Você está na página 1de 36

Rio+20.

Desafios e perspectivas
Ricardo Abramovay
Colocar a vida econômica a serviço do desenvolvimento
sustentável: o eixo estratégico da Rio+20 E mais:

Cristovam Buarque >> Reinaldo Gonçalves:


Os rumos do capitalismo global:
Alerta e esperança: duas palavras para locomotivas voltam para os trilhos,
pensar os novos rumos do mundo vagões descarrilam

384
Ano XI
Ladislau Dowbor
Rio+20: centrada no equilíbrio entre a
>> Rosana Vieira de Souza:
Plataformas de mídias móveis:
desafios para o consumo de
12.12.2011 sustentabilidade e a equidade conteúdo audiovisual
ISSN 1981-8769
Rio+20. Desafios e perspectivas

Vinte anos depois da Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (Eco-
92), a cidade do Rio de Janeiro será novamente sede, em junho do próximo ano, da Conferência das
Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável, a chamada Rio+20. Os temores de um fracasso da
COP-17, realizada em Durban, na África do Sul, não se confirmaram. Isto pode ser um bom presságio para
a Rio+20. Ao menos, é o que esperamos.

A IHU On-Line desta semana debate os desafios e as perspectivas da Rio+20. Para o Instituto Huma-
nitas Unisinos – IHU, o debate deste importante evento continuará no sítio do IHU e em diversos eventos
programados para o primeiro semestre de 2012.

Na concepção do jornalista André Trigueiro, “organizações do Terceiro Setor e as associações de


empresas comprometidas com a sustentabilidade se movimentam para que a Rio+20 não seja um fiasco
completo”. Na visão do senador Cristovam Buarque, presidente da Subcomissão Permanente de Acom-
panhamento da Rio+20 e do Regime Internacional sobre Mudanças Climáticas, o que não pode deixar de
ser tocado na Rio+20 “é justamente o que, lamentavelmente, deixará de ser tocado”. Para o jornalista
Dal Marcondes, a Rio+20 será uma grande oportunidade para os países colocarem no centro de suas
pautas as questões relevantes do desenvolvimento limpo e da economia verde. Para o economista e pro-
fessor na PUC-SP, Ladislau Dowbor, enquanto a Rio-92 tratou de levantar objetivos e metas em relação
ao planeta, a Rio+20 terá como missão pensar uma forma de implementá-los. O também economista
Ricardo Abramovay entende que a Rio+20 tem a chance de cumprir o que promete, mas que esta pro-
messa “está muito aquém do mínimo necessário para se enfrentar os grandes problemas do século XXI”.
O integrante da Coordenação da Rede Brasileira de Integração dos Povos – Rebrip, Pedro Ivo de Souza
Batista, afirma que “dependendo do enfoque, os temas propostos na Rio+20 podem ser mais uma cortina
de fumaça nas soluções dos problemas de fundo, ocasionados pela crise ambiental planetária”.

A revista também continua debatendo a crise financeira internacional. Nesta edição o economista
Reinaldo Gonçalves, analisa os rumos do capitalismo global. Para ele, crises econômicas têm quatro
manifestações distintas: real, financeira, fiscal e cambial.

“Plataformas de mídias móveis: desafios para o consumo de conteúdo audiovisual” é o título do artigo
de Rosana Vieira de Souza, professora da Unisinos e pesquisadora do Grupo de Pesquisa CEPOS, do PPG
em Comunicação da Unisinos.

Aurora Fornoni Bernardini, da USP, comenta a tradução brasileira, diretamente do russo, dos livros
Guerra e Paz, de Tolstoi, e O duplo, de Dostoievski.

Leônidas Tatsch, agente de proteção e risco da Unisinos, relata aspectos da sua trajetória de vida.

A todas e todos uma boa leitura e uma excelente semana!

IHU On-Line é a revista semanal do Instituto Humanitas Unisinos – IHU – Universidade do Vale do Rio dos Sinos - Unisinos. ISSN
Expediente

1981-8769. Diretor da Revista IHU On-Line: Inácio Neutzling (inacio@unisinos.br). Editora executiva: Graziela Wolfart MTB
13159 (grazielaw@unisinos.br). Redação: Márcia Junges MTB 9447 (mjunges@unisinos.br), Patricia Fachin MTB 13062 (prfa-
chin@unisinos.br) e Thamiris Magalhães MTB 0669451 (thamirism@unisinos.br). Revisão: Isaque Correa (icorrea@unisinos.br).
Colaboração: César Sanson, André Langer e Darli Sampaio, do Centro de Pesquisa e Apoio aos Trabalhadores – CEPAT, de Curi-
tiba-PR. Projeto gráfico: Bistrô de Design Ltda e Patricia Fachin. Atualização diária do sítio: Inácio Neutzling, Natália Scholz,
Rafaela Kley e Stefanie Telles. IHU On-Line pode ser acessada às segundas-feiras, no sítio www.ihu.unisinos.br. Sua versão
impressa circula às terças-feiras, a partir das 8h, na Unisinos. Apoio: Comunidade dos Jesuítas - Residência Conceição. Insti-
tuto Humanitas Unisinos - Diretor: Prof. Dr. Inácio Neutzling. Gerente Administrativo: Jacinto Schneider (jacintos@unisinos.
br). Endereço: Av. Unisinos, 950 – São Leopoldo, RS. CEP 93022-000 E-mail: ihuonline@unisinos.br. Fone: 51 3591.1122 – ramal
4128. E-mail do IHU: humanitas@unisinos.br - ramal 1173.
Leia nesta edição
PÁGINA 02 | Editorial

A. Tema de capa
» Entrevistas
PÁGINA 06 |Cristovam Buarque: Alerta e esperança: duas palavras para pensar os novos rumos do mundo
PÁGINA 09 | Ricardo Abramovay: Colocar a vida econômica a serviço do desenvolvimento sustentável: o eixo estratégico
da Rio+20
PÁGINA 12 | André Trigueiro: A incompatibilidade entre sustentabilidade, pobreza e miséria
PÁGINA 14 | Dal Marcondes: “O Brasil tem condições para difundir um modelo de energia de baixo carbono”
PÁGINA 16 | Ladislau Dowbor: Rio+20: centrada no equilíbrio entre a sustentabilidade e a equidade
PÁGINA 18 | Pedro Ivo de Souza Batista: “Devemos erradicar a pobreza e manter nossas florestas em pé”

B. Destaques da semana
» Entrevista da Semana
PÁGINA 22 |Reinaldo Gonçalves: Os rumos do capitalismo global: locomotivas voltam para os trilhos, vagões descarrilam

» Livro da Semana
PÁGINA 25 | Aurora Bernardini: Dostoiévski e Tolstoi: exacerbação e estranhamento

» Coluna do Cepos
PÁGINA 28 | Rosana Vieira de Souza: Plataformas de mídias móveis: desafios para o consumo de conteúdo audiovisual

» Destaques On-Line
PÁGINA 30 | Destaques On-Line

C. IHU em Revista
» IHU Repórter
PÁGINA 34 | Leônidas Tatsch

SÃO LEOPOLDO, 12 DE DEZEMBRO DE 2011 | EDIÇÃO 384 


 SÃO LEOPOLDO, 12 DE DEZEMBRO DE 2011 | EDIÇÃO 384
O que é a Rio+20

A cidade do Rio de Janeiro será a sede da Conferência das Nações Unidas


sobre Desenvolvimento Sustentável, a qual ocorrerá de 20 a 22 de junho de
2012. O encontro recebeu o nome de Rio+20 e visa renovar o engajamento dos
líderes mundiais com o desenvolvimento sustentável do planeta, vinte anos
após a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento
(Rio-92). Serão debatidos a contribuição da “economia verde” para o desenvol-
vimento sustentável e a eliminação da pobreza, com foco sobre a questão da
estrutura de governança internacional na área do desenvolvimento sustentável.
A Rio+20 insere-se, assim, na longa tradição de reuniões anteriores da ONU so-
bre o tema, entre as quais as Conferências de 1972 em Estocolmo, Suécia, e de
2002, em Joanesburgo, África do Sul.
Os dois temas em foco na Conferência serão: (a) uma economia verde no
contexto do desenvolvimento sustentável e da erradicação da pobreza; e (b) o
quadro institucional para o desenvolvimento sustentável.

Fonte: Site do Ministério do Meio Ambiente (www.mma.gov.br)

SÃO LEOPOLDO, 12 DE DEZEMBRO DE 2011 | EDIÇÃO 384 


Alerta e esperança: duas palavras para pensar os novos rumos
do mundo
“Teremos um documento ousado, com um alerta para os riscos à humanidade inteira? Ou esse
risco será esquecido, falando apenas da economia verde?”, questiona o senador Cristovam
Buarque, sobre o possível resultado da Rio+20

Por Graziela Wolfart

N
a visão do senador Cristovam Buarque, presidente da Subcomissão Permanente de Acompanha-
mento da Rio+20 e do Regime Internacional sobre Mudanças Climáticas, o que não pode deixar
de ser tocado na Rio+20 “é justamente o que, lamentavelmente, deixará de ser tocado”. Ele
explica, na entrevista concedida por telefone à IHU On-Line, que a Conferência a ser realizada
no próximo ano no Rio de Janeiro é importante para a ONU, mas não é prioridade “porque,
com a crise atual, ela tem que se preocupar com o Irã – se vai fazer bomba atômica ou não –, tem que se
preocupar com Israel e Palestina, tem que se preocupar com a Europa, em função da crise que está viven-
do, além de se preocupar com os desastres naturais da seca e com a fome em tantos países. Assim, a ONU
termina deixando de lado tudo o que tem a ver com o longo prazo. A Organização das Nações Unidas fica
muito prisioneira no imediato, nos problemas de hoje e não tem tempo de pensar nos problemas do futuro”.
Para o senador, “o melhor caminho para erradicar a pobreza chama-se educação e ela depende menos de
crescimento econômico do que do bom uso do dinheiro que já temos. O Brasil já tem renda suficiente para
poder ter uma boa educação para todos”.
Cristovam Buarque é engenheiro mecânico, economista, educador, professor universitário e político bra-
sileiro, membro do PDT. Atualmente é senador pelo Distrito Federal. Foi Ministro da Educação entre 2003 e
2004, no primeiro mandato de Lula. Nas eleições de 2010, foi reeleito para o cargo de senador pelo Distrito
Federal, com mandato até 2018. É autor, entre outros, de A Desordem do Progresso - o fim da era dos eco-
nomistas e a construção do futuro (Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1991); O que é educacionismo (São Paulo:
Brasiliense, 2008); e A Borboleta Azul (Rio de Janeiro: Editora Record, 2008). Confira a entrevista.

IHU On-Line – O que esperar da ça que podemos ter mudando o rumo futuro, que fará parte da Universidade
Rio+20? O senhor ainda acha que ela seguido nos últimos anos. Da Rio+20, das Nações Unidas, e que ficará no Rio
corre o risco de ser um fracasso? além disso, eu espero que a sociedade de Janeiro. Isso já está decidido e o
Cristovam Buarque – Ela corre o ris- civil, os movimentos sociais, as ONGs ministro da Ciência e Tecnologia, Aloi-
co de ser um fracasso, sim, por duas e todos que vão participar do encontro zio Mercadante, está fazendo o possí-
razões: caso não compareçam aqui os paralelo, terminem os debates com vel para que vire realidade.
principais chefes de estado e de go- um documento pronto. Não importa o
verno (é preciso fazer com que eles que for feito pelos chefes de estado. IHU On-Line – Quais as principais de-
venham); e, segundo, se o documento Façamos o nosso documento. E espero mandas e desafios da Subcomissão
que sair não for satisfatório – para isso que se crie lá o que eu tenho chama- Permanente de Acompanhamento da
não acontecer é preciso que ele traga do de “tribunal” para julgar os crimes Rio+20?
esperança nova para o mundo inteiro. do desenvolvimento, para manifestar Cristovam Buarque – O maior desa-
Mas eu ainda espero que isso seja su- a posição de grandes personalidades fio da subcomissão é elaborar linhas
perado, que se consiga que todos os mundiais sobre os projetos que a eco-
 Aloizio Mercadante Oliva (1954): economis-
chefes de estado venham e que, no nomia vem fazendo. Posso dizer de ta e político brasileiro. Foi um dos fundadores
final, chegue-se a um documento que antemão que uma coisa já está pra- do PT em fevereiro de 1980 e o vice-presiden-
passe para o mundo inteiro a clareza ticamente certa: vai sair da reunião a te do partido entre 1991 e 1999. Foi senador
pelo estado de São Paulo entre 2003 e 2010.
do risco que corremos e da esperan- criação de um instituto para pensar o Desde janeiro de 2011 é Ministro da Ciência e
Tecnologia do Brasil. (Nota da IHU On-Line)

 SÃO LEOPOLDO, 12 DE DEZEMBRO DE 2011 | EDIÇÃO 384


– já que a resposta concreta não va- “Essa é a grande expressão “desenvolvimento sus-
mos ter – que permitam o progresso tentável”? É possível imaginar um
sustentável, equilibrado, diferente demanda: mudar a desenvolvimento, no sentido do
daquele das últimas décadas, base- crescimento econômico, de forma
ado apenas na produção material da mentalidade como ambientalmente sustentável?
economia, e que termina sendo um Cristovam Buarque – O atual cresci-
progresso que destrói a natureza, que olhamos e definimos mento econômico é impossível de ser
concentra a renda, que se baseia no sustentável. Veja o caso do automó-
consumo e não no bem-estar. E essa é o que é progresso” vel. Suponhamos que se consiga subs-
a grande demanda: mudar a mentali- tituir totalmente o petróleo por eta-
dade como olhamos e definimos o que deixar de ser tocado é justamente o nol, que é sustentável. Mesmo assim,
é progresso. que, lamentavelmente, deixará de não dá para continuar aumentando o
ser tocado. O conceito de progresso número de automóveis, porque eles
IHU On-Line – Além da falta de repre- é o primeiro ponto: qual é o progres- não cabem mais nas estradas. É uma
sentatividade, quais são os outros so que queremos para o futuro? É o questão de aritmética. Cada automó-
principais problemas da conferên- progresso de mais gente trabalhando vel tem um número de metros quadra-
cia? ainda mais, se endividando para con- dos, que vão ocupando cada vez mais
Cristovam Buarque – Vejo um proble- sumir mais, ou o progresso de mais espaço.
ma a mais, que é qual será a proposta gente incluída socialmente, des-
que vai sair da reunião. Teremos um truindo menos a natureza? Nós pode- IHU On-Line – Como a sociedade brasi-
documento ousado, com um alerta mos definir a maneira de progredir leira pode se preparar para a Rio+20,
para os riscos à humanidade inteira? Ou no sentido de que as pessoas tenham no sentido de contribuir para sucesso
se vai esquecer-se desse risco, falando mais tempo livre, possam usufruir da Conferência?
apenas da economia verde? O outro mais das atividades culturais e não Cristovam Buarque – Deve se prepa-
problema, como sugere a pergunta, é só o consumo dos bens materiais. rar debatendo os temas no trabalho,
o da representatividade. Quanto à in- nas escolas. Para isso criamos o Dia
fraestrutura, acho que não vai haver IHU On-Line – Quais os caminhos para Nacional da Consciência das Mudan-
riscos. O governo está trabalhando se eliminar a pobreza sem depender ças Climáticas, sancionado na se-
muito bem para criar todas as condi- de crescimento econômico? mana passada pelo deputado Marco
ções materiais, tanto de hospedagem Cristovam Buarque – Em primeiro Maia, quando estava substituindo
como de transporte e segurança, para lugar, redefinir os conceitos. Se dis- a presidente Dilma e seu vice. Será
que o encontro aconteça com muita sermos que progresso é crescimento, no dia 16 de março do próximo ano,
tranquilidade. então, sem crescimento econômico quando teremos um dia de debates
não há progresso. Mas podemos defi- sobre as mudanças climáticas. Outra
IHU On-Line – Por que o senhor pensa nir que progresso é ter o que comer, forma é ajudando o governo a criar
que a Rio+20 não é uma prioridade ter escola, ter saúde e que o cresci- uma cidade capaz de receber bem
da ONU? mento econômico é uma necessidade, todos que virão para o Rio de Janeiro
Cristovam Buarque – A Rio+20 é impor- mas não é o suficiente. O Brasil tem em junho do próximo ano.
tante para a ONU, mas não é prioridade uma população muito pobre ainda, e
porque, com a crise atual, ela tem que é preciso produzir para eles. Isso dará IHU On-Line – Como imagina que os
se preocupar com o Irã – se vai fazer um crescimento pela base. E há pro- temas propostos pelo senhor (água;
bomba atômica ou não –, tem que se dutos de alta renda que não precisam energia; pobreza; padrão de consu-
preocupar com Israel e Palestina, tem continuar crescendo, até porque eles mo; novo indicador de progresso;
que se preocupar com a Europa, em produzem a crise ecológica. É preciso biodiversidade; aquecimento global;
função da crise que está vivendo, além produzir o que é necessário para as po- padrão de produção e distribuição;
de se preocupar com os desastres na- pulações mais pobres. Para as classes economia verde; cidades; ciência e
turais da seca e com a fome em tantos mais altas, está na hora de começar a tecnologia; e decrescimento) serão
países. Assim, a ONU termina deixando reduzir o nível de consumo daqui para discutidos na Rio+20?
de lado tudo o que tem a ver com o a frente. O melhor caminho para er- Cristovam Buarque – Esses temas
longo prazo. Ela fica muito prisioneira radicar a pobreza chama-se educação serão muito pouco discutidos entre
no imediato, nos problemas de hoje e e ela depende menos de crescimento os chefes de Estado. Mas creio que
não tem tempo de pensar nos proble- econômico do que do bom uso do di- poderão ser bem discutidos na reu-
mas do futuro. nheiro que já temos. O Brasil já tem nião paralela, da sociedade civil. O
renda suficiente para poder ter uma problema é que hoje não temos es-
IHU On-Line – Quais as propostas que boa educação para todos.  Marco Aurelio Spall Maia (1965): metalúrgi-
co e político gaúcho, nascido no município de
deveriam ser debatidas na Rio+20? Canoas, é deputado federal pelo PT e o atual
Cristovam Buarque – O que não pode IHU On-Line – Como o senhor vê a presidente da Câmara dos Deputados. (Nota da
IHU On-Line)

SÃO LEOPOLDO, 12 DE DEZEMBRO DE 2011 | EDIÇÃO 384 


tadistas mundiais. Eles vêm para es-
ses encontros como presidentes, cada
um do seu país. Ninguém vem ali para
falar dos interesses do planeta. Cada

Siga o IHU no
Twitter: _ihu
um falará dos interesses do seu res-
pectivo país. O resultado é que não
se tocarão nos problemas planetários,
civilizatórios da humanidade. Nin-
guém vai se preocupar com os proble-
mas de longo prazo, porque são can-
didatos e o candidato deve falar para
atender às necessidades imediatas da
população, já que a política se faz no
curto prazo, mesmo que os problemas
sejam de longo prazo.

