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DEPARTAMENTO DE LETRAS
Natal/RN
Dezembro/2016
I realized that people like me, girls with skin the color of
chocolate, whose kinky hair could not form ponytails,
could also exist in literature. (Chimamanda Ngozi Adiche)
1. Introdução
Artur Carlos Maurício Pestana dos Santos, mais conhecido pelo pseudônimo
Pepetela, é considerado um dos grandes romancistas africanos da contemporaneidade.
Nascido em Benguela, Angola, ganhou notoriedade ao ser galardoado com o Prêmio
Camões, conferido aos escritores que contribuíram de algum modo ao patrimônio
literário de países cuja língua oficial é o português. O autor, ainda, publicou mais de 15
obras, a exemplo de As aventuras de Ngunga, Luegi: o nascimento dum império,
Parábola de um Cágado Velho, A geração da utopia e nosso objeto de estudo,
Mayombe.
Sobre a prosa de Pepetela, destaco que ela alia tradição e modernidade, como
mostra Aires (2008). Tradição porque sua escrita carrega consigo a representação de
práticas já consolidadas culturalmente, sendo, essas, transmitidas por meio da aceitação
de regras sociais implícitas; e, por outro lado, modernidade porque carrega um olhar à
frente, baseado na ciência e na técnica. A junção entre essas duas modalidades de
experiência em um mesmo espaço objetiva demonstrar processos de ruptura (papel não
necessariamente desempenhado pela modernidade, pois, às vezes, é a tradição em meio
à modernidade que se configura como uma ruptura).
Com o intuito de encerrar essa seção, trago aqui a relação entre a biografia do
autor e esse romance. Embora não devamos confundir, sempre é válido ressaltarmos,
autor e personagem, não se deve negar que a participação de Pepetela no Movimento
Político pela Libertação de Angola (MPLA) influenciou diretamente nos episódios
narrados em sua obra.
Certa vez, disseram-me que o bom texto literário é aquele que melhor diz e,
também, que mais diz – quanto ao “mais”, não me refiro apenas à quantidade, mas,
sobretudo, ao público alcançado, isto é, à capacidade de suscitar uma série de questões a
qualquer um que o leia, independentemente da região onde habite, da cultura na qual
esteja imerso e das crenças que lhe movam. Parece-me que esse pensamento é atribuído
a Tolstoi, no entanto, não afirmo de forma certeira. Em verdade, trago essa reflexão
como ponto de partida para o que realmente nos interessa: Pepetela, ao escrever
Mayombe, um dos seus romances mais agraciados pela crítica especializada e pelo
público em geral, criou uma história cujas discussões levantadas ultrapassam o mero
relato de experiência, presente em uma esfera particular, e abarcam representações de
sentimentos humanos diversos, consolidando-se, assim, como um artefato cultural de
valor inestimável à literatura escrita em língua portuguesa.
A mim, particularmente, suscita questões relativas à negritude e à construção da
identidade/do sentimento de pertencimento, conforme mostrarei adiante. Nesse sentido,
a fim de estabelecer uma ponte entre o que por mim é constatado e pelos pesquisadores,
abordado, irei me apoiar sobre a primeira discussão em Munanga (2009), e, sobre a
segunda, em Fornos (2006) e em Reis (2010). Antes de passar à análise, é preciso,
porém, compreender os elementos da narrativa da obra em sua totalidade, pois alguns
desses aspectos serão retomados à frente.
Sobre o enredo da obra, Mayombe trata do dia a dia dos integrantes do MPLA.
Os inúmeros personagens presentes na obra – de início eram 16 –, como Mundo Novo,
Milagre, Teoria, Lutamos, Muatianvua, discutem entre si, compartilham opiniões e
sentimentos comuns, brigam, sonham; seus apelidos, como podemos observar nos
referidos exemplos, dizem respeito à função desempenhada por eles no movimento.
Além disso, três deles, o comandante Sem Medo, o Comissário Político e o Chefe de
Operações compõem o comando de guerra e, por isso, estão ainda mais expostos à
construção de laços e a disputas internas.
Boa parte desses aspectos destacados me lembra Capitães da Areia, de Jorge
Amado, não obstante a distância existente entre os respectivos contextos de produção.
Algumas das pontes que podemos estabelecer dizem respeito ao seguinte: ao fato de que
na narrativa de Amado os personagens também possuem apelidos, muitos dos quais
parecidos com os presentes na de Pepetela; à situação degradante, de fome e de luta, a
qual estão sujeitos os personagens de ambos os livros; e à influência comunista
existente tanto no contexto dos meninos que viviam no trapiche quanto no dos soldados
do MPLA.
Em relação à quantidade de capítulos, o romance é composto por 5, A Missão, A
Base, Ondina, A Surucucu e A Amoreira. Apesar da onisciência e onipresença
predominante do narrador na obra, que narra em 3ª pessoa, há, em todos os capítulos,
relatos entremeados dos integrantes do movimento em 1ª pessoa. Esses relatos versam
sobre a vida deles e, não raras vezes, trazem histórias que ilustram a personalidade os
posicionamentos ideológicos dos combatentes. Junto aos posicionamentos são
mostradas mesmo as discordâncias dos membros entre si ou a forma como as decisões
são conduzidas.
Especificamente no que concerne a Mayombe, podemos criar uma discussão que
aborda diretamente a negritude. Antes, porém, já que assumi como instrumento
metodológico as minhas experiências individuais, gostaria de relatar o porquê de essa
temática me chamar atenção. Em primeiro lugar, destaco que sou filho de pai branco e
mãe negra e que, por consequência, sinto-me incoerente inserido em qualquer grupo
familiar ou social: para meus amigos e demais conhecidos, sou negro; para minha
família por parte de pai, sobretudo a minha avó, sou branco e ninguém me “tira isso”.
Uma de minhas tias, da família paterna, não fala comigo por eu ter “manchado” a
linhagem – mesmo que meus avós tenham criado 9 filhos, eu e minha irmã somos os
únicos não brancos.
Por fim, ainda sobre Sem Medo, evidencio a opiniões de Reis (2010), para
quem o comandante busca a identidade por meio do exílio. O autor acredita que a maior
fuga é a sentimental e, vendo por esse ângulo, não apenas o comandante, mas também
Teoria e os demais integrantes do MPLA estão em busca constante por suas respectivas
identidades. Cada qual possui um motivo e, muitas vezes, uma angústia que o move na
luta por uma Angola melhor.
4. Considerações finais
Como não objetivava esgotar as temáticas aqui trabalhadas – duvido muito que
alguém o faça – encerro, aqui, esse ensaio. Gostaria de destacar apenas que identidade,
negritude e tribalismo são questões bastante sensíveis, sobretudo àqueles que não
convivem com esses assuntos de forma pacífica. Mayombe, particularmente, é uma obra
deveras rica para o estudo desses aspectos e de uma série de outros, pois nos possibilita
compreender um momento histórico de um país, em que pessoas lutavam por
sobrevivência, dignidade e melhores condições de vida, sem cair no perigo da visão
única. Deveríamos aprender com Teoria, que carrega a ditadura do “sim” e do “não”
como insuficientes para a definição de si mesmo e do mundo à sua volta.
Referências bibliográficas
REIS, B. O Mayombe de Sem Medo: a busca de uma identidade por trás do exílio. In: II
Colóquio Da Pós-Graduação em Letras, 2010, Assis. Anais - II Colóquio Da Pós-
Graduação em Letras, 2010.