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UniAGES

CENTRO UNIVERSITÁRIO
BACHARELADO EM DIREITO

ANDERSON DE JESUS SANTOS

LIBERDADE DE EXPRESSÃO E O DISCURSO DO ÓDIO NO


CONTEXTO DAS FAKE NEWS

PARIPIRANGA
2018
ANDERSON DE JESUS SANTOS

LIBERDADE DE EXPRESSÃO E O DISCURSO DO ÓDIO NO


CONTEXTO DAS FAKE NEWS

Monografia apresentada no curso de graduação do


Centro Universitário AGES como um dos pré-
requisitos para obtenção do título de bacharel em
Direito.

Orientador: Prof. Dr. José Marcelo Domingos de


Oliveira

Paripiranga
2018
ANDERSON DE JESUS SANTOS

LIBERDADE DE EXPRESSÃO E O DISCURSO DO ÓDIO NO


CONTEXTO DAS FAKE NEWS

Monografia apresentada como exigência


parcial obtenção do título de bacharel em
Direito, à Comissão Julgadora designada pelo
Colegiado do Curso de Graduação do Cento
Universitário AGES.

Paripiranga, ____ de______________de____.

BANCA EXAMINADORA

Prof. José Marcelo Domingos de Oliveira


UniAGES

Prof. Rusel Marcos Batista Barroso


UniAGES
A Deus, por guiar-me nas veredas do conhecimento e da paz interior.
Aos meus amados pais, Adenilza e Joilson, pelo apoio e compreensão.
A Rayane Carvalho, noiva amada, companheira para a vida, por tudo
A Stephani, minha querida irmã.
AGRADECIMENTOS

A Deus, modelo de amor e perfeição, inteligência suprema, causa primeira de


todas as coisas, por me atribuir saúde e força para superar as dificuldades que
permearam o meu caminho no decorrer desses cinco anos de ensino superior,
condição fundamental na concretização de um projeto de vida que hoje se é
alcançado, por meio do conhecimento.
Ao Centro Universitário AGES, por propiciar-me uma formação humanista,
interdisciplinar, ética e técnica, pautada no método ativo, como sustentáculo de alto
relevo para o profissional do Direito do século XXI.
Indispensável foi o empenho de todos os meus familiares, os quais, mesmo
nos momentos mais difíceis, sempre estiveram torcendo pelo meu progresso no
mundo acadêmico, acreditando e apoiando incondicionalmente, em especial minha
mãe Adenilza de Jesus Santos, meu pai Joilson Leandro da Silva Santos, minha
irmã Stephani de Jesus Santos. Agradeço, com um tom especial, à minha tia
Neném, por abrir as portas da sua residência quando encontrava-me estagiando na
1ª Vara Cível e Criminal da Comarca de Tobias Barreto/SE.
Agradeço e dedico, também, esse trabalho a todos os professores as quais
tive a sublime oportunidade de conviver até esse exato momento, Renaldo Prata,
Ramon Ferreira, Gustavo Calçado, Franklin Peixinho, Gabriel Fontes, Augusto
Santiago, Cristiano Santiago, Sidinei Anesi, Paulo Gomes, Tanise Zago Thomasi,
Adriana Caetana, Elton Assis, Leonardo Menezes, Bernardo Cecílio, Natália
Amorim, Jailson Santana, Maria Lúcia, Nelson Gonçalves Cardoso, Henrique
Magno, Calila Mireia, José Roniel, Professor e Coordenador do Curso de Direito,
Edson Pires da Fonseca, por toda dedicação que dispensou a mim desde os
primeiros semestres e até hoje; em especial pelas indicações de temas e sugestões
de natureza teórica; e o meu orientador, Prof. José Marcelo Domingos de Oliveira,
pelo empenho incomensurável, lhe sou muito grato por tudo que me oportunizou,
meus sinceros agradecimentos.
A todos os amigos da academia que caminharam comigo nessa jornada
hercúlea e magnífica, em especial à Turma do STF, composta por Crislany, Paulo
André, Ismael Santos, Edenilson, Débora Nogueira, Bruno Amorim, Ivagner e,
Elivelton Mota, aos quais ganharam meu respeito e consideração. Uma caminhada
de muito estudo, dedicação e comprometimento com o Direito é sinônimo do que se
convencionou denominar Corte Constitucional Ageana, obrigado por tudo e a todos
vocês, companheiros(a) de luta. Nessa hora, os nossos caminhos se partem para
que possamos andar sozinhos e ao mesmo tempo acompanhados, nessa sociedade
virtual. Restarão saudades, acompanhadas de recordações de momentos felizes
compartilhados, nunca esquecerei de vocês e permanecerão guardados com muito
carinho no meu coração.
À minha amada noiva, Rayane Carvalho, por toda paciência,
companheirismo, cuidado e amor, obrigado por todos os momentos vividos
intensamente na faculdade, meu presente de Deus, amor para toda vida.
Agradeço, ainda, por todos aqueles que contribuíram, direta e indiretamente,
na aquisição e aprimoramento do meu conhecimento jurídico, no âmbito da
Assessoria da 1ª Vara Cível e Criminal da Comarca de Tobias Barreto e Vara Única
da Comarca de Cristinápolis.
Aos funcionários do Centro Universitário Ages pela grande dedicação,
empenho e presteza, em especial ao corpo técnico da biblioteca, local que
frequentei cotidianamente, sentirei muita saudade de todos.
Agradeço, por fim, a todos que porventura a memória tenha esquecido.
A conquista do conhecimento é um logro pessoal,
intransferível. Esse tesouro sempre se multiplica,
quando é repartido, e ninguém pode usurpá-lo de
quem o possui. Nem a morte o arrebata, porquanto
continua com o Espírito que o detém, constituindo-lhe
um tesouro de valor constante e fácil manejo.

Divaldo Pereira Franco


RESUMO

O presente trabalho pretende analisar os pressupostos teóricos do que se


convencionou denominar de Discurso do Ódio, expressão derivada da tradução
inglês hate speech. A literatura que se desenvolveu sobre a temática, na linha de
teóricos da lavra do constitucionalista norte-americano, Owen Fiss, do jurista
alemão, Brugger, e dos teóricos de solo pátrio, José Emílio Medauar Ommati, Daniel
Sarmento Meyer-Pluf, Thiago Anastácio Carcará, Marco Aurélio Moura dos Santos,
dentre outros, serve como ponto de partida para discutir o leading case brasileiro
acerca do hate speech, materializado no julgamento proferido pelo Supremo
Tribunal Federal no Habeas Corpus n° 82.424/RS (Caso Siegfried Ellwanger). O
debate no âmbito da Corte Constitucional girou em torno de perquirir se o ato
praticado por Ellwanger caracterizava-se como racismo ou outro ato discriminatório.
Os fundamentos apresentados no bojo do HC estariam fulcrados no fato de que
judeus não são considerados como raça e, portanto, o paciente não teria cometido o
crime de racismo. Além disso, de maneira secundária, a controvérsia posta no STF
cingiu-se a analisar se o discurso de ódio está contido na liberdade de expressão ou
não, levando em conta a ordem jurídica de terrae brasilis. Aliado a isso, este
trabalho se ocupa em avaliar o tratamento díspar conferido pelos Estados Unidos da
América, Alemanha e Brasil, no tocante ao discurso do ódio e suas possíveis
implicações no direito à liberdade expressão, além de compreender o hate speech
digital. Além disso, e não menos importante, dada a sua contemporaneidade e
originalidade, estuda-se o fenômeno das fake news, evidenciando a possibilidade de
sua classificação como veículo passível de entoar discursos odiosos, racistas,
momento no qual, discorre-se sobre o caso Fabiane de Jesus/SP e Marielle
Franco/RJ, analisados de maneira detida no decorrer deste trabalho monográfico. A
pesquisa adotou como metodologia predominante, a revisão bibliográfica, aliado à
análise de documentos.

PALAVRAS–CHAVE: Liberdade de Expressão. Discurso do Ódio. Fake News.


ABSTRACT

The present work intends to analyze the theoretical presuppositions of what is


conventionally denominated of Discourse of Hate, expression derived from the English
translation hate speech. The literature that developed on the subject, in the line of the
theorists of the work of the American constitutionalist, Owen Fiss, of the German jurist,
Brugger, and the theorists of country soil, José Emílio Medauar Ommati, Daniel Sarmento
Meyer-Pluf, Thiago Anastácio Carcará, Marco Aurélio Moura dos Santos, among others,
serves as a starting point to discuss the Brazilian leading case about hate speech,
materialized in the judgment of the Federal Supreme Court in Habeas Corpus n ° 82.424 /
RS (Siegfried Ellwanger case). The debate in the scope of the Constitutional Court turned
around to see if the act practiced by Ellwanger was characterized as racism or other
discriminatory act. The foundations presented in the HC bulge would be fulfilled in the fact
that Jews are not considered as race and therefore the patient would not have committed
the crime of racism. In addition, in a secondary way, the controversy put in the STF girded
to analyze if the discourse of hatred is contained in the freedom of expression or not,
taking into account the legal order of terrae brasilis. Allied to this, this work is concerned
with evaluating the disparate treatment conferred by the United States of America,
Germany and Brazil, regarding the discourse of hate and its possible implications on the
right to freedom of expression, in addition to understanding the digital hate speech. In
addition, and not least, given its contemporaneity and originality, the phenomenon of fake
news is studied, evidencing the possibility of its classification as a vehicle capable of
chanting hateful, racist discourses, at which point, the case is discussed Fabiane de Jesus
/ SP and Marielle Franco / RJ, analyzed in a manner detained during this monographic
work. The research adopted as predominant methodology, the bibliographical revision,
allied to the analysis of documents.

KEYWORDS: Freedom of expression. Hate Speech. Fake New


SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO .............................................................................................................................. 11

2 O EXERCÍCIO DA LIBERDADE, LEGALIDADE CONSTITUCIONAL, DIGNIDADE


HUMANA ........................................................................................................................................... 15

2.1 O Direito Moderno, o surgimento da Constituição formal e rígida e o viés


do acoplamento estrutural entre Direito e Política .................................................... 15

2.2 Liberdade, igualdade, democracia associativa, a integridade do Direito e


o contexto preambular do discurso do ódio ................................................................ 22

2.3 Liberdade de expressão e liberalismo ..................................................................... 28

2.4 Liberdade de Expressão e Estado Social ............................................................... 32

3 LIBERDADE DE EXPRESSÃO E ÓDIO: TUTELAS DISTINTAS OU SOLUÇÕES


JURISPRUDENCIAIS .................................................................................................................... 35

3.1 Discurso do Ódio: em busca de um conceito ...................................................... 35

3.2 O modelo norte-americano ........................................................................................... 40

3.3 O modelo alemão .............................................................................................................. 46

3.4 O modelo brasileiro ......................................................................................................... 50

3.5 A constituição, o discurso de ódio e a liberdade de expressão: o leading


case brasileiro no âmbito da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal .. 54

4 O DISCURSO DE ÓDIO NAS REDES SOCIAIS E O DIREITO BRASILEIRO ....... 61

4.1 A disseminação do ódio nas redes sociais: uma questão de polícia, um


desafio do direito ..................................................................................................................... 61

4.2 A política de uso das redes sociais, o ódio e o Direito brasileiro ............... 66

4.3 O fenômeno das fake news, a Constituição Federal de 1988, o discurso


de ódio e a liberdade de expressão ................................................................................. 70

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ..................................................................................................... 82

REFERÊNCIAS................................................................................................................................ 85
11

1 INTRODUÇÃO

A liberdade de expressão é um dos temas que suscitam diversas implicações


no cenário jurídico, social, econômico e político de vários países, sendo de
fundamental importância que essa discussão componha a análise da forma pela
qual a sociedade vem se desenvolvendo, bem como o papel desenhado para a
ordem jurídica constitucional. A sociedade moderna fora construída sob as bases da
auto responsabilidade no cometimento dos seus atos e, diante disso, as práticas
vilipendiosas passaram a ser objeto de repressão estatal. Nesse cenário, a
Constituição formal e rígida sedimentou-se como um instrumento jurídico
embrionado no seio das revoluções liberais francesas e estadunidense. Aliado a
essa perspectiva, o direito moderno incorpora a ideia de ser compreendido como
sistema próprio, no envoltório de uma sociedade fundada em decisões, bem como
mutável, mencionada por Niklas Luhmann (1983).
Tratar sobre a função a ser exercida pelas Constituições no entorno de um
Estado Constitucional, pressupõe enfatizar a sua tarefa de construir bases
necessárias para o engrandecimento da dignidade da pessoa humana e igualdade,
numa comunidade de sujeitos que buscam a materialização do respeito e
consideração. No contexto de debater a liberdade de expressão, se torna
imprescindível compreender o seu papel conferido pela ordem jurídica
constitucional, à luz da construção teórica, de viés axiológica e deontológica, tal
como defendido por Robert Alexy (2008) e Ronald Dworkin (2002), respectivamente.
O presente trabalho pretende avaliar, a partir do leading case brasileiro
acerca do hate speech, materializado no julgamento proferido pelo Supremo
Tribunal Federal no Habeas Corpus n° 82.424/RS (Caso Ellwanger), que tratou da
produção de livros antissemita, as possíveis limitações ao direito à liberdade de
expressão no ambiente das redes sociais, aliado ao fenômeno das fake news,
emergida no ambiente de produção de discursos odiosos e racistas.
De modo a demonstrar também, a discussão do discurso do ódio nos Estados
Unidos e na Alemanha, na perspectiva de trilhar o caminho que pretende buscar
possibilidades conceituais sobre esse fenômeno e, em especial, aprofundá-lo à luz
do tecido social-digital. Discute-se também, a possibilidade de produção de fake
12

news de maneira direcionada a grupos sociais estigmatizados, além de poder


redundar em diversas implicações no regime democrático, ser utilizada como
instrumento para proliferação do discurso do ódio.
As cartas constitucionais, na sua grande maioria, garantem uma gama de
direitos fundamentais, a exemplo da dignidade da pessoa humana, liberdade de
expressão, igualdade, etc. Por outro lado, no caso da Constituição Federal de 1988,
há, no bojo do seu art. 5°, XLII, a previsão do racismo como crime inafiançável e
imprescritível, que numa democracia associativa, deve ser nutrido o tratamento
igualitário e considerado na comunidade. Desse modo, no âmago de uma
democracia constitucional, como pretende ser a brasileira, em que a dignidade
pessoal é o vetor de interpretação da ordem jurídica, o exercício do direito
fundamental à liberdade de expressão pode ser utilizado como fundamento político-
jurídico constitucional para a disseminação virtual do discurso do ódio, no contexto
de um fenômeno que se convencionou chamar de fake news?
As fake news representam, a bem dizer, uma hipótese de reacendimento dos
discursos do ódio na teia das redes sociais, porquanto, esse espaço virtualizado é
considerado um local propício para a expansão de tal fenômeno, que visa a
estigmatização de indivíduos ou grupos de pessoas, dentre as quais, destaca-se, a
comunidade vulnerável. Esse agigantamento dos estigmas sociais, concretizado por
meio da diminuição ou privação de direitos, é uma das características marcantes do
hate speech, levando em conta as várias nuances do que se discute sobre o tema.
As notícias falsas, nesse sentido, tendem a instrumentalizar e incorporar esse
ambiente odioso, em especial, num cenário de faroestização da sociedade digital.
O cenário contemporâneo, pautado na sociedade pós-moderna e virtualizada,
nos faz reconhecer a conexão, cada vez mais constante, entre as notícias
inverídicas e o Direito. É certo, outrossim, que numa democracia constitucional, é
antidemocrático e inconstitucional a catalogação prévia dos discursos proferidos no
tecido social-digital, porquanto, à luz da Carta da República Cidadã de 1988, é
proibido ao Estado transformar-se em um verdadeiro “órgão censor” e portanto, a
liberdade de expressão deve ser exercida desprendida de qualquer censura prévia,
tanto no espaço público, quanto privado. Ressalva-se, ademais, a possibilidade de
restrição de discursos considerados racistas, após ser publicamente disseminados e
restar comprovado a ocorrência de violação da dignidade e igualdade de todos.
13

A temática do presente trabalho monográfico, se justifica na medida em que,


na atualidade, há de fato uma incorporação da tecnologia nas relações jurídico-
constitucional e sociais, de modo a ser indispensável debater os desdobramentos
decorrentes do exercício da liberdade de expressão, calcado em fake news,
enquanto instrumento tendente a ascender e potencializar estigmas sociais contra
grupos vulneráveis. Além disso, é cediço a existência de efeitos negativos gerados
no espaço público e na democracia constitucional, na senda desse fenômeno
(notícias fraudulentas), utilizado também com o propósito de desprestigiar opositores
em um pleito eleitoral, de modo a viciar a soberania popular.
Agregado a essa enunciação, alicerçado na literatura desenvolvida sobre o
hate speech, expostos pelos principais teóricos nesse assunto, a exemplo do
constitucionalista norte-americano, Owen Fiss (2005), do jurista alemão, Brugger
(2007), e dos teóricos de solo pátrio, José Emílio Medauar Ommati (2012), Daniel
Sarmento (2006) Meyer-Pluf (2009), Marco Aurélio Moura dos Santos (2016) etc.,
analisar-se-á as características das fake news e suas implicações no direito à
liberdade de expressão. Há, nesse diapasão, um certo redirecionamento espacial do
discurso do ódio, o qual vem sendo apercebido nos sítios virtuais, travestido em
notícias falsas fabricadas com direção especificada contra mulçumanos, judeus,
população LGBTI+, indígenas, negros, mulheres, pertencentes a religiões de matriz
africana, dentre outros.
No primeiro capítulo, faz-se uma abordagem da evolução do Direito Moderno
e da sociedade de um modo geral, perpassando pelo momento culminante para
discutir o surgimento e a função das constituições formais e rígidas, como resultado
das conquistas e transformações ocorridas na sociedade do século XVIII e XIX, a
qual buscava incessantemente por igualdade e liberdade. A seguir, apresenta-se a
relação entre os princípios da igualdade e liberdade, momento em que se é exposto
a teoria de Ronald Dworkin, utilizada por José Emílio Medauar Ommati (2012). Por
fim, e não menos importante, está sendo discutido o papel da liberdade de
expressão à luz do Estado Liberal e Social.
Já no segundo capítulo, são apresentados os pressupostos teóricos do que
se convencionou denominar de Discurso de Ódio, de maneira a trilhar um caminho
na busca de um conceito, se valendo dos principais teóricos que se debruçaram
sobre o assunto, acima mencionados. Por conseguinte, foi possível analisar o
tratamento conferido à liberdade de expressão, no seio dos Estados Unidos da
14

América, Alemanha e Brasil. Nesse sentido, discorre-se sobre o case emblemático


julgado pelo Supremo Tribunal Federal (HC n° 82.424/RS), no qual fora discutido se
o ato praticado por Siegfried Ellwanger, no sentido de publicar e editar livros de
cunho antissemita, estaria albergado pela liberdade de expressão ou não.
O último capítulo, por sua vez, é dedicado ao discurso do ódio nas redes
sociais, demonstrando os desafios do Direito na senda de uma sociedade pós-
moderna e virtual, nutridora de uma percepção no sentido de que o terreno digital se
encontra à margem da legalidade constitucional. Aliado a isso, discute-se o que, na
contemporaneidade, se convencionou chamar de fake news, enquanto fenômeno
fundamental que busca garantir o reacendimento e a disseminação do hate speech
digital, momento no qual discorre-se sobre o caso Fabiane de Jesus/SP e Marielle
Franco/RJ, analisados de maneira detida no presente trabalho.
A pesquisa adotou como metodologia predominante, a revisão bibliográfica,
aliada à análise qualitativa de documentos e dados apresentados por autores
renomados, como os já citados anteriormente, momento em que não se esqueceu
de apresentar casos concretos da realidade brasileira, como maneira de entender
efetivamente o que se convencionou chamar de Fake News, no contexto das redes
sociais e meios digitais.
15

2 O EXERCÍCIO DA LIBERDADE, LEGALIDADE


CONSTITUCIONAL, DIGNIDADE HUMANA

2.1 O Direito Moderno, o surgimento da Constituição formal e rígida e o viés


do acoplamento estrutural entre Direito e Política

Inicialmente, para discutir o papel da Constituição no ordenamento jurídico, é


necessário recorrer aos ensinamentos do jus filósofo austríaco Hans Kelsen (2009),
especialmente em relação a sua obra clássica, “A Teoria Pura do Direito”, Hans
Kelsen (2009) que formula uma visão enriquecedora e, sobretudo, complexa, sobre
o sistema jurídico. Na sua visão, a Constituição (num olhar jurídico-positivo)
enquadra-se na modalidade de uma norma pura que integra um sistema
(relativamente) fechado, aliado à constatação no sentido da necessidade de separar
o Direito e a Moral. Mesmo assim, o Direito não deve ser aplicado de modo
mecanizado, ou melhor, a atividade do magistrado não cingir-se-á na utilização do
método de subsunção. É sabido, outrossim, que aludido pensamento se deve à
Escola da Exegese, embrionada no início do próprio Positivismo Jurídico.
Essa concepção nos ajuda a pensar a questão das notícias falsas plantadas
cotidianamente através das redes sociais e mídias em geral, especialmente quando
se busca compreender o alcance da liberdade, enquanto direito assegurado nos
estados democráticos, bem como na perspectiva de se buscar a edificação de uma
vida social pautada no respeito ao pacto social e normativo. Logo, uma vez permitido
ao cidadão ser ludibriado por uma informação inverídica, essa perspectiva contribui
para legitimar uma posição contrária à sua vontade, tendente a romper com os
princípios básicos de um Estado constitucional.
Na perspectiva kelseniana, o Direito encontra-se totalmente desprendido da
Moral e da Religião, isto é, o autor austríaco, propõe um modelo teórico que confere
ao Direito um grau elevado de autonomia, separando-o das questões sociais ou
metajurídicas. Nesse sentido, a validade da norma jurídica está condicionada à sua
correlação com as questões jurídicas que lhe dão legitimidade, porquanto na Teoria
Pura do Direito (2009), é despiciendo as ideologias de natureza sociológica, política,
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econômica, etc., sendo, importante no estudo do seu objeto, observar se a norma foi
produzida nos exatos termos do procedimento previsto para sua edição.
Na esteira do pensamento de Hans Kelsen, a norma detém validade quando a
sua produção segue os ditames propugnados pela norma que lhe é
hierarquicamente superior. Assim, deve-se pensar de que forma o ordenamento
jurídico e as normas constitucionais poderão servir de influenciadores na discussão
acerca das fake news, dentro de um olhar em que somente é possível exercer a
liberdade de expressão se na mesma situação o outro também puder exercê-la, ou
seja, numa sociedade de livres e iguais, característica fundamental dos
ordenamentos jurídicos.
A constatação do autor austríaco não significa dizer, por outro lado, que a
ordem jurídica funciona sem nenhuma conexão com outros ramos do conhecimento.
Pelo contrário, Hans Kelsen (2009) mostra que, no ambiente de aplicação da norma
jurídica, o aplicador tem a possibilidade de criar uma nova norma, em outras
palavras, o aplicador do Direito é considerado, em maior ou menor medida, um
“legislador”, na medida em que ao operacionalizar sua atividade interpretativa nos
Tribunais, estar-se-á desenvolvendo o que Kelsen denominou chamar de
interpretação autêntica.
Os valores metajurídicos (moral, religião, política, economia, etc.) e a sua
relação com o próprio não são negados por Hans Kelsen e, por tal circunstância
fática, esses elementos podem servir de balizas na tarefa de elaboração normativa.
Assim, pela teoria kelseniana (2009, p. 75):

Quando a Teoria Pura empreende delimitar o conhecimento do Direito em


face destas [outras] disciplinas, fá-lo não por ignorar, ou, muito menos, por
negar essa conexão, mas porque intenta evitar um sincretismo
metodológico que obscurece a essência da ciência jurídica e dilui os limites
que lhe são impostos pela natureza do seu objeto”. A exigência de uma
separação entre Direito e Moral […] significa que a validade dessa ordem
jurídica positiva é independente dessa Moral absoluta […]. Tal pretensão
não significa que o Direito nada tenha a ver com a Moral e com a Justiça
[…] apenas significa que, quando uma ordem jurídica é valorada como
moral ou imoral, justa ou injusta, isso traduz a relação entre a ordem jurídica
e um dos vários sistemas de Moral.

