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5ª CÂMARA CÍVEL
Por brevidade, adoto por reportação o relatório do Ilustre Juiz Substituto em segundo grau
Rogério Ribas.
“Volta-se o presente agravo de instrumento contra a decisão de mov. 20.1 dos autos nº
0005973-05.2020.8.16.0004 de MANDADO DE SEGURANÇA. Na ação, as impetrantes
buscam reduzir multa e afastar penalidade de suspensão do direito de licitar relativamente a
contrato administrativo n. 169/2011, aplicadas por suposta inexecução parcial. Na decisão
agravada o MM. juiz da causa, todavia, indeferiu a liminar, consignando in verbis:
“Conforme se infere dos documentos jungidos aos autos, o processo administrativo seguiu o
seu trâmite normal, não havendo qualquer elemento probatório que aponte ofensa a
regramento legal ou constitucional. Foi oportunizada a ampla defesa e o contraditório e aquilo
que se decidiu, especialmente a penalidade aplicada, encontra-se de acordo com o previsto na
legislação e no edital de regência do certame. A alegação de desproporcionalidade da multa,
seja pelo percentual em que aplicada, seja pela base de cálculo adotada, não merece
prosperar, pois, ainda que se esteja atratar de descumprimento parcial, a penalidade na forma
como aplicada estava prevista no edital convocatório do certame, ao qual a administração
pública está vinculada, em observância ao princípio da vinculação ao edital. A alegação de que
a pena de suspensão no patamar em que aplicada ofende os princípios da proporcionalidade e
da razoabilidade, igualmente não merece prosperar diante da gravidade da infração praticada,
na medida em que o descumprimento do contrato pelas impetrantes, ainda que parcial, frustrou
o próprio objeto da licitação, já que contratadas para ‘prestar serviços especializados de
supervisão de obras de infra-estrutura urbana, relativas ao Programa de Recuperação
Ambiental e Ampliação da Capacidade da RIT’, falharam em seu mister ao aprovar serviços
realizados em desacordo ao previsto pela Administração Pública. Além disso, a autoridade
coatora sopesou os fatos, chegando à conclusão de que ‘A inexecução contratual é notória e a
gravidade da falta pode ser aferida pela extensão do prejuízo causado ao erário e à população,
o que merece repúdio proporcional da Administração, o que não seria alcançado somente pela
aplicação da multa e, talvez, extrapolado com a punição ampla, qual seja, declaração de
inidoneidade’, o que também afasta a tese de ausência de proporcionalidade. (grifo meu)
Também não merece prosperar a alegação de vício de motivação quanto à aplicação de
suspensão temporária de licitar e contratar com Administração Pública, na medida em que no
processo administrativo se discorreu fartamente acerca das situações caracterizadoras da
violação ao contrato e sobre as razões que a tornavam graves a ponto de ensejar a aplicação
da penalidade em seu grau máximo.”
