Você está na página 1de 10

MATERIALISMO HISTÓRICO E DIALÉTICO:

uma discussão sobre as categorias centrais



Gisele Masson
Resumo
O presente artigo apresenta as principais categorias que fundamentam o método materialista histórico e
dialético desenvolvido por Marx, objetivando contribuir para a discussão metodológica da pesquisa em edu-
cação. Trata-se de tentar entender as dificuldades e desafios do estatuto teórico de obras marxianas e de
autores que abordam tal concepção metodológica e que possibilitam compreender o sentido e a direção da
educação no âmbito do modo de produção capitalista.
Palavras-chave: materialismo histórico e dialético, Marx, pesquisa em educação

Abstract
This paper presents the main categories which underpinning the dialectical and historical materialism
method developed by Marx aiming at contributing to the discussion on the educational research methodol-
ogy. It discusses the difficulties and challenges of the theoretical statute of Marx’ work as well as of the au-
thors who address this methodological conception which help to understand the meaning and direction of
the education in the field of the capitalist mode of production.
Key words: dialectical and historical materialism, Marx, educational research

Todo trabalho de pesquisa requer o delineamen- Um marxista ortodoxo sério poderia [...] rejei-
to de um projeto e também a definição de um corpo tar todas as teses particulares de Marx, sem,
teórico que possa orientá-lo, dar-lhe forma e signifi- no entanto, ser obrigado, por um único ins-
cado. Muitos pesquisadores tratam do método redu- tante, a renunciar à sua ortodoxia marxista. O
zindo-o a um conjunto de regras que, ao serem marxismo ortodoxo não significa, portanto,
aplicadas no processo de pesquisa, os levarão à um reconhecimento sem crítica dos resultados
obtenção dos resultados desejados. Assim, o méto- da investigação de Marx, não significa uma
do fica restrito à técnica, não promovendo a com- 'fé' numa ou noutra tese, nem a exegese de
preensão de uma concepção metodológica como um livro sagrado. Em matéria de marxismo, a
corpo teórico integrado. ortodoxia se refere antes e exclusivamente ao
método." (LUKÁCS, 2003, p. 64)
A concepção metodológica adotada não pode ser
apreendida de forma dogmática, mas deve possibili-
tar uma reflexão sobre o próprio método, um ques- Apesar da contribuição lukacsiana no sentido de
tionamento dos seus fundamentos, bem como uma demonstrar a importância do método, ele estabelece
revisão crítica a partir do confronto com os proble- uma oposição entre método e conteúdo. É indubitá-
mas concretos que o trabalho de pesquisa apresen- vel que toda teoria apresenta fatores contingentes
ta. Contudo, em lugar do dogmatismo, muitos pes- e, por isso, algumas conclusões podem ser questio-
quisadores adotam a postura de que é melhor tomar nadas por conta das limitações temporais. De acor-
o que cada doutrina tem de bom, passando-se a do com Mészáros (2002, p.397), Lukács “rompe a
incorrer num erro ainda pior: o ecletismo. Assim, relação dialética inerente entre método e fundamen-
misturam-se teorias que resultam, conforme acep- to substantivo no qual se apóia [...]”
ção de Lefebvre (1991, p.229), numa “sopa eclética”
Dessa forma, quando optamos por uma concep-
bastante vulgar.
ção metodológica não podemos desconsiderar os
No presente texto busca-se explicitar o método postulados teóricos que lhe dão sustentação, pois
materialista histórico e dialético, na sua ortodoxia, nenhum princípio metodológico está “auto-
com o objetivo de contribuir na discussão acerca dos sustentado de abstrações desencarnadas”.
fundamentos que orientam tal abordagem, sem
incorrer numa postura dogmática e nem eclética.


Professora do Departamento de Educação da Universidade Estadual de Ponta Grossa e doutoranda do Programa de Pós-Graduação
da Universidade Federal de Santa Catarina. E-mail: gimasson@uol.com.br.

Práxis Educativa, Ponta Grossa, PR, v. 2, n. 2, p. 105- 114, jul.-dez. 2007.