Como se percebe, o próprio Hans Kelsen admite de maneira expressa em sua


Teoria Pura do Direito a existência de certa influência de outros ramos do
conhecimento no Direito, sobretudo no tocante à atividade dos intérpretes, mas,
doutra banda, procura evitar um sincretismo metodológico que funcione como
17

instrumento de obscurecimento da ciência jurídica. A razão de ser do Direito


enquanto ramo autônomo em relação à Moral, por exemplo, é que não incumbe ao
aplicador da norma a utilização de valores religiosos e/ou morais, políticos e
econômicos para fundamentar a negação de validade das normas superiores, eis
que sua validade independe de qualquer ideologia metajurídica, e, portanto, Kelsen
(2009) não admite que o aplicador do Direito deixe de aplicar a norma por entendê-la
imoral.
Ora, o ponto que nos interessa para o presente trabalho e, para dizer com
Hans Kelsen (2009), da mesma forma que a validade da norma jurídica está
circunscrita a uma concepção formal, a ideia de Constituição no pensamento
kelseniano é extraída a partir de um conceito meramente formal, isto é, nesse
contexto, em pese existir influências dos demais ramos do conhecimento no trilhar
da interpretação do Direito, a Constituição é caracterizada como norma formal, pois
sua definição independe do sistema da Moral ou da Política.
Vê-se, portanto, que é irrelevante o conteúdo da norma constitucional, uma
vez que para a configuração de uma Constituição, levar-se-á em conta a rigidez
estatuída pelo ordenamento jurídico e a própria supremacia formal da norma
superior, logo, não se pode imaginar legitimidade ou amparo legal para as fake
news, como elemento capaz de modificar o resultado de uma eleição e assim elevar
ao poder um projeto político marcadamente eivado de vícios.
Para adentrar no debate sobre direito moderno e constituição formal e rígida,
impõe, inicialmente, a leitura acerca da perspectiva sociológica de Niklas Luhmann
(1983), com fulcro no ambiente histórico-jurídico e institucional do Direito. Tal
proposta teórica é retomada por José Emilio Medauar Ommati (2012) ao se debruçar
sobre a perspectiva em voga, o qual mostra que para o necessário entendimento
das características do Direito Moderno, necessitar-se-á observar a função da
Constituição formal e rígida e o papel exercido pelos Tribunais na ordem jurídica, ou
seja, deve-se levar em conta a evolução do Direito e da sociedade de um modo
geral. Entretanto, no entendimento de Niklas Luhmann (1983), o que se denomina
por evolução não quer dizer necessariamente algo melhor, pelo contrário,
corresponde justamente à ideia de aumento de complexidade do sistema social.
Outrossim, para tentar responder como ocorre a evolução social, bem qual o
motivo que levou a sociedade tornar-se mais complexa e outras questões, Ommati
(2012) diz que, Luhmann toma como ponto de partida a teoria da autopoiese dos
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sistemas vivos, fundado, por outro lado, na imperiosidade de amoldá-los ao sistema


social. Seguindo os pensamentos de Niklas Luhmann, Ommati (2012) afirma que o
sistema social baseia-se em comunicações e não nas ações dos seres humanos, ou
seja, para Luhmann o homem é um entorno, vez que encontra-se em movimento
com a sociedade, formado pela relação construída no tecido social, ou na linguagem
luhmaniana, pelo acoplamento estrutural entre sistema psíquico e sistema biológico.
Nas palavras de Luhmann, citado por Ommati (2012), a sociedade moderna
frutificou-se das inúmeras modificações ocorridas e que foram acontecendo em um
período de mais de trezentos anos, momento no qual surgiram as primeiras
Constituições formais e rígidas e, portanto, contribuiu com o marco diferenciador do
sistema jurídico em comparação com os demais sistemas da sociedade. Essa
discussão preambular, foi fundamental para desenvolver o caráter autônomo do
Direito enquanto sistema próprio e, dessa forma, possibilitar a resolução dos
conflitos advindos da tecitura social e digital, debate a ser abordado oportunamente.
Aliado a essa constatação, a perspectiva temporal no ambiente da sociedade
moderna vai, aos poucos, sofrendo modificações e agregações, sedimentando-se na
opinião de José Emilio Medauar Ommati (2012) seguindo os pensamentos de
Koselleck (1993), uma nova perspectiva irrenovável, no sentido de que uma vez
acontecido determinado evento, ele não poderia mais se repetir. Ao contrário das
sociedades arcaicas, em que lastreavam as suas comunicações de maneira simples,
rudimentares, e que o tempo era dividido em um tempo humano e a ideia de
eternidade, Koselleck (1993) chama essa nova concepção temporal de futuro
passado.
Com essa conceituação de tempo, desenvolveu-se a percepção de que o
próprio futuro poderia ser visualizado nos fatos cotidianos e, ao mesmo tempo, se
tornavam passado. Essa ideia decorre da perspectiva difundida de ser possível se
aprender com o passado, com o objetivo de não cometer os mesmos erros.
Percebe-se, que, o tempo passou a ser enxergado não mais como algo estático,
imóvel, tal qual ocorria nas sociedades rudimentares, arcaicas, mas sim como algo
fluido, maneira pela qual o tempo passa-se a ser compreendido como uma
construção social.
Na sociedade moderna, tornou-se possível falar e edificar vários tempos.
Esse contexto da sociedade moderna voltado à percepção de que o tempo é um
tanto quanto fluído, será importante para discussão dos efeitos das redes sociais, na
19

contemporaneidade, ante a sua potencialidade e liquidez, em especial na senda das


fake news e do discurso de ódio. Por conseguinte, ao mesmo tempo em que se
tornou possível a construção de diversos tempos, tempo do direito, da economia, da
política, etc., o problema permaneceu adstrito justamente na ideia de como
sincronizar os diversos tempos sociais, ante o risco presente da discronia, ou
melhor, ausência de sintonização entre os vários tempos sociais.
Em decorrência dessa mudança paradigmática no aspecto temporal na
modernidade foram surgindo outras transformações no seio social também
complexa, dentre as quais José Emilio Medauar Ommati (2012), menciona a
complexificação dos processos econômicos, a crise da sociedade estamental, o
surgimento das teorias de natureza jusnaturalistas, etc. Outrossim, essa
ambientação foi fundamental para o surgimento das Constituições formais e rígidas,
bem como no tocante às ideias de indivíduo, individualismo e individualidade.
Ao refletir sobre a perspectiva abordada por Nilklas Luhmann (1995) acerca
das ideias de indivíduo e individualidade, isto é, na ótica do homem considerado
individualmente, José Emilio Medauar Ommati (2012) demonstra que referidas
ideias tenderam a surgir em decorrência do aumento de comunicações, advindas do
agigantamento das complexidades da sociedade moderna. Em outras palavras,
enquanto na sociedade rudimentar o homem existia apenas em torno da sua
comunidade, naquele contexto, inicia-se um processo de desprendimento dos
vínculos construídos à baila do tecido social rudimentar. Por outro lado,
simultaneamente à libertação do sujeito, a própria ideia de individualidade, causará,
por conseguinte, grande exclusão.
Em razão do alto grau de exclusão resultante das ideias antes mencionadas,
a sociedade do século XVIII e início de XIX buscaram incessantemente por
igualdade e liberdade, todavia, em decorrência da expansão dessa igualdade (no
sentido seu sentido formal), surgiu-se um paradoxo resultante da complexidade
social: o aumento da desigualdade. Nesse diapasão, no florescer da sociedade
moderna é possível perceber a presença constante da ideia do risco, em
substituição à ideia de perigo, característica da sociedade rudimentar. Nesta última,
as consequências dos atos dos sujeitos eram sempre atribuídas a algo externo ao
próprio homem (Deus, natureza, etc.). Naquela, por outro lado, os indivíduos são
responsabilizados por suas condutas, tendo em vista que essa sociedade moderna é
baseada em decisões.
20

Não obstante seja reconhecível que uma das características dessa sociedade
moderna é a existência de constante crise e crescente complexidade, para dizer
com José Emilio Medauar Ommati (2012), com o objetivo de mitigar os riscos
decorrentes das decisões a serem tomadas no tecido social, necessitou-se
promover a especialização das funções. Desse modo, foi preciso o surgimento do
sistema do direito, da economia, da política, do sistema educativo, dentre outros.
Nesse ponto, Niklas Luhman (1998) mostra que a sociedade moderna se
diferencia da sociedade rudimentar, porquanto se caracteriza como uma sociedade
que funciona de maneira diferenciada, com subsistemas sociais que laboram de
modo fechado, com um código próprio/específico, ou melhor, detentores de
linguagem específica, mas, mesmo assim, encontram-se abertos para o ambiente
externo, sendo, portanto, comunicativamente aberto.
O Direito é, a bem dizer, o grande foco do presente trabalho, não olvidando,
obviamente, das implicações dos demais sistemas que lhe impõe uma certa
conexão para sua devida aplicação. Entretanto, no contexto da modernidade, o
sistema do Direito, passou a ser operacionalizado voltado para seu código
específico, qual seja: direito/não direito (Recht/Unrecht). Ou seja, quando da
positivação do Direito e sua consequente autonomia como sistema social, surgiu o
fenômeno da operacionalização do código jurídico (lícito/antijurídico) de maneira
distinta (autopoiética) no tocante aos outros sistemas sociais, com o da Política,
inclusive. E o seu fechamento operacional se deu em razão do surgimento da
Constituição formal e rígida, instrumento jurídico concebido no ambiente das
revoluções burguesas (OMMATI, 2012).
Com o aparecimento da Constituição formal e rígida, a perspectiva de que o
direito necessitava de um fundamento absoluto, último, para sua autoafirmação,
despareceria, vez que a medula óssea do direito nessa ambientação jurídica recai
sobre sua característica de mutabilidade e não imutabilidade, como referido
anteriormente. Doutras palavras, o direito positivo para Ommati (2012), seguindo as
lições de Niklas Luhmann (1990), é configurado no envoltório da contingência,
funcionando com base em suas próprias decisões. Esse sistema jurídico
fundamenta-se, a bem dizer, na ideia de mudança, por ser mutável, ante a crescente
fluidez social.
Dentro do próprio sistema jurídico, o Poder Judiciário é o órgão que detêm a
função de estabilizar as expectativas de comportamento, e, por outro lado, cabe ao
21

Parlamento laborar as expectativas cognitivas, modificando a norma jurídica. Nessa


pegada, a Constituição não é vista como um mero documento formal, isto é, um
simples texto legal, mas especificadamente, como um documento formal detentor de
um procedimento solene para ser alterada e, portanto, se apresenta no mundo
jurídico com um caráter superior se comparado com as demais normas do
ordenamento jurídico.
Para discutir, ainda que breve, a tradição americana acerca do poder
constituinte originário (o criador da Constituição), Ommati (2012) mostra que os
americanos, no ambiente da sua revolução, não deram primazia à tese utilizada
pelos franceses do poder constituinte originário enquanto fruto da vontade geral
desenvolvida por Rousseau. Para os norte-americanos o poder constituinte
originário só pode ser assim denominado, tão somente quando o mesmo seja
entendido como resultado da vontade geral e soberana do povo e, desde que este
último o reconheça e dê respaldo para tanto.
José Emilio Medauar Ommati (2012), enfatiza, por conseguinte, que ao
contrário das ideias expostas pelos franceses, que pregam a existência de um poder
constituinte originário desprendido de qualquer subordinação/amarras e limitações,
eis que considerado como poder político, não jurídico, a tradição construída pelos
norte-americanos defende limitações ao próprio poder constituinte originário, limites
esses que decorrem da própria soberania popular e dos direitos de igualdade e
liberdade reconhecidos reciprocamente por todas as pessoas. Essas restrições
servem para direcionar e impulsionar o trabalho do constituinte, que, no momento da
elaboração da Constituição, deve entender que não pode fazer o que convém aos
seus interesses.
Conforme a doutrina difundida pelos norte-americanos, influenciada pelos
ensinamentos de Montesquieu, e, para falar com José Emilio Medauar Ommati
(2012), a atuação do poder constituinte originário deve fundamentar-se e ser trilhada
na senda dos princípios da liberdade e igualdade, em um verdadeiro sistema de
freios e contrapesos, de maneira que não tenha abusos por parte de um poder, pois,
de outro modo, teria para si todo o poder decisório quando da produção da
Constituição.
No entender de Ommati (2012) ao citar Friedrich Muller (2003), a Constituição
formal e rígida somente terá legitimidade e validade desde que seja construída a
partir da vontade soberana do povo, no bojo de um poder democrático. A ideia é que
22

o povo, além de ser autor da Lei Fundamental é, sobretudo, destinatário das normas
constitucionais, nos moldes de um processo constituinte democrático, fundado nos
princípios da igualdade e liberdade, postulados necessários para o desenvolvimento
de uma sociedade plural e aberta à diversidade.

2.2 Liberdade, igualdade, democracia associativa, a integridade do Direito e


o contexto preambular do discurso do ódio

Numa perspectiva de discutir a peculiar relação dos princípios da igualdade e


liberdade a partir da teoria de Ronald Dworkin, José Emilio Medauar Ommati (2012)
apresenta uma indagação se na interpretação jurídica, o intérprete deve levar em
consideração a vontade do legislador (constituinte), ou a intenção da lei, no caso a
Constituição.
Essa problemática foi posta em discussão no bojo do voto proferido pelo
Ministro do STF, Moreira Alves e, ao debruçar-se sobre o leading case brasileiro
acerca do hate speech (HC 82.424/RS), entendeu que o racismo deve ser
interpretado restritivamente, isto é, na visão do citado Ministro, a intenção do
constituinte no momento da discussão e criação da Constituição Federal de 1988 foi
a de que o racismo deve ser interpretado tão somente como discriminação contra os
negros, a qual será explorada mais adiante. Nesse ponto, Ommati (2012) mostra
que não obstante a discussão esteja mal posicionada, obviamente deve ser
privilegiada a vontade do legislador constituinte.
Com a finalidade de entender o significado da referida expressão (intenção do
legislador constituinte), José Emilio Medauar (2012) mostra que, nos Estados Unidos
e, para dizer com Dworkin (2002), a expressão antes mencionada é intitulada de
Pais Fundadores, a qual pode ser visualizada de duas formas: a primeira sob uma
perspectiva mais concreta e restrita, de maneira que cabe ao intérprete buscar o que
de fato o constituinte pretendeu.
Já a segunda forma ensinada por Dworkin é mais ampla, na qual é necessário
compreender a ideia moral que estava por trás quando o constituinte realizou seu
trabalho. Conforme demonstrado por José Emilio Medauar Ommati (2012), Dworkin
(2002) chama atenção no sentido de escolher a segunda maneira, com o fito de ser
23

possível perceber a vontade do legislador constituinte, porquanto é mais


consentânea para devidamente explicar os trabalhos das instituições políticas.
Ao tratar sobre a maneira pela qual a Constituição deve ser vista, José Emilio
Medauar (2012) seguindo a teoria de Dworkin (2006), elucida que tal instrumento
jurídico necessita ser reconhecido enquanto projeto coletivo comum que leva a sério
a exigência materializada na ideia de que homens livres e iguais podem se dar
normas, visando ser possível a condução da vida dos indivíduos em comunidade.
Essa é justamente a ideia de integridade do Direito.
Para tanto, cabe salientar que, a interpretação necessita ser traçada como
uma atividade coletiva em que cada nova geração assume o que foi feito em outrora
com o fim de aprimorar o trabalho a ser empreendido. Ao ter se debruçado sobre a
proposta de Dworkin (2006), Ommati (2012) mostra que isso é necessário porque a
própria Constituição necessita incorporar uma redação/linguagem muito abstrata,
motivo pelo qual não é prescindível a sua atualização em cada momento histórico
específico, o que Dworkin denomina, portanto, de leitura moral da Constituição.
Para Jean-Cassien Billier e Aglaé Maryioli (2005), citados por José Emílio
Medauar (2012), a teoria dworkiniana está fulcrada sob um enfoque de caráter
hermenêutico que, no tangente à aplicação do direito, leva em conta a dimensão da
história (trabalhos preparatórios de legislação e decisões judiciárias anteriores). Isso
serve, essencialmente, para sustentar a aplicação do Direito e sua história jurídica e
institucional no presente, de modo a funcionar como norte de compreensão e
apropriação do próprio passado. Essa interpretação da história jurídica pretérita se
justifica para Dworkin na medida em que cabe ao juiz ser coautor de uma obra
coletiva construída à luz da história institucional do Direito.
Assim, para José Emílio Medauar Ommati (2012), Dworkin elucida que, para
que seja prevalecido o ideal de integridade do Direito, exige-se dos juízes e
aplicadores do Direito uma atuação fundada na imperiosidade de se ter coerência
entre as decisões passadas e as decisões presentes, a partir dos princípios da
igualdade e liberdade, como se os juízes tivessem dando prosseguimento a uma
obra coletiva. A perspectiva de integridade do Direito nos ajuda a compreender o
fenômeno das fake news e do discurso do ódio presente na sociedade
contemporânea, e, portanto, no bojo da aplicação do Direito Positivo, há de se levar
em consideração a necessidade de solucionar eventuais cases sob uma melhor luz,
24

se valendo da vontade do legislador constituinte, de modo a apropriar-se do que foi


realizado no passado com o propósito de aprimorar a obra ser (re)construída.
A presença das fake news não é considerado como algo novo no bojo social,
mas, encontrou-se terreno fértil para sua proliferação no contexto da pós-
modernidade, motivo pelo qual, fundado na ideia de construir uma sociedade de
livres e iguais, necessitar-se-á discutir as principais formas a serem assumidas pelo
sistema do Direito, de maneira a primar pela coerência que deve existir nos
ordenamentos constitucionais.
Essa perspectiva de integridade do Direito difundida por Dworkin e para dizer
com Ommati (2012), não quer dizer simplesmente uma mera repetição por parte dos
juízes do Direito escrito no passado, pelo contrário, para Dworkin (1999), o direito
enquanto integridade principia-se no presente e apenas se reporta ao passado
quando o enfoque contemporâneo da atividade de interpretação jurídica assim o
exigir. Ao discutir a proposta de Dworkin à luz de Gadamer (1998), José Emílio
Medauar (2012) reforça a discussão voltada para a necessidade da contextualização
do sentido atual do texto a partir da história, de modo a não ser apenas visualizado
como uma reprodução do passado, mas sobretudo que, nessa pegada, deve o juiz
conhecer a história institucional do Direito e, diante disso, realizar a atualização do
texto jurídico, com o fito de unir os caminhos entre o sentido original do texto e o
intérprete atual.
Dentro dessa perspectiva, José Emílio Medauar Ommati (2012) adverte para
a necessidade de ser compreendido a vontade do legislador constituinte em seu
caráter abstrato para, por conseguinte, demonstrar justificadamente aquela prática à
sua melhor luz, isto é, nos moldes de uma moldura coletiva passível de ser
reconstruída a cada contexto histórico, de maneira que seja perfeitamente possível o
enriquecimento da história institucional da comunidade sem necessitar, por outro
lado, ser modificada. A bem da verdade, essa empreitada interpretativa decorre da
sua característica de ser construtiva, na medida em que permite ao intérprete a co-
participação no entendimento da obra, tornando-a a melhor que pode ser, não
olvidando, contudo, da história das interpretações passadas que deve ser
respeitada.
A despeito disso, Ommati (2012), ao tratar sobre o caso paradigmático acerca
do hate speech no âmbito brasileiro, que é o principal foco para discussão no
presente trabalho, mostra que o Ministro do Supremo Tribunal Federal – STF,
25

Moreira Alves, no momento em que defende a intepretação do racismo de maneira


restrita aos negros, e, respaldando seu argumento na vontade do legislador, estaria
indo na contramão da própria vontade do Constituinte, vez que ante todo labor
realizado, não há dúvidas de que a intenção deste último foi justamente combater as
mais diversas formas de discriminação. Nesse sentido, com Dworkin, José Emílio
(2012), diz claramente que o cumprimento da vontade do Constituinte está
condicionado ao entendimento da mesma ser bastante ampla, geral, bem como à
compreensão dos pressupostos morais e políticos que fundaram o trabalho da
Constituinte de 1987-1988.
Com essa discussão, surgiu críticas ao argumento do Ministro Moreira Alves,
vez que utilizou os debates outrora realizados na constituinte de 1987-1988 como
uma verdade perfeita, pronta e acabada, para afirmar que a vontade do legislador é
no sentido de que o racismo significa apenas preconceito contra raças, e, portanto,
não sendo, pois, os judeus uma raça, o paciente, Siegfried Ellwanger, não teria
cometido o crime de racismo contra o povo judeu. Pelo contrário, ao falar
sedimentado com Dworkin, José Emílio Medauar Ommati (2012) demonstra que
muito embora os debates constituintes sejam relevantes para a interpretação
jurídica, a sua apropriação enquanto passado deve se dar concomitantemente com
a atualidade, de modo que seja possível entender o direito sob a sua melhor luz.
A partir da discussão acerca dos princípios da igualdade e liberdade, José
Emílio Medauar Ommati (2012) mostra que no âmago de um Estado Democrático de
Direito, não é adequada a compreensão dos referidos princípios sob a ótica de
serem antagônicos, ou seja, no olhar de que um princípio é realizado e o outro é
colocado à margem da situação concreta. A bem da verdade, nesse ritmo, os
princípios da igualdade e liberdade não devem categorizados como opostos, mas
sim na perspectiva de que a realização de um deve implicar, necessariamente, na
satisfação do outro, num verdadeiro cenário de reconciliação de princípios.
Ancorado na teoria de Ronald Dworkin, José Emílio (2012) afirma a
necessidade de compreender a explanação que o autor americano realiza sobre os
princípios da igualdade e liberdade dentro da própria ideia acerca da integridade do
Direito. Essa compreensão gira em torno da perspectiva de que a sociedade deve
ter como ponto de partida a necessidade de ser fundada no tratamento igualitário e
no respeito mútuo, ou melhor, no primado do igual respeito e consideração.
26

