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IDENTIDADE DO LUGAR E MEMÓRIA:

o papel do afeto na preservação e uso de espaços públicos.

ALVES, Ana Claudia Nunes Alves.

Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Fluminense – Campus Avançado Maricá

Rua São Francisco Xavier, 19/ Apto 703 – Rio de Janeiro/RJ – CEP 20.550-010

ana.alves@iff.edu.br

RESUMO

A velocidade e o excesso de informação caracterísiticos da pós-modernidade, tornam a questão da


identidade do lugar e da memória algo relevante. Isso porque as incertezas e inconstâncias
decorrentes do questionamento de padrões e paradigmas tidos como inquestionáveis sob o ponto de
vista da racionalidade característica do modernismo, podem trazer inseguranças e algum grau de
desesperança. Para alguns autores, isso tenderia a gerar espaços esvaziados de significado e
marcados pelas figuras do excesso e do espetáculo. Entretanto, utilizando o referencial teórico da
fenomenologia através da noção de identidade do lugar e compreendendo a memória como uma
construção ancorada em experiências sensoriais, afetivas e espaciais, acreditamos que a construção
de projetos e propostas de intervenção realizados com a participação ativa das comunidades e que
remetam às experiências pessoais e compartilhadas destas sobre o uso dos espaços, pode contribuir
para a construção de lugares significativos dotados de identidade.

Palavras-Chave: Identidade; Identidade do lugar; preservação e uso de espaços públicos.

ABSTRACT

The speed and the excess of information characteristic of postmodernity makes the question of place
identity and memory something relevant. This is because the uncertainties and inconsistencies arising
from the questioning of patterns and paradigms considered as unquestionable from the point of view
of the rationality characteristic of modernism can bring insecurities and some degree of hopelessness.
For some authors, it would tend to generate spaces devoid of meaning and marked by the figures of
excess and spectacle. However, using the theoretical framework of phenomenology through the
notion of place identity and understanding memory as a construction anchored in sensory, affective
and spatial experiences, we believe that the construction of projects and intervention proposals carried
out with the active participation of communities and that refer to their personal and shared experiences
on the use of spaces, can contribute to the construction of significant places endowed with identity.

Key-words: Identity; place identity, preservation and use of public spaces.

FÓRUM HABITAR 2017

Belo Horizonte/MG - de 08 a 10/11/2017.


INTRODUÇÃO
O urbanismo do séc. XXI, assim como as áreas da cultura, política, economia e ciências em
geral, se vê marcado pela figura do excesso e do espetáculo. Com a velocidade das
informações e o que Augé (2012) convencionou chamar de supermodernidade, as noções
de tempo e espaço sofreram mudanças que nos fazem pensar sobre a questão da memória
e do lugar no tecido urbano, especialmente no que se refere à preservação e uso de
espaços públicos.

Entende-se por espaços públicos aqueles dotados de infraestrura e equipamentos urbanos


e que se destinam ao uso comum, tais como vias de acesso, praças, parques e áreas
abertas. Estes espaços, antes lugares de relação e identificação, na supermodernidade,
seriam mais suscetíveis a tornarem-se não lugares por suas características de uso e
transitoriedade.

Assim, neles haveria uma maior tendência à supervalorização do presente por conta do
excesso de informação e por serem locais de passagem, onde a velocidade como efeito da
supermodernidade se tornaria mais perceptível. Estas seriam as condições que inibiriam a
apropriação destes como lugares de memória, uma vez que a

[...] materialidade das construções que conservam o passado em suas


formas não é [...] condição suficiente para a caracterização de um lugar
como “de memória”. São as pessoas e o uso que elas fazem dos espaços
que conferem a estes uma diferenciação, pois é através de suas memórias
que se estabelecem as conexões entre o construído e os fatos que
constroem os mitos e tradições da vida urbana. (Moreira, 2009, p. 35)

Porém, nossa hipótese é a de que a preservação dos espaços públicos, privilegiando seu
uso como lugares de encontro, brincadeira, ócio e prazer, podem ser planejados e
projetados com a participação ativa das comunidades, de forma a suscitar a memória do
lugar, valorizando os aspectos culturais, sociais e históricos locais e fortalecendo as
relações de vínculo nestes espaços. Isso porque,

[...] o compartilhamento da memória não pode ser entendido como um


simples repasse de informações, mas como um “lembrar junto”. Reconhece-
se que é possível confrontar lembranças entre indivíduos, o que, aliás,