IHU On-Line – Por isso que se fala tan-


to da questão da governança interna-
cional...
Cristovam Buarque – Exatamente. Para
um simples problema financeiro na Eu-
ropa não foi encontrada a solução fa-
cilmente, pois se reúnem para pensar,
cada um, nos votos que terão. Sarkozy
está agindo pensando na eleição do pró-
ximo ano. O eleitor dele não quer que
ele ajude a Grécia, mas que resolva o
problema do desemprego no seu próprio
país.

IHU On-Line – O que não poderia faltar


na “Carta do Rio ao Mundo”, em con-
clusão à Rio+20?
Cristovam Buarque – Duas coisas:
alerta e esperança. Não pode faltar
no documento final uma palavra que
faça o alerta de que o rumo que es-
tamos seguindo não pode continuar;
e a outra palavra é de que o próximo
rumo exige um novo conceito de pro-
gresso no mundo.

IHU On-Line – E o que faria parte deste


novo conceito de progresso?
Cristovam Buarque – Conseguir tem-
po livre, garantir educação e saúde de
qualidade igual para todos. Além disso,
é preciso trabalhar para que o país e o
mundo não tenham pobreza.

 Nicolas Sarkozy (1955): advogado e político


francês, atualmente o 23º presidente da França.
É também, juntamente com o bispo de Urgel, o
co-príncipe de Andorra. (Nota da IHU On-Line)
 SÃO LEOPOLDO, 12 DE DEZEMBRO DE 2011 | EDIÇÃO 384
Colocar a vida econômica a serviço do desenvolvimento susten-
tável: o eixo estratégico da Rio+20
Ricardo Abramovay entende que a Rio+20 tem chance de cumprir o que promete. “Mas esta
promessa está muito aquém do mínimo necessário para se enfrentar os grandes problemas do
século XXI”, critica

Por Graziela Wolfart

“C
olocar a economia verde no centro significa convidar os tomadores de decisão eco-
nômica a ocupar o centro do debate e convidá-los a alterar a maneira como usam os
recursos sobre os quais têm poder”, coloca o economista Ricardo Abramovay, sobre a
Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável, a Rio+20, a ser re-
alizada no próximo ano. No entanto, alerta que “a economia verde vai se convertendo
numa espécie de árvore de Natal, onde se pendura o que for conveniente, algo cuja consistência lógica é
capenga e que se exprime na ideia de que só é verde a economia que combate a pobreza e a miséria”. Na
entrevista que aceitou conceder por e-mail para a IHU On-Line, Abramovay questiona: “se o país que vai
abrigar a conferência não ousa apontar horizontes inovadores em suas posições, como esperar que a própria
reunião desperte entusiasmo proporcional ao que deveria ser sua importância?”. E constata: “enquanto a
luta contra a desigualdade não se vincular ao estabelecimento de limites no uso dos materiais, da energia,
da ocupação do espaço carbono ela nada mais será que a expectativa irrealista de melhorar a vida dos po-
bres sem tocar no padrão de consumo e no poder dos que se encontram no alto da hierarquia social”.
Professor titular do Departamento de Economia da Faculdade de Economia, Administração e Contabili-
dade – FEA e do Instituto de Relações Internacionais da USP, pesquisador do CNPq e coordenador de Projeto
Temático sobre Mudanças Climáticas na Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo – FAPESP,
Ricardo Abramovay é mestre em Ciências Políticas, pela Universidade de São Paulo – USP e doutor em Ciên-
cias Econômicas, pela Universidade de Campinas – Unicamp. Confira a entrevista.

IHU On-Line – A Rio+20 conseguirá gias renováveis; b) melhorar o uso desta IHU On-Line – Onde entraria a dimen-
cumprir o que promete? energia, o uso dos materiais e reduzir são social neste debate?
Ricardo Abramovay – Do que li até aqui, drasticamente todas as formas de polui- Ricardo Abramovay – Uma rápida con-
os documentos que orientam a reunião ção, a começar pela emissão de gases de sulta à página na internet da Rio+20
propõem-se a seguir basicamente no efeito estufa; e c) estimular a valoriza- mostra imensa preocupação com a misé-
rumo daquilo que vem sendo feito nos úl- ção econômica dos produtos e dos ser- ria e a pobreza em todos os documentos
timos vinte anos. Neste sentido, a Rio+20 viços da biodiversidade nos diferentes e todas as reuniões preparatórias para
tem chance de cumprir o que promete. biomas, mas sobretudo nas florestas tro- a Conferência, o que é positivo, claro.
Mas esta promessa está muito aquém do picais transitando do que Bertha Becker Mas, com isso, a economia verde vai se
mínimo necessário para se enfrentar os chama de economia da destruição da na- convertendo numa espécie de árvore de
grandes problemas do século XXI. tureza para a economia do conhecimen- Natal, onde se pendura o que for con-
to da natureza. veniente, algo cuja consistência lógica é
IHU On-Line – A economia verde re- capenga e que se exprime na ideia de
presenta um novo paradigma?  Bertha Koiffmann Becker: geógrafa bra- que só é verde a economia que combate
Ricardo Abramovay – Não. A economia sileira. Atualmente é professora emérita da a pobreza e a miséria. Ora, isso não é
Universidade Federal do Rio de Janeiro e co-
verde corresponde a três coisas que já ordenadora do Laboratório de Gestão do Ter- necessariamente verdadeiro: é possível
estão sendo feitas (mesmo que possam ritório - LAGET/UFRJ. É membro da Academia alcançar mais eficiência energética e
e devam ser aceleradas, claro): a) in- Brasileira de Ciências e Doutor “Honoris Cau-
sa” pela Universidade de Lyon III. (Nota da IHU  Conferir em http://www.uncsd2012.org/
crementar o ritmo de avanço das ener- On-Line) rio20/ (Nota da IHU On-Line)

SÃO LEOPOLDO, 12 DE DEZEMBRO DE 2011 | EDIÇÃO 384 


material e menos poluição em produtos renda, eletrificação para os mais pobres
cujo impacto sobre a vida das socieda- “A ecoeficiência não é e bolsa verde, voltada à manutenção de
des não é necessariamente positivo: há biomas ameaçados); b) transformar o
empresas de armamentos que possuem uma expressão que Conselho Econômico e Social das Nações
selos de qualidade, por exemplo. O Pro- Unidas em Conselho de Desenvolvimento
con acaba de multar o Mc Donald’s por organicamente conduz, Sustentável e fortalecimento do PNUMA;
insistir neste absurdo que é atrair o pú- c) apoiar iniciativas já em curso do se-
blico infantil para o consumo de seus por si só, a melhorias tor privado de rastrear e certificar prá-
produtos por meio de brindes atrativos ticas empresariais voltadas a indicar os
para as crianças: é uma prática social- sociais, apesar de toda a impactos socioambientais da oferta de
mente nefasta, mesmo que as emba- bens e serviços.
lagens sejam menos poluentes que um sua importância”
tempo atrás. A ecoeficiência não é uma IHU On-Line – Se é assim, então por
expressão que organicamente conduz, qual se produz cada unidade de riqueza. que dizer que o documento brasileiro
por si só, a melhorias sociais, apesar de Ao mesmo tempo, a expansão de uma também vai no sentido do business as
toda a sua importância. nova classe média mundial (150 milhões usual?
de novos consumidores por ano, nos pró- Ricardo Abramovay – O documento pre-
IHU On-Line – Por que a Conferência foi ximos vinte anos, segundo documento coniza basicamente que o crescimen-
convocada sob o termo economia ver- recente da McKinsey) é uma excelente to econômico mundial abra caminho à
de e não sob o termo desenvolvimento notícia. Os principais documentos da redução da pobreza, seja por meio da
sustentável? Rio+20 têm como ênfase o seguinte: va- elevação de empregos formais, seja por
Ricardo Abramovay – Todos insistem mos continuar por aí e superar a crise de meio de políticas públicas para melho-
que se trata de uma conferência sobre 2008 apostando fundamentalmente nes- rar as condições dos mais pobres. Este
desenvolvimento sustentável. Então por te caminho. crescimento deveria apoiar-se em mu-
que economia verde? A melhor explica- danças tecnológicas que reduzissem seus
ção que eu ouvi é que a escolha deste IHU On-Line – Como o documento de impactos sobre os ecossistemas, o que
termo (economia verde) deve-se ao fato contribuição brasileira à conferência permitiria também a geração de em-
de que para se atingir o desenvolvimen- Rio+20 se coloca diante disso? pregos verdes. Isso no contexto de po-
to sustentável é necessário transformar Ricardo Abramovay – O documento bra- líticas para a proteção das florestas, da
muito mais do que se conseguiu até aqui sileiro inova, no plano internacional, água, da biodiversidade, para a redução
a própria economia. Colocar a economia à medida que foi elaborado a partir de das desigualdades de sexo e de raça. É
verde no centro significa convidar os to- uma consulta bastante ampla a orga- necessário também, prossegue o texto,
madores de decisão econômica a ocupar nizações privadas e da sociedade civil. promover convergência de políticas in-
o centro do debate e convidá-los a al- Apesar disso, é uma verdadeira apolo- ternacionais, sobretudo no que se refere
terar a maneira como usam os recursos gia à maneira habitual de se conduzir os aos aportes de recursos financeiros por
sobre os quais têm poder. negócios, o chamado business as usual. parte dos países desenvolvidos e ao que
Sempre se pode alegar que apontar ho- o documento chama de transferência de
IHU On-Line – O senhor considera que rizontes inovadores não é a vocação de tecnologias para as nações em desenvol-
esta é uma boa tática? textos oficiais, mesmo se redigidos com vimento. A esmagadora maioria das pro-
Ricardo Abramovay – Acho que sim. Di- participação social. Mas se é assim, se postas contidas no documento no que se
rigir-se aos gestores econômicos e am- o país que vai abrigar a conferência não refere ao combate à pobreza e à ecoefi-
pliar a participação pública (governa- ousa apontar horizontes inovadores em ciência já está em curso em praticamen-
mental e não governamental) em suas suas posições, como esperar que a pró- te todo o mundo. Monitorar tais avanços
decisões é fundamental. E felizmente pria reunião desperte entusiasmo pro- e aprofundá-los por meio do crescimento
isso vem acontecendo cada vez mais. porcional ao que deveria ser sua impor- econômico generalizado e da intensifica-
Mas se é assim, a ênfase não poderia se tância? ção da inovação tecnológica é insuficien-
limitar fundamentalmente a melhorar a te para enfrentar os grandes desafios do
ecoeficiência e a ampliar as políticas de IHU On-Line – Quais as principais novi- século XXI.
combate à miséria e à pobreza. A eco- dades contidas no documento brasilei-
eficiência melhorou muito nas últimas ro? IHU On-Line – O que seria uma aborda-
décadas. Em 1980 para produzir um dó- Ricardo Abramovay – As três maiores gem inovadora vinda de um país com
lar do PIB mundial emitia-se uma tone- novidades contidas no documento são a ambição de liderar a emergência de
lada de gases de efeito estufa. Hoje isso basicamente: a) imprimir caráter global uma economia voltada ao desenvolvi-
caiu para 770 gramas. Entre 1975 e 2000 a políticas, bem sucedidas no Brasil, de mento sustentável?
cai pela metade o uso de recursos físi- combate à pobreza (transferência de Ricardo Abramovay – A meu ver ela de-
cos (materiais de construção, biomassa,  A íntegra do documento está disponível veria contemplar ao menos três pontos
em http://www.epsjv.fiocruz.br/upload/
minérios e combustíveis fósseis) com o material%20noticias/doc_rio20.pdf (Nota da ausentes ou marginais no documento.
IHU On-Line)

10 SÃO LEOPOLDO, 12 DE DEZEMBRO DE 2011 | EDIÇÃO 384


O primeiro é a drástica redução da de- O boletim oficial da conferência Rio+20 fício daquelas cujo potencial contami-
sigualdade. Nas poucas vezes em que o Making it happen dedica seu número de nante é maior e cuja base tecnológica é
tema é mencionado, a abordagem é no novembro ao tema “Urbanização rápida menos avançada. A Rio+20 deveria pro-
sentido de melhorar a condição dos mais e cidades sustentáveis”. Nem uma li- por sistemas de inovação voltados para
pobres e nunca de limitar o poder dos nha sobre automóveis. Uma conferência a sustentabilidade e par uma ampla co-
que estão no topo da pirâmide social. voltada a colocar a economia a serviço operação tecnológica, com base no prin-
Não se trata apenas de um preceito éti- do desenvolvimento tem que partir da cípio de que o conhecimento é um bem
co, mas de uma premissa decisiva para constatação de que o automóvel indi- comum à espécie humana e que permi-
que os recursos materiais e energéticos vidual é o meio mais ineficiente e me- tisse acelerar a transição para o melhor
oferecidos pelos ecossistemas possam, nos benéfico socialmente para garantir uso dos recursos dos quais depende a
de fato, preencher as necessidades hu- a mobilidade urbana. E, no entanto, a oferta de bens e serviços.
manas sem as quais o desenvolvimen- indústria automobilística, se fosse um
to não poderá florescer. São limitados país, corresponderia à sexta economia IHU On-Line – E qual o papel do comér-
os materiais e a energia indispensáveis mundial. Isso, sem contar o petróleo! cio internacional?
para que, num mundo de 10 bilhões de Apoiar o crescimento na expansão dos Ricardo Abramovay – É preocupante que
pessoas (2050), todos tenham acesso à carros não é uma decisão simplesmente em vez de preconizar rígidos critérios
saúde, à educação, ao lazer e a uma vida privada, pois tem efeitos globais sobre o socioambientais na exploração de ener-
que vale a pena ser vivida. Por mais que clima, sobre a organização urbana e so- gia, commodities agrícolas e minerais, o
avance a inovação tecnológica (a econo- bre o uso de materiais e isso tem que ser documento brasileiro (mas isso aparece
mia verde), ela não suprime esses limites objeto de discussão pública. O desenvol- também em outros textos da conferên-
e tal é o ponto central para uma nova go- vimento sustentável é incompatível com cia) insista no temor de que estes cri-
vernança (que é outro termo da Rio+20). a perpetuação deste poder. A transição térios possam ser usados, no comércio
O desafio desta nova governança não é para cidades humanas, que se organizem internacional, como barreiras não tarifá-
o que dominou o mundo desde a Revo- em função dos potenciais dos territórios, rias. O Brasil tem todo o interesse em li-
lução Industrial e que consistia em acre- do fortalecimento das comunidades e da derar um movimento que faça da manu-
ditar que o segredo do bem-estar estava qualidade de vida das pessoas, isso não tenção dos serviços ecossistêmicos dos
em produzir cada vez mais. Enquanto a combina com a maneira como se usam quais dependem as sociedades humanas
luta contra a desigualdade não se vincu- o ferro, o vidro, o plástico, os combustí- uma condição básica para a produção
lar ao estabelecimento de limites no uso veis fósseis, no sentido de produzir car- de bens e serviços. Assim como não se
dos materiais, da energia, da ocupação ros cada vez mais pesados, mais rápidos aceitam hoje produtos oriundos de tra-
do espaço carbono, ela nada mais será e que ficam parados nos congestiona- balho escravo ou infantil, não se podem
que a expectativa irrealista de melhorar mentos. A maior dificuldade dos dias de aceitar bens que se apoiem na destrui-
a vida dos pobres sem tocar no padrão hoje não é lidar com as carências e sim ção da biodiversidade, a menos que haja
de consumo e no poder dos que se en- com os excessos da vida econômica e, acordos internacionais no sentido de au-
contram no alto da hierarquia social. mais uma vez, esta não é a inspiração do torizar, por exemplo, emissões de gases
documento brasileiro, nem, pelo que vi de efeito estufa, mas para finalidades
IHU On-Line – E como entra nesta dis- até aqui, da conferência como um todo. que devem ser socialmente relevantes
cussão o segundo termo da conferên- e não, insisto, para o uso em carros de
cia, a governança? IHU On-Line – Como a dimensão tecno- três toneladas conduzindo um passagei-
Ricardo Abramovay – Este é o segundo lógica aparece nesta discussão? ro em seu trajeto. Em vários círculos de
ponto do que poderia ser uma aborda- Ricardo Abramovay – Aqui entra o ter- negócios e organizações da sociedade
gem inovadora. A governança do desen- ceiro ponto: o desenvolvimento susten- civil já se discute a necessidade de se
volvimento sustentável não pode deixar tável supõe uma verdadeira economia colocar a vida econômica a serviço do
de entrar no mérito daquilo que se faz do conhecimento e isso exige uma nova desenvolvimento sustentável. Esse, a
com os recursos disponíveis, sejam es- divisão internacional do uso dos recur- meu ver, deveria ser o eixo estratégico
tes recursos públicos ou privados. Não é sos ecossistêmicos. A África e a América da Rio+20.
consistente constatar, como faz o docu- Latina, continentes cuja biocapacidade
mento brasileiro, o estrangulamento ge- é superior a sua pegada ecológica, são
neralizado da mobilidade metropolitana os únicos em que o desmatamento ainda Leia Mais...
e nada propor para que seja revertido avança, mesmo que a um ritmo inferior
o papel do automóvel individual no sis- que há dez anos. Ao mesmo tempo, na >> Ricardo Abramovay já concedeu outras
entrevistas à IHU On-Line. Confira:
tema de transportes, no planejamento América Latina, a importância da oferta • A economia ecológica e os desafios para os econo-
das cidades e na própria estratégia de de energia, de commodities agrícolas e mistas de esquerda. Entrevista publicada na revista
organização da vida econômica. Cidades minerais traz a contrapartida macroeco- IHU On-Line número 287, de 30-03-2009, disponível
em http://bit.ly/uF2Cc5;
sustentáveis não combinam com o “car- nômica de desestimular indústrias mais • Economia de baixo carbono: o desafio brasileiro.
rocentrismo” da civilização contemporâ- intensivas em conhecimento em bene- Entrevista publicada no sítio do IHU em 22-11-2010,
nea. Mas a omissão não é só brasileira.  Saiba mais em http://www.uncsd2012.org/
disponível em http://bit.ly/szXLAX.

