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VALOR-SIGNO EM BAUDRILLARD:
aproximações ou divergências?
Paulo Marcondes Ferreira Soares
Prof. do Depto. de Ciências Sociais
CFCH - UFPE
APRESENTAÇÃO
“A mercadoria é, antes de tudo, um objeto externo, uma coisa, a qual pelas suas
propriedades satisfaz necessidades humanas de qualquer espécie. A natureza dessas
necessidades, se elas se originam do estômago ou da fantasia, não altera em nada na coisa.
Aqui também não se trata de como a coisa satisfaz a necessidade humana, se imediatamente,
como meio de subsistência, isto é, objeto de consumo, ou se indiretamente, como meio de
produção”.(Marx)
“Deixando de lado então o valor de uso dos corpos das mercadorias, resta a elas
apenas uma propriedade, que é a de serem produtos do trabalho. Entretanto, o
produto do trabalho também já se transformou em nossas mãos” (...) “Ao desaparecer
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o caráter útil dos produtos do trabalho, desaparece o caráter útil dos trabalhos neles
representados, e desaparecem também, portanto, as diferentes formas concretas
desses trabalhos, que deixam de diferenciar-se um do outro para reduzir-se em sua
totalidade a igual trabalho humano, a trabalho humano abstrato” (IDEM: 47).
Até o momento, pode-se concluir que, em significação ampla, o valor de uso não
participa da troca, visto que se mostra como qualitativamente variável e incompatível na
diversidade de seu uso; ou ainda, como assina, mais uma vez, Marx:
“Uma coisa pode ser valor de uso, sem ser valor. É esse o caso, quando a sua
utilidade para o homem não é mediada por trabalho” (...) “Uma coisa pode ser útil e
produto do trabalho humano, sem ser mercadoria. Quem com seu produto satisfaz sua
própria necessidade cria valor de uso mas não mercadoria. Para produzir mercadoria,
ele não precisa produzir apenas valor de uso, mas valor de uso para outros, valor de
uso social. (E não só para outros simplesmente” (...) “Para tornar-se mercadoria, é
preciso que o produto seja transferido a quem vai servir como valor de uso por meio
da troca.)” (IDEM: 49).
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si próprio valor, mercadoria), fica claro que mesmo uma tal utilidade depende do conjunto
das forças produtivas e relações de produção em certo momento do conjunto das relações
sociais numa dada formação: algo de grande utilidade para uma complexa organização
social, poderá não representar nada para uma organização de tipo tribal.
Ora, o que o autor deixa antever, na sua ênfase à dimensão do valor de troca, é que
as relações existentes das mercadorias entre si não representam apenas uma expressão
imaginariamente elaborada; ao contrário, em sua concepção, tais relações são concretas,
uma vez mesmo que a produção de mercadorias encontra-se condicionada por relações
sociais de produção que se apresentam na forma da divisão social do trabalho. Com efeito,
a substância de valor não pode ser identificada pelo fato de que os corpos das mercadorias,
sua utilidade, podem ser trocados entre si. Muito além disso, a substância de valor é
essencialmente o trabalho, medido na forma de tempo de trabalho socialmente despendido
na produção das mercadorias, observado na/pela categoria genérica de trabalho abstrato.
Um aspecto digno de nota é o fato de que o trabalho, como substância de valor tal
qual se apresenta, também tem utilidade. Nesse sentido, na própria diversidade dos corpos
das mercadorias, sua forma útil, vamos igualmente identificar uma ampla diversidade de
trabalhos úteis gerados pela divisão social do trabalho - a própria “condição de existência
para a produção de mercadorias” (IDEM: 50). Em todo caso, assim como abstraímos o
valor de uso das mercadorias com o fim de apreendermos o seu valor, também o fazemos
com o caráter útil do trabalho, à medida que o observamos, em Marx, como dispêndio da
força de trabalho humano.
