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radas em arranjos duradouros de cunho neocor- tem o mérito de captar uma certa articulação
porativo — e cujo modelo gerencial do Sistema entre aspectos da prática sindical médica na
Único de Saúde emerge enquanto exemplo conjuntura de transição política do país. Ou
marcante e atual. Tais arranjos se apresentam seja, avalia os mecanismos de construção de um
apenas como mais um dentre os diversos meca- determinado movimento de múltiplas origens
nismos de tomada de decisões setoriais a serem profissionais a partir da atuação de setores
estudados, tais como o papel da estrutura dinâmicos presentes nas lutas sociais. Por outro
burocrática do Estado, os acessos privilegiados lado, acreditamos ter ocorrido uma superes-
de grupos empresariais aos recursos sociais, a timação da adesão dos médicos a este processo.
representação político partidária, etc. Na verdade, a incorporação da categoria aos
O sindicalismo médico é utilizado como princípios básicos das teses dos sanitaristas não
referência central em nossa discussão, em ocorreu, tendo a mesma ficado restrita à atua-
virtude do impacto que teve em certo período ção de lideranças politicamente engajadas via
— a partir de 1977 — na incorporação dos instâncias (como a organização partidária) cuja
médicos a experiências de defesa coletiva de dinâmica operava por fora da base sindical. O
interesses, com ressonância decisiva nas demais Movimento Sanitário não foi fruto, enquanto
categorias profissionais da saúde, e pela prática um item crucial, do sindicalismo médico e de
de colocar-se perante a população, tentando suas experiências cotidianas. Hoje fica mais fácil
vincular seus interesses imediatos a objetivos notar que não foram criadas bases sólidas
sociais mais amplos. Estas experiências estão dos projetos reformadores entre os médicos,
no cerne da questão da representação funcional embora naquela conjuntura tenha havido, isto
— desenvolver a capacidade de formular de- sim, uma importante adesão de parcelas da
mandas coletivas de um segmento e convencer categoria às reformas democráticas em nosso
os demais quanto aos benefícios comuns de país.
determinadas conquistas. Trata se de passar o O trabalho de Campos (1988a) segue um
próprio (demandas sindicais) pelo generalizado caminho diferente, enfocando, basicamente, as
(melhorias nos serviços e na qualidade de vida). diferenças internas aos médicos, mesmo no que
se refere às suas lutas corporativas. Embora
movimentos coletivos tenham se repetido envol-
MOVIMENTO SINDICAL MÉDICO vendo segmentos distintos da categoria, estes
não podem ser agrupados como uma corrente
O papel do movimento sindical médico foi política única ou mesmo marcadamente domi-
destacado em alguns estudos, sendo que con- nante. Ao se buscar caracterizar as correntes
sideramos dois deles como de maiores destaque políticas em atuação, remete-se não só a pa-
e coerência interna. Com enfoques distintos, drões ideológicos existentes, mas também a
Campos (1988a) e Escorel (1987) buscam tipos diferenciados de inserção no mercado de
estabelecer as referências centrais do sindicalis- trabalho que acabam por influenciar a prática
mo médico. Para Escorel, o movimento sindical política destes profissionais. As correntes políti-
médico, a partir das vitórias eleitorais do Movi- cas são construídas recorrendo se a certas bases
mento de Renovação Médica (Reme) ao final materiais. O “kassabismo” (favorecido pelos
da década de 70, estabeleceu alianças e projetos médicos, em número cada vez menor, com
conjuntos com outros setores da sociedade, maior controle de sua prática, dotados de eleva-
extrapolando suas demandas exclusivamente da autonomia, representando os ideais liberais
corporativas. Tal ponto de vista considera que plenos na Medicina), o Reme (desenvolvido a
o movimento sindical médico chegou a se partir das lutas sindicais envolvendo os assala-
constituir numa das vertentes fundamentais da riados e que, em certo momento, expandiu-se
constituição do Movimento Sanitário em nosso para a toda a estrutura representativa dos médi-
país, que desembocou no projeto da Reforma cos) e o neoliberalismo (expressão da crescente
Sanitária. Enquanto vertente, o sindicalismo associação entre consultório médico e convênio
médico seria um dos momentos da “constitui- empresarial, responsável pela reatualização das
ção/ação” do Movimento Sanitário. Esta análise aspirações liberais entre os médicos, carac-
em 1980, onde ações integrando as políticas de rido apenas a constituição de um rótulo “alti-
âmbito federal com as estaduais e municipais ssonante” para dar coesão a itens que remontam
passaram a expressar a combinação de algumas à década de 60. Some-se a isto a literal transpo-
teses reformadoras, como a descentralização e sição do modelo italiano, em que pese o fato das
a extensão de cobertura. Entretanto, foi com a estratégias serem necessariamente distintas,
VIII Conferência, realizada em 1986, em plena em virtude dos atores sociais envolvidos. Na
conjuntura de redemocratização política do país, Itália, o movimento contou com uma base
que o projeto reformador ganhou impulso partidária e sindical mais sólida, que precedeu o
suficiente para influenciar a própria Assembléia longo debate parlamentar (Berlinguer, 1988).
