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La de experiencia oblicua:
el pensamiento místico de Evelyn Underhill
Jaci Maraschin
Em preparação.
Palavras-chave: Em preparação.
ABSTRACT
In preparation.
Keywords: In preparation.
RESUMEN
En preparación.
Palabras clave: En preparación.
32
[Edição original página 47] [Edição original página 47/48]
Revista Caminhando, v.6, n. 1 [8], p.32-42, 2010 [2ª ed. on-line 2010; 1ª ed. 2001] 33
cana onde, na infância, havia sido losofia ensinando-nos que restam
batizada e, na adolescência, con- dois luminosos caminhos para o
firmada. pensamento contemporâneo: misti-
Os que conviveram com Evelyn Un- cismo e arte. Evelyn Underhill parece
derhill dão testemunho de alguém nos ter precedido nessa jornada
que teria vivido a fé cristã de ma- quando afirma: “O mais profundo
neira criativa e amorosa. Seus mui- desejo humano é contemplar o a-
tos livros e ensaios tornaram-na mor, isto é, Deus e, depois, expe-
conhecida na Europa da época. Foi rimentar a vida como resposta a
a primeira mulher a fazer conferên- esse amor.”5 No seu romance, The
cias na Universidade de Oxford, Grey World, afirma o seguinte:
tendo recebido da Universidade de
Parece tão mais fácil hoje em dia
Aberdeen um grau de doutorado viver mais moralmente do que viver
honoris causa. Estudou botânica, fi- de maneira bela. São inúmeros os
losofia, linguagem e história no que conseguem viver anos a fio sem
pecar contra a sociedade, mas pe-
King’s College de Londres. Amiga
cam contra a beleza em todas as
do grande poeta T. S. Eliot levou-o horas do dia. O crime é o mesmo.6
a escrever o seguinte comentário
sobre sua obra: Achava que a beleza era a única
coisa digna de ser cultivada7 por-
[Edição original página 48/49]
que , na verdade, era “o lado visual
Seus estudos têm a inspiração não
da bondade”8.
primeiramente do especialista ou [Edição original página 49/50]
dos campeões dos gênios esqueci-
dos, mas da consciência da grave
Minha apresentação do pensamento
necessidade do elemento contem-
plativo no mundo moderno.3 de Evelyn Underhill pretende exa-
minar os seguintes temas que me
Henri Bergson considerou “notá- parecem centrais para a recepção
vel” o seu trabalho.4 Escreveu e hoje de sua contribuição ao que a-
publicou 39 livros e 350 artigos. inda chamamos de vida cristã: 1)
Trabalhou como editora de revistas “vida espiritual ou vida no espírito”,
teológicas especializadas e dedicou 2) “misticismo e consciência espiri-
boa parte de sua vida à direção de tual”, 3) “caminhos do misticismo”,
retiros espirituais na Inglaterra. 4) “misticismo e adoração”, para
Casou-se com Hubert Stuart Moore terminar 5) com considerações so-
e não teve filhos. Nasceu em 6 de bre as relações de seu pensamento
dezembro de 1875 e morreu no com a nossa tarefa num curso de
domingo 15 de junho de 1941. Está Ciências da Religião nesta passa-
sepultada no cemitério da paróquia gem de milênio.
de São João em Hampstead.
Meu interesse em Evelyn Underhill
desenvolveu-se ao longo de muitos
anos e se fortaleceu depois de mi-
nhas leituras das obras de Heideg-
ger, principalmente de sua última
fase. Nelas ele constata o fim da fi-
5
Cf. Evelyn Underhill – Artist of the Infinite Li-
3
Citação de H. GARDINER in The Composition fe, Dana Greene, p. 6, New york, Crossroad,
of the Four Quartets, London, Faber & Faber, 1990.
6
1978, p. 67. P. 332, Londres, William HEINEMANN, 1902.
4 7
Cf. Two Sources of Morality and Religion, Idem, p. 93.
8
Garden City, N. York, 1935, p. 216. Idem, p. 332.