Nestes termos, não apenas o “trabalho humano abstrato” expressa a objetividade do
valor, bem como, a medida atribuída ao valor de troca das mercadorias (forma pela qual se
apresenta), justamente em função do dispêndio do tempo de trabalho socialmente
necessário à produção. Assim sendo, se há mudanças na esfera da produção, aumentando o
índice de produtividade, haverá, em contrapartida, a ocorrência da diminuição do tempo de
trabalho e, conseqüentemente, uma diminuição no valor da mercadoria. Por outro lado, sua
inversão atua de uma forma totalmente oposta. Se o valor da mercadoria é diretamente
proporcional ao tempo de trabalho a ela incorporado, mostra-se, pois, inversamente
proporcional ao volume demonstrado de sua produtividade.
Dito isto, cabe investigar a forma duplicada de valor que os produtos assumem
enquanto mercadoria: sua forma natural e sua forma de valor. O que Marx denomina de
forma natural, diz respeito à qualidade de valor de uso de um produto. Quanto à forma de
valor, ele afirma não haver qualquer expressão de “matéria natural” em sua objetividade.
Esta aparece em sua característica tipicamente social, materializada portanto na relação de
troca das mercadorias, cujo valor está condicionado à “unidade social de trabalho humano”
(IDEM: 54); e, neste caso, valor não é algo próprio de uma mercadoria isoladamente mas,
ao contrário, só existe na medida que se estabelece por uma relação social com outra
mercadoria, que se estabelece por uma forma comum de valor que se expressa como
dinheiro - aqui, Marx vai percorrer toda a dimensão do valor, desde a sua forma simples até
a forma dinheiro.
Na sua forma simples, duas mercadorias representam posições distintas. A
mercadoria “A” expressa o seu valor ativo na mercadoria “B” e, portanto, “B” empresta sua
materialidade passiva à expressão de valor de “A”. Nessa direção, “A” encontra sua forma
relativa de valor, ao passo que “B” expressa sua forma equivalente. Ambas as formas se
apresentam de uma maneira excludente mas inseparável da expressão de valor. Mas, se a
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matéria da mercadoria “B” é a expressão da mercadoria “A”, ou seja, sua forma
equivalente; é aqui que vamos encontrar a dimensão característica do trabalho como
categoria social que engendra valor não apenas a uma, mas aos diversos tipos de
mercadorias em relações de troca determinadas.
Ademais, se a forma equivalente de uma mercadoria é, pois, a forma permutável que
ela assume em relação a uma outra (IDEM: 59), é porque, definindo o valor de outra
mercadoria, não define o seu próprio valor. Nesse sentido, valor de uso assume a aparência
de valor, assim como o trabalho propriamente transpõe-se em trabalho humano abstrato e o
trabalho privado em atividade social. Ora, tomando a “forma geral de valor”, se uma
determinada mercadoria tem seu valor correlato a uma diversidade de outras mercadorias,
estas, inversamente, expressam também seu valor naquela. Por fim, um “equivalente geral”
do valor de uma mercadoria, que se apresenta como a mercadoria que representa o valor de
todas as demais, condicionada pela esfera do trabalho em geral, vai ser expressa na forma
de “mercadoria-dinheiro” (IDEM: 68-9).
Pelo que vimos, até o momento, a mercadoria se apresenta como unidade de valor,
medida pelo tempo de trabalho socialmente despendido, que se expressa na forma de valor
de troca, cuja aparência é a de seu valor de uso. Posto desta maneira assim esquemática,
interessa ver, neste momento, como Marx vai buscar o caráter misterioso de que se reveste
cada mercadoria. Assim, assinala o autor: “(...) logo que ela aparece como mercadoria, ela
se transforma numa coisa fisicamente metafísica” (IDEM: 70). Com efeito, isto significa
que, embora sejam produzidas pelas condições de produção socialmente dominantes,
reificadoras do processo de relações sociais mantidas pelos indivíduos entre si e com os
objetos/mercadorias de sua trocas; no capitalismo, tais mercadorias assumem a aparência
de produtos com características de existência natural, e não propriamente social: em Marx,
sua forma real de ser.
