títulos em cartório. Por fim, o
cartório credita os valores na conta do credor.
Com base no fato descrito acima, assinale a alternativa
correta.
a) De acordo com o art. 1º da Lei n. 9.613/98, “Ocultar
ou dissimular a natureza, origem, localização, disposi-
ção, movimentação ou propriedade de bens, direitos
ou valores provenientes, direta ou indiretamente, de
infração penal”, constitui-se em crime de lavagem de
dinheiro, punido com reclusão, de três a 10 (dez) anos,
e multa, desde que não extinta a punibilidade da infra-
ção antecedente.
b) O atual tratamento legal ao crime de lavagem de di-
nheiro no Brasil insere-se na doutrinariamente desig-
nada terceira fase ou terceira geração da repressão pe-
nal a tal tipo de delito.
c) No caso hipotetizado na questão, apesar da intenção
específica dos envolvidos em emprestar aparência de
licitude aos recursos através de tais manobras, o crime
de lavagem de dinheiro não estaria configurado em vir-
tude de terem sido os recursos provenientes da prática
de contravenção penal.
d) Na hipótese de participação delitiva do funcionário do
cartório no crime de lavagem de dinheiro, que exata-
mente por isso não questionava a origem dos recursos
em espécie dados em pagamento dos títulos, consequ-
ência legal imediata e automática de seu indiciamento

56 Legislação Penal e Processual Penal Especial


pela autoridade policial seria a do afastamento do cargo,
sem prejuízo de remuneração e demais direitos previs-
tos em lei, até o trânsito em julgado da sentença penal.
e) Não há crime de lavagem de dinheiro se o agente de-
posita o dinheiro obtido com a corrupção em sua pró-
pria conta bancária e o consome em viagens, passeios
e restaurantes. O simples aproveitamento econômico
do produto de uma infração penal não configura o de-
lito de lavagem. Mas, a utilização culposa, na atividade
econômica ou financeira, de bens, direitos ou valores
provenientes de infração penal, configura espécie de
crime de lavagem de dinheiro.
2. (CESPE – 2017) Em relação às disposições expressas nas
legislações referentes aos crimes de trânsito, contra o
meio ambiente e de lavagem de dinheiro, assinale a opção
correta.
a) Em relação aos delitos ambientais, constitui crime omis-
sivo impróprio a conduta de terceiro que, conhecedor
da conduta delituosa de outrem, se abstém de impedir
a sua prática.
b) Para a caracterização do delito de lavagem de dinheiro,
a legislação de regência prevê um rol taxativo de cri-
mes antecedentes, geradores de ativos de origem ilíci-
ta, sem os quais o crime não subsiste.
c) A colaboração premiada de que trata a Lei de Lavagem
de Dinheiro poderá operar a qualquer momento da
persecução penal, até mesmo após o trânsito em julga-
do da sentença.
d) É vedada a imposição de multa por infração adminis-
trativa ambiental cominada com multa a título de san-
ção penal pelo mesmo fato motivador, por violação ao
princípio do non bis in idem.

Legislação Penal e Processual Penal Especial 57


e) A prática de homicídio culposo descrita no Código de
Trânsito enseja a aplicação da penalidade de suspen-
são da permissão para dirigir, pelo órgão administra-
tivo competente, mesmo antes do trânsito em julgado
de eventual condenação.
3. (TRF 2ª Região - 2017) Sobre a “Lavagem de Dinheiro” (Lei
9.613/98), é correto dizer:
a) Somente haverá crime quando o agente ocultar ou
dissimular a natureza, origem, localização, disposição,
movimentação ou propriedade de bens, direitos ou va-
lores provenientes, direta ou indiretamente, de um dos
crimes antecedentes listados na Lei.
b) A lavagem de dinheiro é considerada crime derivado
ou acessório, pois pressupõe a ocorrência de delito an-
terior. Não se admite a sua existência quando o ativo
financeiro é proveniente de infração penal cometida
posteriormente aos atos acoimados como sendo de
lavagem.
c) A participação no cometimento da infração anteceden-
te é condição para que o agente possa ser sujeito ativo
da lavagem.
d) Comete o delito de lavagem de dinheiro o funcionário
público que recebe valor de suborno e o utiliza para
comprar imóvel, cuja propriedade registra em seu pró-
prio nome, depositando o restante em aplicação finan-
ceira de sua titularidade.
e) Dá-se a forma culposa do delito nos casos de “cegueira”
ou “ignorância” deliberada, ou seja, quando há prova
de que o agente tinha conhecimento da elevada pro-
babilidade de que os bens ou valores envolvidos eram
provenientes de infração penal e tenha agido de modo
indiferente a esse conhecimento.

58 Legislação Penal e Processual Penal Especial


4. (IBADE – 2017) Quando o autor do crime de lavagem de
capitais colaborar espontaneamente com as autoridades,
prestando esclarecimentos que conduzam à apuração das
infrações penais, à identificação dos autores, coautores e
partícipes, ou à localização dos bens, direitos ou valores
objeto do crime, a pena:
a) poderá ser reduzida pela metade e ser cumprida em
regime semiaberto.
b) poderá ser reduzida de um a dois terços e ser cumpri-
da em regime aberto ou semiaberto.
c) poderá ser reduzida pela metade e ser cumprida em
regime aberto ou semiaberto.
d) poderá ser reduzida de um sexto até a metade e ser
cumprida em regime exclusivamente aberto.
e) poderá ser reduzida de um sexto até a metade e ser
cumprida em regime aberto ou semiaberto.
5. (VUNESP – 2017) Sobre os crimes e institutos previstos na
Lei de Lavagem de Dinheiro, assinale a alternativa correta.
a) Para fins de consumação do crime, há a necessidade
de que o agente tenha sido condenado por algum dos
chamados crimes antecedentes.
b) A pena será aumentada de 3/5 até a metade, se os cri-
mes previstos na Lei forem cometidos de forma reite-
rada ou por intermédio de organização criminosa.
c) O juiz determinará a liberação total ou parcial dos bens,
direitos e valores, ainda que não comprovada a licitu-
de de sua origem, mantendo-se a constrição dos bens,
direitos e valores necessários e suficientes à reparação
dos danos e ao pagamento de prestações pecuniárias,
multas e custas decorrentes da infração penal.

Legislação Penal e Processual Penal Especial 59


d) Em caso de indiciamento de servidor público, este será
afastado, sem prejuízo de remuneração e demais direi-
tos previstos em lei, até que o juiz competente autorize,
em decisão fundamentada, o seu retorno.
e) Não há possibilidade de redução de pena ou fixação de
regime menos gravoso se o autor, coautor ou partícipe
colaborar espontaneamente com as autoridades, pres-
tando esclarecimentos que conduzam à apuração das
infrações penais, à identificação dos autores, coautores
e partícipes, ou à localização dos bens, direitos ou valo-
res objeto do crime.

Referências Bibliográficas

AVENA, Norberto Cláudio Pâncaro. Processo Penal Esquematizado. 5. ed. Rio de


Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2014.
BOTTINI, Pierpaolo Cruz; BADARÓ, Gustavo Henrique. Lavagem de Dinheiro: aspec-
tos penais e processuais penais: comentários à Lei 9.613/1998, com alterações da Lei
12.683/12. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2012.
DELMANTO, Roberto. et al. Leis Penais Especiais Comentadas. 2. ed. São Paulo:
Saraiva, 2014.
FERNANDES, Antônio Scarance. Processo Penal Constitucional. 7. ed. São Paulo:
Editora Revista dos Tribunais, 2012.
GONÇALVES, Victor Eduardo Rios. Legislação Penal Especial Esquematizado. 3. ed.
São Paulo: Saraiva, 2017.
GRINOVER, Ada Pellegrini; FERNANDES, Antônio Scarance; GOMES FILHO, Antônio
Magalhães. As Nulidades no Processo Penal. 10. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2007.
HABIB, Gabriel. Leis Penais Especiais. Salvador: Editora JusPodivm, 2017.
LIMA, Renato Brasileiro de. Curso de Processo Penal. 4. ed. Rio de Janeiro: JusPodivm,
2016.

60 Legislação Penal e Processual Penal Especial


. Legislação Criminal Especial Comentada. Salvador: Editora JusPodivm, 2015.
LOPES JUNIOR, Aury. Direito Processual Penal. 10. ed. São Paulo: Saraiva, 2013.
MARQUES, José Frederico. Elementos de Direito Processual Penal. 3. ed. São Paulo:
Millenium, 2009.
MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo Penal. 18. ed. São Paulo: Atlas, 2008.
NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Processo Penal e Execução Penal. 6. ed.
São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012.
. Leis Penais e Processuais Penais Comentadas. 4. ed. rev., atual. e ampl. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2009.
OLIVEIRA, Eugênio Pacelli. Curso de Processo Penal. 19. ed. São Paulo: Atlas, 2015.
PITOMBO, Antônio Sérgio A. de Moraes.  Lavagem de Dinheiro.  A Tipicidade do
Crime Antecedente. São Paulo: Ed. RT, 2003.
TÁVORA, Nestor; ALENCAR, Rosmar Rodrigues. Curso de Direito Processual Penal.
8. ed. Salvador: JusPodivm, 2016.

Gabarito – Tema 02

Questão 1 – Resposta: B
Incluem-se nas legislações de terceira geração as leis que não pos-
suem um rol de crimes, sendo possível a punição por lavagem de
dinheiro a prática de qualquer infração penal antecedente. Esta foi
a orientação adotada com as modificações implementadas na Lei n.
9.613/98, com a edição da Lei 12.683/2012.

Questão 2 – Resposta: C
Artigo 1º, § 5º, da Lei n. 9.613/98.

Questão 3 – Resposta: B
O delito de lavagem de dinheiro cuida-se de crime acessório, pois de-
pende da prática de uma infração penal antecedente, podendo ser
tanto crime como uma contravenção penal.

Legislação Penal e Processual Penal Especial 61


Questão 4 – Resposta: B
Artigo 1º, § 5º, da Lei n. 9.613/98.

Questão 5 – Resposta: D
Artigo 17-D, da Lei n. 9.613/98.

62 Legislação Penal e Processual Penal Especial


TEMA 03
EXECUÇÃO PENAL

Objetivos

• Apresentar ao aluno aspectos sobre a execução


penal, por meio do estudo dos principais pontos que
permeiam a matéria, traçando, em linhas gerais, os
aspectos relevantes do referido tema.

Legislação Penal e Processual Penal Especial 63


1. Conceito e finalidades

A Execução Penal, disciplinada pela Lei 7.210 de 11 de julho de 1984, é


uma fase processual penal na qual se dá cumprimento ao disposto na
sentença condenatória, impondo-se, efetivamente, a pena privativa de li-
berdade, a pena restritiva de direitos ou a pena pecuniária.

Em seu artigo 1º, já anuncia qual o objetivo da execução: “efetivar as dis-


posições de sentença ou decisão criminal e proporcionar condições para
a harmônica integração social do condenado e do internado”.

A Execução Penal é um ramo autônomo do Direito Público, ligado ao Direito


Penal e Processual Penal, regido por disposições e princípios próprios.
Podemos destacar que o princípio da jurisdicionalidade da Execução, tam-
bém conhecido como princípio da jurisdicionalização, determina que as de-
cisões serão proferidas pelo Poder Judiciário, durante a execução da pena.

Todavia, em hipóteses excepcionais, admite-se a decisão administrativa,


como por exemplo, quando há permissão de saída para tratamento mé-
dico de condenado que cumpra pena em regime fechado ou semiaberto
(art. 120, II, e parágrafo único da LEP).

Destaca-se também que o princípio da personalidade decorre do princí-


pio constitucional da individualização da pena. Assim, a execução da pena
ou da medida de segurança deve levar em conta a individualização do
condenado.

Não por outra razão, em observância a esse princípio, a LEP prevê que os
condenados serão classificados de acordo com o sexo, idade, crime prati-
cado, antecedentes, etc.

Para que seja iniciada a execução penal é pressuposto a existência de


uma sentença penal condenatória ou absolutória imprópria, transitada
em julgado, por meio da qual se imponha pena privativa de liberdade,
restritivas de direito e medida de segurança.

64 Legislação Penal e Processual Penal Especial


Admite-se ainda, excepcionalmente, a execução provisória da pena priva-
tiva de liberdade, ou seja, quando não há trânsito em julgado da sentença
condenatória, desde que seja benéfico ao acusado.

Até o início de 2016, os tribunais superiores não admitiam a execução


da pena privativa de liberdade antes do trânsito em julgado da sentença
penal condenatória, pois entendiam que se houve o cumprimento anteci-
pado da sanção penal - ressalvada a hipótese da prisão cautelar – haveria
violação ao princípio constitucional da presunção de inocência.

Todavia, após o julgamento do Recurso Extraordinário 964.246, o Supremo


Tribunal Federal reafirmou jurisprudência no sentido de que é possível a
execução provisória do acórdão penal condenatório proferido em grau re-
cursal, mesmo que estejam pendentes recursos aos tribunais superiores. 

PARA SABER MAIS


STF reafirma jurisprudência sobre execução da pena após
condenação em segunda instância

Por maioria, o Plenário Virtual do Supremo Tribunal Federal


(STF) reafirmou jurisprudência no sentido de que é possível
a execução provisória do acórdão penal condenatório profe-
rido em grau recursal, mesmo que estejam pendentes recur-
sos aos tribunais superiores. A decisão foi tomada na análi-
se do Recurso Extraordinário com Agravo (ARE) 964246, que
teve repercussão geral reconhecida. Assim, a tese firmada
pelo Tribunal deve ser aplicada nos processos em curso nas
demais instâncias.

O recurso foi interposto em ação penal na qual o réu foi con-


denado à pena de 5 anos e 4 meses de reclusão, em regime
fechado, pelo crime de roubo (artigo 157, parágrafo 2º, inci-
sos I e II, do Código Penal). A sentença foi confirmada pelo

Legislação Penal e Processual Penal Especial 65


Tribunal de Justiça de São Paulo, que negou provimento à
apelação da defesa e determinou expedição imediata de
mandado de prisão, para início da execução da pena. O caso
trata do mesmo sentenciado a favor do qual foi impetrado o
Habeas Corpus (HC) 126292, julgado pelo Plenário em feve-
reiro deste ano.

Ao questionar o início do cumprimento da pena, a defesa


apontava ofensa ao dispositivo constitucional que garante o
direito de ninguém ser considerado culpado até o trânsito
em julgado de sentença penal condenatória, previsto no ar-
tigo 5º (inciso LVII) da Constituição Federal. Mesmo que os
recursos aos tribunais superiores (recurso especial e recurso
extraordinário) não tenham eficácia suspensiva, a defesa en-
tendia que permanece válida a presunção constitucional de
inocência até o trânsito em julgado.

Em sua manifestação, o relator do recurso, ministro Teori


Zavascki, se pronunciou pelo reconhecimento da repercus-
são geral da matéria. “É evidente que a questão em debate
transcende o interesse subjetivo das partes, possuindo rele-
vância social e jurídica”, afirmou.

O ministro lembrou o julgamento do Habeas Corpus (HC)


126292, também da sua relatoria, em que o Supremo, por
maioria, alterou o entendimento até então dominante e re-
tomou a jurisprudência que vigorou na Casa até 2009, no
sentido de que a presunção de inocência não impede prisão
decorrente de acórdão que, em apelação, confirma sentença
penal condenatória. Destacou ainda que a matéria voltou a
ser apreciada pelo Plenário no mês passado e, na ocasião,
ao indeferir medidas cautelares nas Ações Declaratórias de

66 Legislação Penal e Processual Penal Especial


Constitucionalidade (ADCs) 43 e 44, os ministros, por maioria,
reconheceram que o artigo 283 do Código de Processo Penal
não impede o início da execução da pena após condenação
em segunda instância.

Segundo explicou o ministro, toda pessoa acusada de delito


tem direito a que se presuma sua inocência enquanto não se
prova sua culpabilidade, de acordo com a lei e em processo
público no qual se assegurem todas as garantias necessárias
para sua defesa. “Realmente, antes de prolatada a sentença
penal há de se manter reservas de dúvida acerca do com-
portamento contrário à ordem jurídica, o que leva a atribuir
ao acusado, para todos os efeitos mas, sobretudo, no que
se refere ao ônus da prova da incriminação, a presunção de
inocência”, afirmou.