Compreender o efetivo papel dos princípios da igualdade e liberdade,


pressupõe debater as características da democracia, no cenário de conexões
recíprocas (OMMATI, 2012). A democracia não quer dizer, necessariamente, o
respeito à regra estipulada pela maioria. Significa, igualmente, e seguindo os
ensinamentos de Dworkin (2003), a ideia de que as pessoas estão inseridas em
empreendimento político comum e se veem como pertencentes de um cenário de
parceria dentro dessa ótica da democracia, ou seja, se auto intitulam como parceiros
de um projeto comum no regime democrático. Dessa maneira, a democracia pode
ser entendida enquanto um regime que respeita a diversidade e, não a regra
estatuída pela maioria.
Ao tratar sobre o princípio da igualdade, José Emílio (2012), na linha de
Dworkin, afirma que tal princípio está relacionado não com a ideia de tratamento
igual aos iguais e desigual aos desiguais, na medida das suas desigualdades, mas
sim, que possui um viés de tratar a todos com a mesma consideração e respeito,
não possuindo, assim, um conteúdo fixo, mas tem como norte levar a sério a sua
própria natureza de princípio jurídico.
Ao se debruçar sobre a noção que Dworkin faz do princípio da igualdade,
Ommati (2012) se posiciona no sentido de que a igualdade é considerada a sombra
albergadora da liberdade, isto é, referidos princípios devem ser visualizados não
enquanto colidentes entre si, pelo contrário, na ótica de Dworkin, eles (os princípios)
são complementares, vez que se pressupõem mutuamente e, portanto, a proteção
da liberdade leva necessariamente ao protecionismo da igualdade.
Ainda com Dworkin (2005), José Emílio Medauar Ommati (2012) mostra que
para o autor americano, os princípios da igualdade e liberdade são importantes para
a promoção da democracia enquanto associação de homens livres e iguais. Na linha
de Ronald Dworkin (2005), na perspectiva de entender a democracia num olhar
associativo, ela pode ser visualizada em três dimensões. A primeira dimensão é
representada pela soberania popular, consubstanciada na relação existente entre a
comunidade ou o povo e os diferentes funcionários que formam o governo.
A segunda dimensão da democracia está ancorada na igualdade, de maneira
a refletir uma ideia de que todas as pessoas possam participar do debate
democrático como iguais. Por fim, a terceira dimensão da democracia associativa,
possui como primado o próprio discurso democrático, a qual, no entender de
Dworkin (2005), ao restringir o discurso público pela censura, inexistir-se-á um
27

autogoverno coletivo. Como mostra José Emílio Medauar Ommati (2012), seguindo
o pensamento de Dworkin (2001), é preciso a organização da política no sentido de
que todas as pessoas/cidadãos tenham reais motivos para se sentir parceiros de um
empreendimento político comum.
Assim, seria contraditório pensar em uma sociedade cujos cidadãos possam
ser qualificados como parceiros e, ao mesmo tempo, os judeus da Alemanha
Nazista e/ou os negros da África do Sul da apartheid estivessem a ponto de ser
aniquilados pelo próprio regime ao qual estavam inseridos. Esse ponto é de crucial
importância como ponto inicial da discussão que será desenvolvida no próximo
capítulo acerca do hate speech na Alemanha, a qual encontra-se lastreada no
ideário da necessidade de proteger a dignidade humana, ou, na teoria dowrkiniana,
a igualdade e liberdade.
Ao discorrer sobre a temática, José Emílio Medauar (2012), mostra que a
condição essencial para os cidadãos desenvolverem o sentimento de parceria
dentro do contexto de um empreendimento coletivo está relacionada com o
asseguramento de certos direitos individuais, como por exemplo, os direitos
antidiscriminatórios e a própria liberdade de expressão. A parceria é, para Ronald
Dworkin (2001), uma questão de respeito mútuo, ou seja, inexiste qualquer
possibilidade de que outrem tenha possibilidade de se sentir parceiro de uma
sociedade na qual lhe considera como cidadão de segunda classe.
Ademais, na perspectiva de entender a liberdade de expressão como um
direito indispensável no regime democrático, a parceria entre os cidadãos não pode
ser visualizada se a maioria considerada as opiniões ou gostos de terceiros tão
perigosas quanto indignas ao ponto de que ninguém esteja autorizado a ouvi-los.
Por conseguinte, o próprio José Emílio Medauar Ommati (2012), afirma existir uma
contradição manifesta no pensamento de Ronald Dworkin, porquanto não obstante
demonstre a imperiosidade dos direitos antidiscriminatórios no bojo democrático, por
outro lado, afirma o direito de um racista proferir seu discurso ancorado no direito de
igual respeito e consideração para com aquele que profere o discurso.
A esse respeito, José Emílio (2012) entende que a posição esposada por
autores como Owen Fiss e Stephen Holmes e Cass Sunstein seja mais consentânea
com o ideal de integridade. Owen Fiss (2005), ao interpretar a história constitucional
norte-americana, mostra que alguns discursos prolatados devem ser proibidos,
tendo em vista a sua clara intenção de calar outros indivíduos inseridos no mesmo
28

tecido social. Da mesma forma que Fiss (2005), Holmes e Cass Sunstein (2011),
compartilham de posição semelhante.
Pois bem, com base na redação da Primeira Emenda à Constituição dos
Estados Unidos e, na linha do pensamento de Dworkin, José Emílio (2012) escreve
que, não obstante seja possível afirmar que a integridade do Direito nesse contexto
exija, de um modo geral, um absenteísmo estatal no tocante ao discursos proferidos
pelos cidadãos norte-americanos, mostra que nem mesmo essa interpretação do
autor norte-americano é a mais condizente tanto com o ideal da integridade, quanto
com a própria história jurídica e institucional dos Estados Unidos à sua melhor luz.
Para José Emílio Medauar Ommati (2012), ao contrário do entendimento
difundido no ambiente norte-americano, a liberdade de expressão no contexto
brasileiro não pode ser compreendida como a possibilidade de se proferir discurso
ódio quando, a posteriori, restar comprovado tratar-se de um discurso racista e
discriminatório, em especial se levar em consideração a função exercida pela
proibição da prática do racismo na Constituição Federal de 1988, como também em
face da história jurídica e institucional do Brasil, discussão que será aprofundada nos
capítulos posteriores.
Para tanto, com o fito de servir como fundamento necessário para discussão
do discurso do ódio nos Estados Unidos, Alemanha e Brasil, iremos apreciar a
maneira pela qual a liberdade de expressão é vista no contexto do Estado Liberal e
no Estado Social e/ou Providência, algo de crucial importância para aprofundar o
debate em voga.

2.3 Liberdade de expressão e liberalismo

Uma forma de se aproximar de uma temática é traçar o seu itinerário ao


longo do tempo, seus pontos mais relevantes no debate acadêmico e, em certa
medida, apontar nortes teóricos. Então, para a compreensão da liberdade de
expressão nas sociedades liberais, faz-se necessário traçar de maneira não
exaustiva o movimento que influenciou a sua definição, ou melhor, os seus
fundamentos teóricos.
29

Com o declínio dos regimes absolutistas, em decorrência de uma nova


emolduração na ordem mundial, resultante de rupturas paradigmáticas na ordem
vigente à época, como a Revolução Gloriosa de 1688, o Iluminismo e, em especial a
Revolução Francesa de 1789, há o surgimento do Estado Liberal, o qual nasce com
o objetivo primordial de combater os ideais do Estado Absolutista. Devido a
influência dos primados expostos pela Revolução Francesa, o Estado Liberal,
também dito Constitucional ou de Direito, passou a estabelecer como postulados
fundamentais a Liberdade, Igualdade e Fraternidade.
Aliado a isso, surge na segunda metade do século XVIII o movimento social,
político e jurídico, que se convencionou chamar de constitucionalismo moderno, cujo
principal objetivo é limitar o poder do Estado por meio das cartas constitucionais
escritas e garantir, em contrapartida, os direitos essenciais do cidadão, referido
anteriormente. Na visão de Canotilho (2003, p. 07), o constitucionalismo deve ser
entendido como “a teoria (ou ideologia) que emerge o princípio do governo limitado
indispensável à garantia dos direitos em dimensão estruturante da organização
político-social de uma comunidade.
O constitucionalismo moderno representa uma técnica específica de
limitação do poder com fins garantísticos”. Em outras palavras, o constitucionalismo
é considerado como um movimento que almejava a defesa das constituições, sem
olvidar, por outro lado, do seu cunho ideológico/revolucionário voltado para a luta
pela derrocada da monarquia absolutista e a ascensão da burguesia emergente. No
seio desse contexto, a liberdade e a igualdade são consideradas como a base do
pensamento adotado pela sociedade liberal. Impende salientar, que a defesa das
liberdades era vista como condição necessária para a garantia da dignidade
humana, eis que o Estado fora criado com o objetivo de possibilitar a mínima
ingerência na vida econômica e social dos cidadãos.
A igualdade, por outro lado, é formalmente declarada, sem as necessárias
considerações sobre as assimetrias reais da sociedade. Nesse momento histórico,
verifica-se a consagração nos textos constitucionais dos direitos civis e políticos,
denominada como direitos fundamentais de primeira geração ou dimensão, ligados
ao valor liberdade. São, portanto, direitos individuais decorrentes da própria
condição de ser humano, e que implicam uma posição absenteísta por parte do
Estado e, para Bonavides (2008, p. 563), os direitos de primeira dimensão:
30

[...] são os direitos da liberdade, os primeiros a constarem de instrumento


normativo constitucional, a saber, os direitos civis e políticos, [...] têm, por
titular o indivíduo, são oponíveis ao Estado, traduzem-se como faculdades
ou atributos da pessoa e ostentam uma subjetividade que é o seu traço
mais marcante; enfim, são direitos de resistência ou de oposição perante o
Estado.

A liberdade de expressão e pensamento significou o grande referencial ético-


político das Revoluções Burguesas, na Europa, no século XVIII, no entanto, a sua
tutela tão somente poderia ser concretizada na medida em que o Estado que as
garante se abstém de qualquer intervenção, consoante o princípio do laissez-faire1.
Tornaram-se valores obrigatórios e passaram a ser incorporado em suas Cartas,
como na Declaração dos direitos do homem e do cidadão da Revolução Francesa,
marco paradigmático do pensamento liberal: “A livre comunicação de pensamentos
e opinião é um dos direitos mais preciosos do homem; todo cidadão pode pois falar
livremente, sob condição de responder pelo abuso dessa liberdade nos casos
determinados pela lei.” (art. XI).
Não obstante tenha sido formulada em termos religiosos, a visão de Locke é
um pilar de grande relevo para o estudo da liberdade de expressão. Em sua Carta
acerca da tolerância, de 1690, Locke considera que a tolerância religiosa é
considerada como o princípio irradiador para as demais liberdades, isto é, a
liberdade resulta necessariamente na pluralidade de posições, o que nesse sentido,
exige tolerância quanto às opiniões divergentes. A Carta de John Locke torna-se um
marco paradigmático no tocante a defesa da tolerância e da liberdade de expressão
e consciência, fundada na distinção entre os poderes da Igreja e do Estado.
Ao defender a necessidade da aceitação da diversidade de opiniões como
caminho a ser seguido para evitar as guerras de religião, Locke (1983, p. 27)
apresenta:

Portanto, devemos buscar outra causa para os males do que atribuí-los à


religião. E, se consideramos corretamente, descobriremos consistir
totalmente no assunto que estou discutindo. Não é a diversidade de
opiniões (o que não pode ser evitado), mas a recusa de tolerância para com
os que têm opinião diversa, o que se poderia admitir, que deu origem a
maioria das disputas e guerras que se têm manifestado no mundo cristão
por causa da religião.

1 Essa expressão se encontra intimamente ligada com o pensamento apregoado pelo liberalismo
econômico, na sua versão mais pura de Capitalismo, significando, portanto, numa linguagem
francesa, deixai fazer, deixai ir, deixai passar, ou seja, entrelaça-se com a ideia de que o mercado
deve funcionar de maneira livre, sem qualquer interferência estatal.
31

A bem dizer, a pluralidade de opiniões é o caminho a ser trilhado em toda e


qualquer sociedade que pretenda nutrir respeitos mínimos para com outrem. Ou
seja, a liberdade de expressão aqui está vinculada com a tolerância, o que significa
dizer, por conseguinte, que é dado aos cidadãos a possibilidade de maior
participação nos espaços públicos de discussão de diversos temas afetos à camada
social vigente. Ao discutir a liberdade à luz do liberalismo, Silveira (2007), mostra
que, não obstante a liberdade de expressão ostente um caráter mais amplo nesse
ambiente, a constatação de prejuízos aos demais membros da sociedade pode ser
considerado limites à própria liberdade de expressão de pensamento.
Por outro lado, como regra, o tratamento conferido pelos Estados Liberais à
liberdade de expressão tende a albergar e proteger discursos racistas, odiosos,
porquanto as liberdades ostentam um caráter privilegiado se comparado com outros
direitos fundamentais. E essa proteção é assim direcionada, ainda que, para tanto,
seja necessário promover o efeito silenciador contra as minorias e, portanto,
legitimem exclusões sociais decorrentes do exercício da liberdade de expressão,
que possui status de prevalência.
Os Estados Liberais, na verdade, atuam pautados no primado da
intervenção mínima nas questões das liberdades individuais, o que, de certa forma,
respalda o proferimento de discurso do ódio em nome da liberdade de ser racista,
por exemplo. No entendimento de Wolkmer (2000), o liberalismo está pautado numa
ética de caráter individualista, voltada à ideia de liberdade plena para os cidadãos.
Ao debruçar-se sobre o liberalismo, aliado à ideia de intervenção mínima, Streck
(2003, p. 48), assim nos ensina:

o liberalismo lutara fundamentalmente pelas liberdades de (isto é, de


religião, de palavra, de imprensa, de reunião, de associação, de
participação no poder político, de iniciativa econômica para o indivíduo), e
consequentemente reivindicara a não interferência por parte do Estado e a
garantia para estes direitos individuais, civis e políticos.

Nessa ambientação, a não interferência estatal decorre da constatação de


ser o Estado considerado como inimigo da liberdade individual. Dentro do paradigma
liberal clássico, as liberdades fundamentais (liberdade de opinião, liberdade de
expressão artística, científica; liberdade de comunicação e de informação, liberdade
de imprensa, etc.), são objetos de tutelas direcionadas à permissividade, isto é, cabe
ao Estado tão somente garantir as liberdades e se abster de qualquer intervenção,
ainda que constatado eventuais discursos prejudiciais, advindos do exercício das
32

referidas liberdades. Ainda assim, quando for posto em debate o hate speech no
contexto estadunidense, será demonstrado que, em alguns casos, é legítimo o
estabelecimento de restrições à liberdade de expressão.
Essa discussão será melhor aprofundada no próximo capítulo, quando nos
debruçarmos acerca do hate speech na jurisprudência dos Estados Unidos da
América, Alemanha e Brasil.

2.4 Liberdade de Expressão e Estado Social

Como visto, os Estados Liberais têm como pano de fundo a ideia de


intervenção mínima nos assuntos afetos aos direitos de primeira geração, direitos
decorrentes da própria condição de ser humano e, portanto, é devido ao Estado
exercer uma obrigação negativa quanto a isso. O papel do Estado naquele modelo é
direcionado ao asseguramento das liberdades dos indivíduos e, qualquer
intervenção que extrapole essa tarefa, considera-se como vilipendiosa, pois
enfraquece a independência e a iniciativa individuais.
As contradições do Estado Liberal e seu ideário de intervenção mínima no
tocante ao mercado, foi um dos grandes fios condutores para a substituição
paulatina da ordem estritamente liberal pelo Estado Social. Este último foi
conjecturado com um olhar intervencionista com relação as falhas visualizadas no
campo das liberdades individuais, bem como levando em conta a constante
concentração de riqueza nas mãos de poucas pessoas, o que impulsionou,
inclusive, o surgimento das crises cíclicas no mundo ocidental, na senda das
Guerras Mundiais do século XX. Debruçando-se sobre o processo de instituição do
Estado Social, André Copetti (2000, p. 54), lembra que:

Instigados faticamente pela contradição entre a liberdade do liberalismo e a


escravidão social em que viviam, e teoricamente nas doutrinas socialistas
utópica e cientifica, de Saint Simon e Marx, a massa proletária ao arrebatar
o sufrágio universal, não se contentando apenas com a concessão formal
desse direito, mas utilizando-o em seu próprio benefício, deu início ao
processo de instituição do Estado Social. Cede assim o Estado liberal-
burguês às exigências dos trabalhadores. Entrega os anéis para não perder
os dedos, vendo-se forçada a conferir, constitucionalmente, direitos do
trabalho, da previdência, da educação, a ditar o salário, a manipular a
moeda, a intervir na economia, como distribuidor, a comprar a produção,
regular preços, combater o desemprego, proteger o trabalhador, controlar
33

profissões, enfim, passa a intervir na dinâmica socioeconômica da


sociedade civil.

O Estado Social foi arquitetado em decorrência da crescente desigualdade


social, surgida no bojo do liberalismo clássico, e a luta do proletariado desempenhou
um papel fundamental na busca por um Estado voltado ao intervencionismo nas
questões assimétricas visualizadas na camada da sociedade vigente. Na visão de
Gordilho (1977, p. 74),

A diferença básica entre a concepção clássica do liberalismo e a do Estado


de Bem-Estar é que, enquanto naquela se trata tão-somente de colocar
barreiras ao Estado, esquecendo-se de fixar-lhe também obrigações
positivas, aqui, sem deixar de manter as barreiras, se lhes agregam
finalidades e tarefas às quais antes não sentia obrigado. A identidade
básica entre o Estado de Direito e Estado de Bem-Estar, por sua vez, reside
em que o segundo toma e mantém do primeiro o respeito aos direitos
individuais e é sobre esta base que constrói seus próprios princípios.

Ao tempo em que o Estado Liberal tinha como principal objetivo propiciar o


exercício amplo dos direitos de primeira geração/dimensão, tais como o direito à
vida, liberdade, privacidade, propriedade privada, segurança, etc., aliado a essa
preocupação com os direitos e garantias individuais, criou-se a necessidade de
fixação de obrigações positiva para o Estado, ou melhor, direitos prestacionais, de
modo a reconhecer as demandas de novo atores sociais, distintas daquelas
propugnadas no ambiente da burguesia.
Dito de outra maneira, não obstante o Estado Social respeite os direitos
individuais, notadamente as liberdades fundamentais, um dos seus pilares foi
justamente a edificação dos chamados direitos sociais, ou melhor, direitos de
segunda geração/dimensão, dentre os quais, destaca-se, o direito à saúde, lazer,
educação, trabalho, dentre outros. Nosso ponto de discussão nesse trabalho, por
outro lado, diz respeito à análise do sentido da liberdade de expressão no contexto
de um Estado que reconhece direitos aos mais variados grupos sociais e,
especialmente, levando em conta a presença estatal nas tarefas que antes não
sentia obrigado de realizar.
Ao discutir a liberdade de expressão e seus efeitos nos Estados Liberais e
Sociais, Marco Aurélio Moura dos Santos (2016, p. 90), na sua obra “O Discurso do
Ódio em Redes Sociais, enfatiza:

Geralmente, Estados Liberais valorizam a liberdade de expressão em


abstrato, mas, na prática, é apenas o discurso ofensivo que normalmente
precisa de proteção. Ao contrário, no seio dos Estados Sociais, o
34

entendimento é que o conteúdo do discurso do ódio elimina, ou pelo menos


minimiza, seu caráter comunicativo e, por essa razão, a expressão de
mensagens racistas é apropriadamente vista mais como um conduta do que
como um discurso, não sendo aplicáveis, portanto, os argumentos
baseados na liberdade de expressão.

A liberdade de expressão teve alargado o seu espectro de incidência no


contexto do Estado Social de Direito, ao levar em conta um maior reconhecimento
de direitos desenvolvidos e reformulados para diversos grupos sociais, como forma
de viabilizar a construção de uma democracia pluralista, voltada, essencialmente,
para a inclusão social e, especificamente, para a dignidade da pessoa humana. Em
decorrência disso, algumas camadas vulneráveis na sociedade começaram a
exercer seu direito a liberdade de expressão, calcado na ideia igualdade material e
justiça social, grandes postulados do Estado Providência ou Welfare state.
Por outro lado, em razão da fragilidade desses grupos ante aquilo que se
entende como predominante na via social, criou-se conflitos sociais advindos da
utilização das liberdades fundamentais como instrumental para disseminação de
discursos eminentemente racistas, odiosos, o que, no bojo dessa arquitetura estatal
não é admitido. A bem da verdade, no Estado Liberal a liberdade de expressão é o
instrumento necessário para legitimar a disseminação dos mais variados discursos
no tecido social, porquanto, como regra, a liberdade é compreendida como um
direito prevalente, não encontrando limites na ordem jurídica.
Lado outro, a ideia concebida pelo Estado Social de Direito é no sentido de
que há a necessidade de respeitar os direitos individuais, como é o caso da
liberdade de expressão, entretanto, os discursos que promovem a exclusão social
de grupos estigmatizados, baseados na cor da pele, orientação sexual,
pertencimento a determinadas religiões, etc., caracterizando, assim, verdadeiros
hate speeches, são incompatíveis com esse paradigma estatal providencial. Tal
manifestação odiosa, configurada como prática do racismo, e, para dizer com
Ommati (2012, p. 101), entra em rota de colisão com o postulado da “igualdade de
todos, o que é o caso do HC 82.424/RS”, apreciado à luz da democracia
constitucional brasileira, a ser abordado no próximo capítulo.
35

3 LIBERDADE DE EXPRESSÃO E ÓDIO: TUTELAS


DISTINTAS OU SOLUÇÕES JURISPRUDENCIAIS

3.1 Discurso do Ódio: em busca de um conceito

A literatura que se desenvolveu acerca do tema discurso de ódio, apesar dos


esforços na sistematização do estudo, não oferece um conceito universal no tocante
à temática, existindo diversas explicações sobre o fenômeno. Nesse sentido, há
pesquisas de natureza multidisciplinar que discutem o discurso de ódio sob várias
nuances, e, para o presente trabalho, como não temos a pretensão de esgotar a
discussão sobre o tema, iremos apresentar alguns teóricos que se debruçaram
acerca da questão do discurso do ódio. Num viés jurídico e do direito, por exemplo,
destaca-se o trabalho de Daniel Sarmento (2006), Brugger (2007) (doutrinador
alemão), José Emílio Medauar (2012), Fiss (2005), Thiago Anastácio Carcará
(2014), Meyer-Pluf (2009), Marco Aurélio Moura dos Santos (2016), dentre outros.
Na perspectiva comportamental, é de suma relevância trazer à baila as contribuições
de André Glucksmann, em especial, na sua obra, denominada “O Discurso do Ódio”,
Inicialmente, tem-se que o Dicionário da Academia Brasileira de Letras
define o ódio como sendo um sentimento de raiva ou rancor contra alguém ou
alguma coisa, ou melhor, caracteriza-se como uma forma de aversão, antipatia e
repugnância, não sendo, por outro lado, mera emoção passageira ou momentânea.
Ou seja, o ódio não se confunde com qualquer irritação contra alguém ou grupo de
pessoas determinadas, vez que a sua caracterização, pressupõe a existência de um
sentimento intenso, profundo e duradouro.
No tratamento do que se convencionou chamar de discurso de ódio,
expressão que é derivada da tradução do termo inglês hate speech, André
Glucksman (2007, p. 11), na sua obra “O Discurso de Ódio”, assim ensina:

[...] o ódio existe, todos nós já nos deparamos com ele, tanto na escala
microscópica dos indivíduos como no cerne de coletividades gigantescas. A
paixão por agredir e aniquilar não se deixa iludir pelas magias da palavra.
As razões atribuídas ao ódio nada mais são do que circunstâncias
favoráveis, simples ocasiões, raramente ausentes, de liberar a vontade de
simplesmente destruir.
36

A bem da verdade, o discurso de ódio, também denominado de hate speech,


pode ser compreendido com a ideia de transmissão de alguma mensagem, conduta
ou ação que tem como objetivo a disseminação, incitação ou promoção do ódio,
preconceito, discriminação ou violência contra determinados grupos da sociedade,
em especial contra os grupos marginalizados e/ou vulneráveis. A propagação de tal
discurso possui como pano de fundo o menosprezo à raça, religião, orientação
sexual, opinião política, etc., ou seja, a sua propagação se direciona de modo efetivo
contra as minorias do tecido social.
Além da ideia do ódio como uma experiência concreta, Glusckmann (2007, p.
12) entende que o ódio se encontra assentado como discurso, perpetuando-se
nesse viés:

Com seus ornamentos tradicionais – raiva, cólera, bestialidade, ferocidade –


dos quais ele exibe um arsenal completo, o ódio acusa sem saber. O ódio
julga sem ouvir. O ódio condena a seu bel-prazer. Nada respeita e acredita
encontrar - se diante de algum complô universal. Esgotado, recoberto de
ressentimento, dilacera tudo com seu golpe arbitrário e poderoso. Odeio,
logo existo.