Por outro lado, não são apenas as mercadorias, como produtos do trabalho, que
assumem a característica de coisas existindo naturalmente. Ora, justamente por ser fruto do
trabalho humano, o mistério da mercadoria parece ter a sua contrapartida na fantasmagoria
assumida pelas relações sociais dos seus próprios produtores, uma vez que estas se lhes
aparecem como “relações entre coisas”. Traçando paralelo com o mundo da religião, em
que figuras imaginárias passam a existir como entidades autônomas, Marx procura explicar
o que acontece com o mundo das mercadorias, resultante da ação humana em dadas
condições sociais de produção, a saber: o sistema de produção capitalista. Nesse sentido,
ainda, ele vai chamar de fetichismo essa forma aparente de autonomia assumida tanto pelos
produtos do trabalho humano como mercadoria, quanto pelas próprias relações sociais
mantidas entre os seus produtores:
Por certo, a forma aparente que as relações sociais de produção e dos produtos de
sua ação apresenta, não pode ser concebida como pura falsificação de um dado processo
social real: embora o fetichismo da mercadoria aja como mecanismo que oculta o caráter
concreto das relações sociais (entre os produtores de coisas que, existindo pela equivalência
do valor/trabalho, tomam a forma de mercadorias), tal efeito deve ser tomado não como
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uma irrealidade imaginária, mas como reificação que rege o conjunto das relações sob o
capitalismo - onde propriedades de caráter eminentemente social, aparecem sob uma forma
natural. Enfim, a objetividade de tais propriedades como formas naturais, oculta o próprio
tipo de relações produtivas que lhe é determinante.
Um elemento importante a ser aludido, é o fato de que há, na análise do fetichismo
da mercadoria, tal como apresentada por Marx, um roteiro de investigação nos moldes de
uma abordagem sociológica, em que relações sociais determinadas assumem a aparência
objetivada de coisa natural; e não econômica, portanto, nem social - como foi dito, tal
aparência tem sua razão de ser no conjunto das relações concretas dos homens, na medida
em que oculta os condicionamentos subjacentes de sua determinação. Com efeito, este é o
aspecto que tento observar na confrontação com a noção de valor-signo em Baudrillard.
Ao que tudo parece indicar, não é apenas a inversão provocada pelo fetichismo da
mercadoria que pode ser explicada em termos de processos reificantes configuradores do
valor; visto que não menos importante o é, ainda que por uma categoria de explicação bem
distinta e opositora, a vertente interpretativa tendente a observar, no sistema dos objetos, a
presença de um conjunto de significações a eles incorporado, na forma de prestígio social:
a hierarquização social do prestígio que uma determinada marca ou moda ou prática social
impõe aos objetos, cuja noção básica para o estudo da sociedade de consumo é a de valor-
signo. Vejamos como essa idéia se apresenta em Baudrillard.
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que medida a confrontação teórica pode ser válida para uma melhor explicação da questão
do valor nas sociedades atuais.
Numa primeira incursão sobre o assunto, podemos entender o conceito de valor de
troca-signo como algo que se manifesta como fenômeno incorporado ao objeto e que passa
a lhe atribuir uma dada condição social de prestígio. Enquanto em Marx o valor de troca se
expressa pelo dinheiro como equivalente geral, vemos no valor-signo um processo social
de caracterização do prestígio pelo consumo ostentatório. Nessa direção, não vamos
entender por valor-signo apenas a dimensão do valor simbólico, pois este tem um sentido
desprovido do prestígio. O valor-signo é um valor socialmente atribuído de prestígio,
identificado na “marca” incorporada do objeto de consumo: sendo assim, o valor-signo
existe sem a prerrogativa de ser valor de uso. Para o autor, a forma atual do valor deve
mesmo ser orientada pela lógica do valor-signo, como fundamento de transmutação dos
valores de uso e de troca, já que a considera como a lógica da atualidade na sociedade de
consumo (MELO, 1988: 72).
Desde o início de sua crítica à dupla função dos objetos de consumo, como prática
socialmente distintiva e como ideologia política a ela ligada, Baudrillard chama atenção
para a importância de se romper com a “hipótese empirista” do princípio antropológico das
naturais necessidades do homem e, portanto, do caráter utilitário e funcional a que estaria
submetida a relação de tais objetos. Assim sendo, o autor se esforça em elaborar toda uma
explicação do fato em termos bem distintos: não é a necessidade o aspecto essencial que
explica o estatuto do consumo nas sociedades modernas, mas o caráter prestigioso do
consumo ostentatório. Como ele nos diz:
E mais:
“Uma verdadeira teoria dos objetos e do consumo fundar-se-á, não numa teoria das
necessidades e sua satisfação, mas numa teoria da prestação social e da significação”
(IDEM).