rio20/?menu=40 (Nota da IHU On-Line)

SÃO LEOPOLDO, 12 DE DEZEMBRO DE 2011 | EDIÇÃO 384 11


A incompatibilidade entre sustentabilidade, pobreza e miséria
“Organizações do terceiro setor e as associações de empresas comprometidas com a susten-
tabilidade se movimentam para que a Rio+20 não seja um fiasco completo”, afirma André
Trigueiro

Por Graziela Wolfart

N
a concepção do jornalista André Trigueiro, desde a realização da Rio-92, “o mundo avançou muito
menos do que poderia, ou deveria, nessas duas décadas. Há 20 anos saímos da inércia. Mas hoje
constatamos com certa perplexidade que a escalada de destruição do planeta não desacelerou
como deveria”. Para ele, na entrevista concedida por e-mail à IHU On-Line, importa esclarecer
que “a Rio+20 não é uma Conferência formal nas Nações Unidas, onde os países devam buscar
acordos oficiais sobre os assuntos discutidos. Não haverá, portanto, o estresse e a tensão das negociações
do clima e da biodiversidade, para citar apenas dois exemplos de assuntos estratégicos. Alguns diplomatas e
políticos entendem que essa forma ‘descontraída’ de promover o debate pode ajudar na buscar por acordos
informais que, eventualmente, se desdobrem na direção de uma formalidade legal. Mas não há garantias de
que isso aconteça. Está previsto também que as ONGs entreguem aos chefes de estado as conclusões dos
debates realizados pelo terceiro setor. Isso poderá gerar um fato de pressão positiva na busca por novos com-
prometimentos. É esperar para ver”. No entanto, conclui que “sem esses encontros tudo seria mais difícil.
O fato de os resultados até aqui serem relativamente escassos não invalida a iniciativa. O mundo precisa se
reconhecer em torno de uma mesma mesa. É assim que se constrói a agenda da mudança”.
André Trigueiro é jornalista, pós-graduado em Gestão Ambiental pela Coope/UFRJ e professor do curso
de Jornalismo Ambiental da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro – PUC-Rio. Na Globo News,
apresenta o programa “Cidades e soluções”, tratando da questão do meio ambiente. É autor de Meio
ambiente no século 21 (Rio de Janeiro: Sextante, 2003); Mundo sustentável (São Paulo: Globo, 2005); e
Espiritismo e ecologia (2ª ed. Rio de Janeiro: FEB, 2010). Confira a entrevista.

IHU On-Line – Quais são suas pers- sobre os encaminhamentos em rela- o Tratado da Biodiversidade nasceram
pectivas para a Rio+20? ção aos desafios climáticos do plane- ali. A expressão “desenvolvimento sus-
André Trigueiro – Não sabemos ao cer- ta? tentável” foi popularizada mundo afora
to quantos chefes de estado virão. O André Trigueiro – Cobri a Rio-92 e lem- a partir da Rio-92. De lá para cá registra-
que é certo é a gravidade da crise eco- bro-me bem da novidade que foi aquela mos muitas inovações importantes nos
nômica na Europa e nos Estados Unidos, Conferência e do que ela representou setores público e privado em favor do
que estará no centro das atenções nos para o mundo. O Protocolo de Kyoto e meio ambiente. Enfim, demos um passo
países desenvolvidos ano que vem e po- importante. Mas o mundo avançou mui-
derá ser usada como pretexto para não  Protocolo de Kyoto: consequência de uma  Convenção da Biodiversidade: acordo apro-
série de eventos iniciada com a Toronto Confe- vado durante a RIO-92, por 156 países e uma
avançarmos de imediato na direção de rence on the Changing Atmosphere, no Canadá organização de integração econômica regional.
um modelo mais sustentável de desen- (outubro de 1988), seguida pelo IPCC’s First Foi ratificada pelo Congresso Nacional Brasi-
volvimento, o que é um equívoco. Mas Assessment Report em Sundsvall, Suécia (agos- leiro e entrou em vigor no final de dezembro
to de 1990) e que culminou com a Convenção- de 1993. Os objetivos da convenção são a con-
organizações do terceiro setor e as as- Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança servação da biodiversidade, o uso sustentável
sociações de empresas comprometidas Climática (CQNUMC, ou UNFCCC em inglês) de seus componentes e a divisão equitativa
com a sustentabilidade se movimentam na ECO-92 no Rio de Janeiro, Brasil (junho de e justa dos benefícios gerados com a utiliza-
1992). Também reforça seções da CQNUMC. ção de recursos genéticos. Neste documento
para que a Rio+20 não seja um fiasco Constitui-se no protocolo de um tratado inter- destaca-se o “Protocolo de Biosegurança”,
completo. nacional com compromissos mais rígidos para que permite que países deixem de importar
a redução da emissão dos gases que agravam produtos que contenham organismos genetica-
o efeito estufa, considerados, de acordo com mente modificados. Dos 175 países signatários
IHU On-Line – Que retrospectiva his- a maioria das investigações científicas, como da Agenda 21, 168 confirmaram sua posição de
tórica pode ser feita desde a Eco-92 causa antropogênicas do aquecimento global. respeitar a Convenção sobre Biodiversidade.
(Nota da IHU On-Line) (Nota da IHU On-Line)

12 SÃO LEOPOLDO, 12 DE DEZEMBRO DE 2011 | EDIÇÃO 384


to menos do que poderia, ou deveria, “Há aqueles que não de riqueza com geração de renda e
nessas duas décadas. Há 20 anos saímos emprego, justiça social e respeito
da inércia. Mas hoje constatamos com percebem a questão da aos limites da natureza.
certa perplexidade que a escalada de
destruição do planeta não desacelerou pobreza como inerente IHU On-Line – Como imaginar um
como deveria. cenário com prosperidade sem
a qualquer debate que crescimento econômico?
IHU On-Line – O que há de novo, de André Trigueiro – Não é consensual
diferente na Rio+20 em relação às pretenda discutir um a tese de que o crescimento econô-
outras conferências do clima já re- mico seja sinônimo de prosperidade
alizadas? novo modelo de coletiva. O próprio termo “cresci-
André Trigueiro – Importa esclarecer mento” está sendo questionado por
que a Rio+20 não é uma Conferência desenvolvimento” economistas e pensadores. O econo-
formal nas Nações Unidas, onde os pa- mista da USP, Ladislau Dowbor, para
íses devam buscar acordos oficiais so- da pobreza no mundo, que estariam citar apenas um exemplo, diz que
bre os assuntos discutidos. Não have- melhor acomodados na expressão “crescer por crescer é a filosofia da
rá, portanto, o estresse e a tensão das “desenvolvimento sustentável”. Há célula cancerosa”. Há quem defenda
negociações do clima e da biodiversi- certo exagero nisso. Li o documen- um modelo de desenvolvimento em
dade, para citar apenas dois exem- to da ONU sobre economia verde e que a meta não seja simplesmente
plos de assuntos estratégicos. Alguns a questão da pobreza está colocada. “crescer”, mas promover a retirada
diplomatas e políticos entendem que Mas é bom estarmos vigilantes em sustentável dos recursos naturais.
essa forma “descontraída” de promo- relação a essa polêmica porque, de Nossa cultura desenvolvimentista
ver o debate pode ajudar na busca fato, há aqueles que não percebem (que elegeu o crescimento do PIB
por acordos informais que, eventual- a questão da pobreza como ineren- como meta) não enxerga os limites
mente, se desdobrem na direção de te a qualquer debate que pretenda do planeta, e isso pode se revelar
uma formalidade legal. Mas não há discutir um novo modelo de desen- extremamente ameaçador para a
garantias de que isso aconteça. Está volvimento. própria espécie humana. Os valores
previsto também que as ONGs entre- prevalentes da sociedade de consu-
guem aos chefes de estado as con- IHU On-Line – Qual o papel da so- mo são essencialmente predatórios,
clusões dos debates realizados pelo ciedade civil e das empresas para o não respeitam a resiliência do meio
terceiro setor. Isso poderá gerar um sucesso da Rio+20? ambiente e a melhor tradução disso
fato de pressão positiva na busca por André Trigueiro – É cada vez maior. em uma única palavra é “ecocídio”.
novos comprometimentos. É esperar À medida que os governos tendem a É preciso coragem intelectual para
para ver. se preocupar com a agenda de curto pensar de forma diferente, fazer as
prazo, com os planos de desenvolvi- perguntas certas e não ter medo das
IHU On-Line – Até que ponto essas mento imediatistas, é preciso buscar respostas.
reuniões ou conferências sobre o fora dos governos o arco de alianças
clima contribuem para uma real mu- que projetará o rumo dos debates
dança de paradigma em relação ao no longo prazo. Governos passam,
planeta? Leia Mais...
vem e vão. A sociedade fica. É pre-
André Trigueiro – Sem esses encon- ciso dar voz e vez aos legítimos re- >> André Trigueiro já concedeu outras en-
tros tudo seria mais difícil. O fato de presentantes do terceiro setor e das
trevistas à IHU On-Line. Confira:
os resultados até aqui serem relati- empresas. * Fontes sujas compõem a matriz energética brasi-
vamente escassos não invalida a ini- leira. Entrevista publicada nas Notícias do Dia do sí-
ciativa. O mundo precisa se reconhe- IHU On-Line – Que relação pode ser
tio do IHU em 05-12-2007, disponível em http://bit.
ly/av1wMr;
cer em torno de uma mesma mesa. estabelecida entre a sustentabili- * O mundo não depende de um acordo da ONU para
É assim que se constrói a agenda da dade socioambiental e a redução mudar, porque a mudança está em curso. Entrevista
mudança. das desigualdades no mundo?
publicada nas Notícias do Dia do sítio do IHU em 03-
01-2010, disponível em http://bit.ly/9wgBdr;
André Trigueiro – Os pobres e mise- * O mundo começa a partir da casa da gente. Entre-
IHU On-Line – Como seria uma eco- ráveis são as maiores vítimas da cri- vista publicada na revista IHU On-Line número 346,
nomia verde no contexto do desen- se ambiental. Resolver ou atenuar a
de 04-10-2010, disponível em http://bit.ly/9gHIXC;
* “Deus não seria justo se condenasse qualquer um
volvimento sustentável e da erradi- crise é prevenir o risco de um colap- de nós a uma pena eterna”. Entrevista publicada na
cação da pobreza? so social. Além disso, não é possível revista IHU On-Line número 349, de 01-11-2010, dis-
André Trigueiro – A expressão econo- falar de sustentabilidade onde ainda
ponível em http://bit.ly/aaFmfb;
* “A multiplicação de carros no Brasil é uma bomba
mia verde não é aceita por alguns seg- haja pobreza e miséria. Um mode- relógio ambiental de grandes proporções”. Entrevis-
mentos da sociedade que entendem lo sustentável de desenvolvimento é ta publicada no sítio do IHU em 16-03-2011, disponí-
aí uma tentativa de esvaziar o debate aquele que compatibiliza produção
vel em http://bit.ly/sb6Ij0.
sobre inclusão social e erradicação
SÃO LEOPOLDO, 12 DE DEZEMBRO DE 2011 | EDIÇÃO 384 13
“O Brasil tem condições para difundir um modelo de energia de
baixo carbono”
Para o jornalista Dal Marcondes, a Rio+20 será uma grande oportunidade para os países
colocarem no centro de suas pautas as questões relevantes do desenvolvimento limpo e da
economia verde

Por Graziela Wolfart

“N
ão será uma conferência de grandes decisões, principalmente porque o sistema da
ONU não permite revoluções”, constata o jornalista Dal Marcondes, sobre a Rio+20.
Segundo ele, “é sempre preciso construir consensos para que as decisões passem a
valer. O pior que se pode ter é a expectativa de transformações ou decisões radicais.
É bom lembrar, também, que essa conferência é muito mais de governança do que so-
bre meio ambiente. Além disso, todos os temas que atualmente estão sendo discutidos em COPs não terão
fórum na Rio+20. É preciso ajustar as expectativas ao que é possível conseguir para que, ao final, não sobre
um desagradável sabor de fracasso”. Na entrevista a seguir, concedida por e-mail para a IHU On-Line, Dal
Marcondes esclarece que “o Programa de Meio Ambiente da ONU vai levar à Rio+20 a proposição de trans-
formar a economia global em uma economia verde, que seja inclusiva, distributiva e capaz de reduzir as
desigualdades tanto entre as pessoas como entre os países. Um compromisso dos governos em caminhar
nessa direção pode ser um passo importante para a transformação da economia nos próximos anos”.
Dal Marcondes é graduado pela Escola de Comunicação e Artes e mestrando do Programa de Pós-Gra-
duação em Ciência Ambiental da USP. Especializado em Jornalismo Econômico, conta com passagens pelas
redações das revistas IstoÉ, Exame, Dirigente Industrial, pelas agências France Presse, Dinheiro Vivo, Agên-
cia Estado e pelos jornais DCI, Gazeta Mercantil e O Estado de S. Paulo. É editor no Brasil do Projeto Terra-
mérica, ligado aos Programas das Nações Unidas para o Meio Ambiente – PNUMA e para o Desenvolvimento
– PNUD, moderador da Rede Brasileira de Jornalismo Ambiental e membro do grupo de trabalho Comuni-
cação Ambiental, do Ministério do Meio Ambiente, e do Conselho de Ética do Fórum Amazônia Sustentável.
Fundador e atual diretor de redação da Envolverde (http://envolverde.com.br/), portal que tem como
missão Jornalismo & Sustentabilidade, recebeu em 2006 e 2008 o Prêmio Ethos de Jornalismo. É também
editor da revista Carta Verde – realizada em parceria com a revista Carta Capital. Confira a entrevista.

