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Princípio de Eficiência:
parâmetro para uma nova gestão
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suficientemente debatidas. Não refletimos de ções fáticas, principalmente nos casos em que
forma adequada, por exemplo, sobre as exigên- se faz necessário temperar a aplicação do Prin-
cias práticas e consequências legais que o Prin- cípio da Legalidade em prol do atendimento
cípio de Eficiência trouxe para a gestão pública. pragmático de alguma necessidade real. Pou-
Ao analisarmos o arcabouço legal que regula co se recorre ao Princípio de Eficiência com a
a atividade estatal – estrutura, funcionamento finalidade de utilizá-lo na perspectiva de uma
e limites – veremos que é possível identificar, diretriz de atuação intrinsecamente orientada
com relativa facilidade, normas infraconstitu- para a finalidade que seu conteúdo expressa: a
cionais axiologicamente vinculadas aos princí- ação administrativa eficiente do Estado.
pios tradicionais do artigo 37 da Constituição4 Não é sem motivo que doutrinador do por-
(legalidade, impessoalidade e publicidade). te de Celso Antônio Bandeira de Melo 5, ao
Exemplos sobram: a legalidade é da própria referir-se ao Princípio da Eficiência, assim
essência da atuação estatal, prescindindo de se pronunciou:
demonstração; a impessoalidade e a publici-
dade revelam-se, por exemplo, na exigência de Quanto ao princípio da eficiência, não
licitação nas compras públicas e de concurso há nada a dizer sobre ele. Trata-se, eviden-
público para acesso aos cargos. temente, de algo mais do que desejável.
Mas onde se corporifica o Princípio de Efici- Contudo, é juridicamente tão fluido e de
ência? Onde encontramos disposições capazes tão difícil controle ao lume do Direito, que
de concretizar esta diretriz constitucional? mais parece um simples adorno agregado
O fato é que o Princípio da Eficiência tem ao art. 37 ou o extravasamento de uma as-
sido utilizado, quase que unicamente, como piração dos que burilam no texto. De toda
recurso hermenêutico para a análise de situa- sorte, o fato é que tal princípio não pode
ser concebido (entre nós nunca é demais
fazer ressalvas obvias) senão na intimida-
de do princípio da legalidade, pois jamais
uma suposta busca de eficiência justificaria
postergação daquele que é o dever adminis-
trativo por excelência. Finalmente, anote-
-se que este princípio da eficiência é uma
faceta de um princípio mais amplo já supe-
riormente tratado, de há muito, no Direito
italiano: o princípio da boa administração.
Se, por um lado, não há controvérsia em ad- nalidade quer significar que o Estado não deve
mitirmos que o mau uso dos recursos públicos, agir com demasia, tampouco de modo insufi-
por quem quer que seja, pode e deve implicar a ciente na consecução dos seus objetivos”.
devida responsabilização, por desatendimento Este comedimento, prescrito pelo Princípio
a princípios tais como a economicidade, legali- da Proporcionalidade e que possui estreita cor-
dade e probidade, parece que ainda não conse- relação axiológica com a diretriz da eficiência,
guimos – nós, os agentes públicos – vislumbrar impõe, segundo teoria constitucionalista ale-
a mesma necessidade de enfrentar, no mínimo mã, que determinada medida ou ação estatal
pela via da exigência gerencial, as práticas ad- seja testada, basicamente, segundo dois parâ-
ministrativas ineficientes que frustram os mais metros fundamentais, que podem ser conside-
fundamentais objetivos estatais. rados como subprincípios, quais sejam: o da
A insistência de determinados setores da necessidade (Erforderlichkeit) e o da adequa-
Administração Pública em empreender estra- ção (Geeignetheit).
tégias de atuação de efetividade duvidosa ou O subprincípio da necessidade, moldado à
já comprovadamente - pela lógica e pela expe- administração pública, impõe ao administra-
riência - ineficientes e ineficazes, fere as mais dor que adote as medidas tendentes a produzir
comezinhas noções de respeito à coisa pública, o resultado necessário por meio do uso racio-
arrastando recursos, esforços e tempo em dire- nal dos recursos, ou seja, impondo o menor
ção a um sumidouro implacável e incondizente ônus possível à sociedade. No dizer da Canoti-
com o esforço de financiamento que a socieda- lho8, “exigir-se-ia sempre a prova de que, para
de empreende em prol do Estado. a obtenção de determinados fins, não era pos-
sível adotar outro meio menos oneroso para o
2. A eficiência aferida pela cidadão”, ou para o erário, complementamos.
proporcionalidade. Não está em sintonia com o critério da neces-
sidade o administrador que, podendo alcan-
O Princípio de Eficiência não é, ao contrá- çar um determinado resultado, lançando mão
rio do que se diz, um conceito etéreo, de difícil de, por exemplo, 100 unidades de insumos,
aplicação, pois há parâmetros disponíveis para resolve aplicar 1000 unidades para chegar ao
que façamos, no mínimo, uma análise lógica, mesmo objetivo.