Ainda para dizer com Glusckmann (2007), na sua visão, o ódio não é um
fenômeno irracional, ancorado no seio dos sentimentos obscuros, mas sim um
discurso, isto é, ainda que não seja passível de enfrentar contra-argumentos ou não
apresente razões suficientes para se manter irretocável, o ódio é configurado como
uma expressão articulada, intencional e preparada por intermédio de uma linguagem
verbal, que pode, inclusive, ser manifestado por meio das mídias sociais, imprensa,
etc.
Ao examinar situações contemporâneas nas quais o discurso de ódio é, de
forma geral, visualizado – racismo, antissemitismo, misoginia, homofobia, dentre
outros -, Glusckmann (2007) apresenta sete conclusões acerca do ódio enquanto
manifestação discursiva, a saber: 1) o ódio existe, e, portanto, não pode ser
considerado mera ausência do bem ou do amor; 2) o ódio se camufla com ternuras,
tendo em vista que se encontra assentado de falsos álibis que o justificam; 3) o ódio
é insaciável, porquanto impulsiona uma onda argumentativa sem trégua e sem fim,
não admitindo, por conseguinte, o diálogo com os diferentes; 4) o ódio promete o
paraíso, de modo que apresenta-se na qualidade de um mal necessário, cujo
objetivo é obter uma situação mais vantajosa do que a atual; 5) o ódio deseja ser o
Deus criador, em especial, na senda do discurso religioso moralista e no próprio
37

ceticismo da modernidade; 6) o ódio ama até a morte, e tenciona eliminar todo


indivíduo que não comunga com os ideais previstos no código moral correto e
aceitável; 7) o ódio se nutre de sua devoração, de maneira que por ser um discurso
compenetrado, o qual direciona sua lógica interna à exaustão, desaprova qualquer
diálogo ou empatia com aqueles que pensam diversamente do discurso odioso
proferido.
O discurso de ódio materializa-se com a manifestação de ideias que incitam à
discriminação racial, social ou religiosa em relação a determinados grupos de
pessoas, em especial, contra as minorias (negros, mulheres, judeus, mulçumanos,
população LGBTI+, pessoas pertencentes às religiões de matriz africana, etc.). Ou
seja, tal discurso odioso, que promove a discriminação, racismo, preconceito, ao ser
manifestado, atinge todo aquele indivíduo que possa ser considerado “diferente”, em
razão de sua cor, raça, etnicidade, religião, orientação sexual, condição econômica,
social, ou de seu gênero, com o intuito de promover a exclusão social de tais grupos
de pessoas.
Nas palavras de Winfried Brugger (2007, p. 118), é possível conceituar o hate
speech como sendo “palavras que tendem a insultar, intimidar ou assediar pessoas
em virtude de sua raça, cor, etnicidade, nacionalidade, sexo ou religião, ou que tem
a capacidade de instigar a violência, ódio ou discriminação contra tais pessoas”. Da
leitura do conceito acima referido pelo autor, depreende-se que do discurso odioso
pode ser extraído duas consequências: o insulto e a instigação.
Assim, muito embora como regra, as ideias que se veiculam por intermédio do
discurso de ódio não encontrem respaldo expresso no sentimento coletivo, a sua
difusão contribui com o alargamento e perpetuação dos estereótipos negativos,
enraizados culturalmente contra grupos determinados, de modo a culminar na
valoração negativada no tocante à participação de tal segmento vitimizado no tecido
social. Mais do que isso, o hate speech exerce uma força expressiva nos
ouvintes/leitores, no sentido de torná-los instigados a participar do discurso
discriminatório, não apenas com palavras, mas sobretudo, por meio de ações
concretas direcionadas a grupos socialmente vulneráveis, com o fito de negar a
esses o acesso a direitos.
Somando-se à definição de Winfried Brugger, Thiago Anastácio Carcará
(2014, p. 62), se debruça na discussão acerca do hate speech, de maneira a
conceituá-lo como uma forma de manifestação do pensamento, conjugado ao direito
38

de externar uma ideia que ao mesmo tempo incide sobre a esfera da autonomia
privada de outrem, “posto dirigir-se a contaminar determinado ambiente com uma
ideia de fúria contra um grupo vulnerável, propagando-a sem possibilidade de
diálogo, de liberdade de escolha, do exercício livre da autonomia privada”.
No contexto do mundo virtual, em especial no tocante às mídias sociais
(discussão que será aprofundada no próximo capítulo), ao mesmo tempo que
tornou-se possível ampliar o espaço do debate público, de maneira a viabilizar a
existência de um ambiente democrático, serviu-se como um terreno fértil para a
propagação de manifestações odiosas, tendo em vista a falsa percepção de que o
propagador do discurso não será alvo de responsabilização.
Na esteira de tal sociedade virtualizada, o discurso de ódio serve como
instrumento de ataque à dignidade humana e a diversos direitos fundamentais,
aliado à constatação de que a sua exteriorização no meio social-digital pode
ocasionar prejuízos de maior amplitude, eis que, possui maiores condições de criar
um espaço de insegurança, mal-estar social e, vilipêndios ao ser humano, enquanto
sujeito de direitos numa sociedade da pós-modernidade.
Ao tratar sobre a temática em voga, Daniel Sarmento (2006, p. 81),
demonstra ser preciso reconhecer “[...] que as expressões de ódio, intolerância e
preconceito manifestadas na esfera pública não só não contribuem para um debate
racional, como comprometem a própria continuidade da discussão”. Ou seja, mesmo
no seio do espaço público, voltado, em regra, para o abarcamento de diversas
visões de mundo, a propagação do discurso odioso se insere com efeito silenciador
das vozes dos grupos de pessoas e classes, e, por consequência, reforça a
estereotipagem contra aqueles que são marginalizados pelo simples fato de serem
“diferentes”. Ainda para dizer com Sarmento (2006, p. 90), vê-se que a

[...] a repetição, por exemplo, de afirmações como a de que os judeus são


traiçoeiros, os índios são preguiçosos ou de que os homossexuais
masculinos são fúteis e devassos, acaba afetando a percepção que a
maioria das pessoas têm dos integrantes destes grupos, reforçando
estigmas e estereótipos negativos e estimulando discriminações.

Pelo fato de estarmos vivendo na era digital, um ponto merecedor de


destaque no tocante ao hate spechh gira em torno da percepção de que, ao mesmo
tempo que a sociedade informatizada se instrumentalizou de ferramentas capazes
de tornar o cidadão ator de sua própria opinião, de modo a desenvolver a
capacidade de protestar contra questões de natureza política, social, econômica,
39

essa mesma era digital também desembocou o seu lado negativo: a desinformação
é facilmente disseminada na Internet.
E essa própria desinformação pode ser desenvolvida especificadamente para
o agigantamento dos estereótipos/estigmas negativos contra as minorias (negros,
mulheres, judeus, mulçumanos, população LGBTI+, pessoas pertencentes às
religiões de matriz africana, etc.), de maneira a trazer como consequência direta, o
desenvolvimento virtual dos discursos odiosos, voltados para legitimar a privação de
direitos, a exclusão social e até a eliminação física daqueles que são discriminados.
Ao discutir sobre a sociedade da informação e os reflexos dos discursos
odiosos no contexto virtual, Marco Aurélio Moura dos Santos (2016, p. 50),
considera que:

Na sociedade da informação, principalmente nos ambientes de redes


sociais, o racismo pode ainda tomar proporções mais preocupantes já que a
“convivência forçada” é ampliada e nem é necessária à presença física.
Existem várias escalas nos comportamentos racistas. No nível mais baixo
está o escárnio verbal, nas redes sociais este comportamento é bastante
incentivado, tendo em vista a facilidade e rapidez em “postar” algum
comentário ou aderir a condutas racistas. Numa escala um pouco mais
acima está às condutas que evitam o convívio, produz indiferença, o ato de
se afastar quando alguém se aproxima ou não querer estar no ambiente,
produzir aversão à presença. [...] as redes sociais diminuem distâncias,
facilitam comunicação, estimulam liberdade de expressão, geram ansiedade
e comportamento irrefletidos por conta de uma constante velocidade e
mutabilidade. Nas redes sociais as condutas preconceituosas e
discriminatórias encontram terrenos fértil para o seu desenvolvimento.

A bem da verdade, notícias falsas podem ser produzidas nas plataformas das
mídias sociais com o intuito específico de denegrir ou ofender membros das
minorias tradicionalmente discriminadas, e, diante do compartilhamento/replicação
em massa de informações fraudulentas, aumenta-se de modo reforçado, a restrição
de direitos, ideias que incitam o extermínio, o ódio racial, a homofobia, a xenofobia,
bem como outras formas de ódio fulcrados na intolerância. Assim, cria-se um
ambiente odioso no contexto da sociedade virtualizada, ainda que ostente o condão
de esbarrar nos postulados constitucionais da dignidade pessoal e igualdade.
Muito embora os teóricos que dedicaram ao estudo do discurso de ódio não
tenham se preocupado em dar um conceito uníssono ao fenômeno, Carcará (2014),
diz que a doutrina pátria, de regra, tem seguido os contornos delineados pelos
Estados Unidos da América e Alemanha. Ou seja, buscam conceituar o hate speech
no sentido de ser um discurso voltado ao instigamento da violência, do ódio, bem
como da discriminação, no momento em que insultam, intimidam ou até assediam
40

indivíduos com base na sua raça, cor, etnia, sexo, religião, nacionalidade, dentre
outros.
Ainda para dizer com Carcará (2014), a própria doutrina brasileira, entretanto,
evidencia que os alvos do referido discurso são, de modo preferencial, as minorias e
os grupos vulneráveis. Nesse sentido, na visão do autor, há uma certa
concordância/consenso a respeito da conceituação do discurso do ódio como sendo
“a manifestação de pensamento que incita à violência em razão de características
físicas ou comportamentos sociais, que têm como vítimas preferenciais grupos
vulneráveis” (CARCARÁ, 2014, p. 56).
Tendo como ponto de partida essa realidade, deve-se ser discutido a
amplitude conferida à liberdade de expressão e sobre quais são as respostas
consentaneamente constitucionais para combater os discursos de ódio. Dessa
maneira, veremos os posicionamentos assumidos pela Suprema Corte norte-
americana, na Corte Constitucional da Alemanha e no Supremo Tribunal Federal,
em solo pátrio, com o objetivo de comparar a maneira como o assunto é tratado.

3.2 O modelo norte-americano

Com o advento das constituições liberais, em meados do século XVIII, a


liberdade de expressão adquire seus contornos iniciais, eis que foi considerada
fundamental no campo da afirmação dos ideais da burguesia no período das
revoluções liberais. A bem da verdade, a liberdade de expressão, enquanto garantia
individual, foi incorporada à Constituição norte-americana em 1791, por intermédio
da aprovação da 1ª Emenda2, a qual estabelece expressa vedação ao Congresso,
no tangente à atividade legiferante, com o fito de que a liberdade de expressão
(abrangendo a liberdade de opinião, e em especial, a liberdade de expressão), seja
garantida em demasia, eis que no contexto estadunidense, tal direito fundamental
assume posição preferencial sobre os demais direitos.

2 O Congresso não fará nenhuma lei a respeito do estabelecimento da religião, ou que proíba o seu
livre exercício, ou cerceie a liberdade de expressão, ou da imprensa, ou o direito do povo de se reunir
pacificamente e a solicitar do governo uma reparação por ofensa (ESTADOS UNIDOS, 1971,
tradução livre).
41

Em outras palavras, o texto da Primeira Emenda funciona como uma baliza


para proteger amplamente o direito à liberdade de expressão, e a construção desse
pensamento objetiva a preservação do espaço democrático num cenário de livre
opiniões a respeito de diversos temas, inclusive no tangente ao discurso de ódio. Na
posição do notável constitucionalista norte-americano, o autor Owen Fiss (2005, p.
30), ao comentar a Primeira Emenda da Constituição Americana:

O discurso é tão valorizado pela Constituição, eu sustento, não porque ele é


uma forma de auto-expressão ou auto-realização, mas porque ele é
essencial para a autodeterminação coletiva. A democracia permite que as
pessoas escolham a forma de vida que desejam viver e pressupõe que essa
escolha seja feita em um contexto no qual o debate público seja, para usar
a agora famosa fórmula do Juiz Brennan, ‘desinibido, robusto e amplamente
aberto.

No ambiente estadunidense, a liberdade de expressão do pensamento


assume um papel diferenciador na Jurisprudência da Corte norte-americana, em
especial nas situações que são postas à sua apreciação, envolvendo propagações
de discursos contra determinados segmentos do tecido social. Isso se deve ao fato
de que a concepção de liberdade de expressão encontra-se pautada nos exatos
termos propugnados pelo liberalismo, isto é, nessa ambiência ideológica/política, tal
direito fundamental do cidadão não é passível de restrição ilimitada, pelo contrário,
as limitações pelas quais a liberdade de manifestação de pensamento se sujeita é
de caráter mínimo.
Na posição de um direito fundamental de grande relevância, tanto no bojo do
ordenamento jurídico quanto na tecitura social, a liberdade de manifestação do
pensamento adquiriu essa modelagem preferencial quando comparada com os
demais direitos, em especial porque está umbilicalmente relacionado com a
soberania popular e ao regime democrático. Na visão de Daniel Sarmento (2010),
essa liberdade no seio dos Estados Unidos da América representa um dos principais
pilares da sua democracia, sob o argumento de que essa proteção privilegiada é
reflexo da própria tradição norte americana.
Esta última relaciona-se, por conseguinte, à forte rejeição contra o
intervencionismo estatal, ou seja, a sociedade não nutre um sentimento de confiança
para com o Estado, mas por outro lado, engrandece o papel do mercado a partir de
um olhar eminentemente liberal. De uma maneira geral, Estados Liberais tendem a
valorizar demasiadamente a liberdade de expressão e, na prática, o discurso
ofensivo ou repulsivo é protegido, como regra.
42

A própria Suprema Corte norte-americana, em seus julgamentos


paradigmáticos, reconhece que a liberdade de expressão ostenta a posição de
direito preferencial no seio do sistema de garantias constitucionais, ao prevalecer, na
maioria das vezes, frente a outros valores democráticos como a igualdade,
dignidade humana e privacidade. Nessa senda, a Suprema Corte estadunidense tem
albergado o hate speech de maneira sistemática, na tentativa de salvaguardar a
liberdade de expressão do pensamento e desprestigiar outros valores fundamentais
numa democracia.
Consequência disso é a impossibilidade do Estado regulamentar o conteúdo
dos discursos públicos proferidos, eis que seria indevido tomar partido em tais
questões, e, portanto, restar-se-ia aos cidadãos exercer a capacidade de
discernimento no tocante às opiniões colocadas à sua disposição. Na tratativa do
relevo que se constituiu no seio estadunidense a respeito da liberdade de expressão
e de imprensa, Thomas Cooley (2002, p. 266) assim leciona:

[...] sob o ponto de vista constitucional, a sua importância capital consiste


em facilitar ao cidadão ensejo de trazer perante o tribunal da opinião pública
qualquer autoridade, corporação ou repartição pública, e até mesmo o
próprio governo em todos os seus ramos, com o fim de compeli-los uns e
outros, a submeterem-se a um exame e a uma crítica sobre a sua conduta,
as suas medidas e os seus intentos, diante de todos, tendo em vista obter a
correção ou a prevenção dos males; do mesmo modo serve para sujeitar a
idêntico exame e com os fins idênticos todos aqueles que aspiram a
funções públicas. Estas vantagens o povo as conseguiu plenamente
durante a época revolucionária e delas gozou; a imprensa foi o principal
meio para defender os princípios da liberdade e preparar o país para resistir
à opressão; e neste sentido foi tamanha a sua eficácia, que eclipsou todos
os outros benefícios.

A despeito de tal proteção ampla à liberdade de expressão do pensamento,


de modo a considerar o discurso de ódio como mera exteriorização das ideias dos
indivíduos, o sistema norte americano não se alinhou ao entendimento do caráter
absoluto do aludido direito fundamental. Pelo contrário, Owen Fiss (2005) elucida
que, em algumas situações essa proteção demasiada cedeu lugar a ideia de ser
legítimo o estabelecimento de restrições à liberdade de expressão. O próprio Fiss
(2005, p. 47) mostra as situações pelas quais indivíduos ou organismos privados
podem atentar contra a liberdade de expressão, materializados em discursos que
incitam o ódio racial, distribuição e divulgação de material pornográfico e permissão
ilimitada ao financiamento privado de campanhas políticas, dentre outros.
43

Essa percepção acima retratada, decorre do fato de que a proteção


desmedida do discurso odioso terá como condão a interdição das vítimas (em
especial, das minorias) participarem das discussões públicas, em virtude do efeito
silenciador incutido no hate speech. Por conta disso, e para dizer com Sarmento
(2010), no âmbito da jurisprudência constitucional norte-americana, houveram
situações em que necessitou-se estabelecer restrições excepcionais ao exercício do
direito fundamental à liberdade de expressão do pensamento sem as quais a vida
social tornar-se-ia inviável.
No seio estadunidense, podemos encontrar decisões importantes que
consubstanciam a visão restritiva no tocante à interferência do Estado no âmbito da
liberdade de expressão. Nesse jaez, é o caso Brandemburg vs. Ohio, em 1969, em
que um líder da Ku Klux Klan, inicialmente, foi condenado pela Suprema Corte de
Ohio por ter proferido palavras de ordem valorizando branco e depreciando negros e
judeus, em meio a uma reunião gravada por repórter convidado e transmitida
publicamente na televisão.
Na própria filmagem, além de existir pessoas encapuzadas queimando
cruzes, Brandemburg utilizou da palavra para dizer que os negros deveriam ser
devolvidos para a África e os judeus para Israel. A decisão condenatória prolatada
pela Corte de Ohio no caso em testilha, adveio pelo fato de restar comprovado que o
indivíduo líder da nefasta entidade teria praticado o delito de apologia ao crime, bem
como empregado métodos de terrorismo com o fim de empreender reforma política e
industrial.
Com efeito, essa decisão foi revertida no âmbito da Suprema Corte norte-
americana, de modo que, sem ao menos adentrar na celeuma do racismo, declarou
a inconstitucionalidade da lei do Estado de Ohio, por entender que dita legislação
punia a defesa de uma ideia, motivo pelo qual seria plenamente incompatível com a
liberdade de manifestação do pensamento. Ao comentar a decisão da Corte
Constitucional estadunidense, citando trechos da decisão, Daniel Sarmento (2010)
enfatizou que as garantias constitucionais expressadas no direito fundamental à
liberdade de expressão e liberdade de imprensa, desautoriza ao Estado estabelecer
proibição para que defenda o uso da força ou da violação da lei, salvo quando tal
defesa seja direcionada ao incitamento ou promoção de ação ilegal, e desde que
referida proibição esteja em consonância com a incitação ou produção desta ação.
44

De acordo com Sarmento (2010), no julgamento desse caso emblemático, a


Corte houve por bem distinguir a defesa de ideias racistas – as quais estão
albergadas pela liberdade de expressão – do incitamento à prática de atos violentos,
não protegido pelo citado direito fundamental. A interpretação prevalente foi no
sentido de que a doutrina do perigo claro e eminente de dano (clear and presente
danger) não deveria ser levada em consideração em tempos de paz, na melhor
intelecção da primeira emenda da Constituição norte-americana. Desse modo, fora
constatado que inexistia evidências de incitamento à perpetração de atos terroristas,
porquanto o líder da Ku Klux Klan (Brandemburg) atuou, em tal situação fática, na
defesa de ideias abstratas e com convicção, motivo suficiente para obstar qualquer
ação estatal voltada ao poder de invadir o espaço da crença.
O autor brasileiro, José Emílio Medauar Ommati (2012), ao se debruçar sobre
as ideias de Dworkin, enfatiza que a liberdade de expressão é outro direito de alto
relevo, mas percebe a existência de uma contradição manifesta no pensamento do
autor norte-americano. Vez que, por um lado, sustenta a imperiosidade de direitos
antidiscriminatórios, e, ao mesmo tempo, diz que o racista é detentor do direito de
propagar seu discurso de ódio fulcrado no direito de igual respeito e consideração
que tal racista ostenta frente à sociedade.
Por tal razão, por inferir do pensamento de Dworkin a patente defesa dos
discursos odiosos proferidos membros Ku Klux Klan, por exemplo, entende que a
posição adotada por Owen Fiss (2005), bem como de Stephen Holmes e Cass
Sunstein (2011), seria mais consistente com o ideal de integridade do Direito. Essa
intelecção é baseada na percepção de que, em autêntica interpretação da história
constitucional norte-americana, os citados autores sustentam a necessidade de
alguns discursos serem proibidos, porquanto calam outras pessoas que estão
inseridas em determinada comunidade, especialmente aquelas estigmatizadas
socialmente.
Vale ainda mencionar o caso R.A.V. vs. City of Saint Paul, decidido em 1992,
no Estado de Minnesota. Nesse caso, um grupo de jovens fora preso por ter
invadido o quintal de uma família afrodescendente e ateado fogo numa cruz
(sobreleva ressaltar que o crucifixo em chamas é o símbolo da Ku Klux Klan). Com
base em legislação estadual que instituíra a figura do crime motivado por
preconceito, a Suprema Corte do Estado de Minnesota proferiu decisão
condenatória contra o grupo de adolescentes, sob o argumento de que o ato
45

praticado por estes consubstanciava-se em clara demonstração de depreciação em


razão de raça, cor, credo, religião ou gênero, nos moldes do tipo penal criado no
âmbito estadual.
Não obstante, a Suprema Corte norte-americana determinou a invalidação da
condenação imposta aos adolescentes antes mencionados, de maneira a albergar
as manifestações proferidas por estes como corolário da liberdade de expressão,
nos termos da interpretação jurisprudencial acerca da primeira emenda da
Constituição. O entendimento firmado na Corte foi o de que a lei estadual instituidora
do tipo delito motivado por preconceito seria inconstitucional, ainda que na exegese
restrita adotada pelo Tribunal do Estado de Minnesota.
A decisão foi tomada por 5 votos a 4, momento em que a Corte
estadunidense afirmou inexistir amparo constitucional e legal para o Estado regular
categorias de discurso com base em hostilidades ou favoritismos, ou seja, na
hipótese em verificação, o legislador buscara a proibição de manifestações
específicas (discursos de intolerância racial, religiosa ou de gênero), de modo que,
na visão da Corte Constitucional, ao assim proceder, o Estado teria violado o seu
dever de neutralidade a respeito dos diversos pontos de vistas existentes no tecido
social.
Nas palavras de Cavalcante Filho (2014, p. 77), “parece muito distante o dia
em que a Suprema Corte americana tolerará a criminalização do discurso de ódio,
pura e simplesmente”, ainda que, como decorrência do entendimento
jurisprudencial, acarrete o silenciamento das vítimas do hate speech, as quais, de
regra, não têm condições de contrargumentarem com seus agressores em pé de
igualdade. Percebe-se, portanto, que a posição abraçada pela Suprema Corte tende
a conferir uma progressiva extensão da proteção à liberdade de expressão, só vindo
a intervir em casos realmente extremos, de maneira a firma forte jurisprudência no
sentido da proteção constitucional das mais nefastas manifestações de intolerância
e de ódio contra as minorias, ao contrário da Alemanha, como será visto abaixo.
46