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superfície”16. É que no reino do es- deslumbrante escuridão”22. Referia-
pírito as coisas acontecem, diga- se, naturalmente, aos escritos e
mos, sem planejamento. “A luz experiências de São João da Cruz.
vem quando vem, de repente e de Insta seus leitores a jamais se reti-
modo estranho”, diz ela. “Nosso es- rarem da vida física. A vida espiri-
forço para vê-la não nos ajuda a tual é apenas complemento dessa
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vida. Não é outra vida. Evelyn Un-
derhill cita a mística inglesa, Julia-
ver. É como se apaixonar: coisa na de Norwich que ouvia Deus lhe
que não acontece quando busca- dizendo : “Veja! Eu estou em todas
mos que aconteça”17. Seu pensa- as coisas! Veja! Eu jamais retirarei
mento místico tende mais para a minha mão de minhas obras, ja-
biologia do que para a história. Foi mais”23.
para demonstrar essa idéia que ela O pensamento de Underhill aproxi-
escreveu o livro The Life of the Spi- ma-se da poesia à medida que se
rit and the Life of Today.18 Percebe- distancia das formulações dogmáti-
se aí o repúdio que sempre de- cas da teologia oficial da Igreja. Pa-
monstrou em sua vida pelo emo- recia-lhe que “o teólogo profissional
cionalismo fácil tão em voga em falsifica freqüentemente a história”.
boa parte da piedade popular de Achava que a teologia nos força
muitas igrejas. Muitos cristãos pre- muitas vezes a escolher entre a
ocupam-se em sentir em seus co- história e a poesia. “Mas ambas são
rações a presença de Deus como se necessárias se
a vida espiritual dependesse das [Edição original página 52/53]
emoções. Adverte outro interlocu-
tor, numa das cartas, “você tem quisermos alcançar os símbolos a-
muitos sentimentos mas quase ne- dequados da verdade. Mas é impe-
nhum amor”19. E noutra, “Não se rativo apreciá-las separadamente.”
preocupe se não sentir as coisas Quando o teólogo opta pela história
emocionalmente. O foco da religião em detrimento da poesia comete
é a vontade e não o sentimento, “um pecado imperdoável contra a
não é?20 “Chamava a atenção para luz”24.
o fato de que “Deus age sempre, Frei Beto, em inteligente artigo, pa-
tenhamos sensações espirituais ou rece situar-se no mesmo caminho
não”21 ao acentuar a importância de Underhill quando escreve:
da biologia referia-se à vida física.
Deus está na morada. Corações e
Numa de suas cartas afirmou sem mentes são atraídos pela experiên-
rodeios que “devemos ser suficien- cia do mistério da fé, esse dom que
temente fortes para usar nossos nos permite ‘ver ’o invisível, acredi-
tar naquilo que se espera e desfru-
sentidos sem lhes permitir que pre-
tar o transcendente como amor... A
judiquem nossas almas” uma vez sadia experiência da fé nada tem de
que devemos usufruir deles sem fuga do mundo ou do misticismo
jamais nos esquecer “da profunda e espiritualista que faz da religião me-
ro antídoto para angústias individu-
ais. Nela se articulam contemplação
16
Idem, p. 98.
17
Letters, p. 51.
18
The Life of the Spirit and the Life of Today, p.
22
1. Idem, p. 79.
19 23
Leters, p. 97. Revelations of Divine Love, capítulo 2, Lon-
20
Idem, p. 183. don, 1902.
21 24
Idem, p. 184. Letters, p. 145.
25
O Estado de São Paulo, Caderno A, p. 2, 26
de janeiro de 2000.
26
Letters, p. 245.
27 28
Mysticism, p. 23. New York, Image Books, Idem, p. 24.
29
1990, 519 p. Mysticism, p. 28.