IHU On-Line – A Rio+20 conseguirá passem a valer. O pior que se pode apenas ouvir discursos em relação
obter bons resultados? Quais os pos- ter é a expectativa de transformações aos desafios do clima?
síveis entraves em relação à constru- ou decisões radicais. É bom lembrar, Dal Marcondes – Essa conferência não
ção de consensos para que as nego- também, que essa conferência é muito deverá tratar de temas relacionados
ciações entre os países avancem? mais de governança do que sobre meio às mudanças climáticas. A sociedade
Dal Marcondes – A Rio+20 será uma ambiente. Além disso, todos os temas não deve esperar nada nessa direção.
grande oportunidade para os países que atualmente estão sendo discutidos No entanto, podemos almejar uma
colocarem no centro de suas pautas em COPs não terão fórum na Rio+20. É maior consciência dos governos em
as questões relevantes do desenvol- preciso ajustar as expectativas ao que relação às urgências de compromissos.
vimento limpo e da economia verde. é possível conseguir para que, ao final, Na medida em que os países consegui-
No entanto, não será uma conferência não sobre um desagradável sabor de rem assumir compromissos de ampliar
de grandes decisões, principalmente fracasso. a governança socioambiental já será
porque o sistema da ONU não permi- um sucesso.
te revoluções. É sempre preciso cons- IHU On-Line – O que a Rio+20 pode
truir consensos para que as decisões oferecer à sociedade cansada de IHU On-Line – Qual a contribuição

14 SÃO LEOPOLDO, 12 DE DEZEMBRO DE 2011 | EDIÇÃO 384


que a mídia pode dar para as ques- “Será papel da diplomacia exemplo e ajudar outras economias
tões que fundamentarão o debate a criarem condições para a implan-
da Rio+20? Como você avalia que a brasileira buscar construir tação de geração limpa. Nosso país
conferência está sendo tratada até detém conhecimento, tecnologia e
então pela imprensa? os consensos necessários capacidade empreendedora para di-
Dal Marcondes – A mídia tem um papel fundir um modelo de energia de bai-
fundamental em relação a essa confe- para que a Rio+20 não seja xo carbono.
rência. Apenas uma pequena parcela
dos brasileiros sabe o que é a Rio+20 um fracasso” IHU On-Line – Quais as possíveis de-
e para o que ela servirá. Portanto, os tas e não uma militância. O jornalista mandas que a sociedade em geral
jornalistas e os meios de comunica- deve tratar a pauta ambiental com o irá levar para a Rio+20?
ção devem aprofundar as coberturas mesmo rigor jornalístico que trataria Dal Marcondes – A sociedade tem
de forma a dar à sociedade uma visão qualquer pauta. muitas demandas, mas creio que as
mais abrangente sobre as pautas da mais importantes estarão focadas em
Rio+20. Até agora a mídia ainda está IHU On-Line – Que novo modelo polí- transparência e sistemas de governan-
tratando o tema de forma superficial e tico e econômico pode surgir nos de- ça para a transição para a economia
buscando pautas sensacionalistas. Será bates da Rio+20 como alternativa ao verde. Será preciso manter a pressão
preciso melhorar muito a cobertura atual, que seja algo mais na linha do sobre os países para garantir avanços.
para que a sociedade brasileira pos- baixo carbono, por exemplo? As organizações sociais devem tomar
sa acompanhar o evento. No entanto, Dal Marcondes – O Programa de Meio cuidado para não perder o foco. Um
uma conferência da ONU não é uma Ambiente da ONU vai levar à Rio+20 a exemplo disso é que muita gente acha
coisa fácil de se cobrir. Será preciso proposição de transformar a economia que essa conferência tem de oferecer
preparar equipes de profissionais com global em uma economia verde, que um espaço para debates de temas que
informações e dados para que consi- seja inclusiva, distributiva e capaz de sequer estão na pauta, como as mu-
gam entender a dinâmica da Rio+20. reduzir as desigualdades tanto entre danças climáticas.
as pessoas como entre os países. Um
IHU On-Line – Como você avalia o jor- compromisso dos governos em cami- IHU On-Line – Como será a relação
nalismo ambiental no Brasil hoje? nhar nessa direção pode ser um passo entre os países ricos e os emergentes
Dal Marcondes – O jornalismo brasilei- importante para a transformação da na Conferência?
ro avançou muito na cobertura sobre economia nos próximos anos. Dal Marcondes – Será uma relação di-
meio ambiente nos últimos anos. Mas fícil, de interesses diferentes, mas que
esse não é um tema fácil. Os profissio- IHU On-Line – Considerando as fontes deve ser trabalhada para que soluções
nais que atuam nessa área precisam se alternativas de energia limpa, qual e compromissos possam ser construí-
qualificar e se preparar para entender deve ser o papel do Brasil nos deba- dos. Com a atual crise internacional
a transversalidade das questões am- tes da Rio+20? os países ricos já perceberam que não
bientais. Hoje a cobertura ambiental Dal Marcondes – O Brasil tem um papel conseguem mais se manter em um
não está mais estrita a mídias seg- fundamental na conferência, enquan- mundo de unilateralismo. É preciso
mentadas ou de militância. Já ganhou to anfitrião. Será papel da diplomacia construir novas relações multilaterais
espaços nobres em meios de grande brasileira buscar construir os consen- capazes de dar ao planeta uma dinâ-
circulação, seja impresso, rádio e TV sos necessários para que a Rio+20 não mica de transformações. Sou otimista
ou internet. É importante, no entanto, seja um fracasso. Também, enquanto em relação à diplomacia e acredito na
ter claro que o jornalismo ambiental, o país com o melhor perfil em termos boa vontade dos homens. Não é fácil,
antes de qualquer coisa, é jornalismo. de energias limpas, ele deve ser um mas não é impossível.
O ambiental é uma escolha de pau-

Leia os Cadernos IHU ideias no site do IHU


www.ihu.unisinos.br

SÃO LEOPOLDO, 12 DE DEZEMBRO DE 2011 | EDIÇÃO 384 15


Rio+20: centrada no equilíbrio entre a sustentabilidade
e a equidade
Enquanto a Rio-92 tratou de levantar objetivos e metas em relação ao planeta, a Rio+20 terá
como missão pensar uma forma de implementá-los, compara Ladislau Dowbor

Por Graziela Wolfart

P
ara o economista Ladislau Dowbor, um ponto central da Rio+20 é “entender a articulação po-
sitiva que tem a busca de se reduzir as duas principais ameaças que temos pela frente: uma é
ambiental e a outra é da desigualdade, que estão literalmente destruindo o planeta. Esses são
os dois eixos de mudança”. Na entrevista a seguir, concedida à IHU On-Line por telefone, Dow-
bor defende que “para materializar na Rio+20 propostas concretas e factíveis, precisamos gerar
compromissos concretos de cada país, criar planos de desenvolvimento sustentável que tracem metas e
objetivos tal como se fez com as metas do milênio, para que cada país calcule no sentido de ver se estão
sendo alcançadas ou não”.
Ladislau Dowbor é graduado em Economia Política pela Université de Lausanne (Suíça), com especiali-
zação em Planificação Nacional pela Escola Superior de Estatística e Planejamento, onde fez o mestrado
em Economia Social e doutorado em Ciências Econômicas. Atualmente é professor na PUC-SP. Confira a
entrevista.

IHU On-Line – Que relação pode ser des corporações transnacionais. O PIB todologias de segmento das mudanças
estabelecida entre o PIB e o nível de não mede como se chega a resultados climáticas e da medição dos casos de
satisfação das pessoas? econômicos, em termos de possível efeito estufa, por tipo de atividade,
Ladislau Dowbor – Primeiro, devemos truculência. Vejam o comportamento por país, etc.; a metodologia de seg-
colocar “na mesa” o nosso objetivo das grandes empresas farmacêuticas, mento da concentração de renda, na
geral: queremos viver melhor, ter mais ou das fábricas de agrotóxicos, por linha do cálculo do coeficiente Gini.
qualidade de vida e de maneira sus- exemplo. O PIB não mede as dimen- Mas também estão chegando as meto-
tentável, portanto, sem prejudicar as sões social, ambiental e democrática dologias do cálculo da concentração
gerações futuras, mas também numa dessa dinâmica. de riqueza acumulada. Porque há uma
base de equidade, ou seja, que todos grande diferença entre renda e rique-
tenham direito a seu pão cotidiano, IHU On-Line – Como esse debate deve za. A riqueza está incomparavelmente
sempre de forma democrática, com aparecer na Rio+20? mais concentrada do que a renda. Pela
liberdade de opções. Isso tem sido tra- Ladislau Dowbor – Essas diversas di- primeira vez, temos uma análise do
duzido nos quatro pilares do processo, mensões serão colocadas na Rio+20. poder corporativo planetário. Isso é
que são: um desenvolvimento que seja O Relatório sobre o Desenvolvimento IHU On-Line)
 Coeficiente de Gini: medida de desigualda-
economicamente viável; socialmente Humano 2011, que saiu recentemen- de desenvolvida pelo estatístico italiano Cor-
justo; ambientalmente sustentável; te, coloca com toda a clareza que a rado Gini, em 1912. É comumente utilizada
e politicamente livre e participativo. Rio+20 está centrada no equilíbrio para calcular a desigualdade de distribuição
de renda, mas pode ser usada para qualquer
Desses quatro pilares, o PIB mede ape- entre a sustentabilidade e a equida- distribuição. Ele consiste em um número entre
nas um, que é a questão econômica. de. As metodologias já estão pratica- 0 e 1, onde 0 corresponde à completa igual-
Não estamos medindo, com o PIB, que mente disponíveis, por exemplo, a do dade de renda (onde todos têm a mesma ren-
da) e 1 corresponde à completa desigualdade
tipo de impacto ambiental é provoca- cálculo de pegada ecológica; as me- (onde uma pessoa tem toda a renda, e as de-
do pela sociedade do petróleo, nem o  A expressão “Pegada ecológica” é uma tradu- mais nada têm). O índice de Gini é o coefi-
grau democrático dos processos eco- ção do Inglês ecological footprint e refere-se, ciente expresso em pontos percentuais (é igual
em termos de divulgação ecológica, à quanti- ao coeficiente multiplicado por 100). (Nota da
nômicos, coisa que está cada vez mais dade de terra e água que seria necessária para IHU On-Line)
visível com as últimas pesquisas, que sustentar as gerações atuais, tendo em conta  Sobre o tema, leia o artigo “A rede do poder
mostram o poder avassalador das gran- todos os recursos materiais e energéticos gas- corporativo mundial”, de autoria de Ladislau
tos por uma determinada população. (Nota da Dowbor, publicado no sítio do IHU em 24-11-

16 SÃO LEOPOLDO, 12 DE DEZEMBRO DE 2011 | EDIÇÃO 384


importante para a dimensão da demo- e estimular a demanda, reduzem-se os jetivos gerais do planeta. Ela foi extre-
cratização dos processos econômicos. impactos da crise financeira internacio- mamente importante, essencialmen-
Temos um conjunto de metodologias nal. Esse processo envolve também os te como um espaço de repercussão da
que foram desenvolvidas para o seg- investimentos na área social: educação, problemática ambiental. Antes disso, as
mento das Oito Metas do Milênio, que saúde, cultura. É um tipo de consumo pessoas que falavam em meio ambiente
serve para medir o desenvolvimento, que melhora a qualidade de vida, torna eram categorizadas como “ecochatos”,
que se tornou complexo demais. Cada as pessoas mais produtivas e não gera como “ecofrescos”, e não se entendia
vez mais se trata de qualidade e menos impactos ambientais negativos. Além o tamanho do drama que estamos en-
de quantidade. A mudança nas medi- disso, há outro impacto, cada vez mais frentando. Depois da Rio-92 as pessoas
das casa com a adequação do conjunto aparente, que envolve a mudança tec- pararam de ver isso como algo ridículo.
dos processos produtivos, não só pro- nológica. Quando se passa de transpor- O meio ambiente ocupou seu espaço na
dução fabril e agrícola, mas também te individual, por meio de carro, para o consciência das pessoas. No entanto,
educação, saúde e outros setores em transporte coletivo, por meio do metrô, não se geraram os mecanismos efetivos
função desses quatro pilares centrados à base de energia elétrica, reduzindo de implementação, porque se tentou fa-
na qualidade de vida das pessoas. muito os impactos ambientais, gera-se zer metas planetárias quando não há um
um salto em termos de outra forma de governo planetário e o sistema multila-
IHU On-Line – Quais os caminhos ino- utilizar a tecnologia. Isso estimula o teral existente (ONU, Banco Mundial...)
vadores e desafiadores que a confe- desenvolvimento de novas tecnologias, não tem essa capacidade de pressionar
rência das Nações Unidas no Rio de o que nos obriga a dar uma guinada nas pela implementação. Então, apesar de
Janeiro precisa trilhar? políticas tecnológicas. O problema das alguns avanços do IPCC e dos acordos de
Ladislau Dowbor – Um ponto central é grandes cidades, como São Paulo, por Kyoto, temos uma estagnação. Por isso
entender a articulação positiva que tem exemplo, não é a falta de recurso, de afirmo que, enquanto a Rio-92 colocou
a busca de se reduzir as duas principais dinheiro, mas é a falta de um processo os grandes objetivos, a Rio+20 será es-
ameaças que temos pela frente: uma decisório inteligente. O que diferencia sencialmente a discussão de como eles
é ambiental e a outra é da desigualda- a Eco-92 – o que apontamos como os serão implementados.
de, que estão literalmente destruindo grandes desafios climáticos do planeta
o planeta. Esses são os dois eixos de (água, florestas, etc.) – em relação à IHU On-Line – Em que sentido a
mudança. A articulação das medidas é Rio+20 é que esta vai estar mais cen- Rio+20 pode ser um marco na eco-
que está se tornando interessante em trada nas formas de governança. Nós nomia verde que o mundo começa a
função do seguinte mecanismo: distri- temos problemas planetários, mas não perseguir? E como o Brasil pode se
buindo a renda, gera-se uma dinâmica temos instrumentos de governança que inserir na ideia de economia verde?
de consumo na base da sociedade. Tra- sejam planetários. Cada vez que apare- Ladislau Dowbor – Primeiro, o concei-
ta-se de um consumo necessário, pois ce um problema juntamos um G-7, um to de economia verde é escorregadio,
são pessoas privadas do essencial. Isso G-8, um G-20 e daqui a pouco vamos in- porque puxa muito para o ambiental
tem um impacto social evidente, além ventar um G-194 para todos os países. e insuficientemente para a dimensão
do impacto econômico, pois gera tanto Para materializar na Rio+20 propostas social, de reorganização econômica.
mercado interno como a multiplicação concretas e factíveis, precisamos gerar Há certa tensão, nesse sentido, e a
de empreendedorismo individual, de compromissos concretos de cada país, visão progressista nesse processo está
pequenas atividades locais. Ao dinami- criar planos de desenvolvimento sus- buscando que se defina claramente o
zar a economia, por redistribuir a renda tentável, que tracem metas e objeti- equilíbrio entre o que é a problemáti-
2011 e disponível em http://bit.ly/uNXCoY vos tal como se fez com as metas do ca ambiental e o que é a problemática
(Nota da IHU On-Line)
 Objetivos de Desenvolvimento do Milênio:
milênio, para que cada país calcule no social, em particular a questão da desi-
acabar com a extrema pobreza e a fome, pro- sentido de ver se estão sendo alcança- gualdade. Esse reequilibrar da dimen-
mover a igualdade entre os sexos, erradicar das ou não. são social com a dimensão ambiental
doenças que matam milhões e fomentar no-
vas bases para o desenvolvimento sustentável
IHU On-Line – Que balanço o senhor é muito forte, e nessa conferência vai
dos povos são alguns dos oito objetivos da ONU faz do que foi feito durante duas dé- estar muito mais presente. O verde so-
apresentados na Declaração do Milênio, e que cadas com a Convenção do Clima e zinho é, francamente, insuficiente.
se pretendem alcançar até 2015. Os Objetivos
de Desenvolvimento do Milênio (ODM) surgem
a Convenção da Biodiversidade esta-  Painel Intergovernamental sobre Mudança
da Declaração do Milênio das Nações Unidas, belecidas na Eco-92? Climática (IPCC): órgão das Nações Unidas res-
adotada pelos 191 estados membros no dia 8 de Ladislau Dowbor – A Eco-92, através ponsável por produzir informações científicas
setembro de 2000. Criada em um esforço para em três relatórios que são divulgados periodi-
sintetizar acordos internacionais alcançados
da Agenda 21, colocou em cena os ob- camente desde 1988. Os relatórios são base-
em várias cúpulas mundiais ao longo dos anos  Agenda 21: processo e instrumento de plane- ados na revisão de pesquisas de 2500 cientis-
90 (sobre meio-ambiente e desenvolvimento, jamento participativo para o desenvolvimento tas de todo o mundo. O documento divulgado
direitos das mulheres, desenvolvimento social, sustentável e que tem como eixo central a sus- pelo IPCC em fevereiro de 2007 afirmou que
racismo, etc.), a Declaração traz uma série de tentabilidade, compatibilizando a conservação os homens são os responsáveis pelo aqueci-
compromissos concretos que, se cumpridos nos ambiental, a justiça social e o crescimento mento global. Sobre o tema, a IHU On-Line
prazos fixados, segundo os indicadores quanti- econômico. O documento é resultado de uma 215 produziu uma edição especial, intitulada
tativos que os acompanham, deverão melhorar vasta consulta à população brasileira, sendo Estamos no mesmo barco. E com enjôo. Ano-
o destino da humanidade neste século. (Nota construída a partir das diretrizes da Agenda 21 tações sobre o relatório do IPCC. (Nota da IHU
da IHU On-Line) global. (Nota da IHU On-Line) On-Line)

SÃO LEOPOLDO, 12 DE DEZEMBRO DE 2011 | EDIÇÃO 384 17


“Devemos erradicar a pobreza e manter nossas
florestas em pé”
“Dependendo do enfoque, os temas propostos na Rio+20 podem ser mais uma cortina de
fumaça nas soluções dos problemas de fundo, ocasionados pela crise ambiental planetária”,
aponta o integrante da Coordenação da Rede Brasileira de Integração dos Povos – Rebrip,
Pedro Ivo de Souza Batista.