106
Para compreendermos uma concepção metodo- volve com a polêmica do roubo de madeira no vale
lógica podemos optar por vias distintas, dentre elas do rio Reno. Nesse contexto, tem a oportunidade de
a via direta, que ocorre pela seleção dos textos do questionar o modelo idealista hegeliano a partir da
próprio autor que tratam especificamente do méto- percepção dos problemas concretos da realidade na
do; e a via indireta, que implica o estudo de toda a qual está inserido 2 .
obra do autor a fim de perceber como ele constrói o
O método de pesquisa e pensamento que Hegel
pensamento. A compreensão do método marxiano
denomina de metafísico investigava as coisas como
poderá ser mais profunda se optarmos pelas duas
algo dado e fixo. Assim, a lógica dialética, inaugura-
formas, pois Marx trata especificamente do método,
da por ele, busca superar a lógica metafísica, com
de maneira muito breve, na Introdução 1 da “Contri-
sua tendência a perceber os conceitos de maneira
buição à Crítica da Economia Política” e no posfácio
estática e separados uns dos outros, definindo isola-
à segunda edição alemã de “O Capital”. Tais textos
damente o sujeito e o objeto. “Com esse método
serão abordados a fim de explicitar o método mate-
metafísico, que define os seres e as idéias fora de
rialista histórico e dialético de interpretação da reali-
suas relações e de suas interações, será muito fácil
dade, com o objetivo principal de contribuir para
concluir que o conhecimento é impossível, quando
desvelar o real e para uma possível modificação
na verdade, trata-se de um fato!” (LEFEBVRE, 1991,
prática dessa realidade. Com isso não queremos
p.50, grifo do autor). Lefebvre (1991, p.53-54) es-
dizer que a mera explicitação do método contribuirá
clarece que os idealistas elevam ao absoluto uma
para a transformação da realidade, porém sem a
parte do saber adquirido e transformam tal parte
clareza dos fundamentos de um método para a ex-
numa idéia ou num pensamento misterioso que
plicitação da realidade torna-se mais difícil a tarefa
existe antes da natureza e do homem real. Por isso,
de compreensão e transformação do real. Conside-
para o autor, todo idealismo é metafísica, porém
ramos o método marxiano adequado, na medida em
nem todo metafísica é idealista, já que algumas se
que nos possibilita compreender melhor as contradi-
caracterizam como materialistas. Engels, em “Anti-
ções da sociedade capitalista.
Dühring”, explicita como o metafísico trata do objeto
de pesquisa:
Na perspectiva materialista histórica, o méto-
do está vinculado a uma concepção de reali-
dade, de mundo e de vida no seu conjunto. A Para o metafísico, as coisas e suas imagens
questão da postura, neste sentido, antecede no pensamento, os conceitos, são objetos iso-
ao método. Este constitui-se numa espécie de lados de investigação, objetos fixos, imóveis,
mediação no processo de apreender, revelar e observados um após o outro, cada qual de
expor a estruturação, o desenvolvimento e per si, como algo determinado e perene. O
transformação dos fenômenos sociais. (FRI- metafísico pensa em toda uma série de antí-
GOTTO, 2001, p.77) teses desconexas: para ele, há apenas o sim
e o não e, quando sai desses moldes, encon-
tra somente uma fonte de transtornos e con-
Dada a complexidade do tema, destacaremos,
fusão. [...] Preocupado com sua própria exis-
ainda, algumas contribuições de autores que tratam
tência, não reflete sobre sua gênese e sua
da questão. Vale sublinhar que a utilização do mé-
caducidade; concentrado em suas condições
todo desenvolvido por Karl Marx requer, além do
estáticas, não percebe a sua dinâmica; obce-
entendimento do seu percurso metodológico, a
cado pelas árvores não consegue ver o bos-
compreensão da obra “O Capital”. Caso contrário,
que. (ENGELS, 1990, p.20-21)
torna-se inviável para o pesquisador operar com tal
concepção metodológica, já que essa obra possibilita
perceber não só como Marx utiliza o seu método de Tomando consciência do movimento dos proces-
investigação, mas, especialmente, como ele trabalha sos mentais presentes nos conhecimentos produzi-
com o método de exposição. Além disso, devemos dos antes dele, Hegel o traduz em método. “A to-
enfatizar a importância da não dicotomização entre mada de consciência da forma do movimento do
conteúdo e método. pensamento conceptual tornar-se-á em Hegel o
método que será a Dialética.” (SCHAEFER, 1985,
Marx assume a concepção materialista a partir do
p.68)
seu envolvimento com os problemas sociais da Ale-
manha, o que acontece de forma mais concreta 2
“Em 1842, ao estudar na Rheinische Zeitung a legislação sobre
quando passa a ser diretor do jornal Gazeta Renana roubos de lenha e a situação dos camponeses do Mosela, Marx
(Rheinische Zeitung -1842), ocasião em que se en- foi levado a dar toda a devida importância às relações econômi-
cas. Não é a vontade dos homens que dá ao Estado a sua estru-
tura, mas sim a situação objetiva das relações entre eles. Não é
1
“E em 23 de agosto de 1857 começa a escrever uma introdução o aparelho jurídico que explica a sociedade burguesa, como
à crítica da economia política que constitui o primeiro na data dos queria Hegel; ele é apenas uma superestrutura e a sociedade
trabalhos originais, fruto das suas próprias pesquisas e cujo burguesa encontra a sua explicação nas relações de proprieda-
remate será O capital.” (Nota da edição francesa da Contribuição de.” (Nota da edição francesa da Contribuição à Crítica da Eco-
à Crítica da Economia Política, obra que foi publicada em 1859) nomia Política)
107
cado à sociedade humana e à história, formuladas
por Marx no prefácio da obra “Contribuição à crítica
O modo dialético de pensar não procura nos
da economia política” (publicada em 1859) 3 :
objetos de sua investigação essências eter-
nas, fixas e independentes. Se há uma essên-
cia na realidade objetiva ou subjetiva, esta é A conclusão geral a que cheguei e que, uma
dinâmica, contraditória, relacional, ou seja o vez adquirida, serviu de fio condutor dos
que for, contando que não imutável eterna, meus estudos, pode formular-se resumida-
etc., como a vê a metafísica. (SCHAEFER, mente assim: na produção social de sua exis-
1985, p.40-41) tência, os homens estabelecem relações de-
terminadas, necessárias, independentes da
Cheptulin (1982, p.180) destaca que: sua vontade, relações de produção que cor-
respondem a um determinado grau de desen-
Em oposição aos metafísicos que erigiram o volvimento das forças produtivas materiais. O
isolamento em absoluto e negaram a correla- conjunto destas relações de produção consti-
ção dos fenômenos da realidade, e também tui a estrutura econômica da sociedade, a ba-
em oposição aos idealistas que deduzem a se concreta sobre a qual se eleva uma super-
correlação da consciência, o materialismo dia- estrutura jurídica e política e à qual corres-
lético acredita que esta última é uma forma pondem determinadas formas de consciência
universal do ser, própria a todos os fenôme- social. O modo de produção da vida material
nos da realidade. condiciona o desenvolvimento da vida social,
política e intelectual em geral. Não é a consci-
ência dos homens que determina o seu ser; é
Como o capital é contradição em movimento, não o ser social que, inversamente, determina a
é possível compreender a sociedade na forma do sua consciência. (MARX, 2003, p.5)
capital sem um método que possibilite captar tal
contradição, já que a realidade não se dá a conhe-
cer de uma vez por todas, ou seja, está além da sua Nesse texto podemos perceber a ênfase atribuída
forma aparente. à estrutura econômica da sociedade como determi-
nante da superestrutura, enfocando, assim, a impor-
Não se poderia dizer melhor que só existe dialé- tância do modo de produção da vida material como
tica (análise dialética, exposição ou ‘síntese’) se determinante da consciência do indivíduo, porém
existir movimento; e que só há movimento se existir Marx não desconsiderou que mudanças na superes-
processo histórico: história. Tanto faz ser a história trutura podem contribuir para transformações na
de um ser da natureza, do ser humano (social), do estrutura. Importa sublinhar que o ser é determina-
conhecimento! É isso o que dizia (não sem de-negá- do em seu movimento, comportando um autodina-
lo e re-negá-lo) Hegel; e o que Marx e Lênin repe- mismo da natureza, por isso é determinado de modo
tem (comprovando-o, fazendo-o). A história é o não mecânico.
movimento de um conteúdo, engendrando diferen-
ças, polaridades, conflitos, problemas teóricos e No posfácio à segunda edição alemã do volume 1
práticos, e resolvendo-os (ou não). (LEFEBVRE, de “O Capital” (obra publicada em 1867), Marx ex-
1991, p.21-22) plicita:

A obra marxiana é uma pesquisa das relações É, sem dúvida, necessário distinguir o método
econômico-políticas, por isso Marx dedicou-se ao de exposição 4 formalmente, do método de
conhecimento do homem nos planos sociológico, pesquisa. A pesquisa tem de captar detalha-
econômico e político. O enfoque não é idealista, damente a matéria, analisar as suas várias
como fora em Hegel, e sim materialista. O materia- formas de evolução e rastrear sua conexão ín-
lismo histórico e dialético origina-se dos fundamen- tima. Só depois de concluído esse trabalho é
tos metodológicos hegelianos, ou seja, da dialética que se pode expor adequadamente o movi-
como método, a qual supera a lógica formal por mento real. Caso se consiga isso, e espelhada
incorporação, portanto não se reduz à lógica e tam- idealmente agora a vida da matéria, talvez
bém não se reduz a método de investigação. Marx
busca desenvolver um método que possibilite captar
3
a essência do objeto a ser investigado e, em sua A obra é um trabalho de 15 anos e, em 1857, Marx começa a
sistematização do material e a escreve entre agosto de 1858 e
obra “O Capital”, afirma que a ciência seria supér- janeiro de 1859.
flua se a aparência e a essência das coisas coincidis- 4
Kozik (2002, p.37) alerta para o fato de que, apesar da afirma-
sem. Destaca que as próprias ciências, exceto a ção de Marx, é comum ocorrer a equiparação do método de
investigação ao método de exposição. Por isso esse autor apre-
economia política, reconheceram que as coisas a- senta os três graus do método de investigação para que não seja
presentam uma aparência oposta à sua essência. confundido com o método de explicitação: 1) minuciosa apropria-
Para a compreensão do método torna-se importante ção da matéria, incluindo todos os detalhes históricos aplicáveis;
2) análise de cada forma de desenvolvimento do próprio material;
analisar as teses fundamentais do materialismo apli- 3) investigação da coerência interna.
108
possa parecer que se esteja tratando de uma justaposição da simultaneidade histórica, nem
construção a priori. Por sua fundamentação, na sucessão de seus eventos. Sua ligação é
meu método dialético não só difere do hegeli- mediada sobretudo por sua posição e função
ano, mas é também a sua antítese direta. Pa- recíprocas na totalidade [...] (LUKÁCS, 2003,
ra Hegel, o processo de pensamento, que ele, P.371-372, grifo do autor)
sob o nome de idéia, transforma num sujeito
autônomo, é o demiurgo do real, real que Na obra “A ideologia alemã” 5 (redigida em 1845-
constitui apenas a sua manifestação externa. 46 e publicada somente em 1932, na União Soviéti-
Para mim, pelo contrário, o ideal não é nada ca) Marx e Engels já haviam explicitado a concepção
mais que o material, transposto e traduzido materialista assumida, ao afirmarem que os homens
na cabeça do homem. (MARX, 1998, p.26) constroem suas idéias a partir da prática social con-
creta:
O percurso do método de investigação é mais
Os homens são produtores de suas represen-
amplo, detalhado, e o método de exposição repre-
tações, suas idéias, etc., mas os homens reais
senta uma síntese da análise concreta que pode ser
e ativos, tal como se acham condicionados
apresentada de forma seqüencialmente diferente do
por um determinado desenvolvimento de suas
método de investigação, pois a forma de expor as
forças produtivas e pelo intercâmbio que a ele
conclusões de um estudo precisa ser minuciosamen-
corresponde até chegar às suas formações
te bem elaborada, a fim de que os resultados sejam
mais amplas. A consciência jamais pode ser
melhor compreendidos por outros indivíduos.
outra coisa que o ser consciente, e o ser dos
Marx enfatiza, no posfácio, que “a mistificação
homens é o seu processo de vida real.
que a dialética sofre nas mãos de Hegel não impe-
(MARX; ENGELS, 1993, p. 36-37)
de, de modo algum, que ele tenha sido o primeiro a
expor as suas formas gerais de movimento, de ma-
neira ampla e consciente. É necessário invertê-la, Tal acepção também foi destacada na obra ”Mi-
para descobrir o cerne racional dentro do invólucro séria da Filosofia”, de 1847, obra em que Marx de-
místico.” (MARX, 1998, p. 27) Afirma que o ideal é senvolve de forma mais amadurecida seus pressu-
determinado pelo material e que, para compreen- postos metodológicos:
dermos o real na sua essência, torna-se fundamen-
tal a utilização do método materialista histórico e
Os mesmos homens que estabelecem as rela-
dialético.
ções sociais de acordo com a sua produtivida-
Lukács (2003, p.371, grifo do autor) destaca que
de material produzem também os princípios,
“a história não se manifesta mais como um aconte-
as idéias, as categorias, de acordo com as su-
cimento enigmático, que se efetua sobre os homens
as relações sociais. Por isso, essas idéias, es-
e sobre as coisas e que deveria ser explicado pela
sas categorias, são tão pouco eternas como
intervenção de poderes transcendentes ou tornar-se
as relações que exprimem. São produtos his-
coerente pela referência a valores transcendentes (à
tóricos e transitórios. (MARX, 2001, p.98, grifo
história).” Segundo ele, a história é o produto das
do autor)
atividades dos próprios homens, contudo, a suces-
são empírica de acontecimentos históricos não é
Marx considera que o homem concreto constitui
suficiente para explicar e compreender a origem real
ao mesmo tempo o sujeito e o objeto da história:
de uma determinada forma de existência ou de um
homem-objeto porque exteriorizado em ações e
pensamento. Sendo assim, explicita:
fatos; e homem-sujeito porque determina as ações e
fatos. O concreto verdadeiro não reside no sensível,
E a história consiste justamente no fato de no imediato; o sensível é a primeira forma de abs-