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energia) como fator preponderante religião vem de Deus para
da vida. A psique
nós e não vai de nós
[Edição original página 54/55]
para Deus.32
sedenta quer mais amor. O intelec-
to faminto quer mais conhecimen- Segundo Evelyn Underhill há dois
to. Relembremos agora o diagrama modos para se tratar do desconhe-
de Dionísio Areopagita que divide cido: o caminho da magia e o do
os anjos entre os serafins e os que- misticismo. Eles são basicamente
rubins. Para ele os querubins esta- diferentes. O caminho da magia
vam cheios de olhos (voltados para busca possuir o objeto de sua bus-
o conhecimento), enquanto os se- ca; o do misticismo quer dar. Ape-
rafins eram cheios de asas para re- sar disso, ambos pretendem ofere-
presentar o impulso do amor na di- cer aos iniciados poderes extraor-
reção do absoluto.30 Pode-se dizer dinários e desconhecidos. Mas suas
que os querubins também desejam razões e fins não são as mesmas.
o que vêem, unindo-se aos serafins [Edição original página 55/56]
na odisséia do amor. No entanto, a
característica do amor é ação. Suas No misticismo a vontade une-se às
emoções no desejo apaixonado de
asas são ativas. É por isso que os transcender o mundo dos sentidos
místicos dizem que a busca do co- para que o eu se junte por amor ao
nhecimento só tem valor à medida objeto supremo e eterno do amor,
que nos leva ao amor. Se ficásse- cuja existência é intuitivamente
percebida pelo que costumamos
mos apenas no conhecimento ja- chamar de alma, e que é mais fácil
mais nos perderíamos na adoração. de se chamar de sentido “cósmico”
O puro conhecimento se satisfaz ou “transcendental”.
sem o relacionamento amoroso en-
Underhill prossegue dizendo que
tre o sujeito e o objeto. Tende a ser
se trata do temperamento “poético
interesseiro. A reciprocidade de
e religioso” agindo sobre o plano da
sentimentos só se dá nos inter-
realidade.33 O misticismo
câmbios do amor. Assim, “o sim-
ples conhecimento é questão de re- “na sua forma pura é a ciência das
últimas coisas, a ciência da união
cepção, não de ação; de olhos, não
com o Absoluto, e nada mais, e o
de asas”31. místico é a pessoa que alcança essa
Quando o conhecimento se une ao união e não a que fala a esse res-
amor a consciência humana está peito. A verdadeira marca do inicia-
do não consiste em saber a respei-
pronta para a experiência da co-
to, mas em ser”.34
munhão com o transcendente. Co-
nhecimento e amor se confundem O caminho do misticismo é longo e
na contemplação. construído por séries de graus. O
alvo dessa jornada é o que muitos
chamam de “escuridão”. O absoluto
3. Caminhos do misticismo é também denominado de abismo
da divindade ou de luz não criada,
muito embora a união com ele seja
Você precisa aprender que
consciente, pessoal e completa.
o primeiro movimento da Segundo São João da Cruz, o místi-
32
Letters, 242.
30 33
De Caelesti Ierarchia, VI. 2 e VII.1. Idem, p. 7.
31 34
Mysticism, p. 46. Idem, p. 72.
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Trata-se de experiência abrupta e enquanto ele (o sol) perma-
marcante. Esse momento vem a-
nece apenas visível obli-
companhado de sentimentos de a-
legria e exaltação. O segundo está- quamente.43
gio consiste na percepção da finitu-
de e da imperfeição do eu. Trata-se A adoração que se presta a Deus é
de momento de purgação e dor. O a resposta das criaturas ao criador.
postulante à vida mística descobre A vida do universo é ato de adora-
que precisa se esforçar. O terceiro ção. Trata-se de ato desinteressado
momento representa o desinteresse e puro. Conta-se que São João da
pelas coisas dos sentidos. É preciso Cruz perguntou certa vez a um de
olhar para fora e para cima onde seus penitentes: “Como é sua ora-
brilha o sol e onde as coisas se ilu- ção?” E teve como resposta: “Mi-
minam. É importante neste estágio nha oração consiste em considerar
o senso da presença divina muito a beleza de Deus e de me alegrar
embora ainda não signifique a uni- porque ele tem essa beleza”44. Na
ão final. O último estágio desse verdade, oração e adoração não
caminho é a união da alma com são a mesma coisa. Segundo E-
Deus. Santa Teresa advertia às ir- velyn Underhill:
mãs de seu convento da seguinte A adoração é essencialmente desin-
maneira: teressada – significa apenas Deus –
enquanto a oração só é desinteres-
Vocês podem pensar, minhas filhas, sada num certo sentido. A adoração
que a alma no estado de união de- oferece, a oração suplica.