3.3 O modelo alemão

No ambiente alemão, a liberdade de expressão do pensamento é, sem


sombra de dúvidas, um dos mais importantes direitos fundamentais na ordem
jurídica constitucional vigente. Por outro lado, ao contrário do que ocorre no seio dos
Estados Unidos da América, tal garantia fundamental do cidadão não ostenta uma
posição privilegiada em relação aos demais direitos, como igualdade, privacidade,
vida privada, etc., vez que a dignidade humana é tratada como princípio
constitucional supremo e direito fundamental.
A bem da verdade, a Carta Constitucional da República Federal da Alemanha,
de 1949, também conhecida como Lei Fundamental de Bonn ou Lei Básica (LB),
além de conceituar as denominadas “liberdades de comunicação”, protege-as em
diferentes seções. A título de exemplo, Meyer-Pluf (2009), ao se debruçar sobre o
assunto, ensina que o art. 2.1, da Constituição alemã, estabelece o direito devido a
toda pessoa ao livre desenvolvimento de sua personalidade, mas por outro lado,
ressalta a necessidade de não violar os direitos de outrem e não infringir a ordem
constitucional ou a lei moral.
Percebe-se, dessa maneira, que pela natureza jurídica da liberdade de
expressão conferida pela Lei Fundamental de Bonn, o exercício de tal direito
constitucional encontra-se condicionado à observância da ordem constitucional ou a
lei moral, ou seja, a liberdade não ostenta caráter absoluto, tendo limitações no
próprio texto da Constituição no caso de abuso e uso desproporcional (art. 18). Nas
palavras de Meyer-Pluf (2009), o art. 5.1, da Carta Fundamental alemã, estatui que é
assegurado a toda pessoa o direito de livremente expressar e disseminar suas
opiniões, a ser materializado por meio dos seus discursos, escritos ou gravuras, bem
como o direito de se informar sem restrições a partir de fontes geralmente
acessíveis.
O entendimento que se firmou no Direito alemão gira em torno da percepção
que é a dignidade da pessoa humana, a qual está prevista no art. 1°, da Lei
Fundamental, e não a liberdade de expressão, o valor de alta magnitude no contexto
da ordem jurídica em vigor. Esta posição de inegável valor para a Constituição
alemã, de 1949, decorre da forte ligação com o contexto histórico de construção do
texto constitucional, qual seja, logo após o final da 2ª Guerra Mundial e a
47

consequente derrocada do regime nazista, o qual, na sua inteireza e barbárie,


deixou marcas inapagáveis na sociedade alemã.
Por conseguinte, a dignidade humana ostenta, decerto, um caráter central no
ordenamento jurídico alemão e exerce profunda influência sobre outras ordens
constitucionais de países europeus, como Portugal, Espanha, bem como sobre o
Brasil. Sendo assim, há uma verdadeira preocupação na Alemanha com a regulação
da liberdade de expressão e, conseguintemente, quanto ao enfrentamento das
situações fáticas que envolvem a incidência ou não do discurso de ódio.
A própria Lei Fundamental de Bonn, ao alocar a dignidade humana como
vetor de interpretação na apreciação dos conflitos, ressalta caber ao Poder Público
praticar condutas positivas como forma de assegurar a intangibilidade do postulado
da dignidade da pessoa humana. Nessa intelecção, o Estado não existe para que o
homem queira o seu bem, mas sim para o bem do homem. Aos indivíduos cabe
exigir uma posição proativa por parte do Estado, de modo a albergar as diversas
possibilidades de realização de seus planos de vida, ou seja, ao contrário dos
Estados Unidos da América, baseado no modelo liberal, em que o ente estatal
assume uma postura omissiva no tocante aos discursos odiosos, na esfera pública
alemã prevalece a ideia de que a atuação estatal deve seguir os postulados do
Estado do Bem-estar social e, portanto, não tenha um discurso neutro quanto ao
hate speech.
Com esse entendimento, e para dizer com Eberle (2002), a lei alemã proíbe o
discurso de ódio fundamentado em características como etnia, raça, gênero, religião,
orientação sexual, etc., e a principal motivação para proibição do hate speech no
contexto alemão, decorre da noção construída acerca do valor máximo atribuído à
dignidade humana. Ao mesmo a Constituição da Alemanha reconhece a liberdade
de expressão do pensamento, o Código Penal do país, proíbe ofensas, como
também legitima a defesa da paz pública.
Logo, percebe-se que, na ambiência alemã, publicações na mídia tradicional
e nas mídias sociais, por exemplo, que promovem o incitamento do ódio deliberado,
são considerados inconstitucionais e ilegais, razão pela qual tem grande
probabilidade de ser rechaçados no campo da judicialização e na própria sociedade
que não nutre com sentimento odiosos para com as vítimas de tais condutas
nefastas. Ainda que o discurso de ódio seja, de um modo geral, proibido, a liberdade
de expressão é um direito fundamental de grande importância para os alemães,
48

destinado, inclusive, para a busca da verdade, legitimidade do regime democrático


e, em especial, para a formação de opiniões dos componentes do contexto social,
político e econômico do país.
Nesse sentir, para Sarmento (2010), a liberdade de expressão no ambiente
da Alemanha desempenha um duplo papel. O primeiro papel, relaciona-se, com a
ideia de que a liberdade de manifestação do pensamento é um direito subjetivo
essencial para a autorrealização do indivíduo, dentro do tecido social. Além disso, na
visão do autor, a liberdade de expressão contém uma dimensão objetiva, a qual
encontra-se imbricada em um elemento constitutivo da ordem democrática, e,
portanto, admite-se a construção de uma opinião pública baseada em boas
informações, de modo a garantir a existência de um debate plural e aberto sobre
todos os temas possíveis afetos ao interesse público.
Baseado nessa ótica objetiva da liberdade de expressão, cabe ao Estado
comprometer-se para viabilizar a existência de um espaço que estimule e garanta a
pluralidade entre os meios de comunicação, de modo que essa tarefa não fique
adstrita à conveniência do mercado. Para tanto, Sarmento (2010, p. 21), diz que,
deve ser editado “a legislação necessária para corrigir o mercado e promover o
pluralismo de ideias no âmbito da televisão, a fim de garantir ao público o acesso a
uma ampla gama de informações e pontos de vista”.
A liberdade de expressão é o grande motor capaz de deflagrar ideias variadas
no espaço público e privado, motivo pelo qual as emissoras de televisão,
plataformas de mídias sociais, por exemplo, devem ser os principais locais de
construção de debates qualificados, com perspectivas que tendam a realçar os
temas mais importantes e sensíveis no contexto do interesse coletivo. Dito isso,
analisaremos um dos casos mais emblemáticos no seio do Tribunal Constitucional
Federal (TCF) da Alemanha, sobre a temática relacionada ao hate speech.
Em 1994, ocorreu um dos casos mais emblemáticos em que a Corte
Constitucional Alemã foi instada a solucionar. Trata-se da situação fática envolvendo
a propagação de afirmações inverídicas por parte de David Irving,
especificadamente quanto à tese sustentada por este no sentido de negar a
ocorrência do Holocausto3. O governo da Baviera, fundamentado na lei alemã que

3Essa denominação está relacionada à perseguição e extermínio deliberado de cerca de seis milhões
de judeus, apoiado pelo governo nazista de Adolf Hitler, na Alemanha, durante a Segunda Guerra
Mundial (1939-1945).
49

permitia a proibição de reuniões em que houvesse violações à lei penal, expediu um


ato administrativo que condicionava a autorização de um congresso proporcionado
pelo Partido Nacional Democrata Alemão (com ideologia de extrema-direita), ao
pacto de que, no evento, ao qual estava convidado David Irving (“historiador”
revisionista) não fosse difundido a tese de que o Holocausto não teria acontecido,
tratando-se, na verdade, de invenção da sociedade judaica.
A motivação utilizada pelas autoridades públicas proibir a proliferação da tese
acima citada, encontra amparo no próprio Código Penal Alemão, que no §130 prevê
o delito de amotinamento do povo, no §189 tem-se o delito de denegrir a honra dos
mortos, bem como a injúria, prevista no §185, do mesmo Diploma Legal. O caso foi
levado ao Tribunal, o qual deliberou pela constitucionalidade do ato do governo da
Baviera, sob o argumento de que afirmações inverídicas sobre Holocausto não deve
ser considerado como autêntica manifestação de pensamento/opinião, razão pela
qual a negação de fatos ocorridos (Holocausto dos judeus), por não contribuir em
nada com a edificação da opinião pública, não estaria acobertada pela liberdade de
expressão.
A bem da verdade, ao sustentar a inexistência do Holocausto judeu num local
em que as informações propagadas seriam facilmente reverberadas por diversos
participante do evento, por exemplo, implicaria no agigantamento da discriminação
contra esse povo, motivo bastante para restar configurado um verdadeiro discurso
odioso ao negar este terrível acontecimento histórico. Com base nesta
argumentação, o Tribunal Constitucional Federal (TCF) da Alemanha reconheceu a
imperiosidade e validade da restrição imposta à liberdade de expressão do
“historiador” revisionista, por parte do governo da Baviera, sendo que, a principal
violação vislumbrada no caso relacionava-se, com o insulto perpetrado contra a
comunidade judaica.
Ao comentar a decisão da Corte Alemã, Cavalcante Filho (2014, p. 88), diz
que inexiste um só argumento jurídico, salvo a referência genérica à dignidade
humana, para fundamentar a ilegitimidade da negação do Holocausto, mas sim tão
somente argumentos político-morais, senão vejamos:

[...] trata-se da internalização, na linguagem jurídica, de ideias e códigos da


política, sem qualquer indicação da base normativa que justifique esse
proceder. Dessa maneira, quando se reconhece que os Judeus possuem
“uma relação pessoal especial com seus concidadãos”, ou quando se
reconhece juridicamente que “existe uma responsabilidade moral especial
50

por parte de todos os outros” para com os Judeus. Ora, embora não se
negue a veracidade histórica e política dessa afirmação, aqui já não se está
utilizando o código jurídico (lícito/ilícito), mas sim o código político
(maioria/minoria) e, mais ainda, o código moral (bom/ruim, certo/errado).

O sistema do Direito, deve desempenhar autonomamente sua função


operacionalizando o seu código específico, qual seja: (lícito/antijurídico), e na
situação acima, verifica-se que a decisão do tribunal se baseou, fundamentalmente,
no código político (maoria/minoria), e, em especial, na senda do código moral
(bom/ruim, certo/errado). Na perspectiva de Jeffrey Hall (2008) apud Cavalcante
Filho (2014, p. 86), apesar de em outros casos o Tribunal ter atribuído proteção a
insultos propagados contra grupos, nesse caso, decidiu que a negação do
Holocausto é considerada um insulto aos judeus enquanto grupo/comunidade. Logo,
“a despeito da aparente existência de regras que permitiram o discurso, o Tribunal
examinou a história política da Alemanha e entendeu que a moralidade política da
Nação requeria uma decisão contrária [à liberdade de expressão]”.

3.4 O modelo brasileiro

A Constituição da República Federativa do Brasil, também conhecida como


Carta Cidadã, fruto do trabalho da Assembleia Nacional Constituinte de 1986-1988,
foi promulgada na Câmara dos Deputados, em Brasília, pelo ínclito Deputado
Ulisses Guimarães, em 05 de outubro de 1988, momento no qual inaugurava-se o
grande marco da redemocratização do país, ainda que os brasileiros estivessem
sentindo a presença do fantasma da Ditadura Militar de 1964. Após mais de 20 anos
sob a égide de um regime de exceção, eis que se dá a convocação da Assembleia
Nacional Constituinte por intermédio da Emenda Constitucional n° 26, de 27 de
novembro de 1985, e a grande preocupação do criador da Constituição era
justamente assegurar e proteger demasiadamente os direitos e garantias
fundamentais, dentre os quais destacamos, para os fins deste trabalho, a igualdade,
liberdade de expressão, liberdade de comunicação e imprensa, liberdade religiosa,
51

dentre outros, os quais são considerados cláusulas pétreas (de pedra), inamovíveis,
irrevogáveis, inalteráveis, previstas no art. 60, §4°4, da CRFB/1988.
A liberdade de expressão encontra-se positivada na Carta Política de 1988,
no art. 5°, incisos IV, IX, XIV, XLII, bem como no art. 206, II, 215, e 220 5, todos da
CF/1988. O direito fundamental à liberdade de expressão, por ser considerada uma
cláusula geral/genérica, manifesta-se sob diversas formas no tecido constitucional, a
saber: na qualidade de liberdade de manifestação do pensamento – incluindo,
obviamente, a liberdade de opinião -; liberdade de expressão artística, científica;
liberdade de comunicação e de informação, também denominada liberdade de
imprensa; liberdade de ensino e pesquisa ou, ainda, liberdade de cátedra; como
também, a liberdade de expressão religiosa.
A bem da verdade, a possibilidade de os cidadãos se expressarem de acordo
com o seu pensamento e as suas convicções, constitui-se, corolário básico do
regime democrático. Às pessoas, na qualidade de sujeitos de direitos, é assegurado
pela ordem jurídica constitucional, essa mesma liberdade de expressão
independentemente de licença, de modo que é vedado o estabelecimento de
qualquer espécie de censura prévia no tocante aos discursos proferidos na tecitura
social. Ao tratar sobre a liberdade de expressão do pensamento, Marcelo Novelino
(2016, p. 347), considera que:
4 Art. 60. A Constituição poderá ser emendada mediante proposta:
§ 4º - Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir:
I - a forma federativa de Estado;
II - o voto direto, secreto, universal e periódico;
III - a separação dos Poderes;
IV - os direitos e garantias individuais.
5 Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos

brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à


igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
IV - é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato;
IX - é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação,
independentemente de censura ou licença;
XIV - é assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo da fonte, quando
necessário ao exercício profissional;
XLII - a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão, nos
termos da lei;
Art. 206. O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios:
II - liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber;
Art. 215. O Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes da
cultura nacional, e apoiará e incentivará a valorização e a difusão das manifestações culturais.
Art. 220. A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma,
processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição.
§ 1º Nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação
jornalística em qualquer veículo de comunicação social, observado o disposto no art. 5º, IV, V, X, XIII
e XIV.
§ 2º É vedada toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística.
52

Tal liberdade é dirigida, sobretudo, ao Estado, impedindo-o de impor


sanções para os que rejeitam opiniões amplamente aceitas ou de censurar
discursos não aprovados pelo governo. Mesmo nos casos em que há risco
significativo de determinado discurso causar dano ou gerar perigo, em
sociedades livres, a censura pelo governo não encontra justificação
constitucional. O mesmo ocorre em relação à censura de discursos, que,
em tese, podem persuadir pessoas a rejeitar crenças aceitas ou mesmo a
aceitar crenças falsas. Assim, a limitação só se revela legítima quando o
discurso tiver a intenção e o potencial de causar ações ilícitas.

Assim, ao mesmo tempo que a Carta Magna de 1988 alberga o direito à


liberdade de expressão (aqui entendido como cláusula geral, dantes mencionada),
na sua perspectiva negativa, de abstenção do Estado, a ordem jurídica
constitucional prevê a possibilidade de intervenção estatal na esfera da liberdade
individual quando verificado a ocorrência de condutas ilícitas por parte dos
indivíduos pertencentes a dada comunidade.
Na visão de constitucionalistas com viés axiológico (entendimento
dominante), a liberdade de expressão, como as demais liberdades, não ostenta a
natureza de direitos absolutos, ilimitados, motivo pelo qual, ainda que a proteção das
liberdades sejam imprescindíveis para o regime democrático, sua garantia não
significa que tais direitos terão “carta branca” para se sobrepor de maneira irrestrita
aos outros direitos, também essenciais no seio do Estado de Direito. Em outras
palavras, e na opinião de Bernardo Gonçalves Fernandes (2017, p. 427):

[...] para a doutrina dominante, falar em direito de expressão ou de


pensamento não é falar em um direito absoluto de dizer tudo aquilo ou fazer
tudo aquilo que se quer. De modo lógico-implícito a proteção constitucional
não se estende à ação violenta. Nesse sentido, para a corrente majoritária
de viés axiológico, a liberdade de manifestação é limitada por outros direitos
e garantias fundamentais como a vida, a igualdade, a integridade física, a
liberdade de locomoção. Assim sendo, embora haja liberdade de
manifestação, essa não pode ser usada para manifestações que venham a
desenvolver atividades ou práticas ilícitas (antissemitismo, apologia ao
crime e etc.).

Sob o pálio do entendimento majoritário no âmbito doutrinário, de viés


axiológico, a liberdade de expressão, em solo brasileiro, ao contrário dos Estados
Unidos da América, além de não ser um direito de caráter absoluto, como visto, não
recebeu uma modelagem preferencial quando comparado com os demais direitos
fundamentais previstos na ordem jurídica pátria. Por outro lado, numa perspectiva
que se entenda o Direito a partir de um viés deontológico, e não axiológico, tal como
defendido por Robert Alexy (2008), os princípios ou ideais da igualdade e liberdade
53

não devem ser considerados sob um olhar de antagonismo, na medida que um é


realizado o outro é posto à margem do caso concreto.
Pelo contrário, nessa pegada assumida por Ronald Dworkin (2005), deve-se
entender a igualdade como um escudo albergador da própria liberdade, isto é, os
dois princípios são complementares, e por estarem na centralidade do ordem
jurídica constitucional, a proteção ao postulado da liberdade leva, a nível de cascata,
ao asseguramento do princípio da igualdade, sendo, considerados, portanto,
inegociáveis e insuscetíveis de relativizações, tal qual defendido por teóricos com
perfis axiológicos.
De uma forma elucidativa, ao se debruçar sobre as duas correntes teóricas
acima delineadas, José Emílio Medauar Ommati (2012, p. 89), diz:

[...] o direito serve para realizar os princípios ou ideais de igualdade e


liberdade. E esses princípios são inegociáveis. Aqui me parece que se
encontra a diferença central entre as posturas deontológica e axiológica do
Direito. Na postura deontológica, que vê e assume o Direito como
integridade, os princípios da igualdade e liberdade são o cerne do
ordenamento jurídico e, portanto, são inegociáveis, não aceitam qualquer
espécie de relativização. Na postura axiológica, por outro lado, até mesmo
os princípios da igualdade e liberdade podem ser ponderados se um bem
maior, por exemplo, a segurança nacional, estiver em jogo.

Ao considerar o caráter deontológico do Direito, a igualdade, na visão de


Ronald Dworkin (2002), está relacionada com a imprescindibilidade de que todos
sejam tratados com o mesmo respeito e consideração, não tendo, outrossim, um
conteúdo fixo, mas numa perspectiva que leva a sério a própria natureza de princípio
jurídico ostentada pela igualdade. Entretanto, ainda no caminho dworkiniano, a
liberdade, outrora referida, não significa a existência de uma licença para se fazer o
que bem entender, pois, ao assim proceder, o princípio da igualdade entrará em rota
de conflito com a igualdade, motivo pelo qual tenderá a perder.
Na ambiência de uma Constituição democrática como a nossa, que tem como
um dos objetivos republicanos criar uma sociedade sem preconceitos de todas as
formas, que repudia a discriminação e o racismo, deve ser compreendida como um
grande passo paradigmático para que cidadãos que sentem injustiçados e vítimas
de discriminações e racismo, possam lutar por seus direitos de igualdade e
liberdade, no bojo de um tecido social pluralista e fundado no respeito e
consideração para com todos seus semelhantes.
54

Assim, a partir da discussão acerca da liberdade de expressão (em sentido


lato) especificadamente em solo brasileiro, iremos nos debruçar sobre um caso em
que o Supremo Tribunal Federal analisou a questão do discurso de ódio. Trata-se,
portanto, do conhecido Caso Ellwanger (HC n° 82.424/RS).

3.5 A constituição, o discurso de ódio e a liberdade de expressão: o leading


case brasileiro no âmbito da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal

Para discutir a problemática voltada ao hate speech no seio brasileiro, mais


do que outra coisa, deve-se debruçar sobre os caminhos que a jurisprudência pátria
vem trilhando nesse campo recheado de nebulosidades, de maneira a compreender
como a temática necessita ser tratada num olhar que leva a sério o Direito que
busca a sua integridade. A bem da verdade, o caso mais emblemático para fins de
tal discussão encontra-se materializado no Habeas Corpus n° 82.424/RS, razão pela
qual faremos uma breve síntese dos fatos que deram ensejo à impetração do writ
perante a Suprema Corte Constitucional.
Cuida-se de denúncia promovida pelo Ministério Público do Estado do Rio
Grande do Sul (MP/RS) contra o senhor Siegfried Ellwanger, sob a acusação de que
este, na qualidade de escritor e sócio dirigente da Revisão Editora Ltda., teria
cometido o crime de “incitar e induzir a discriminação racial”, previsto no art. 206,
caput, da Lei 7.716/89, com a redação dada pela Lei 8.081/90, em razão de ter
publicado e editado livros de cunho antissemita. Em sede de primeiro grau de
jurisdição, a juíza substituta Bernadete Coutinho Friedrich absolveu o paciente, sob
o argumento de estar ele albergado pelo direito constitucional da liberdade de
expressão.