que toda fixação reduz-se a uma aparência: a tração e é, também, o primeiro concreto. Represen-
história é exatamente a história da transfor- ta a apreensão global, confusa, sincrética do real
mação ininterrupta das formas de objetivação concreto, caracteriza-se como uma apreensão abs-
que moldam a existência do homem. A im- trata. Marx alerta que não podemos esquecer que o
possibilidade de compreender a essência de todo já existe na realidade objetiva antes de ser
cada uma dessas formas a partir da sucessão reproduzido no plano do pensamento. Com a limita-
empírica de acontecimentos históricos não se ção presente na identidade sujeito-objeto, o idea-
baseia, portanto, no fato de que essas formas lismo hegeliano não concebe a realidade indepen-
são transcendentes em relação à história, co- dente da consciência.
mo julga, e assim tem de ser, a concepção
burguesa que pensa por determinações isola-
doras da reflexão ou por ‘fatos’ isolados, mas
no fato de que essas formas singulares não
estão imediatamente relacionadas nem na 5
A obra “A ideologia alemã” pode ser considerada uma ruptura
definitiva e consciente com a filosofia feuerbachiana.
109
Quando em Hegel o espírito do mundo se tor- a produção e transformação do ser social 7 que se
na artífice e demiurgo da história, verifica-se produz na forma do capital. Como destacamos, Marx
uma generalização mistificatória daquilo que afirma que se a realidade se mostrasse de forma
era, no trabalho humano, a real compreensão imediata, seria desnecessário percorrer o processo
de sua essência concreta. A ambigüidade da de investigação científica para a apreensão e atua-
‘astúcia da razão’ hegeliana [...] indica que ção sobre a realidade. Porém, a realidade fenomêni-
seu senso da realidade foge do misticismo de- ca obscurece o real: “O fenômeno é, habitualmente,
senfreado que disto deriva, desta teologia definido como o aspecto exterior, cambiante do
cósmica que transcende o homem, mas indica objeto e que exprime sua essência. [...] O fenômeno
também que ele não está em condições de é o conjunto dos aspectos exteriores, das proprie-
compreender a dialética real que, a partir das dades, e é uma forma de manifestação da essência.”
aspirações particulares dos homens singulares (CHEPTULIN, 1982, p.277-278) Daí a importância do
e dos grupos, desenvolve a universalidade das desvelamento da estrutura ontológica 8 da realidade
modificações históricas das formações sociais para que o conhecimento possa ser instrumento de
que se sucedem. (LUKÁCS, 1978, p.48) uma práxis transformadora. Cheptulin (1982, p.279,
grifo do autor) enfatiza que “o fenômeno não pode
nunca ser ‘como a essência’, já que ele distingue-se
No materialismo, portanto, a compreensão do
sempre dela e, de uma forma ou de outra, a defor-
real se efetiva ao atingir, pelo pensamento, um con-
ma. É por isso que a percepção dos fenômenos não
junto amplo de relações, particularidades, detalhes
nos fornece nunca um conhecimento verdadeiro da
que são captados numa totalidade. Se um objeto do
essência.”
pensamento é mantido isolado, ele se imobiliza no
Para Lênin, a descoberta da concepção materia-
pensamento, é apenas uma abstração metafísica.
lista da história eliminou dois problemas essenciais
Porém, a abstração é uma etapa intermediária que
das teorias da história anteriores a Marx:
permite chegar ao concreto; dessa maneira, aquele
que procura captar o real sem ter passado pela abs-
tração não é capaz de captar o essencial, o concre- Em primeiro lugar, estas consideravam, no
to, mantém-se no superficial, no aparente. A apa- melhor dos casos, os móbiles ideológicos da
rência é um reflexo da essência, da realidade con- atividade histórica dos homens, sem investi-
creta; o reflexo é, pois, transitório, fugaz e pode ser gar a origem desses móbiles, sem apreender
facilmente negado, superado pela essência. 6 as leis objetivas que presidem ao desenvolvi-
mento do sistema das relações sociais e sem
descobrir as raízes dessas relações no grau de
a) A aparência, manifestação ou ‘fenômeno’,
desenvolvimento da produção material. Em
portanto, é apenas um aspecto da coisa, não
segundo lugar, as teorias anteriores não abar-
a coisa inteira. Com relação à essência, o fe-
cavam precisamente a ação das massas da
nômeno é em si mesmo apenas uma abstra-
população, enquanto o materialismo histórico
ção, um lado menos rico e menos complexo
permite, pela primeira vez, estudar com a
do que a coisa, um momento abstrato negado
precisão das ciências naturais as condições
pela coisa. A coisa difere da aparência; e, com
sociais da vida das massas e as modificações
relação à aparência, a coisa é em si mesma
dessas condições. (LÊNIN, 1977, p.11, grifo
diferença, negação, contradição. Ela não é a
do autor)
aparência, mas sua negação.
b) E, não obstante, a aparência está na coisa.
Lênin ignora o caráter socialmente condicionado
A essência não existe fora de sua conexão
das ciências sociais por não distinguir metodologi-
com o universo, de suas interações com os
camente as ciências da natureza das ciências da
outros seres. Cada uma dessas interações é
história. Contudo, a distinção metodológica entre as
um fenômeno, uma aparência. Em si, a es-
ciências da natureza e as ciências sociais não implica
sência é apenas a totalidade das aparências;
recair, no contexto da pesquisa social, numa abor-
e a coisa é apenas a totalidade dos fenôme-
dagem relativista. Lowy (1978, p.29) esclarece que:
nos. E aqui, sob esse ângulo, a aparência ‘a-
parece’ como uma diferença cuja essência Para o relativismo [...] não há verdade objetiva,
contém a unidade, a identidade. (LEFEBVRE, há várias verdades: a do proletariado, a da burgue-
1991, p.218-219, grifo do autor) sia, a dos conservadores, a dos revolucionários,

