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Pessoas falecidas com bens a serem arrolados em inventários.
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Sobre essa possibilidade ver: GUTIÉRREZ, Horácio. Demografia escrava numa economia
não-exportadora: Paraná 1800-1830. Revista de Estudos Econômicos. São Paulo: 17 (2), 1987.
1837 a 1886, informações a respeito da oficialização do matrimônio. Assim como, a
partir do cruzamento desses dados com outras fontes, - inventários post-mortem e
assentos de batismo -, identificar a existência dessas famílias.
As alianças matrimoniais podem ser utilizadas pelos diferentes grupos sociais,
como estratégia de ampliação das redes de relações, bem como um arranjo de
sobrevivência. Para Daniel Barroso (2012, p.66), “casar-se poderia ser,
concomitantemente, um mecanismo de inserção social e uma estratégia de
sobrevivência, sem que ambas estas facetas fossem, todavia, antagônicas entre si”.
De acordo com o Censo de 1872, do total de 526 escravos em São Raimundo
Nonato, 228 eram homens e 298 mulheres. Nota-se que 57% dos escravos da região
eram do sexo feminino. O censo também apresenta 12 escravos como casados naquele
período, sendo 04 homens e 08 mulheres. É importante destacar que, apenas as uniões
oficializadas eram reconhecidas.
Os dados da tabela abaixo demonstram uma variação em relação ao matrimônio
de livres e escravos entre os períodos de 1837 e 1886 em São Raimundo Nonato. Dos
1.732 registros de matrimônio, 96,3% envolvem pessoas livres e 3,7% de escravos. É
preciso considerar que devido as barreiras que limitavam o matrimônio, como os custos
e a apresentação de licenças de impedimento, os escravos tinham menos acesso a
oficialização da união do que a população livre. Além disso, a desproporcionalidade
entre número de homens e de mulheres e os plantéis com pequena posse escrava (média
entre dois e três escravos por propriedade) pode ter sido também um fator que limitava
o estabelecimento desses laços.
TABELA 01
PARTICIPAÇÃO DE LIVRES E ESCRAVOS NOS CASAMENTOS NA FREGUESIA DE
SÃO RAIMUNDO NONATO (1837-1886)
Casamentos Casamentos Total
Período Escravos % Livres % no Período %
1837 - 1847 16 (0,9) 213 (12,3) 229 (13,2)
1848 - 1858 15 (0,9) 359 (20,7) 374 (21,6)
1859 – 1869 10 (0,6) 430 (24,8) 440 (25,4)
1870 – 1886 23 (1,3) 666 (38,5) 689 (39,8)
TOTAL 64 (3,7) 1668 (96,3) 1732
Fonte: Livros de registros paroquiais de casamento da Freguesia de São Raimundo Nonato-PI
Quanto a sazonalidade das uniões matrimoniais de escravos, para o período
estudado, estas ocorreram com maior incidência entre os meses de janeiro e julho. A
predominância dos dois meses, podem estar relacionadas às questões religiosas e de
produção agrícola, respectivamente.
O mês de janeiro surge como o preferencial quando se trata das uniões
matrimoniais de escravos, possivelmente por se tratar do mês posterior ao período de
restrição para celebração de matrimônios, ou seja, do primeiro Domingo do Advento até
o dia da Epifania, seis de janeiro. Julho, por sua vez, marca o período posterior a
colheita dos gêneros agrícolas, provavelmente seria um mês propício para o casamento.
Essa questão da sazonalidade das uniões matrimoniais ainda necessita de maiores
estudos, porém, é possível perceber que tanto para livres, como para escravos, o
calendário litúrgico e o período de produção e colheita dos gêneros agrícolas podiam de
alguma maneira influenciar na escolha dos nubentes sobre o período em que deveriam
contrair o matrimônio.
A documentação sugere que as dificuldades em sacramentar as uniões também
podem estar relacionadas à posse escrava nos pequenos plantéis, isto é, com um número
reduzido de escravos nas propriedades, as condições para a constituição de famílias e de
garantia da estabilidade, eram menores. Stuart Schwartz (1998) e Robert Slenes (1999),
explicam que o casamento entre escravos era mais comum nos grandes plantéis e que,
os cativos das pequenas propriedades também teriam menor possibilidade em
estabelecer laços através do casamento, em razão da dificuldade em casar com escravos
de outras propriedades. “Conforme vai aumentando os tamanhos dos plantéis se nota
uma diminuição dessa participação e consequente aumento dos pais casados e viúvos e
dos filhos, ou seja, as famílias estão mais representadas em plantéis maiores” (SILVA,
2003, p. 58).
