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2º Trim - Apostila 2 - Vigotsky
2º Trim - Apostila 2 - Vigotsky
Psicologia da Educação
Concepção Sócio-Histórica
de Vygotsky e suas
Implicações Educacionais
OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
■■ Estabelecer as relações entre os conceitos e as implicações pedagógicas na
abordagem vygotskyana.
aprendizagem do aluno.
Vygotsky.
ROTEIRO DE ESTUDOS
■■ SEÇÃO 1 - A formação social da mente: conceitos vygotskyanos
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SEÇÃO 1
A formação social da mente: conceitos
vygotskyanos
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Segundo OLIVEIRA (1993, p.23), há três pilares básicos que são centrais no pensamento de
Vygotsky:
• As funções psicológicas têm um suporte biológico, pois são produtos da atividade cerebral.
• O funcionamento psicológico fundamenta-se nas relações sociais entre o indivíduo e o mundo exterior,
as quais se desenvolvem num processo histórico.
• A relação homem/mundo é uma relação mediada por sistemas simbólicos.
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O processo pelo qual Vygotsky explica a apropriação ativa da cultura
é o processo de internalização. Para Vygotsky,
os fatores
orgânicos têm
preponderância
apenas no
início da vida
da criança;
ao longo do
Veja como ele explica o processo de internalização: desenvolvimento,
O processo de internalização envolve transformações. Vygotsky (1989) citou as seguintes: são as interações
- uma operação que inicialmente representa uma atividade externa é reconstruída e começa a ocorrer socioculturais que
interferem mais.
internamente;
- um processo interpessoal (entre pessoas/ interpsicológico/ social) é transformado num processo
intrapessoal (no interior da pessoa/ intrapsicológico/ individual);
- tais transformações são produzidas mediante uma série de eventos ao longo do desenvolvimento e,
mesmo sendo transformado, o processo continua a existir e a mudar por um longo período, antes de se
dar a interiorização definitiva.
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Veja o que dizem Davis e Oliveira (1990, p.50) sobre o papel da interação no desenvolvimento cognitivo
do sujeito:
... gradativamente, as interações sociais com adultos ou com
companheiros mais experientes governam o desenvolvimento
e o próprio comportamento da criança.
A forma como a fala é utilizada na interação social com
adultos e colegas mais velhos desempenha, portanto, um
papel importante na formação e organização do pensamento
complexo e abstrato, em nível individual. Há uma interiorização
progressiva das direções verbais fornecidas à criança pelos
membros mais experientes disponíveis no ambiente social. À
medida que as crianças crescem, elas internalizam a ajuda
externa que vai-se tornando desnecessária. O pensamento
infantil, amplamente guiado pela fala e pelo comportamento dos
mais experientes, gradativamente adquire a capacidade de se
auto-regular. Por exemplo, quando a mãe mostra a uma criança
de dois anos um objeto e diz “a faca corta e dói”, o fato de ela
apontar para o objeto e de assim descrevê-lo provavelmente
provocará uma modificação na percepção e no conhecimento
da criança. O gesto e a fala maternos servem como sinais
externos que interferem no modo pelo qual o menino ou a
menina age sobre o seu ambiente.
SEÇÃO 2
A linguagem e seu papel na aprendizagem e
desenvolvimento
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1993). Foi para ampliar suas possibilidades de interferir na natureza que
o homem criou os instrumentos ou ferramentas de trabalho.
A partir dessa perspectiva, Vygotsky distinguiu funções diferentes para os instrumentos e os signos.
Vejamos suas palavras (1989, p.62) a esse respeito:
A função do instrumento é servir como um condutor da
influência humana sobre o objeto da atividade; ele é orientado
externamente; deve necessariamente levar a mudanças
nos objetos; constitui um meio pelo qual a atividade humana
externa é dirigida para o controle e domínio da natureza;
o signo, por outro lado, não modifica em nada o objeto da
operação psicológica; constitui um meio da atividade interna
dirigido para o controle do próprio indivíduo; o signo é orientado
internamente.
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gestos, desenhos que nos lembram algo. Por exemplo: anotar aniversários
ou compromissos em agendas, fazer lista de compras, executar uma
melodia seguindo uma partitura, virar o relógio para lembrar de fazer
uma atividade, desenhar o projeto de uma casa, etc.
Originalmente, os signos surgiram como marcas exteriores
utilizadas pelos homens para controlar a memória e a atenção, funcionando
como representações da realidade referidas a pessoas, coisas e situações
ausentes no espaço e no tempo. Muito antes da existência dos sistemas
de numeração, por exemplo, os homens primitivos já representavam
quantidades através de pequenos riscos no chão ou nas paredes de grutas,
ou nós em cordas, de modo que podiam recuperar, sem se perder, quantos
animais ou quantos feixes de trigo possuíam para trocar com outros
homens. Essas marcas exteriores exerciam a função de representação das
coisas existentes na realidade, de modo a auxiliar a memória, sempre que
necessário.