Nacional Constituinte, em 1988. As teses cen- No Brasil, o peso da burocracia técnica sanitá-
trais do Movimento Sanitário reformador carac- ria na elaboração do projeto, aliado ao maior
terizaram-se pela reforma do Estado, enquanto envolvimento de uma elite sindical cujas bases,
instância capaz de redemocratizar, através de como no caso dos médicos, estavam entre
suas políticas, as relações sociais e suas desi- funcionários públicos, traz à tona uma forma
gualdades. As características dominantes da particular do “pessoal de Estado” em levar
Reforma Sanitária foram, portanto, a promoção adiante suas demandas corporativas: apresentar
do acesso universal da população aos serviços; suas aspirações de expansão e reprodução
a descentralização gerencial, com o reforço dos enquanto anseios populares (King, 1988). A
papéis dos sistemas locais; a democratização da Reforma Sanitária fundamentou-se como uma
gestão dos recursos, através de estruturas tripar- reforma do Estado cujo eixo está na própria
tites (governos, usuários e profissionais de expansão do setor na saúde, o que condiz com
saúde); e a hierarquização dos serviços visando os interesses de uma tecnoburocracia atuante e
uma integração entre os diversos níveis de voltada para a sua reprodução.
complexidade. No conjunto, uma determinação Do lado dos movimentos sociais urbanos, é
de que o Estado atue como o responsável importante destacar a sua crescente demanda
primordial pela promoção da saúde da popu- por serviços públicos. A lógica dos interesses
lação. coletivos não perpassa profissões como a Medi-
Este processo desembocou na criação do cina, cujos rígidos vínculos corporativos deter-
Sistema Único de Saúde, onde ressaltamos minam barreiras substantivas a qualquer proces-
como relevante à nossa discussão a gestão so reformador (Costa, 1989).
compartilhada de recursos e ações sanitárias, Tais obstáculos não esmoeceram o ímpeto dos
através de arranjos institucionais onde diferentes formuladores da Reforma Sanitária em superar
atores passam a disputar seus interesses, tendo os limites corporativos. O movimento médico
que compartilhar consensos e conquistar deter- foi considerado por muitos como capaz de
minados bens ou benefícios. Como veremos operar alianças históricas com o movimento
adiante, tal modelo admite as demandas fun- popular (Teixeira, 1988). Tais expectativas
cionais em políticas setoriais e locais, carac- estavam muito vinculadas ao próprio processo
terizando arranjos de caráter neocorporativo. de redemocratização do país e à intensificação
O movimento pela Reforma Sanitária apresen- das lutas sindicais e políticas, gerando esperan-
tou-se aos médicos através de suas lideranças e ças de que limites tradicionais da organização
teve ressonância, a nosso ver, especialmente por social brasileira pudessem ser superados ao
itens como a isonomia salarial entre os profis- longo do esvaziamento dos regimes militares.
sionais. Os entraves, entretanto, foram se avolumando
Enquanto movimento reformador do Estado, após as primeiras experiências gerenciais dos
muitos foram os obstáculos que se apresentaram reformadores, constituindo-se num evidente
à sua viabilização. Alguns, fruto das condições dilema.