Por Patricia Fachin

“O
s temas colocados pela ONU para essa Conferência demonstram um processo de recuo
no enfrentamento dos problemas globais da crise ambiental planetária”, diz Pedro
Ivo de Souza Batista, ao avaliar a agenda de discussões da Rio+20, que acontecerá no
próximo ano. Crítico ao tema principal do encontro, ele diz que a discussão central
deveria questionar o “o modelo de desenvolvimento e nele pensar a economia, as
questões sociais, as questões ambientais de forma integrada”. “Em lugar disso, o centro do debate será a
economia verde no contexto da erradicação da pobreza e governança mundial, proporcionando um enfoque
bastante limitado e com grande risco do debate concentrar-se em saídas para o grande capital”, reitera.
Na avaliação de Batista, a discussão sobre o crescimento econômico não pode ser linear porque cada
país deve levar em consideração a sua realidade conjuntural. “Em muitas partes do globo precisamos en-
frentar desafios relacionados à pobreza e ao baixo consumo, mas, em outras partes, o desafio é diminuir
o consumismo e um estilo de vida insustentável. Por isso o Brasil não pode copiar os modelos de desenvol-
vimento depredador hegemônico e o mundo não pode copiar o modelo de desenvolvimento dos EUA, do
Japão e de certos países da Europa, já que não haveria planeta suficiente para comportar esses modelos”,
propõe, em entrevista concedida à IHU On-Line por e-mail.
Pedro Ivo de Souza Batista também comenta as alterações do novo texto do Código Florestal e enfatiza:
“Se a presidente não vetar os principais artigos incluídos pelo Congresso Nacional, os quais prejudicam o
país e as nossas florestas, a posição brasileira ficará extremamente fragilizada no debate internacional e a
Conferência da ONU se transformará, no mínimo, em Rio ‘menos’ 20”.
Pedro Ivo de Souza Batista é membro da Associação Alternativa Terrazul, integrante da equipe de coor-
denação da Rede Brasileira de Integração dos Povos – Rebrip e do Grupo Articulador do Comitê Facilitador
da Sociedade Civil para a Rio+20. Confira a entrevista.

IHU On-Line – Quem integra o Co- a cidadania, construindo posições que internacionais. Ela será um espaço ex-
mitê Facilitador da Sociedade Civil tenham a justiça social e ambiental clusivo da sociedade civil e dos cida-
– CFSC Rio+20 e a Cúpula dos Povos como centro político. O processo da dãos e cidadãs que desejam contribuir
na Rio+20? Quais são os objetivos Conferência Rio+20 envolve principal- para que a Rio+20 tenha posições mais
desses grupos? mente dois momentos importantes: a próximas dos anseios populares.
Pedro Ivo de Souza Batista – O Comitê própria Conferência Oficial da ONU e a O Comitê Facilitador tem um Gru-
Facilitador da Sociedade Civil – CFSC Conferência da Sociedade Civil deno- po de Articulação composto por apro-
é um espaço plural de participação minada Cúpula dos Povos por Justiça ximadamente 20 movimentos e redes
dos movimentos sociais e organizações Social e Ambiental. nacionais que aglutina organizações
brasileiras. Ele está aberto à adesão de A Cúpula se realizará entres os dias ambientalistas, indígenas, feministas,
entidades que desejam participar do 15 e 23 de junho, no Rio de Janeiro, ecumênicas, sindicais, de integração
processo da Conferência Rio+20 e seu e está sendo convocada pelo Comitê regional, de negros, de jovens, de
objetivo é facilitar, mobilizar e animar Facilitador e por várias organizações direitos humanos, de economia soli-

18 SÃO LEOPOLDO, 12 DE DEZEMBRO DE 2011 | EDIÇÃO 384


dária, entre outros. (Detalhes no site
www.cupuladospovos.org.br.)
“A sensação que tenho é tuei antes, vejo problemas na discussão
de economia verde para erradicação da

IHU On-Line – Que avaliação faz da


que de conferência em pobreza. Penso que deveríamos discutir o
modelo de desenvolvimento e nele pen-
agenda de discussões que está sendo
proposta para a Rio+20? Temas de in-
conferência, vai-se sar a economia, as questões sociais, as
questões ambientais de forma integrada.
teresse dos povos serão tratados na
conferência?
diminuindo o alcance da Da forma como isso está sendo discutido,
podemos ter soluções altamente falacio-
Pedro Ivo de Souza Batista – Infeliz-
mente, os temas colocados pela ONU
pauta para que as sas. Parte do agronegócio afirma que
plantar soja é economia verde. Outros
para essa conferência demonstram
um processo de recuo no enfrenta-
posições sejam cada vez imaginam que plantação de monocultura
de eucaliptos é também economia ver-
mento dos problemas globais da crise
ambiental planetária. A sensação que
mais distantes dos de; muitos querem discutir mecanismos
financeiros dissociados dos direitos das
tenho é que de conferência em con-
ferência, vai-se diminuindo o alcance
interesses populares” populações e, assim, conquistar mais fi-
nanciamento para as grandes empresas,
da pauta para que as posições sejam mundo vêm impondo à sociedade, per- excluindo as comunidades que já fazem
cada vez mais distantes dos interes- cebe-se que se trata de uma globaliza- produção sustentável, gerando, por fim,
ses populares. Seria muito importante ção dos mercados com forte tendência mais desigualdade e pobreza.
discutirmos nessa oportunidade o mo- à exclusão social. Nesse sentido, orga- Também o debate da pobreza não é
delo de produção e consumo e o que nizações e movimentos sociais de todo simples, porque ele não pode ser disso-
se pode fazer para mudar a tendência o mundo se opuseram a esse processo. ciado do modelo de desenvolvimento. A
destrutiva do atual desenvolvimento. No bojo desse processo surgiram várias hidrelétrica de Belo Monte, por exem-
Seria fundamental discutir os impasses redes e alianças dos movimentos sociais plo, é uma das grandes obras que o go-
do último período de negociações dos e organizações civis para propor outra verno brasileiro impulsiona, utilizando
chamados ciclos sociais e ambientais forma de globalização que integrasse como justificativa a necessidade de o
das conferências da ONU. Seria de os povos numa perspectiva mais am- país crescer e erradicar a pobreza. Mas
igual importância que ONU patroci- pla, buscando não somente a relação o fato é que devemos erradicar a po-
nasse uma discussão de alto nível para econômica, mas também a integração breza e manter nossas florestas em pé.
enfrentar a crise climática, a perda de social, cultural, trabalhista, etc. Por isso que deveríamos estar discutin-
biodiversidade, a falta de justiça so- No Brasil, a Rede Brasileira de In- do o modelo global de desenvolvimen-
cioambiental e direitos humanos, prin- tegração dos Povos – Rebrip formou-se to, discutindo que o “crescimento” não
cipalmente para as populações mais com esse objetivo e, em perceria com pode ser linear, pois em muitas partes
pobres e vulneráveis. outras redes semelhantes nas Américas, do globo precisamos enfrentar desafios
Em lugar disso, o centro do debate constitui a Aliança Social Continental. relacionados à pobreza e ao baixo con-
será a economia verde no contexto da Essas novas organizações foram funda- sumo, mas, em outras partes, o desafio
erradicação da pobreza e governança mentais para se contrapor aos mode- é diminuir o consumismo e um estilo
mundial, proporcionando um enfoque los globalizantes neoliberais, como a de vida insustentável. Por isso o Brasil
bastante limitado e com grande risco Aliança do Livre Comércio das Américas não pode copiar os modelos de desen-
do debate concentrar-se em saídas – Alca, alternativas inclusivas e sob a volvimento depredador hegemônico e
para o grande capital. Mesmo com es- lógica da sociedade civil. No decorrer o mundo não pode copiar o modelo de
sas limitações, a sociedade civil fará do processo, essas redes foram incor- desenvolvimento dos EUA, do Japão e
o bom combate e tentará influenciar porando à defesa por justiça ambien- de certos países da Europa, já que não
para que os acordos sejam progressis- tal como um dos elementos dessa luta haveria planeta suficiente para compor-
tas. Por isso que a Cúpula dos Povos internacional e estão, cada vez mais, tar esses modelos. A discussão é muito
terá como centro a justiça social e am- presentes nas lutas socioambientais. mais complexa e precisa de muito mais
biental; afinal, para a maioria das po- compromisso e responsabilidade global
pulações do mundo a crise ambiental IHU On-Line – Entre os temas centrais para reverter a gravidade da situação.
planetária implica em tirar-lhes direi- da Rio+20, está o debate sobre o de- O caso do aquecimento global, por
tos e territórios, destruindo ainda mais senvolvimento da economia verde exemplo, muitos estão tratando como
a natureza. Essa realidade não pode como alternativa à pobreza. Quais uma nova oportunidade de ganhar di-
ser omitida em função de uma genérica são hoje os limites de se discutir a nheiro. O fato é que a emissão de gases
discussão sobre economia verde. economia verde, considerando todos não só não diminuiu, mas também teve
os mecanismos financeiros em rela- crescimento recorde em 2011.
IHU On-Line – Em que consiste uma ção às questões ambientais? É possí-
reintegração dos povos? vel tratar de uma economia verde e IHU On-Line – Qual a necessi-
Pedro Ivo de Souza Batista – Na pro- desenvolvimento sustentável? dade de aproximar a temáti-
posta de globalização que os donos do Pedro Ivo de Souza Batista – Como acen- ca ambiental das discussões
SÃO LEOPOLDO, 12 DE DEZEMBRO DE 2011 | EDIÇÃO 384 19
socioeconômicas? dernização do Código vigente poderiam
Pedro Ivo de Souza Batista – Não se
“Se a presidente não ser feito no âmbito do Conselho Nacio-
trata de aproximar, mas sim de inte- nal do Meio Ambiente – Conama, ou por
grar esses temas: ecologia e economia.
vetar os iniciativa do Executivo. Na verdade, as
Eles jamais deveriam ser separados. mudanças que estão sendo introduzidas
O pensamento dominante assim o fez
principais artigos foram provocadas não pela ineficiência
para melhor reproduzir o sistema e, em do Código, mas porque a partir de 2008
certa medida, por desconhecimento
incluídos pelo ele vem sendo aplicado de forma mais
das inter-relações entre as duas áreas. efetiva, tanto que tivemos queda no
Hoje, com os avanços da ciência mo-
Congresso Nacional, desmatamento, prisão de infratores e
derna, não podemos mais ignorar que milhões em multas, com desarticulação
as soluções para os graves problemas
a posição brasileira de quadrilhas que viviam do comércio
incluem uma nova forma de pensar, um ilegal de madeira na Amazônia.
novo paradigma, uma visão sustentá-
ficará Assim, essas mudanças que estão
vel que integre as diversas dimensões, sendo feitas no Congresso Nacional são
tais como a econômica, social, política,
fragilizada e a para beneficiar os infratores e “legali-
ambiental, cultural, ética e estética. zar” o delito. Elas não vão melhorar a
Conferência da ONU aplicação do Código e não são frutos
IHU On-Line – Entre os temas a serem de um consenso que beneficiará o povo
discutidos na Rio+20, qual agenda é
se transformará, no brasileiro e protegerá as florestas, tal
mais urgente? como insistem seus relatores, os sena-
Pedro Ivo de Souza Batista – Dependen-
mínimo, em Rio dores Jorge Viana e Luís Henrique. As
do do enfoque, os temas propostos na alterações do Código beneficiarão prin-
Rio+20 podem ser mais uma cortina de
“menos” 20, em cipalmente o seguimento mais atrasa-
fumaça nas soluções dos problemas de do dos produtores brasileiros, que é o
fundo, ocasionados pela crise ambiental
lugar de Rio “mais” agronegócio. Em função disso, serão
planetária. Mesmo assim, deveríamos sacrificados o interesse nacional, as
nos concentrar em avanços concre-
20” populações que vivem nas e das flores-
tos em relação às mudanças climáticas to, ter assumido metas para a diminui- tas e a nossa rica biodiversidade, sem
– pela urgência e gravidade do proble- ção do aquecimento e ter avançado na falar nas graves consequências para o
ma – e pensar a discussão da arquitetura demarcação das terras indígenas, colo- nosso clima e para o meio ambiente
global como uma oportunidade. Desse ca nosso país na vanguarda da discussão brasileiro.
modo, defendo que a Conferência possa sobre desenvolvimento sustentável. To- Apesar de algumas melhorias pon-
aprovar a criação de um órgão mundial davia, nesse último período, vemos uma tuais incluídas no Senado em relação
para o desenvolvimento, com peso po- tentativa enorme de retrocesso na po- à Câmara dos Deputados, o Código
lítico e recursos necessários para ajudar lítica ambiental brasileira, como fortes continua favorecendo os desmatado-
no enfrentamento dos problemas am- indícios do aprofundamento do modelo res, promovendo a anistia, diminuindo
bientais globais. Algo que tenha peso na desenvolvimentista insustentável. Belo áreas de reserva legal e Áreas de Pro-
área da sustentabilidade, como a Orga- Monte se enquadra nessa lógica e, como teção Permanente – APPs, favorecendo
nização Mundial do Comércio – OMC tem modelo de hidrelétrica, ela já demons- novos desmatamentos, além de insti-
em sua área. Fortalecer o Programa das tra ser equivocada; o fato de fazer isso, tuir a farra do camarão em cativeiro,
Nações Unidas para o Meio Ambiente – sem consulta prévia aos povos indígenas, quando transforma a aquicultura em
PNUMA não é suficiente, apesar de todas só agrava o problema. Infelizmente o re- atividade de utilidade pública, entre
as contribuições desse órgão. A luta para trocesso não para por aí: estamos vendo mais de 39 pontos críticos observados
enfrentar a crise ambiental planetária a simplificação do licenciamento am- pelo Comitê em Defesa das Florestas
deve ganhar um órgão com força e poder biental para grandes obras, tentativas (http://www.comiteflorestas.org.br).
político para dar à agenda da sustentabi- de barrar novas demarcações em terra Se esse código for sancionado pela
lidade a centralidade que ela merece. indígena e uma diminuição na criação de presidente Dilma Rousseff na forma
Unidades de Conservação. como está, teremos um retrocesso his-
IHU On-Line – Como vê a posição do tórico e de difícil reversão. Se a pre-
Brasil em expandir as hidrelétricas e IHUOn-Line–Quaissão,emsuaavaliação, sidente não vetar os principais artigos
desconsiderar a consulta prévia aos os principais impasses do novo texto do incluídos pelo Congresso Nacional, os
povos indígenas no caso de Belo Mon- Código Florestal? quais prejudicam o país e as nossas
te, por exemplo? Pedro Ivo de Souza Batista – Sou de opi- florestas, a posição brasileira ficará ex-
Pedro Ivo de Souza Batista – O Brasil nião que não era necessário termos um tremamente fragilizada no debate in-
tem tido, até agora uma posição pro- novo Código Florestal. Tenho forte con- ternacional e a Conferência da ONU se
gressista no debate mundial. O fato de vicção que uma atualização e uma mo- transformará, no mínimo, em Rio “me-
ter conseguido diminuir o desmatamen- nos” 20, em lugar de Rio “mais” 20.
20 SÃO LEOPOLDO, 12 DE DEZEMBRO DE 2011 | EDIÇÃO 384
SÃO LEOPOLDO, 12 DE DEZEMBRO DE 2011 | EDIÇÃO 384 21
Entrevista da Semana
Os rumos do capitalismo global: locomotivas voltam para os
trilhos, vagões descarrilam
Crises econômicas têm quatro manifestações distintas: real, financeira, fiscal e cambial. No mé-
dio prazo os EUA e países desenvolvidos da Europa devem sair da crise. Já o Brasil será atingido
se não houver mudanças significativas na estratégia e política econômicas

Por Graziela Wolfart e Márcia Junges

“O
cenário mais provável é que os Estados Unidos e os principais países desenvolvidos da
Europa saiam da crise atual no médio prazo. O Brasil, porém, tende a ser atingido pela
crise se não ocorrerem mudanças significativas na estratégia e na política econômicas”.
A previsão é do economista Reinaldo Gonçalves, em entrevista concedida por e-mail à
IHU On-Line. Segundo ele, as “crises no capitalismo também ocorrem porque a ânsia de
riqueza e renda (fenômeno também chamado de ‘espírito animal’ do capitalista) gera variações extraordiná-
rias de preços de bens (petróleo e outros), moedas (dólar, euro, etc.) e ativos financeiros (ações e outros) e
reais (exemplo, imóveis)”.
Reinaldo Gonçalves é formado em Economia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ. Obteve o tí-
tulo de mestre em Economia, pela Fundação Getúlio Vargas – FGV-RJ, e de doutor em Letters and Social Sciences
pela University of Reading, na Inglaterra. Atualmente leciona na UFRJ. É autor de Economia internacional. Teoria
e experiência brasileira (Rio de Janeiro: Elsevier, 2004) e Economia política internacional. Fundamentos teóricos e
as relações internacionais do Brasil (Rio de Janeiro: Elsevier, 2005). Publicou também com Luís Filgueiras, o livro A
economia política do governo Lula (Rio de Janeiro: Contraponto, 2007). Confira a entrevista.