O processo de
mediação através de Ao longo da evolução histórica do homem, como também ao longo
signos possibilitou ao
homem controlar e do desenvolvimento ontogenético de cada um de nós, ocorrem, então,
dominar o seu próprio duas mudanças qualitativas quanto ao uso de signos: 1º) através da
comportamento,
tornando a atividade internalização, as marcas externas vão se transformando em signos
psicológica muito internos, isto é, em representações mentais da realidade exterior;
mais sofisticada, pois
os sinais exteriores 2º) desenvolvem-se sistemas simbólicos (organização dos signos em
forneceram um suporte estruturas complexas e articuladas) (OLIVEIRA, 1993).
concreto para sua
relação com o mundo. Entre os sistemas simbólicos, a linguagem figura como forma básica
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de os grupos humanos se comunicarem e aprimorarem as interações
sociais. A mediação da linguagem possibilita, aos novos indivíduos de
um dado grupo social, a apropriação, desde cedo, das formas de perceber
e organizar o mundo, como um filtro interposto entre o homem e a
realidade. Tal fato significa que a linguagem não tem apenas a função
de comunicar nossos pensamentos, sentimentos e desejos. Ela também
carrega uma outra função que é a de servir para o domínio de si como
reguladora da própria conduta.
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zona de desenvolvimento proximal vão se consolidar, transformando-se
em funções reais que, de ora em diante, já não mais exigem a ajuda de
outras pessoas para a resolução de problemas.
Vemos, portanto, que a zona proximal é um domínio psicológico A mediação que
propicia um bom
dinâmico, em constante transformação, em face da mediação de pessoas aprendizado
propicia também
mais experientes. Esta maneira de conceber o desenvolvimento remete, a ampliação do
desenvolvimento
pois, à importância significativa dos mediadores no desenvolvimento real do sujeito,
individual. Como diz Oliveira (1993, p.60): “É como se um processo do domínio das
funções mentais,
de desenvolvimento progredisse mais lentamente que o processo de ao mesmo
tempo em que
aprendizado; o aprendizado desperta processos de desenvolvimento que, lhe abre novas
possibilidades ou
aos poucos, vão tornar-se parte das funções psicológicas consolidadas do novas zonas de
desenvolvimento
indivíduo.” proximal.
A concepção vygotskyana coloca, portanto, o aprendizado “na
frente” do processo de desenvolvimento, exercendo o papel de puxá-lo, de
fazê-lo acontecer. Ora, a implicação pedagógica dessa concepção, como
vemos, é imediata, pois remete à importância que a escolarização tem
na vida dos indivíduos, supondo que os professores, como mediadores,
devem propiciar os suportes concretos e a interferência adequada para
que os alunos transformem as funções mentais que hoje estão na zona
proximal em funções consolidadas, adquirindo, assim, autonomia.
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só.
De acordo com Fontana e Cruz (1998, p.64), a zona de
“desenvolvimento proximal como desenvolvimento em elaboração
possibilita a participação do adulto no processo de aprendizagem da
criança. Para consolidar e dominar autonomamente as atividades e
operações culturais, a criança necessita da mediação do outro”. Essas
autoras consideram que o simples contato que o aluno tem com o
objeto de conhecimento não garante a aprendizagem, nem promove o
desenvolvimento. Há necessidade da intervenção do professor, de forma
questionadora, desafiadora, intencional e planejada. É desse modo que
o aluno pode organizar, ressignificar tudo aquilo que está aprendendo
e desenvolvendo. Em suma, a participação do professor no processo de
ensino e aprendizagem é fundamental, numa conduta de parceria, dando
assistência, orientando e instruindo o aluno de maneira sistemática e
constante.
De tudo o que vimos, cabe destacar que a escola, os professores,
os membros mais experientes da cultura, assim como todo tipo de
ambiente de aprendizagem, têm um papel fundamental na promoção do
desenvolvimento psicológico dos indivíduos.
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SEÇÃO 3
A formação de conceitos
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(A criança na fase inicial da escrita. Ana L. B. Smolka. São Paulo: Cortez; Campinas: Ed. da Unicamp,
1988.)