objetivas envolvendo atores sociais; outros, O dilema reformista estaria no fato da Refor-
decorrentes da própria proposta. ma ter se desenhado em cima da crise do
A começar pelo conteúdo básico da Reforma, sistema, apresentando-se como alternativa em
Oliveira (1989) lembra que as proposições já uma conjuntura peculiar (a “Nova República”)
estavam em curso há muito tempo, tendo ocor- onde o peso de forças políticas conservadoras
fiscais em políticas públicas. Offe & Ronge que vai desde a própria elaboração de quais
delineiam uma terceira via em andamento na demandas são relevantes e plausíveis, passando
Europa Ocidental, baseada em três itens: pro- pela capacidade de tais demandas homogeneiza-
gramas de reciclagem profissional, visando rem, mesmo que apenas por um instante, os
aumentar a capacidade de troca da força de indivíduos em torno de seus representantes, até
trabalho; aceleração da capacidade de troca de chegar ao papel que as instituições públicas
bens de capital via integração supranacional de desempenham no sentido de torná-las aceitáveis
mercados e diversas políticas nacionais e regio- ou não, ou mesmo de reconhecerem seus inter-
nais de pesquisa e desenvolvimento; e “sane- locutores.
amento planejado” de segmentos da produção A formação e a atuação de grupos de interes-
atrasados quanto à sua capacidade de rápida ses, segundo Offe (1989a), dependem de três
produção e circulação de bens. pontos: da vontade e identidade coletiva do
Tais estratégias pressupõem um ampla inter- grupo; da “estrutura de oportunidades” sócio-e-
ferência do Estado nas relações de troca e na conômica; e das práticas institucionais propor-
relação entre os interesses sociais organizados. cionadas pelo sistema político a estes grupos,
Isto revela um Estado organizador do processo na forma de “status público”. O autor critica a
econômico e interessado na ação dos atores teoria pluralista por estar demasiado presa à
sociais. expressão das vontades individuais. Assinala
Algumas contradições fundamentais emergem Offe: “A forma e o conteúdo concretos da
do quadro descrito. Uma delas estaria em que representação de interesses organizada é sem-
o Estado, para viabilizar a reprodução da for- pre um resultado do interesse, mais a opor-
ma-mercadoria (de cuja atuação depende a sua tunidade, mais o status institucional”.
própria sobrevivência via recolhimento de O Estado aparece como força interferente na
impostos, etc.), lança mão de políticas que intermediação de interesses. O status público,
pressupõem o crescimento da força de trabalho positivo ou negativo, atribuído via incentivos ou
em serviços empregada nas próprias agências sanções, estimula ou cerceia interlocutores,
estatais. Tais segmentos sociais estariam dis- voltando-se para a estratégia final de redução
tante de se comportarem pela lógica da mercan- do conflito global da sociedade. Na verdade,
tilização. Seus referenciais de produção seriam não ocorre uma redução do conflito, mas uma
distintos daqueles presentes na esfera mercantil fragmentação destes ao longo da sociedade. O
plena. Desta maneira, haveria uma desmercan- status público atribuído às organizações de
tilização da força de trabalho a serviço da interesses é considerado por Offe um item
reprodução desta enquanto mercadoria. Como crucial na intermediação de interesses na socie-
assinala Offe (1982), “do meu modo de ver, dade.
esta relação entre welfare e capitalismo é A representação funcional (neocorporativa)
contraditória: sob as condições de capitalismo emerge como adaptada ao desenvolvimento
moderno, uma estrutura de apoio de institui- capitalista e capaz de dar conta de itens varia-
ções não-mercantilizadas é necessária para um dos, os quais incluem o papel de selecionar
sistema econômico que utiliza a força de traba- questões que sirvam de informação global ao
lho como se fosse uma mercadoria”. O cres- sistema, sem a sobrecarga de demanda que a
cimento do setor de serviços na rede pública representação partidária tende a oferecer. A
seria, então, um subproduto “não-funcional” da agenda política da social-democracia européia
expansão capitalista. na década de 60 já dava sinais de sobrecarga
devido às políticas de crescente proteção social,
fazendo com que os modelos neocorporativos se
A REPRESENTAÇÃO DE INTERESSES E desenvolvessem, em países como a Alemanha
O NEOCORPORATIVISMO Ocidental, em cima do enfraquecimento do
sistema de representação territorial assegurado
A representação de interesses não se dá pelos partidos políticos. Poder-se-ia dizer que a
apenas pela vontade dos indivíduos represen- representação funcional neocorporativa desen-
tados, mas atende a um complexo mecanismo volveu-se junto com uma certa degeneração do
cas sociais redistributivas pelo Estado e de discursos anti-welfare state; interrupção dos
proteção individual. Em tais contextos, a par- gastos em políticas de bem-estar social e declí-
ticipação dos sindicatos de trabalhadores, com nio em participações orçamentárias; ausência de
destaque para o setor industrial e as grandes esforço militante no interior da sociedade em
centrais sindicais, desempenhou um papel favor de tais políticas; desserção eleitoral de
importante, chegando, em determinados mo- núcleos expressivos das classes trabalhadoras
mentos, a parcerias de caráter co-gestionário. em favor de liberais-conservadores; for-
Desta forma, o neocorporativismo, tanto em sua talecimento de movimentos sociais não vin-
expressão geral nos grandes acordos nacionais culados a classes sociais, como pacifistas,
como em suas dimensões setoriais ou locais, ambientalistas, etc.