Para Florentino e Goés (1997, p.177), o casamento foi uma maneira utilizada
pelos cativos para evitar a separação destes, bem como de seus filhos. Sheila Faria
(1998, p. 304), também considera que: “casar-se significava buscar uma estabilidade
familiar e um respeito social, [...] estratégico, no caso de escravos, forros e mestiços”. A
tabela abaixo apresenta os arranjos matrimoniais mistos, isto é, envolvendo nubentes de
diferentes condições jurídicas.
TABELA 02
ARRANJOS MATRIMONIAIS ENTRE ESCRAVOS, LIVRES E LIBERTOS NA
FREGUESIA DE SÃO RAIMUNDO NONATO (1837-1886)
Escravo Liberto Livre Liberto
Casais + + + +
Escravo Escravo Escravo Liberta Total
Número de casamentos 45 11 2 6 64
3
De acordo com Antonia Mota, as famílias nucleares são entendidas como as que são formadas pelo casal
e um ou mais filhos. Aquelas formadas apenas pelo casal, são as famílias solitárias. As famílias
matrifocais, apresentam apenas a mãe e seus filhos (MOTA, 2012).
Ao analisarmos a tabela que segue (tabela 3), notamos que a ilegitimidade entre
os nascimentos de filhos de escravas em São Raimundo Nonato era expressiva. Pouco
mais de 90% dos rebentos foram considerados filhos ilegítimos. Mas até que ponto o
alto índice de filhos naturais pode revelar a realidade das uniões entre escravos?
Miridan Falci (1995, p. 77), ao analisar as taxas de natalidade para o século XIX, no
Piauí, identificou que, praticamente, 100% dos escravos eram ilegítimos, concluindo
que essa alta taxa não se fazia por “casamento legítimo”, porém a autora não descarta a
possibilidade de permanência das uniões consensuais envolvendo escravos.
TABELA 3
FILIAÇÃO LEGÍTIMA OU NATURAL DOS BATIZADOS. PARÓQUIA DE SÃO
RAIMUNDO NONATO, 1871-1888
FILIAÇÃO NÚMEROS PORCENTAGEM (%)
ABSOLUTOS
Legítima 23 6,6
Natural 326 93,4
Total 349 100
Fonte: Livro de registro de batismo de filhos de escravos de São Raimundo Nonato – PI (1871-1888).
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Cúria Diocesana de São Raimundo Nonato-PI. Livro de Registro de Batismo, nº 14.
5
Cúria Diocesana de São Raimundo Nonato-PI. Livro de Registro de Batismo, nº 14
Considerações Finais
Apesar das limitações das fontes, que dificultam acompanhar a trajetória dos
padrinhos, em alguns casos, o estado civil e a profissão são mencionados nos registros.
Essas informações podem ajudar a compreender que tipo de expectativas essas mães
cativas possuíam em relação à escolha de compadres e comadres. É possível que um dos
significados dessas estratégias para estabelecer relações de parentesco esteja relacionada
à posição social que os padrinhos ocupavam naquele momento, pois, além de serem
livres, estes possuíam alguma profissão ou mesmo eram proprietários de terras.
A preferência por compadres de condição sociojurídica diferente, pode ter sido
também uma medida de proteção. Mesmo que as crianças fossem livres em
consequência da Lei de 1871, havia os riscos de serem separadas de suas mães que
ainda eram escravizadas pelos seus senhores. Nesse caso, os padrinhos, que pelas
normas da igreja seriam os “pais espirituais” da criança, poderiam atuar nessa rede de
proteção e solidariedade, caso fosse necessário.
O compadrio foi um importante mecanismo na formação das redes de relações
sociais e familiares no sertão do Piauí na segunda metade do século XIX. Servindo
como um elemento de inserção desses sujeitos em outros grupos sociais e também
permitindo experiências com outros escravos para além do plantel a que pertenciam.
REFERÊNCIAS
GOÉS, José Roberto Pinto de. FLORENTINO, Manolo. A paz das senzalas: famílias
escravas e tráfico atlântico, Rio de Janeiro, 1790 – 1850. Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 1997, p. 90.
MOTA, Antonia da Silva. As famílias principais: redes de poder no Maranhão colonial.
São Luís: EDUFMA, 2012.