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ajuda a confirmá-las e fortalecê-las. Porém, entender esse
compartilhamento exige que se reconheça que a forma subjetiva de
memória – memória hábito – é também compartilhável, o que explica a
reprodução dos hábitos, códigos e crenças dentro de um grupo. (MOREIRA,
2009, p.24)

Com isso, buscamos colaborar para a reflexão sobre os projetos de revitalização urbana e a
criação de espaços públicos que privilegiem o encontro, o brincar, a experiência do ócio, do
prazer e da sensação de pertencimento, a fim de que estes suscitem afetos, lembraças,
histórias, significados e que possam ser lugares de memória compartilhada, evitando o
efeito de “esvaziamento” da identidade dos não lugares.

Visando trazer o caráter afetivo dos espaços públicos vividos pela comunidade,
compreendemos a cidade vivida como aquela advinda da Escola Fenomenológica, onde um
grupo de pensadores reinvindicaria o papel dos sentidos na percepção e compreensão do
entorno em contraponto às formas urbanas sensorialmente neutras projetadas pelos
arquitetos modernistas. Destarte, utilizaremos o referencial teórico da fenomenologia para
nos auxiliar nas questões sobre a identidade do lugar (VASQUEZ, 2004).

E ainda, compreendendo que a memória afetiva pode ser considerada como uma
construção ou como uma ficção de algo já vivido e que está sempre ancorada em bases
concretas: ambientes, odores, texturas, cores, sons, espaços – acreditamos que
intervenções planejadas nos espaços públicos com a participação ativa da comunidade,
potencializam a construção de experiência significativas do lugar.

RESULTADOS/DISCUSSÕES

ESPAÇOS PÚBLICOS E IDENTIDADE NA CONTEMPORANEIDADE

Quando nos deparamos com estudos sobre a pós-modernidade, percebe-se que a mesma
implica não só a negação de conceitos modernitas, mas a subversão e questionamento de
todos os valores e parâmetros que pareciam fixos, certos, lógicos e inquestionáveis do
período histórico anterior, trazendo consigo a experiência do nada, do vazio indefinido e da

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descontinuidade. Para alguns estudiosos como Augé (2012), este período geraria a
fragmentação e a perda da identidade,onde a abundância factual causaria a ausência de
lugares significativos ou lugares de memória.

Se um lugar pode se definir como identitário, relacional e histórico, um


espaço que não pode se definir nem como identitário, nem como relacional,
nem como histórico definirá um não lugar. A hipótese aqui defendida é a de
que a supermodernidade é produtora de não lugares antropológicos e que,
contrariamente à modernidade baudelairiana, não integram os lugares
antigos [...] (AUGÉ, 2012, p.73)

Assim, para o autor, a supermodernidade contemporânea suprimiria o significado e traria


uma necessidade de dar sentido ao presente para dar conta da condição de excesso
factual. Neste sentido,

Essa superabundância, que só pode ser plenamente apreciada levando-se


em conta, por um lado, a superabundância da nossa informação, e, por
outro, as interdependências inéditas do que alguns chamam hoje de
“sistema-mundo”, traz incontestavelmente um problema para os
historiadores, principalmente os contemporâneos – denominação da qual a
densidade factual das últimas décadas ameaça suprimir todo e qualquer
significado. (AUGÉ, 2012:31)
Augé (2012) estabelece a categoria de não lugares como aqueles apenas com valor de uso
e passagem, onde não se estabeleceriam relações e trocas, mas sim solidão e similitude,
pois incapazes de gerar experiências significativas.

Haveria, para este autor, uma questão da alteridade transportada para o espaço, onde há a
perda da categoria do outro. Os lugares antropológicos permitiriam relações de
sociabilidade, já os não lugares gerados pelo excesso da supermodernidade permitiriam
apenas relações de contratualidade, pois restritos a um contrato com regras prévias e
baseado em leis de consumo.

Como os não lugares não possuem esse viés relacional, não criariam identidades
singulares, nem relações simbólicas ou de patrimônio comum, gerariam apenas espaços de
circulação e consumo nas cidades. Isso causaria uma uniformização e generalização do
espaço urbano, com a proliferação de espaços com caracterísitcas similares sem relação
com o entorno ou com a cultura local.

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Com estas mudanças ocorridas nas noções de tempo e espaço pensar sobre a questão da
memória do lugar no tecido urbano, especialmente no que se refere à preservação e uso de
espaços públicos significa repensar as possibilidades existentes na pós-modernidade.