IHU On-Line – Quais são as perspec- Reinaldo Gonçalves – Crise é a irmã do. Isto é, ocorrem problemas graves
tivas para o Brasil frente a crise eco- mais nova da instabilidade. Ela é filha nos bancos e mercado de capitais. Há
nômica? natural do capitalismo. Instabilidade, crise fiscal quando o governo tem difi-
Reinaldo Gonçalves – Há risco cres- no capitalismo, significa alternância culdade para expandir a dívida pública
cente de que o número de países atin- de situações de prosperidade e crise. (mercado de títulos públicos). Há crise
gidos por crises econômicas aumente. Os economistas chamam de fases esses cambial ou de contas externas quando
No entanto, o cenário mais provável é fenômenos – ascendentes e descen- relações comerciais e financeiras com
que os Estados Unidos e os principais dentea – do ciclo econômico. Na fase outros países são restringidas, o que
países desenvolvidos da Europa saiam descendente, surge a crise econômica, impede a geração de renda no país e o
da crise atual no médio prazo. O Brasil, que é a perda ou risco crescente de financiamento dos gastos no exterior.
porém, tende a ser atingido pela crise perda de renda e bem-estar por parte Crises no capitalismo também
se não ocorrerem mudanças significati- de parcela expressiva da sociedade. ocorrem porque a ânsia de riqueza e
vas na estratégia e na política econômi- Crise, portanto, é fase difícil ou grave renda (fenômeno também chamado de
cas. Assim, o cenário atual parece in- da evolução dos processos, estruturas “espírito animal” do capitalista) gera
dicar que as locomotivas voltarão para e relações econômicas. variações extraordinárias de preços
os trilhos e o vagão de terceira classe Há crise real quando o processo de de bens (petróleo e outros), moedas
descarrilará mais uma vez. geração de renda e emprego apresenta (dólar, euro, etc.) e ativos financei-
significativa desaceleração ou retro- ros (ações e outros) e reais (exemplo,
IHU On-Line – Por que ocorrem essas cesso (recessão). Há crise financeira imóveis). O aumento extraordinário de
crises no capitalismo reiteradamen- quando as estruturas de financiamento preços é conhecido como formação de
te? Isso aponta para o esgotamento de indivíduos e empresas são rompidas “bolhas”. O resultado da especulação
desse sistema? ou não funcionam de modo adequa- é que as “bolhas” explodem quando há

22 SÃO LEOPOLDO, 12 DE DEZEMBRO DE 2011 | EDIÇÃO 384


reversão de expectativas e, nesse mo- “Há crise real quando o dívida pública e obter novos emprésti-
mento, há eclosão de crise. Riquezas mos. Em geral, a crise fiscal é precedi-
desaparecem de um dia para outro. Os processo de geração de da por crescimento extraordinário dos
que perderam riqueza contraem seus gastos públicos, seja para financiar in-
gastos, os endividados quebram, os tra- renda e emprego fraestrutura (como as obras das Olimpí-
balhadores são demitidos e o lucro do adas em Atenas, na Grécia, em 2004),
capitalista desaparece. apresenta seja para enfrentar crises financeiras e
crises reais (o que ocorreu a partir de
IHU On-Line – Quais são os motivos significativa 2008).
que levaram a essa crise econômica Os países em desenvolvimento so-
internacional? Em termos gerais, o desaceleração ou frem, em particular, crise cambial.
que causa as crises dessa natureza? Nesse caso, ocorre o problema de difi-
Reinaldo Gonçalves – A principal causa retrocesso culdade de obtenção de financiamento
da atual crise econômica internacional externo, que provoca elevação extra-
é a ruptura do sistema de financiamen- (recessão)” ordinária da taxa de câmbio (desvalo-
to de imóveis nos Estados Unidos em rizando a moeda nacional). Isso ocor-
2007 e 2008. Nesse país houve ampla Evidentemente, há outras cau- reu no Brasil no segundo semestre de
oferta de financiamento para a compra sas de crises econômicas que não são 2008, logo após a eclosão da crise fi-
de imóveis, inclusive para aqueles sem próprias do capitalismo. É o caso dos nanceira nos Estados Unidos: a taxa de
poupança ou renda adequadas (crédi- desastres naturais. Quebras de produ- câmbio (valor do dólar) saltou de R$
to subprime, ou grande risco de crédi- ção agrícola, terremotos, maremotos e 1,70 em julho para mais de R$ 2,50 em
to). A onda de inadimplência – calote guerras ocorrem em qualquer sistema dezembro. Em consequência, grandes
– levou à queda dos preços dos imóveis econômico. Para ilustrar, basta lembrar empresas (Sadia e Aracruz) e bancos
(38% entre junho de 2006 e junho de que o Japão deve sofrer queda de ren- (Unibanco e Votorantim) tiveram sérios
2011) e à quebra de parte do sistema da em decorrência do terremoto e do problemas, que resultaram em fusões
financeiro da maior economia do mun- tsunami ocorridos em março de 2011. e aquisições. As crises cambial e finan-
do em 2008 e 2009. ceira provocaram crise real, visto que
Entretanto, crises econômicas tam- IHU On-Line – Há diferentes tipos de a renda per capita brasileira caiu 1,8%
bém são causadas por erros de política crises econômicas? Quais são suas ca- em 2009.
de governo que, em geral, atendem racterísticas? Nos países desenvolvidos, a situação
grupos de interesses capitalistas. Houve Reinaldo Gonçalves – Crises econômi- atual é de séria crise econômica. Na Eu-
avanço significativo de liberalização e cas têm quatro manifestações distin- ropa, há desaceleração do crescimento
desregulamentação financeira mundial tas: real, financeira, fiscal e cambial. da renda e, portanto, risco de crise real
nas duas últimas décadas. Esse proces- A grande maioria das crises capitalistas ainda maior no futuro próximo. Os índi-
so implicou crescimento extraordinário são crises reais, ou seja, resultam da ces de desemprego estão muito elevados
dos fluxos internacionais de capitais, e volatilidade do comportamento dos em inúmeros países. Há séria crise fiscal
isso interconectou os diversos sistemas capitalistas quanto às decisões de in- com altos níveis de endividamento pú-
financeiros nacionais. Com essa inter- vestimento produtivo. Há crise real blico. Há ainda riscos quanto à saúde do
dependência, problemas graves em um quando a redução dos investimentos sistema financeiro: os bancos estão mui-
país importante como os Estados Uni- trava a geração de renda e emprego. tos expostos, porque emprestaram mui-
dos são transmitidos para o resto do Também há a crise financeira, como a to para indivíduos, empresas e governos
mundo. Portanto, vários governos erra- que aconteceu nos Estados Unidos em que agora estão com dificuldades para
ram quando tomaram decisões que pro- 2008 e resultou da quebra do mercado saldar seus compromissos.
moveram essa liberalização financeira subprime de imóveis. A crise financeira
internacional. gerou crise real: a taxa de desemprego Crise real
Governos também erram quando es- praticamente dobrou nos últimos cinco Nos Estados Unidos, há crise real
timulam uma expansão extraordinária anos naquele país, e está previsto fra- com forte perda de confiança e, por-
do crédito e, portanto, do endividamen- co desempenho econômico em 2011 e tanto, expectativas desfavoráveis que
to de indivíduos e empresas. Ou quan- 2012. comprometem o investimento privado
do elevam a dívida pública para níveis A crise fiscal se manifesta quando e a geração de emprego. Também se
insustentáveis. Ou ainda quando deixam o governo tem dificuldade para finan- prevê desaceleração do crescimen-
em níveis inadequados, por muito tem- ciar seus gastos, em função do elevado to econômico naquele país. Há ainda
po, variáveis macroeconômicas funda- nível de endividamento público, entre problemas remanescentes da crise do
mentais, como taxa de juro e taxa de outros fatores. A crise atual na Europa subprime hipotecário, pois as dívidas
câmbio. Os governos dos Estados Unidos, é marcada pela grande dificuldade que de hipotecas imobiliárias que foram
de países da Europa e do Brasil comete- governos de países como Grécia, Portu- renegociadas ainda podem se trans-
ram esses erros nos últimos anos – se não gal e Irlanda enfrentam para pagar sua formar em calote. E as dificuldades do
todos, ao menos alguns. governo em relação ao endividamento
SÃO LEOPOLDO, 12 DE DEZEMBRO DE 2011 | EDIÇÃO 384 23
público têm sido crescentes. Portanto, cio, injustiça e instabilidade, sobre- ção de renda com base em políticas
Estados Unidos e Europa combinam vive e avança há séculos. Nos últimos assistencialistas, benefícios da previ-
elementos de crise real, financeira e três anos, os principais países desen- dência e salário mínimo, que levam a
fiscal. O Japão, por sua vez, é o país volvidos perderam graus de liberdade aumento do consumo. O Brasil, além
desenvolvido com maior nível relativo na aplicação de políticas macroeco- disso, apresenta crescente déficit nas
de endividamento público. nômicas convencionais (redução de contas externas e elevado passivo ex-
Nos países emergentes, a situação juros e aumento de gastos públicos). terno (o montante aplicado no país
é bastante diferente, embora exis- Entretanto, esses países dispõem de por estrangeiros é quatro vezes maior
tam fatores comuns, como os riscos pelo menos quatro instrumentos de que as reservas internacionais brasilei-
decorrentes da desaceleração do co- grande impacto na economia: pro- ras). Portanto, o país está preso a uma
mércio internacional e da volatilidade gresso técnico, competitividade in- trajetória de crescente risco de crise
dos fluxos financeiros internacionais. ternacional, distribuição de renda e cambial que, invariavelmente, resulta
Países como a China, de um lado, guerra. Portanto, pode-se prever, de em crises real, financeira e fiscal.
protegem-se com elevados níveis de modo otimista, que os principais pa- Em síntese, o cenário mais prová-
competitividade internacional e baixa íses capitalistas retomarão a fase as- vel no médio prazo é, de um lado, os
dependência em relação a recursos fi- cendente em médio prazo (de dois a Estados Unidos e países europeus im-
nanceiros externos. De outro lado, no três anos). Este argumento aplica-se portantes saírem da crise. De outro,
Brasil esses riscos são particularmen- às principais economias capitalistas se não houver mudanças significativas
te elevados, porque o país depende do mundo (EUA, Alemanha, França e de estratégias e política, o Brasil, país
significativamente da exportação de Japão). É bem verdade que economias marcado por enormes fragilidades e
produtos básicos (minério de ferro, pouco importantes (Grécia, Portugal, vulnerabilidades, tende a sofrer crise
carne, soja e outros) e da captação de etc.) continuarão em crise. cambial e afundar em crises de todos
recursos externos para sustentar seu O progresso técnico implica aumen- os tipos. As locomotivas voltam para
crescente e elevado déficit nas contas to de produtividade e lançamento de os trilhos e o vagão de 3ª classe des-
externas (as transações comerciais, de novos produtos, que elevam a massa de carrila mais uma vez.
serviços e financeiras com os outros lucros. Há, então, estímulo para os in-
países). Ou seja, as despesas do Brasil vestimentos dos capitalistas. A compe-
em moedas estrangeiras são maiores titividade internacional permite vender Leia Mais...
do que as suas receitas. Em 2010 o país mais produtos no mercado internacio-
precisou captar 48 bilhões de dólares nal. A guerra impulsiona os gastos bé-
Reinaldo Gonçalves já concedeu outras
para fechar suas contas externas. Em licos e, portanto, a geração de renda entrevistas à IHU On-Line:
2011 este “buraco” pode superar 55 e emprego, além de estimular o pro-
bilhões. Portanto, há crescente risco gresso tecnológico. Nesse sentido, Afe- * “Pobre Brasil! Durante muito tempo ficaremos
sem transformações estruturais”. Edição 356 da
de crise cambial, que tende a causar ganistão, Iraque e Líbia são oportuni- Revista IHU On-Line, de 04-04-2011, disponível
crises financeira, real e fiscal. dades extraordinárias, além de outras em http://bit.ly/gzTP9d;
que podem ser criadas (Paquistão, Irã, • “O capitalismo é essencialmente um sistema
irracional, instável e injusto”. Edição 287 da Re-
IHU On-Line – Qual é o cenário mais Síria, etc.). E o processo de distribui- vista IHU On-Line, de 30-03-2009, disponível em
provável a médio prazo para os Esta- ção de riqueza e renda gera ampliação http://migre.me/4a4X1;
dos Unidos e a Europa? Que meios de do consumo dos trabalhadores. Entre- • Reprimarização faz economia brasileira retro-
ceder. Edição 338, de 09-08-2010 da Revista IHU
superação estão sendo pensados? tanto, é pouco provável que ocorra On-Line, disponível em http://migre.me/4a4ZK;
Reinaldo Gonçalves – Se, por um lado, este processo no horizonte previsível. • Fracasso para o governo, vitória para o povo
é certo que instabilidade e crise são Muito pelo contrário, parte expressiva brasileiro. Entrevista publicada em 02-08-2008 da
Revista IHU On-Line, disponível em http://migre.
próprias ao capitalismo, também é do ajuste frente às crises deve recair me/4a4Ub;
verdadeiro que esse sistema econômi- sobre os grupos de menor renda. • “O governo Lula foi um fracasso rotundo”. Edi-
co desenvolveu mecanismos para su- Países em desenvolvimento, como ção 201, de 26-10-2006 da Revista IHU On-Line,
disponível em http://migre.me/4a52j.
perar crises. Por esta e outras razões, o Brasil, em geral não dispõem desses
o capitalismo, marcado por desperdí- instrumentos. A exceção é a distribui-

Acesse a página do IHU no Facebook em


www.facebook.com/InstitutoHumanitasUnisinos

24 SÃO LEOPOLDO, 12 DE DEZEMBRO DE 2011 | EDIÇÃO 384


Livro da Semana
TOLSTOI, Leon. Guerra e paz. São Paulo: Cosac Naify, 2011
DOSTOIÉVSKI, Fiódor. O duplo. São Paulo: Editora 34, 2011
GOMIDE, Bruno (Org). Nova antologia do conto russo (1792-1998). São Paulo: Editora
34, 2011

Dostoiévski e Tolstoi: exacerbação e estranhamento


Dostoiévski reconstrói depois da experiência do mal, Tolstói disseca para expor a voz da consci-
ência, pondera Aurora Bernardini. Em Dostoiévski, o traço fundamental de sua obra é a exacer-
bação, e em Tolstoi, o estranhamento

Por Márcia Junges

A
cabam de ser traduzidas do russo para o português as obras Guerra e Paz, de Tolstoi, O duplo, de
Dostoievski, e Nova antologia do conto russo (1792-1998). Na opinião da crítica literária Aurora Ber-
nardini, “a tradução indireta é hoje quase inadmissível. A não ser que o tradutor escreva uma outra
obra”. Enquanto o traço característico fundamental dos escritos dostoievskianos é a exacerbação,
em Tolstói isso não existe: “Ele consegue o estranhamento (considerado um de seus traços funda-
mentais) por outras vias e no sentido em que o os formalistas russos o vêem: capaz de fazer com que as coisas
sejam vistas sob uma luz diferente, como que ‘pela primeira vez’”.
Bernardini é graduada em Letras - Língua e Literatura Inglesa, mestre em Letras - Língua e Literatura Ita-
liana, doutora em Literatura Brasileira e livre-docente em Literatura Russa pela Universidade de São Paulo
– USP, onde leciona. Traduziu, com Haroldo de Campos, poemas de Giuseppe Ungaretti em Daquela estrela à
outra (São Paulo: Ateliê, 2003) e de Marina Tsvetáeiva em Indícios flutuantes (São Paulo: Martins Fontes, 2006).
Confira a entrevista.