O objetivo de Marx, ao desenvolver o método 7


O ser social é um conjunto de determinações contraditórias:
materialista histórico-dialético, é apreender, desvelar base e superestrutura; forças produtivas e relações de produção;
luta de classes, etc.
8
O campo ontológico trata do campo da práxis, constituindo o
complexo de relações que formam a existência objetiva; o campo
epistemológico é composto pelos processos e relações constitu-
6
Importa sublinhar que o concreto-do-pensamento é o conheci- tivos da atividade de conhecimento em si mesma. (AUGUSTO,
mento e o concreto-realidade é o objeto do conhecimento. 1999)
110
cada uma igualmente verdadeira ou falsa. Caímos mundo da pseudoconcreticidade 10 , já que este é,
assim na célebre noite relativista onde todos os para ele, um ”claro-escuro de verdade e engano”. O
gatos são pardos, e acabamos por negar a possibili- autor explicita que é necessário conhecer a estrutu-
dade de um conhecimento objetivo. ra da coisa; sendo assim, é importante decompor o
todo para poder reproduzir espiritualmente a sua
Não partimos do pressuposto de que é possível
estrutura e compreendê-la. O conhecimento se efe-
estudar a ação das massas com a precisão das ciên-
tiva como separação de fenômeno e essência, do
cias naturais, conforme postula Lênin. Por isso, con-
que é secundário e do que é essencial para eviden-
cordamos com o posicionamento de Lowy (1978,
ciar a coerência interna da coisa: “[...] por trás da
p.34):
aparência externa do fenômeno se desvenda a lei do
fenômeno; por trás do movimento visível, o movi-
[...] o ponto de vista do proletariado não é
mento real interno; por trás do fenômeno, a essên-
uma condição suficiente para o conhecimento
cia.” (KOZIK, 2002, p.20)
da verdade objetiva, mas é o que oferece
O conceito é alcançado a partir da impressão
maior possibilidade de acesso a essa verdade.
sensível, do imediato, assim o pensamento que se
Isso porque a verdade é para o proletariado
eleva do imediato ao conceito nos aproxima do real.
um meio de luta, uma arma indispensável pa-
O imediato é ao mesmo tempo concreto, já que nos
ra a revolução. As classes dominantes, a bur-
aproxima dele, e abstrato, pois as sensações apre-
guesia (e também os burocratas, num outro
sentam apenas a superfície do mundo exterior. O
contexto) têm necessidade de mentiras para
pensamento dialético, portanto, distingue represen-
manter o seu poder. O proletariado tem ne-
tação e conceito: a representação é um esquema
cessidade da verdade[...]
abstrato da realidade, não capta a “coisa em si”;
enquanto o conceito é a compreensão do real; a
O método marxiano aponta que é necessário
representação é o mundo da aparência e o conceito
partir do real, do concreto, da visão caótica do todo,
é o mundo da realidade. “O pensamento que destrói
e através de uma determinação mais precisa, atra-
a pseudoconcreticidade para atingir a concreticidade
vés de uma análise, chegar a conceitos cada vez
é ao mesmo tempo um processo no curso do qual
mais simples; do concreto figurado às abstrações
sob o mundo da aparência se desvenda o mundo
cada vez mais delicadas, até atingir as determina-
real.” (KOZIK, 2002, p.20)
ções mais simples. “Partindo daqui, é necessário
caminhar em sentido contrário até chegar finalmen-
te de novo ao real, que não é mais a representação Concreto e abstrato não podem ser separa-
caótica de um todo, mas uma rica totalidade de dos; são dois aspectos solidários, duas carac-
determinações e de relações numerosas.” (MARX, terísticas inseparáveis do conhecimento. Con-
2003, p.247) As categorias abstratas 9 são relações vertem-se incessantemente um no outro: o
mais simples, parciais; as categorias concretas são concreto determinado torna-se abstrato; e o
mais complexas, mais ricas. O desenvolvimento do abstrato aparece como concreto já conhecido.
pensamento se eleva do abstrato ao concreto, ou Penetrar no real é superar o imediato – o sen-
seja, do simples ao complexo. sível – a fim de atingir conhecimentos media-
tos, através da inteligência e da razão. O em-
O concreto é concreto por ser a síntese de pirismo tem razão ao pensar que se deve par-
múltiplas determinações, logo unidade da di- tir do sensível, mas erra quando nega que se-
versidade. É por isso que ele é para o pensa- ja necessário superar o sensível; o racionalis-
mento um processo de síntese, um resultado, mo tem razão em crer nas ‘idéias’, mas erra
e não um ponto de partida, apesar de ser o ao substancializá-las metafisicamente, situan-
verdadeiro ponto de partida e portanto igual- do-as fora do real que elas conhecem. (LE-
mente o ponto de partida da observação ime- FEBVRE, 1991, p.111-112)
diata e da representação. (MARX, 2003,
p.248) Os conceitos científicos também são abstrações,
mas abstrações que penetram na essência, daí se
Kozik (2002), na sua obra “Dialética do Concre- configuram como conceitos concretos. “O ser abs-
to”, aponta que para a compreensão da “coisa em trato [...] e a essência são inerentes ao conceito;
si”, além de certo esforço, é necessário fazer tam- são seus graus, seus momentos. Na lógica concreta
bém um détour a fim de que possamos superar o (dialética), o conceito vem após o ser abstrato e a