Ou seja, se por um lado, a supermodernidade pode gerar insegurança, perda de valores e


desesperança pela perda de referenciais baseados na racionalidade; por outro, abre
caminho para a experiência significativa, esta entendida como aquela capaz de tocar, afetar
e modificar o ambiente vivido.

A escolha pelos espaços públicos decorre exatamente de suas possibilidades como lugares
de encontro, troca e experimentação, pois, para MELA (1999),

[...] um espaço público é um território não apropriado por ninguém – um


ponto de encontro em que todos podem acampar com os mesmos direitos.
Uma rua, uma praça, um parque comunal é de todos e de ninguém em
particular. Estabelecer um contato aí na significa certamente ver anuladas
as desigualdades sociais, mas, pelo menos, encontrar-se num terreno
neutro, que não predetermina o êxito do confronto. [...] O espaço público,
pelo menos em princípio, é sempre acessível a qualquer um – por esse
motivo, torna-se sempre possível qualquer encontro, mesmo o mais
inesperado. (MELA, 1999, p.150)

Esses encontros inesperados, acreditamos, pode ser o que de potencialmente mais


interessante os espaços públicos podem proporcionar. Ou seja, ao invés de optarmos por
uma constatação da existência de não lugares, preferimos incentivar a participação popular
na formulação e revitalização de espaços sem uso para conferir-lhes significado e vida.

DIMENSÃO SIMBÓLICA DA CIDADE E A CONSTRUÇÃO DA IDENTIDADE

Compreende-se a relação dos sujeitos com o ambiente construído como algo que se faz
através de uma complexa rede de significados, afetos e jogos de poder e não somente pelos
usos e funções aos quais estes espaços de destinam. A dimensão simbólica da cidade
expressa através de suas estruturas físicas e modos de vida, influenciam a construção da
identidade, pois esta se faz sempre num determinado contexto social e espacial precisos.

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A construção da identidade, porém, não se situa no vazio, mas num
contexto social e espacial preciso, de que faz parte a cidade, com os
símbolos que lhe estão ligados. Assim, portanto, ser oriundo de uma cidade,
ou viver nela, ou em algum dos seus bairros, significa relacionar-se com um
conjunto de símbolos (dotados de valências, ora positivas, ora negativas)
que representam termos iniludíveis para a construção da identidade pessoal
[...] (MELA, 1999: 145)
Acreditamos, desta maneira, que nossa identidade é constituída de todas as nossas
experiências de vida e estão, necessariamente ligadas aos ambientes em que as vivemos.
Lugares que evocam, de alguma maneira, partes destas memórias compartilhadas, lugares
com identidade própria, conferida pelos habitantes ou usuários destes ambientes e a forma
como estes se interrelacionam.

Mela acredita que a “interação entre os símbolos urbanos e a ação dos habitantes não só
contribui para construir a identidade dos indivíduos como favorece a definição de uma
identidade da cidade [...]” (MELA, 1999, p.147). Esta relação da cidade com os seus
habitantes é, então, uma relação mútua, onde ambos constróem e são afetados pelas
experiências.

Daí a importância da noção de lugar sob o ponto de vista fenomenológico, uma vez que o
mesmo é compreendido para além de suas caracterísitcas físicas e de localização
geográfica.

IDENTIDADE DO LUGAR
Utilizaremos a noção de lugar não apenas por seus pressupostos físicos e quantitativos ou
por espacialidades geometricamente construídas, mas a partir de uma teia complexa
formada por cada indivíduo através da sua rede de relações estabelecidas no espaço
urbano.

O lugar compreende os fenômenos concretos, mas também aqueles intangíveis como os


sentimentos. Ele é uma totalidade, um fenômeno qualitativo que não se reduz às relações
espaciais, incluindo sensações, formas, cores, texturas e afetos.

Para Norberg-Schulz (1976), um lugar possui uma identidade própria que lhe confere um
características específicas e pessoais. O objetivo de arquitetos e urbanistas seria então o de

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descobrir os significados potenciais presentes no ambiente através da vida vivida no
cotidiano das comunidades. A proposta elaborada pelo existencialismo seria a de tornar o
sítio em lugar.

Para habitar um lugar é preciso que duas funções psicológicas estejam envolvidas: a
orientação e a identificação com o ambiente. Essa identificação com o ambiente implica que
este propicie uma experiência significativa, havendo uma correspondência entre exterior e
interior e entre corpo e psique.

