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Da natureza das ações de nulidade de concessão de

marcas

Denis Borges Barbosa (2009)


As ações movidas contra a concessão de direitos de propriedade industrial
pelo Instituto Nacional da Propriedade Industrial têm, essencialmente 1, carga
constitutiva negativa. Visam declarar a nulidade do ato administrativo de
concessão de direitos exclusivos.
Não se está aqui, no regime de jurisdição excludente que resulta – por
exemplo – da escolha que faz o contribuinte pela ação anulatória do ato
declarativo da dívida tributária 2, que faz cessar qualquer instância
administrativa 3. A jurisdição é una 4, mas não excludente do procedimento
administrativo.

1Outras ações podem ser movidas com vistas a atacar outros atos administrativos, que não o de concessão;
por exemplo, o de indeferimento do pleito concessivo.
2 Art. 38 - A discussão judicial da Dívida Ativa da Fazenda Pública só é admissível em execução, na forma
desta Lei, salvo as hipóteses de mandado de segurança, ação de repetição do indébito ou ação anulatória do
ato declarativo da dívida, esta precedida do depósito preparatório do valor do débito, monetariamente
corrigido e acrescido dos juros e multa de mora e demais encargos. Parágrafo Único - A propositura, pelo
contribuinte, da ação prevista neste artigo importa em renúncia ao poder de recorrer na esfera administrativa
e desistência do recurso acaso interposto.
3 Superior Tribunal de Justiça, 1a. Turma. EDRESP 200600851969, Decisão: 19/04/2007. EMBARGOS
DE DECLARAÇÃO EM RECURSO ESPECIAL. CONTRADIÇÃO. EXISTÊNCIA. TRIBUTÁRIO.
PROCESSO ADMINISTRATIVO FISCAL. MANDADO DE SEGURANÇA. AÇÃO JUDICIAL.
RENÚNCIA DE RECORRER NA ESFERA ADMINISTRATIVA. IDENTIDADE DO OBJETO. ART.
38, PARÁGRAFO ÚNICO DA LEI Nº 6.830/80. 1. Incide o parágrafo único do art. 38, da Lei nº 6.830/80,
quando a demanda administrativa versar sobre objeto menor ou idêntico ao da ação judicial. 2. A exegese
dada ao dispositivo revela que: "O parágrafo em questão tem como pressuposto o princípio da jurisdição una,
ou seja, que o ato administrativo pode ser controlado pelo Judiciário e que apenas a decisão deste é que se
torna definitiva, com o trânsito em julgado, prevalecendo sobre eventual decisão administrativa que tenha
sido tomada ou pudesse vir a ser tomada. (...) Entretanto, tal pressupõe a identidade de objeto nas discussões
administrativa e judicial". (Leandro Paulsen e René Bergmann Ávila. Direito Processual Tributário. Porto
Alegre: Livraria do Advogado, 2003, p. 349). 3. In casu, os mandados de segurança preventivos, impetrados
com a finalidade de recolher o imposto a menor, e evitar que o fisco efetue o lançamento a maior, comporta
o objeto da ação anulatória do lançamento na via administrativa, guardando relação de excludência. 4.
Destarte, há nítido reflexo entre o objeto do mandamus - tutelar o direito da contribuinte de recolher o
tributo a menor (pedido imediato) e evitar que o fisco efetue o lançamento sem o devido desconto (pedido
mediato) - com aquele apresentado na esfera administrativa, qual seja, anular o lançamento efetuado a maior
(pedido imediato) e reconhecer o direito da contribuinte em recolher o tributo a menor (pedido mediato). 5.
Originárias de uma mesma relação jurídica de direito material, despicienda a defesa na via administrativa
quando seu objeto subjuga-se ao versado na via judicial, face a preponderância do mérito pronunciado na
instância jurisdicional. 6. Mutatis mutandis, mencionada exclusão não pode ser tomada com foros absolutos,
porquanto, a contrario sensu, torna-se possível demandas paralelas quando o objeto da instância
administrativa for mais amplo que a judicial. 7. Insta observar que o ingresso do contribuinte na via judicial
importa em renúncia da via administrativa, ou desistência do recurso interposto, e não em suspensão, nos
Mesmo no regime de jurisdição excludente, persistem procedimentos
administrativos quando, para citar a decisão judicial apenas mencionada em
nota, “mencionada exclusão não pode ser tomada com foros absolutos,
porquanto, a contrario sensu, torna-se possível demandas paralelas quando o
objeto da instância administrativa for mais amplo que a judicial”.
A carga constitutiva negativa presume, por imperativo lógico, que haja ato
administrativo a desconstituir. Se não há emissão de vontade administrativa,
não há, ainda, ilegalidade a reparar. Não se vê objeto para esse tipo especial de
lide, pois não há sequer pretensão resistida.
No entanto, a tutela jurídica não se esgota na correção de atos passados de
ilegalidade administrativa; mesmo na via estreita do mandado de segurança,
tutela-se a ameaça a direito:
CF88, Art. 5º, XXXV - a lei não excluirá da apreciação do Poder
Judiciário lesão ou ameaça a direito;
Outro princípio constitucional se impõe, neste contexto: o do mútuo respeito
aos Poderes da República. Ausentes os pressupostos da tutela da ameaça
veemente ao direito do administrado, não pode o Judiciário se substituir à
competência própria do Executivo, especialmente em área de especialização
técnica e atribuição legal precisa.
Com efeito, não cabe ao Judiciário prover o Executivo de “muletas”, quando
a este último Poder cabe a plena competência, na imagem suscitada em
acórdão recente da 2ª. Turma Especializada do 2º TRF:
Abre-se aqui um parêntese para o registro de que, sobre o tema, já há
muito firmei entendimento no sentido de que, o reconhecimento e,
via de conseqüência, a anotação do alto renome, é atribuição
exclusiva do Instituto Nacional de Propriedade Industrial – INPI,
não havendo interesse jurídico na obtenção de uma declaração
judicial nesse sentido. Justifica essa assertiva o tratamento dado pela
Lei 9.279-96 ao tema, cujo art. 125 reconhece que o alto renome é
situação jurídica de fato, e que varia com a passagem do tempo e
com a mudança das circunstâncias. A fama de uma marca depende
do conjunto de esforços de cunho qualitativo e quantitativo
empreendidos pelo titular. Inclui-se nisso os gastos de propaganda e
publicidade que a marca famosa exige. A marca é famosa por
virtude própria e não por muletas que o Poder Judiciário lhe venha a
atribuir. Não há fama atribuída a alguma marca somente porque o