IHU On-Line - Acabam de ser tradu- tologia do conto russo (1792-1995), autores conhecidos, obras de gênero
zidas diretamente do russo ao por- coordenada por Bruno Gomide. O que diferente (de quem se conhecia ro-
tuguês Guerra e Paz, de Tolstoi, O essas traduções trazem de novidade mance, contos); de autores traduzidos
duplo, de Dostoievski, e Nova an- sobre a literatura russa considerando indiretamente, obras em tradução di-
 Liev Tolstoi (1928-1910): escritor russo de que são vertidas do original? reta. A introdução de Bruno Gomide
grande influência na literatura e na política do Aurora Bernardini - Em primeiro lugar, ao livro mencionado explica muito
seu país. Teve
����������������������������������
uma importante influência no
desenvolvimento do pensamento anarquista são apresentadas ao público brasileiro bem os critérios e os possíveis méritos
e, concretamente, considera-se que era um obras de autores importantes e desco- das escolhas.
cristão libertário. Suas obras mais famosas nhecidos, aqui: Karamzin, Odoévski,
são Gruerra e Paz, de 1865, onde ele descreve
dezenas de diferentes personagens durante a Platónov, Chalámov, entre eles; de IHU On-Line - Qual é a importância
invasão napoleônica de 1812; e Anna Kareni- ser humano, disponível em http://migre.me/ político, prisioneiro político, e sobrevivente
na, de 1875, que traz a hitória de uma mulher qQUA. (Nota da IHU On-Line) do Gulag. (Nota da IHU On-Line)
presa nas convenções sociais e um proprietá-  Nikolai Mikhailovich Karamzin (1766-1826):  Bruno Gomide: historiador graduado pela
rio de terras (reflexo do próprio Tolstoi), que historiador, escritor, poeta russo, membro da Universidade Federal Fluminense (UFF), espe-
tenta melhorar a vida de seus servos. (Nota da Academia das Ciências de São Petersburgo cialista em Teoria da Literatura pela Univer-
IHU On-Line) (1818). Criador da História do Estado Russo, sidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e
 Fiódor Mikhailovich Dostoiévski (1821- uma das primeiras obras históricas e uma das mestre em História pela Pontifícia Universida-
1881): um dos maiores escritores russos e tido mais pormenorizadas do seu tempo. (Nota da de Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio). É dou-
como um dos fundadores do existencialismo. IHU On-Line) tor pela Universidade Estadual de Campinas
De sua vasta obra, destacamos Crime e cas-  Andrei Platonov (1899-1951): autor russo (Unicamp) com a tese Da estepe à caatinga: o
tigo, O Idiota, Os Demônios e Os Irmãos Ka- cujos escritos antecipam o existencialismo. romance russo no Brasil (1887-1936). (São Pau-
ramázov. A esse autor a IHU On-Line edição (Nota da IHU On-Line) lo: Edusp, 2011).Leciona no departamento de
195, de 11-9-2006 dedicou a matéria de capa,  Varlam Tikhonovich Shalamov (1907-1982): línguas orientais na Universidade de São Paulo
intitulada Dostoiévski. Pelos subterrâneos do escritor russo, jornalista, poeta, dissidente (USP). (Nota da IHU On-Line)

SÃO LEOPOLDO, 12 DE DEZEMBRO DE 2011 | EDIÇÃO 384 25


e diferença de se ler uma tradução o rigor, depois a simplicidade, etc.). toievskiana? Há algum outro autor
feita direito do original? Mas à tradução literária isso não bas- que se assemelhe a Dostoiévski nes-
Aurora Bernardini - A tradução indi- ta: sua linguagem tem suas manhas, se aspecto?
reta é hoje quase inadmissível. A não justamente as que a tornam artística, Aurora Bernardini - A polifonia em
ser que o tradutor escreva uma outra marcando – como bem vê Roman Jako- Dostoiévski, como magistralmente
obra. Este foi o caso jocoso que con- bson10 – sua diferença da linguagem mostrado por M. Bakhtin em Proble-
tou Ricardo Piglia num evento recente comum”. mas da poética de Dostoiévski (2ª.
na Livraria Cultura, em São Paulo: um ed. Rio de Janeiro: Forense-Univer-
escritor chinês, que não conhecia es- IHU On-Line - Em outra entrevista à sitária, 1997), de leitura obrigatória,
panhol, ouviu a tradução oral em chi- nossa publicação, a senhora diz que era a possibilidade que ele conferia a
nês do Dom Quixote, de um tradutor a comutação da pena de morte em cada personagem de expor e viver sua
que não sabia escrever chinês. A partir trabalhos forçados na Sibéria teve ideia-força, independente da autori-
daí o escritor escreveu um novo Dom impacto decisivo sobre a obra de dade (e mesmo da intenção) do autor.
Quixote em chinês que – espera Piglia Dostoiévski. O que muda em sua lite- É uma grande revolução na história
- quem sabe venha a ser retraduzido ratura depois desse episódio? do romance que – como diz Bakhtin -,
para o espanhol. Ele está curiosíssimo Aurora Bernardini - O estilo de Dos- marca o fim do paternalismo na litera-
e o caso é verdadeiro. toiévski é variado, tanto antes quanto tura. Entre outros autores que proce-
Mesmo em se tratando de tradução depois de sua experiência como conde- dem como Dostoiévski, nesse aspecto,
direta, ninguém garante que o êxito nado. Depende do projeto do livro que lembro Tchekhov12, em cujos contos
será positivo. Há uma série de conside- passa a escrever, embora haja carac- cada personagem tem sua voz e seu
rações a respeito, algumas das quais, terísticas constantes. Mas o que muda estilo próprios. Na literatura ocidental
baseadas em minha própria experiên- nele, após a comutação da pena de moderna e pós-moderna, praticamen-
cia, explicitei no texto “Algumas ma- morte em condenação a trabalhos for- te só se escreve assim.
nhas da tradução” em Literatura Ita- çados, é sua atitude para com a vida,
liana traduzida no Brasil e Literatura que passou a ser vista sob o prisma do IHU On-Line - A exacerbação como
brasileira traduzida na Itália (org. milagre, e para com a instituição do traço fundamental de Dostoiévski
Patrícia Peterle. Florianópolis: EDU- czarismo, contra a qual antes – mesmo encontra paralelo na obra de Tolstoi?
FSC, 2011). Mas a premissa que abre o que idealisticamente – conspirava, e Que traço é igualmente marcante e
ensaio, é a seguinte: Em Algumas ma- que passou a preservar, depois. característico na obra de Tolstoi?
nhas da tradução refiro-me à tradução Aurora Bernardini - Na obra de Tols-
literária, obviamente, pois, embora a IHU On-Line - Após os trabalhos for- tói não há exacerbação. Ele consegue
tradução não artística possa e – é de se çados, podemos dizer que vida e o estranhamento (considerado um de
desejar – deva ser também elegante, obra se imbricam e são inseparáveis seus traços fundamentais) por outras
basta-lhe ser correta, compreensível em Dostoiévski? Por quê? vias e no sentido em que o os formalis-
e irrepreensível ( vejam-se, quanto Aurora Bernardini - Mesmo antes dos tas russos o vêem: capaz de fazer com
a isso, os itens do princípio empírico trabalhos forçados, vida e obra se que as coisas sejam vistas sob uma luz
de Hjelmslev em seus Prolegômenos imbricavam em Dostoiévski. Quanto diferente, como que “pela primeira
a uma teoria da linguagem: primeiro maior a experiência de vida (real e vez”.
 Ricardo Piglia (1940): escritor argentino. Pu- virtual: não se esqueça a importância
blicou, entre os textos de ficção, La invasión da leitura, para o autor), mais rica a IHU On-Line - Em que medida as obras
(contos, 1967), Nombre falso (contos, 1975), sua obra. desses dois autores questionam o lu-
Respiración artificial (romance, 1980), Prisión
perpetua (novelas, 1988), La ciudad ausente gar do homem no mundo?
(romance, 1992) e Plata quemada (romance, IHU On-Line - Como podemos com- Aurora Bernardini - Em Dostoiévski os
1997). (Nota da IHU On-Line) preender o conceito de polifonia intenção do falante, a relação do falante com
 Don Quixote de La Mancha: personagem o ouvinte, momento histórico. Bakhtin pro-
criado por Miguel de Cervantes no livro de apontado por Bakhtin11 na obra dos- fessa uma abordagem marxista da língua e da
mesmo nome. No Brasil, o título do livro é gra- 10 Roman Jakobson (1896-1982): linguista e lingüística, pois para ele “a palavra é o signo
fado como Dom Quixote de La Mancha. O títu- crítico literário russo, um dos fundadores da ideológico por excelência” e também “uma
lo original completo era El ingenioso hidalgo fonologia, autor de Ensaios de linguística geral ponte entre mim e o outro”. Alguns conceitos
Don Quixote de La Mancha, com sua primeira e Que é poesia?, além de outros numerosos en- fundamentais de Bakhtin são o dialogismo, a
edição publicada em Madri, no ano de 1605. O saios sobre linguística e crítica literária. (Nota
������ polifonia, a heteroglossia e o carnavalesco.
livro é um dos primeiros das línguas europeias da IHU On-Line) Entre suas obras, destacamos Problemas da
modernas e é considerado por muitos o expo- 11 Mikhail Mikhailovich Bakhtin (1895-1975): poética de Dostoievski (2ª ed. Rio de Janei-
ente máximo da literatura espanhola. (Nota da linguista russo. ������������������������������
Seu trabalho é considerado in- ro: Forense-Universitária, 1997). (Nota da IHU
IHU On-Line) fluente na área de teoria literária, crítica lite- On-Line)
 Louis Hjelmslev (1899-1965): linguista dina- rária, análise do discurso e semiótica. Bakhtin 12 Anton Pavlovich Tchekhov (1860-1904):
marquês, precursor das modernas tendências também é considerado como filósofo da lin- escritor e dramaturgo russo, considerado um
da linguística e propositor do termo glossemá- guagem, e sua linguística é uma “trans-linguís- dos mestres do conto moderno. Era também
tica para designar o estudo e a classificação tica” porque ela ultrapassa a visão de língua médico, exercendo a profissão de 1884 a 1897.
dos glossemas, as menores unidades linguísti- como sistema. Isso porque, para Bakhtin, não Com pouco mais de 20 anos já era considera-
cas que podem servir de suporte a uma signi- se pode entender a língua isoladamente, mas do um escritor conhecido no meio literário da
ficação. Fundou o Círculo Linguístico de Cope- qualquer análise linguística deve incluir fato- Rússia, recebendo em 1888 o Prêmio Puchkin.
nhague (1931). (Nota da IHU On-Line) res extra-linguisticos como contexto de fala, (Nota da IHU On-Line)

26 SÃO LEOPOLDO, 12 DE DEZEMBRO DE 2011 | EDIÇÃO 384


protagonistas têm que passar pela ex-
periência do mal, mesmo se redimindo
depois e optando pelo bem ( algum de-
les). Em Tolstói o que importa é “saber
ouvir a voz da consciência” que diz ao
Confira outras edições
da IHU On-Line
indivíduo o que é bem e o que é mal, e
“ fazer aos outros o que se deseja seja
feito a si”. Como ele era um escritor a
tese (ou seja, a voz dele enquanto au-
tor imperava sobre suas personagens)
ele constrói seus romances com isso em
mente.

IHU On-Line - Por que a senhora afir-


ma que Tolstoi disseca, e Dostoiévski
reconstrói?
Aurora Bernardini - Dostoiévski re-
constrói depois da experiência do mal,
Tolstói disseca para expor a voz da
consciência.

IHU On-Line - Qual é sua obra preferi-


da desses dois escritores?
Aurora Bernardini - De Dostoiévski:
Memórias do subsolo (Trad. SCHNAI-
DERMAN, Boris. São Paulo: Editora 34,
2003); de Tolstói: A morte de Ivan Ilítch
(Rio de Janeiro: BUP, 1963).

IHU On-Line - Gostaria de acrescen-


tar algum aspecto não questionado?
Aurora Bernardini - Cada obra dos dois
autores abre aspectos interessantíssi-
mos: o discurso é infindável.

Leia Mais...
Confira outras entrevistas concedidas por

Aurora Bernardini à IHU On-Line:

* Um poeta revolucionário nas distorções das regras da

gramática e da sintaxe.IHU On-Line número 282, de


17-11-2008, Gerard Manley Hopkins: poeta e místico.
Do cotidiano imediato ao plano cósmico, disponível em
http://bit.ly/vjEBoW

* A exacerbação como traço fundamental de Dostoiévski.


IHU On-Line número 296, de 08-09-2009, disponível em
http://bit.ly/tB0DBm

A Revista IHU On-Line já publicou uma edição especial e outras


entrevistas sobre Dostoiévski. Confira.
* Fiódor Dostoiévski: pelos subterrâneos do ser humano. Edi-
ção nº 195, de 11-09-2006, disponível para download em
http://bit.ly/g98im2
* Polifonia atual: 130 anos de Os Irmãos Karamazov, de Dos-
toiévski. Entrevista com Chico Lopes, Edição nº 288, de 06-
Elas estão disponíveis na página eletrônica
www.ihu.unisinos.br
04-2009, disponível em http://bit.ly/sSjCfy
* Dostoievski chorou com Hegel. Entrevista com Lázló Föl-
dényi, Edição nº 226, de 02-07-2007, disponível em http://
bit.ly/uhTy9x

SÃO LEOPOLDO, 12 DE DEZEMBRO DE 2011 | EDIÇÃO 384 27


Plataformas de mídias móveis: desafios para o
consumo de conteúdo audiovisual
Por Rosana Vieira de Souza�*

A�������������������������������
s telecomunicações, as tecnolo- Com início em 2008 no Brasil (o
gias da informação e a mídia estão Japão concluiu a transição para a 3G
operando de forma cada vez mais in- em 2006), a rápida adoção dos smar-
tegrada a partir de estratégias bem tphones (impulsionada, sobremanei-
definidas em direção à criação de no- ra, pelo produto-fetiche iPhone, da
vos modelos de negócios, a despeito Apple, e seus aplicativos) provocou
dos resultados, no longo prazo, ain- tanto uma mudança substancial no
da incertos. Neste artigo, observa-se modo de acesso à internet pelo celu-
esse fenômeno de forma crítica. lar como uma oportunidade real para
As mudanças qualitativas funda- o consumo de conteúdos audiovisuais
mentais que se estabelecem na estru- nesses dispositivos. Um dos fatores
tura dos diferentes setores resultam, importantes para tal cenário é a evo-
de forma prática, na microesfera da lução do número de acessos à banda
oferta de serviços e produtos ao mer- larga fixa e móvel no país. Parte dessa
cado consumidor. Os pacotes de ser- discussão vem sendo levada a público
viços chamados triple-play que dispo- com a implantação do Programa Na-
nibilizam transmissão de voz, dados cional de Banda Larga – PNBL, oficial-
e vídeo (telefonia fixa, banda larga e mente lançado em maio de 2010, ob-
TV por assinatura), são cada vez mais jetivando inicialmente universalizar o
frequentes na oferta de grupos como acesso à banda larga no país. Em que
a Claro/Embratel/Net, GVT/SKY e Oi, pesem as críticas em torno da falta de
e ilustram um cenário real de con- conexão (com o perdão do trocadilho)
vergência de serviços. No contexto das diretrizes propostas pelo governo
dos terminais, ou dispositivos móveis federal com um plano estratégico mais
(smartphones, tablets, PDAs, e-rea- amplo de inclusão e desenvolvimento
ders, entre outros), a convergência se econômico e social via acesso às TICs,
mostra em seu potencial para o audio- no longo prazo, é fundamental que as
visual, em especial, com a ���������
implanta- ações sejam colocadas em discussão
ção da terceira geração da telefonia e, sobretudo, implantadas. Trata-se
celular e da tecnologia 3G de banda de um primeiro passo em direção à
larga móvel. viabilização da sociedade conectada.

* Mestre em Administração pela UFRGS, doutoranda em Ciências da Comunicação pela Unisinos,


membro do grupo de pesquisa Cepos (apoiado pela Ford Foundation) e professora nos cursos de
Comunicação Social, Análise e Desenvolvimento de Sistemas e Especialização em Televisão e Con-
vergência Digital da Unisinos. E-mail: <rovieira.unisinos@gmail.com>.