10
Para Kozik (2002, p.15), o mundo da pseudoconcreticidade é
9
Nesse entendimento, as categorias abstratas representam as constituído: pelo mundo dos fenômenos externos; pelo mundo do
apreensões do específico, do singular, da parte e sua mediação tráfico e da manipulação, ou seja, da práxis fetichizada dos ho-
com a totalidade mais ampla, cuja relação permitirá chegar às mens; pelo mundo das representações comuns; pelo mundo dos
categorias concretas, ou seja, à apreensão das contradições, das objetos fixados que não são reconhecíveis como resultados da
questões fundamentais que estruturam o fenômeno investigado. atividade social dos homens.
111
essência, no grau superior.” (LEFEBVRE, 1991, mente com as leis que o põem em relação
p.223, grifo do autor) com a universalidade que o compreende e
com as particularidades intermediárias. (LU-
A prática, o ser (abstrato) e a essência são mo-
KÁCS, 1978, p.183)
mentos do conceito; assim, todo ser determinado é
um ser singular e, para se chegar ao conceito, é
Tais categorias são fundamentais na pesquisa,
necessário estabelecer a conexão dialética entre
pois possibilitam compreender o objeto nas suas
singular e universal. Nessa conexão surge o papel
articulações entre as dimensões macro e micro,
do particular como mediador entre o universal e o
contribuindo para que o pesquisador não se limite a
singular. O particular é o ponto de partida do pen-
apreender o fenômeno investigado de maneira con-
samento para chegar ao universal, bem como para
tingencial, bem como para demonstrar que pesqui-
explicar o singular. Portanto, para a formação de
sas desenvolvidas numa perspectiva marxiana não
conceitos que penetrem além do sensível aparente é
são macro-teorizações. Lênin também contribui na
necessário estabelecer a conexão dialética entre o
compreensão dessa questão, ao afirmar que:
universal, o particular e o singular. A particularidade
é uma categoria historicizante que possibilita a com-
[...] os opostos ( o singular é o oposto do uni-
preensão de outros aspectos do real, já que está no
versal) são idênticos: o singular não existe
âmbito das mediações.
senão em sua relação com o universal. O uni-
versal só existe no singular, através do singu-
Quanto mais autêntica e profundamente os lar. Todo singular é ( de um modo ou de ou-
nexos da realidade, suas leis e contradições, tro) universal. Todo universal é (partícula ou
vierem concebidos – de um modo aproximati- aspecto, ou essência) do singular. Todo uni-
vamente adequado – sob a forma da univer- versal abarca, apenas de um modo aproxima-
salidade, tanto mais concreta, dúctil e exata- do, todos os objetos singulares. Todo singular
mente poderá ser compreendido também o faz parte, incompletamente, do universal, etc.
singular. A imensa superioridade do marxis- Todo singular está ligado, por meio de milha-
mo-leninismo sobre qualquer teoria burguesa res de transições, aos singulares de um outro
se baseia, entre outras coisas não mais impor- gênero (objetos, fenômenos, processos), etc.
tantes, sobre esta ininterrupta utilização das Já aqui há elementos, germes, do conceito da
leis da unidade dialética e do caráter contradi- necessidade, da relação objetiva na natureza,
tório na relação de singularidade, particulari- etc. O casual e o necessário, o fenômeno e a
dade e universalidade. Quem estuda as gran- essência, já se encontra aqui [...] (LÊNIN, ci-
des análises históricas dos clássicos do mar- tado por LUKÁCS,1978, p. 109, grifo do autor)
xismo-leninismo, suas explicações teóricas de
etapas decisivas e de reviravoltas históricas,
Marx afirma que o estudo da essência de deter-
encontrará sempre a elaboração e a aplicação
minado fenômeno se dá pela análise da forma mais
desta dialética. (LUKÁCS, 1978, p.104)
desenvolvida alcançada por tal fenômeno. Contudo,
a essência do fenômeno não se apresenta ao pes-
Complementando essa análise, Lukács (1978, quisador imediatamente, por isso é necessário reali-
p.93) destaca que a dialética entre universal e parti- zar a mediação pelo processo de análise, que se
cular é muito importante, na medida em que o par- caracteriza como abstração. Desse modo, o método
ticular é a expressão lógica das categorias de medi- é dialético, pois a apropriação do concreto pelo pen-
ação entre os homens singulares e a sociedade. samento científico se dá pelo complexo de media-
Desse modo, a relação entre singular e universal é ções teóricas abstratas para se chegar à essência do
sempre mediatizada pelo particular, “ele é um mem- real, e é materialista porque o conhecimento cientí-
bro intermediário real, tanto na realidade objetiva fico se constrói pela apropriação da essência da
quanto no pensamento que a reflete de um modo realidade objetiva.
aproximativamente adequado.” (LUKÁCS, 1978,
A sociedade burguesa é a organização histórica
p.112)
mais desenvolvida, mais diferenciada da produção.
As categorias que exprimem suas relações, a com-
Mesmo que a finalidade do conhecimento ci-
preensão de sua própria articulação, permitem pe-
entífico seja a investigação do caso singular,
netrar na articulação e nas relações de produção de
esta fundamental estrutura do reflexo não se
todas as formas de sociedades desaparecidas, sobre
altera. Em seu devido lugar, chamamos a a-
cujas ruínas e elementos se acha edificada, e cujos
tenção para o fato de que este retorno do u-
vestígios, não ultrapassados ainda, leva de arrastão,
niversal ao singular – que não se confunde
desenvolvendo tudo que fora antes apenas indicado
com um isolamento positivista de singularida-
que toma assim toda a sua significação etc. A ana-
de frequentemente exteriores ou mesmo in-
tomia do homem é a chave da anatomia do macaco.
significantes – só pode produzir frutos científi-
O que nas espécies animais inferiores indica uma
cos se cada singular for conhecido conjunta-
112
forma superior não pode, ao contrário, ser compre- [...] em dialética, o caráter da negação obe-
endido senão quando se conhece a forma superior. dece, em primeiro lugar, à natureza geral do
A economia burguesa fornece a chave da economia processo e, em segundo lugar, à sua natureza
da antigüidade etc. Porém, não conforme o método específica. Não se trata apenas de negar, mas
dos economistas que fazem desaparecer todas as de anular novamente a negação. Assim, a
diferenças históricas e vêem a forma burguesa em primeira negação será de tal natureza que
todas as formas de sociedade. (MARX, 1978, p. 120) torne possível ou permita que seja novamente