veria estar de tal maneira absorvida
que chegasse a não se ocupar com Na adoração não buscamos Deus
coisa alguma. Mas vocês se enga- porque precisamos dele. Chegamo-
nam. A alma volta-se com facilidade
e mais ardor do que antes às coisas nos a ele para adorar seu esplendor
pertencentes ao serviço de Deus.41 em pura contemplação perante sua
glória. Estão aí as sementes da vi-
Evelyn Underhill reconhece que
da mística.45 Na adoração o ser
“todos os relatos sobre misticismo
humano reconhece sua dependên-
no Ocidente são de suprema ativi-
cia da livre ação de Deus imanente
dade humana”42.
e transcendente.
[Edição original página 58/59] Vamos examinar o lugar da con-
templação na adoração. É resultado
de recolhimento e silêncio. Quando
4. Misticismo e adoração entramos no estado de contempla-
ção desinteressamo-nos de tudo o
que nos pode afastar de Deus e nos
Enquanto fonte de toda luz, sentimos livres e em paz. O sujeito
o sol é mais difícil de ser abandona a multiplicidade e divisão
de sua consciência no ato do reco-
visto do que qualquer outra
lhimento. O adorador torna-se
coisa, mas se trata de mis- consciente de estar em relação i-
tério benéfico para deixar mediata com Deus. “O místico tem
que as coisas sejam vistas mais e mais a impressão de ser o
em sua verdadeira natureza,
43
After Writing, C. Pickstock, p. 11.
44
Worship, p. 5, New York, Harper & Br., 1957,
41
El castillo interior: moradas sétimas, cap. 1. 350p.
42 45
Mysticism, p. 173. Idem, p. 9.
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Igreja. As cartas paulinas estão mo e a arte. Muito embora saiba-
cheias de testemunho místico prin- mos que pensar o misticismo e
cipalmente porque Paulo não co- passar pela experiência mística se-
nheceu Jesus na carne. É verdade jam coisas diferentes, compete à
que o neoplatonismo exerceu forte academia pensar as experiências
influência nos séculos segundo e vitais do espírito, como a religião e
terceiro e se manifestou por meio a arte. Talvez, a partir da reflexão
de escritores como Clemente de A- venhamos a sentir o desejo de ir
lexandria e Orígenes. No século além do pensamento para o mer-
quarto com o desenvolvimento do gulho na experiência.
monasticismo e com a experiência
dos eremitas, principalmente no E-
gito, o misticismo cristão acentuou
a renúncia do mundo e a contem-
plação. Agostinho, entre os séculos
quarto e quinto, foi grande místico
natural. Dionísio Areopagita, nos
fins do século quinto, deixou impor-
tante legado que se tornaria conhe-
cido no Ocidente no século nono
quando João Escoto traduziu seus
escritos do grego para o latim. Ele
chamava Deus de “ser além do ser,
existência incriada”. Na Idade Mé-
dia, inúmeros místicos enriquece-
ram a literatura devocional como
Santa Hildegarda, Elizabeth de S-
chonau, Santa Gertrude Magna, Ri-
cardo de São Vítor, São Bernardo,
Francisco de Assis, Jacopone da
Todi, Meister Eckhart, Ruysbroeck,
Tauler, Catarina de Siena, Catarina
de Gênova, Santo Inácio de Loyola,
São Pedro de Alcântara, Santa Te-
resa d’Ávila e São João da Cruz.
Houve místicos importantes no pro-
testantismo como Jacó Boehme, e
George Fox, logo depois da Refor-
ma. Entre os místicos modernos
Evelyn
[Edição original página 61/62]