[...] o lugar, no entanto, tem mais substância do que nos sugere a palavra
localização: ele é uma entidade única, um conjunto 'especial', que tem
história e significado. O lugar encarna as experiências e aspirações das
pessoas. O lugar não é só um fato a ser explicado na ampla estrutura do
espaço, ele é a realidade a ser esclarecida e compreendida sob a
perspectiva das pessoas que lhe dão significado. (TUAN, 1980, p. 387)

Ainda conforme Tuan (1983), o lugar é um espaço que agrega a experiência da vida dos
habitantes, sendo um espaço humanizado no qual se pode habitar. Ele se manifesta através
da personalidade e da história individual de cada habitante em seu relacionamento com o
espaço. O que configura, com esse movimento, um núcleo de significados que conferem ao
ambiente características e afetos singulares compartilhados entre os indivíduos que utilizam
estes espaços. Esta troca mútua confere aos lugares uma identidade.

Assim,

[...] espaço se constitui lugar, quando é produto da experiência humana, que


produz significados, os quais são construídos por referências afetivas
desenvolvidas ao longo da vida, por meio da convivência. A experiência,
nessa perspectiva, expressa a capacidade de aprender a partir da própria
vivência; significa aprender, atuar sobre o dado e criar a partir dele. O lugar,
então, atinge a realidade concreta quando a experiência do sujeito com ele
é total. A realidade passível de conhecimento é aquela que é um constructo
da experiência, uma criação de sentimento e pensamento. Assim, o
conteúdo dos lugares é produzido pela consciência humana e por sua
relação subjetiva com as coisas e com os demais seres humanos com os
quais se relaciona [...] (LEITE, 2012, p.29)

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A ligação com o lugar se daria desde o nascimento e se aprofundam com a experiência,
ampliando o que chamamos de ser-mundo. Estas experiências implicam um conhecimento
detalhado sobre o lugar e na constituição de um vínculo afetivo com o mesmo.

Jodelet (2002) considera que o ambiente construído possui um papel na construção da


identidade, à medida que a identidade do lugar se refere ao conjunto de memórias,
interpretações, ideias, afetos e experiências em determinada espacialidade.

Assim, a identidade do lugar pode ser entendida como uma construção pessoal a partir da
relação entre o indivíduo e o meio onde são atribuídos afetos, experiências, memórias,
ideias e significados a determinados espaços.

Os laços existentes entre a aparência física de uma cidade e seus


elementos humanos são originários tanto da afirmação da especificidade do
estilo de vida, do ambiente social e das atividades que dão sua unicidade à
materialidade dos lugares quanto da inscrição das características sociais
dos habitantes, que dão ao quadro urbano sua identidade e modulam seu
valor físico. (JODELET, 2002, P.35)
Para Jodelet (2002), a identidade do lugar refere-se ao passado ambiental do sujeito,
trazendo um conjunto de memórias, ideia, sentimentos e interpretações a respeito dos
diferentes espaços e lugares vivenciados ao longo da vida.

A identificação com determinados lugares envolve as experiências infantis vividas em


ambientes com características que nos fazem recordar a infância, tais como a experiência
de pisar a textura da areia pela primeira vez, olhar para um céu muito azul ou sentir o
perfume de determinada planta. Todas estas sensações formam esquemas perceptivos que
determinam percepções futuras, ou seja, proporcionam o que chamamos de visão de
mundo.

Para Norberg-Schulz (1980) a arquitetura pertence à poesia e seu propósito seria o de


ajudar o homem a morar, existindo na medida que torna o ambiente visível, concretizando o
espírito do lugar, ou seja, compreendendo a vocação deste lugar e tornando-a visível à
comunidade.

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IDENTIDADE DO LUGAR E MEMÓRIA

Pierre Nora expõe os lugares de memória como aqueles onde apreendemos nossa
diferença, a imagem do que não somos mais. (Op cit. Augé, 2011, p. 53). Assim, esses
lugares de memória nos convidam a olhá-los como um pedaço de história. Os lugares de
memória seriam uma contraposição ao lugar antropológico, pois o lugar antropológico,
segundo Augé, seria geométrico, marcado por linhas e pontos de interseção.