possível a segunda negação. (ENGELS, 1990,
p. 121)
Marx procura demonstrar “que a pesquisa deve
partir da fase mais desenvolvida do objeto investi-
A afirmação gera a sua negação, contudo a ne-
gado para então analisar sua gênese e, depois da
gação não se perpetua, pois tanto a afirmação
análise dessa gênese, retornar ao ponto de partida,
quanto a negação são superadas, gerando uma
isto é, à fase mais evoluída, agora compreendida de
síntese que se constitui como negação da negação:
forma ainda mais concreta, iluminada pela análise
“Da negação recíproca, surge a ‘negação da nega-
histórica” (DUARTE, 2000, p.102)
ção’: a superação.” (LEFEBVRE, 1991, p.231, grifo
Engels, ao publicar “Anti-Dühring” 11 , em 1878, do autor)
combate as idéias do reformador socialista Eugen
Engels, em “Anti-Dühring”, destaca a dissolução
Dühring e, no prefácio da segunda edição, destaca:
da rigidez dos conceitos e dos objetos que lhes cor-
"assim, a crítica negativa resultou positiva; a polê-
respondem, passagem contínua de uma determina-
mica transformou-se em exposição mais ou menos
ção a outra, permanente superação dos contrários,
coerente do método dialético e da ideologia comu-
substituição da causalidade unilateral e rígida pela
nista defendida por Marx e por mim, numa série de
interação recíproca. Porém, Lukács (2003) aponta
domínios bastante vastos." (ENGELS, 1990, p. 9)
que tais determinações da dialética nada significam
Apoiado por Marx, que em seus últimos anos de sem a consideração da relação entre sujeito e objeto
vida tentava finalizar a obra “O Capital”, Engels não no processo da história.
só contribuiu para a compreensão do método marxi-
A busca pelas determinações e articulações que
ano, como passou a refletir e escrever sobre as leis
possibilitam a compreensão do real e que possibili-
gerais da dialética:
tam a construção de totalidades sociais é adequada
- lei da passagem da quantidade à qualidade; na medida em que o uso da categoria totalidade não
esbarre em distorções:
- lei da interpenetração dos contrários;
- lei da negação da negação.
Uma é a aproximação semântica com totalita-
A primeira lei enfatiza que todo processo de rismo, de esquerda ou de direita, evocado,
transformação se dá de forma lenta e em diferentes justamente, como um cerceamento absoluto à
ritmos; modificações quantitativas lentas podem dignidade humana. Outra dificuldade é a
gerar alterações qualitativas. Ocorre uma intensifi- compreensão equivocada de que totalidade
cação das contradições que levam a uma modifica- tem o sentido de tudo, o que inviabiliza um
ção brusca (modificações radicais, “saltos”). processo sério de conhecimento. No sentido
marxiano, a totalidade é um conjunto de fatos
A segunda lei demonstra que os diferentes as-
articulados ou o contexto de um objeto com
pectos da realidade se entrelaçam, promovendo a
suas múltiplas relações ou, ainda, um todo es-
inclusão dos aspectos contraditórios. “O método
truturado que se desenvolve e se cria como
dialético busca captar a ligação, a unidade, o movi-
produção social do homem. (CIAVATTA, 2001,
mento que engendra os contraditórios, que os opõe,
p.123)
que faz com que se choquem, que os quebra ou os
supera.” (LEFEBVRE, 1991, p.238)
A terceira lei explicita que o movimento geral da O presente estudo apresentou os fundamentos
realidade não se restringe às contradições perma- centrais do método marxiano com a intencionalidade
nentes, ou seja, o conflito entre teses e antíteses de explicitar os elementos que constituem um pro-
não é eterno: cesso de pesquisa demarcado por essa concepção
metodológica. O descuido em relação ao corpo teó-
rico adotado na pesquisa pode conduzir ao desen-
volvimento de estudos caracterizados pelo ecletis-
mo, relativismo, subjetivismo, empirismo, pragma-
11
tismo, entre outras conseqüências que não contri-
A interpretação elaborada por Lukács, em “História e consciên- buem para a apreensão do real e, muito menos,
cia de classe”, acusa Engels de ter deixado de investigar os
momentos e determinações que fazem da teoria, do método para uma possível transformação deste. Especial-
dialético, o veículo da revolução.
113
mente a abordagem relativista e a (neo) pragmatista
estão muito presentes no campo da pesquisa em 3. CHEPTULIN, A. A dialética materialista: cate-
educação. Os relativistas assumem uma atitude de gorias e leis da dialética. São Paulo: Alfa-Omega,
suspeição em relação à ciência, ao negarem o valor 1982.
de verdade ao conhecimento científico. Desse modo,
o que é real e verdadeiro para um grupo social não 4. CIAVATTA, M. O conhecimento histórico e o pro-
o é para outro, por isso todos os discursos, todas as blema teórico-metodológico das mediações. In:
crenças são válidas. Os pragmatistas justificam a FRIGOTTO, Gaudêncio; CIAVATTA, Maria. (Orgs.).
ciência pela sua eficácia prática, o que demonstra o Teoria e educação no labirinto do capital. Pe-
quanto essas concepções podem impedir o desen- trópolis, RJ: Vozes, 2001. cap.6. p.121-144.
volvimento de pesquisas que realmente viabilizem
uma apreensão crítica da realidade. 5. DUARTE, N. A anatomia do homem é a chave da
anatomia do macaco: a dialética em Vigotski e em
Todavia, o método não pode servir para fazer
Marx e a questão do saber objetivo na educação
com que a realidade se “encaixe“ nele como uma
escolar. Educação e Sociedade, v.21, n.71, Cam-
camisa de força que permite apenas alguns movi-
pinas, jul.2000, p.79-115.
mentos controlados; ao contrário, tem o papel de
dar sentido e validade explicativa ao objeto da pes-
6. ENGELS, Friedrich. Anti-Dühring. 3. ed. Rio de
quisa. A opção por uma concepção metodológica
Janeiro: Paz e Terra, 1990.
demonstra a posição do pesquisador diante da reali-
dade e sua pesquisa revelará uma determinada vi-
7. FRIGOTTO, G. O enfoque da dialética materialis-
são de mundo e os elementos que contribuirão para
ta histórica na pesquisa educacional. In: FAZENDA,
a legitimação ou transformação do real.
I. (Org.). Metodologia da pesquisa educacional.
7.ed. São Paulo: Cortez, 2001.
Referências 8. KOZIK, K. Dialética do concreto. 7. ed. São
Paulo: Paz e Terra, 2002.
1. ALTHUSSER, L. Análise crítica da teoria mar-
xista. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1967. 9. LEFEBVRE, H. Lógica formal Lógica dialética.
5. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1991.
2. AUGUSTO, A. G. Ontologia e crítica: o método
em Marx. Econômica, Rio de Janeiro, v.1, n.2, 10. LÊNIN, V. I. Obras escolhidas. v.1. Lisboa:
p.131-142, dez.1999. Avante, 1977.