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dos objetos como definidor da posição social diferenciada do prestígio, “que ‘designam’
não já o mundo, mas o ser e a categoria social do seu possuidor” (IDEM: 14).
Em todo caso, um tal processo se mostra de forma ambivalente no que se refere à
sociedade atual. Além do caráter da obrigação social do consumo ostentatório de
diferenciação hierarquizada do prestígio, que tem na ociosidade e na inutilidade o seu
fundamento de valor, temos a contraposição de uma moral que se apresenta como negadora
da ociosidade e da inutilidade, onde todas as coisas existem em sua funcionalidade que,
para Baudrillard, não passa de um simulacro funcional (simulação da funcionalidade)
orientado pela “ética puritana do trabalho”, que o autor vai buscar nos estudos de Weber.
Mesmo assim, o que se pode tirar desta oposição é o fato de que tanto o estatuto do
gasto e da ostentação, quanto o da utilidade e funcionalidade dos objetos do consumo
participam de um mesmo jogo de ambivalências em que o conflito é de ordem moral:
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valor de uso e valor de troca, não seria este último o único a deter a lógica equivalente de
valor, pois também aquele participa da equivalências na forma de funcionalidade da coisa
útil que é comum a toda mercadoria (IDEM: 163-6). Apontando o possível equívoco desta
restrição na análise elaborada por Marx, o autor via criticar o limite desta tese, entre outras
coisas, pelo caráter racionalista do princípio das necessidades, com que articularia Marx a
sua “metáfora fetichista” - até muito proximamente ao conceito de alienação. Segundo
Baudrillard, essa limitação encontrada na obra de Marx, serviria para demonstrar a
inadequação do valor de troca como princípio de explicação do caráter de consumo nas
atuais sociedades industriais (IDEM: 93-5).
Por fim, uma teoria que opere o valor-signo como fundamento de análise da
sociedade moderna, vai identificar, na hierarquia dos objetos em relação, o significado
principal da representação social do consumo, para além de qualquer categoria das
necessidades:
E é justamente este caráter autônomo da relação diferencial dos signos, que leva
Baudrillard a recusar o sentido de inversão que o fetichismo da mercadoria provoca na
relação social dos objetos - inversão esta relacionada ao aspecto utilitário da mercadoria,
alterado pela condição do valor nas relações de produção das atuais formações sociais.
Para Baudrillard, a análise do fetichismo da mercadoria, na medida em que se funda
na lógica das necessidades, é uma crítica da falsa consciência e da reificação; não
considerando, justamente, que os objetos passam por um processo social de representação
sígnica, orientados mais por uma demonstração de prestígio que de necessidade. Aliás, a
crítica que o autor elabora aqui, vem completar a que ele profere contra a forma utópica
com que o valor de uso parece se apresentar, ou seja: como coisa que tem uma utilidade
primeira, apreendida no corpo da mercadoria; onde uma dada utilidade se abstrai no valor
de troca, que é a manifestação do valor; valor que se constitui pelo valor/trabalho, em
determinadas condições sociais de produção. Bem, uma vez que desapareça as condições
de produção que engendram relações sociais fetichizadas, tal como Marx as apresenta,
ganha o valor de uso a sua forma revolucionária de supressão do valor de troca da
mercadoria e do seu fetichismo reificador. Mas é exatamente o aspecto funcional e utilitário
das necessidades que o valor-signo se empenha em destruir, em sua própria definição da
primazia da significação e da prestação social sobre possíveis critérios das necessidades
naturais do homem.
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CONCLUSÃO
BIBLIOGRAFIA
BAUDRILLARD, J. (sd) Para Uma Crítica da Economia Política do Signo. SP, Martins
Fontes.
KROKER, A. (1988) “El Marx de Baudrillard”. IN: PICÓ, J. (Comp.) Modernidad y
postmodernidad. Madrid, Alianza Editorial.
MARX, K. (1985) O Capital: Crítica da Economia Política. Vol.1 - Tomo 1. 2o ed. SP,
Nova Cultural.
MELO, H. B. (1988) A Cultura do Simulacro: Filosofia e Modernidade em Jean
Baudrillard. SP, Loyola.
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