28 SÃO LEOPOLDO, 12 DE DEZEMBRO DE 2011 | EDIÇÃO 384


Em termos da meta de ampliação “Estimular o debate realizadas por diferentes agentes
do acesso à banda larga do PNBL, econômicos envolvidos com a presta-
uma expectativa inicial era de que, e o envolvimento da ção dos serviços de oferta de canais
até 2014, o país atingisse 40 milhões de programação por difusão linear,
de acessos de serviço de banda larga sociedade nas ou via catálogo de obras audiovisuais
fixa e 60 milhões de acessos de ban- por difusão não linear. Este conteúdo
da larga móvel. Para que essa meta importantes decisões pode ser transferido por meio de stre-
seja atingida, contudo, especialmente aming (modalidade em fluxo contínuo
quanto aos investimentos para pro- que estão sendo levadas ou vídeo “ao vivo”) ou download (ví-
moção da infraestrutura necessária à deo sob demanda). Estimar, contudo,
universalização da banda larga fixa, a efeito no campo da o tamanho do atual mercado audiovi-
é crucial a participação da sociedade sual para esses dispositivos não é uma
atenta ao modo como as decisões vêm comunicação significa tarefa fácil, já que é também verdade
sendo conduzidas entre todos os par- que nem todos os usuários de apare-
ticipantes. situá-las a partir de uma lhos 3G ou de smartphones, adquirem
Segundo dados da Associação Bra- pacotes de dados das operadoras e,
sileira de Telecomunicações – Telebra- economia política da portanto, não consomem conteúdos
sil, em outubro de 2011 o Brasil atin- audiovisuais por tais redes. Além dos
giu cerca de 54 milhões de assinantes comunicação” aspectos de ordem técnica, o avanço
de banda larga. Desse total, cerca de do audiovisual em mídias móveis es-
16,3 milhões (30%) são provenientes de barra nos modelos de tarifação pouco
banda larga fixa e 37,6 milhões (70%) celulares 3G (não necessariamente claros e na falta de conteúdo relevan-
de banda larga móvel, o que evidencia aparelhos smartphones), aproxima- te para o usuário, além da indefini-
um longo caminho em relação às me- damente 15,8% dos celulares no país. ção acerca de um modelo de receitas
tas do PNBL. O serviço fixo apresentou Apesar deste significativo crescimen- para as operadoras.
crescimento de 22,4% em relação a to, os smartphones representam ape- Estimular o debate e o envolvi-
outubro de 2010, enquanto o serviço nas 5,8% de todos celulares vendidos mento da sociedade nas importantes
móvel refletiu incremento em torno no país no terceiro trimestre de 2011. decisões que estão sendo levadas a
de 101,1%, no mesmo período. Diver- Em relação aos demais aparelhos de efeito no campo da comunicação sig-
sos fatores contribuem para o cresci- terceira geração, os smartphones pos- nifica situá-las a partir de uma eco-
mento do mercado de banda larga mó- suem dispositivos multimídia avança- nomia política da comunicação. Essa
vel, entre os quais a popularidade de dos que permitem a simulação da ex- deve ser capaz de fornecer as bases
smartphones e tablets e os planos de periência com um computador pessoal para a identificação da extensão dos
dados para aparelhos pré-pagos. em uma tela menor. Por esse motivo mecanismos de controle e poder que
O Brasil iniciou o mês de outubro representam uma oportunidade em se formam a partir dos novos arran-
com 227,4 milhões de celulares ati- termos de plataforma móvel para a jos corporativos midiáticos na socie-
vos, sendo 185,6 milhões pré-pagos oferta de conteúdo audiovisual. dade contemporânea, os quais serão
(81,64%) e 41,7 milhões pós-pagos A Ancine define oferta audiovisu- relevantes na construção social das
(18,36%), conforme dados da Anatel. al em dispositivos móveis como um preferências de consumo em mídias
Desse total, cerca de 36,5 milhões são conjunto de atividades encadeadas, móveis.

SÃO LEOPOLDO, 12 DE DEZEMBRO DE 2011 | EDIÇÃO 384 29


Destaques On-Line
Essa editoria veicula entrevistas que foram destaques nas Notícias do Dia do sítio do IHU.
Apresentamos um resumo delas, que podem ser conferidas, na íntegra, na data correspondente.

Entrevistas especiais feitas pela IHU On-Line e disponíveis planetária”, aponta o integrante da Coordenação da Rede
nas Notícias do Dia do sítio do IHU (www.ihu.unisinos.br) Brasileira de Integração dos Povos – Rebrip.
de 06-12-2011 a 09-12-2011.
“Essa é uma lei da produção agrícola e não tem nada a
Brasil perde liderança em Durban ver com o Código Florestal”
Entrevista especial com Marcelo Montenegro, advogado, Entrevista especial com Francisco Milanez, educador
assessor do programa de Direito e Alimentação da Ac- ambiental, arquiteto, biólogo e membro da Associação
tionAid Brasil Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural – Agapan e da
Confira nas Notícias do Dia de 06-12-2011 Fundação para o Desenvolvimento Ecologicamente Sus-
Acesse no link http://bit.ly/vAFAPR tentado – Ecofund
Os primeiros dias da COP-17 demonstraram que a ratifi- Confira nas Notícias do Dia de 08-12-2011
cação de um segundo acordo para o Protocolo de Kyoto Acesse no link http://bit.ly/uL3z22
“será praticamente impossível”, disse o advogado à IHU “Para manter esta orgia de crescimento econômico e ex-
On-Line, direto de Durban, onde acompanha as negociações portação, aprovam um código que autoriza aumentar a
da conferência do clima. área plantada”, declara o ambientalista.

“Devemos erradicar a pobreza e manter nossas florestas E se Altamira fosse a capital do Pará?
em pé” Entrevista especial com Aluízio Roberto Paiva dos San-
Entrevista especial com Pedro Ivo de Souza Batista, mem- tos, mestre em Filosofia, professor da Faculade de Belém
bro da Associação Alternativa Terrazul, integrante da – Fabel
equipe de coordenação da Rede Brasileira de Integração Confira nas Notícias do Dia de 09-12-2011
dos Povos – Rebrip e do Grupo Articulador do Comitê Fa- Acesse no link http://bit.ly/sgqdoc
cilitador da Sociedade Civil para a Rio+20. “O que se constatou ao longo da história do Pará foi uma
Confira nas Notícias do Dia de 07-12-2011 situação de abandono promovido pelos governos, que sus-
Acesse no link http://bit.ly/vBL66o tentaram sua capital distante geograficamente do restante
“Dependendo do enfoque, os temas propostos na Rio+20 do estado”, aponta o professor da Faculdade de Belém
podem ser mais uma cortina de fumaça nas soluções dos – Fabel.
problemas de fundo, ocasionados pela crise ambiental

Leia as Notícias do Dia e a


Entrevista do Dia no site do IHU em

www.ihu.unisinos.br

30 SÃO LEOPOLDO, 12 DE DEZEMBRO DE 2011 | EDIÇÃO 384


SÃO LEOPOLDO, 12 DE DEZEMBRO DE 2011 | EDIÇÃO 384 31
Confira as publicações do
Instituto Humanitas Unisinos - IHU

Elas estão disponíveis na página eletrônica


www.ihu.unisinos.br

32 SÃO LEOPOLDO, 12 DE DEZEMBRO DE 2011 | EDIÇÃO 384


SÃO LEOPOLDO, 12 DE DEZEMBRO DE 2011 | EDIÇÃO 384 33
IHU Repórter
Leônidas Tatsch
Por Thamiris Magalhães | Foto Arquivo pessoal

T
rabalhando na Unisinos há quase dois anos, o agente de proteção e risco
Leônidas Tatsch se considera uma pessoa batalhadora, responsável e
humilde. Altruísta, diz que um de seus maiores sonhos já está se rea-
lizando, que é ter a oportunidade de estudar e adquirir o diploma de
professor. “Meu sonho é entrar em uma sala de aula, estar em um lugar
ou escrever alguma coisa que possa fazer sentido para alguém. Às vezes, sinto-me
mais feliz com a felicidade alheia do que com a minha própria”, admite. Admira-
dor da frase do escritor e jornalista Gabriel Garcia Márquez: “A vida não é a que
vivemos e sim a que recordamos e como recordamos para depois contar”, Tatsch
tem inúmeras histórias emocionantes. Histórias que podem ser conferidas a seguir,
em entrevista concedida pessoalmente à IHU On-Line.

Autodefinição – Sou batalhador, res- Unisinos. Decisão - Um dia decidi que não
ponsável, até porque saí de casa muito queria ficar muitos anos fazendo o que
cedo e tive que aprender as coisas por Experiências profissionais - Fiz curso não queria. Foi quando sai e vim para
mim mesmo. Além disso, sempre valo- de bombeiro. Sou formado nessa área. Já São Leopoldo. Deixei meu currículo na
rizei muito a humildade. Ter humildade trabalhei no resgate de socorros na BR; Unisinos e agora estou tendo a oportu-
para admitir os erros e saber conviver fui instrutor de tiros, pistola e fuzil den- nidade de fazer o que eu mais gosto,
com as pessoas com essa virtude, creio tro do quartel; instalava bombas em avi- que é estudar, um dia me formar e ten-
que seja uma das minhas maiores carac- ões, além de ter viajado bastante a tra- tar passar alguma coisa, ensinar algo
terísticas. balho. Fui à Missão de Paz do Haiti, pela para alguém.
Organização das Nações Unidas – ONU.
Origem – Nasci dia 24 de julho de Viajei também quando estava em uma Curso - Estudei no conservatório de
1986 em Cachoeira do Sul, no interior equipe de resgate da Aeronáutica, para música pouco antes dos meus 15 anos
do Rio Grande do Sul. Trabalhava com atender as vítimas do acidente da Gol e fiquei lá durante quase quatro anos.
meu pai em lavoura de arroz e trabalhos em 2008. Mas não quis seguir a carreira Estudava música clássica e violão eru-
braçais, coisas interioranas mesmo. militar. Poderia ter permanecido lá den- dito. Tudo isso em Cachoeira do Sul.
Como morava no interior e lá não ha- tro. Só que meu sonho sempre foi estu- Estudei bastante teoria da música, o
via muita oportunidade de crescimen- dar, fazer faculdade e eu não poderia ter que ainda gosto bastante.
to profissional, aos 17 anos me mudei uma vida acadêmica lá porque viajava
para Santa Maria-RS a fim de trabalhar muito. Eu pensava que iria ficar 30 anos Música – Gosto muito de música bra-
na base aérea. Servi como voluntário dentro do quartel e não estaria fazendo sileira, jazz, erudita. Tudo o que é inte-
na Aeronáutica. Fiquei quase seis anos o que realmente gosto. Não posso deixar ligente eu admiro. Aprecio bastante Tom
lá dentro. Meus pais moram em Cacho- de lembrar que foi lá dentro que aprendi Jobim e Chico Buarque. Costumo dizer
eira do Sul-RS. Tenho três irmãos; uma muita coisa. Para minha formação pro- que este último tem as respostas para
menina, mais nova; um rapaz, com 31 fissional e pessoal foi imprescindível ter todas as perguntas. Além deles, meu
anos e outro que é adotivo, com 37 servido à Força Aérea. Grande parte do cantor predileto é o Frank Sinatra.
anos. Moro sozinho em São Leopoldo há que eu sou hoje foi graças ao que apren-
um ano e dez meses. di no quartel; valores como disciplina, Lazer – Nas horas vagas geralmente
educação, ser profissional, levar as coi- faço minhas coisas pendentes em casa
Trabalho - Atualmente trabalho no sas a sério. Além disso, trabalhando lá, e estudo. Além disso, gosto muito de
Setor de Proteção e Risco, Transporte acabamos dando mais valor à vida por- ler, ouvir música e sempre que posso
e Trânsito – SPTT onde sou segurança que acabamos vivenciando certas coisas. vou a algum espetáculo ou evento cul-
há quase dois anos. Além disso, curso Poder fazer alguma coisa pelas pessoas tural em Porto Alegre.
o terceiro semestre do curso de Letras que mais precisam é muito gratificante,
– Habilitação em Português aqui na enobrece bastante o homem. Livro – Gosto muito do livro As pa-

34 SÃO LEOPOLDO, 12 DE DEZEMBRO DE 2011 | EDIÇÃO 384


Leônidas ao lado da mãe, Vera
Regina, e da sobrinha, Clara
entrar em uma sala de aula, es-
tar em um lugar ou escrever algu-
ma coisa que possa fazer sentido
para alguém. Às vezes, sinto-me
mais feliz com a felicidade alheia
do que com a minha própria. En-
tão, creio que o meu sonho seja
um dia tentar fazer alguma coisa
para mudar ou ajudar alguém.

Unisinos – É muito importante


lavras do Jean-Paul
��������������������������
Sartre (Difusao as noites antes de dormir, rezo por para mim. Primeiramente porque
Europeia, 1964)���������������������
, onde o autor conta ela. E isso me fez mudar muito. me abriu as portas e os caminhos.
sua história e diz o que os livros pro- Depois porque as diretrizes da
porcionaram para ele. Lembrança - Em Santa Maria instituição me cativam bastante
tive um relacionamento com uma e creio que cresci muito desde o
Filme – Forrest Gump: O Con- mulher que tinha um menino, Ga- dia que ingressei aqui. Tenho ad-
tador de histórias (1994), dirigi- briel, à época, de cinco meses de miração e respeito pela Unisinos,
do por Robert Zemeckis ��������
com Tom idade. Ficamos juntos quatro anos até mesmo por ser uma institui-
Hanks, no papel-título e baseado e criei-o como se fosse meu filho ção religiosa. Além disso, depois
no romance homônimo de 1986 desde pequeno. E uma das coisas que comecei a rezar e por estar
escrito por Winston Groom�. mais belas que já presenciei na mi- envolvido em uma instituição reli-
nha vida e a melhor sensação que já giosa, várias coisas fizeram senti-
Religião – Fui batizado na Igreja tive, foi poder acordar ao lado de do na minha cabeça. Ademais, por
Católica e minha família é católica. uma criança tão pequena e inocen- conviver com os padres, reitor,
Deus para mim é um momento de te, abrir os olhos e se deparar com vice-reitor e com outros sacerdo-
reflexão, como uma oração, que aquele ser acordado, olhando para tes que lecionam aqui, poder con-
é sentar em um lugar e tentar en- você com as duas mãozinhas no teu versar com eles e perceber que
contrar a paz, refletir e pensar nas rosto. E com essa história da reza passaram a vida toda estudando e
coisas boas e, principalmente, nas da minha mãe, peço sempre, antes se dedicando à fraternidade, sem
pessoas que eu gosto. Frequento de dormir e logo depois que acordo, querer algo em troca, aprendi
quase todos os dias a capela aqui da por ela e pelo pequeno Gabriel tam- muito e percebo que isso é impor-
Unisinos. Gosto do ambiente tran- bém. Isso já há dois anos. tante.
quilo que ela proporciona.
Política no Brasil – Acredito Frase – Tem uma frase do
Curiosidade – Nunca fui muito que tem muita coisa que preci- Gabriel Garcia Márquez da qual
de rezar. Mas tem uma coisa curio- sa ser mudada no nosso país. E gosto muito: “A vida não é a que
sa: eu já fiz muitas coisas pelas não vai ser mudada de hoje para vivemos e sim a que recordamos
outras pessoas, apetece-me a feli- amanhã. Educação e saúde são e como recordamos para depois
cidade alheia. Só que nunca fui de duas coisas que têm que melho- contar”. Então, a vida são os mo-
fazer oração, não acreditava muito. rar muito. Mas acredito que isso mentos importantes. São os mo-
Certa vez, minha mãe, que é muito tudo não parte apenas da política mentos que vivi com o Gabriel,
religiosa, disse para mim: “Sempre em si. Creio que cada um de nós o momento em que minha mãe
que puder, antes de dormir, reza”. pode fazer alguma coisa, mínima pediu para eu rezar para ela. O
E eu dizia que não tinha significado que seja. Temos que ter consciên- sorriso e a felicidade de alguém.
isso para mim. Foi quando ela me cia disso: ajudar uma criança na São momentos que nunca saem da
questionou: “Você gosta de mim?”. rua, oferecer uma palavra amiga minha cabeça. De repente a vida
Eu disse: “Sim, claro que gosto. Eu ou entrar em sala de aula e mos- não é tudo aquilo que se viveu. Se
te amo”. E ela disse: “Se você gos- trar um pouco do mundo para uma a pessoa tem 50 anos, não neces-
ta de mim, faz isso por mim então, criança. Isso já é um ponto posi- sariamente ela pode ter vivido 50
enquanto eu existir e depois que eu tivo. E é uma forma de política anos. Vivemos os momentos que
não mais existir. Sempre antes de também. recordamos, que são os mais im-
dormir, reza. Essa será uma maneira portantes. Há outra frase, tam-
de celebrar a vida e estar também, Sonho – Um deles já estou re- bém do Márquez, de que gosto
ao mesmo tempo, lembrando de alizando, que é estar aqui estu- muito: “Amigo nós não fazemos.
mim, me homenageando”. Então, dando, tendo a oportunidade de Amigos, nós reconhecemos”.
desde o dia que ela me pediu, todas me formar. Ademais, meu sonho é
Destaques

Desde a última terça-feira,


dia 5 de dezembro, está no
ar o novo sítio do Instituto
Humanitas Unisinos - IHU.
Mais ‘clean’ e interativa,
a página eletrônica do IHU
é dividida em três grandes
blocos, onde o leitor con-
segue visualizar a Entrevista
do Dia e as principais notí-
cias do Brasil e do mundo;
ter acesso às informações
dos próximos eventos do
IHU; acompanhar as novas
publicações do Instituto e
as últimas informações do
Blog do IHU. Ainda é pos-
sível conferir quais são as
entrevistas e notícias mais
lidas e comentadas, além
dos últimos twitts postados
no Twitter do IHU.

Apoio:

Você também pode gostar