Mesmo a sentença condenatória, juízo de culpabilidade que


decorre dos elementos de prova produzidos em regime de
contraditório no curso de ação penal, fica sujeita à revisão
por tribunal de hierarquia imediatamente superior, se houver
recurso, destacou o relator. “É nesse juízo de apelação que,
de ordinário, fica definitivamente exaurido o exame sobre os
fatos e provas da causa, com a fixação, se for o caso, da res-
ponsabilidade penal do acusado. É ali que se concretiza, em
seu sentido genuíno, o duplo grau de jurisdição, destinado ao
reexame de decisão judicial em sua inteireza, mediante am-
pla devolutividade da matéria deduzida na ação penal, tenha
ela sido apreciada ou não pelo juízo de origem. Ao réu fica
assegurado o direito de acesso, em liberdade, a esse juízo de
segundo grau, respeitadas as prisões cautelares porventura
decretadas”, explicou.

Legislação Penal e Processual Penal Especial 67


Ressalvada a via da revisão criminal, é nas instâncias ordiná-
rias que se esgota a possibilidade de exame de fatos e provas
e, sob esse aspecto, a própria fixação da responsabilidade
criminal do acusado, resumiu o relator. Isso porque os re-
cursos de natureza extraordinária não configuram desdobra-
mentos do duplo grau de jurisdição, por não se prestarem
ao debate de matéria fático-probatória. Assim, enfatizou o
ministro, com o julgamento da segunda instância se exaure a
análise da matéria envolvendo os fatos da causa.

Nesse sentido, frisou o ministro Teori, a execução da pena na


pendência de recursos de natureza extraordinária não com-
promete o núcleo essencial do pressuposto da não-culpabili-
dade, na medida em que o acusado foi tratado como inocente
no curso de todo o processo ordinário criminal, observados
os direitos e as garantias a ele inerentes, bem como respeita-
das as regras probatórias e o modelo acusatório atual.

O ministro citou estudo de direito comparado para mostrar


que em nenhum país do mundo, depois de observado o duplo
grau de jurisdição, a execução de uma condenação fica sus-
pensa, aguardando eventual referendo de Tribunal Supremo.
Listou, como exemplos, as legislações de Inglaterra, Estados
Unidos da América, Canadá, Alemanha, França, Portugal,
Espanha e Argentina.

Com esses argumentos, o ministro Teori Zavascki se mani-


festou pela existência de repercussão geral na matéria e,
no mérito, pelo desprovimento do recurso, com reafirma-
ção da jurisprudência do Supremo, fixando a tese de que “a
execução provisória de acórdão penal condenatório profe-
rido em grau recursal, ainda que sujeito a recurso especial

68 Legislação Penal e Processual Penal Especial


ou extraordinário, não compromete o princípio constitucio-
nal da presunção de inocência afirmado pelo artigo 5º, inciso
LVII, da Constituição Federal”.

Resultado
A manifestação do relator pelo reconhecimento da repercus-
são geral foi seguida por unanimidade no Plenário Virtual.
O mérito foi decidido diretamente no mesmo sistema, por
tratar-se de reafirmação da jurisprudência consolidada no
STF. O entendimento, nesse ponto, foi firmado por maioria,
vencidos os ministros Dias Toffoli, Ricardo Lewandowski,
Marco Aurélio e Celso de Mello. A ministra Rosa Weber não
se manifestou.

Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticia


Detalhe.asp?idConteudo=329322>. Acesso em: 20 set. 2017.

2. Natureza jurídica da execução

A execução penal é, eminentemente, um processo de natureza jurisdi-


cional, a qual tem por finalidade efetivar a pretensão punitiva do Estado.
Porém, pode-se dizer que tem natureza mista, uma vez que envolve, ain-
da, atividade administrativa.

3. Competência

A competência para a execução penal é, em regra, da Justiça Comum


Estadual, excetuando-se os casos em que a pena é cumprida em estabe-
lecimento prisional de segurança máxima, cuja competência é da Justiça
Comum Federal.

Legislação Penal e Processual Penal Especial 69


A Justiça Estadual também é competente para a execução das penas im-
postas pelas justiças especiais, como a Militar e a Eleitoral, quando os pre-
sos estiverem recolhidos em presídios sujeitos à administração estadual
(Súmula 192, STJ).

4. Da classificação

A Lei de Execução Penal determina que os condenados sejam classifica-


dos, segundo os seus antecedentes e personalidade, de forma a orientar
a execução penal.
Por esta razão, é analisada a folha de antecedentes criminais, bem como
feito um estudo sobre a personalidade do agente. Com base no exame de
classificação, será elaborado um programa que delimitará o cumprimen-
to da pena.
O Exame da Classificação não se confunde com o Exame Criminológico.
O criminológico, por ser mais amplo, abrange os aspectos psicológico e
psiquiátrico do condenado. Como bem aponta Marcelo Uzeda de Faria,
aborda o exame criminológico:
[...] aspectos psicológico e psiquiátrico do condenado, com a análise de sua
maturidade, disciplina, capacidade de lidar com frustrações, laços afetivos
com a família e com terceiros, agressividade e outros dados, de forma a de-
limitar um prognóstico de periculosidade, ou seja, sua tendência a retornar
à delinquência.1

O Exame Criminológico deve ser obrigatoriamente realizado quando o


condenado iniciar o cumprimento da pena, para obtenção dos elementos
necessários a uma adequada classificação e individualização da execução.
Todavia, é importante pontuar que o Exame Criminológico será facultati-
vo quando da análise para a progressão de regime pelo condenado, nos
termos da Súmula 439 do STJ.

1
FARIA, Marcelo Uzeda de. Execução penal. 4. ed. rev., ampl. e atual. Salvador: Editora Juspodivum, 2015, p. 24.

70 Legislação Penal e Processual Penal Especial


Além disso, em 2012, por meio da Lei 12.654, tornou-se obrigatória a iden-
tificação do perfil genético dos condenados por crimes praticados, dolosa-
mente, com violência de natureza grave contra pessoa, ou por qualquer cri-
me hediondo, , mediante extração de DNA, por técnica adequada e indolor.
Porém, destaca-se que as informações contidas em tais bancos de dados
não poderão ser utilizadas para revelar comportamento das pessoas.

5. Do trabalho

Previsto no artigo 28 da LEP, o trabalho do condenado é obrigatório e ca-


racterizado como um dever social e como condição de dignidade huma-
na, cuja finalidade é educar e produzir.
Embora seja obrigatório, não pode ser confundido com trabalho força-
do pois não são impostos castigos físicos ou qualquer tipo de punição.
Além disso, o trabalho realizado pelo preso não pode ser exigido sem
que haja contraprestação pecuniária ou benefícios na execução penal.
Entretanto, ao contrário do preso definitivo, o trabalho do preso provisó-
rio é facultativo.
O preso também não poderá recusar-se a realizar o trabalho a ele desig-
nado, pois a recusa injustificada será considerada falta grave. Porém, o
trabalho deverá observar as peculiaridades pessoais do condenado bem
como sua aptidão para executá-lo.
O trabalho realizado pelo preso não está sujeito ao regime da CLT, pois
o trabalho por ele exercido trará benefício na execução. Terá duração de
6 a 8 horas diárias, havendo descanso aos domingos e feriados, salvo os
serviços de manutenção do presídio que poderão ter horário especial.
A remuneração do preso será definida em tabela e não poderá ser infe-
rior a três quartos do salário mínimo e será destinada à indenização dos
danos causados pelo crime, à assistência à família, às pequenas despesas,
bem como para ressarcir o Estado das despesas realizadas com a manu-
tenção do condenado.

Legislação Penal e Processual Penal Especial 71


Para realização do trabalho, a regra é que o trabalho seja interno, mas, o
trabalho externo será admitido para o condenado que cumpre pena no
regime fechado, desde que exercido em serviço e obras públicas, no má-
ximo de 10% dos trabalhadores da obra.

São requisitos para a autorização para trabalho externo - esta concedida


pelo diretor do estabelecimento prisional – o cumprimento de 1/6 da pena,
a demonstração de aptidão, disciplina e responsabilidade. Ademais, segun-
do entendimento do Superior Tribunal de Justiça, os condenados por cri-
mes hediondos e equiparados poderão realizar trabalhos extramuros, des-
de que atendam aos requisitos impostos aos demais condenados (art. 37).

Quanto ao trabalho extramuros ao condenado que cumpre pena em regi-


me semiaberto, não há necessidade do cumprimento do lapso temporal
de 1/6, bastando a existência de condições pessoais favoráveis.

Neste sentido é o entendimento do Superior Tribunal de Justiça:


HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO ESPECIAL. DESCABIMENTO.
EXECUÇÃO DA PENA. REGIME SEMIABERTO. CASSAÇÃO DA
AUTORIZAÇÃO PARA TRABALHO EXTERNO. AUSÊNCIA DE REQUISITO
OBJETIVO. PRESCINDIBILIDADE DO CUMPRIMENTO DE 1/6 DA PENA.
CONSTRANGIMENTO ILEGAL CONFIGURADO.
1. É assente o entendimento desta Corte no sentido de ser desnecessário o
cumprimento de 1/6 (um sexto) da pena, no mínimo, para a concessão do
benefício do trabalho externo ao condenado a cumprir a reprimenda no
regime semiaberto, desde que satisfeitos os demais requisitos necessários,
de natureza subjetiva.
2. A exigência do cumprimento de 1/6 da pena para a concessão da benesse
do trabalho externo aos que se encontram no regime semiaberto configura
constrangimento ilegal sanável, de ofício.
3. Habeas corpus concedido, de ofício, para cassar o acórdão impugnado e
restabelecer a decisão do Juízo das Execuções Criminais.2

2
STJ: HC 282.192/RS, Rel. Ministro MOURA RIBEIRO, QUINTA TURMA, julgado em 15/05/2014, DJe 22/05/2014.

72 Legislação Penal e Processual Penal Especial


Por fim, o trabalho extramuros será obrigatoriamente revogado se o conde-
nado praticar fato definido como crime, ainda que não haja processo ou con-
denação, apresentar comportamento incompatível ou praticar falta grave.

6. Dos deveres do condenado

A Lei de Execução Penal elenca os deveres que os presos provisórios e os


condenados definitivamente devem observar, uma vez que sua inobser-
vância pode acarretar o cometimento de falta disciplinar.

São eles:
Art. 39. Constituem deveres do condenado:
I. comportamento disciplinado e cumprimento fiel da sentença;
II. obediência ao servidor e respeito a qualquer pessoa com quem deva
relacionar-se;
III. urbanidade e respeito no trato com os demais condenados;
IV. conduta oposta aos movimentos individuais ou coletivos de fuga ou de sub-
versão à ordem ou à disciplina;
V. execução do trabalho, das tarefas e das ordens recebidas;
VI. submissão à sanção disciplinar imposta;
VII. indenização à vitima ou aos seus sucessores;
VIII. indenização ao Estado, quando possível, das despesas realizadas com a
sua manutenção, mediante desconto proporcional da remuneração do
trabalho;
IX. higiene pessoal e asseio da cela ou alojamento;
X. conservação dos objetos de uso pessoal.
Parágrafo único. Aplica-se ao preso provisório, no que couber, o disposto
neste artigo.

7. Dos direitos do condenado

Além dos deveres, a Lei de Execução Penal prevê também quais são os
direitos do condenado definitivo ou provisório:

Legislação Penal e Processual Penal Especial 73


Art. 41 - Constituem direitos do preso:
I. alimentação suficiente e vestuário;
II. atribuição de trabalho e sua remuneração;
III. Previdência Social;
IV. constituição de pecúlio;
V. proporcionalidade na distribuição do tempo para o trabalho, o descanso e
a recreação;
VI. exercício das atividades profissionais, intelectuais, artísticas e desportivas
anteriores, desde que compatíveis com a execução da pena;
VII. assistência material, à saúde, jurídica, educacional, social e religiosa;
VIII. proteção contra qualquer forma de sensacionalismo;
IX. entrevista pessoal e reservada com o advogado;
X. visita do cônjuge, da companheira, de parentes e amigos em dias
determinados;
XI. chamamento nominal;
XII. igualdade de tratamento salvo quanto às exigências da individualização da
pena;
XIII. audiência especial com o diretor do estabelecimento;
XIV. representação e petição a qualquer autoridade, em defesa de direito;
XV. contato com o mundo exterior por meio de correspondência escrita, da lei-
tura e de outros meios de informação que não comprometam a moral e os
bons costumes.
XVI. atestado de pena a cumprir, emitido anualmente, sob pena da responsabi-
lidade da autoridade judiciária competente.          

Parágrafo único. Os direitos previstos nos incisos V, X e XV poderão ser suspen-


sos ou restringidos mediante ato motivado do diretor do estabelecimento.

Importante consignar que referido rol é apenas exemplificativo. Além dis-


so, o Estado tem o dever de zelar pela integridade física e moral dos pre-
sos sob sua custódia, devendo ser responsabilizado pela omissão de seus
agentes.

Não por outra razão, o Supremo Tribunal Federal, em julgamento de re-


percussão geral, atribuiu ao Estado a responsabilidade civil pela morte de
detento.

74 Legislação Penal e Processual Penal Especial


PARA SABER MAIS
EMENTA: RECURSO EXTRAORDINÁRIO. REPERCUSSÃO
GERAL. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO POR MORTE
DE DETENTO. ARTIGOS 5º, XLIX, E 37, § 6º, DA CONSTITUIÇÃO
FEDERAL. 1. A responsabilidade civil estatal, segundo a
Constituição Federal de 1988, em seu artigo 37, § 6º, subsu-
me-se à teoria do risco administrativo, tanto para as condutas
estatais comissivas quanto paras as omissivas, posto rejeita-
da a teoria do risco integral. 2. A omissão do Estado reclama
nexo de causalidade em relação ao dano sofrido pela vítima
nos casos em que o Poder Público ostenta o dever legal e a
efetiva possibilidade de agir para impedir o resultado dano-
so. 3. É dever do Estado e direito subjetivo do preso que a
execução da pena se dê de forma humanizada, garantindo-
se os direitos fundamentais do detento, e o de ter preserva-
da a sua incolumidade física e moral (artigo 5º, inciso XLIX, da
Constituição Federal). 4. O dever constitucional de proteção
ao detento somente se considera violado quando possível a
atuação estatal no sentido de garantir os seus direitos funda-
mentais, pressuposto inafastável para a configuração da res-
ponsabilidade civil objetiva estatal, na forma do artigo 37, §
6º, da Constituição Federal. 5. Ad impossibilia nemo tenetur,
por isso que nos casos em que não é possível ao Estado agir
para evitar a morte do detento (que ocorreria mesmo que o
preso estivesse em liberdade), rompe-se o nexo de causali-
dade, afastando-se a responsabilidade do Poder Público, sob
pena de adotar-se contra legem e a opinio doctorum a teoria
do risco integral, ao arrepio do texto constitucional. 6. A mor-
te do detento pode ocorrer por várias causas, como, v. g., ho-
micídio, suicídio, acidente ou morte natural, sendo que nem

Legislação Penal e Processual Penal Especial 75


sempre será possível ao Estado evitá-la, por mais que adote as
precauções exigíveis. 7. A responsabilidade civil estatal resta
conjurada nas hipóteses em que o Poder Público comprova
causa impeditiva da sua atuação protetiva do detento, rom-
pendo o nexo de causalidade da sua omissão com o resulta-
do danoso. 8. Repercussão geral constitucional que assenta a
tese de que: em caso de inobservância do seu dever específico
de proteção previsto no artigo 5º, inciso XLIX, da Constituição
Federal, o Estado é responsável pela morte do detento. 9. In
casu, o tribunal a quo assentou que inocorreu a comprova-
ção do suicídio do detento, nem outra causa capaz de rom-
per o nexo de causalidade da sua omissão com o óbito ocor-
rido, restando escorreita a decisão impositiva de responsabi-
lidade civil estatal. 10. Recurso extraordinário DESPROVIDO.
(RE 841526, Relator(a):  Min. LUIZ FUX, Tribunal Pleno, julgado
em 30/03/2016, ACÓRDÃO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL
- MÉRITO DJe-159 DIVULG 29-07-2016 PUBLIC 01-08-2016)

8. Das faltas disciplinares

As faltas disciplinares são classificadas em leves, médias e graves. As leves


e médias são definidas pela legislação local, porém as faltas graves são as
assim determinadas pela Lei de Execução Penal, em rol taxativo, não po-
dendo ser ampliadas, tampouco aplicadas analogicamente, sob pena de
violação ao princípio da legalidade.
A punição da falta disciplinar será a mesma para a falta tentada ou con-
sumada, afastando-se a aplicação analógica do artigo 14, parágrafo único
do Código Penal.
As faltas leves e médias, respeitado o princípio da proporcionalidade, se-
rão sancionadas com advertência ou repreensão.