6 Nos moldes do citado dispositivo – o qual foi posteriormente alterado pela Lei 9.459, de 15 de maio
de 1997 –constitui crime “praticar, induzir ou incitar, pelos meios de comunicação social ou por
publicação de qualquer natureza, a discriminação ou preconceito de raça, por religião, etnia ou
procedência nacional”. Na forma da atual redação, o tipo penal consiste em praticar, induzir ou incitar
a discriminação, independentemente do meio a ser utilizado e, a propagação pelos meios de
comunicação ou publicação de qualquer natureza passou a constituir uma forma qualificada, nos
termos do §2°, do art. 20, citado alhures.
55

Inconformados com a sentença de piso, os assistentes de acusação


recorreram da sentença junto ao Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do
Sul (TJ/RS), e, por unanimidade de votos, a sentença foi totalmente reformada pelos
membros da Câmara Criminal, com o entendimento de que houve o crime de
racismo. Dessa decisão, Siegfried Ellwanger impetrou habeas corpus para o
Superior Tribunal de Justiça, e, com a única discordância do Ministro Edson Vidigal,
a Quinta Turma do Tribunal da Cidadania manteve o acórdão do Tribunal de Justiça
do Rio Grande do Sul, e, portanto, na situação fática, a conduta perpetrada pelo
paciente estaria enquadrada no crime de racismo.
Por fim, inconformado com a decisão do STJ, impetrou no Supremo Tribunal
Federal o HC n° 82.424/RS. A discussão ensejadora da impetração do aludido
remédio constitucional girou em torno do ato praticado por Ellwanger constituir
racismo ou outro ato discriminatório, isto é, os fundamentos apresentados no bojo do
HC estariam fulcrados no fato de que judeus não são considerados como raça e,
portanto, o paciente não teria cometido o crime de racismo. Além disso, de maneira
secundária, a controvérsia posta no âmbito do STF gira em torno sobre a questão de
compreender se o discurso de ódio está contido na liberdade de expressão ou não,
levando em conta a ordem jurídica constitucional pátria.
Numa análise detida dos votos proferidos pelos Ínclitos Ministros da Corte
Máxima, especificadamente as 488 páginas, é possível perceber a existência dos
mais variados fundamentos e metodologias teóricas, tanto pelo acatamento da
argumentação do paciente, quanto para indeferir o writ. Nesse sentido, ao votar o
Ministro Relator, Moreira Alves, acatou o pedido do habeas corpus impetrado pelo
paciente, de maneira a argumentar, com apoio de posicionamento de autores
judeus, que a comunidade judaica não poderia ser caracterizada como raça, mas
sim enquanto religião/povo, motivo pelo qual a condenação imposta revelar-se-ia
impossível.
Após essa ilação, o Ministro argumentou que, na ambiência brasileira, não
seria possível interpretar a discriminação do povo judeu como racismo, e este deve
ser interpretado de modo restrito, ou seja, na visão do Ministro, que recorreu à
interpretação histórica da Constituição, racismo significa tão somente preconceito
contra a raça negra. Diante disso, o Ministro concedeu a ordem, ao argumento que o
crime de racismo imputado ao paciente não subsistia, porquanto tal crime,
56

imprescritível e inafiançável, apenas é aplicável à discriminação contra os negros,


razão bastante para declarar a extinção da punibilidade do paciente.
O primeiro voto divergente foi justamente do Ministro Moreira Alves, o qual,
na prolação do seu voto, se valeu da história bíblica para denegar a ordem, com o
entendimento de que o paciente teria, de fato, praticado o crime de racismo contra
os judeus. Na visão do Ministro, ainda que no pensamento tradicional, os judeus não
são considerados como raça, mas sim um grupo social. Em outras palavras, ao
utilizar pesquisas acerca da questão do genoma humano, mostrou o Ministro que o
termo raça não pode ser compreendido como um conceito de natureza biológica,
pelo contrário, está relacionada com um conceito de cunho social.
Salientou que a prática do racismo subsiste enquanto fenômeno social,
maneira pela qual essa circunstância de matriz social inspirou a imprescritibilidade
do racismo na Carta Cidadã de 1988. No entendimento de Ommati (2012),
ressalvado a percepção de tratar-se o racismo voltado a um conceito social, a
posição firmada pelo Ministro fulcrada na utilização da história bíblica, não leva em
conta o caráter autônomo do Direito Moderno, à luz das contribuições de Niklas
Luhmann, e da integridade do Direito, de Ronald Dworkin.
Na sequência, o Ministro Gilmar Mendes, proferiu seu voto no bojo desse
habeas corpus, sob o entendimento de que, de fato, o paciente, Siegfried Ellwanger,
havia perpetrado o crime de racismo, por ter escrito, editado e publicado livros com
conteúdo antissemita. Por outro lado, o Ministro entendeu que, para a solução da
controvérsia, pressupõe, a análise da questão do racismo e sua relação com o
direito a liberdade de liberdade, ante a percepção de estar diante de um autêntico
caso de colisão de valores, bens ou princípios constitucionais.
Para tanto, se valeu do princípio da proporcionalidade, como um método para
solução de conflitos entre princípios, de maneira a argumentar que, nesse caso,
deve-se utilizar a ponderação de cada uma das normas em tese aplicáveis e,
portanto, com base na doutrina axiológica de Robert Alexy, indeferiu o habeas
corpus, fundamentado na ideia de que a condenação imposta ao paciente não havia
violado o princípio da proporcionalidade.
Já o Ministro Marco Aurélio, ao apreciar esse leading case, e também
utilizando como metodologia o princípio da proporcionalidade, chegou a resultado
oposto àquele alcançado pelo Ministro Gilmar Mendes. Ao tempo em que este último
entendeu que a dignidade humana deve ser privilegiada em face da liberdade de
57

expressão, de maneira que aquele é considerado um super-princípio em


comparação a qualquer outro, Marco Aurélio, ainda que tenha reservado um valor
magno para a dignidade humana, entendeu por bem privilegiar a democracia como
forma de garantir uma maior liberdade de expressão no caso do paciente.
Pontuou, outrossim, que essa mesma liberdade não ostenta caráter absoluto,
como os demais princípios que estão alocados na ordem jurídica pátria, motivo pelo
qual, ainda que os livros de autoria do paciente tenham um caráter preconceituoso,
seria inconcebível, nesse caso específico, proibir a divulgação da ideia proposta por
Ellwanger.
Para o Ministro Marco Aurélio, a cláusula da imprescritibilidade prevista no
crime de racismo (art. 5°, inciso XLII, da CRFB/1988), deve ser interpretada
restritivamente, ou seja, incidir-se-á o delito de racismo apenas quando for cometido
em desfavor dos negros, e, portanto, as ideias propagadas pelo paciente contra os
judeus não têm o condão de promover o hate speech em relação à comunidade
judaica. Sendo assim, lastreado no princípio da proporcionalidade, conclui o Ministro
que a condenação imposta à Siegfried Ellwanger fora excessiva, desproporcional.
Logo, no caso, por não ter havido a prática do racismo por parte do paciente,
incidiria a prescrição da pretensão punitiva a favor deste último, seguido dos
entendimentos de Carlos Brito, no mesmo toar.
Outrossim, na senda do entendimento de Menelick de Carvalho Netto e
Marcelo Cattoni, citados por José Emílio Medauar Ommati (2012, p. 136),

Como é que uma conduta pode ser considerada, ao mesmo tempo, como
lícita (o exercício de um direito à liberdade de expressão) e como ilícita
(crime de racismo, que viola a dignidade), sem quebrar o caráter
deontológico, normativo, do Direito, como se houvesse uma conduta meio
lícita, meio ilícita?

A bem dizer, o caráter axiológico da doutrina e o critério da ponderação de


valores, favoreceu e foi capaz de legitimar os ditos resultados totalmente contrários,
citando, obviamente, os votos dos dois Ministros do Supremo Tribunal Federal, que
o primeiro concluiu pela denegação do writ; e o segundo, pela sua concessão, a
partir do método de balanceamento de princípios. A esse respeito, Ommati (2012. P.
137) mostra que: “ao desconsiderar o caráter deontológico do Direito, a perspectiva
axiológica acaba por tornar o Direito algo extremamente irracional, fruto das
vontades dos juízes [...]”. Em outras palavras, ao levar a sério a integridade do
Direito, a conduta do paciente ou deverá ser tratada como lícita e, portanto, não
58

deve ser reprimida pelo ordenamento jurídico, no caso específico, ou é antijurídica,


devendo ser punida pelo Direito.
Destarte, o Ministro Celso de Mello enalteceu a importância e transcendência
do julgamento desse caso paradigma, porque, na sua visão, a dignidade humana
estava em debate no envoltório do Habeas Corpus. No bojo do seu voto e, para
fundamentar pela condenação do paciente, o Ministro cita importantes documentos
internacionais voltados à proteção dos direitos humanos, os quais foram ratificados
pelo Brasil, razão pela qual, na sua visão, a sua devida aplicação seria mais que
necessário no caso concreto, em um cenário de garantia da efetividade dos citados
diplomas normativos. Argumenta, também, que a liberdade de expressão não detém
caráter absoluto, e por tal razão, deve ser exercida de maneira consentânea com a
dignidade de todas as pessoas. Logo, a exercitação do direito à liberdade de
expressão por parte de qualquer indivíduo não pode ser direcionada ao menosprezo
e diminuição das pessoas por intermédio do seu discurso racista, odioso.
Muito embora enfatize a existência da proibição da censura prévia dirigida ao
Estado, lembra, por outro lado, que o exercício da liberdade não legitima, nem
tampouco protege, a veiculação de qualquer conteúdo na tecitura social. Portanto,
entendeu o Ministro Celso de Mello que, a hipótese vertente, não enquadraria numa
verdadeira colisão de direitos, porquanto, a própria Carta Fundamental de 1988, já
houvera decidido pelo direito de igualdade ou favor da dignidade pessoal, limitando
a liberdade de expressão, em especial, quando for constatado a existência de
condutas desviantes, a exemplo do presente caso, promovedor de discursos racistas
e, portanto, caracteriza-se verdadeiro hate speech.
Ao citar parte do voto do Ministro Celso de Mello, José Emílio Medauar
Ommati (2012) afirma que a perspectiva utilizada pelo Ministro é consentânea com a
ideia da integridade do Direito, e, em especial com a própria história jurídica e
institucional da comunidade. Ao mesmo tempo em que o Ministro toma como ponto
de partida a vontade do Constituinte, busca evidenciar o Direito à luz de um novel
horizonte, sob uma melhor luz, de modo a entender a Constituição como um projeto
político aberto para o futuro, sendo, portanto, um instrumento jurídico apto para a
promoção da igualdade e a liberdade de todos. Nesse sentido, a Constituição serve
como baliza fundamentadora da proibição de toda e qualquer espécie de
discriminação, de maneira que seja salvaguardado de um atentado o igual respeito e
59

consideração, ou para falar com o Ministro Celso de Mello, os princípios da


igualdade e da dignidade humanas.
Nessa senda, Ommati (2012) mostra o equívoco de Samantha Ribeiro Meyer-
Pflug (2009), que, ao se debruçar sobre o HC 82.424/RS e, com base nas ideias de
Ronald Dowkin, afirmou existir desacerto na posição do Supremo Tribunal Federal
ao ter decidido pela prevalência da proibição da prática de racismo em face da
liberdade de expressão do paciente da ação. De acordo com José Emílio Medauar
Ommati (2012), além da necessidade de se utilizar da teoria em si para justificar o
ideal da integridade, não é prescindível, obviamente, a análise da história jurídica e
institucional de cada comunidade que almeja se afirmar enquanto comunidade de
princípios.
Ao discorrer sobre a liberdade de expressão dentro da perspectiva que leva a
sério a integridade do Direito, José Emílio (2012) defende que, para alcançar a
consistência do referido princípio com a igualdade e liberdade, voltado para o viés
de tratamento dos cidadãos com igual respeito e consideração, os discursos de ódio
direcionados para uma determinada raça, grupo étnico ou mesmo contra um gênero,
não devem ser proibidos a priori, em atenção ao próprio princípio democrático. No
entendimento de Ommati (2012), em um regime democrático, a liberdade de
expressão não deve ser objeto de censura prévia no tocante à discursos
pretensamente racistas, como condição sem a qual a democracia restará
desprotegida, vez que as ideias necessitam circular livremente.
Essa constatação não quer dizer, por outro lado, que os discursos racistas e
discriminatórios, não possam ser objetos de restrições em um sistema democrático.
Assim, para dizer com José Emílio Medauar Ommati (2012), aquele que profere um
discurso de ódio, pode vir a ser responsabilizado e consequentemente, ter seu
discurso proibido, mas, para tanto, necessitar-se-á perpassar pelo espaço público
e/ou discussão pública, e a partir desse contexto, o proferidor do discurso poderá
usufruir da proteção atribuída pela Constituição com o fito de eventualmente
demonstrar que o discurso propagado não ostenta um caráter de vilipêndio aos
direitos de igualdade e liberdade.
Destarte, na hipótese de ser comprovado que o discurso racista e
discriminatório viola a igualdade e liberdade de uma raça, grupo étnico ou a qualquer
categoria referida no discurso de ódio, o seu prolator responsabilizar-se-á pelos atos
cometidos e, por consequência, o seu discurso será proibido, eis que, considerado
60

ofensivo àqueles que devem ser tratados como iguais e livres e com a mesma
consideração e respeito, sendo, portanto, requisito mínimo para a promoção e
desenvolvimento da ideia de parceria democrática.
De acordo com José Emílio Medauar (2012), não se pode entender a
proibição da prática do racismo insculpida no art. 5°, XLII, da Constituição Federal
de 1988, como uma carta branca para proibir a divulgação de ideias pretensamente
racistas, de modo a não legitimar a censura prévia no tocante aos discursos
proferidos. Pelo contrário, a proibição do racismo deve ser compreendida como
hipótese de vedação da utilização do espaço público ou mesmo do espaço privado
com a finalidade de eliminar parceiros do empreendimento político comum.
Nesse jaez, o entendimento de Ommati (2012), é no sentido de que a Carta
Magna de 1988, ao vedar a prática do racismo, não tentou proibir o discurso de ódio
na perspectiva de sua prolação prévia, tendo em vista não ser consentâneo com os
ideais do regime democrático a proibição do discurso, previamente, com a ressalva
da hipótese em que o próprio racista, ao proferir seu discurso, mostra ser racista,
fato suficiente para autorizar a punição do ofensor, em especial porque a liberdade
de expressão não autoriza a existência de alguns mais iguais e mais livres do que
outros.
A Constituição Cidadã de 1988 pretendeu, sim, e com os dizeres de Ommati
(2012), vedar quaisquer discursos racistas depois de publicamente prolatados, ou
seja, a sua proibição pode se dar no momento em que ocorre a prática do racismo,
aliado à comprovação pública do ato, e, sobretudo, quando ocorrente vilipêndio da
igualdade e liberdade de todos, como foi a situação fática em discussão do HC
82.424/RS.
61

4 O DISCURSO DE ÓDIO NAS REDES SOCIAIS E O


DIREITO BRASILEIRO

4.1 A disseminação do ódio nas redes sociais: uma questão de polícia, um


desafio do direito

Perpassado por algumas discussões sobre a temática da liberdade de


expressão e acerca do hate speech, é mais que relevante, também, sobrelevar os
aspectos centrais que giram em torno de como se apercebe o discurso do ódio no
seio da sociedade virtualizada, seus impactos sociais, jurídicos, políticos. Além
disso, é de crucial importância traçar qual papel desempenhado pelas mídias digitais
nessa ambiência e os desafios pelos quais o Direito assumirá para contribuir na
busca por uma sociedade pautada no respeito e consideração.
A internet, enquanto espaço que tem como características principais a
extrema rapidez e velocidade de suas operações, é considerada como marco
paradigmático que revolucionou as maneiras das pessoas se comunicar, tendo em
vista que, de regra, não há limites territoriais para afugentar a comunidade
virtualizada de usufruir suas liberdades fundamentais na senda de um regime
democrático, como pretende ser o Brasil, por exemplo.
Ante o surgimento desse ciberespaço, mais a frente iremos mencionar a visão
de Pierre Lévy, o qual defende que após o nascimento da internet e das mídias
digitais, resultado também da libertação da palavra, formou-se o que ele denomina
de inteligência coletiva na rede. Entretanto, reforçado por um fenômeno conhecido
por fake news, que encontrou terreno baldio para emergir-se na teia digital e ser
bem cuidado com intuitos nefastos para a ciberdemocracia, vê-se que, em verdade,
62

no meio das redes sociais, criou-se um ambiente para disseminação de ódio,


intolerância, discriminação racial.
De um modo geral, o tecido digital transformou-se em uma nova modalidade
para as pessoas promover a segregação e opressão de grupos minoritários, de
modo a potencializar os efeitos dos seus discursos propalados, em decorrências das
peculiaridades da rede mundial de computadores. Na perspectiva da rede virtual, o
discurso do ódio, além de entrelaçar-se na idealidade de integrantes de certas
pessoas, é praticado com maior recorrência devido à possibilidade de ser viralizado
sem maiores limitações.
Até porque, a priori, na qualidade de um dos desafios a cargo do Direito, não
se afigura como consentâneo com a ordem jurídica constitucional o estabelecimento
de censura prévia sobre discursos eventualmente proferidos. A bem da verdade,
Ommati (2012), ao debruçar-se sobre o caso paradigma relativo ao hate speech
brasileiro, antes mencionado, defende que a proibição do racismo prevista no art. 5°,
inciso XLII, da Lei Fundamental Cidadã, necessita ser entendida como a
possibilidade de se proibir que pessoas se valham do espaço público ou privado
com vistas a promover o aniquilamento dos parceiros integrantes de um mesmo
projeto comum de democracia associativa.
Ou seja, a Carta Magna de 1988, ao contrário do que possa ser defendido
nos Estados Unidos, não privilegia em demasia a liberdade de expressão como
valor preferencial sobre qualquer outro direito, mas, por outro lado, pautado na
pretensão do Constituinte Originário e levando em conta jurídica e institucional do
país, a proibição da prática do racismo deve ser verificada no caso concreto, de
modo a não restar inviabilizado a liberdade de expressão e os princípios da
igualdade e liberdade.
No contexto contemporâneo de ubiquidade da internet e utilização sem
precedentes das redes sociais online, as plataformas mais usuais como Facebook,
Instagram, e Twitter, são consideradas ambientes propícios para o agigantamento
do discurso do ódio, de maneira a constituírem-se como um espaço público de
replicação e radicalização dos conflitos advindos da realidade social. Ao tratar sobre
as mídias digitais, Daniels (2008), enfatiza que no seio de tais espaços, existe uma
verdadeira expansão dos extremismos e dos discursos odiosos. E esse
alargamento, decorre da falsa ideia de que há um anonimato para aqueles que
63

pensar estarem escondendo sua identidade atrás de perfis falsos ou amparados


pela volatilidade das redes digitais.
A implementação das redes sociais digitais não teve o condão de inventar o
hate speech, como se nunca antes o tivesse existido. Pelo contrário, o discurso de
ódio permaneceu o mesmo daqueles outrora propalados por grupos nefastos, como
por exemplo, no caso do Grupo da Ku Klux Kan, nos Estados Unidos, anteriormente
mencionado. No entendimento de Silva (2018), o que acontece hoje, em verdade, é
que todas as formas de interações e de mídias digitais podem ser objeto de
digitalização, a fim de que possam ganhar formas nas ambiências virtuais e,
portanto, a principal diferença de tais meios com outros reside no fato de que
qualquer ato, fala e/ou comportamento tendente a excluir grupos
marginalizados/vulneráveis como resultado da propagação do discurso de ódio,
deixa rastros, ainda que exista defensores do suposto anonimato virtual.
Nesse campo de visão, o discurso de ódio serve como instrumento balizador
de ataque à dignidade humana e de diversos direitos fundamentais, porém, a sua
exteriorização no meio social-digital pode ocasionar prejuízos de maior amplitude,
tendo em vista possuir maiores condições de criar um espaço de insegurança, mal-
estar social e vilipêndios ao ser humano enquanto sujeito de direitos numa
sociedade da pós-modernidade. A bem da verdade, o fenômeno do discurso de ódio
tem várias nuances e repercussões, entretanto, algo ainda mais relevante tem que
ser enfatizado, qual seja: a dinâmica em torno da disseminação do discurso de ódio
nas redes sociais-digitais acabou favorecendo a criação de espaços de
antagonismos, polarização e fogueiras virulentas.
Frise-se que, em decorrência da extrema rapidez das operações realizadas
na via digital, advindas dos recursos tecnológicos cada vez mais sofisticados, é
permitido ao homem externalizar seus pensamentos e opiniões, albergado pela
liberdade de expressão garantida constitucionalmente pela CRFB/1988, inserida no
cenário do ciberespaço. Por outro lado, no bojo desse mesmo ambiente digital, a
ordem jurídica constitucional estabeleceu diversos deveres, direitos e obrigações, no
tangente à manifestação de pensamento irradiada na tecitura virtualizada, a qual
deve ser exercida em estrita observância dos princípios fundamentais da República
Federativa do Brasil e fundamentada nos direitos e garantias fundamentais.
Essa necessidade de estatuir deveres para com outrem, decorre da
constatação de que, no tecido da sociedade da informação, as pessoas estão cada
64

vez mais propensas a praticar atos discriminatórios, racistas, preconceituosos,


levando em conta que a convivência que outrora poderia ser forçada, na ambiência
digital é possível assegurar o distanciamento desses agressores com aqueles
considerados “inimigos” do modelo dominante e opressor, e, portanto, para propagar
discurso odioso não é necessário a presença física entre eles. Pelo contrário, como
dito, o discurso do ódio encontra campo fértil para sua proliferação na via digital,
porquanto induz ao propagador a falsa ideia de que no seio de um curto anonimato,
terá maiores chances de vilipendiar a dignidade de povos, em especial contra
camadas vulneráveis da sociedade.
E esse estado de mal-estar social causado por condutas dos agressores vem
provocando danos concretos no seio da sociedade. E, não obstante exista previsão
constitucional e infraconstitucional incriminando tais atos (racismo, discriminação
racial, etc), os sistemas judiciários, ainda que engendre esforços para combater o
hate speech, o qual, inclusive, não encontra-se acobertado pela liberdade de
expressão, como regra, no seio do Estado Social (Brasil, Alemanha, por exemplo),
exceto nos Estados Liberais, como é o caso dos Estados Unidos, citado
anteriormente, não conseguem impedir a vingança promovida por linchamentos
virtuais, exclusão social dos pobres e minorias.
O hate speech propagado no seio online, ao que nos parece, possui três
características primordiais, quais sejam: ele é dirigido a pessoas e/ou grupos
específicos, fulcrado em peculiaridades ostentadas por tais vítimas do discurso de
ódio. Em especial, no tocante àqueles indivíduos considerados como “diferentes”
para a maioria eventual no contexto democrático, ou seja, o discurso odioso tem um
papel fundamental para promoção do menosprezo à diversidade, sendo que, o
respeito desta última é conditio sine qua non para a sobrevivência e fortalecimento
da democracia.
A democracia, na verdade, não é caracterizada pela regra da maioria, pelo
contrário, nas palavras de Dworkin apud Ommati (2012), a democracia é formada
pela observância ampla e irrestrita das diferenças dos integrantes daquilo que o
teórico norte-americano denomina de orquestra, para fazer uma verdadeira analogia
ao que deve ser compreendido por democracia associativa. Segundo, com a
disseminação do discurso de ódio, surge-se um efeito colateral para a comunidade
afetada, no sentido de agigantar a estigmatização contra o grupo-alvo, de maneira a
65

imputá-los uma qualidade considerada insustentável e desprezível, pelo simples fato


de ser homossexual, negro, mulçumano, etc.
Por fim, essa forma de discurso tem como pretensão expurgar do contexto
digital tais grupos determináveis de pessoas, de modo a deixá-los confinados à
margem do bojo social e virtual. As redes sociais online constituem-se, a bem dizer,
de diversos atores sociais e, em muitos casos, eles estabelecem conexões com
outras pessoas por meio da linguagem utilizada no seio social produtora dos
estigmas arraigados nesse contexto, estigmas estes que categorizam e
estereotipam pessoas e grupos.
Na senda das mídias digitais, mais especificadamente num cenário de
polarização política, fogueiras virulentas, ao nutrir-se de sentimentos odiosos, as
pessoas tendem a expressar pensamentos extremos e sentem-se mais confiante
para propaga-los, devido à falsa ideia de estarem acobertados pelo manto do
anonimato e da liberdade de expressão, ainda que esta não esteja albergada em
face do hate speech. Nos dizeres de José Emílio Medauar Ommati (2012),
influenciado pelo pensamento dworkiniano, em uma democracia constitucional como
a brasileira, as liberdades públicas ostentadas pelos indivíduos inseridos no seio do
Estado Democrático de Direito devem conviver com as liberdades dos demais
componentes dessa mesma comunidade democrática.
Essa liberdade anunciada por Ommati (2012), apenas pode ser exercida se
na mesma situação outrem também puder exercê-la, ou seja, a ideia é no sentido de
que toda e qualquer pessoa tem iguais liberdades, sendo, portanto, perfeitamente
aplicável no contexto da liberdade de expressão. Entretanto, se por um lado,
indivíduos podem expressar seus pensamentos e defender ideias mais absurdas
possíveis no seio das redes sociais, ao mesmo tempo, deve se responsabilizar pelas
ideias propugnadas.
Dito de outra maneira, apenas será possível constatar a configuração do
discurso do ódio senão quando o indivíduo expressar seu pensamento e, observado
os princípios constitucionais do devido processo legal, ampla defesa e contraditório,
findar comprovado a sua caracterização. Daí porque a Carta Magna de 1988
estatuiu a impossibilidade do estabelecimento da censura prévia, motivo pelo qual a
liberdade de expressão encontra-se intimamente relacionada com a própria noção
de responsabilidade pela propagação de discursos que possam atentar contra
terceiros, os quais devem ser respeitados e considerados.
66