exatos termos do parágrafo único, do art. 38, da Lei n.º 6.830/80, verbis: Parágrafo único. A propositura, pelo
contribuinte, da ação prevista neste artigo importa em renúncia ao poder de recorrer na esfera administrativa
e desistência do recurso acaso interposto. 8. Embargos de declaração acolhidos, sem efeitos modificativos.
4 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 11 ed., São Paulo; Atlas, 2002, p.616. "O direito
brasileiro adotou o sistema da jurisdição una, pelo qual o Poder Judiciário tem o monopólio da função
jurisdicional, ou seja, do poder de apreciar, com força de coisa julgada, a lesão ou ameaça a direitos
individuais e coletivos. Afastou, portanto, o sistema da dualidade da jurisdição em que paralelamente ao
Poder Judiciário, existem os órgãos do Contencioso Administrativo que exercem, como aquele, função
jurisdicional sobre lides de que a Administração Pública seja parte interessada."
juiz disse que existe. AI 200702010152091, voto do Des. André
Fontes, uninimidade, 30 de setembro de 2008.
Exatamente este respeito necessário às competências e mesmo a majestade do
outro Poder se expressa em outra recente manifestação da mesma Turma:
Com efeito, o Judiciário não pode substituir o INPI na análise do
pedido de um registro, uma vez que se trata de atribuição atinente
exclusivamente a essa Autarquia, cabendo-lhe tão-somente verificar
a existência de eventual ilegalidade no procedimento administrativo
de concessão, o que definitivamente não se coaduna com o caso
vertente, razão pela qual devem prosseguir os respectivos processos
administrativos, devendo o INPI, em caso de concessão, observar a
natureza evocativa e desgastada das expressões “DIET SHAKE”/
“DIETSHAKE”, nos termos já expostos. APELACAO CIVEL
2001.02.01.041555-5, voto Des. Abel Gomes, 23 de junho de
2009.
Conclusão
Não cabe ao Poder Judiciário, em pleito judicial de carga constitutiva negativa,
antecipar-se, prefigurando a decisão do Instituto Nacional da Propriedade
Industrial em procedimento administrativo de competência da autarquia, sem
que se configure ato administrativo já constituído; na tutela do direito
ameaçado, objeto de procedimento de caráter antecipatório, cabe ao Judiciário a
devida deferência ao outro Poder da República, permitindo-lhe o pleno
exercício de sua competência, e só o condicionando quando a ameaça a direito
seja clara e a lesão provável.
Quando tais pressupostos (ameaça clara e lesão provável) estejam atendidos, o
Judiciário não pode vedar o conteúdo da decisão administrativa, mas apenas
excluir de sua causa os fundamentos que determinar como sendo
incompatíveis com o Direito. Se a Administração preencher sua decisão com
fundamentos alternativos aos tidos por ilegais, ou exercer competência em
área não coberta pela dictum judicial, está livre para exercer a plenitude de sua
potestade.

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