76 Legislação Penal e Processual Penal Especial


As faltas consideradas graves pelo legislador, estão elencadas no artigo
50 da Lei de Execução Penal, quais sejam:
I. incitar ou participar de movimento para subverter a ordem ou a disciplina;
II. fugir;
III. possuir, indevidamente, instrumento capaz de ofender a integridade física
de outrem;
IV. provocar acidente de trabalho;
V. descumprir, no regime aberto, as condições impostas;
VI. inobservar os deveres previstos nos incisos II e V, do artigo 39, desta Lei.
VII. tiver em sua posse, utilizar ou fornecer aparelho telefônico, de rádio ou si-
milar, que permita a comunicação com outros presos ou com o ambiente
externo.

Parágrafo único. O disposto neste artigo aplica-se, no que couber, ao preso


provisório.
Art. 51. Comete falta grave o condenado à pena restritiva de direitos que:
I. descumprir, injustificadamente, a restrição imposta;
II. retardar, injustificadamente, o cumprimento da obrigação imposta;
III. inobservar os deveres previstos nos incisos II e V, do artigo 39, desta Lei.
A aferição do cometimento da falta grave ocorre por meio de processo ad-
ministrativo disciplinar, competindo à autoridade administrativa o exercí-
cio do poder disciplinar, não sendo possível a sua delegação.
Contudo, por ser a falta grave, o juízo da execução deve ser comunicado,
ocasião na qual deverá a autoridade administrativa representar para que
juiz regrida o condenado de regime, revogue as saídas temporárias, de-
clare a perda parcial dos dias remidos ou converta a pena substitutiva de
direitos em privativa de liberdade.
No procedimento administrativo disciplinar é indispensável a observância
do princípio do contraditório, sendo acompanhado por advogado consti-
tuído ou defensor nomeado, para que seja apresentada defesa. Cumpre
lembrar que, embora a Súmula Vinculante nº 5 discipline que “a falta de
defesa técnica por advogado no processo administrativo disciplinar não
ofende a Constituição”, essa Súmula só tem incidência em processo de
natureza cível, não se aplicando na execução.

Legislação Penal e Processual Penal Especial 77


Não por outra razão, o Superior Tribunal de Justiça editou a Súmula 533,
segundo a qual “para o reconhecimento da prática de falta disciplinar no
âmbito da execução penal, é imprescindível a instauração de procedimen-
to administrativo pelo diretor do estabelecimento prisional, assegurado o
direito de defesa, a ser realizado por advogado constituído ou defensor
público nomeado”.
Além disso, o cometimento de falta grave interrompe a contagem do pra-
zo para a progressão de regime de cumprimento de pena, o qual se rei-
nicia a partir do cometimento dessa infração (534, STJ). Porém, a prática
de falta grave não interrompe o prazo para fim de comutação de pena ou
indulto (535, STJ), tampouco para a concessão de livramento condicional
(441, STJ).
Assim, como nos crimes, a prescrição também incide na aplicação da san-
ção administrativa disciplinar. Segundo o entendimento pacífico dos tri-
bunais superiores, prescreverá em 3 anos o direto de punir estatal, conta-
dos do dia da prática da falta grave.

8.1. Regime Disciplinar Diferenciado (RDD)

Embora tenha o nome de regime, o regime disciplinar diferenciado é uma


sanção disciplinar imposta ao condenado definitivo ou provisório quando
praticar fato definido como crime doloso (falta grave) e que ocasione sub-
versão da ordem ou disciplina internas.
O RDD tem características próprias previstas no art. 52 da LEP. O preso
submetido às regras de referida modalidade sancionatória, cuja duração
máxima é de 366 dias (até o limite de 1/6 da pena), será recolhido em
cela individual, e terá direito a visita semanal de 2 pessoas, sem contar as
crianças, com duração de 2 horas. Também só terá direito a 2 horas diá-
rias de banho de sol.
O RDD só pode ser aplicado pelo juiz da execução, por meio de decisão
fundamentada, no prazo de 15 dias, após oitiva do Ministério Público e da
Defesa do condenado. Ao diretor do estabelecimento prisional compete a
representação para inclusão do condenado em referido regime.

78 Legislação Penal e Processual Penal Especial


É possível ainda a inclusão do preso provisório ou definitivo provisoria-
mente ao regime disciplinar diferenciado, sem necessidade de oitiva do
Ministério Público, desde que a decisão seja motivada e a sanção seja de
no máximo 10 dias.
Em razão do caráter excepcional da medida e da periculosidade dos pre-
sos que a ela são submetidos, o RDD é cumprido em presídio de seguran-
ça máxima, cuja jurisdição é da Justiça Federal do local onde ele estiver
situado. Porém no caso do preso provisório, a competência para análise
do pedido é do juízo de origem, que apenas depreca a fiscalização para o
juízo da execução.
Já se manifestou sobre esta questão o Superior Tribunal de Justiça:
EXECUÇÃO. PENA. PRESÍDIO FEDERAL.
A Turma reiterou o entendimento de que a Resolução n. 502/2006 do
Conselho da Justiça Federal é constitucional, ao permitir o cumprimento de
pena imposta por decisão da Justiça Estadual em estabelecimento federal
sob competência do juízo de Execução Criminal da Justiça Federal. A alegação
de que o cumprimento da pena deve dar-se próximo à origem do condena-
do, de seus familiares e afins, para que seja facilitado o processo de ressocia-
lização e de modo a contribuir para a saúde do preso não deve sobrepor-se
ao interesse coletivo de segurança e ordem pública, além da própria ordem
no estabelecimento de cumprimento da pena. Assim, demonstrada inquietu-
de no presídio de origem, em razão da presença do ora paciente, de notória
periculosidade, impõe-se sua transferência para local que possa recebê-lo
e garantir não só a segurança pública, mas também a segurança do conde-
nado. A manutenção do apenado no sistema penitenciário federal é medida
excepcional e provisória, devendo, cumprido o tempo determinado, voltar a
execução da sanção para o juízo de origem. Contudo, na espécie, diante da
periculosidade do paciente, que chefia uma das maiores organizações cri-
minosas do país, justifica-se permanência naquele sistema prisional, desde
que o ato seja devidamente fundamentado pelo juízo estadual. Quanto ao
período de permanência no sistema, não há qualquer óbice em permanecer
na prisão federal por mais de dois anos, desde que haja motivação. A lei não
diz que a inclusão só pode ocorrer uma vez; sempre que a ordem pública
reclamar, deverá haver reinclusão, desde que por motivos diversos dos ante-
riores. (HC 116.301-RJ, Rel. Min. Jorge Mussi, julgado em 10/11/2009)3

3
Informativo 415 do STJ. Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/jurisprudencia/externo/informativo/>. Acesso em: 22 set.
2018.

Legislação Penal e Processual Penal Especial 79


9. Do juízo da execução

Como visto anteriormente, a competência da execução penal será do juiz


indicado na lei local de organização judiciária e, na sua ausência, ao da
sentença.

Em regra, adota-se a máxima de que a execução segue o preso, assim,


será competente o Juízo das Execuções Penais do Estado a execução das
penas impostas a sentenciados pela Justiça Federal, Militar ou Eleitoral,
quando recolhidos a estabelecimentos sujeitos a Administração Estadual
(Súmula 192, STJ).

A LEP elenca em seu artigo 66 a competência do Juízo da Execução, quais


sejam:
I. aplicar aos casos julgados lei posterior que de qualquer modo favorecer o
condenado;
II. declarar extinta a punibilidade;
III. decidir sobre:
a) soma ou unificação de penas;
b) progressão ou regressão nos regimes;
c) detração e remição da pena;
d) suspensão condicional da pena;
e) livramento condicional;
f) incidentes da execução.
IV. autorizar saídas temporárias;
V. determinar:
a) a forma de cumprimento da pena restritiva de direitos e fiscalizar sua
execução;
b) a conversão da pena restritiva de direitos e de multa em privativa de
liberdade;
c) a conversão da pena privativa de liberdade em restritiva de direitos;
d) a aplicação da medida de segurança, bem como a substituição da pena
por medida de segurança;
e) a revogação da medida de segurança;
f) a desinternação e o restabelecimento da situação anterior;

80 Legislação Penal e Processual Penal Especial


g) o cumprimento de pena ou medida de segurança em outra comarca;
h) a remoção do condenado na hipótese prevista no § 1º, do artigo 86, desta
Lei.
i) (VETADO)
VI. zelar pelo correto cumprimento da pena e da medida de segurança;
VII. inspecionar, mensalmente, os estabelecimentos penais, tomando providên-
cias para o adequado funcionamento e promovendo, quando for o caso, a
apuração de responsabilidade;
VIII. interditar, no todo ou em parte, estabelecimento penal que estiver fun-
cionando em condições inadequadas ou com infringência aos dispositivos
desta Lei;
IX. compor e instalar o Conselho da Comunidade;
X. emitir anualmente atestado de pena a cumprir.

10. Da execução das penas em espécie

A execução das penas impostas inicia-se com a expedição da guia de re-


colhimento, para o condenado definitivo e para o preso provisório, desde
que já esteja preso cautelarmente.

10.1. Das penas privativas de liberdade

10.1.1. Dos regimes

Os regimes poderão ser: fechado, semiaberto e aberto. O regime fechado


é indicado para os condenados a penas superiores a 8 anos; o condenado
não reincidente, cuja pena seja superior a 4 anos e não exceda a 8, po-
derá, desde o princípio, cumpri-la em regime semiaberto; e o condenado
não reincidente, cuja pena seja igual ou inferior a 4 anos, poderá, desde o
início, cumpri-la em regime aberto.

O regime no qual o preso iniciará a execução da sanção penal é definido


pelo juízo da condenação, não podendo este delegar ao juízo da execução
a fixação inicial do regime de cumprimento da pena.

Legislação Penal e Processual Penal Especial 81


A menção expressa do regime inicial de cumprimento da pena na senten-
ça condenatória trata-se de direito subjetivo do réu, razão pela qual sua
omissão acarretará a nulidade parcial da sentença, bem como violação à
garantia da individualização da pena.

Quanto à definição de qual regime prisional será imposto ao réu, o Código


Penal, em seu artigo 33, estabelece alguns critérios a serem utilizados
pelo juiz. Contudo, a opção pelo regime prisional diferente dos critérios
estipulado no Codex Penal é mera faculdade do magistrado sentenciante,
uma vez que ele pode fixar um regime mais severo daquele ali estipulado,
desde que o faça de maneira fundamentada (Súmula 719, STF).

Ademais, não serve como fundamentação apta a justificar um regime pri-


sional mais severo, a “opinião do julgador sobre a gravidade em abstra-
to do crime não constitui motivação idônea para a imposição de regime
mais severo do que o permitido segundo a pena aplicada” (Súmula 718).

Deve-se pontuar ainda que, segundo o entendimento do Superior Tribunal


de Justiça, caso o magistrado sentenciante fixe a pena base no mínimo le-
gal, é incabível o estabelecimento prisional mais gravoso do que o cabível
em razão da sanção imposta, desde que seja baseado apenas na gravida-
de abstrata do delito (Súmula 440).

De igual modo, a reincidência por si só não constitui motivo suficiente


para a imposição de um regime mais severo do que aquele autorizado
pela pena aplicada. Neste sentido é a Súmula 269 do STJ, segundo a qual
“é admissível a adoção do regime prisional semiaberto aos reincidentes
condenados a pena igual ou inferior a quatro anos se favoráveis as cir-
cunstâncias judiciais”.

No tocante aos crimes hediondos e equiparados, o Supremo Tribunal


Federal no julgamento do HC 111.840/ES reconheceu a inconstitucionali-
dade da imposição do regime inicialmente fechado para os crimes defini-
dos como hediondos:

82 Legislação Penal e Processual Penal Especial


EMENTA Habeas corpus. Penal. Tráfico de entorpecentes. Crime praticado
durante a vigência da Lei nº 11.464/07. Pena inferior a 8 anos de reclusão.
Obrigatoriedade de imposição do regime inicial fechado. Declaração inci-
dental de inconstitucionalidade do § 1º do art. 2º da Lei nº 8.072/90. Ofensa
à garantia constitucional da individualização da pena (inciso XLVI do art.
5º da CF/88). Fundamentação necessária (CP, art. 33, § 3º, c/c o art. 59).
Possibilidade de fixação, no caso em exame, do regime semiaberto para o
início de cumprimento da pena privativa de liberdade. Ordem concedida.
[...] 5. Ordem concedida tão somente para remover o óbice constante do §
1º do art. 2º da Lei nº 8.072/90, com a redação dada pela Lei nº 11.464/07,
o qual determina que “[a] pena por crime previsto neste artigo será cum-
prida inicialmente em regime fechado“. Declaração incidental de inconstitu-
cionalidade, com efeito ex nunc, da obrigatoriedade de fixação do regime
fechado para início do cumprimento de pena decorrente da condenação
por crime hediondo ou equiparado.4

10.1.1.1. Da progressão de regime

• Regime Semiaberto
A Lei das Execuções Penais adota o sistema progressivo, pois tem por ob-
jetivo a ressocialização do agente.
Na exposição dos motivos do Código Penal, no item 35, o legislador afir-
ma que:
A fim de humanizar a pena privativa da liberdade, adota o projeto o siste-
ma progressivo de cumprimento da pena, de nova índole, mediante o qual
poderá dar-se a substituição do regime a que estiver sujeito o condenado,
segundo seu próprio mérito. A partir do regime fechado, fase mais severa
do cumprimento da pena, possibilita o projeto a outorga progressiva de
parcelas da liberdade suprimida.

O artigo 112 da Lei n. 7.210/84 traz os requisitos para que o condenado


progrida de um regime para outro. São dois os requisitos para progres-
são: (a) ter cumprido, em regra, ao menos 1/6 da pena (requisito objetivo)
e (b) bom comportamento carcerário (requisito subjetivo).

4
STF: HC 111.840, Rel. Min. DIAS TOFFOLI, Tribunal Pleno, j. 27/06/2012, DJe 16/12/2013.

Legislação Penal e Processual Penal Especial 83


Importante relembrar que a Constituição Federal estabelece em seu ar-
tigo 5º, inciso XLVI, que a sentença respeitará a individualização da pena.
Por esta razão, no julgamento do HC 82.959, o Supremo Tribunal Federal
considerou inconstitucional o dispositivo legal que determinava o regime
integralmente fechado para o cumprimento da pena aos condenados por
crimes hediondos. Por esta razão, com o advento da Lei n° 11.464/07, a
qual alterou o art. 2º da Lei n° 8.072/90, tornou-se possível a progressão
de regime prisional aos condenados por crimes hediondos, fixando o lap-
so temporal para a obtenção do benefício de 2/5 para os apenados primá-
rios e de 3/5 para os condenados reincidentes. 

Assim, quanto ao requisito objetivo, deve-se observar as seguintes


situações:

• 1/6 da pena nos crimes em geral;

• 1/6 nos crimes hediondos e afins cometidos antes de 28/03/2007.


(Data de vigência da Lei 11.464 que agravou este requisito);

• 2/5 nos crimes hediondos e afins cometidos a partir de 28/03/2007,


quando o apenado for primário;

• 3/5 nos crimes hediondos e afins cometidos a partir de 28/03/2007,


quando o apenado for reincidente.

Todavia, quando houver concurso entre crime comum e crime hediondo


na execução, as frações a serem consideradas no cálculo do benefício
deverão ser distintas, a fim de preservar a individualidade de cada conde-
nação, sob pena de sujeitar-se o agente a ilegal constrangimento. Neste
sentido:
RECURSO DE AGRAVO. TRÁFICO ILÍCITO DE ENTORPECENTES, ASSOCIAÇÃO
PARA O TRÁFICO E CORRUPÇÃO DE MENORES. PEDIDO DE PROGRESSÃO
PARA O REGIME SEMIABERTO. POSSIBILIDADE. CUMPRIMENTO DO
REQUISITO OBJETIVO. CONCURSO MATERIAL DE CRIMES. SOMA DAS
PENAS. DEVERÁ SER RESPEITADO O CUMPRIMENTO DE 2/5 OU 3/5
EM RELAÇÃO AO DELITO EQUIPARADO A HEDIONDO - TRÁFICO.