4.2 A política de uso das redes sociais, o ódio e o Direito brasileiro

Nesse ponto, iremos nos debruçar sobre as maneiras pelas quais as redes
sociais estabelecem sua política de uso direcionada aos usuários do tecido virtual,
levando em conta o fenômeno do discurso odioso, bem frequente nas mídias
digitais, tendo como ponto de partida a Constituição Federal de 1988.
No contexto atual, vem-se crescendo exponencialmente a utilização das
redes sociais, mais especificamente, o Facebook, Twitter, bem como o WhatsApp
(este último tem servido, cada vez mais, como instrumento para viciar processos
eleitorais em diversos países, por meio das notícias fraudulentas, como
demonstraremos a seguir, de uma forma breve), e, em decorrência desse panorama
fático, há mais pessoas expressando seus pensamentos a respeito de diversos
temas debatidos no tecido da sociedade. Ante a massificação da internet e das
redes sociais, modificou-se as relações estabelecidas entre a imprensa e o público,
vez que, nesse ambiente, as pessoas possuem acesso às informações sobre
questões sociais, políticas, econômicas, etc., com mais facilidade, de uma forma
geral.
Ao debruçar-se sobre o fenômeno antes citado que é justamente a internet,
Ronaldo Lemos (2016), entende tratar-se de uma rede que viabiliza, por um lado, as
liberdades públicas e fundamentais e, por outro, tem o condão de permitir controles
dantes desconhecidos sobre o indivíduo. Na visão do autor, cuida-se de uma
plataforma de alta significância para a promoção da liberdade de expressão e
simultaneamente, tem muita probabilidade de gerar danos em larga escala contra
terceiros, sendo que, esse dano difuso é claramente de difícil contenção, motivo pelo
qual deve-se discutir a política de uso no bojo das mídias digitais.
Os conflitos nesse contexto digital passam por inúmeras redefinições e
modelagens, e diante disso, surge alguns tensionamentos entre direitos
fundamentais na ambiência social-virtual, bem como de qual maneira deve ser
enfrentado os desafios surgidos em decorrência da conflitualidade emergida. Em
muitos casos, as pessoas se utilizam da via do Poder Judiciário para solucionar os
conflitos nascidos da teia digital, de modo a aplicar o direito no caso concreto, em
67

respeito à necessidade de manter o igual respeito e consideração que todos os


cidadãos fazem jus na sociedade contemporânea, na senda de uma Constituição
formal e rígida, como é o caso da Carta Cidadã de 1988.
O discurso do ódio é um dos principais exemplos quando se discute a
presença dos conflitos nas redes sociais e, ressalvado a necessidade de albergar as
liberdades públicas e o princípio da igualdade, valores fundantes do regime de
democracia associativa, as mídias digital mediadas pelo computador promovem
mecanismos próprios ou, para dizer com Santos (2016), formas próprias na solução
destes conflitos brotados nesse contexto. Para a efetividade de tais instrumentos
utilizados pelas redes sociais, necessita-se existir normas internas que disciplinem
as políticas de sua utilização, com o objetivo de resguardar o direito ostentado por
todos de serem livres e iguais e, ao mesmo tempo, que as condutas praticadas no
meio virtual, não possam contribuir com o vilipêndio do regime democrático e do
contrato social.
Ao comentar sobre a rede social denominada Facebook, mais
especificamente no tocante à sua política de uso, Marco Aurélio Moura dos Santos
(2016), mostra que nesse espaço virtual existe inúmeras normas que direcionam o
uso dessa rede social, dentre as quais, destaca-se uma parte dedicada aos
princípios, ou melhor, um conjunto de objetivos que funcionam como trilho para o
necessário funcionamento de tal mídia digital. No bojo dos princípios, há a
previsibilidade da liberdade garantida a todos os indivíduos de e se conectar no seio
das redes sociais, no sentido de proteger o fluxo livre de informações no campo
virtual, o direito à propriedade das informações veiculadas, bem como a preservação
da igualdade/isonomia.
Além disso, o bem-estar da coletividade também é considerado uma
diretriz/meta no âmbito do Facebook, de modo a albergar os direitos das pessoas
que utilizam os seus serviços, inclusive, porque, estes últimos, não se sujeitam a
barreiras geográficas e nacionais e sua disponibilização ocorre de maneira global,
de regra. No entanto, Santos (2016) enfatiza que os princípios estatuídos no bojo da
aludida rede social não excluem outros regimes constitucionais e legais, como
também os costumes advindos da sociedade.
Em outras palavras, o alcance desses princípios pode ser limitado pelo
ordenamento jurídico ao qual encontrar-se-á, eventualmente, modelado/amoldado,
não podendo dispor de maneira vilipendiosa ao preconizado pela ordem jurídica do
68

país. A bem dizer, o Direito, na qualidade de um sistema que busca ser


operacionalizado, a sua inserção na ordem jurídica acontece por intermédio da
positivação nos ordenamentos constitucionais, com o intuito de gerar autonomia, em
comparação a outros sistemas sociais, a exemplo da Política, Economia. E esse
fechamento operacional opera, na maioria das vezes, pela via da Constituição formal
e rígida, como referido anteriormente, instrumento jurídico de alto relevo numa
democracia constitucional.
Não obstante, na visão de Santos (2016), a rede social Facebook utiliza um
método de solução próprio de conflitos, na senda das contendas visualizadas entre
os participantes e, especialmente, quanto ao teor das informações propaladas na
tecitura digital. Ou seja, com essas políticas de uso desenvolvidas pelo Facebook,
será possível compreender os tipos de compartilhamentos consentâneos com a
diversidade, pluralidade de ideias, com o repúdio a discursos odiosos.
Nesse contexto de debate, deve-se viabilizar aos usuários a promoção de
denúncias e, a depender do caso, o usuário acusado de violação aos termos da
política da rede social, pode ser removido, ainda que temporariamente. Isso não
quer dizer, por outro lado, que é dado o poder ao Facebook de interferência indevida
sobre os conteúdos compartilhados, sob pena de prejudicar o debate democrático e
o direito à liberdade e igualdade, como também transformar-se em um “órgão”
paralelo de censuras a conteúdos veiculados na rede.
A bem dizer, apenas o Estado, referindo-se, obviamente, ao Poder Judiciário,
detém o poder para se valer de um controle repressivo sobre eventuais discursos
odiosos propalados na via digital, mas, ante a proibição constitucional da censura
prévia de informação, lhe é vedado a utilização de controle preventivo, porquanto
não pode catalogar previamente os conteúdos/discursos proliferados nas redes
digitais. Quando nos referimos durante o trabalho ao discurso do ódio, não estamos
tentando categorizá-lo na qualidade de qualquer afirmação difamatória, caluniosa ou
injuriosa. Pelo contrário, a devida caracterização do hate speech, pressupõe analisar
o contexto no qual foi proferido tal discurso.
Se o discurso foi realizado em um contexto de degradação de determinada
pessoa lastreado no seu pertencimento a grupo identificado por estigmas no seio
social e, tem seus direitos negados em razão de características intrínsecas ou
extrínsecas que são irrelevantes para o necessário exercício dos direitos
fundamentais a que faz jus, tais como orientação sexual, cor de pele, pertencimento
69

a religião de matriz africana, por exemplo, bem como por questões relativas e
gênero, estar-se-á diante de um discurso de ódio.
Depois de publicamente proferido tal discurso e, após o asseguramento do
devido processo legal, contraditório e ampla defesa, o ato praticado pelo acusado
deve sofrer reprimenda do Direito com base na Lei que criminalizou o racismo, qual
seja, Lei n° 7.716/1989. Caso contrário, a situação pode ser solucionada à luz do
Código Penal, mais especificamente no bojo dos dispositivos previstos nos artigos
138 a 140, do Diploma Repressivo.
Sobreleva ressaltar, outrossim, que, a depender da forma de tratamento
dispensado pelos países ao fenômeno do hate speech, ter-se-á tutelas distintas
sobre o mesmo tema e soluções jurisprudenciais díspares. Como visto, no seio
estadunidense, a liberdade de expressão é considerada um direito de modelagem
preferencial quando comparada com outros direitos fundamentais, sendo que, em
muitos casos, essa mesma liberdade, é utilizada para legitimar o proferimento de
discurso do ódio contra diversos grupos nos Estados Unidos da América, ainda que
desse discurso decorre prejuízos para a imagem, honra ou privacidade do ofendido.
Na Alemanha, por outro lado, muito embora a liberdade de expressão tenha
um tratamento pela ordem constitucional, não ostenta um rótulo privilegiado,
porquanto é a dignidade humana um dos princípios constitucionais de valor
supremo, razão pela qual, como regra, o discurso odioso não é amparado pela
liberdade de expressão, o que, de certa forma, se assemelha com o modelo adotado
pelo Brasil. Não obstante, na ótica do pensamento de Meyer-Pflug (2009, p. 99): “ o
grande desafio que se apresenta para o Estado e para a própria sociedade é permitir
a liberdade de expressão sem que isso possa gerar um estado de intolerância, ou
acarrete prejuízos irreparáveis”.
Destarte, as redes sociais, nas pegadas enfatizadas por Santos (2016),
atentas aos seus próprios regramentos, criados para tentar solucionar eventuais
conflitos, têm o combate do discurso do ódio como um dos pilares para o
desenvolvimento do respeito e consideração entre as pessoas, que se veem como
iguais e livres. A bem dizer, o âmbito digital é um espaço que possibilita o
desenvolvimento de novas soluções no bojo de uma sociedade da informação, pós-
moderna.
Essas mesmas redes sociais, caracterizam-se, na verdade, como um
ambiente de fomento das liberdades públicas (liberdade de expressão do
70

pensamento, liberdade de comunicação, liberdade de imprensa, liberdade religiosa,


etc.) e, talvez por esse mesmo motivo, pode gerar danos em larga escala e de difícil
contenção, quando constatada a utilização fraudulenta e prejudicial das mídias
digitais contra terceiros, a exemplo da proliferação do fenômeno presente nessa
tecitura, conhecido como fake news, o qual será objeto de análise mais detalhada a
seguir, na perspectiva de ser um possível instrumento impulsionador do hate speech
virtual.

4.3 O fenômeno das fake news, a Constituição Federal de 1988, o discurso


de ódio e a liberdade de expressão

Inicialmente, é de salutar importância salientar que, o fenômeno das


chamadas notícias falsas/fraudulentas, também denominado na atualidade como
fake news (termo derivado do inglês), pode ser compreendida e tratada sob diversas
perspectivas. E o Direito, enquanto ramo da ciência social, não está imune às
implicações irradiadas pela desinformação no campo social, político, econômico,
etc., de modo que deve ser discutido eventuais problemas advindos dessa conexão,
em especial porque estamos sob a égide da Era da Informação.
Não temos a pretensão de esgotar a discussão sobre o tema, mas cabe
salientar que, o conceito de fake news não está necessariamente ligado ao
jornalismo tão somente, pelo contrário, na maioria dos casos, e é o foco desse
debate, elas são fabricadas por pessoas civis, instituições de vários setores na
sociedade e até pessoas públicas, as quais lucram com a sua disseminação
deliberada.
Diante disso, aludido fenômeno conhecido hodiernamente como fake news,
além de poder ser utilizada como instrumento para viciar a vontade dos eleitores no
seio de uma eleição, por exemplo, a sua produção direcionada a grupos
historicamente vulneráveis (mulheres, negros, judeus, mulçumanos, população
LGBTI+, pessoas pertencentes às religiões de matriz africana, etc.) pode
desembocar na proliferação de discursos odiosos contra tais comunidades, e, por
consequência, ascender antigas intolerância sociais e contribuir na perpetuidade dos
estereótipos/estigmas negativos já existentes.
71

O fenômeno das fake news não é, de modo algum, recente, mas pelo fato de
estarmos no seio de um mundo social-digital, as notícias falsas ganharam acentuada
importância e atenção pública em diversos países. Frise-se que, desde as
campanhas eleitorais ocorridas em 2016 nos Estados Unidos e na França em 2017,
há grande preocupação com a efetiva possibilidade da distorção de processos
políticos potencialmente provocados por campanhas de desinformação e, isso
ocorre por meio de estruturas arquitetadas aptas a disparar notícias falsas, com o
intuito de desprestigiar opositores e captar votos utilizando plataformas virtuais.
Os provedores de aplicação de internet assumem um papel de relevo e ao
mesmo tempo desafiador, porquanto deve atuar na repressão à utilização dos seus
serviços para a disseminação de notícias falsas, mas, por outro lado, tem a
obrigação de garantir que sua eventual e excepcional intervenção não viole
garantias mínimas do Estado Democrático de Direito. O Marco Civil da Internet (Lei
12.965/2014), ao contrário do que se tem sustentado, não impede a atuação dos
provedores no sentido de agir para remover conteúdo dos seus usuários, quando
constatado vilipêndio às regras estabelecidas em suas políticas e termos de uso
(vale dizer: o próprio contrato celebrado entre usuários e provedores).
A tarefa do Poder Judiciário, nesse cenário, relaciona-se, com a definição
das situações nas quais os usuários das plataformas virtuais serão
responsabilizados na esfera cível e criminal, ou seja, após assegurado o devido
processo legal, com ampla defesa e contraditório, e restar comprovado a
caracterização do discurso de ódio, por exemplo, emergido do meio virtual, o
propagador de tal discurso poderá responder por seus atos. Além disso, é tarefa do
Judiciário (quando provocado) constatar eventual responsabilidade dos provedores
em decorrência da disseminação de fake news no seio das redes sociais, por parte
dos usuários, respeitado o ditame legal previsto no art. 19, caput e §1°, do Marco
Civil da Internet.
Não obstante seja possível a responsabilização daqueles que integram o
mundo social-digital, a Constituição Federal de 1988 assegura a todos a liberdade
de expressão, entendida esta como uma cláusula geral/genérica, que materializa-se
sob diversas formas no tecido constitucional, a saber: na qualidade de liberdade de
manifestação do pensamento – incluindo, obviamente, a liberdade de opinião -;
liberdade de expressão artística, científica; liberdade de comunicação e de
informação, também denominada liberdade de imprensa; liberdade de ensino e
72

pesquisa ou, ainda, liberdade de cátedra; como também, a liberdade de expressão


religiosa.
Todo aquele detentor da mencionada liberdade de expressão pode exercê-la
sem a interferência indevida de terceiros, ou seja, é proibido/vedado o
estabelecimento da censura (ainda que dissimuladas) por parte do Estado e
particulares, motivo pelo qual a prática de um ato que seja capaz de obstruir a livre
manifestação do pensamento pode dar azo ao surgimento da censura prévia, o que
é inconcebível no Estado de Direito.
As fake news, ou mesmo “pós-verdade”, são expressões cada vez mais
difundida no tecido digital (redes sociais, plataformas virtuais, aplicativos de troca de
mensagens), especialmente em pleitos eleitorais, como foi o caso da eleição
presidencial de 2016, nos Estados Unidos, que Donald Trump sagrou vencedor com
influência de notícias falsas e, 2018, no Brasil7, razão bastante para afirmar que a
velocidade na produção de notícias deliberadamente falsas tem beneficiado os
candidatos e, ao mesmo tempo, ajudado a denegrir o outro.
Esse êxito sem precedentes decorre do fato de que a propagação de fake
news encontra, no mundo social-digital, campo fértil para se proliferar mediante
compartilhamentos, num cenário de faroestização da sociedade virtualizada, a qual,
movida por sentimentos polarizados, cria um espaço de linchamentos virtuais,
intolerância com o dissenso e, em especial, enfraquecimento do discurso equilibrado
e saudável.
Na visão de Pierre Lévy (2002), antes da internet e das redes sociais, a
opinião era mais facilmente controlada pelas mídias fechadas. Como consequência,
as falas oficiais que detinha grande permeabilidade perpassavam por editores que
intermediava tais falas, de modo a delimitar e conduzir os discursos. Com o advento
da internet e das mídias sociais, e, mais especificamente, ao oferecer as
informações de maneira gratuita e espontânea, decorrência da libertação da palavra,
fala-se no surgimento de uma inteligência digital, proveniente da cooperação das
comunidades virtuais na ambiência da ciberdemocracia. Não obstante exista certa
concordância quanto aos benefícios proporcionados pela internet e redes sociais, na
contemporaneidade, nem sempre as pessoas se unem e permitem o diálogo entre si
no mundo digital.

7 Disponível em: http://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2018-11/noticias-falsas-influenciaram-


eleicoes-deste-ano-dizem-pesquisadores. Acesso em 21 de novembro de 2018.
73

Nesse sentido, percebe-se que, a ideia no sentido de existir um diálogo digital


livre de indiferença, irritação e desprezo é extremamente otimista, pois, o que se
verifica, em verdade, é o contrário. No tecido da sociedade virtualizada, as pessoas
acabam não sendo apreciadoras da diversidade, vez que, na maioria das vezes,
estabelecem conexões “entre bolhas” (grupo fechado), de indivíduos que pensam da
mesma forma, além de que, nesse meio digital, edifica-se um espaço forte para a
propagação de todo ódio acumulado em relação a certos grupos tidos como
vulneráveis, tais como, mulheres, negros, judeus, mulçumanos, população LGBTI+,
pessoas pertencentes às religiões de matriz africana, dentre outros.
Ao contrário do pensamento de Lévy, o qual nutre um certo otimismo com
relação aos potenciais da ciberdemocracia, porquanto acreditava que esta pode ser
capaz de ascender o que denomina de inteligência coletiva digital, não há uma
propensão das pessoas que se comunicam em rede pensar na qualidade do diálogo,
pelo contrário, em regra, os indivíduos se utilizam desse ambiente para disseminar
discurso de ódio, com o intuito de promover a segregação e opressão de grupos
minoritários.
Essa ambiência digital de perda da persuasão do contraste de argumentos,
concentrando indivíduos que pensam da mesma forma preconceituosa e irrefletida
em pequenas bolhas, é um grande caldo propício à disseminação das fake news.
Movidos por visões de mundo excludente, é muito comum existir disparos de
notícias falsas com o simples objetivo de ascender práticas odiosas em detrimento
de grupos determináveis, de modo que o compromisso com a verdade seria
visualizado como vilipêndio às convicções da maioria eventual. Mesmo ciente de
que suas atitudes podem causar verdadeiras fogueiras violentas na tecitura social-
digital, contribuem com o alargamento do ódio contra determinadas comunidades da
sociedade, dada a efetiva potencialidade das fake news com o uso intensivo da
internet, aliado à constatação da desterritorialização ser um fenômeno próprio da
ciberdemocracia.
Ante as potencialidades dos riscos ao direito à informação provocados pelas
notícias falsas, surge uma problematização no tocante ao papel estatal nessa
tensão. Porquanto ao mesmo tempo que o Estado não detém (e nem poderia deter)
o poder de censura sobre conteúdos compartilhados, sob pena de enfraquecimento
do regime democrático, da igualdade e liberdade das pessoas, o mesmo Estado (em
sentido lato sensu) não pode permanecer no estágio de inércia, de maneira que
74