Holzer, (1999), contrapõe essa noção de lugares de memória de Nora (1993) por acreditar
que

[...] relaciona-se com uma crença na aceleração da história e na ruptura do


elo entre história e memória. Para Nora, se temos memória não precisamos
lhe consagrar lugares, pois não haveria lugares se a memória não fosse
transposta para a história. No entanto, para ° autor, a tradição da memória
acabou, e com ela temos apenas os lugares de memória como
sobreviventes da desritualização do mundo. Eles seriam um meio não-
espontâneo de se guardar a memória, de se legitimar um passado coletivo
(do Estado-Nação) cada vez mais ameaçado pelo individualismo que
procura legitimar o futuro. Eles conjugariam a vontade de parar no tempo
com a valorização do espetáculo, do que é simbólico. Em última instância
eles estão ancorados na realidade, sendo auto-referentes. (HOLZER, 1999,
p.74-75)
Consideramos que a memória está ancorada nos lugares, pois os lugares qua habitamos e,
para usar o termo mais adequado, experienciamos, nos trazem memórias e nos remetem à
uma construção imaginária e sensorial que podemos chamar de história. Pois, o “espaço é,
juntamente com o tempo, elemento fundamental na construção da memória. A concretude e
a duração das formas espaciais dão à memória a condição de se materializar e assim
permanecer no tempo.” (Moreira, 2009, p.25)

Se a identidade do lugar depende da apropriação da comunidade de forma compartilhada e


afetiva, para que intervenções arquitetônicas ou urbanísticas confiram ao lugar sua essência
ou espírito, será necessário um movimento advindo da própria comunidade em torno das
modificações, revitalizações e projetos, a fim de garantir a vida e a preservação destes
espaços dotados de significado.

Assim sendo,

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Embora sejam processos de natureza econômica globalizada, degradação e
recuperação de áreas urbanas são desdobramentos em escala local, que
invariavelmente correspondem a alterações no tecido urbano (forma) e no
tecido social (habitantes/usuários), o que modifica significativamente as
relações entre os elementos preexistentes, as cidades e seus habitantes,
mudando assim as condições de apropriação do bem cultural. (Moreira,
2009, p.40)
Nossa proposta consiste em, utilizando o referencial teórico da fenomenologia,
especialmente a noção de espírito do lugar de Norberg-Schuz, para apreender, junto a
comunidades, a essência potencial de espaços urbanos vazios e degradados através da
memória afetiva de seus habitantes através de projetos participativos executados pela
própria comunidade. Como bem coloca Jodelet (2002), buscar os vestígios para dar vida a
espaços vazios tornando-os lugares.

O espaço transforma-se em lugar à medida que adquire definição e


significado. [...] A distância é um conceito espacial inexpressivo separado da
ideia de objetivo ou lugar. No entanto, é possível descrever o lugar sem
introduzir explicitamente conceitos espaciais. (TUAN, 1983, p.151)
O que se pretende explicitar, com esta definição de lugar de TUAN, é que as delimitaçõesde
espaciais e de uso convencionais da arquitetura não dão conta de conferir aos espaços
significado, pois para que isso ocorra, o habitar o espaço deve ser pensado a partir do
referencial de quem os utiliza e das relações reais, imaginárias, sensoriais e afetivas vividas
nestes espaços.

A questão, pois, é saber em que condições a cidade pode aparecer como


um lugar que possa ser definido por seu caráter identificador; um lugar que
permita que seus habitantes se reconheçam e se definam por meio dele,
que, por seu caráter ralacional, permita a leitura da relação que os
habitantes mantem entre si, e por seu caráter histórico, possibilite que os
habitantes reencontrem os vestígios de antigas implantações, seus sinais de
filiação. (JODELET, 2002, p.33)
Esse espírito do lugar pode ser remetido através da ferramenta do imaginário, articulando
saberes da comunidade sobre sua existência no lugar e (re) construindo um saber
compartilhado sobre seu uso.

Por intermédio da poesia nos deparamos com uma dimensão que é, antes
de tudo, emotiva e sensível. Plena de afeto, a arquitetura, é sim, terreno
poético. Tão indelével quanto a concretude e a materialidade do espaço
físico e suas qualidades mensuráveis e físicas. O universo da poesia está

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disponível à leitura tanto quanto o da arquitetura. (PINTO JUNIOR, 2009,
p.118)

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Em tempos de velocidade, esvaziamento e quebra de paradigmas caracterísiticos da pós-


modernidade do século XXI, ou como refere-se Augé (2012), da supermodernidade e seu
excesso factual, com supervalorização do presente, há uma tendência à fragmentação e
perda da identidade.

Utilizando o referencial teórico da fenomenologia e sustentando o propósito da arquitetura e


urbanismo como arte capaz de conferir visibilidade aos ambientes com a função de habitar
para o homem. Para que isso ocorra, para que espaços tornem-se lugares, será necessário
resgatar nestes sua vocação ou identidade, ou seja, sua essência para a qual possui uma
tendência a tornar-se.