84 Legislação Penal e Processual Penal Especial


UNIFICAÇÃO DO RESTANTE DA SANÇÃO INCIDINDO O CÔMPUTO DE 1/6
- ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO E CORRUPÇÃO DE MENORES. CRIMES
COMUNS. ENTENDIMENTO JURISPRUDENCIAL. RECURSO CONHECIDO E
PROVIDO. 1. O Superior Tribunal de Justiça possui entendimento no senti-
do de que o delito previsto no art. 35 da Lei nº 11.343/06 - associação para
o tráfico de drogas - não é hediondo, nem a ele equiparado, tendo em vista
que não se encontra expressamente previsto no rol taxativo do art. 2º da
Lei n. 8.072/90.2. Desse modo, não se tratando de crime hediondo, não
se exige, para fins de concessão do benefício da progressão de regime, o
cumprimento de 2/5 (dois quintos) da pena, se o apenado for primário, e
de 3/5 (três quintos), se reincidente para a progressão de regime prisional,
sujeitando-se ele, apenas, ao lapso de 1/6 (um sexto) para preenchimento
do requisito objetivo.5

Quanto aos condenados por crimes contra a administração pública, há


ainda a condição de reparação integral do dano ou a devolução do produ-
to do ilícito praticado, com os acréscimos legais, para que seja concedida
a progressão do regime.

No tocante ao requisito subjetivo, desde a edição da Lei nº 10.792/03 não


existe mais a obrigatoriedade da realização de exame criminológico para
fins de obtenção da progressão de regime ou do livramento condicional.
Basta, para a progressão de regime, que seja atestado comportamento
satisfatório durante a execução da pena. Apesar disso, nada impede que,
no caso concreto, entenda o magistrado pela necessidade de sua realiza-
ção (Súmula Vinculante 26).

Contudo, deverá a decisão que determina a realização de referido exame


ser fundamentada nas particularidades do caso concreto, não sendo sufi-
ciente a simples afirmação da gravidade em abstrato do delito, na forma
da Súmula 439 do STJ: “Admite-se o exame criminológico pelas peculiarida-
des do caso, desde que em decisão motivada”.

5
TJPR - 5ª C. Criminal - RA 995219-4 - Tibagi - Rel.: Maria José de Toledo Marcondes Teixeira - Unânime - j. 27.03.2013.

Legislação Penal e Processual Penal Especial 85


Além disso, é oportuno lembrar que não se admite a progressão per sal-
tum, ou seja, não é possível que o agente progrida diretamente do regime
fechado para o aberto.
Por fim, a falta de vaga em estabelecimento penal adequado não autoriza a
manutenção do condenado em regime prisional mais gravoso, devendo-se
observar, nessa hipótese, os parâmetros fixados no RE 641.320/RS (Súmula
Vinculante 56). Segundo o entendimento firmado em referido recurso:
Havendo déficit de vagas, deverão ser determinados: (i) a saída antecipada
de sentenciado no regime com falta de vagas; (ii) a liberdade eletronica-
mente monitorada ao sentenciado que sai antecipadamente ou é posto em
prisão domiciliar por falta de vagas; (iii) o cumprimento de penas restritivas
de direito e/ou estudo ao sentenciado que progride ao regime aberto. Até
que sejam estruturadas as medidas alternativas propostas, poderá ser de-
ferida a prisão domiciliar ao sentenciado.

• Regime Aberto
Segundo o Código Penal, o regime aberto baseia-se na autodisciplina e
senso de responsabilidade do condenado. Isto porque o condenado deve-
rá, fora do estabelecimento e sem vigilância, trabalhar, frequentar curso
ou exercer outra atividade autorizada, permanecendo recolhido durante
o período noturno e nos dias de folga. 
Além do lapso temporal previsto na Lei de Execução Penal ou a depender
do caso da Lei dos Crimes Hediondos, o condenado deverá estar traba-
lhando ou demonstrar a possibilidade de emprego. Contudo, as pessoas
maiores de 70 anos, portadoras de doenças graves ou condenada com
filho menor ou deficiente físico mental e gestantes são dispensadas das
referidas condições.
O condenado será transferido do regime aberto se praticar fato definido
como crime doloso, se frustrar os fins da execução ou se, podendo, não
pagar a multa cumulativamente aplicada.
São condições obrigatórias do regime aberto as previstas no art. 115 da
LEP, quais sejam:

86 Legislação Penal e Processual Penal Especial


I. permanecer no local que for designado, durante o repouso e nos dias de
folga;
II. sair para o trabalho e retornar, nos horários fixados;
III. não se ausentar da cidade onde reside, sem autorização judicial;
IV. comparecer a Juízo, para informar e justificar as suas atividades,
quando for determinado.

10.1.1.2. Da regressão de regime

A regressão de regime consiste na transferência do condenado de um re-


gime de cumprimento de pena para um mais gravoso.

Pode decorrer da prática de falta grave, caso em que a data para aquisi-
ção de novos benefícios da execução penal será do cometimento da fal-
ta grave ou, se a falta grave consistir em fuga, da data da recaptura do
condenado.

Ocorrerá a regressão também se o preso praticar fato definido como cri-


me doloso, não sendo necessário o trânsito em julgado da sentença penal
condenatória, bastando a mera prática.

No caso de superveniência de condenação por crime anterior, a execu-


ção da pena privativa de liberdade sujeitará a regressão de regime se a
quantidade da pena decorrente da unificação inviabilizar a manutenção
do preso no regime atual.

Haverá também regressão de regime se o condenado frustrar os fins da


execução ou se não for feito o pagamento da pena de multa cumulativa-
mente imposta, salvo se o condenado não pagar injustificadamente.

Por fim, para que haja a regressão de regime, deve ser instaurado proces-
so administrativo, observando-se o contraditório e a ampla defesa.

10.1.2. Das autorizações de saída

As autorizações de saída são divididas em duas modalidades: permissão


de saída e saída temporária.

Legislação Penal e Processual Penal Especial 87


A permissão de saída será concedida pelo diretor do estabelecimento pri-
sional para os presos definitivos e provisórios, mediante escolta, quando
houver falecimento ou doença grave do cônjuge, companheira, ascenden-
te, descendente ou irmão, e quando houver necessidade de tratamento
médico.

A permissão de saída não tem prazo estipulado e poderá durar o tempo


necessário à finalidade da saída.

Já a saída temporária, somente concedida por meio de decisão judicial, é


destinada aos presos que cumprem o regime semiaberto, os quais pode-
rão sair do estabelecimento prisional pelo prazo máximo de 7 dias, não
podendo ultrapassar 35 dias no ano.

Para que seja concedida a saída temporária é necessário que o preso aten-
da os seguintes requisitos: apresentar bom comportamento carcerário,
bem como ter cumprido 1/6 da pena, se primário, ou 1/4, se reincidente.
Ademais, segundo a Súmula 40 do STJ, para obtenção do benefício da saí-
da temporária e trabalho externo, considera-se o tempo de cumprimento
da pena no regime fechado

Se o preso praticar fato definido como crime durante a saída temporária,


terá o benefício automaticamente revogado, sem contar a possibilidade
de regredir de regime. Porém, o direito à saída temporária poderá ser
restabelecido se o preso for absolvido da prática da infração penal, se de-
monstrar merecimento ou o cancelamento da infração disciplinar.

10.1.3. Da remição

A remição é um benefício concedido ao preso que cumpre sua reprimen-


da penal em regime fechado, semiaberto e aberto, que tem o condão de
reduzir o tempo de pena a ser cumprido.

O tempo de pena pode ser remido de duas maneiras: pelo trabalho e pelo
estudo.

88 Legislação Penal e Processual Penal Especial


A remissão pelo trabalho será devida ao preso em regime fechado ou se-
miaberto na fração de 3 dias trabalhados para cada 1 dia de pena.

Porém, a remissão pelo trabalho não é admitida para os condenados


que cumprem pena em regime aberto. Contudo, com o advento da Lei
12.433/11, passou-se a admitir que o apenado no regime aberto ou se-
miaberto, bem como que aquele que está em livramento condicional,
possa remir sua pena pelo estudo, razão de 1 dia de pena para cada 12
horas de estudo/atividade escolar.

A comprovação do trabalho será feita por meio de atestado emitido pelo


diretor do estabelecimento. A de estudo por meio de certificado emitido
pelas autoridades educacionais competentes.

PARA SABER MAIS


Presa que já tinha ensino médio consegue remição de
pena por aprovação no Enem
A Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) acolheu
pedido de remição de pena feito por uma detenta do Paraná,
tendo como fundamento sua aprovação no Exame Nacional
do Ensino Médio (Enem).
A Defensoria Pública impetrou habeas corpus para que fos-
sem declarados remidos 133 dias da pena imposta, por apli-
cação da Recomendação 44/2013 do Conselho Nacional de
Justiça (CNJ), a qual estabelece que a conclusão do ensino
médio por aprovação no Enem, ainda que não comprovadas
horas de estudo, equivale a 1.200 horas (o que corresponde
a 50% do tempo de estudo em instituição de ensino regular).
Curso superior
A apenada, segundo a defesa, teria então direito a cem dias
de remição, mais 33 dias pela conclusão do ensino médio,
totalizando 133 dias.

Legislação Penal e Processual Penal Especial 89


O Tribunal de Justiça do Paraná (TJPR) indeferiu o pedido sob
o fundamento de que a detenta já havia concluído o ensino
médio regular antes de dar início à execução da pena e que,
inclusive, frequenta curso de nível superior.
Segundo o acórdão, “a hipótese dos autos não se amolda aos
pressupostos necessários à concessão da remição pela con-
clusão do Enem, pois a apenada não realizara o estudo das
matérias relativas ao ensino médio por conta própria ou du-
rante o cumprimento de sua pena”.
Reinserção social
No STJ, entretanto, o relator, ministro Reynaldo Soares da
Fonseca, entendeu que a aprovação no Enem configura
aproveitamento dos estudos realizados durante a execução
da pena. Segundo ele, a intenção da recomendação do CNJ “é
justamente incentivar o reeducando ao bom comportamen-
to e ainda proporcionar o preparo à reinserção social”.
Para o relator, a dedicação do preso aos estudos, ainda que
por conta própria, contribui de forma positiva para sua rein-
serção social. Ele citou precedentes do STJ, nos quais a cor-
te admitiu a interpretação extensiva do artigo 126 da Lei de
Execução Penal (LEP) como forma de estimular a reintegra-
ção social.
O ministro destacou também o parecer favorável do Ministério
Público pela concessão da ordem de habeas corpus. Para o
MP, mesmo a apenada “tendo concluído o ensino médio re-
gular anteriormente ao início do cumprimento da pena, se
dedicou e conseguiu sua aprovação no Enem, pelo seu pró-
prio esforço, quando já estava em cumprimento da pena”.
Disponível em: <http://www.stj.jus.br/sites/STJ/default/pt_BR/
Comunica%C3%A7%C3%A3o/noticias/Not%C3%ADcias/
Quinta-Turma-concede-remi%C3%A7%C3%A3o-de-pena-por-
aprova%C3%A7%C3%A3o-no-Enem>. Acesso em: 22 set. 2018.

90 Legislação Penal e Processual Penal Especial


Assim como nos demais benefícios da execução, o cometimento de falta
grave poderá acarretar à perda de até 1/3 dos dias remidos, nos termos
do artigo 127 da LEP. Por outro lado, os dias remidos serão computados
como pena cumprida para todos os efeitos.

10.1.4. Do livramento condicional

Segundo Renato Marcão, o livramento condicional é “a liberdade provisó-


ria concedida, sob certas condições, ao condenado que não revele peri-
culosidade, depois de cumprida uma parte da pena que lhe foi imposta”6.

Para que o livramento condicional seja concedido, é necessário que o pre-


so esteja condenado à pena privativa de liberdade igual ou superior a 2
anos, bem como satisfaça os requisitos subjetivos e objetivos, quais se-
jam, cumprimento de mais de um terço da pena se não for reincidente em
crime doloso e tiver bons antecedentes; caso seja reincidente em crime
doloso, o cumprimento de mais da metade da pena imposta.

São requisitos subjetivos a comprovação do comportamento satisfatório


durante a execução da pena, bom desempenho no trabalho que lhe foi
atribuído e aptidão para prover à própria subsistência mediante trabalho
honesto; a reparação do dano, salvo efetiva impossibilidade de fazê-lo.

Para os condenados pela prática do crime hediondo e equiparados, é ne-


cessário o cumprimento de mais de dois terços da pena, caso o apenado
não seja reincidente específico em crimes dessa natureza.

Além dos requisitos, como o próprio nome do benefício já diz, serão im-
postas condições para a concessão do livramento. São condições obri-
gatórias a obtenção de ocupação lícita, dentro de prazo razoável se for
apto para o trabalho; comunicar periodicamente ao juiz sua ocupação;
não mudar do território da comarca do juízo da execução, sem prévia au-
torização deste.

6
Marcão, Renato. Curso de execução penal. 11. ed. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 229.

Legislação Penal e Processual Penal Especial 91


O juiz poderá também impor condições facultativas ao liberado, quais
sejam:
a) não mudar de residência sem comunicação ao juiz e à autoridade incum-
bida da observação cautelar e de proteção;
b) recolher-se à habitação em hora fixada;
c) não freqüentar determinados lugares.

O livramento será obrigatoriamente revogado caso o liberado seja conde-


nado à pena privativa de liberdade transitada em julgado, por crime co-
metido durante a vigência do livramento. Porém, o juiz poderá revogar o
livramento se for condenado pela prática de crime ou contravenção, cuja
pena não seja privativa de liberdade; ou se deixar de cumprir quaisquer
obrigações constantes da sentença liberatória.

O livramento só poderá ser revogado após a realização de audiência de


justificação, ocasião na qual o liberado poderá apresentar as justificativas
do descumprimento das condições impostas, assegurados o contraditó-
rio e ampla defesa.

Por fim, se durante o livramento condicional este não for revogado, con-
siderar-se-á extinta a pena.

10.1.5. Da monitoração eletrônica

A monitoração eletrônica é uma inovação trazida por meio da Lei


12.258/2010, a qual faculta ao magistrado exercer uma fiscalização direta
do apenado no regime semiaberto, na concessão da saída temporária ou
prisão domiciliar.

A competência para monitoramento, execução e controle desta medida é


dos órgãos de gestão penitenciária, aos quais incumbe o dever de verifi-
car se estão sendo cumpridas as condições impostas na decisão judicial.

Em atenção ao princípio da dignidade humana, o monitoramento eletrô-


nico deve ser utilizado respeitando a integridade física, moral e social da
pessoa monitorada.

92 Legislação Penal e Processual Penal Especial


Por outro lado, é dever do monitorado o cuidado que deverão ser adota-
dos com o equipamento, por meio da recepção de documento que conste
seus direitos e deveres a que está sujeito, bem como o período de vigilân-
cia e o procedimento a ser observado em razão da monitoração.

10.2. Das penas restritivas de direitos

As penas restritivas de direitos são autônomas e substituem as penas pri-


vativas de liberdade desde que o condenado satisfaça alguns requisitos
(art. 44, CP):
I. aplicada pena privativa de liberdade não superior a quatro anos e o crime
não for cometido com violência ou grave ameaça à pessoa ou, qualquer que
seja a pena aplicada, se o crime for culposo; (Redação dada pela Lei nº 9.714,
de 1998)
II. o réu não for reincidente em crime doloso; (Redação dada pela Lei nº 9.714,
de 1998)
III. a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e a personalidade do con-
denado, bem como os motivos e as circunstâncias indicarem que essa subs-
tituição seja suficiente.

A execução das penas restritivas de direitos compete ao juízo da execu-


ção e deverá ser iniciada após o trânsito em julgado da sentença conde-
natória. Assim, no caso deste tipo de sanção, não é possível a execução
provisória da pena.

De igual modo, compete ao juízo da execução a forma e em que local tais


penas serão cumpridas, bem como alterá-las para que se adequem às
condições pessoais do apenado e/ou características do estabelecimento.

10.3. Da pena de multa

Embora possua caráter de sanção penal, a pena de multa hodiernamente


é considerada dívida de valor, já que seu inadimplemento não pode mais
ser convertido em prisão simples.

Legislação Penal e Processual Penal Especial 93


Somente poderá ser executada após o trânsito em julgado da sentença
condenatória, ocasião na qual iniciará o prazo de 10 dias para pagamento
da multa. Encerrado este prazo sem que o réu tenha feito o pagamento, a
cobrança será feita via execução fiscal.

A cobrança da pena de multa só será suspensa se sobrevier doença men-


tal ao apenado.