uma checagem prática e um exame crítico dos Parece claro, portanto, que a aplicação do
fatos, com o fim de verificar se determinada subprincípio da necessidade age em prol do
atuação, projeto ou estratégia administrativa alcance da eficiência, pois se é possível atin-
é ou não eficiente. gir determinado resultado, requerido da ação
Neste mister, auxilia-nos bastante, por estatal por meio da alocação de recursos de
exemplo, a aplicação do Princípio da Propor- forma mais racional (menos gravosa a quem
cionalidade na análise de determinada estra- paga). Assim, não há sentido em se aplicar
tégia de ação estatal, pois embora o referido insumos excessivos e, de modo mais oneroso,
princípio seja mais comumente aplicado como realizar o mesmo, ou, o que é pior, realizar
critério de ponderação nos conflitos entre di- menos. O cidadão almeja da ação estatal fun-
reitos fundamentais, a lógica interna também damentalmente duas coisas: o bem ou serviço
pode ser utilizada na análise de alternativas de adequadamente prestado, e a melhor aplica-
atuação administrativa. O professor J Juarez ção dos meios públicos para o atingimento
Freitas6 leciona que “o princípio da proporcio- desse objetivo.
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não suficientemente seguros, contraria o Prin- consequências normativas diretas, muito em-
cípio da Eficiência, traz prejuízos à sociedade, bora a melhor doutrina já tenha pacificado a
à integridade das instituições e desacredita o noção de que os princípios – todos eles – são,
Estado como ente capaz de responder aos de- de per si, normas e, portanto, passíveis de apli-
safios que lhe são próprios. Isso sem olvidar cação imediata.
o fato de que no âmbito União Europeia, por A lição de Norberto Bobbio11 é esclarecedora
exemplo, a noção de que o cidadão possui um neste sentido, senão vejamos:
direito fundamental a uma boa administração
pública já é algo bem presente, com potencia- O nome de princípios induz em enga-
lidade, inclusive de gerar direito à indenização. no, tanto que é velha questão entre juris-
É a responsabilidade extracontratual a que se tas se os princípios são ou não são normas.
submete o Estado quando atua de forma des- Para mim não há dúvidas: os princípios
proporcional e ineficiente. gerais são normas como todas as demais.
Cabe, entretanto, salientar que a sobrieda-
de e prudência requeridas do administrador Precisamos, todavia, também considerar a
público não podem eliminar o surgimento de possibilidade de que a menor atenção dispensa-
iniciativas inovadoras. Ao contrário, a inova- da à aplicação de alguns princípios (entre eles,
ção deve ser estimulada e recompensada, eis eficiência e moralidade) derive não somente
que todo o processo precisa de evolução. O que de sua maior abstratividade, mas também, em
deve haver, contudo, é cautela na sua implan- alguma medida, de aspectos culturais que ten-
tação, principalmente por meio da adoção de dem a tolerar, como contingência inevitável,
ensaios controlados, com uso de insumos limi- um grau excessivo de ineficiência.
tados, para, somente então, partir-se para uma
aplicação generalizada. 4. O Princípio da Eficiência visto
pelos Órgãos de Controle.
3. A questão da normatividade.
O Princípio de Eficiência é pouco utilizado
Outra questão que merece debate é a que como diretriz de análise, tanto no que se refere ao
diz respeito à capacidade que os princípios pos- controle prévio de legalidade efetuado pelas as-
suem de gerar regramentos. sessorias jurídicas, quanto ao controle auditorial
Ainda que a doutrina preconize uma igual- posterior (e o almejadamente preventivo), reali-
dade jurídica entre os princípios constitucio- zado pelos órgãos de controle interno e externo.
nais, negando escalonamento hierárquico entre Não é raro nos depararmos com análises dos
eles, a situação real que encontramos é diferen- órgãos de controle que, calcadas em interpre-
te, pois as condutas que ofendem a princípios tações exacerbadamente literais das normas,
como os da legalidade e impessoalidade, são acabam por gerar paradigmas que levam exa-
mais combatidas do que as que atentam con- tamente ao resultado contra o qual deveriam
tra, por exemplo, o Princípio da Eficiência. Há, atuar: a ineficiência.