11. LOWY, M. Método dialético e teoria política.


2. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1978.

12. LUKÁCS, G. Introdução a uma estética mar-


xista: sobre a categoria da particularidade. Rio de
Janeiro: Civilização Brasileira, 1978.

13._____. História e consciência de classe. São


Paulo: Martins Fontes, 2003.

14. MARX, K.; ENGELS, F. A ideologia alemã. 9.


ed. São Paulo: HUCITEC, 1993.

15. MARX, K. Contribuição à crítica da econo-


mia política. 3. ed. São Paulo: Martins Fontes,
2003.

16. _____.Miséria da Filosofia: resposta à filosofia


da miséria do senhor Proudhon. São Paulo: Centau-
ro, 2001.
Detalhe do túmulo de K. Marx
17. _____. Manuscritos econômico-filosóficos e
outros textos escolhidos. São Paulo: Abril Cultu-
ral, 1978.
114
18. _____.O Capital. v. 1. 16. ed. São Paulo: Nova
Cultural, 1998.

19. MÉSZÁROS, I. Para além do capital. São Pau-


lo: Boitempo, 2002.

20. SCHAEFER, S. A lógica dialética: um estudo


da obra filosófica de Caio Prado Júnior. Porto Alegre:
Movimento, 1985.

Recebido em 08/10/2007
Aceito para publicação em 19/12/2007

Você também pode gostar