Ademais, o condenado poderá requerer ao juiz da execução o parcela-


mento da multa, bem como o desconto em folha de pagamento, que não
poderá exceder o limite indispensável a sustento próprio e familiar.

10.4. Da execução da medida de segurança

A medida de segurança será iniciada após a expedição da guia de interna-


mento ou de tratamento ambulatorial. “Para que não se perca o controle
sobre quem está internado, por quanto tempo e sob ordem de que auto-
ridade, é fundamental a emissão de guia de internamento pela autorida-
de judiciária competente”.7 

A medida de segurança, por não ser pena, tem finalidade assistencial e


preventiva, que visa a recuperação do sentenciado, já que “destina-se a
debelar o desvio psiquiátrico acometido ao inimputável, que era, ao tem-
po da conduta, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato
ou de determinar-se de acordo com este entendimento” (UZEDA, p. 232).

De acordo com o Código Penal, são duas as espécies de medida de seguran-


ça: internação em hospital de custódia e tratamento ambulatorial. Em am-
bas, segundo entendimento sumulado do STJ, o prazo de duração não deve
ultrapassar o máximo da pena abstratamente cominada ao delito praticado.

Ao término do prazo mínimo fixado deverá ser feito o exame das condições
pessoais (cessação da periculosidade), mediante requerimento do interes-
sado ou do Ministério Público, nos termos dos artigos 175 e 176 da LEP.

7
NUCCI, Guilherme de Souza. Leis penais e processuais especiais. P. 840.

94 Legislação Penal e Processual Penal Especial


O condenado poderá ser desinternado condicionalmente e caso pratique
fato definido que indique a continuidade de sua periculosidade antes do
decurso de 1 ano, será novamente internado.
Por fim, se verificada a necessidade, em qualquer fase do tratamento am-
bulatorial poderá ser determinada a internação do condenado, desde que
a medida seja destinada para fins curativos.

11. Da anistia e do indulto

Segundo Marcelo Uzeda, “a anistia (clemência soberana ou indulgência


principis) significa o ‘esquecimento’ jurídico de crimes pelo Estado, que,
por lei, declara inexistente o fato anteriormente praticado que era objeto
de lei penal incriminadora. Trata-se de causa de extinção da punibilida-
de e tem por objeto fatos (crimes) e não pessoas. A anistia é concedida
por meio de Lei do Congresso Nacional, sujeita a sanção presidencial –
art. 21, XVII e 48, XVIII, CR/88, e tem efeitos retroativos (ex tunc), sendo
irrevogáveis”8.
A graça, ou também denominado indulto individual - prevista no art. 188
da LEP -, é destinada a uma pessoa determinada, com condenação transi-
tada em julgado, a partir de requerimento do interessado.
Já o indulto, propriamente dito, pode ser concedido de ofício e para inde-
terminado número de pessoas, sendo delimitado pela natureza do crime
e quantidade de pena aplicada.

12. Considerações finais

• Conceito e finalidades

• Natureza jurídica da execução

• Competência

8
Execução penal, p. 252.

Legislação Penal e Processual Penal Especial 95


• Da classificação

• Do trabalho

• Dos deveres do condenado

• Dos direitos do condenado

• Das faltas disciplinares

• Do juízo da execução

• Da execução das penas em espécie

• Da anistia e do indulto

Glossário

• Anistia: causa de extinção de punibilidade concedida por meio de


lei exarada pelo Congresso Nacional e sancionada pelo Presidente
da República.

• Regime Disciplinar Diferenciado: sanção imposta por meio de


decisão judicial para os presos, definitivos ou provisórios, que pra-
tica fato previsto como crime doloso e quando ocasiona subversão
da ordem ou disciplina do estabelecimento prisional.

VERIFICAÇÃO DE LEITURA
TEMA 03
1. (MPPR – 2016) Assinale a alternativa incorreta:
a) O preso que presta oito horas de trabalho durante o
dia, e estuda no período noturno por quatro horas,
terá remidos dois dias de sua pena a cada três dias do
exercício conjunto das referidas atividades.

96 Legislação Penal e Processual Penal Especial


b) Em caso de falta grave devidamente reconhecida, o
condenado perderá a totalidade dos dias remidos, re-
começando a contagem do novo período de trabalho
ou estudo, para fins de remição a partir da data da in-
fração disciplinar.
c) A remição da pena pelo estudo ocorre na proporção de
1 (um) dia de pena a cada 12 (doze) horas de frequência
escolar, divididas em no mínimo 3 (três) dias.
d) O estudo por doze horas em apenas um dia não permi-
te a remição de um dia da pena.
e) O estudo por duas horas diárias durante seis dias auto-
riza o abatimento de um dia da pena.
2. (CESPE – 2016) De acordo com a Lei n. 7.210/1984 — LEP
—, a prestação de trabalho:
a) decorrente de pena restritiva de direito deve ser
remunerada.
b) em ambiente externo tem de ser autorizada pelo juiz
da execução penal e depende de critérios como apti-
dão, disciplina e responsabilidade.
c) a entidade privada depende do consentimento expres-
so do preso, que terá sua autorização de trabalho revo-
gada se for punido por falta grave.
d) é obrigatória tanto para o preso provisório quanto para
o definitivo.
e) externo é proibida ao preso provisório e ao condenado
que cumpre pena em regime fechado.
3. (CESPE – 2016) José subverteu a disciplina interna do esta-
belecimento prisional por ter praticado ato previsto como
crime. Nessa situação hipotética, de acordo com o que
prevê a LEP relativamente ao RDD,

Legislação Penal e Processual Penal Especial 97


a) o RDD poderá ser aplicado a José pelo diretor do es-
tabelecimento prisional, que, na decisão, deverá con-
siderar o comportamento de José e os motivos de sua
prisão.
b) a submissão de José ao RDD ocorrerá se o crime prati-
cado por ele for tipificado na modalidade dolosa ou cul-
posa, que cause dano ao patrimônio ou à integridade
física de outrem.
c) para que José seja submetido ao RDD, o crime por ele
cometido deve ser doloso e ter sido praticado com vio-
lência ou grave ameaça à pessoa, hipótese que configu-
ra falta grave.
d) não será admitida a aplicação do RDD a José se ele for
um preso provisório, uma vez que a LEP prevê ser re-
quisito para esse regime o trânsito em julgado da sen-
tença penal condenatória.
e) se for submetido ao RDD, José ficará recolhido em cela
individual, terá direito a visitas semanais e poderá sair
da cela diariamente para banho de sol.
4. (FCC - 2016). Sobre a remição, é correto afirmar:
a) Para o cômputo da remição, os dias remidos devem ser
considerados como pena cumprida pelo sentenciado.
b) A remição por estudo é concedida na mesma propor-
ção da remição pelo trabalho, ou seja, a cada dezoito
horas de estudo, deve ser remido um dia de pena.
c) É vedada a cumulação de remição por trabalho e por
estudo, dada a incompatibilidade resultante da quanti-
dade de horas diárias necessárias para remir por cada
atividade.
d) A remição por estudo é cabível nos três regimes de
cumprimento de pena, sendo vedada apenas no livra-
mento condicional.

98 Legislação Penal e Processual Penal Especial


e) Em caso de falta grave, o juiz deverá revogar um terço
do tempo remido, sendo vedada nova concessão de re-
mição durante o período de cumprimento da sanção.
5. (FCC – 2016) Sobre as autorizações de saída,
a) somente poderão ser concedidas com prazo mínimo de
quarenta e cinco dias de intervalo entre uma e outra.
b) são cabíveis apenas no regime semiaberto.
c) a saída temporária será concedida pelo diretor do esta-
belecimento prisional.
d) o lapso temporal para deferimento da saída temporá-
ria ao reincidente é de um quarto.
e) o Decreto Natalino de saída temporária é de compe-
tência exclusiva do Presidente da República.

Referências Bibliográficas

AVENA, Norberto Cláudio Pâncaro. Processo Penal Esquematizado. 5. ed. Rio de


Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2014.
DELMANTO, Roberto e outros. Leis Penais Especiais Comentadas. 2. ed. São Paulo:
Saraiva, 2014.
FARIA, Marcelo Uzeda de. Execução Penal. 4. ed. rev., ampl. e atual. Salvador: Editora
Juspodivum, 2015.
FERNANDES, Antônio Scarance. Processo Penal Constitucional. 7. ed. São Paulo:
Editora Revista dos Tribunais, 2012.
GONÇALVES, Victor Eduardo Rios. Legislação Penal Especial Esquematizada. 3. ed.
São Paulo: Saraiva, 2017.
GRINOVER, Ada Pellegrini; FERNANDES, Antônio Scarance; GOMES FILHO, Antônio
Magalhães. As Nulidades no Processo Penal. 10. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2007.
HABIB, Gabriel. Leis Penais Especiais. Salvador: Editora JusPodivm, 2017.

Legislação Penal e Processual Penal Especial 99


LIMA, Renato Brasileiro de. Curso de Processo Penal. 4. ed. Rio de Janeiro: JusPodivm,
2016.

. Legislação Criminal Especial Comentada. Salvador: Editora JusPodivm, 2015.

LOPES JUNIOR, Aury. Direito Processual Penal. 10. ed. São Paulo: Saraiva, 2013.

MARQUES, José Frederico. Elementos de Direito Processual Penal. 3. ed. São Paulo:
Millenium, 2009.

MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo Penal. 18. ed. São Paulo: Atlas, 2008.

NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Processo Penal e Execução Penal. 6. ed.


São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012.

. Leis Penais e Processuais Penais Comentadas. 4. ed. rev., atual. e ampl. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2014.

OLIVEIRA, Eugênio Pacelli. Curso de Processo Penal. 19. ed. São Paulo: Atlas, 2015.

TÁVORA, Nestor; ALENCAR, Rosmar Rodrigues. Curso de Direito Processual Penal.


8. ed. Salvador: JusPodivm, 2016.

Gabarito – Tema 03

Questão 1 – Resposta: B
Art. 127 da LEP.

Questão 2 – Resposta: C
Art. 36, § da LEP.

Questão 3 – Resposta: E
Art. 52, da LEP.

Questão 4 – Resposta: A
Art. 128 da LEP.

Questão 5 – Resposta: D
Art. 123, LEP.

100 Legislação Penal e Processual Penal Especial


TEMA 04
TUTELA AO SIGILO E INTERCEPTAÇÃO
TELEFÔNICA

Objetivos

• Apresentar ao aluno alguns aspectos sobre o tema


tutela ao sigilo e interceptação telefônica, por meio do
estudo dos principais pontos que permeiam a maté-
ria, traçando, em linhas gerais, os aspectos relevantes
do referido tema.

Legislação Penal e Processual Penal Especial 101


1. Introdução e considerações iniciais

Previsto no artigo 5º da Constituição Federal como um dos direitos e ga-


rantias individuais do indivíduo, inserido no inciso XII, encontramos a ga-
rantia da inviolabilidade do sigilo das comunicações dos indivíduos, res-
salvada a hipótese da interceptação telefônica. É a redação do inciso:
É inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas,
de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem
judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investi-
gação criminal ou instrução processual penal.

A Constituição Federal garante, em seu artigo 5º, XII, como um dos mais
importantes instrumentos de preservação do Estado Democrático de
Direito, a inviolabilidade do sigilo das comunicações. A interceptação
constitui exceção a esse direito fundamental.

Assim, o ordenamento constitucional indica, de modo taxativo, as hipó-


teses – sempre excepcionais – em que a garantia da inviolabilidade das
comunicações telefônicas pode ser legitimamente afastada.

Contudo, em uma interpretação apressada do dispositivo, pode levar a


conclusão que só cabe a violação ao direito ao sigilo no caso das comuni-
cações telefônicas, criando para os demais casos contemplados no inci-
so um direito absoluto de inviolabilidade. Entretanto, não é este entendi-
mento que prevalece. Gilmar Mendes (2017, p. 245) explica:
A leitura do preceito pode levar à conclusão de que apenas nos casos de co-
municações telefônicas seria possível que o Poder Público quebrasse o sigi-
lo e que seria impossível abrir ao seu conhecimento os dados constantes de
correspondência postal, telegráfica ou de comunicações telemáticas. Sabe-
se, porém, que a restrição de direitos fundamentais pode ocorrer mesmo
sem autorização expressa do constituinte, sempre que se fizer necessária
a concretização do princípio da concordância prática entre ditames consti-
tucionais. Não havendo direitos absolutos, também o sigilo de correspon-
dência e o de comunicações telegráficas são passíveis de ser restringidos

102 Legislação Penal e Processual Penal Especial


em casos recomendados pelo princípio da proporcionalidade. Para o STF,
ademais, o sigilo garantido pelo art. 5º, XII, da CF refere-se apenas à comu-
nicação de dados, e não aos dados em si mesmos. A apreensão de um com-
putador, para dele se extraírem informações gravadas no hard disk, por
exemplo, não constitui hipótese abrangida pelo âmbito normativo daquela
garantia constitucional.1

Neste inciso compreende-se o que denomina-se de reserva legal quali-


ficada, pois, além de autorizar a restrição, a Constituição estabelece que
competirá à lei a regulamentação desta restrição. Tal regulamentação
ocorreu com o advento da Lei n. 9.296/96, que passou a prever os casos
em que poderá ser quebrado o sigilo telefônico do cidadão.
Por isso, o Supremo Tribunal Federal passou a considerar ilícita toda e qual-
quer interceptação telefônica realizada antes da data da publicação da Lei
n. 9.296/96. Nesta toada decidiu a suprema corte, entre outros julgados:
HABEAS-CORPUS. CRIME DE TRÁFICO DE ENTORPECENTES. PROVA ILÍCITA:
ESCUTA TELEFÔNICA. 1. É ilícita a prova produzida mediante escuta telefôni-
ca autorizada por magistrado, antes do advento da Lei nº 9.296, de 24.07.96,
que regulamentou o art. 5º, XII, da Constituição Federal; são igualmente
ilícitas, por contaminação, as dela decorrentes: aplicação da doutrina nor-
te-americana dos “frutos da árvore venenosa”. 2. Inexistência de prova au-
tônoma. 3. Precedente do Plenário: HC nº 72.588-1-PB. 4. Habeas-corpus
conhecido e deferido por empate na votação (RI-STF, art.150, § 3º), para
anular o processo ab initio, inclusive a denúncia, e determinar a expedição
de alvará de soltura em favor do paciente.2

2. Conceito

O artigo 1º da Lei n. 9.296/96 assevera que “a interceptação de comu-


nicações telefônicas, de qualquer natureza, para prova em investigação
criminal e em instrução processual penal, observará o disposto nesta Lei

1
MENDES, Gilmar Ferreira. Curso de direito constitucional. 12. ed. São Paulo: Saraiva, 2017, p. 254.
2
STF: HC 74116, 2ª T., Rel.  Min. NÉRI DA SILVEIRA, Rel. p/ Acórdão:  Min. MAURÍCIO CORRÊA, j. 05/11/1996, DJ 14/03/1997.

Legislação Penal e Processual Penal Especial 103


e dependerá de ordem do juiz competente da ação principal, sob segredo
de justiça”, bem como “o disposto nesta Lei aplica-se à interceptação do
fluxo de comunicações em sistemas de informática e telemática”.

Por interceptação telefônica entende-se o ato de interromper a comuni-


cação estabelecida entre dois interlocutores sem que eles saibam que a
conversa mantida está sendo interceptada. Assim, um terceiro grava a
conversa estabelecida entre outras pessoas, sem os seus conhecimentos.

Como adverte Renato Brasileiro de Lima:


[...] não se deve confundir interceptação com escuta telefônica, nem tam-
pouco com gravação telefônica. A interceptação ocorre sem o conhecimento
dos interlocutores, ou seja, nenhum deles tem consciência de que o conteú-
do da comunicação está sendo captado por um terceiro; na escuta telefôni-
ca, um dos interlocutores tem conhecimento da ingerência de um terceiro
na comunicação; a gravação telefônica é a captação feita diretamente por
um dos comunicadores, sem a interveniência de um terceiro.3

A interceptação telefônica, por sua vez, funciona como meio de obtenção


de prova, que poderá ser realizado tanto durante a investigação criminal,
bem como durante a instrução processual penal.

3. Requisitos

Como reiteradamente asseveram juristas e tribunais, a interceptação


de comunicações telefônicas e telemáticas, bem como o acesso a dados
correlatos protegidos por sigilo, por solaparem direitos individuais fun-
damentais (intimidade, vida privada, imagem, inviolabilidade do sigilo da
correspondência e das comunicações telefônicas e de dados) carregam,
genética e indelevelmente, a nota da excepcionalidade.