apresentou-se enquanto elemento freqüen- Segundo Offe, ítens como a carga fiscal, a
temente associado ao Estado de Bem-Estar. crítica ao “paternalismo” de políticas de auxílio
Uma questão está nos possíveis limites redis- desemprego e a mudança do perfil ideológico
tributivos e protecionistas desta convivência de segmentos formadores de opiniões, no
entre Estado e atores sociais coletivos. Afora a sentido de avaliar como negativo o peso exces-
constatação do caráter de classe burguês dos sivo de Estado, debilitaram o consenso em
modelos neocorporativos, há também todo o torno do Estado de Bem-Estar Social. A relação
debate que envolve a própria crise do padrão dos indivíduos com a “coisa pública” passa a
“welfariano” desde a década de 70, a qual merecer especial atenção. Na democracia, o
originou, nos anos 80, o vendaval neoliberal, custo da recusa é zero para o indivíduo (o não-
colocando as estratégias sociais-democratas eleitoral), o que estimula a que cada um efetue
(dependentes fundamentalmente do Estado) em cálculos no sentido de maximizar seus ganhos,
dúvida quanto à sua capacidade de agregar na ausência de constrangimentos coletivos. A
justiça social com desenvolvimento econômico mudança nas estruturas de oportunidades em
sob a égide de políticas públicas. sociedade (com a intensificação da tecnologia,
Neste universo emerge a pergunta feita por a diversidade profissional, os ganhos econômi-
Offe (1989b): Seria o Estado de Bem-Estar cos de trabalhadores na esfera industrial, etc.)
Social uma decorrência natural e necessária da seria a base para uma certa decomposição
progressiva democracia política? Surpreenden- individualista dos modelos neocorporativos
temente, Offe detecta mecanismos onde a baseados na ação coletiva solidária.
escolha individual, freqüentementemente anôni- Os agentes individuais, assim, passam a medir
ma através do voto em eleições, atua no sentido seus ganhos específicos com cada bem público
de influenciar o desmonte de estruturas de produzido e, além disso, na ausência de incen-
proteção social. Para este autor, democracia e tivos ideológicos ou de sanções, omitem-se nas
welfare não se alimentam mutuamente, e ele contribuições à produção de determinados bens
assinala o enfraquecimento do “estatismo cen- sociais, mesmo estando de acordo com os
trado no trabalho” (onde indivíduos atuariam em mesmos.
função de solidariedades determinadas Desenha se, deste modo, um quadro onde
funcionalmente, esperando-se comportamentos cada agente individual atua de acordo com uma
eleitorais de uma maioria de trabalhadores em lógica de maximização dos ganhos, o que é
favor do welfare state) e da hipótese de auto-re- condizente com valores do liberalismo, onde a
produção institucional do modelo (os bens obtenção do máximo por cada um serve de
proporcionados pelo Estado de Bem-Estar alavanca para o desenvolvimento da sociedade.
gerariam um consenso que bloquearia possíveis Claro está que os padrões de democracia
iniciativas restritivas dos benefícios da parte de partidária, arranjos neocorporativos e ação
partidos conservadores). individual decorrente da maximização de gan-
Considera Offe que tais pressupostos não se hos convivem nas sociedades capitalistas desen-
sustentam à luz da experiência européia dos volvidas, sendo o impacto político diferenciado
anos 80, onde pode-se alinhar: derrotas eleito- conforme nação ou conjuntura.