Por acreditarmos que a identidade do lugar ocorre através de experiências significativas


com determinados espaços e que a memória dos lugares ocorre sempre a partir de bases
concretas como odores, sensações táteis, cores, texturas, iluminação, vegetação,
localização e demais caracterísiticas do ambiente, há a possibilidade de intervir no espaço
através de propostas que remetam a comunidade à estas experiências significativas,
tornando-se lugares com identidade.

Os espaços publicos, tais como praças, ruas e parques, por serem locais privilegiados no
sentido de possibilidades de encontro, são aqueles onde as propostas de intervenção
tornam-se mais efetivas, exatamente pelo compartilhamento de memórias e vivências. Ainda
que os lugares sejam apreendidos de maneiras diferentes por seus habitantes e usuários, a
identidade do lugar ou seu espírito são estáveis e influenciam na construção da identidade e
na cidadania local.

Esta relação entre o ser e o ambiente construído se faz através de uma complexa rede de
significados que podem ser resgatados através da memória afetiva da comunidade sobre

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estes espaços. Então, acreditamos ser possível trazer à tona experiências, sentimentos,
percepções e memórias, a fim de trazer o imaginário sobre o lugar ou seu espirito, no intuito
de promover intervenções coletivas locais, participativas e significativas.

O intuito dos projetos de ocupação de espaços públicos vazios, deteriorados ou sem uso de
forma coletiva é o de trazer à tona o que TUAN (1983) refere como lugares íntimos, quer
seja, aqueles onde encontramos afeto e onde as necessidades da comunidade sejam
atendidas e consideradas sem o exagero caracterísitico de grandes projetos monumentais
de revitalização.

REFERÊNCIAS

AUGÉ, Marc. Não lugares: introdução a uma antropologia da supermodernidade. Tradução


Maria Lucia Pereira. 9ª edição. Campinas, SP: Papirus, 2012.

HOLZER, Werther. O lugar na geografia humanista. Revista Território. Rio de Janeiro, Ano
IV, nº7, p.67-78, jul/dez 1999.

JODELET, Denise. A cidade e a memória. In: Projeto do lugar: colaboração entre psicologia,
arquitetura e urbanismo. Del Rio, V.; Duarte, C. R.; Rheingantz, P. A. (org). Rio de Janeiro:
PROARQ/UFRJ, 2002.

LEITE, Cristina Maria Costa. O Lugar e a Construção da Identidade: os significados


construídos por professores de Geografia do Ensino Fundamental. Tese de doutorado em
educação da Universidade de Brasília, Brasilia: UNB, 2012.

LOWENTHAL, David. The past is a foreign country. 20ª Ed. Cambridge: University Press,
2003.

MELA, Alfredo. A sociologia das cidades. Tradução Eduardo Saló. 1ª ed. Lisboa: Editorial
Estampa, 1999.

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MOREIRA, Daniel Lopes. Memória e lugar: reflexões sobre o patrimônio cultural em áreas
periférias de Olinda. Dissertação de mestrado em urbanismo. FAU/UFRJ, 2009.

NORA, Pierre. Entre memória e história: a problemática dos lugares. Tradução Yara Aun
Khoury. In: Projeto História. São Paulo. Nº 10, dez. 1993. pp.7-28.

NORBERG-SCHULZ, Christian. Genius loci. Towards a phenomenology of architecture.


Edinburg College of Art Library, Rizzoli Ed., 1976.

PINTO JUNIOR, Rafael Alves. A dimensão afetiva do espaço construído: vendo a casa
pelos olhos da poesia. Pós. São Paulo: FAUUSP, V.16, nº 25, p.118-133, jun 2009.

PRONSATO, Sylvia Adriana Dorby. Arquitetura e paisagem: projeto participativo e criaçao


coletiva. 1ª Ed. São Paulo: Annablume, 2005.

TUAN, Yi-Fu. Espaço e lugar: a perspectiva da experiência. São Paulo/Rio de Janeiro: DifeI,
1983. 250 p.

TUAN, Yi-Fu. Topofilia: um estudo da percepção, atitudes e valores do meio ambiente. São
Paulo: Difel, 1980.

VASQUEZ, Carlos García. Ciudad hojaldre: visiones urbanas del siglo XXI. Barcelona:
Editorial Gustavo Gilli, 2004.

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