3
Ob. Cit. p. 987.

104 Legislação Penal e Processual Penal Especial


Não por outro motivo, o Estado, por força do mandamento inscrito no art.
5º, XII, da Constituição Federal, e exatamente para, regulamentando-o,
evitar a utilização indiscriminada, a degeneração de tão invasivo instru-
mento investigatório, estabeleceu, por meio da Lei 9.296/96, os pressu-
postos, requisitos e, entre outras, as condições de modo e tempo para
sua regular e legítima execução.

Imperativa, pois, a estrita observância dos preceitos contidos no supra-


citado diploma legal, sob pena de a prova dela resultante padecer de ili-
citude e consequente inadmissibilidade no processo, como solenemente
prescreve o art. 5º, LVI, da Lei Fundamental.

A Lei n. 9.296/96, ao fixar os requisitos que autorizam a interceptação


telefônica, a fez de forma a estabelecer em que circunstâncias não será
ela admitida. Assim, não será admitida a interceptação de comunicações
telefônicas quando ocorrer qualquer das seguintes hipóteses:
a) Não houver indícios razoáveis da autoria ou participação em in-
fração penal.

A admissibilidade da interceptação telefônica está condicionada à presen-


ça do fumus comissi delicti e do periculum in mora. Ou seja, exige-se indí-
cios suficientes de autoria ou materialidade delitiva, consubstanciada na
existência de algum elemento de prova semiplena que indique autoria ou
materialidade delitiva. Não se exige prova da autoria, mas algum elemen-
to que indique para um suposto autor.

Isto porque “não se decreta a interceptação telefônica em base de mera


probabilidade ou plausibilidade da existência de direito ao asseguramen-
to. Exigem-se indícios razoáveis de autoria, ou de concurso de pessoas,
em fato, que se desenha ilícito ou típico: ocorrência concreta, jamais co-
gitação. Imprescindibilidade evidente, ou evidenciada, da interpretação,
para obter prova”4.

4
PITOMBO, Sérgio Marcos de Moraes. Sigilo nas comunicações: aspecto processual penal. Boletim IBCCRIM. São Paulo, n.
49, p. 07-08, dez. 1996.

Legislação Penal e Processual Penal Especial 105


Neste ponto cumpre ressaltar que os escritos anônimos não podem justi-
ficar, só por si, desde que isoladamente considerados, a autorizar a inter-
ceptação telefônica. Nesta linha é a posição adotada pelo STJ:
HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO ORDINÁRIO. FALTA DE
CABIMENTO.
OPERAÇÃO SUÍÇA. DENÚNCIA ANÔNIMA. ILICITUDE DA PROVA.
INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA. CONSTRANGIMENTO ILEGAL MANIFESTO.
INCOMPETÊNCIA DO JUÍZO. NULIDADE NÃO EVIDENCIADA.
[...]
3. O Superior Tribunal de Justiça tem admitido a utilização de notícia anô-
nima como elemento desencadeador de procedimentos preliminares de
averiguação, repelindo-a, todavia, como fundamento propulsor à imediata
instauração de inquérito policial ou à autorização de medida de intercepta-
ção telefônica (HC n.204.778/SP, Ministro Og Fernandes, Sexta Turma, DJe
29/11/2012).
4. O Supremo Tribunal Federal assentou ser possível a deflagração da per-
secução penal pela chamada denúncia anônima, desde que esta seja segui-
da de diligências realizadas para averiguar os fatos nela noticiados antes da
instauração do inquérito policial. Precedente (HC n. 108.147/PR, Ministra
Cármen Lúcia, Segunda Turma, DJe 1º/2/2013).
5. A interceptação telefônica é subsidiária e excepcional e só deve ser de-
terminada quando não houver outro meio para se apurar os fatos tidos
por criminosos, nos termos do art. 2º, II, da Lei n. 9.296/1996. Todavia,
no caso, esse aspecto específico não foi objeto de debate e decisão pelo
acórdão atacado.
6. No caso em exame, foi a denúncia anônima o gatilho deflagrador da inves-
tigação. A autoridade policial teve ciência dos fatos por meio de telefonema
e, depois, obteve descrição mais pormenorizada sobre o modo de agir dos
supostamente envolvidos mediante mensagens trocadas por e-mail com
pessoa que se manteve desconhecida.
7. Conquanto a notícia anônima em si mesma não fosse vaga, pois trazia
detalhes das negociações feitas por pessoas ligadas a determinada institui-
ção financeira, narrando, em oito oportunidades, por escrito, fatos e apon-
tando elementos que podiam, a princípio, corroborar as ações tidas como
criminosas, sem um mínimo de base empírica, não era possível a queima de

106 Legislação Penal e Processual Penal Especial


etapas para, de pronto, se determinar a quebra de sigilo das comunicações
telefônicas dos delatados.
8. Não obstante a gravidade dos fatos narrados na denúncia anônima, não
houve o cuidado de se fazer uma prévia averiguação. Nem a Polícia, nem
o Ministério Público, muito menos o magistrado poderiam ter-se deixado
aturdir com as persuasivas mensagens, porquanto provenientes de pessoa
que, categoricamente, não quis se identificar, mesmo após o investigador
haver mencionado que sua identidade seria preservada.
9. Devidamente demonstrado nos autos que houve ilegalidade em dar iní-
cio a interceptações telefônicas com base tão somente em documentos
apócrifos [...]5

b) A prova puder ser feita por outros meios disponíveis.

Trata-se a interceptação telefônica de uma medida subsidiária, ou seja, só


pode ser usada como última ratio, quando a prova não puder ser obtida
por outros meios de investigação à disposição das autoridades. Assim,
“ainda que não existam outras provas, não é a interceptação telefônica a
primeira a ser realizada, pois o seu caráter é subsidiário e não principal”6.

Os processualistas Ada Pellegrini Grinover, Antônio Scarance Fernandes e


Antônio Magalhães Gomes Filho com propriedade advertem:
a lei ainda firma o critério da estrita necessidade (não poder a prova ser
feita por outros meios disponíveis: inc. II do art. 2º). E no art. 4º repisa que
o pedido de interceptação conterá a demonstração de sua necessidade
para a apuração de infração penal. É que tais interceptações representam
não apenas poderoso instrumento, frequentemente insubstituível, no
combate aos crimes mais graves, mas também uma insidiosa ingerência
na intimidade não só do suspeito ou acusado, mas até de terceiros, pelo
que só devem ser utilizadas como ultima ratio. Desse modo, se o juiz au-
torizar a interceptação, será ilícita se presentes outros meios pelos quais
a prova possa ser feita.7

5
STJ: HC 131225/SP, 6ª T., Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, j. 27/08/2013, DJe 16/09/2013.
6
NUCCI, Guilherme de Souza. Leis penais e processuais penais comentadas. 4. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 2009, p. 763.
7
As nulidades no processo penal. 10. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 219.

Legislação Penal e Processual Penal Especial 107


c) O fato investigado constituir infração penal punida, no máximo,
com pena de detenção.

A interceptação telefônica somente será admitida se a infração penal for


punida com pena de reclusão. Sendo o delito punido com a pena de de-
tenção, prisão simples, ou somente multa, não será admitida a intercep-
tação telefônica.

Mesmo o inciso III, do artigo 2º da Lei n. 9.296/96 ter utilizado a expressão


infração penal, a qual abrange as contravenções penais, elas não poderão
ser consideradas para a interceptação telefônica, uma vez que são puni-
das com prisão simples. Assim, a interceptação telefônica não pode ser
deferida para apurar uma contravenção penal.

Ressalta-se que se a infração penal for punida com pena de detenção,


mas estiver conexa com outra punida com reclusão, poderá ser deferida
a interceptação telefônica, desde que preenchido os demais requisitos.
Neste sentido:
HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO ORDINÁRIO CONSTITUCIONAL.
FALTA DE CABIMENTO. INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA. CRIME APENÁVEL
COM DETENÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. ILICITUDE DA PROVA POR DERIVAÇÃO.
CONSTRANGIMENTO ILEGAL EVIDENCIADO.
1. O Superior Tribunal de Justiça não tem admitido a impetração de habeas
corpus originário como substitutivo do recurso previsto no art. 105, II, a, da
Constituição.
2. Inadmissível a interceptação de comunicações telefônicas quando o fato
investigado constituir infração penal punida, no máximo, com pena de de-
tenção. Contudo, é possível se autorizar a quebra do sigilo para apurar cri-
me punível com detenção desde que conexo com outros delitos puníveis
com reclusão. Precedente.
3. No caso, no curso da escuta telefônica deferida para a apuração de de-
lito punível exclusivamente com detenção, não foram descobertos outros
crimes conexos com ele. Passados quase dois anos, é que se aventou a pos-
sibilidade da existência de uma organização criminosa liderada pelo então
investigado.

108 Legislação Penal e Processual Penal Especial


4. As degravações da prova originalmente ilícita não servem de base à deci-
são de nova quebra de sigilo das comunicações telefônicas. Toda prova daí
decorrente está contaminada pela ilegalidade.
5. Writ não conhecido. Ordem de habeas corpus concedida de ofício, para de-
clarar nulas as interceptações telefônicas decretadas em 10/7/2008, inclusi-
ve as prorrogações, bem como para determinar a exclusão de todo material
gravado dos autos do Procedimento Investigatório n. 020/2.08.0001313-7,
cabendo ao Juiz de primeiro grau verificar se as demais provas produzidas
estão ou não contaminadas.8

d) Descrição, com clareza, da situação objeto da investigação, bem


como do sujeito passivo da interceptação.

Previsto no parágrafo único do artigo 2º da Lei n. 9.296/96, a norma exige


que haja a descrição com clareza do objeto da investigação, bem como
a indicação, se possível, da qualificação do sujeito sobre o qual recairá a
interceptação telefônica. Trata-se de medida que objetiva maior controle
sobre a legalidade e a legitimidade da medida.

Neste ponto, ensina Renato Brasileiro de Lima:


Além de exercer importante papel de garantia, no sentido de se coibir inter-
ceptações para apurar fatos indeterminados, essa delimitação da situação
objeto da investigação também é de vital importância no tocante à des-
coberta de elementos probatórios relacionados a outros delitos (encontro
fortuito).
A par da descrição objetiva e pormenorizada do fato investigado, no quanto
for possível, também é necessária a indicação e qualificação dos investiga-
dos, salvo impossibilidade manifesta, devidamente justificada. Cabe ao juiz,
por conseguinte, individualizar o sujeito(s) passivo(s) da medida cautelar.
Logicamente, não contando os órgãos da persecução penal com a identifi-
cação/qualificação dos investigados, nada impede que seja determinada a
interceptação telefônica, hipótese em que cabe ao juiz apontar as razões fá-
ticas que o impossibilitam de fazer menção à qualificação dos investigados.9

8
STJ: HC 186.118/RS, 6ª T., Rel. Min. SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, j. 05/06/2014, DJe 29/10/2014.
9
LIMA, Renato Brasileiro. Manual de Processo Penal. 4. ed. Salvador: Editora JusPodivm, 2016, p. 1016.

Legislação Penal e Processual Penal Especial 109


4. Procedimento e Fundamentação da Decisão

A interceptação telefônica poderá ser determinada de ofício pelo juiz ou


mediante representação da autoridade policial, na investigação criminal,
ou por representação do Ministério Público, seja na investigação criminal,
seja na instrução processual.

Se a interceptação telefônica for requisitada pela autoridade policial,


antes do juiz deferir ou indeferir a medida será concedido prazo para o
Ministério Público se manifestar sobre o cabimento da interceptação. Na
ausência de um prazo específico para a manifestação do parquet, aplica-
mos, por analogia, o prazo de 24 (vinte e quatro) horas aplicáveis para que
os juízes decidam o pedido (art. 4º, da Lei n. 9.296/96).

Outro ponto que se percebe é que a interceptação telefônica só poderá


ser determinada no curso da instrução processual mediante representa-
ção do Ministério Público ou de ofício pelo juiz, mas nunca por requeri-
mento da autoridade policial.

Pela redação do artigo 3º, da Lei n. 9.296/96, o juiz poderá determinar a


interceptação telefônica de ofício. Contudo, tal dispositivo remete a ideia
do juiz inquisitor, aquele que atua na busca de provas destinadas a formar
o corpo da investigação criminal. Neste sentido, assevera Gabriel Habib
(2017, p. 396):
Apesar de o legislador ter permitido ao Juiz determinar a interceptação te-
lefônica de ofício, pensamos que isso viola o sistema acusatório, uma vez
que a interceptação telefônica é meio de obtenção de prova realizado para
a investigação criminal. Juiz é parte desinteressada e imparcial. Ao permi-
tir-se que o Juiz determine a interceptação telefônica de ofício, estar-se-á
a permitir que ele realize produção probatória a autorizar ao Juiz buscar a
prova diretamente implica radical comprometimento de sua imparcialidade
enquanto magistrado.10

10
HABIB, Gabriel. Leis penais especiais. Salvador: Editora JusPodivm, 2017, p. 396.

110 Legislação Penal e Processual Penal Especial


Concluso os autos com o pedido de interceptação telefônica, o magis-
trado decidirá em até 24 (vinte e quatro) horas acerca do pedido. A deci-
são proferida deverá ser fundamentada, nos termos do artigo 93, IX, da
Constituição Federal, e artigo 5º, Lei n. 9.296/96, em que o magistrado
deverá apontar os dados concretos, reais, que autorizam a adoção da me-
dida cautelar, sob pena de nulidade da medida.
O artigo 93, inciso IX, da Carta Maior, determina que toda decisão deverá
ser motivada, o que é repetido na Lei 9296/96. Sobretudo por se tratar de
decisão que interfere em direitos e garantias constitucionais, não é dado
ao Magistrado afirmar genericamente ser a medida “indispensável”.
Ademais, no que tange a motivação da decisão pelo juiz, necessário lem-
brar que:
[...] no momento de motivar sua decisão não pode simplesmente repetir
as palavras da lei, não pode exteriorizar uma motivação genérica, mate-
rializando-a principalmente em modelos impressos, com expressões vagas
e pouco significativas para o caso concreto. Urge o exame exaustivo dos
pressupostos fáticos e jurídicos da interceptação. Do contrário, será nula a
decisão.11

Desta forma, a utilização de fundamentação genérica, que serve para


qualquer pedido de interceptação telefônica, também acarretará a nuli-
dade da decisão e consequentemente, a ilicitude da prova obtida. Nesta
toada, decidiu o Superior Tribunal de Justiça:
HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO. NÃO CABIMENTO.
NOVO ENTENDIMENTO DO STF E DO STJ. CRIME DE DUPLO HOMICÍDIO
QUALIFICADO. INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA. TESE DE NULIDADE POR
DEFICIÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO. OCORRÊNCIA. QUEBRA DE SIGILO
QUE SE AMPARA EM FUNDAMENTOS GENÉRICOS E QUE NÃO DEMONSTRA
A IMPRESCINDIBILIDADE DA MEDIDA. DESOBEDIÊNCIA DOS REQUISITOS
LEGAIS ESTABELECIDOS NA LEI N. 9.296/1996. OFENSA ÀS GARANTIAS
CONSTITUCIONAIS. CONSTRANGIMENTO ILEGAL CONFIGURADO. 1. O ha-
beas corpus não pode ser utilizado como substitutivo do recurso ordinário

11
GOMES, Luiz Flávio. Interceptação telefônica: Lei 9296, de 24.07.96. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1997, p. 214.