rais de socialistas e sociais-democratas, contínu- Para as pesquisas em nosso país, con-
as, perante partidos conservadores portadores de sideramos a necessidade de absorver os elemen-
tos descritos pelo fato do Brasil inserir-se na colocam para o Estado e para os atores sociais
rede internacional de trocas do capitalismo e coletivos.
não estar à margem de tendências observadas 3. Os textos de Offe ganharam destaque
nos países centrais. Isto estimula a recusa a recente em nosso país, podendo sua importância
conceitos de representação de interesses exclusi- ser medida através das constantes referências à
vamente baseados no patrimonialismo, no sua obra observadas em trabalhos de autores
corporativismo autoritário ou na luta direta nacionais na área de pesquisa social, inclusive
entre as classes sociais. O estudo da or- na saúde. Ao colocarmos em destaque os seus
ganização dos interesses socialmente colocados pontos de vista, vemo-nos obrigados a discernir
passa pela observação de elementos detectados quais conceitos têm aplicação mais direta ao
em sociedades com um padrão de acumulação nosso campo de trabalho, haja vista a enorme
capitalista mais intenso, para que se apreenda as diferença entre as bases empíricas.
singularidades nacionais, regionais ou setoriais. 4. Inicialmente, é necessário esclarecer algu-
mas das diferenças centrais entre o caso brasi-
leiro e o dos países de capitalismo desenvolvido
PONTOS PARA O ESTUDO DE (especialmente a Europa). Os itens mais signifi-
POLÍTICAS SOCIAIS NO BRASIL cativos, afora as próprias dimensões em termos
de produção econômica, poderiam, apenas como
1. As análises sobre políticas sociais no resumo, ser colocados da seguinte maneira:
Brasil, e, em nosso caso, sobre as políticas de
saúde, podem se beneficiar com a incorporação • Não houve, no Brasil, a construção de um
de elementos presentes nos estudos sobre o Estado de Bem-Estar que pudesse servir de
neocorporativismo. As relações corporativas base para ações de superação do mesmo e
tradicionais são bem reconhecidas em nosso nem de análises comparadas de políticas
país, assim como o caráter autoritário predomi- sociais dentro de um contexto assistencialista
nante nas relações entre o Estado e a represen- geral. Nossos estudos devem, assim, ser
tação funcional. O conceito de neocorporativis- colocados de um modo diferente — ou seja,
mo, em que pese os enfoques diferenciados, são partes de conjunturas e processos de
pressupõe elementos adicionais tais como troca, desenvolvimento de um Estado não voltado
espaços para negociação e organização funcio- para a proteção social global;
nal dos diferentes atores coletivos. Estes aspec- • Os agentes societários, no Brasil, não expe-
tos não são absorvidos pela conceituação tradi- rimentaram um processo histórico de organi-
cional de corporativismo. Tais elementos encon- zação de modo a provocar impactos duradou-
tram-se presentes e em desenvolvimento na área ros na organização do Estado, e mesmo o
da saúde em nosso país, principalmente se movimento sindical (o exemplo mais sólido
tomamos como referência as relações governa- de práticas de representação de interesses) só
mentais (nos vários níveis), as aspirações parti- mais recentemente dá passos rumo a uma
cipativas e co-gestionárias presentes nas pautas influência nas políticas de Estado que possam
das associações de interesses dos trabalhadores levar a comparações com os arranjos neocor-
da área, e as definições de caráter democrati- porativos de outros países (na verdade, o
zante presentes na elaboração do Sistema Único sindicalismo brasileiro passou a maior parte
de Saúde (gestão dos recursos e serviços com- de sua história dentro de padrões corporativos
partilhada entre Estado, trabalhadores de saúde do tipo dirigista, implantado desde a década
e usuários). de 30, suplantando as formas de sindicalismo
2. Os arranjos neocorporativos não constituem independente só mais recentemente retoma-
elementos paradigmáticos em Ciência Política, das);
mas estruturas que vão se desenvolvendo na • No Brasil, pela sua própria formação social,
sociedade capitalista no sentido de dar conta da os conflitos extra-institucionais são muito
redução do conflito global da sociedade e da mais freqüentes e violentos do que no quadro
resolução localizada de problemas que se europeu e, conforme a conjuntura, chegaram
a própria esquerda brasileira (Partido dos Tra- tário do Estado Brasileiro, restringindo o acesso
balhadores (PT), sociais-democratas, PCs, etc.), a seus níveis centrais de decisão política por
cujas políticas têm sido nitidamente vinculadas canais societários.