deve promover medidas de natureza reflexa a esse respeito, por intermédio de


regulação razoável, para que a internet, a manifestação do pensamento e a
informação sejam livres.
Nas situações fáticas de disseminação de fake news que, comprovadamente,
causem danos às pessoas e seja fabricada para provocar consequências danosas a
grupos vulneráveis, por exemplo, deve ser acionado o sistema de repressão
existente na ordem jurídica pátria, respeitados os valores e princípios constitucionais
no seio de uma sociedade que pretenda ser plural e democrática.
O fenômeno das fake news, por ser algo que pode ser discutido sob diversas
nuances, também vem impactando a dinâmica democrática, razão pela qual é de
fundamental importância especificar o debate que vem sendo travado entre
democracia e desinformação, à luz da liberdade de expressão. A bem dizer, a
formulação de concepções distintas de democracia e o papel exercido pela liberdade
de expressão nessa senda ajuda a compreender o tema acerca das notícias falsas.
Nesse trilhar, há duas maneiras de se conceber a relação existente entre
liberdade de expressão e democracia, quais sejam, a liberdade enquanto valor
instrumental e sob a ótica constitutiva. Daí decorre que, a depender da concepção
daquilo mencionado acima, visualizar-se-á as necessárias e inevitáveis implicações
no terreno das fake news, ou seja, de acordo com a melhor definição atribuída à
democracia, e do valor que essa concepção destina ao postulado da liberdade de
expressão, as notícias falsas não serão tratadas da mesma forma.
Na primeira concepção de democracia, a liberdade de expressão é vista como
meio/instrumento para a consecução das finalidades que lhe são inerentes, e, em
verdade, o objeto de atenção e preocupação nesse debate está relacionado com a
qualidade do debate público para viabilizar a boa tomada de decisões coletivas.
Nessa pegada, a liberdade de expressão do pensamento assume um papel
fundamental na concretização de um debate público de qualidade, dentro de uma
ótica que oportuniza toda e qualquer pessoa exercer livremente as suas liberdades
públicas, e não servir como subterfúgio para favorecimentos a pequenos grupos
controladores do debate numa sociedade que pretenda ser fundamentada nos ideais
da democracia.
Ante os efeitos difusos operados pelo fenômeno das fake news, a princípio,
inexistiria motivos edificadores para sua proteção, tendo em vista que no modelo de
democracia fundada na instrumentalidade da liberdade de expressão, o debate
75

público é entendido como uma forma de promoção de crenças verdadeiras acerca


das decisões coletivas a serviço de todos os cidadãos de dada comunidade. Não
obstante, um dos argumentos de cunho estadunidense utilizados por Jhon Stuart Mill
(1993) adaptado à relação pertinente entre a liberdade de expressão e democracia,
é conhecido como argumento da “encosta escorregadia” (slipery slope).
Tal argumento encontra-se assentado nos riscos que a proibição da
propagação de conteúdos considerados “não valiosos” pode colocar para aqueles
postos em circulação denominados como “valiosos”. Ou seja, muito embora seja
possível, em alguns casos, distinguir discursos falsos dos caracterizados
verdadeiros, em outras situações, é mais do que uma tarefa hercúlea determinar
com precisão aquilo que é falso ou verdadeiro.
Essa indeterminação ocorre, em regra, nas situações de discursos de opinião,
visto que, nesses casos, as autoridades estatais com atribuição para arbitrar o que é
verdadeiro ou falso, pode abusar do seu poder de determinação, de maneira que, na
tentativa de proibir conteúdos deliberadamente falsos e causadores de danos
sociais, e não albergar outros discursos que deveriam ser protegidos, a qualidade do
debate público restará, de certo, prejudicada.
Mesmo assim, a liberdade de expressão pode ser valorada positivamente,
desde que atinja uma das suas finalidades básicas na perspectiva de
instrumentalidade, isto é, promova um debate público pautado na pluralidade de
argumentos e voltado ao desenvolvimento do direito à comunicação de qualidade
para o cidadão. Num cenário em possa ser possível visualizar uma relação
fundamentalmente viciada no contexto da liberdade de expressão, é perfeitamente
admissível a sua restrição com o intuito de prezar, efetivamente, pela qualidade do
debate público.
Essa argumentação teórica também é defendida por Owen Fiss (1995), o qual
apresenta posicionamentos alinhados à proibição do discurso de ódio. Na sua visão,
o discurso de ódio bombardeado em desfavor de determinados grupos sociais
vulneráveis, tais como, negros, judeus, mulçumanos, mulheres, etc., ostenta um
efeito de intimidação e consequente silenciamento de tal comunidade de pessoas,
razão suficiente para o autor defender a proibição do discurso de ódio em favor da
qualidade do debate público.
No entendimento de Gross (2018), diagnóstico semelhante é dirigido à
prerrogativa de expressão de falsidades, tendo em vista os impactos causados pelas
76

fake news na era digital, que, na atualidade, alcança um número infinito de pessoas
conectadas em rede numa velocidade quase que instantânea e, ainda, sem limites
territoriais. Motivo pelo qual, a princípio, poderia ser justificativa para inserir um ônus
maior para aqueles que desejam participar do debate público, materializado na ideia
de garantir a propagação de discursos pautados na verdade democrática.
Outrossim, ainda para dizer com Gross (2018), levado essa perspectiva a
rigor, a liberdade de expressão poder ser afetada pelo “efeito do esfriamento”, isto é,
o “esvaziamento” do debate pelo medo da punição. Isso decorre da simples ideia de
que a imprecisão de critérios para distinguir o que é ou não verdadeiro, levaria
muitas pessoas a se calar e, em especial, seria mais possível afunilar e censurar a
liberdade de expressão do pensamento, do que garantir-lhe trânsito
descongestionado no âmbito democrático.
A segunda concepção enxerga a liberdade de expressão como valor
constitutivo à democracia, e nesse aspecto, ainda que não negue o valor
instrumental de tal liberdade, pretende fundar um status para esta última voltado ao
objetivo de reconhecer-lhe como um direito individual indisponível, apesar das
preocupações de maximização do bem-estar de dada comunidade. Nessa senda,
Ronald Dworkin (2000), ao tratar da democracia através de um olhar que decorre da
igualdade, assevera que a possibilidade de participação livre no debate público e na
troca de ideias torna a compreensão da liberdade de expressão como condição de
existência da própria democracia e, tal situação, é mais importante do que a simples
possibilidade de votar periodicamente para escolha dos representantes políticos.
Para sustentar a existência da democracia é conditio sine qua non que todas
as pessoas individualmente consideradas, tenham garantidas a sua liberdade de
expressão, porquanto apenas assim pode-se falar em uma comunidade fundada em
igualdade e liberdade. Essa concepção exige que, de modo algum,
desqualifiquemos as pessoas do debate público a priori, nem tampouco estabeleça
censuras em desfavor do direito igualitário ostentado por todos os indivíduos ao
engajar-se sobre os rumos da comunidade.
Isso porque, na visão de Gross (2018), cada sujeito tem a garantia de
participar do debate público, independentemente da qualidade das opiniões
proferidas, razão pela qual não há democracia sem o asseguramento da liberdade
de expressão enquanto direito individual inviolável. Nesse aspecto constitutivo da
liberdade de expressão, muito embora exista motivos para defender eventual noção
77

de debate público de qualidade, há limites sobre os meios pelos quais pode ser
realizado tais esforços, na medida em que a exclusão do ambiente público de todo
aquele que propaga conteúdo considerado de alguma forma falso, pode ser
caracterizado como vilipêndio ao ideal de sociedade livre e igual.
Outrossim, isso não significa dizer que a concepção constitutiva de liberdade
de expressão albergue toda e qualquer disseminação de fake news. De acordo com
Gross (2018), é perfeitamente possível a restrição ou contenção da circulação de
determinadas fake news, quando, comprovadamente, ser constatada que as
circunstâncias do caso concreto apontam para um vínculo direto entre o conteúdo
propagado (ou discurso proferido, a depender da situação) a ocorrência de
consequências muito danosas no seio social, em especial contra as minorias, ou se
restar demonstrado em juízo que as notícias falsas fabricadas na mídia social foi o
raio motriz para o ocorrência de morte de terceiros, por exemplo.
Essa mesma racionalidade, na opinião de Gross (2018), teria levado o juiz
Oliver Wendell Holmes da Suprema Corte dos Estados a afirmar, no caso Schenck
v. United States (1919) - o qual é considerado uma das principais casuísticas na
formação da jurisprudência da Corte Constitucional dos Estados Unidos -, que uma
pessoa não pode gritar “fogo” em um teatro lotado. A ideia é que, há um vínculo
entre a propagação de notícias falsas que são produzidas. virtualmente para
prejudicar e a ocorrência de um dano iminente.
A bem da verdade, na busca da sedimentação de uma sociedade que busca
pela consciência, respeito à diversidade de outrem, a propagação de ódio e
compartilhamento de notícias falsas fraudulentas e criadas para prejudicar pessoas,
estaria a caminhar na contramão dos ideais de liberdade, igualdade e fraternidade
que se pretende fundar num contexto social, econômico e político. O mundo,
hodiernamente, vem percebendo que o fenômeno das fake news, além de ter se
tornado um problema a ser debatido pelo Direito, virou uma praga midiática, ante a
potencialidade de gerar manipulação na livre convicção do eleitor e criar espaços de
polarizações na política e bolhas de ódio entre pessoas.
Tudo isso demonstra a necessidade de refundar balizas para retomar o
debate público de qualidade, de maneira a trilhar um caminho para promoção da
educação digital, ensinando o cidadão comum a checar antes de clicar ou
compartilhar qualquer informação. A problemática das fake news não surgiu da
tecitura digital, ou seja, não é algo novo que brotou do seio onde labora os
78

blogueiros, pelo contrário, há relatos de noticiário falso desde o Império Romano


(FERRARI, 2018).
O que ocorreu foi justamente uma amplificação dos efeitos deletérios das
notícias fraudulentas em decorrência das redes sociais, plataformas digitais, como
tudo que é compartilhado no bojo de uma sociedade virtualizada como a nossa, que
tem a capacidade de viralizar notícias falsas em questão de segundos. No
entendimento de Ferrari (2018), abalizada por teóricos de alto relevo sobre a
temática, as notícias falsas são propagadas pela tecnologia com seus algoritmos e
robôs em velocidade inimaginável e, portanto, as eleições americanas trouxeram à
tona a dimensão dos riscos trazidos por informações falsas, manipuladas.
Em virtude dessas implicações na seara virtual, as notícias falsas podem
servir como instrumentos de viralização para o bem ou para o mal. Um dos
exemplos citados por Pollyana Ferrari (2018), diz respeito a um caso emblemático
de alta brutalidade que desembocou na morte de um inocente em razão de notícias
falsas, foi justamente o Caso de Fabiane de Jesus, moradora do Guarujá, litoral de
São Paulo, que foi vítima fatal das fake news, no dia 03 de maio de 2014. A bem
dizer, este último foi o 1° caso de repercussão no Brasil em notícias fraudulentas,
que serviram como fio condutor para uma história de final trágico.
Tal fato ocorreu em 2014, onde os vizinhos da vítima adentraram na sua
residência e arrastaram Fabiane para rua com chutes, pontapés, em decorrência de
uma página no Facebook chamada “Guarujá Alerta”, com 56 mil curtidas, a qual
propalou informações sobre uma mulher que estaria raptando crianças para realizar
magia negra, supostamente na região onde residia a vítima. Ainda que os retratos
falados não fossem parecidos com a própria Fabiane, esta última foi brutalmente
assassinada por vários moradores do bairro Morrinhos IV, periferia do município de
Guarujá (SP), sob a falsa percepção de que ela seria uma criminosa que raptava
crianças, razão pela qual, nutridos por notícias dessa natureza, que engrandece o
ódio contra terceiros sem precedentes e desvinculado da verdade, decidiram fazer
justiça com as próprias mãos.
Referida notícia falsa, como qualquer outra que adentra no ambiente
virtualizado para promoção do ódio, foi rapidamente compartilhada por diversos
moradores, mais especificamente no Facebook. Diante disso, os provedores de
aplicação de internet assumem um papel de relevo e ao mesmo tempo desafiador,
porquanto deve atuar na repressão à utilização dos seus serviços para a
79

disseminação de notícias falsas, mas, por outro lado, tem a obrigação de garantir
que sua eventual e excepcional intervenção não viole garantias mínimas do Estado
Democrático de Direito.
Outra situação de grande repercussão no seio social-digital e de comoção
nacional e internacional, diz respeito ao caso Marielle Franco, a qual era vereadora
da cidade do Rio de Janeiro, pelo Partido Socialismo e Liberdade – PSOL, e foi
assassinada no dia 14 de março de 2018. Trata-se, na verdade, de algumas
demonstrações negativadas do fenômeno das fake news propagadas sobre a
socióloga, lésbica, feminista e militante dos direitos humanos, que se destacou no
âmbito da Câmara Municipal do RJ, por lutar pela visibilidade das mulheres negras,
bem como por ter como objetivo de vida social a luta em prol da comunidade
LGBTI+, ou seja, era uma Edil que lutava a favor das camadas estigmatizadas no
tecido social, tão colocadas à margem da sociedade ainda atualmente.
A denúncia das violações aos direitos humanos, o extermínio do povo negro e
a violência policial eram pautas corriqueiras no tocante a ação política da então
vereadora do PSOL. Após o assassinato da vereadora, começaram a surgir diversos
discursos na tecitura digital através das chamadas fake news, voltadas para
aspectos relacionados à sua vida pessoal, história e, especialmente, pelo fato de
lutar em prol de sujeitos vulneráveis na sociedade (negros periféricos, lésbicas,
homossexuais, transexuais, bissexuais, mulheres, dentre outros), bem como dos
direitos humanos e fundamentais, impulsionando verdadeiras fogueiras virulentas a
seu respeito.
Um dos exemplos de manifestação do pensamento foram visualizadas no
bojo do site Youtube, produzidos com o objetivo de promover o alargamento de
estereótipos negativos, pelo simples fato de pertencer a grupos marginalizados pela
sociedade. Por outro lado, levando em conta a potencialidade das notícias falsas
espalhadas nas redes sociais, houve grande mobilização pela mídia tradicional
objetivando combater as informações falsas contra Marielle Franco8.
Em virtude desse panorama fático, e diante da enxurrada de notícias falsas
propaladas que favoreceram o surgimento de um ambiente odioso no tecido digital
contra a vereadora do Partido Socialismo e Liberdade, Anielle Silva dos Reis
Barboza e Mônica Tereza Azeredo Benicio, irmã e companheira, respectivamente,

8 Informação disponível em: https://oglobo.globo.com/rio/iniciativas-para-combater-informacoes-


falsascontra-marielle-mobilizam-web-22506243 Acesso em 25 de novembro de 2018.
80

ajuizaram uma demanda judicial em face de Google Brasil Internet Brasil Ltda., com
o objetivo de que os vídeos do sítio eletrônico Youtube fossem retirados do ar.
Argumentaram que os 40 (quarenta) vídeos anexados nos autos do processo,
com 13.405.111 (treze milhões, quatrocentos e cinco mil, cento e onze)
visualizações, ao todo, foram produzidos com o intuito de vilipendiar a dignidade
pessoal de Marielle Franco, motivo pelo qual, por caracterizar-se autênticas
manifestação odiosas e caluniosas contra esta última, não estariam albergados pela
liberdade de expressão. Após o asseguramento do devido processo legal, a
magistrada titular, Marcia Correia Hollanda, proferiu sentença no sentido de
confirmar integralmente a liminar anteriormente deferida, e no mérito, condenou o
réu a excluir definitivamente os vídeos/conteúdos juntados aos autos9.
Com o advento da Era da Informação e, também, ao levar em conta as
dimensões provocadas pela desterritorialização próprio da ciberdemocracia, as
redes sociais tornaram-se palcos virtuais para um número exponencial de
indivíduos, propalar qualquer tipo de notícias, ainda que revestida de caráter
fraudulento. Tais atitudes são perpetradas, mesmo sem conhecer a real fonte e
veracidade de seu conteúdo, de modo a impulsionar a morte subjetiva de um
cidadão, como foi o caso de Marielle Franco, pertencente à comunidade LGBTI+,
defensora dos direitos humanos-fundamentais, vítima de bolhas de ódio na tecitura
social-digital.
Como referido no decorrer do trabalho, nem todo discurso proferido no seio
social ou nas redes sociais pode caracterizar-se como hate speech. Para seu efetivo
enquadramento, é necessário observar o contexto no qual foi
disseminado/propagado tal discurso, sob pena de elastério demasiado na sua
incidência. Pois bem. Constatado que as afirmações propaladas foi realizada dentro
de um cenário que busca promover a diminuição de uma pessoa como decorrência
do seu pertencimento a determinado grupo estigmatizado na sociedade, ou mesmo
negar direitos calcado nas características pessoais de outrem, a exemplo de cor de
pele, orientação sexual, questões relativas a seu gênero, bem como por ser
integrante de religião de matriz africana, etc., restar-se-á caracterizado o discurso do
ódio. Caso contrário, pode ser o caso de aplicação do Código Penal.

9 Essa informação pode ser melhor compreendida ao acessar o link disponível em:
http://www4.tjrj.jus.br/consultaProcessoWebV2/consultaMov.do?v=2&numProcesso=2018.001.05276
3-9&acessoIP=internet&tipoUsuario= Acesso em 25 de novembro de 2018
81

De acordo com Braga (2018, p. 214), ao debruçar-se sobre as fake news e o


discurso de ódio,

Discurso de ódio seria aquele que apresenta como característica a


estigmatização de um indivíduo ou grupo identificável de indivíduos. A
estigmatização seria, ainda, direcionada ao insulto, à perseguição ou à
privação de direitos. Essa é uma característica recorrente das notícias
falsas, que se utilizam de um clima de polarização política ou afetiva e
ganham notoriedade como prova ou confirmação da validade desses
estigmas.

Ante as potencialidades dos riscos ao direito à informação, dignidade pessoal


e igualdade, provocados pelas notícias falsas, surge uma problematização no
tocante ao papel estatal nessa tensão. Porquanto ao mesmo tempo que o Estado
não detém (e nem poderia deter) o poder de censura sobre conteúdos
compartilhados, sob pena de enfraquecimento do regime democrático, da igualdade
e liberdade das pessoas, o mesmo Estado (em sentido lato sensu) não pode
permanecer no estágio de inércia, de maneira que deve promover medidas de
natureza reflexa a esse respeito, por intermédio de regulação razoável, para que a
internet, a manifestação do pensamento e a informação sejam livres.
Portanto, nos casos de disseminação de notícias fraudulentas que,
comprovadamente, causem danos às pessoas e seja fabricada para provocar
consequências danosas a grupos vulneráveis, por exemplo, deve ser acionado o
sistema de repressão existente na ordem jurídica pátria, respeitados os valores e
princípios constitucionais no seio de uma sociedade que pretenda ser plural e
democrática. Desse modo, a propagação de fake news pode prejudicar e viciar o
espaço público e democrático, especialmente no cenário de configuração de
discursos odiosos contra grupos minoritários.
82

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

No decorrer do presente trabalho, evidenciou-se que, no entorno de uma


sociedade pautada no respeito e consideração, liberdade de expressão, ainda que
consideremos o tratamento díspar conferido pelos Estados Unidos da América,
Alemanha e Brasil (antes mencionado), significa a possibilidade de dizer e defender
as ideias mais absurdas possíveis, mas ao mesmo tempo, responsabilizar-se pelo
proferimento público desses mesmos pensamentos e ideias.
Essa constatação, outrossim, não tem o condão de proibir os discursos
disseminados na tecitura social, a priori, sob pena de legitimar a catalogação de
conteúdo e permitir a censura prévia, prática inconcebível numa democracia de
índole constitucional. Dito de outra maneira, caminha-se no sentido de que, a
liberdade de expressão não pode ser utilizada como fundamento político-jurídico
constitucional quando, a posteriori, findar demonstrado a ocorrência de um discurso
eminentemente racista ou discriminatório.
O direito à liberdade de expressão, à luz da construção teórica de matriz
axiológica, assente nos ensinamentos de Robert Alexy, da mesma forma que as
demais liberdades, não possui caráter absoluto, isto é, ao contrário do que se
percebeu no solo estadunidense, aquele direito não recebeu uma modelagem
preferencial quando comparado com os demais direitos fundamentais previstos na
ordem jurídica. Por outro lado, na postura deontológica, defendida por Ronald
Dworkin, os princípios da igualdade e liberdade não comportam qualquer espécie de
relativização, sendo, portanto, inegociáveis.
A intenção do legislador constituinte originário brasileiro, nessa temática,
girou-se em torno da necessidade de combater as mais variadas formas de
discriminação, motivo pelo qual, o Estado Democrático de Direito emergiu com uma
perspectiva fundada na dignidade pessoal dos povos, enquanto fundamento
republicano e, por conseguinte, baseado na igualdade.
A diversidade e a pluralidade são consideradas, a bem dizer, condições sem
as quais não se promove o efetivo respeito à democracia e, por consequência, a
proibição do racismo no texto da Constituição Federal de 1988, decorre da estrita
83

observância da história jurídica e institucional do Brasil, num cenário mais


consentâneo com a integridade do Direito, mencionada no bojo do trabalho.
Buscou-se demonstrar, a partir do caso do senhor Siegfried Ellwanger,
acusado de racismo por ter publicado e editado livros de cunho antissemita, as
implicações do discurso de ódio nas redes sociais, .enquanto terreno fértil que tem,
cada vez mais, facilitado a propagação de manifestações odiosas, tendo em vista a
falsa percepção de que esse ambiente se encontra à margem da legalidade
constitucional.
Para tanto, foi levada em conta a literatura desenvolvida sobre o hate speech,
de maneira a concluir que este último é direcionado, como regra, ao agigantamento
dos estereótipos/estigmas negativos contra as minorias, a exemplo de negros,
mulheres, judeus, mulçumanos, comunidade LGBTI+, pessoas pertencentes às
religiões de matriz africana, e todos aqueles que se encontram alocados no grupo de
vulneráveis e que se veem diante de momentos em que seus direitos não são
levados em consideração.
À luz da Carta Cidadã de 1988, e levando em conta os pressupostos morais e
políticos que embasaram o trabalho da Constituinte de 1987-1988, o direito de
igualdade e o primado da dignidade pessoal foram desenhados com o fim de,
constatando-se a incidência do hate speech, limitar/restringir a liberdade de
expressão, como forma de preservar os ideários do regime democrático. Respeitado
a vedação da censura prévia, deve-se proibir que pessoas se valham do espaço
público ou privado com vistas a promover o aniquilamento dos parceiros integrantes
de um mesmo projeto comum de democracia associativa.
Essa discussão foi importante, por via de consequência, para iniciar o debate
sobre o fenômeno das fake News, esta última pode ser compreendida sob diversas
nuances, produzidas nas plataformas das mídias sociais com o intuito específico de
denegrir ou ofender membros das minorias tradicionalmente discriminadas, e, diante
do compartilhamento/replicação em massa de informações fraudulentas, identificou-
se um verdadeiro redirecionamento espacial do discurso do ódio.
A bem da verdade, esse fenômeno, cada vez mais presente na sociedade da
pós-modernidade líquida, se encaminha na direção tendente a ascender antigas
intolerância sociais e contribuir na perpetuidade dos estereótipos/estigmas negativos
já existentes, arquitetado e desenhado com esse objetivo. Dito de outra maneira,
84

evidenciou-se a possibilidade de classificação das fake news como veículo passível


de entoar discursos odiosos, racistas, no ambiente da sociedade virtualizada.
Conclui-se destarte, que se por um lado, numa democracia constitucional, o
Estado não detém (e nem poderia deter) o poder de censura sobre os discursos
propalados em rede, sob pena de enfraquecimento do regime democrático, da
igualdade e liberdade das pessoas, lado outro, o mesmo Estado (em sentido lato
sensu) não pode permanecer no estágio de inércia permanente. Deve-se, portanto,
promover medidas de natureza reflexa a esse respeito, por intermédio de regulação
razoável, além de envidar esforços no sentido de fomentar a educação digital, no
seio de uma sociedade que pretenda ser plural e pautada na diversidade.
85

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