Legislação Penal e Processual Penal Especial 111


previsto nos arts. 105, II, a, da Constituição Federal e 30 da Lei n. 8.038/1990.
Atual entendimento adotado no Supremo Tribunal Federal e no Superior
Tribunal de Justiça, que não têm mais admitido o habeas corpus como suce-
dâneo do meio processual adequado, seja o recurso, seja a revisão criminal,
salvo em situações excepcionais. 2. A interceptação telefônica é instrumen-
to excepcional e subsidiário à persecução penal, cuja decisão autorizado-
ra deve observar rigorosamente o disposto no art. 5º, XII, da Constituição
Federal e na Lei n. 9.296/1996. 3. A decretação da medida cautelar de inter-
ceptação não atendeu aos pressupostos e fundamentos de cautelaridade,
visto que, não obstante os crimes investigados serem punidos com reclusão
e haver investigação formalmente instaurada, descurou-se da demonstra-
ção da necessidade da medida extrema e da dificuldade para a sua apura-
ção por outros meios, carecendo, portanto, do fumus comissi delicti e do
periculum in mora. 4. Havendo o Juízo de primeiro grau deferido a gravosa
medida unicamente em razão do “esclarecimento dos fatos”, de o “crime
investigado ser punido com pena de reclusão” e de “haver indícios de au-
toria que mereçam ser investigados”, porém sem demonstrar, diante de
elementos concretos, qual seria o nexo dessas circunstâncias com a im-
possibilidade de colheita de provas por outros meios, mostra-se inviável
o reconhecimento de sua legalidade. A mera menção genérica de tais ele-
mentos não satisfaz a indispensável fundamentação acerca da necessidade
da providência, que quebranta a regra do sigilo, visto que, se assim o fosse,
toda e qualquer investigação ensejaria a necessidade da medida excepcio-
nal, de modo que, em vez de exceção, tornar-se-ia regra. 5. Habeas corpus
não conhecido. Ordem concedida de ofício, para declarar a nulidade das
provas obtidas mediante interceptação telefônica, nos autos da Ação Penal
n. 2009.233-9, da Vara Criminal do Foro Regional de Campina Grande do Sul
(comarca de Curitiba/PR), determinando-se que seja envelopado, lacrado e
entregue ao acusado o material resultante da medida de monitoramento.12

Além da fundamentação no ato que determina a interceptação telefôni-


ca, as posteriores decisões de prorrogações também deverão ser funda-
mentadas. Ademais, a decisão deverá indicar a forma pela qual se dará
a execução da diligência, isto é, o procedimento a ser adotado quando
determinada a interceptação telefônica.

12
STJ: HC 150.995/PR, 6ª T., Rel. Min. SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, j. 19/11/2015, DJe 09/12/2015.

112 Legislação Penal e Processual Penal Especial


5. Prazo e Renovação da Interceptação Telefônica

Quanto ao prazo de duração da interceptação telefônica, segundo o ar-


tigo 5º da Lei nº 9.296/96, será de 15 (quinze) dias, renováveis por igual
tempo, desde que demonstrada a indispensabilidade do meio de prova.

PARA SABER MAIS


A Lei n. 9.296/96, que regula as medidas constritivas de cap-
tação de comunicações via telefone, não estipula prazo para
o início do cumprimento da ordem judicial. Assim, o prazo de
15 (quinze) dias inicia-se a partir do dia que iniciou a escuta e
não da decisão judicial.

Questão que gera bastante polêmica é em relação à prorrogação do pra-


zo para a interceptação telefônica. Uma parte da doutrina defende que o
prazo máximo é de 30 (trinta) dias, contados os 15 (quinze) iniciais e mais
15 (quinze) da prorrogação. “A Lei nº 9.296/96 é explícita, e bem explícita,
em dois pontos, e tal sucede, primeiro, quanto ao prazo de quinze dias,
segundo, quanto à renovação; relativamente ao segundo ponto, obser-
vem: ‘... renovável por igual tempo uma vez comprovada a indispensabili-
dade do meio de prova.’ Enfim, renovável por outros quinze dias.”13

É da ementa do julgado citado anteriormente:

Comunicações telefônicas. Sigilo. Relatividade. Inspirações ideológicas.


Conflito. Lei ordinária. Interpretações. Razoabilidade.
1. É inviolável o sigilo das comunicações telefônicas; admite-se, porém, a
interceptação “nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer”.
2. Foi por meio da Lei nº 9.296, de 1996, que o legislador regulamentou o
texto constitucional; é explícito o texto infraconstitucional – e bem explíci-
to – em dois pontos: primeiro, quanto ao prazo de quinze dias; segundo,

13
Trecho do voto do Min. Rel. Nilson Naves, no julgamento do HC nº 76.686.

Legislação Penal e Processual Penal Especial 113


quanto à renovação – “renovável por igual tempo uma vez comprovada a
indispensabilidade do meio de prova”.
3. Inexistindo, na Lei nº 9.296/96, previsão de renovações sucessivas, não há
como admiti-las.
4. Já que não absoluto o sigilo, a relatividade implica o conflito entre normas
de diversas inspirações ideológicas; em caso que tal, o conflito (aparente)
resolve-se, semelhantemente a outros, a favor da liberdade, da intimidade,
da vida privada, etc. É que estritamente se interpretam as disposições que
restringem a liberdade humana (Maximiliano).
5. Se não de trinta dias, embora seja exatamente esse, com efeito, o prazo
de lei (Lei nº 9.296/96, art. 5º), que sejam, então, os sessenta dias do estado
de defesa (Constituição, art. 136, § 2º), ou razoável prazo, desde que, é claro,
na última hipótese, haja decisão exaustivamente fundamentada. Há, neste
caso, se não explícita ou implícita violação do art. 5º da Lei nº 9.296/96, evi-
dente violação do princípio da razoabilidade.
6. Ordem concedida a fim de se reputar ilícita a prova resultante de tantos e
tantos e tantos dias de interceptação das comunicações telefônicas, devendo
os autos retornar às mãos do Juiz originário para determinações de direito.14

Contudo, as decisões mais recentes dos tribunais superiores vêm admitin-


do a possibilidade de mais de uma prorrogação, desde que demonstrada
a imprescindibilidade da medida e por decisões devidamente motivadas.
Neste sentido, destaca-se acórdão do Supremo Tribunal Federal:
[...] 1. COMPETÊNCIA. Criminal. Originária. Inquérito pendente no STF.
Desmembramento. Não ocorrência. Mera remessa de cópia, a requerimen-
to do MP, a juízo competente para apuração de fatos diversos, respeitantes
a pessoas sem prerrogativa de foro especial. Inexistência de ações penais
em curso e de conseqüente conexão. Questão de ordem resolvida nesse
sentido. Preliminar repelida. Agravo regimental improvido. Voto vencido.
Não se caracteriza desmembramento ilegal de ação penal, a mera remes-
sa de cópia de inquérito, a requerimento do representante do Ministério
Público, a outro juízo, competente para apurar fatos diversos, respeitantes
a pessoas sujeitas a seu foro. 2. [...]. 4. PROVA. Criminal. Interceptação tele-
fônica. Necessidade demonstrada nas sucessivas decisões. Fundamentação

14
STJ: HC 76.686/PR, 6ª T., Rel. Min. NILSON NAVES, j. 09/09/2008, DJe 10/11/2008.

114 Legislação Penal e Processual Penal Especial


bastante. Situação fática excepcional, insuscetível de apuração plena por
outros meios. Subsidiariedade caracterizada. Preliminares rejeitadas.
Aplicação dos arts. 5º, XII, e 93, IX, da CF, e arts. 2º, 4º, § 2º, e 5º, da Lei nº
9.296/96. Voto vencido. É lícita a interceptação telefônica, determinada em
decisão judicial fundamentada, quando necessária, como único meio de pro-
va, à apuração de fato delituoso. 5. PROVA. Criminal. Interceptação telefô-
nica. Prazo legal de autorização. Prorrogações sucessivas. Admissibilidade.
Fatos complexos e graves. Necessidade de investigação diferenciada e con-
tínua. Motivações diversas. Ofensa ao art. 5º, caput, da Lei n. 9.296/96. Não
ocorrência. Preliminar rejeitada. Voto vencido. É lícita a prorrogação do pra-
zo legal de autorização para interceptação telefônica, ainda que de modo
sucessivo, quando o fato seja complexo e, como tal, exija investigação dife-
renciada e contínua. 6. PROVA. Criminal. Interceptação telefônica. Prazo le-
gal de autorização. Prorrogações sucessivas pelo Ministro Relator, também
durante o recesso forense. Admissibilidade. Competência subsistente do
Relator. Preliminar repelida. Voto vencido. O Ministro Relator de inquérito
policial, objeto de supervisão do Supremo Tribunal Federal, tem competên-
cia para determinar, durante as férias e recesso forenses, realização de dili-
gências e provas que dependam de decisão judicial, inclusive interceptação
de conversação telefônica.[...].15

Diante desta divergência de entendimento sobre os prazos concedidos


para prorrogação, o Supremo Tribunal Federal reconheceu repercussão
geral no Recurso Extraordinário n. 625.263:

Recurso extraordinário em que se discute, à luz dos artigos 5º; 93, IX e 136,
§ 2º, da Constituição Federal, a possibilidade de se renovar sucessivamen-
te a autorização de interceptação telefônica, sem limite definido de prazo
— seja de 30 (trinta) dias, previsto no art. 5º da Lei 9.296/1996, seja de 60
(sessenta) dias, nos moldes do art. 136, § 2º, da Constituição Federal —, por
decisão judicial fundamentada, ainda que de forma sucinta.16

15
STF: Inq 2.424, Rel. Min. CEZAR PELUSO, Tribunal Pleno, DJe 26/03/2010.
16
Até a data de conclusão deste texto não houve o julgamento da repercussão geral. Orienta-se o aluno a acompanhar o
julgamento de mencionado recurso.

Legislação Penal e Processual Penal Especial 115


6. Procedimentos Após o Deferimento e a Questão da
Transcrição dos Diálogos

Deferida a interceptação telefônica, caberá à autoridade policial conduzir


os procedimentos de interceptação, dando ciência ao Ministério Público,
que poderá acompanhar a sua realização. Trata-se de uma faculdade con-
ferida ao órgão acusatório de acompanhar ou não a realização da inter-
ceptação telefônica.

Interpretação apressada pode levar à conclusão que somente a autori-


dade policial poderá realizar a interceptação telefônica. Contudo, tem-se
admitido uma interceptação mais branda do artigo 6º da Lei n. 9.296/96,
sob pena de se inviabilizarem investigações criminais que dependam de
interceptações telefônicas. Assim, por exemplo, já se autorizou que a in-
terceptação fosse realizada por funcionários do Ministério Público, pela
Polícia Militar, pela Polícia Rodoviária Federal. Ao analisar o caso da Polícia
Militar, assim decidiu o Supremo Tribunal Federal:
Habeas Corpus. 2. Prisão em flagrante. Denúncia. Crimes de rufianismo e
favorecimento da prostituição. 3. Interceptação telefônica realizada pela
Polícia Militar. Nulidade. Não ocorrência. 4. Medida executada nos termos
da Lei 9.296/96 (requerimento do Ministério Público e deferimento pelo
Juízo competente). Excepcionalidade do caso: suspeita de envolvimento de
autoridades policiais da delegacia local. 5. Ordem denegada.17

Para o efetivo cumprimento da interceptação telefônica, a autoridade po-


licial poderá requisitar o auxílio dos serviços e técnicos especializados às
concessionárias de serviço público.

Outro ponto que reside um certo embate na doutrina e na jurisprudên-


cia é quanto à transcrição das comunicações interceptadas. Uma parte
da doutrina sustenta a necessidade de transcrição de todas as conversas
captadas como forma de garantir o contraditório e a ampla defesa. Assim,

17
STF: HC 96986, 2ª T., Rel. Min. GILMAR MENDES, j. 15/05/2012, DJe 13/09/2012.

116 Legislação Penal e Processual Penal Especial


a “degravação consubstancia formalidade essencial a que os dados alvo
da interceptação sejam considerados como prova – artigo 6º, § 1º, da Lei
nº 9.296/96”18.

Outra parte, com posição majoritária na doutrina e na jurisprudência, as-


senta na necessidade de transcrição somente daqueles diálogos que inte-
ressam para o processo e que subsidiam a denúncia. Portanto, é prescin-
dível “a degravação de todas as conversas, sendo bastante que se tenham
degravados os excertos que subsidiaram o oferecimento da denúncia”19.

Contudo, mesmo que não seja necessária a degravação de todas as con-


versas telefônicas, é imperioso que seja disponibilizado para as partes as
mídias que contenham a integralidade das conversas telefônicas.

Realizada a interceptação telefônica, o seu resultado será enviado para a


autoridade judiciária por meio do auto circunstanciado, que deverá con-
ter o resumo das operações realizadas no período da interceptação.

Ademais, o pedido de interceptação telefônica, de qualquer natureza,


será processado em autos apartados, bem como apensado aos autos do
inquérito policial ou do processo criminal, preservando-se o sigilo das di-
ligências, gravações e transcrições respectivas.

7. Serendipidada – Encontro Fortuito de Provas

“É possível que, durante a interceptação telefônica autorizada, com inves-


tigado e objeto específico constante na decisão judicial que a deferiu, haja
descoberta de provas ou fontes de provas relativas a crimes diversos ou
pessoas diversas daquela que está sendo investigada”.20

18
STF: AP 508 AgR, PLENO, Rel. Min. MARCO AURÉLIO, j. 07/02/2013, DJe 16/08/2013.
19
STF: HC 118371, 2ª T., Rel. Min. GILMAR MENDES, j. 19/08/2014, DJe 04/09/2014.
20
TÁVORA, Nestor; ALENCAR, Rosmar Rodrigues. Curso de direito processual penal. 11. ed. Salvador: Editora JusPodivm,
2016, p. 773.

Legislação Penal e Processual Penal Especial 117


Pelo princípio da serendipidade, no transcurso de uma investigação, é en-
contrar provas da prática de outra infração penal cometida, sem que o
objetivo da investigação inicial fosse o seu encontro. Assim, por exemplo,
em uma interceptação telefônica com o objetivo de desarticular uma as-
sociação criminosa voltada ao tráfico ilícito de entorpecente, no transcur-
so da interceptação, um dos interlocutores confessa que foi autor de um
homicídio cometido dias atrás.

Os elementos encontrados durante a interceptação telefônica poderão


assumir 2 (duas) naturezas, a depender da relação estabelecida com o ob-
jeto da investigação: se for conexo com o crime que está sendo apurado,
esta informação será utilizada como meio de prova. Se não guardar rela-
ção, será considerado como notitia criminis, apta a ensejar a instauração
de investigação para apuração de suposta prática de infração penal.

Sobre o tema, é oportuna a lição de Luís Flávio Gomes:


É válida a prova se se descobre «fato delitivo conexo com o investigado»,
mas desde que de responsabilidade do mesmo sujeito passivo. Logo, se o
fato não é conexo ou se versa sobre outra pessoa, não vale a prova. Cuida-se
de prova nula. Mas isso não significa que a descoberta não tenha nenhum
valor: vale como fonte de prova, é dizer, a partir dela pode-se desenvolver
nova investigação. Vale, em suma, como uma notitia criminis. Nada impede
a abertura de uma nova investigação, até mesmo nova interceptação, mas
independente.
O “critério da conexão” (que conduz ao reconhecimento do encontro for-
tuito de primeiro grau) é perfeitamente válido em nosso ius positum. Aliás,
em virtude das peculiaridades do nosso direito, urge falar-se em conexão
ou continência. Tudo porque nosso Código de Processo Penal faz essa dis-
tinção, nos artigos 76 e 77.
Em relação ao encontro fortuito de fatos conexos (ou quando haja conti-
nência) parece-nos acertado falar em serendipidade ou encontro fortuito
de primeiro grau (ou em fato que está na mesma situação histórica de vida
do delito investigado - historischen Lebenssachverhalt). Nesse caso a prova
produzida tem valor jurídico e deve ser analisada pelo juiz (como prova vá-
lida). Pode essa prova conduzir a uma condenação penal.

118 Legislação Penal e Processual Penal Especial


Quando se trata, ao contrário, de fatos não conexos (ou quando não haja
continência), impõe-se falar em serendipidade ou encontro fortuito de se-
gundo grau (ou em fatos que não estão na mesma situação histórica de vida
do delito investigado). A prova produzida, nesse caso, não pode ser valora-
da pelo juiz. Ela vale apenas como notitia criminis.
Conclusão: se o fato objeto do “encontro fortuito” é conexo ou tem relação
de continência (concurso formal) com o fato investigado, é válida a inter-
ceptação telefônica como meio probatório, inclusive quanto ao fato extra
descoberto. Essa prova deve ser valorada pelo juiz. Exemplo: autorização
dada para a investigação de um tráfico de entorpecente; descobre-se fortui-
tamente um homicídio, em conexão teleológica. De outra parte, se se des-
cobre o envolvimento de outra pessoa no crime investigado (de tal forma a
caracterizar a continência do art. 77), também é válido tal meio probatório.
Nessas duas hipóteses, em suma, a transcrição final da captação feita vale
legitimamente como meio probatório e serve para afetar (“enervar”) o prin-
cípio da presunção de inocência.21

Ainda neste tema, cumpre ressaltar que o Superior Tribunal de Justiça já


entendeu que:
[...] havendo o encontro fortuito de notícia da prática futura de conduta de-
lituosa, durante a realização de interceptação telefônica devidamente auto-
rizada pela autoridade competente, não se deve exigir a demonstração da
conexão entre o fato investigado e aquele descoberto, a uma, porque a pró-
pria Lei nº 9.296/96 não a exige, a duas, pois o Estado não pode se quedar
inerte diante da ciência de que um crime vai ser praticado e, a três, tendo
em vista que se por um lado o Estado, por seus órgãos investigatórios, vio-
lou a intimidade de alguém, o fez com respaldo constitucional e legal, moti-
vo pelo qual a prova se consolidou lícita. A discussão a respeito da conexão
entre o fato investigado e o fato encontrado fortuitamente só se coloca em
se tratando de infração penal pretérita, porquanto no que concerne as in-
frações futuras o cerne da controvérsia se dará quanto a licitude ou não do
meio de prova utilizado e a partir do qual se tomou conhecimento de tal
conduta criminosa.22

21
GOMES, Luiz Flávio. Natureza jurídica da serendipidade nas interceptações telefônicas. Disponível em: <http://www.lfg.
com.br>. Acesso em: 18 de mar. 2009.
22
STJ: HC 69.552/PR, 5ª T., Rel. Min. FELIX FISCHER, j. 06/02/2007, DJ 14/05/2007.