portanto, princípios mais e menos protegidos. Obviamente que há de se compreender as
Tal distinção de intensidade protetiva talvez dificuldades, principalmente nossa, integrantes
se explique, em parte, pela maior capacidade dos órgãos de controle auditorial, em utilizar-
que alguns princípios possuem, de gerar regra- mos o Princípio da Eficiência como instrumen-
mentos infraconstitucionais determinantes de to de sopesamento entre valores e opções de
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gestão. Esta dificuldade possui várias origens, como forma de gerir, mais repugnante é quan-
que vão desde a sensação de mais segurança do a ineficiência nasce da atuação de quem,
que a aplicação literal da regra proporciona, em nome da sociedade, deveria a ela opor-se.
até a falta de arcabouço teórico específico para
uma análise sistemática das normas e um exa- 4. Conclusão
me mais profundo dos casos avaliados.
Não se trata, é bom que se diga, de propug- De todo o exposto, concluímos que a efici-
nar pelo negligenciamento das normas objeti- ência é elemento que repercute no mundo dos
vas como principal fonte norteadora da ação fatos, que beneficia o cidadão e que é desejável
dos agentes públicos. Ao contrário disso, o que tanto no setor privado quanto na gestão pública.
precisamos buscar é o enriquecimento da aná- Nesta última área, contudo, por ter adquirido
lise realizada sobre a aplicação dessas normas, status constitucional, na categoria de princí-
orientando nossa atuação ao atingimento do pio, a ideia de eficiência dever-se-ia tornar mais
valor mais destacado na Administração Públi- presente, pois as consequências sociais e eco-
ca, que é o interesse público. nômicas de seu descumprimento são bastante
Não são raros, por exemplo, os casos de con- severas. Verificamos, contudo, que não obstante
tratações sabidamente ineficientes e onerosas, os avanços obtidos, ainda há muito o que ser fei-
geradas pela aplicação descontextualizada – pe- to para a incorporação da eficiência como valor
trificada – das regras de licitação. Contudo, tais da cultura administrativa estatal em nosso país.
contratações, se analisadas pelo critério estrito A alteração deste estado de coisas cabe, de
do rito legal, estariam isentas de quaisquer res- modo especial, aos responsáveis pela condução
trições. Isso demonstra, de forma dramática, a das mais diversas prestações estatais, princi-
necessidade, premente nos órgãos de contro- palmente no que se refere à organização dos
le, de se investir em um instrumental teórico serviços e à concepção de estratégias focadas
de trabalho mais apropriado às demandas da em resultados úteis. Mas também é responsabi-
sociedade, pois se repugna ao cidadão que o lidade de cada agente público proceder a uma
administrador público opte pela ineficiência revisão na sua forma de atuação, no sentido
O princípio da eficiência (...) pode ser Por fim, não é demais lembrar que a inefi-
considerado em relação ao modo de atu- ciência, em alguns casos, pode ser tão nefasta
ação do agente público, do qual se espera quanto à improbidade, pois, como assevera
o melhor desempenho possível de suas Posner13, “en un mundo de recursos escasos,
atribuições, para lograr os melhores resul- el desperdício debe considerar-se inmoral”.
Referências
1
CHIAVENATO, Idalberto. Introdução à teoria geral da administração: uma visão abrangente da moderna administração
das organizações. 7. ed. Rio de Janeiro: Campus, 2004. p. 155.
2
VASCONCELLOS, Marco Antônio Sandoval de. Economia: micro e macro. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2002. p. 119.
3
HALL, Robert E.; LIEBERMAN, Marc. Microeconomia: princípios e aplicações. São Paulo: Pioneira Thomson Learning,
2003. p. 191-192.
4
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988.
Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituiçao.htm>. Acesso em: 18 nov. 2010.
5
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 12. ed. São Paulo: Malheiros, 1999. p. 92.
6
FREITAS, Juarez. O controle dos atos administrativos e os princípios fundamentais. São Paulo: Malheiros, 1997. p. 56.
7
CANOTILHO, J.J. GOMES. Direito constitucional. 6. ed. Coimbra: Almedina, 1993. p. 617-618.
8
______. Direito constitucional e teoria da constituição, 3. ed. Coimbra: Almedina, 1999. p. 264.
9
SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 23 ed. São Paulo: Malheiros, 2004. p. 652.
10
ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 4. ed. São Paulo: Malheiros,
2005. p. 97.
11
BOBBIO, Norberto. Teoría general del derecho. Bogotá: Editorial Temis, 1999. p. 239.
12
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 18 ed. São Paulo: Atlas, 2005. p. 84.
13
POSNER, Richard A. El análisis económico del derecho. México, DF: Fondo de Cultura Económica, 1997. p.32.
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