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No referencial vygotskyano diz-se que a mediação é SEMIÓTICA –
ou seja, embora se dê pela participação de um outro na relação, ela acontece
através da palavra – a qual é carregada de significados culturalmente
constituídos. É através das mediações que as pessoas mais experientes
do ambiente da criança lhe ensinam os nomes dos objetos, a utilidade
das coisas, os significados de certos comportamentos.
Vamos analisar alguns exemplos de situações que aparecem
numa pesquisa de Mestrado feita por Mônica Salles Gentil, da FE/
UNICAMP, Campinas, 1997. Neles podemos perceber como as palavras
vão funcionando numa rede de significações, na qual as noções vão se
constituindo a partir de indicadores dados no processo de mediação e na
própria vivência das palavras.
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(em cima: marco espacial / serve para localização; hora: marco temporal / não
existe fisicamente)
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aglutinam em sua mente. Então, designa-se um objeto, dando a ele um
nome, muitas vezes pelo acaso, outras vezes porque existe proximidade
espacial (um objeto está perto de outro) e outras vezes mesmo porque
está apenas experimentando, num processo de ensaio e erro.
2º) A fase do pensamento por complexos – Aqui já é uma fase mais
adiantada. No complexo, os objetos associam-se na mente do sujeito não
apenas por causa de suas impressões subjetivas, mas devido às relações
que de fato existem entre esses objetos. Vygotsky diz que o pensamento
por complexos é como se o sujeito agrupasse os objetos em famílias.
No pensamento por complexos, as palavras tendem a referir-se aos
objetos e seus contextos reais, quer dizer, as ligações são factuais, isto é,
concretas. Qualquer nova ligação que aparecer na realidade pode levar a
criança a incluir um objeto dentro de uma dada categoria. Um exemplo de
pensamento por complexos é analisado por FONTANA (1996). A autora
mostra a professora trabalhando com o conceito de cultura, depois de
uma visita dos alunos ao museu. O complexo fica caracterizado neste caso
porque o conceito de cultura aparece estreitamente ligado ao contexto da
visita ao museu. Então, tendo a professora perguntado para os alunos o
que é cultura, apareceram respostas assim:
Car: - “Cultura é coisa de museu.”
Zil. – “é coisa que a gente olha, mas não pode pôr a mão” (regra do
museu).
Leo. – “é umas coisas muito velha.”
Osv. - “É coisa que se põe a mão cai de tão velha que ta.”
Algumas crianças simplesmente repetiram frases que ouviram da
coordenadora do museu:
“Cultura é criatividade.”
“Cultura é coisa que deve ser preservada.”
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Quer dizer, na escola, mesmo a criança que não tem um cão ou
nunca viu um cão pode adquirir a idéia de cão através da interferência
dos conceitos científicos.
Para Vygotsky, o aprendizado de conceitos científicos na escola
é uma força poderosa no desenvolvimento infantil, que determina
o destino do desenvolvimento mental do aluno. Mas, para que isto
aconteça, deve haver uma inter-relação entre os conceitos espontâneos e
os conceitos científicos. Quer dizer, o desenvolvimento de um deve buscar
o desenvolvimento de outro.
Este ponto é muito importante para nós professores porque nos mostra que não devemos
separar a experiência da criança, as coisas que ela já conhece do seu cotidiano, de sua experiência
cultural e pessoal, dos novos conceitos que trabalhamos com ela na escola. Para que possamos atuar
no processo de formação de conceitos científicos de modo bem sucedido, precisamos compreender o
seguinte:
a) Os conceitos espontâneos são ricos de experiência pessoal, por isso são mais concretos.
No entanto, mesmo já tendo o conceito, o sujeito pode não ter consciência dele, nem saber utilizá-lo
de forma deliberada. Os conceitos espontâneos não estão organizados num sistema hierárquico na
mente. Vygotsky diz: “Ao operar com conceitos espontâneos, a criança não está consciente deles,
pois sua atenção está sempre centrada no objeto ao qual o conceito se refere, nunca no próprio ato de
pensamento.” (VYGOTSKY, 1989, p.79)
b) Os conceitos científicos são transmitidos em situações formais, portanto precisam ser
mediados face ao caráter abstrato do objeto. Desenvolvem-se a partir de definições verbais, não-
espontâneas.
c) O desenvolvimento dos conceitos espontâneos é ascendente, enquanto o desenvolvimento
dos conceitos científicos é descendente. Apesar disto, os dois processos são inter-relacionados.
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Para refletir sobre a importância da mediação, recomendamos que você assista aos filmes: “O enigma
de Kaspar Hauser”, direção de Werner Herzog e “Mister Holland, meu adorável professor”, de Richard
Dreyfus.
Há também um documentário intitulado “As borboletas de Zagorski”, série “Os transformadores”, da TV
Cultura de São Paulo.
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