a dois padrões: às políticas redistributivas do 13. A relevância do que foi aqui discutido
Estado e ao estímulo participativo dos setores para o estudo ao qual nos propomos, como
sociais não detentores de capitais — conferindo desdobramento desta dissertação, está em que o
aos projetos da esquerda no Brasil padrões processo de trabalho e a produção de serviços
neocorporativos subordinados à expansão da em saúde sofrem impactos das atitudes indivi-
burocracia estatal. duais e organizadas dos profissionais do setor,
9. Nota se no discurso neoconservador brasi- especialmente dos médicos. A consolidadação
leiro uma tendência à transposição global dos de um padrão negociado de redução de confli-
diagnósticos e das soluções observadas nos tos e de gestão de políticas sociais evidencia
países centrais, sem a elaboração adequada de mais ainda os mecanismos de defesa de interes-
um projeto adaptado às bases nacionais. Porém, ses das categorias profissionais da saúde, espe-
o conhecimento dos determinantes desta “onda cialmente dos médicos. As atitudes individuais
conservadora” é crucial, pois torna-se provável e coletivas destes profissionais (e a forma como
a colocação destes princípios nos projetos de tenderão a operar com os padrões cada vez
atuação dos diversos ministérios envolvidos mais negociados de atuação profissional) são
com as principais políticas sociais (como já foi cruciais para o resultado destas políticas e para
notado no Ministério da Saúde e nas políticas o próprio processo de trabalho em saúde. Itens
científicas, por exemplo). como jornada de trabalho efetiva dos médicos,
10. O destaque dado por Offe aos elementos tempo de consulta, consumo de equipamentos e
individuais presentes na ação coletiva não serve medicamentos, controle de qualidade dos servi-
apenas para assinalar os limites de explicações ços e supervisão técnica, democratização dos
fundadas exclusivamente em modelos neocorpo- prontuários médicos, captação individual de
rativos. Ele também assinala a importância dos clientela, entre outros, são elementos de forte
estudos levarem em conta os cálculos racionais impacto no produto final das políticas sociais
na ação coletiva, não como um enfoque racio- no setor (não apenas nos serviços públicos,
nalista (onde o desejo do indivíduo fosse cerce- mas, obviamente, no setor privado) com os
ado pelas estruturas), mas enfatizando a presen- quais governos (federal ou locais), usuários e
ça de estruturas de oportunidades nas quais os profissionais do setor se defrontam e nos quais
atores coletivos e individuais atuam. As políti- arranjos de resolução de conflitos tendem cada
cas sociais em saúde conformam um terreno de vez mais a se impor.
atuação e conflitos a ser estudado sem se
ocultar a forte participação do Estado (o que
enfraquece os modelos pluralistas de análise), RESUMO
sem se submeter ao paradigma da luta de
classes no capitalismo (o que enfraquece uma RIBEIRO, J. M. Arranjos Neocorporativos e
leitura conservadora do marxismo), e sem Defesa de Interesses do Médicos. Cad.
subestimar os mecanismos pelos quais os Saúde Públ., Rio de Janeiro, 9 (1): 05-20,
interesses individuais se coletivizam em nossa jan/mar, 1993.
sociedade.
12. Os itens aqui descritos conformam um No Brasil, o modelo sindical formado a partir
projeto em desenvolvimento que se constitui em do corporativismo autoritário instituído na
uma tendência que pode ou não se fortalecer, década de 30 sofre transformações com o fim
conforme fatores conjunturais. Um destes do ciclo militar inaugurado em 1964. Com a
fatores seria, por exemplo, um acesso mais redemocratização, o movimento sindical
significativo da esquerda social-democrata a passou a conviver com a representação plural
níveis cada vez mais elevados de decisões de interesses, o que se refletiu no sindicalismo
políticas do Estado. A isto se contrapõem outras médico a partir de 1977. O arranjo político
tendências, como o caráter burocrático e autori- decorrente da Constituinte de 1988 consagrou,
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