Legislação Penal e Processual Penal Especial 119


8. Interceptação Telefônica e Prova Ilícita

Constatada alguma ilegalidade na interceptação telefônica, em decorrên-


cia da não observância de qualquer um dos requisitos previstos na Lei n.
9.296/96, deverá o magistrado declarar a ilicitude da prova obtida, uma
vez que estas são inadmissíveis no ordenamento jurídico, nos termos do
artigo 157 do Código de Processo Penal, pois obtidas em violação a nor-
mas constitucionais ou legais. Assim:
A prova ilícita, entre nós, não se reveste da necessária idoneidade jurídica
como meio de formação do convencimento do julgador, razão pela qual deve
ser desprezada, ainda que em prejuízo da apuração da verdade, no prol do
ideal maior de um processo justo, condizente com o respeito devido a direi-
tos e garantias fundamentais da pessoa humana, valor que se sobreleva em
muito, ao que é representado pelo interesse que tem a sociedade em uma
eficaz repressão aos delitos. É um pequeno preço que se paga por viver-se
em estado de direito democrático. A justiça penal não se realiza a qual-
quer preço. Existem, na busca da verdade, limitações impostas por valores
mais altos que não podem ser violados, ensina Heleno Fragoso, em trecho
de sua obra Jurisprudência criminal, transcrita pela defesa. A Constituição
brasileira, no art. 5º, inc. LVI, com efeito, dispõe, a todas as letras, que são
inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos. (STF, Ação
Penal 307-3-DF, Plenário, rel. Min. Ilmar Galvão, DJU, 13/10/1995)23

Ademais e por força do banimento constitucional das provas ilícitas, dire-


tamente e por derivação, imprestáveis todas as subsequentes, pois con-
sidera-se inadmissível não apenas a prova obtida por meio ilícito, mas
também, por derivação, as provas decorrentes do meio de prova obtido
ilicitamente. Nesse diapasão, o colendo STF:
A ação persecutória do Estado, qualquer que seja a instância de poder pe-
rante a qual se instaure, para revestir-se de legitimidade, não pode apoiar-
-se em elementos probatórios ilicitamente obtidos, sob pena de ofensa
à garantia constitucional do “due process of law”, que tem, no dogma da
inadmissibilidade das provas ilícitas, uma de suas mais expressivas pro-
jeções concretizadoras no plano do nosso sistema de direito positivo. A
Constituição da República, em norma revestida de conteúdo vedatório (CF,
Trecho extraído do site: <https://jus.com.br/artigos/3274/interceptacao-telefonica-face-as-provas-ilicitas/2#ixzz2xCX5STxQ>.
23

Acesso em: 21 set. 2017.

120 Legislação Penal e Processual Penal Especial


art. 5º, LVI), desautoriza, por incompatível com os postulados que regem
uma sociedade fundada em bases democráticas (CF, art. 1º), qualquer pro-
va cuja obtenção, pelo Poder Público, derive de transgressão a cláusulas
de ordem constitucional, repelindo, por isso mesmo, quaisquer elementos
probatórios que resultem de violação do direito material (ou, até mesmo, do
direito processual), não prevalecendo, em conseqüência, no ordenamento
normativo brasileiro, em matéria de atividade probatória, a fórmula autori-
tária do “male captum, bene retentum”. Doutrina. Precedentes. A QUESTÃO
DA DOUTRINA DOS FRUTOS DA ÁRVORE ENVENENADA (“FRUITS OF THE
POISONOUS TREE”): A QUESTÃO DA ILICITUDE POR DERIVAÇÃO. - Ninguém
pode ser investigado, denunciado ou condenado com base, unicamente,
em provas ilícitas, quer se trate de ilicitude originária, quer se cuide de ilici-
tude por derivação. Qualquer novo dado probatório, ainda que produzido,
de modo válido, em momento subseqüente, não pode apoiar-se, não pode
ter fundamento causal nem derivar de prova comprometida pela mácula da
ilicitude originária. A exclusão da prova originariamente ilícita - ou daquela
afetada pelo vício da ilicitude por derivação - representa um dos meios mais
expressivos destinados a conferir efetividade à garantia do “due process of
law” e a tornar mais intensa, pelo banimento da prova ilicitamente obtida, a
tutela constitucional que preserva os direitos e prerrogativas que assistem
a qualquer acusado em sede processual penal. Doutrina. Precedentes. - A
doutrina da ilicitude por derivação (teoria dos “frutos da árvore envenena-
da”) repudia, por constitucionalmente inadmissíveis, os meios probatórios,
que, não obstante produzidos, validamente, em momento ulterior, acham-
-se afetados, no entanto, pelo vício (gravíssimo) da ilicitude originária, que
a eles se transmite, contaminando-os, por efeito de repercussão causal.
Hipótese em que os novos dados probatórios somente foram conhecidos,
pelo Poder Público, em razão de anterior transgressão praticada, originaria-
mente, pelos agentes da persecução penal, que desrespeitaram a garantia
constitucional da inviolabilidade domiciliar. Revelam-se inadmissíveis, des-
se modo, em decorrência da ilicitude por derivação, os elementos proba-
tórios a que os órgãos da persecução penal somente tiveram acesso em
razão da prova originariamente ilícita, obtida como resultado da transgres-
são, por agentes estatais, de direitos e garantias constitucionais e legais,
cuja eficácia condicionante, no plano do ordenamento positivo brasileiro,
traduz significativa limitação de ordem jurídica ao poder do Estado em face
dos cidadãos [...].24
24
STF: RHC 90.376/RJ, 2ª T., Rel. Min. CELSO DE MELLO, j. 03/04/2007, DJ 18/05/2007.

Legislação Penal e Processual Penal Especial 121


9. Crime Previsto no Artigo 10, da Lei n. 9.296/96

A Lei n. 9.296/96 pune o agente que realiza interceptação de comunica-


ções telefônicas, de informática ou telemática, sem autorização judicial ou
com objetivos não autorizados em lei. Também pune a conduta daquele
que “quebra segredo”, ou seja, o agente divulga informação que está aco-
bertada pelo sigilo.

Assim, o tipo delituoso previsto no artigo 10 é misto alternativo, consis-


tente nas condutas de realizar interceptação ou quebrar o segredo de
Justiça. Trata-se de um tipo misto alternativo, em que a prática de mais
de um verbo núcleo do tipo constitui uma única infração e não concurso
de crimes.

Por fim, cumpre ressaltar que o delito previsto no artigo 10 da Lei n.


9.296/96 é especial em relação ao delito previsto no artigo 40, da Lei n.
6.538/78, que ao disciplinar os serviços postais considera crime a conduta
de devassar indevidamente o conteúdo de correspondência fechada diri-
gida a outrem.

10. Considerações finais

• Interceptação Telefônica

• Requisitos

• Procedimentos

• Prazo de Duração e Renovações

• Degravação

• Serendipidade

• Prova Ilícita

122 Legislação Penal e Processual Penal Especial


Glossário

• Reserva legal qualificada: ocorre quando a Constituição Federal


determina que por meio de lei ordinária discipline e regulamente
a matéria, bem como estabelece os fins a serem necessariamen-
te perseguidos ou os meios a serem compulsoriamente adotados
pelo legislador.

• Ultima ratio: significa “última razão” ou “último recurso”. É uma


expressão com origem no latim e frequentemente empregada no
Direito.25

VERIFICAÇÃO DE LEITURA
TEMA 04
1. (IBADE – PC-AC - 2017) No que tange à Lei n° 9.296/1996,
que regulamenta a interceptação de comunicação telefô-
nica, assinale a alternativa correta:
a) A decisão que autorizar a interceptação de comunica-
ção telefônica será fundamentada, sob pena de nuli-
dade, indicando também a forma de execução da di-
ligência, que não poderá exceder o prazo de dez dias,
renovável por igual tempo uma vez comprovada a in-
dispensabilidade do meio de prova.
b) Não será admitida a interceptação de comunicações te-
lefônicas quando o fato investigado constituir infração
penal punida, no máximo, com pena de detenção.
c) O juiz no prazo máximo de quarenta e oito horas, deci-
dirá sobre o pedido de interceptação de comunicação
telefônica representado pela autoridade policial.

25
<https://www.significados.com.br/ultima-ratio/>. Acesso em: 21 set. 2017.

Legislação Penal e Processual Penal Especial 123


d) A interceptação das comunicações telefônicas poderá
ser determinada pelo juiz, a requerimento da autorida-
de policial, na instrução criminal.

e) A interceptação de comunicações telefônicas, de qual-


quer natureza, para prova em investigação criminal e
em instrução processual penal, observará o disposto
nesta lei e dependerá de ordem do juiz competente da
ação principal, excluindo-se o segredo de justiça.

2. (CESPE – PC-GO - 2016) Caso uma pessoa seja ré em pro-


cesso criminal por supostamente ter cometido homicídio
qualificado, eventual interceptação de suas comunicações
telefônicas:

a) dependerá de ordem do juiz competente, sob segredo


de justiça.
b) poderá ser admitida por meio de parecer favorável de
representante do MP.
c) não poderá exceder o prazo improrrogável de quinze
dias, se concedida pelo juiz.
d) poderá ser admitida, ainda que a prova possa ser feita
por outros meios.
e) deverá ser negada, se for requerida verbalmente ao
juiz competente.
3. (FUNCAB – PC-PA - 2016) Nos termos da lei de intercepta-
ção telefônica, Lei n° 9.296, de 1996, é correto afirmar:

a) Deferido o pedido de interceptação de comunicação


telefônica, a autoridade policial conduzirá os procedi-
mentos de interceptação, dando ciência ao Ministério
Público, que ficará impedido de acompanhar a sua
realização.

124 Legislação Penal e Processual Penal Especial


b) A decisão será fundamentada, sob pena de nulidade,
indicando também a forma de execução da diligência,
que não poderá exceder o prazo de quinze dias, reno-
vável por igual tempo uma vez comprovada a indispen-
sabilidade do meio de prova.
c) São considerados requisitos para a admissibilidade da
interceptação das comunicações telefônicas: haver in-
dícios razoáveis da autoria ou participação em infração
penal; quando a prova puder ser produzida por outros
meios disponíveis e o fato investigado constituir infra-
ção penal punida, com pena de detenção.
d) Excepcionalmente, o juiz poderá admitir que o pedido
seja formulado verbalmente, desde que estejam pre-
sentes os pressupostos que autorizem a interceptação,
caso em que a concessão ocorrerá sem a necessidade
da sua redução a termo.
e) Para os procedimentos de interceptação, a autoridade
policial não poderá dispensar a requisição de serviços
e técnicos especializados às concessionárias de serviço
público.
4. (CESPE – PC-PE - 2016) A interceptação de comunicações
telefônicas:
a) pode ser determinada de ofício pelo juiz durante a in-
vestigação criminal.
b) pode ser requerida pela autoridade policial no curso da
instrução processual penal.
c) depende da existência de indícios razoáveis de autoria
e da materialidade da infração penal.
d) é admitida, quando autorizada por juiz, mesmo que a
prova possa ser feita por outros meios disponíveis.
e) é admitida se o fato investigado constituir infração pe-
nal punida, pelo menos, com pena de detenção.

Legislação Penal e Processual Penal Especial 125


5. (FGV – MPE-RJ - 2016) Carlos é investigado pela prática do
crime de homicídio culposo na direção de veículo auto-
motor (art. 302, CTB – pena: detenção, de 2 a 4 anos, e
suspensão ou proibição de se obter a permissão ou habi-
litação para dirigir veículo automotor). No curso das inves-
tigações, o Ministério Público encontra dificuldades na ob-
tenção da justa causa, mas constam informações de que
Carlos conversa e ri dos fatos com amigos ao telefone, ad-
mitindo o crime. Diante disso, o delegado representa pela
interceptação de comunicações telefônicas. Sobre os fatos
narrados, é correto afirmar que a interceptação:
a) não deverá ser decretada, pois ainda na fase de inqué-
rito policial.
b) poderá ser decretada, mas não poderá ultrapassar o
prazo de 30 dias, prorrogável por igual período.
c) não deverá ser decretada em razão da pena prevista ao
delito investigado.
d) poderá ser decretada e a divulgação de seu conteúdo
sem autorização judicial configura crime.
e) poderá ser decretada, sendo que o conteúdo inter-
ceptado deverá ser, necessariamente, integralmente
transcrito.

Referências Bibliográficas
AVENA, Norberto Cláudio Pâncaro. Processo Penal Esquematizado. 5. ed. Rio de
Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2014.
DELMANTO, Roberto. et al. Leis Penais Especiais Comentadas. 2. ed. São Paulo:
Saraiva, 2014.
FERNANDES, Antônio Scarance. Processo Penal Constitucional. 7. ed. São Paulo:
Editora Revista dos Tribunais, 2012.
GOMES, Luiz Flávio. Interceptação Telefônica: Lei 9296, de 24.07.96. São Paulo:
Editora Revista dos Tribunais, 1997.

126 Legislação Penal e Processual Penal Especial


GONÇALVES, Victor Eduardo Rios. Legislação Penal Especial Esquematizado. 3. ed.
São Paulo: Saraiva, 2017.
GRINOVER, Ada Pellegrini; FERNANDES, Antônio Scarance; GOMES FILHO, Antônio
Magalhães. As Nulidades no Processo Penal. 10. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2007.
HABIB, Gabriel. Leis Penais Especiais. Salvador: Editora JusPodivm, 2017.
LIMA, Renato Brasileiro de. Curso de Processo Penal. 4. ed. Rio de Janeiro: JusPodivm,
2016.
. Legislação Criminal Especial Comentada. Salvador: Editora JusPodivm, 2015.
LOPES JUNIOR, Aury. Direito Processual Penal. 10. ed. São Paulo: Saraiva, 2013.
MARQUES, José Frederico. Elementos de Direito Processual Penal. 3. ed. São Paulo:
Millenium, 2009.
MENDES, Gilmar Ferreira. Curso de Direito Constitucional. 12. ed. São Paulo:
Saraiva, 2017.
MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo Penal. 18. ed. São Paulo: Atlas, 2008.
NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Processo Penal e Execução Penal. 6. ed.
São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012.
. Leis Penais e Processuais Penais Comentadas. 4. ed. rev., atual. e ampl. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2009.
OLIVEIRA, Eugênio Pacelli. Curso de Processo Penal. 19. ed. São Paulo: Atlas, 2015.
PITOMBO, Sérgio Marcos de Moraes. Sigilo nas Comunicações: aspecto processual
penal. Boletim IBCCRIM, n. 49. São Paulo, dez. 1996, p. 07-08.
TÁVORA, Nestor; ALENCAR, Rosmar Rodrigues. Curso de Direito Processual Penal.
8. ed. Salvador: JusPodivm, 2016.

Gabarito – Tema 04

Questão 1 – Resposta: B
Artigo 2º, III, da Lei n. 9.296/96.

Questão 2 – Resposta: A
Artigo 1º, da Lei n. 9.296/96.

Legislação Penal e Processual Penal Especial 127


Questão 3 – Resposta: B
Artigo 5º, da Lei n. 9.296/96.

Questão 4 – Resposta: A
Art. 3º, da Lei n. 9.296/96.

Questão 5 – Resposta: C
Artigo 2º, III, da Lei n. 9.296/96.

128 Legislação Penal e Processual Penal Especial

Você também pode gostar