Contra a decisão se insurgem as impetrantes ora agravantes, alegando, em síntese, que: a)- A
penalidade não foi aplicada como prevista no edital e na lei, pois desconsiderou o dever de
proporcionalidade imposto à Administração na fixação da dosimetria das penas; b)- O ato
coator aplicou penalidade de multa de 10% sobre o valor total do contrato, o que equivale a R$
1.085.763,55, valor manifestamente desproporcional e ofensivo ao art. 2º, caput e VI, da Lei nº
9.784/99 e ao art. 160, caput e I, da Lei Estadual nº 15.608/2007; c)- Na aplicação de multa o
valor de referência deve ser o da parcela inadimplida e não o valor total do contrato. É
absolutamente irrazoável que a punição incida sobre a parcela incontroversamente cumprida
do contrato; d)- O Decreto Municipal nº 610 de 21/05/2019, da Prefeitura Municipal de Curitiba,
que dispõe sobre os procedimentos administrativos destinados à celebração de contratos,
convênios, acordos e outros ajustes, para órgãos e entidades da Administração Pública Direta,
Autárquica e Fundacional do Município de Curitiba, estabelece, em seu art. 112, inc. III, que a
multa por inadimplemento contratual deve ser aplicada sobre o valor remanescente da
contratação, ou seja, apenas sobre a parcela inadimplida; e)- Conquanto o Decreto referido
tenha sido expedido em momento posterior ao da aplicação da multa, suas disposições
demonstram que as regras do edital são desproporcionais, merecendo ser revistas; f)-
Ademais, o percentual de 10% utilizado na fixação da multa é o percentual máximo, não
distinguindo a natureza e gravidade da inexecução; g)- Quanto ao dever de ter impugnado o
edital previamente diante da previsão da aplicação de multa de 10% sobre o valor do contrato,
mesmo para as inexecuções parciais, “eraimpensável cogitar na impugnação do Edital em
razão dessa desproporcionalidade constatada no caso concreto”, até porque não só o edital é
vinculativo, mas também as normas legais, devendo-se aplicar a proporcionalidade na atuação
concreta da Administração; h)- O Município se esqueceu que o objeto do contrato foi prestado
sem problemas de 2011 a 2016 e que a execução dos serviços foi acompanhada em tempo
integral pelos engenheiros da Secretaria Municipal de Obras Públicas que nunca apontaram
falha; i)- Se houve falha na fiscalização por parte das impetrantes, o IPPUC também deve
reconhecer que houve falha do ente público, pois, conforme o Termo de Referência do edital, o
objeto contratual era o de prestação de serviços de apoio à supervisão da obra se Secretaria
Municipal de Obras; j)- Não deve prevalecer o entendimento de que a multa deve ser
proporcional ao valor do prejuízo sofrido pelo IPPUC, pois a multa contratual tem caráter
apenas sancionatório e não ressarcitório. Potenciais danos devem ser ressarcidos por via
própria; l)- Há vício de motivação da aplicação da penalidade, pois o IPPUC não apresentou
justificativas a respeito da dosimetria da pena, nem a respeito da fixação da suspensão de
licitar no prazo máximo de 2 anos; m)- Quanto ao serviço, há evidências nos autos
administrativos de que os fiscais do Município realizavam rigorosas visitas semanais às obras.
Foi colhida massa asfáltica para realização dos ensaios e verificação da integridade do projeto,
mas não sua espessura. Isto sempre constou dos relatórios mensais encaminhados à SMOP e
todos os relatórios foram aprovados. Vale dizer que a fiscalização da SMOP tinha
conhecimento e acompanhava tudo o que os contratados executavam. Ademais, havia uma
relação tumultuada entre o Município e a Terpasul (executante das obras fiscalizadas pelas
impetrantes), pois esta acusava o Município de não conceder o reequilíbrio
econômico-financeiro a que fazia jus. A relação se desgastou tanto que acabou gerando a
rescisão unilateral do contrato. Por derradeiro, afirma que contratou seguro judicial para
garantir o pagamento da multa no caso da presente ação ser julgada improcedente. Nestes
termos, pleiteia a concessão de “antecipação de tutela recursal para sustar os efeitos do ato
coator, suspendendo-se os efeitos das penalidades aplicadas ao Consórcio no processo
administrativo nº 01-104606/2020 até final julgamento da ação de origem”. No mérito, pugna
pelo provimento do recurso, confirmando-se a antecipação da tutela recursal.”
O pedido de concessão de efeito recursal ativo foi deferido, nos termos da decisão de mov. 7.1.
É o relatório
No contexto observo ilegalidade na decisão recorrida, eis que presente prova inequívoca da
verossimilhança da alegação e probabilidade do direito alegado, de modo que o deferimento do
provimento liminar é medida que se impõe.
Raciocínio que se extrai da lição de Cassio Scarpinella Bueno, para a concessão da liminar, o
impetrante deverá convencer o magistrado de que é portador de melhores razões que a parte
contrária; que o ato coator é, ao que tudo indica, realmente abusivo e ilegal.
(BUENO, Cássio Scarpinella. A Nova Lei do Mandado de Segurança: Comentários sistemáticos à Lei n. 12.016,
de 7-8-2209. 2 ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 64)
Isso porque teriam sido constatados vícios na execução das obras pela Terpasul, mais
especificamente quanto a espessura e a densidade das camadas asfálticas e do pavimento que
estavam em desacordo com as especificações técnicas, o que teria causado o surgimento de
patologias (fissuras), cogitando-se que o Consórcio teria falhado no seu dever de supervisão,
pois teria atestado serviços não executados, ensejando pagamentos indevidos à Terpasul e o
aceite de serviços imprestáveis que precisariam ser refeitos.
Ao final do processo administrativo, aplicou-se as penalidades: (i) multa de 10% sobre o valor
do contrato, totalizando R$ 1.085.763,55; e (ii) suspensão temporária do direito de licitar
e contratar com o Município de Curitiba pelo prazo de dois anos.
Esta decisão foi proferida no dia 06/11/2019 (fls. 162 do processo administrativo) e mantida em
recursos e pedidos de reconsideração. Inclusive em parecer jurídico da Procuradoria do
Município de Curitiba, conforme mov. 17.33.
Art. 87. Pela inexecução total ou parcial do contrato a Administração poderá, garantida
a prévia defesa, aplicar ao contratado as seguintes sanções:
I - advertência;
Referidas medidas, contudo, devem pautar-se pela proporcionalidade, cuja lição de Marça
Justen Filho esclarece:
Em outras palavras, inexiste motivo crível para que a as penalidades sejam impostas sob a
totalidade do contrato, quando, na verdade, somente parte do contrato foi descumprido.
Não bastasse, importante dizer que as disposições do Decreto Municipal nº 610/2019 devem
ser consideradas para a dosimetria das sanções administrativas e aplicadas em conjunto com
as disposições da Lei de Licitações.
Art. 112. A multa somente será aplicada se houver previsão expressa no instrumento
convocatório ou no contrato, e obedecerá aos procedimentos previstos em lei e no
presente decreto, observado o seguinte:
Neste raciocínio, constata-se que o parecer e a decisão que o acolheu e impôs a multa (mov.
1.31, fls. 4), não considerou a proporcionalidade da multa a ser aplicada em virtude da
inexecução do contrato.
Ou seja, a municipalidade não se ateve às disposições do inc. III do art. 113 do Decreto
Municipal nº 610/2019. Da mesma forma, a Administração deixou de fazer qualquer
consideração a respeito do quantum relativo ao prazo de imposição da suspensão do direito de
licitar e contratar, adotando, genericamente, o máximo de 2 anos de suspensão.
O art. 87 da Lei nº 8.666/93 prevê a sanção de suspensão do direito de licitar e contratar com a
Administração, conforme seu inc. III: “suspensão temporária de participação em licitação e
impedimento de contratar com a Administração, por prazo não superior a 2 (dois) anos”.
Contudo, o prazo de imposição da sanção é limitado ao máximo de 2 anos, de modo que
referida sanção pode ser aplicada proporcionalmente, dependendo da situação concreta.
A par disto, importante considerar que a motivação dos atos administrativos é regra para o
regular exercício do contraditório e ampla defesa, restando prejudicadas estas garantias
constitucionais quando o poder público deixa de observar este dever expressamente
consignado no ordenamento pátrio.
A análise dos autos demonstra ausência de motivação adequada do ato sancionador no que se
refere à dosimetria das sanções impostas.
Por tudo isto, o provimento do agravo é medida que se impõe, entendendo que não é o caso
de suspender-se a decisão, mas sim de determinar que as penalidades sejam impostas
sobre a parte inadimplida do contrato
Isto posto, conheço do agravo de instrumento e lhe DOU parcial provimento para determinar
que as penalidades sejam aplicadas sobre a parte inadimplida do contrato.
III - DECISÃO
29 de junho de 2021
Relator